Dissertação
Mestrado Integrado em Medicina
A PROPÓSITO DE UM CASO DE CIRROSE HEPÁTICA
Rita Maria Vieira de Carvalho
Orientador
Professor Doutor Jorge Areias
Porto 2009/10
Dissertação
Mestrado Integrado em Medicina
A PROPÓSITO DE UM CASO DE CIRROSE HEPÁTICA
Rita Maria Vieira de Carvalho
Orientador
Professor Doutor Jorge Areias
Porto 2009/10
I
“To make a great dream come true,
the first requirement is a great capacity to dream;
the second is persistence – a faith in the dream.”
Hans Selye, MD
II
ABREVIATURAS
ALC-1 anticorpo anti-citosol hepático tipo-1
ALT alanina aminotransferase
AMA anticorpos anti-mitocondriais
ANA anticorpos anti-nucleares
AST aspartato aminotransferase
BilD bilirrubina directa
BilT bilirrubina total
CBP cirrose biliar primária
CEP colangite esclerosante primária
CHC carcinoma hepatocelular
CHP/HSA Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António
CPT Child-Pugh-Turcotte
EAM enfarte agudo de miocárdio
EDA endoscopia digestive alta
EUA Estados Unidos da América
FA fosfatase alcalina
GGT gama-glutamil transferase
HAI hepatite auto-imune
Hb hemoglobina
HH hemocromatose hereditária
HLA antígeno leucocitário humano
IAIHG International Autoinmune Hepatitis Group
IgG Imunoglobulina G
IV intra-venoso
LKM anticorpos antimicrossomais de fígado e rim
III
MELD Model for End-stage Liver Disease
pANCA anticorpos citoplasmáticos antineutrofílicos perinucleares
RM ressonância magnética
SMA anticorpos anti-músculo liso
SLA antígeno hepático solúvel
SLA/LP antígeno hepático solúvel/anti-fígado-pâncreas
SS síndrome de sobreposição
SU Serviço de Urgência
TAC tomografia axial computorizada
UMA Unidades Maço Ano
IV
RESUMO
Introdução: Cirrose define a destruição da arquitectura hepática normal de forma
progressiva, difusa, fibrosante e nodular, sendo geralmente irreversível. A prevalência
mundial é desconhecida, mas a estimativa aponta para 1% da população mundial. O
conhecimento da causa permite prever as complicações, decidir qual o tratamento mais
apropriado e, quando possível, implementar medidas preventivas. Se o tratamento médico
perde a eficácia no controlo das complicações, o transplante hepático deve ser considerado,
visto ser o único curativo. Descrição do caso: Paciente com cirrose hepática Child C por
síndrome de sobreposição e sobrecarga de ferro, em estudo por melenas de repetição e
agravamento progressivo da disfunção hepatocelular nos meses que antecederam os
internamentos, com hiperbilirrubinemia e hipoalbuminemia. Discussão: Cirrose Biliar
Primária e Hepatite Auto-Imune são as duas principais doenças imunologicamente
mediadas que se encontram em pólos opostos do espectro das doenças auto-imunes
hepáticas. Alguns doentes apresentam características que não se enquadram nos critérios
diagnósticos de apenas uma destas entidades: síndromes de sobreposição, que representam
aproximadamente 20% das doenças hepáticas imunes, estando os pacientes expostos ao
risco de fibrose e outras complicações. O tratamento e o prognóstico estão estreitamente
relacionados com a entidade que predomina. A acumulação de ferro hepático pode ocorrer
em diversas situações, sendo a mais importante a Hemocromatose Hereditária. O ferro é
co-factor de morbilidade em doenças hepáticas crónicas e também carcinogénio. O
transplante hepático é o tratamento de escolha nos pacientes com síndrome de
sobreposição em estágio terminal. Conclusão: Surgimento de melenas num doente com
varizes esofágicas e gastropatia hipertensiva portal aponta para hemorragia digestiva alta
por rotura de varizes esofágicas como a principal causa. Na síndrome de sobreposição,
38% desenvolvem cirrose ou insuficiência hepática em apenas 5 anos, apresentando pior
prognóstico do que os que têm apenas uma das patologias isoladamente.
PALAVRAS-CHAVE
Cirrose Hepática; Hepatite Auto-Imune; Cirrose Biliar Primária; Síndrome de
Sobreposição; Hemocromatose Hereditária; Transplante Hepático
V
AGRADECIMENTOS
Gostava de manifestar a minha gratidão para com o Prof. Doutor Jorge Areias, pela
oportunidade que me proporcionou de desenvolver um trabalho na minha área de interesse,
bem como pela confiança que depositou em mim, demonstrada desde o primeiro momento.
Estou-lhe verdadeiramente agradecida pela sua disponibilidade e excelência na orientação
científica deste trabalho. Não posso deixar de agradecer também a todos os professores
que, ao longo do meu percurso académico, contribuíram com os seus conhecimentos para a
minha formação.
Agradeço muito ao Hugo, cuja visão criativa, experiente e inspiradora valorizou
este trabalho.
Estou igualmente grata aos meus pais, Elsa e Fausto, por me deixarem sonhar, por
acreditarem nos meus sonhos, por sonharem comigo e por me ajudarem a tornar esses
sonhos realidade. Ao meu irmão, Henrique, pelo exemplo e por sempre me ter apoiado.
Aos meus avós, Helena e Fausto, pelo amor, carinho e muita ajuda. Ao Nuno, pelo que tem
feito por mim e por nós.
Correndo o risco de, por lapso, não ter sido mencionado alguém que devia, resta um
pedido de desculpa e, finalmente, agradecer.
VI
ÍNDICE
ABREVIATURAS ............................................................................................................................. II
RESUMO ......................................................................................................................................... IV
PALAVRAS-CHAVE ...................................................................................................................... IV
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................................... V
ÍNDICE ............................................................................................................................................ VI
ÍNDICE DE FIGURAS ................................................................................................................... VII
ÍNDICE DE TABELAS ................................................................................................................ VIII
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1
DESCRIÇÃO DO CASO ................................................................................................................... 4
DISCUSSÃO ...................................................................................................................................... 7
CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 14
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 16
ANEXOS.......................................................................................................................................... 26
VII
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - EDA .................................................................................................................................. 4
Figura 2 - Colonoscopia ...................................................................................................................... 5
Figura 3 - Melenas (toque rectal) ........................................................................................................ 6
VIII
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Causas de Cirrose Hepática .............................................................................................. 26
Tabela 2 - Avaliação laboratorial da cirrose ....................................................................................... 27
Tabela 3 - Classificação de Child-Pugh-Turcotte (CPT), obtida pelo somatório dos resultados dos 5
parâmetros: classe A (5 a 6 pontos), B (7 a 9) e C (10-15). Classificação igual ou superior a 7 pontos
(classe B) indica descompensação, sendo este nível aceite para inclusão na lista de transplantação.
Resultado do paciente: 11 pontos (CPT classe C) .................................................................................. 28
Tabela 4 - Exames complementares de diagnósticos, relativos a 2005, aquando do diagnóstico do
quadro de Cirrose Hepática .................................................................................................................. 29
Tabela 5 - Escala IAIHG diagnóstica de HAI ...................................................................................... 30
Tabela 6 - Critérios simplificados de diagnóstico de HAI (Hennes et al)................................................ 31
Tabela 7 - Categorias da deposição de ferro hepático .......................................................................... 32
Tabela 8 - Quantificação histológica do armazenamento de ferro hepático ........................................... 33
Tabela 9 - Indicações e Contra-indicações para o Transplante Ortotópico de Fígado ............................ 34
1
INTRODUÇÃO
Cirrose, define a destruição da arquitectura hepática normal que ocorre de uma
forma progressiva, difusa, fibrosante e nodular(1)
. Fibrose é a substituição de tecido lesado
com formação de matriz de colagénio, resultante da perpetuação da resposta de
fibrinogénese(2)
. As células responsáveis pelo processo de fibrose hepática parecem ser os
miofibroblastos activados e a reversibilidade da fibrose depende da eliminação dos
mesmos(3,4)
. A cirrose e a distorção vascular a ela associada são geralmente irreversíveis,
mas recentes investigações sugerem que poderá haver regressão ou reversibilidade(2,5,6)
.
A prevalência exacta a nível mundial é desconhecida, mas presume-se que seja de
aproximadamente 0,15% na Europa e EUA. Contudo, os números são superiores na
maioria dos países subdesenvolvidos, o que faz com que uma estimativa mais razoável
aponte para que 1% da população mundial desenvolva fibrose hepática(2)
.
A etiologia pode ser identificada pela combinação da história do paciente com a
avaliação serológica e histológica. O conhecimento da causa (Anexo: Tabela 1) permite
prever as complicações, decidir qual o tratamento mais apropriado e, quando possível,
implementar medidas preventivas(2)
. A maioria das causas preveníveis é atribuída ao
álcool, hepatites víricas e esteatose hepática não-alcoólica. O consumo excessivo de álcool
é um importante problema de saúde pública(7,8)
. Em Portugal, 10% da população é
consumidora abusiva de álcool, sendo esta a principal causa de cirrose no país(9)
.
Cirrose é frequentemente uma doença silenciosa, mantendo-se a maioria dos
doentes assintomáticos até que ocorra descompensação. Aproximadamente 80-90% do
parênquima encontra-se já destruído quando a lesão hepática se manifesta clinicamente.
Numa fase inicial compensada, pode manifestar-se sob a forma de anorexia e perda de
peso, fadiga ou até osteoporose(1)
. A apresentação como cirrose descompensada é também
comum, caracterizando-se pela presença de complicações como varizes hemorrágicas,
ascite, peritonite bacteriana espontânea, ou encefalopatia hepática(10-14)
. Os sinais e
sintomas mais comuns à apresentação incluem icterícia, prurido, ascite, caput medusae,
flapping, hálito cetósico, hepatomegalia, esplenomegalia, aranhas vasculares
(telangiectasias e angiomas) e sintomas constitucionais(1)
.
2
O diagnóstico dos casos assintomáticos é frequentemente feito em exames de
rotina, sendo confirmado posteriormente por uma avaliação mais aprofundada (Anexo:
Tabela 2)(15)
. Os achados laboratoriais mais frequentes são: AST e ALT normais ou
moderadamente aumentadas (relação AST:ALT habitualmente superior a 1); FA elevada;
GGT elevada (sobretudo na lesão alcoólica); hipoalbuminemia; diminuição do tempo de
protrombina; imunoglobulinas aumentadas (sobretudo IgG); hiponatremia; anemia;
trombocitopenia e leucopenia(2)
. Se não houver alterações, mas se mantiver uma suspeita
através da clínica, uma nova avaliação deve ser feita no prazo de seis meses(16)
. Se um
paciente apresentar elevação da ALT persistente, serologias víricas devem ser analisadas;
se forem negativas, devem incluir-se no estudo anticorpos (anti-nucleares e anti-músculo
liso), para averiguação de hepatites auto-imunes; a saturação da transferrina, capacidade
total de fixação do ferro e ferritina permitem avaliar a hemocromatose(17)
. Num doente com
idade inferior a 40 anos, com suspeita de doença de Wilson, ceruloplasmina e cobre devem
ser medidos. A avaliação da colestase deve ser feita perante a suspeita de CBP ou CEP.
Avaliação do défice de α1 anti-tripsina deve ser realizada quando existe lesão hepática
crónica e sem causa aparente(1)
. A ecografia é o exame de primeira linha na avaliação de
cirrose(18)
, sendo a TAC ou RM apenas necessárias em caso de dúvida. A biópsia hepática
é considerada gold-standard no diagnóstico, classificação e estadiamento de cirrose.
Contudo, está associada a alguns riscos bem como a uma grande variabilidade nas
diferentes doenças do fígado(19,20)
.
Numerosos estudos têm sido desenvolvidos no sentido de criar um sistema de
classificação que possa caracterizar o nível de lesão hepática e estimar o prognóstico dos
pacientes com cirrose, baseando-se na clínica e em parâmetros laboratoriais. A
classificação de Child-Pugh-Turcotte (Anexo: Tabela 3) é amplamente usada. A
sobrevivência para os pacientes ao final de um ano é de 100%, 80% e 45% para CPT A, B
e C, respectivamente(21)
. CPT estima o desenvolvimento de complicações, bem como a
resposta dos pacientes a intervenções cirúrgicas(22)
. Recentemente, surgiu também um
sistema de classificação MELD, que avalia com maior precisão a mortalidade a curto prazo
(3 meses), independentemente da etiologia da cirrose(23)
.
A evolução da cirrose depende da etiologia e do tratamento causal(2)
. O tratamento
numa fase inicial deve centrar-se na diminuição da sintomatologia e na prevenção do
desenvolvimento de cirrose. Após a cirrose se ter estabelecido, deve focar-se na prevenção
3
das complicações. Quando o tratamento médico perde a eficácia no controlo das
complicações da cirrose, o transplante hepático deve ser considerado(22)
. O único
tratamento curativo é o transplante, sendo que os casos de cirrose englobam 70-90% das
suas indicações(8,24)
.
Muitos progressos têm sido feitos no sentido de prevenir e tratar as complicações
decorrentes da mesma, tais como varizes esofágicas, ascite, peritonite bacteriana
espontânea, síndrome hepatorrenal e encefalopatia(10,11)
. A cirrose é também um dos
factores de risco major que leva ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, um dos
tumores sólidos mais comuns a nível mundial(25)
, cuja incidência é de aproximadamente 2-
7% ao ano. A vigilância do aparecimento de CHC é fundamental no seguimento destes
pacientes. A taxa de mortalidade por CHC associado com cirrose tem aumentado na
maioria dos países desenvolvidos, enquanto a decorrente de outras complicações (que não
o CHC) tem decrescido(26)
. Após a descompensação, a mortalidade na ausência de
transplante é superior a 85% em 5 anos. Portugal era, no início dos anos 80, o 5º país com
maior mortalidade mundial por cirrose hepática; contudo esses valores têm declinado(27)
.
4
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente do sexo masculino, de 58 anos, caucasiano, natural de Moçambique e a
residir actualmente no Porto foi admitido em 15 de Setembro de 2009 no serviço de
Gastrenterologia do CHP/HSA, após ter recorrido ao SU do mesmo hospital, por melenas.
Tratava-se de um doente com uma Cirrose Hepática por um Síndrome de Sobreposição e
sobrecarga de ferro, ex-fumador de 46 U.M.A. e antecedentes de EAM. Apresentava-se
com melenas de repetição, com uma semana de evolução, associadas a anorexia e astenia;
sem náuseas, vómitos, abdominalgias ou outros sintomas. Previamente, a 13 de Agosto do
mesmo ano, tinha sido internado com queixas semelhantes, tendo estado aproximadamente
meio mês nesta enfermaria. À entrada apresentava um Hb= 12g/dL, estando
hemodinamicamente estável. Na altura foi-lhe realizada EDA (Figura 1), colonoscopia
(Figura 2) com progressão até ao cego e ainda paracentese evacuadora, devido a aumento
do perímetro abdominal. Durante o internamento registou-se uma descida do valor de Hb
para 8,2g/dL. Teve alta após melhoria clínica e analítica (Hb 10,2 g/dL), mas sem que na
altura se tivesse identificado a origem das hemorragias. O doente referiu melhoria da
sintomatologia após o internamento, queixando-se contudo de alguma fadiga, mas
mantendo a autonomia.
Figura 1 - EDA: “varizes esofágicas grandes com sinais vermelhos, sem estigmas de
hemorragia; sem sangue no estômago; gastropatia hipertensiva portal leve” (da
esquerda para a direita e de cima para baixo: esófago, corpo, retroversão e antro).
Fonte: Processo clínico.
5
Quanto aos antecedentes pessoais registam-se febre-amarela na infância; EAM
postero-inferior, com derrame pericárdico, em 2000 (realizou cateterismo com angioplastia
e colocação de 2 stent, fazendo medicação anti-agregante desde então); cirurgia para
remoção bilateral de cataratas, em 2008. De entre os antecedentes familiares, importa
salientar a neoplasia do cólon, que motivou o falecimento do pai.
Em 2005, quando procurou auxílio médico por notar a pele e mucosas ictéricas, foi-
lhe diagnosticada Cirrose Hepática Child C (Anexo: Tabela 3), associada a Síndrome de
Sobreposição, com sobrecarga de ferro. Foram-lhe realizados vários exames
complementares de diagnóstico, que confirmaram a patologia (Anexo: Tabela 4). Nega
factores de risco para doença hepática (hábitos etílicos escassos, sem comportamentos
sexuais de risco, nem consumo de drogas injectáveis). Desde então refere uma perda
ponderal de 14 Kg (de 90Kg para 76 Kg), com aumento progressivo da fadiga e prurido.
Apresenta também hipotensão arterial, aumento do perímetro abdominal e evidências de
circulação colateral, colúria e acolia. Houve agravamento progressivo da disfunção
hepatocelular nos meses que antecederam estes internamentos, com hiperbilirrubinemia
(Bil T/Bil D- 10,29/6,93 mg/dL) e hipoalbuminemia (22,6g/L).
O doente apresentava pele, mucosas e escleróticas ictéricas. O abdómen era mole e
globoso, indolor à palpação superficial ou profunda, com evidência de circulação venosa
colateral e sem sinais de irritação peritoneal. Os ruídos hidro-aéreos estavam presentes em
todos os quadrantes e eram de timbre e frequência normal. Ao toque rectal notava-se a
presença de prolapso hemorroidário de grau II, esfíncter normotónico e dedo de luva com
fezes e sangue (Figura 3), mas não se detectaram massas palpáveis.
Figura 2 - Colonoscopia: “fezes líquidas em pequena quantidade, sem sangue; pólipos
diminutos e doença hemorroidária”. Fonte: Processo clínico.
6
Durante o internamento foi medicado com Prednisolona per os 2,5mg i.d.;
Esomeprazol per os 40 mg i.d.; Metoclopramida IV 10mg 8/8h (SOS); Norfloxacina per os
400mg i.d.; Paracetamol per os 400mg i.d.; Terlipressina IV 0,5mg 4/4h; Albumina
humana a 20% (50 mL=10g) IV 20g 8/8h; Soros e aditivos - polielectrolítico sem glicose
1L/24h (41,67 mL/h) contínuo; dieta ligeira, restrita em sódio e sacarose. Foi proposto para
Transplante Hepático.
Figura 3 - Melenas (toque rectal).
Fonte: Processo clínico.
7
DISCUSSÃO
A Hepatite Auto-Imune é uma doença hepática crónica, necroinflamatória e
heterogénea(28)
. É uma das hepatopatias imunes mais frequentes, com uma prevalência de
17/100000 pessoas(29)
. O mecanismo patogénico permanece desconhecido, sendo a
predisposição genética sugerida como uma das principais causas, tendo em conta o
predomínio desta doença no sexo feminino (80%) e a associação com HLA. O gene HLA
tem um papel dominante na predisposição para HAI(28,30)
, apresentando-se as formas HLA-
B8, -DR3 e -DR4 com uma frequência elevada nas diferentes populações de
pacientes(28,31,32)
. A evolução da doença é flutuante, sendo a presença de IgG e
autoanticorpos, bem como a resposta à imunossupressão, as suas principais
características(28)
. As manifestações clínicas variam desde a doença assintomática a
hepatite ictérica severa ou inclusivamente insuficiência hepática fulminante, que requer
transplantação hepática(28)
. Os sintomas não específicos mais frequentes são fadiga,
letargia, anorexia, náuseas, abdominalgia ou prurido; ao exame físico podem observar-se
hepatomegalia, esplenomegalia, icterícia e sinais de doença hepática crónica(28,33)
.
Elevação de AST e ALT; aumento das globulinas séricas, em particular IgG (1,2-3 vezes
superior ao normal); anticorpos ANA, SMA, SLA/LP e LKM são as alterações mais
comuns. O diagnóstico é um desafio, visto que apenas os anticorpos SLA/LP são altamente
específicos(34)
e estão presentes em somente 20% dos pacientes. Os restantes
autoanticorpos podem ser encontrados em várias doenças hepáticas e a sua presença, por si
só, não é diagnóstica de HAI. Os anticorpos estão ausentes em cerca de 10% dos
pacientes(35)
. Devido à inexistência de testes de diagnóstico de HAI precisos, a biópsia
hepática continua a ser a principal ferramenta diagnóstica. As alterações histológicas
características são: infiltrado de mononucleares (hepatite de interface); células plasmáticas
abundantes; eosinófilos; fibrose com distorção hepática e nódulos regenerativos na
presença de cirrose(28,36)
. Alguns pacientes com apresentação aguda evidenciam doença
crónica na biópsia hepática, o que indica que tiveram doença subclínica durante algum
tempo. Habitualmente o diagnóstico é feito utilizando o sistema de classificação IAIHG(37)
,
descrito inicialmente em 1992 e adaptado em 1999(28,37)
(Anexo: Tabela 5). A sensibilidade
ronda os 97-100%, mas a especificidade é inferior, variando de 66-92%(28,37)
. Hennes et al.
(2008) propôs um sistema de classificação mais simplificado, composto apenas por quatro
critérios(38)
(Anexo: Tabela 6). Um diagnóstico definitivo exige a exclusão de outras
8
importantes causas de dano hepático, como álcool, vírus, drogas e toxinas, ou doença
hepática hereditária(39)
.
HAI tipo 1 caracteriza-se pela presença de ANA e/ou SMA e um título de pelo
menos 1:80 é geralmente aceite como positivo(37)
; habitualmente está associado com HLA-
DR3. Anticorpos antiactina são também mais específicos do tipo 1(40)
, bem como
SLA/LP(41,42)
e pANCA(43,44)
. HAI tipo 2 é uma doença rara associada a LKM-1 e ALC-1,
podendo surgir juntos ou separadamente, associado com HLA-DRB1 e HLA-DQB1(45,46).
Cirrose Biliar Primária é uma doença hepática imune, colestática, com progressão
variável mas habitualmente lenta(47)
. A sua prevalência é de 25-40/100000 pessoas(48)
,
afectando sobretudo o sexo feminino (90-95%, com uma prevalência 1 em cada 1000
mulheres após os 40 anos). A frequência mais elevada ocorre no hemisfério norte(49,50)
.
Aproximadamente metade dos pacientes com CBP são afectados por pelo menos outra
doença auto-imune e 20% têm múltiplas alterações auto-imunes(51)
. O mecanismo
patogénico preciso continua por definir(47)
. Os sintomas mais comuns incluem fadiga e
prurido, em 85% e 70% dos casos, respectivamente(52,53)
; contudo a maioria é
assintomática no momento da apresentação(54)
. O diagnóstico baseia-se na elevação dos
marcadores de colestase, isto é, FA e GGT (elevados por um período superior a 6 meses), e
na presença de AMA (geralmente um título elevado) contra a subunidade E2 da enzima
piruvato quinase, na ausência de outra explicação para o facto(55)
. AMAs são altamente
específicos do diagnóstico de CBP, no entanto, aproximadamente 5% dos pacientes com
CBP são AMA negativos(56)
.Histologicamente, ocorre lesão dos ductos biliares com dano
epitelial, infiltrado inflamatório portal denso(57)
e perda progressiva dos pequenos ductos
biliares intra-hepáticos(58)
. Contudo, nenhuma destas alterações é patognómonica de CBP e
foi sugerido que o diagnóstico “definitivo” e “provável” se faça pela presença de três e
dois destes achados, respectivamente(59)
.
CBP e HAI são as duas principais doenças hepáticas imunologicamente mediadas
que se encontram em pólos opostos do espectro das doenças auto-imunes do fígado,
diferindo sobretudo nos achados patológicos e na intervenção terapêutica. Alguns doentes
apresentam características de doenças hepáticas auto-imunes que não se enquadram nos
critérios diagnósticos de apenas HAI ou CBP - síndromes de sobreposição(60)
. O termo SS
é usado para descrever formas variantes de HAI que apresentam características de HAI e
CBP ou CEP; não existe evidência de uma sobreposição CBP e CEP(39)
. A síndrome de
9
sobreposição CBP-HAI é uma entidade que foi pela primeira vez descrita por Popper e
Schaffner(61)
, na década de 1970(62,63)
, e representa aproximadamente 20% das doenças
hepáticas imunes. No verdadeiro SS, o paciente apresenta características clínicas,
serológicas e histológicas das duas patologias, em simultâneo ou durante o decorrer de uma
das doenças(64)
. 8% dos casos de HAI apresentam características clínicas, bioquímicas,
imunológicas ou histológicas compatíveis com CBP e até 9% dos doentes com CBP
apresentam manifestações de HAI(33,65,66)
. Não está esclarecido se esta síndrome é formada
por duas entidades diferentes ou é apenas uma variante das hepatopatias imunes
major(33,67)
. Para Lohse et al.(1999), a dúvida reside em saber se será uma simples variação
da CBP ou uma síndrome única(66)
. O síndrome de sobreposição afecta sobretudo o sexo
feminino, com uma idade média de 50 anos.
As manifestações clínicas da síndrome de sobreposição HAI-CBP são inespecíficas,
sendo o sintoma principal prurido(68)
, mas podem apresentar também fadiga, artralgias e
mialgias; as provas de função hepática mostram um padrão misto com presença de citólise
e colestase; a biópsia hepática é de grande valor no diagnóstico de afectação hepática
coexistente(69)
e o estudo histológico apresenta evidência de colangite com hepatite de
interface(33,65)
. Os AMA são positivos em cerca de 20% dos casos de HAI, dos quais 88%
apresentam títulos iguais ou superiores a 1:160, não se considerando relevantes títulos
baixos de AMA(70)
. Contudo, AMA-M2 estão presentes em pelo menos 8% dos casos de
HAI e podem ser considerados patognomónicos de CBP, independentemente do título(71)
.
Não existem critérios diagnósticos consensuais para a síndrome de sobreposição CBP-
HAI. A maioria dos autores utiliza os estabelecidos por Chazouillères et al.(1998)(65)
, que
para a HAI são: a) elevação ALT sérico pelo menos 5 vezes o limite superior da
normalidade; b) IgG pelo menos 2 vezes o limite superior da normalidade e/ou
positividade para AMA; c) histologia compatível com hepatite de interface moderada a
severa. Os critérios de CBP compreendem: a)FA pelo menos 2 vezes mais elevada que o
limite superior ao valor normal e/ou GGT pelo menos 5 vezes maior que o limite superior
da normalidade; b) presença de AMA; c) lesão histológica dos ductos biliares. Para o
diagnóstico é necessário que se cumpram pelo menos 2 dos 3 critérios de cada uma das
entidades(65)
. Contudo, Ben-Ari e Czaja (2001)(72)
consideram que os critérios de
Chazouillères et al. foram estabelecidos de forma arbitrária e não têm sensibilidade
demonstrada, pelo que propõem que o diagnóstico de síndrome de sobreposição HAI-CBP
10
se realize naqueles pacientes que apresentam uma classificação de “provável” no sistema
de pontuação do IAIHG, associado a positividade dos AMA e presença de colangite no
estudo histológico. Nesse sentido, Yamamoto et al.(2003)(73)
, propõem um sistema de
pontuação para o diagnóstico de CBP similar ao da IAIHG, e comprovam que todos os
casos de síndrome de sobreposição apresentam pontuações elevadas em ambos os sistemas
de pontuação. O diagnóstico de uma SS auto-imune não é apenas importante para a
classificação, mas também pelas implicações terapêuticas demonstradas por estudos
recentes(60)
. O intervalo entre o diagnóstico de HAI e o de CBP pode variar de 6 meses até
13 anos. A remissão em pacientes que desenvolveram cirrose pode ser de 80%, após
terapia imunossupressora adicional. Os pacientes com síndrome de sobreposição HAI-CBP
têm pior prognóstico que aqueles que apresentam apenas uma das patologias
isoladamente(74)
. Dependendo dos critérios de diagnóstico usados, a sua prevalência varia
dos 4,8-19% dos pacientes com CBP(65,75)
e 5-8,3% dos pacientes com HAI(73)
. Alguns
autores consideram que surge de um processo auto-imune único, com efeitos diversos nos
hepatócitos e nos ductos biliares, ou seja, SS é uma forma intermediária do espectro das
doenças hepáticas auto-imunes(76)
. Para outros, SS ocorre quando duas doenças diferentes
surgem no mesmo paciente(77)
. Uma terceira hipótese descreve-a como uma forma de
HAI(78)
ou CBP(66)
variante. Pacientes com sobreposição de HAI-CBP apresentam um
importante dilema terapêutico(51)
. Actualmente, a patogenia e o tratamento não estão
completamente definidos, contudo é evidente que o tratamento e o prognóstico estão
estreitamente relacionados com a entidade que predomina na síndrome(33,65,66)
.
A acumulação de ferro no fígado pode ocorrer numa ampla variedade de situações
(Anexo: Tabela 7), sendo a mais importante a Hemocromatose Hereditária. A distinção
entre a acumulação de ferro na HH e outras causas pode ser complicada, baseando-se na
combinação de alterações morfológicas, clínica, estudos genéticos e/ou análise quantitativa
de ferro em amostras hepáticas(79)
. HH é uma doença muito comum, que afecta sobretudo a
população caucasiana, causada por mutações nos genes que controlam o metabolismo do
ferro(80)
e que leva à deposição de hemosiderina(79)
. As mutações ocorrem em pelo menos
quatro diferentes genes. A absorção de ferro (1-2mg/dia) ocorre no duodeno, sendo o
organismo incapaz de excretá-lo devido à inexistência de mecanismos que controlem esse
processo; a perda de ferro ocorre normalmente de forma lenta, por perda das células
intestinais aquando da sua renovação e através das células epiteliais da pele(79)
. Absorção
11
intestinal inapropriadamente aumentada de ferro e reciclagem acelerada pelos macrófagos
levam a um acúmulo progressivo de ferro no organismo e produção de stress oxidativo nos
tecidos, que conduzem ao dano celular, indução de inflamação e fibrose(80)
. O curso natural
pode ser modificado por factores ambientais e predisposição pessoal(80)
. Em 1996, Feder et
al descobriram os gene HFE(81)
. Alterações do metabolismo do ferro causadas por
mutações em 2 alelos do gene HFE, podem ser responsáveis por HH, de transmissão
autossómica recessiva(79)
. Contudo, existem também formas de HH não-HFE.
HH tipo 1 é a forma mais estudada, apresenta distribuição mundial e está associada
a mutações no gene HFE(81)
.A anomalia fundamental é a absorção excessiva de ferro no
duodeno. O aumento progressivo do ferro total corporal é reflectido pelo aumento na
saturação de transferrina sérica e ferritina, bem como deposição anormal de ferro,
predominantemente nos hepatócitos. Esta doença é clinicamente inaparente até à 5ª-6ª
décadas, altura em que surgem variadas manifestações. A complicação mais temida é a
fibrose hepática progressiva e consequente cirrose, que aumentam o risco de carcinoma
hepatocelular. Contudo, 5-10% das HH em adultos são não-HFE: HH tipo 3 ou tipo 4(82)
.
As formas não-HH em adultos estão associadas a acumulação de ferro predominantemente
nas células reticuloendoteliais e não beneficiam com as flebotomias(82)
. As formas juvenis,
tipos 2A e 2B são menos comuns(82)
.
Em fases precoces, a hemosiderina deposita-se nos hepatócitos periportais. A
acumulação progressiva evolui para os hepatócitos da zona média e centrolobular, bem
como para o epitélio biliar. Os hepatócitos que acumulam níveis elevados de ferro sofrem
sideronecrose com consequente fibrose(83)
.
Progressos feitos em genética molecular e em imagiologia permitiram que
actualmente fosse possível fazer o diagnóstico através de métodos não invasivos na
maioria dos casos de alterações do metabolismo do ferro. A biópsia hepática continua a ter
elevada importância para avaliação de lesões, sobretudo fibrose, não só em casos com
HFE, mas também não-HFE(84)
. A concentração de ferro hepático é um método de
referência para quantificar o ferro no fígado(85)
. Em condições normais, varia de 10-
36µmol/g(85)
de peso seco e é histologicamente invisível. O excesso de ferro é considerado
leve a partir de 150 µmol/g, moderado entre 150-300 µmol/g,importante acima de 300
µmol/g. Casos superiores a 1000 µmol/g são excepcionais. Avaliação histológica
semiquantitativa, permitiu que Scheuer et al.(1962) propusessem um sistema de
12
classificação original(86)
, posteriormente modificado, amplamente usado (Anexo: Tabela
8). A RM permite a detecção e quantificação do excesso de ferro hepático em níveis
superiores a 300µmol/g de peso seco(87)
; permite classificar o excesso de deposição no
parênquima, mesênquima e misto(88)
.
Os dados na literatura são escassos, mas está descrito que os pacientes com SS
estão expostos ao risco de fibrose e outras complicações(68,89)
. As variáveis associadas a
mau prognóstico são: transaminases 10 vezes superiores ao limite normal, aquando do
diagnóstico; hiperbirrubinemia; persistência das transaminases e ou bilirrubina duas vezes
superior ao limite do normal, após três meses de terapia(68)
. 38% desenvolvem cirrose ou
insuficiência hepática em 5 anos(68)
. Estes pacientes apresentam um risco superior de
hipertensão portal, apresentando sintomatologia associada à mesma, como varizes
esofágicas, sangramento gastrointestinal e ascite(74)
. O desenvolvimento de
hepatocarcinoma ou, mais raramente, hepatocolangiocarcinoma, também está descrito em
pacientes com SS(89)
. O aparecimento destas complicações, pode levar à necessidade de
transplante hepático ortotópico e/ou morte(74)
.
Os pacientes com HH apresentam um risco 240 vezes superior de virem a
desenvolver carcinoma hepatocelular, estando o risco relacionado com a quantidade de
ferro depositada e com o grau de fibrose(90)
. A fibrose alargada aos septos biliares com
preservação da arquitectura vascular do fígado explica que a hipertensão portal e a
insuficiência hepática sejam complicações raras na hemocromatose. 25-50% são já
diagnosticados após o desenvolvimento de cirrose. O ferro tem um papel carcinogénico
devido à produção de stress oxidativo e favorece o crescimento tumoral e/ou modifica o
sistema imune(90)
. O cancro hepático é uma complicação frequente(90)
, sendo a maioria
representada por CHC, mas há também relatos de colangiocarcinoma(91)
.Elevado índice de
suspeita de CHC é importante, visto que este pode desenvolver-se em um terço dos
pacientes com cirrose devida HH(92)
. O ferro é ainda um co-factor de morbilidade em
doenças hepáticas crónicas de várias causas, sendo por isso importante identificar,
qualificar, quantificar e interpretar a presença do mesmo noutras doenças(84)
.
A importância de distinguir SS das patologias que a constituem isoladamente, deve-
se sobretudo às opções terapêuticas(65)
. A baixa prevalência de síndrome de sobreposição
HAI-CBP tem limitado a realização de estudos de controlo terapêutico(39)
. As
recomendações terapêuticas continuam a basear-se no tratamento tanto da HAI quanto da
13
CBP. Existem dados que sugerem que o tratamento combinado é mais efectivo(93)
. Quando
não tratada, a HAI severa tem uma mortalidade superior a 50%, em 3 a 5 anos após o
diagnóstico(28)
. A imunossupressão com corticóides (a prednisona tem sido usada na dose
inicial de 0,5mg/kg/dia e deve ser ajustada com base nos valores de ALT(89)
),
habitualmente em combinação com azatioprina, 1-15 mg/kg/dia)(89,94)
, é considerada o
tratamento de primeira linha para induzir e manter a remissão da HAI. O objectivo
terapêutico é a normalização completa das transaminases. Sob imunossupressão, a maioria
dos pacientes atinge a remissão completa(95)
. Apesar de alguns atingirem a remissão após
algum tempo de tratamento, muitos necessitam terapia prolongada. A remissão deve ser
alcançada por pelo menos quatro anos antes de ser considerada a retirada da terapia
imunossupressora(95)
. Os pacientes com HAI tipo 2 devem ser tratados com
imunossupressão permanente, sendo que esta só pode ser concluída em pacientes com HAI
tipo 1. Alguns pacientes não toleram os efeitos secundários da terapia, sendo necessárias
outras alternativas: ciclosporina em pacientes resistentes aos corticóides(96)
; tacrolimus(97)
;
metotrexato(98)
; ciclofosfamida(99)
; ursodiol(100)
; micofenolato mofetila(101)
. O ácido
ursodeoxicólico é o tratamento habitual aprovado para a CBP. Quando administrado na
dose de 13-15mg/kg/dia, 2 em cada 3 pacientes tem uma esperança média de vida normal,
sem necessidade de adição de outras medidas terapêuticas. Um em cada 3 pacientes não
responde à terapêutica ou pode necessitar de medidas adicionais e/ou transplante. A
sobrevivência média dos indivíduos não tratados é de 7,5-16 anos(102,103)
.
O transplante hepático é um tratamento de escolha nos pacientes com SS em
estágio terminal. As indicações para transplante (Anexo: Tabela 9) são cirrose
descompensada com desenvolvimento de ascite resistente ao tratamento, peritonite
bacteriana espontânea recorrente, encefalopatia, varizes esofágicas sangrantes recorrentes
e/ou CHC. Em pacientes altamente seleccionados, o prurido na ausência de cirrose
descompensada pode ser indicação para transplante, tal como também o é a osteoporose
severa (104)
. As taxas de sobrevivência são de 80-90% após 5 anos. Não existe diferença
estatística significativa entre os pacientes com SS em relação aos que não apresentam esta
síndrome no que respeita a morte (27% vs 13%), necessidade de transplante hepático (15%
vs 7%) ou presença de cirrose (50% vs 39%)(74)
. A doença recidiva em mais de 30% dos
pacientes 10 anos após transplantação, mas geralmente apresenta-se com uma evolução
moderada e que responde à terapia imunossupressora(104)
.
14
CONCLUSÃO
Apesar de em Portugal a doença hepática alcoólica ser a principal causa de cirrose
(1 em cada 10 casos), o doente descrito não apresentava hábitos etílicos importantes. Além
da ausência de consumo de álcool, o mesmo negava ainda outros factores de risco para
doença hepática, tais como comportamentos sexuais de risco ou consumo de drogas
endovenosas, por exemplo. Tal facto, obriga a ponderar uma causa auto-imune ou
hereditária como etiologia provável de cirrose.
A presença de elevação de AST e ALT indicam a presença de citólise, que
associadas a hipergamaglobulinemia com pico de IgG, bem como presença de ANA e
SMA, favorecem o diagnóstico de HAI, provavelmente de tipo 1. Contudo, o aumento de
FA e GGT, assim como AMA indicam lesão colestática por CBP. A biópsia hepática
realizada comprova precisamente a presença simultânea de lesões características de ambas
as doenças. A HAI e CBP são patologias com elevada prevalência no sexo feminino,
sobretudo na quinta década de vida, mas que no entanto também ocorrem com alguma
frequência no sexo masculino. Quando HAI e CBP, doenças que se encontram em pólos
opostos no espectro das lesões hepáticas auto-imunes, surgem em simultâneo no mesmo
paciente trata-se de um Síndrome de Sobreposição HAI-CBP. Estes doentes apresentam
pior prognóstico do que os que têm apenas uma das patologias isoladamente. Além da
sobreposição HAI-CBP, o doente apresentava ainda outra alteração histológica na biópsia
hepática: siderose grau 1 em 4, que indica deposição hepática de ferro, por HH, mas sem
outras manifestações da doença. Até ao momento não está descrito nenhum caso de
síndrome de sobreposição associado a hemocromatose hereditária.
À semelhança do que ocorre na maioria dos casos de cirrose, a doença hepática de
base manteve-se assintomática até que ocorresse descompensação, ou seja, quando já
aproximadamente mais de 80% do parênquima se encontra lesado. Após o estabelecimento
de cirrose, o tratamento deve focar-se na prevenção das complicações. Quando a
terapêutica médica deixa de ser eficaz, o transplante é então o único tratamento curativo.
A presença de sintomatologia, como prurido, aumento da fadiga e icterícia são
habituais no SS. Outras alterações, como hipotensão arterial, ascite, colúria, acolia e
presença de circulação venosa colateral estão, por sua vez, mais associadas à
descompensação da cirrose hepática.
15
No presente episódio, o surgimento de melenas num doente com varizes esofágicas
e gastropatia hipertensiva portal leva a ponderar uma hemorragia digestiva alta por rotura
de varizes esofágicas como a principal causa. A existência de antecedentes familiares de
neoplasia de cólon, obriga contudo a ponderar esta como outra possível etiologia, mas
descartada pela colonoscopia.
Os doentes com SS, 38% desenvolvem cirrose ou insuficiência hepática em apenas
5 anos, aumentando o risco de hipertensão portal. A sobrevivência após um ano de um
doente com cirrose hepática Child-Pugh-Turcotte classe C é de 45%. A mortalidade após
descompensação e na ausência de transplante é de 85% em 5 anos.
A cirrose é também um importante factor de risco para CHC. Outro factor que
aumenta o risco de CHC é a presença de HH (risco 240 vezes superior). O ferro é
carcinogéneo e em simultâneo um co-factor de morbilidade noutras doenças hepáticas
crónicas.
O transplante deve ser considerado em pacientes com cirrose descompensada que
não respondem à medicação. Neste caso o doente apresentava cirrose descompensada com
ascite resistente ao tratamento e varizes esofágicas sangrantes, tornando-se por isso
candidato a transplante. O enfarte agudo de miocárdio póstero-inferior com derrame
pericárdico que o doente sofreu em 2001 poderia ser considerada uma contra-indicação ao
mesmo; contudo os benefícios são considerados superiores aos riscos.
16
BIBLIOGRAFIA
(1) Heidelbaugh JJ, Bruderly M (2006) Cirrhosis and Chronic Liver Failure: Part I.
Diagnosis and Evaluation. Am Fam Physician 74:756-62,781.
(2) Schuppan D, Nezam HA (2008) Liver Cirrhosis. Lancet 371(9615):838-851.
(3) Kisseleva T, Uchinami H, Feirt N, Quintana-Bustamante O, Segovia JC, Schwabe
RF, Brenner DA (2006) Bone marrow-derived fibrocytes participate in
pathogenesis of liver fibrosis. J Hepatol 45:4290-38.
(4) Brenner DA (2009) Molecular Pathogenesis of Liver Fibrosis. Trans Am Clin
Climatol Assoc 120:361-8.
(5) Wanless IR, Nakashima E, Sherman M (2000) Regression of human cirrhosis.
Morphologic features and the genesis of incomplete septal cirrhosis. Arch Pathol
Lab Med 124:1599-607.
(6) Malekzadeh R, Mohamadnejad M, Rakshani N, Nasseri-Moghaddam S, Merat S,
Tavangar SM, et al. (2004) Reversibility of cirrhosis in chronic hepatitis B. Clin
Gastroenterol Hepatol 2:344-7.
(7) Organización Mundial de la Salud [database on the Internet] (2005) Problemas de
salud pública causados por el uso nocivo del alcohol. In:58ª Asamblea Mundial de
La Salud, 2005, Genebra. 1-4.
(8) Silva AS, Santos LL, Passos ADC, Sankarankutty AK, Martinelli ALC, Silva OC
(2006) Chronic liver disease prevention strategies and liver transplantation. Acta
Cirurgica Brasileira 21(1):79-84.
(9) Mota A, Guedes F, Areias J, Pinho L, Cardoso MF (2010) Alcohol comsumption
among patients with hepatites B infection in northern Portugal considering gender
and hepatites B vírus genotype differences. Alcohol 44(2):149-156.
(10) Buterworth RF (2000) Complications of cirrhosis III. Hepatic encephalopathy. J
Hepatol 32(1):171-80.
17
(11) Garcia-Tsao G (2001) Current management of the complications of cirrhosis and
portal hypertension: variceal hemorrhage, ascites, and spontaneous bacterial
peritonitis. Gastroenterology 120:726-48.
(12) Bosch J, Garcia-Pagan JC (2003) Prevention of variceal bleeding. Lancet 361:952-
4.
(13) Franchis R, Dell’Era A, Iannuzzi F (2004) Diagnosis and treatment of portal
hypertension. Dig Liver Dis 36:787-98.
(14) Gines P, Cardenas A, Arroyo V, Rodes J (2004) Management of cirrhosis and
ascites. N Engl J Med 350:1646-54.
(15) Dufour DR, Lott JA,Nolte FS, Gretch DR, Koff RS, Seeff LB (2000) Diagnosis and
monitoring of hepatic injury. I. Performance characteristics of laboratory tests. Clin
Chem 46:2027-49.
(16) Dufour DR, Lott JA,Nolte FS, Gretch DR, Koff RS, Seeff LB (2000) Diagnosis and
monitoring of hepatic injury. II. Recommendations for use of laboratory tests in
screening, diagnosis, and monitoring. Clin Chem 46:2050-68.
(17) Harrison SA, Bacon BR (2005) Relation of hemochromatosis with hepatocelular
carcinoma: epidemiology, natural history, pathophysiology, screening, treatment,
and prevention. Med Clin North Am 89:391-409.
(18) Martinez-Noguera A, Montserrat E, Torrubia S, Villalba J (2002) Doppler in
hepatic cirrhosis and chronic hepatitis. Semin Ultrasound CT MR 23:19-36.
(19) Abdi W, Millan JC, Mezey E (1979) Sampling variability of liver fibrosis on
percutaneous liver biopsy. Arch Intern Med 139:667-69.
(20) Bravo AA, Sheth SG, Chopra S (2001) Liver biopsy. N Engl J Med 344:495-500.
(21) Infant-Rivard C, Esnaola S, Villeneuve JP (1987) Clinical and statistical validity of
conventional prognostic factors in predicting short-therm survival among cirrhotics.
Hepatology 7:660-64.
(22) Heidelbaugh JJ, Bruderly M (2006) Cirrhosis and Chronic Liver Failure: Part II.
Complications and Treatment. Am Fam Physician 74:767-76,781.
18
(23) Wiesner R, Edwards E, Freeman R, et al (2003) Model for end-stage liver disease
(MELD) and allocation of donor livers. Gastroenterology 124:91-96.
(24) Castro-e-Silva Junior O, Sankarankutty AK, Oliveira GR, Pacheco E, Ramalho FS,
Dal Sasso K, Tolentino E, Mente ED, França AVC, Martinelli ALC (2002)
Transplante de fígado: indicação e sobrevida. Acta Cir Bras 17(Suppl 3):S83-91.
(25) Llovet JM, Burroughs A, Bruix J (2003) Hepatocellular carcinoma. Lancet
362:1907-17.
(26) Fattovich G, Stroffolini T, Zagni I, Donato F (2004) Hepatocellular carcinoma in
cirrhosis: Incidence and risk factors. Gastroenterology 127(5 Suppl 1):S35-50.
(27) Bosetti C, Levi F, Lucchini F, Zatonsli WA, Negri E, La Vecchia C (2007)
Woldwide mortality from cirrhosis: an update to 2002.J hepatol 46(5):827-39.
(28) Teufel A, Galle PR, Kanzler S (2009) Update on Autoinmune Hepatites. Wold J
Gastroenterol 15(9):1035-1041.
(29) Boberg KM (2002) Prevalence and epidemiology of autoinmune hepatitis. Clin
Liver Dis 6:635-647.
(30) Donaldson PT (2002) Genetics in autoinmune hepatitis. Semin liver Dis 22:353-
364.
(31) Muratori P, Czaja AJ, Muratori L, Pappas G, Maccariello S, Cassani F, Granito A,
Ferrari R, Mantovani V, Lenzi M, Bianchi FB (2005) Genetic distinctions between
autoinmune hepatites in Italy and North America. World J Gastroenterol 11:1862-
1866.
(32) Teufel A, Worns M, Weinmann A, Centner C, Piendl A, Lohse AW, Galle PR,
Kanzler S (2006) Genetic association of autoinmune hepatitis and human leucocyte
antigen in German patients. World J Gastroenterol 12:5513-5516.
(33) Czaja AJ (1999) Variant forms of autoinmune hepatites. Curr Gastroenterol Rep
1:63-70.
19
(34) Kanzler S, Weidemann C, Gerken G, Lohr HF, Galle PR, Buschenfelde KHM,
Lohse AW (1999) Clinical significance of autoantibodies to soluble liver antigen in
autoinmune hepatitis. J Hepatol 31:635-640.
(35) Krawitt EL (2006) Autoinmune Hepatitis. N Engl Med J 354:54-66.
(36) Pratt DS, Fawaz KA, Rabson A, Dellelis R, Kaplan MM (1997) A novel
histological lesion in glucocorticoid-responsive chronic hepatitis. Gastroenterology
113:664-668.
(37) Alvarez F, Berg PA, Bianchi FB, Bianchi L, Burroughs AK, Cancado EL et al
(1999) International Autoinmune Hepatites Group Report: review of criteria for
diagnosis of autoinmune hepatitis. J Hepatol 31:929-938.
(38) Hennes EM, Zeniya M, Czaja AJ, Pares A, Dalekos GN, Krawitt EL et al (2008)
Simplified criteria for the diagnosis of autoinmune hepatitis. Hepatology 48:169-
176.
(39) Rust C, Beuers U (2008) Overlap syndromes among autoinmune liver diseases.
World J Gastroenterol 14(21):3368-3373.
(40) Czaja AJ, Cassani F, Cataleta M, Valentini P, Bianchi FB (1996) Frequency and
significance of antibodies to actin type 1 autoinmune hepatitis” Hepatology
24:1068-73.
(41) Wies I, Brunner S, Henninger J et al (2000) Identification of target antigen for
SLA/LP autoantibodies in autoinmune hepatitis. Lancet 355:1510-5.
(42) Ma Y, Okamoto M, Thomas MG et al (2002) Antibodies to conformational
epitopes of soluble liver antigen define a severe form of autoinmune liver disease.
Hepatology 35:658-64.
(43) Krawitt EL (1999) Sudden jaundice with isolated atypical perinuclear
antineutrophil cytoplasmic antibodies. Ann Intern Med 131:796.
(44) Roozendaal C, de Jong MA, Ber AP,Wijk RT, Limburg PC,Kallenberg CGM
(2000) Clinical significance of antineutrophil cytoplasmic antibodies (ANCA) in
autoinmuneliver diseases. J Hepatol 32:734-41.
20
(45) Duchini A, McHutchison JG, Pockros PJ (2000) LKM-positive autoinmune
hepatitis in western United States: a case series. Am J Gastroenterol 95:3238-41.
(46) Bridoux-Henno L, Maggiore G, Johanet C et al (2004) Features and outcome of
autoinmune hepatitis type 2 presenting with isolated positivity for anti-liver citosol
antibody. Clin Gastroenterol Hepatol 2:825-30.
(47) Honenester S, Oude-Elferink RPJ, Beuers U (2009) Primary biliary cirrhosis.
Semin Inmunopathol 31:283-307.
(48) Prince MI, James OF (2003) The epidemiology of primary biliary cirrhosis. Clin
Liver Dis 7:795-819.
(49) Danielsson A, Boqvist L, Uddenfeldt P (1990) Epidemiology of primary biliary
cirrhosis in a defined rural population in the northern part of Sweden. Hepatology
11(3):458-464.
(50) Witt-Sullivan H et al (1990) The demography of primary biliary cirrhosis in
Ontario, Canada. Hepatology 12(1):98-105.
(51) Toyoda M, Yokomori H, Kaneko F, Yoshida H, Hoshi K, Takeuchi H et al (2009)
Primary Biliary Cirrhosis-Autoimmune Hepatitis Overlap Syndrome concomitant
with Systemic Sclerosis, Immune Thrombocytopenic Purpura. Inter Med 48:2019-
2023.
(52) Huet PM et al (2000) Impact of fatigue on the quality of life of patients with
primary biliary cirrhosis. Am J Gastroenterol 95(3):760-767.
(53) Bergasa NV (2005) The pruritus of cholestasis. J Hepatol 43(6): 1078-1088.
(54) Prince M et al (2002) Survival and symptom progression in a geographically based
cohort of patients with primary biliary cirrhosis: follow-up for up to 28 years.
Gastroenterology 123(4):1044-1051.
(55) EASL (2009) Clinical practice guidelines:management of cholestatic liver
diseases.J Hepatol 51(2):237-67.
(56) Woodward J, Neuberger J (2001) Autoimmune Overlap Syndromes. Hepatology
33:994-1002.
21
(57) Nishio A, Keeffe EB, Gershwin ME (2002) immunopathogenesis of primary biliary
cirrhosis. Semin Liver Dis 22(3):291-302.
(58) Yeaman SJ,Kirby JA, Jones DE (2000) Autoreactive responses to pyruvate
dehydrogenase complex in the pathogenesis of primary biliary cirrhosis. Immun
Rev 174:238-249.
(59) Schramm C, Lohse AW (2005) Overlap Syndromes of Cholestatic Liver Diseases
and Auto-Immune Hepatitis. Clin Rev Allergy Immunol 28(2):105-14.
(60) Minz RW, Chhabra S, Aggarwal R, Das A, Saikia B, Chawla YK (2009) Incipient
primary biliary cirrhosis/autoimmune hepatitis overlap or hepatitic form of primary
biliary cirrhosis: a case report. Cases J 2:7491.
(61) Popper H, Schaffner F (1970) Nonsuppurative destructive chronic cholangitis and
chronic hepatitis. Prog Liver Dis 13:336-354.
(62) Kloppel G, Seifert G, Lindner H, Dammermann R, Sack HJ, Berg PA (1977)
Histopathological features in mixed types of chronic aggreassive hepatitis and
primary biliary cirrhosis. Correlations of liver histology with mitochondrial
antibodies of different specificity. Virchows Arch A Pathol Anat Histol 373:143-
160.
(63) Okuno T, Seto Y, Okanoue T, Takino T (1987) Chronic active hepatitis with
histological features of primary biliary cirrhosis. Dig Dis Sci 32:775-779.
(64) Poupon R, Chazouilleres O, Corpechot C, Chretien Y (2006) Development of
autoimmune hepatitis in patients with typical primary biliary cirrhosis. Hepatology
44:85-90.
(65) Chazouilleres O, Wendum D, Serfaty L, Montembault S, Rosmorduc O, Poupon R
(1998) Primary biliary cirrhosis-autoimmune hepatitis overlap syndrome: clinical
features and response to therapy. Hepatology 28:296-301.
(66) Lohse AW, Buschenfelde KHM, Franz B, Kanzler S, Gerken G, Dienes HP (1999)
Caracterization of the overlap syndrome of primary biliary cirrhosis (PBC) and
autoimmune hepatitis: evidence for it being a hepatitis form of PBC in genetically
susceptible individuals. Hepatology 29:1078-84.
22
(67) Poupon R (2003) Autoimmune overlapping syndromes. Clin Liver Dis 7:865-878.
(68) Villamil AG, Welz G, Bandi JC, Mullen E, Galdame OA, Bustos D, Gadano AC
(2004) Overlap Syndrome PBC/AHI: prevalence, long-term evolution and
prognostic factors. J Hepatol 40(1):163.
(69) Papamichalis PA, Zachou K,Koukoulis GK, Veloni A, Karacosta EG, Kypri I
(2007) The revised international hepatitis score in chronic liver diseases including
autoimmune hepatitis/overlap syndromes and autoimmune hepatitis with
concurrent other liver disorders. J Autoimmune Dis 4:3.
(70) Kenny RP, Czaja AJ, Ludwig J, Dickson ER (1986) Frecuency and significance of
antimitochondrial antibodies in severe chronic active hepatitis. Dig Dis Sci 31:705-
11.
(71) Czaja AJ, Carpenter HA, Manns MP (1993) Antibodies to soluble liver antigen,
P450IID6, and mitochondrial complexes in chronic hepatitis. Gastroenterology
105:1522-8.
(72) Ben-Ari Z, Czaja AJ (2001) Autoimmune hepatitis and its variant syndromes. Gut
49:589-94.
(73) Yamamoto K, Terada R, Okamoto R, Hiasa Y, Aabe M, Onji M et al (2003) A
scoring system for primary biliary cirrhosis and its application for variant forms of
autoimmune liver disease. J Gastroenterol 38:52-9.
(74) Silveira MG, Talwalkar JA, Angulo P, Lindor KD (2007) Overlap of autoimmune
hepatitis and primary biliary cirrhosis: long-term outcomes. Am J Gastroenterol
102:1244-1250.
(75) Talwalkar JA, Keach JC, Angulo P, Lindor KD (2002) Overlap of autoimmune
hepatitis and primary biliary cirrhosis: an evaluation of a modified scoring system.
Am J Gastroenterol 97:1191-7.
(76) Terracciano LM, Patzina RA, Lehmann FS, Tornillo L, Cathomas G, Mhawech P et
al (2000) A spectrum of histopathologic findings in autoimmune liver disease. Am
J Clin Pathol 114:1839-43.
23
(77) Colombato LA, Alvarez F, Côté J, Huet PM (1994) Autoimmune cholangiopathy:
the result of a consecutive primary biliary cirrhosis and autoimmune hepatitis?
Gastroenterology 107:1839-43.
(78) Ben-Ari Z, Dhillon AP, Sherlock S (1993) Autoimmune cholangiopathy: part of the
spectrum of autoimmune chronic active hepatitis. Hepatology 18:10-5.
(79) Batts KP (2007) Iron overload syndromes and the liver. Mod Pathol 20(Suppl
1):S31-9.
(80) Sikorska K, Bielawski KP, Romanowski T, Stalke P (2006) Hereditary
hemochromatosis: the most frequent inherited human disease. Postepy Hig Med
Dosw 60:667-76.
(81) Feder JN, Gnirke A, Thomas W et al (1996) A novel MHC class-1-like gene is
mutated in patients with hereditary hemochromatosis. Nat Genet 14:399-408.
(82) Aquilar-Martinez P, Schved JF, Brissot P (2005) The evaluation of
hyperferritinemia: an update strategy based on advances in detecting genetic
abnormalities. Am J Gastroenterol 100:1185-1194.
(83) Brunt EM, Olynyk JK, Britton RS et al (2000) Histological evaluation of iron in
liver biopsies: relation to HFE mutations. Am J Gastroenterol 95:1788-1893.
(84) Deugnier Y, Trulin B (2007) Pathology of hepatic iron overload. World J
Gastroenterol 13(35):4755-4760.
(85) Imbert-Bismut F, Charlotte F, Turlin B, Khalin L, Piton A, Brissot P, Le
Charpentier Y, Delattre J, Opolon P, Deugnier Y, Poynard T (1999) Low hepatic
iron concentration: evaluation of two complementary methods, colorimetric assay
and iron histological scoring. J Clin Pathol 52:430-434.
(86) Scheuer P, Williams R, Muir A (1962) Hepatic pathology in relatives of patients
with heamochromatosis. J Pathol Bacteriol 84:53-64.
(87) Gandon Y, Olivie D, Guyader D, Aube C, Oberti F, Sebille V, Deugnier Y (2004)
Non-invasive assessment of hepatic iron stores by MRI. Lancet 363:357-362.
24
(88) Pietrangelo A (2005) Non-invasive assessment of hepatic iron overload: are we
finally there? J Hepatol 42:153-154.
(89) Chazouilleres O, Wendum D, Serfaty L, Rosmorduc O, Poupon R (2006) Long
term outcome and response to therapy of primary biliary cirrhosis-autoimmune
hepatitis overlap syndrome. J Hepatol 44:400-6.
(90) Deugnier YM, Guyader D, Crantock L, Lopez JM, Turlin B, Yaouanq J, Jouanolle
H, Campion JP, Launois B, Halliday JW (104:228-234) Primary liver cancer in
genetic hemochromatosis: a clinical, pathological, and pathogenetic study of 54
cases. Gastroenterology 104:228-234.
(91) Morcos M, Dubois S, Bralet MP, Belghiti J, Degott C, Terris B (2001) Primary
liver carcinoma in genetic hemochromatosis reveals a broad histologic
Spectrum.Am J Clin Pathol 116:738-743.
(92) Niederau C, Fischer R, Purschel A et al (1996) Long-term survival in patients with
hereditary hemochromatosis. Gastroenterology 110:1107-1119.
(93) Heurgué A, Vitry F, Diebold MD, Yaziji N, Bernard-Chabert B, Pennaforte JL,
Picot R, Louvet H, Fremond L, Geoffroy P, Schmit JL, Cadiot G, Thiéfin G (2007)
Overlap syndrome of primary biliary cirrhosis and autoimmune hepatitis: a
retrospective study of 115 cases of autoimmune liver disease. Gastroenterol Clin
Biol 31:17-25.
(94) Beuers U (2005) Hepatic overlap syndromes. J Hepatol 42(Suppl):S93-99.
(95) Kanzler S, Gerken G, Lohr H, Galle PR, Buschenfelde KHM, Lohse AW (2001)
Duration of immunossupressive therapy in autoimmune hepatitis. J Hepatol 34:354-
355.
(96) Fernandes NF, Redeker AG, Vierling JM, Villamil FG, Fong TL (1999)
Cyclosporine therapy in patients with steroid resistant autoimmune hepatitis. Am J
Gastroenterol 94:241-248.
(97) Van Thiel DH, Wright H, Carroll P, Abu-Elmagd K, Rodriguez-Rilo H, McMichael
J, Irish W, Starzl TE (1995) Tacrolimus: a potencial new treatment for autoimmune
25
chronic active hepatitis: results of an open-label preliminary trial. Am J
Gastroenterol 90:771-776.
(98) Burak KW, Urbanski SJ, Swain MG (1998) Successful treatment of refractory type
1 autoimmune hepatitis with methotrexate. J Hepatol 29:990-993.
(99) Kanzler S, Gerken G, Dienes HP, Buschenfelde KHM, Lohse AW (1997)
Cyclophosphamide as alternative immunossupressive therapy for autoimmune
hepatitis-report of three cases. Z Gastroenterol 35:571-578.
(100) Czaja AJ, Carpenter HA, Lindor KD (1999) Ursodeoxicholic acid as adjunctive
therapy for problematic type 1 autoimmune hepatitis: a randomized placebo-
contolled treatment trial. Hepatology 30:1381-1386.
(101) Richardson PD, James PD, Ryder SD (2000) Mycophenolate mofetil for
maintenance of remission in autoimmune hepatitis in patients resistant to or
intolerate of azathioprine. J Hepatol 33:371-375.
(102) Kaplan MM, Gershwin ME (2005) Primary biliary cirrhosis. N Eng J Med
353(12):1261-1273.
(103) Lee YM, Kaplan MM (2005) The natural history of PBC: has it changed? Semin
Liver Dis 25(3):321-326.
(104) Hirshfield GM, Liu X et al (2009) Primary Biliary Cirrhosis associated with HLA,
IL12A, and IL12RB2 variants. N Eng J Med 360(24):2544-2555.
26
ANEXOS
Tabela 1 - Causas de Cirrose Hepática
Mais frequentes Menos frequentes
Doença Hepática Alcoólica 60-70% Hepatite Auto-Imune
Hepatite Viral Crónica
- Hepatite B
- Hepatite C
10% Fármacos e toxinas
- α- metildopa
- Amiodarona
- Isioniazida
- Metotrexato
Patologia Biliar
- Atresia biliar/hepatite neonatal
- Fibrose quística
- Cirrose Biliar Primária
- Colangite Esclerosante Primária
- Colangiopatia Auto-Imune
5-10% Doença Hepática Metabólica Hereditária
- Défice de α 1 anti-tripsina
- Porfiria
- Doença de Wilson
Hemocromatose 5-10% Infecção
- Brucelose
- Sífilis congénita ou terciária
- Equinococose
- Shistosomíase
Esteato-hepatite não-alcoólica 10% Alterações vasculares
- Insuficiência cardíaca direita
- Telangiectasia hemorrágica hereditária
Doença veno-oclusiva
Idiopática
Fonte: Adaptado de Heidelbaugh JJ, Bruderly M (2006) Cirrhosis and Chronic Liver Failure: Part I.
Diagnosis and Evaluation. Am Fam Physician 74:756-62,781.
27
Tabela 2 - Avaliação laboratorial da cirrose
Bioquímica Elevação das AST e ALT, FA, GGT, bilirrubina
Diminuição albumina, TP
Hemograma Anemia
Trombocitopenia e/ou leucopenia
Marcadores víricos HBsAg, Anti-HBc, DNA-HBV e/ou HBeAg
Anti-HCV e RNA-HCV
Marcadores Auto-imunes AAM
p-ANCA
ANA, Anti-KLM, Anti-SLA
Fonte: Adaptado de Schuppan D, Nezam HA (2008) Liver Cirrhosis. Lancet
371(9615):838-851.
28
Tabela 3 - Classificação de Child-Pugh-Turcotte (CPT), obtida pelo somatório dos
resultados dos 5 parâmetros: classe A (5 a 6 pontos), B (7 a 9) e C (10-15). Classificação
igual ou superior a 7 pontos (classe B) indica descompensação, sendo este nível aceite para
inclusão na lista de transplantação. Resultado do paciente: 11 pontos (CPT classe C).
Parâmetros 1 2 3 Paciente
Bilirrubina sérica (µmol/L ou
mg/dL)
<34 ou <2 34-51 ou 2-
3
>51 ou >3 7,12 mg/dL
Albumina sérica (g/L) >35 28-35 <28 27,4 g/L
TP (INR) <1,7 1,7-2,2 >2,2 1,564
Ascite Nenhuma Facilmente
controlada
Mal
controlada
Mal
controlada
Encefalopatia hepática Nenhuma Mínima Avançada Nenhuma
Fonte: Schuppan D, Nezam HA (2008) Liver Cirrhosis. Lancet 371(9615):838-851. e
Processo Clínico.
29
Tabela 4 - Exames complementares de diagnósticos, relativos a 2005,
aquando do diagnóstico do quadro de Cirrose Hepática
BQ Bilirrubina total= 7,1 mg/dL
Bilirrubina directa= 5,54 mg/dL
DHL= 1128 U/L
TGO= 878U/L
TGP= 1502 U/L
Eco abdominal Hepatomegalia homogénea; quisto biliar de 13mm
no lobo direito; vesícula e vias biliares normais;
incipiente esplenomegalia homogénea;
adenopatias/conglomerados adenopáticos peri-
pancreáticos com 21 e 27 mm.
Marcadores
Víricos
VHB, VHC e VIH negativos.
Proteinograma Inversão albumina/globulinas e pico na γ-globulina.
IEF sérica Hipergamaglobulinemia policlonal.
Ferritina sérica > 2000 ng/ mL
Auto-anticorpos ANA 1/1280; AMA 1/320; M2 positivo fraco; AML
1/40; IgG 3640 mg/dL.
Biópsia hepática Fígado com fibrose marcada (em evolução
cirrógenea) e alterações morfológicas que
favorecem o diagnóstico de CBP. Alterações do
metabolismo do ferro (siderose grau 1 em 4).
Fonte : Processo Clínico.
30
Tabela 5 - Escala IAIHG diagnóstica de HAI
Parâmetros Características
Sexo feminino +2
FA/AST (ou ALT)
<1.5
1.5-3
>3
+2
0
-2
Globulinas séricas ou IgG superior ao normal
>2
1.5-2
1.0-1.5
<1.0
+3
+2
+1
0
ANA,SMA ou LKM-1
>1:80
1:80
1:40
<1:40
+3
+2
+1
0
AMA positivos -4
Marcadores de hepatite vírica
Positivos
Negativos
-3
+3
Consumo de drogas
Positivo
Negativo
-4
+1
Consumo abusivo de álcool
<2,5g/dia
>60g/dia
+2
-2
Histologia hepática
Hepatite de interface
Infiltrado predominantemente linfoplasmocítico
Células hepáticas ruborizadas
Nenhum dos anteriores
Alterações biliares
Outras alterações
+3
+1
+1
-5
-3
-3
Outra doença auto-imune +2
Parâmetros opcionais adicionais
Positividade para outros auto-anticorpos
HLA DR3 ou DR4
Resposta à terapêutica
-completa
-recidiva
+2
+1
+2
+3
Interpretação da escala
-pré-tratamento
HAI definitiva
HAI provável
-pós-tratamento
HAI definitiva
HAI provável
>15
10-15
>17
12-17
Fonte: Alvarez F, Berg PA, Bianchi FB, Bianchi L, Burroughs AK, Cancado EL et
al (1999) International Autoinmune Hepatites Group Report: review of criteria for
diagnosis of autoinmune hepatitis. J Hepatol 31:929-938.
31
Tabela 6 - Critérios simplificados de diagnóstico de HAI (Hennes et al)
Parâmetro Limite Pontuação
ANA ou SMA
ANA ou SMA
ou LKM
ou SLA
≥1:40
≥1:80
≥1:40
Positivo
1
2
IgG >limite
superior
normal
>1.10 vezes
o limite
superior
normal
1
2
Histologia hepática compatível
com HAI 1
Ausência de hepatite vírica Sim 2
≥6: HAI provável
≥7: HAI definitivo
Fonte: Hennes EM, Zeniya M, Czaja AJ, Pares A, Dalekos GN,
Krawitt EL et al (2008) Simplified criteria for the diagnosis of
autoinmune hepatitis. Hepatology 48:169-176.
32
Tabela 7 - Categorias da deposição de ferro hepático
Hemocromatose Hereditária
HFE (Tipo 1)
Não-HFE (Tipos 2A, 2B, 3 e 4)
Hemosiderose secundária a doenças sistémicas
Tranfusões
Alterações eritrocitárias (hemólise, eritropoiese ineficaz)
Anemia das doenças crónicas
Hemosiderose relaciona com cirrose
Hemosiderose mista
Hemocromatose neonatal
Hemosiderose associada a doença viral crónica e esteatose
Aumento de ferro na dieta
Fonte: Batts KP (2007) Iron overload syndromes and the liver. Mod Pathol
20(Suppl 1):S31-9.
33
Tabela 8 - Quantificação histológica do armazenamento de ferro hepático
Grau Observação e ampliação necessária
0
1
2
3
4
- Grânulos ausentes ou escassamente visíveis a 400x
- Grânulos escassamente visíveis a 250x e facilmente confirmáveis a 250x
- Grânulos discretos visíveis a 100x
- Grânulos discretos visíveis a 25x
- Massas visíveis a 10x ou sem necessidade de microscopia
Fonte: Deugnier Y, Trulin B (2007) Pathology of hepatic iron overload. World J
Gastroenterol 13(35):4755-4760.
34
Tabela 9 - Indicações e Contra-indicações para o Transplante Ortotópico de Fígado
Indicações Contra-Indicações
Insuficiência Hepática Crónica Avançada
- CPT>7
- MELD
Relativas
- HIV seropositivo
- Dependente de Metadona
- CHC em estádio 3
Insuficiência Hepática Aguda
- Malignidade Hepática Irressecável
- Transtorno Metabólico Hereditário
Absolutas
- Doença maligna extra-hepática
- SIDA
- Colangiocarcinoma
- Infecção sistémica severa, incontrolada
- Insuficiência multi-orgânica
- Doença cardiopulmonar avançada
- Abuso de substâncias
Geral
- Inexistência de terapia alternativa
- Ausência de contra-indicações absolutas
- Capacidade para cumprir os cuidados pós-transplante
Fonte: Schuppan D, Nezam HA (2008) Liver Cirrhosis. Lancet 371(9615):838-851.
Top Related