Jussara Janning Xavier
A política da dança nos anos 90 em
Florianópolis
Mestrado em Comunicação e Semiótica
PUC/SP
São Paulo, 2001
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Jussara Janning Xavier
A política da dança nos anos 90 em
Florianópolis
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a
orientação da Prof.a Dra. Helena Tania Katz.
PUC/SP
São Paulo, 2001
Banca Examinadora
Profa. Dra. Christine Greiner
Profa. Dra. Dulce Aquino
Profa. Dra. Helena Tania Katz (orientadora)
RESUMO
“A política da dança nos anos 90 em Florianópolis” é um estudo de caso
com o propósito de apreender o mercado, apontando as ações e os vínculos
estabelecidos entre seus elementos constituintes, abordando suas oportunidades
e limitações. O intuito da pesquisa é o de inspirar uma proposta de ação
transformadora em política cultural.
Tecemos observações sobre os grupos de dança, concedendo destaque
ao “Cena 11” por sua trajetória de sucesso e diferenciação, um propulsor da
profissionalização do meio. Pesquisamos as Fundações de Cultura (nacional,
estadual e municipal), suas propostas e práticas, dando atenção especial às Leis
de Incentivo à Cultura, dado que são tomadas por estes governos como
mecanismo fundamental de financiamento à cultura e pilares da política
implantada. Coletamos dados sobre órgãos de pressão para verificar o nível de
politização e mobilização coletiva da categoria. Sabendo que a principal
dificuldade do meio artístico continua sendo a falta de apoio, abordamos a
posição das empresas em relação ao patrocínio à cultura/dança e questões
relacionadas ao marketing cultural. Buscamos conhecer a dança nas escolas,
academias e universidades de Florianópolis e, por fim, investigamos sobre
pesquisas acadêmicas, livros e periódicos originados no local.
A dança se organiza através de relações (formais e informais) entre os
diversos agentes do meio. É este arranjo, o fator definidor de sua política. Para
fazer uma leitura dos dados de maneira sistêmica, ou seja, entender a articulação
entre os fatores investigados, optamos pelo paradigma da complexidade do
filósofo francês Edgar Morin.
A cidade do Rio de Janeiro surge nesta dissertação como uma referência
em política da dança no Brasil, já que as ações desenvolvidas nos últimos anos
pela Secretaria de Cultura desta cidade vêm, pouco a pouco, fortalecendo e
profissionalizando o setor de dança.
O retrato do mercado da dança em Florianópolis pode ser tomado como
uma modelização de um diagnóstico situacional da política da dança nos anos 90
praticada no Brasil, haja visto que, nestes termos, o Rio de Janeiro apresenta-se
como exceção.
ABSTRACT
"The politics of dance in the nineties in Florianópolis" is a case study with
the purpose of understanding the dance market in Florianópolis, pointing to
actions and the relationships established among its constituent elements and
discussing its opportunities and limitations. The objective of this research is to
produce a proposal of a transforming action in cultural politics.
We made observations on the dance groups of Florianópolis, granting
prominence to "Cena 11" for its successful trajectory and differentiation from the
others, as a propeller of the professionalisation of the dance field. We researched
the Governmental Cultural Foundations (federal, state and municipal), their
proposals and practices, paying special attention to the Laws of Incentive to
Culture, since they are taken by these three governmental levels as a
fundamental mechanism for financing culture and are considered the pillars of the
politics implemented. We collected data on pressure groups to verify the
politicisation level and collective mobilisation of the dance category. Bearing in
mind that the main difficulty of the artistic field continues to be the lack of support,
we discuss the position of companies in relation to sponsorship to culture/dance
and questions related to cultural marketing. We also made observations on how
dance was dealt with in schools, academies and universities in Florianópolis, and
finally we have investigated books, periodicals and academic research produced
there.
Dance is organised through relationships (formal and informal) among the
several agents of the field. It is this network of relations that is the basis of its own
politics. To evaluate the data systematically, that is, to understand the articulation
among the investigated factors, we used the complexity paradigm of the French
philosopher Edgar Morin.
The city of Rio de Janeiro appears in this thesis as a reference point for the
politics of dance in Brazil, since the actions developed in recent years by the
Secretary of Culture of Rio is steadily strengthening and professionalising the
dance field.
The dance market scene in Florianópolis can be taken as a model of a
situational diagnosis of the politics of dance in the nineties practised in Brazil, in
which Rio de Janeiro comes as an exception.
7
AGRADECIMENTOS
à minha orientadora
Helena Katz
à FAPESP - Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo
a todos os que concederam entrevistas
e contribuíram com informações
aos meus pais e amigos
Taciana e Marco Innocente,
a quem dedico esta pesquisa.
SUMÁRIO
RESUMO, 4
1. POLÍTICA CULTURAL, 8
2. A DANÇA COMO MERCADO, 22
2.1. A dança em Florianópolis, 26
2.1.1. Grupo Cena 11 Cia. de Dança, 30
2.2. O apoio público à cultura, 41
2.2.1. Leis de Incentivo à Cultura, 48
2.2.1.1. Federal, 48
2.2.1.2. Estadual (Santa Catarina), 49
2.2.1.3. Municipal (Florianópolis), 51
2.2.2. Órgãos Governamentais, 52
2.2.2.1. Fundação Nacional de Arte – Funarte, 52
2.2.2.2. Fundação Catarinense de Cultura – FCC, 57
2.2.2.3. Fundação Franklin Cascaes – FFC, 66
2.3. Organizações de classe, 73
2.3.1. Associação Profissional de Dança do Estado de Santa Catarina, 73
2.3.2. Comitê Catarinense de Dança, 77
2.3.3. Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis, 78
2.4. Entidades privadas, 81
2.4.1. Serviço Social do Comércio- Sesc, 81
2.5. Empresas patrocinadoras, 85
2.6. Instituições de ensino, 93
2.6.1. O ensino da dança, 93
2.6.2. A dança na universidade, 95
2.7. Conhecimento especializado produzido na região, 103
2.7.1. Pesquisas acadêmicas, livros e periódicos, 103
3. POLÍTICA DA DANÇA: UMA PROPOSTA PARA FLORIANÓPOLIS, 111
3.1. Rio de Janeiro, uma referência, 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 128
BIBLIOGRAFIA, 130
ANEXOS, 136
1. POLÍTICA CULTURAL
Não me parece adequado falar-se sobre a existência de uma política cultural no país, hoje em dia, da mesma maneira em que, por exemplo, se fala da existência de uma política econômica, com suas características de comando centralizado, metas definidas, e aferição de resultados. Melhor seria, na verdade, falar-se sobre a existência de políticas culturais. (M. Brockman Machado1)
O que é precisamente esse superorganismo, essa estranha criatura chamada cultura? (Wilson, 1999: 124)
Nosso estudo tem como área de interesse a política cultural. Optou-se aqui
por resgatar conhecimentos de diversos domínios, como a antropologia, a
sociologia e, principalmente, a semiótica, a fim de enriquecer o entendimento
daquilo que constitui-se como o foco de atenção desta política, a cultura.
Encontrar uma definição adequada deste último termo, para o qual a política
cultural poderia se ajustar, mostrou-se uma tarefa árdua e problemática. Diante
da amplitude e vagueza das muitas expressões encontradas, aquilo que tornou-
se evidente foi o reconhecimento da existência de muitas culturas, o que colabora
para a existência de muitas políticas culturais.
No entanto, como veremos adiante, compreendemos a cultura e o seu
estudo como fenômenos comunicacionais, ou seja, a cultura é aqui vista como
uma trama que se estrutura para significar e informar e, sendo assim, é
inseparável da comunicação. Percebemos que o papel fundamental de uma
política cultural é o de pensar e aplicar operações que procurem dinamizar a
comunicação, a troca, entre os diversos componentes envolvidos em um
processo de produção cultural.
A consciência da política surge na Grécia, no momento em que o filósofo
grego Aristóteles afirma que, “o homem é um animal político”. Para os antigos
gregos, atuar para a sua cidade - polis, significava desempenhar um papel
político. Desta maneira, política “em sua origem e essência significa a
participação dos indivíduos nos destinos da coletividade” (Feijó, 1992: 10-11).
Também na Grécia, particularmente em Atenas e principalmente na “época
de Péricles”, claramente se adotou uma política cultural. Essa política,
1 In: Miceli, Sérgio (org.) (1984). Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Difel.
“estabelecia desde critérios para a reconstrução arquitetônica da cidade
destruída pela guerra até o incentivo ao teatro” (Feijó, 1992: 11).
Já no Brasil, Mário de Andrade e Astrojildo Pereira foram pioneiros. Neles,
“se encontram os primeiros passos para uma consciente e profunda política
cultural para o Brasil”. Mário de Andrade, “na valorização do que hoje é entendido
como a “cultura dos outros”. Isto é, minha identidade cultural não se anula na
diferença, mas se fortalece, desde que tudo seja visto como em elaboração e não
como coisas acabadas, estanques”. Astrojildo Pereira, “na defesa de um enfoque
político que não se pode desprezar: a democratização da cultura exige
transformações históricas, embora esta tenha seu valor específico nisso” (Feijó,
1992: 61-71).
Segundo Coelho, a definição de política cultural apresenta-se
freqüentemente, de forma altamente ideologizada (1997:293). Supomos que o
modo de entendimento de cultura - tanto pelo governo quanto pelos agentes
culturais e a sociedade em geral, constitui-se em um eixo essencial na
formulação de uma política cultural. Como a discussão sobre política cultural tem
como ponto de partida a concepção de cultura e de sua importância,
consideramos pertinente, antes de discorrer sobre a definição de política cultural,
apresentar uma reflexão sobre o conceito de cultura, certamente sem esgotá-la.
Renato Janine Ribeiro, Professor de Ética e Filosofia Política na
Universidade de São Paulo (Franceschi et al., 1998: 20-21), faz uma observação
curiosa sobre a forma de apresentação da cultura nos jornais: o caderno de
cultura da “Folha de S. Paulo” chama-se “Ilustrada” e do “Estado de S. Paulo”,
“Caderno 2”, estes nomes, segundo Ribeiro parecem “sempre indicar a cultura
como uma coisa menor - segunda, secundária”. Nota que nos dois jornais a parte
cultural é colocada “como um excesso, como um a mais, quase irrelevante”.
Confirmando, cito os jornais “AN Capital”, de Florianópolis, que chama seu
suplemento de cultura de “Anexo”, e “O Globo”, do Rio de Janeiro, com o seu
“Segundo Caderno”: mais denominações que refletem a escala de importância da
cultura em nossa sociedade, algo que não é considerado essencial e prioritário.
Ao lado desta evidência - de que a cultura é tratada em nosso país como
um apêndice, destaca-se também o entendimento de cultura como ocasião de
negócios.
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Neste sentido, para defender a centralidade da cultura no Brasil, Maria
Delith Balaban, Secretária Executiva do Ministério da Cultura, argumenta que as
atividades culturais vêm cada vez mais ganhando importância em nosso país: do
ponto de vista econômico, gerando renda e empregos direta ou indiretamente,
conquistando espaço nas ações do governo e no apoio da iniciativa privada.
Balaban afirma que “Um exame dos dados do PIB da cultura, e uma reflexão
sobre as tendências macroeconômicas da sociedade da informação, [...],
surpreenderão com certeza aqueles que ainda consideram a cultura como uma
espécie de ornamento de luxo, especialmente num país em luta contra enormes
problemas sociais e dificuldades econômicas” (Weffort e Souza, 1998: 445).
O que diferencia a classificação de cultura como essencial ou irrelevante?
Que entendimento de cultura está subentendido nestas sentenças? Investigando
o conceito, constatamos que este é certamente muito amplo e variado. Refere-se
a uma diversidade de fenômenos e a um conjunto de interesses de diversas
disciplinas, como a sociologia, a filosofia, a antropologia, a biologia, a história, e a
semiótica, entre outras.
John B. Thompson assinala alguns dos principais episódios no
desenvolvimento do conceito de cultura, realçando algumas das principais
dimensões de seu uso. Segundo o autor, a palavra cultura é derivada da palavra
latina cultura, que em seu sentido original significava fundamentalmente “o cultivo
ou o cuidado de alguma coisa, tal como grãos ou animais”. Do início do século
XVI em diante, este sentido foi estendido ao processo de desenvolvimento
humano, referindo-se também ao cultivo da mente (1998: 167).
Thompson ressalta que no fim do século XVIII e início do XIX, o termo
“cultura” era “comumente usado em trabalhos que buscavam oferecer histórias
universais da humanidade”. Além disto, a palavra era utilizada
como um sinônimo para, ou em alguns casos em contraste com, a palavra “civilização”. Derivada da palavra latina civilis, referindo-se a ou pertencendo aos cidadãos, o termo “civilização” foi, inicialmente, usado na França e na Inglaterra no fim do século XVIII para descrever um processo progressivo de desenvolvimento humano, um movimento em direção ao refinamento e à ordem, por oposição à barbárie e à selvageria. [...] Na França e na Inglaterra, os usos das palavras “cultura” e “civilização” se sobrepuseram: ambas foram, progressivamente, sendo usadas para descrever um processo geral de desenvolvimento humano, de tornar-se “culto” ou “civilizado”. Na língua alemã, entretanto, estas palavras eram
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freqüentemente contrastadas, de tal forma que Zivilisation adquiriu uma conotação negativa e Kultur, uma positiva. A palavra “Zivilisation” foi associada com polidez e refinamento das maneiras, enquanto “Kultur” era usada mais para se referir a produtos intelectuais, artísticos e espirituais nos quais se expressavam a individualidade e a criatividade das pessoas (Thompson, 1998: 167-168).
Estes entendimentos foram descritos como a “concepção clássica”, ou
seja, a cultura seria o processo de desenvolvimento e enobrecimento das
faculdades humanas, um processo que seria facilitado pela assimilação de
trabalhos acadêmicos e artísticos, e ligado ao caráter progressista da era
moderna. Privilegiando alguns trabalhos e valores em relação a outros, esta
concepção foi considerada restritiva e demasiado estreita (Thompson, 1998:170).
Thompson afirma que, no século XIX, a antropologia incorpora e usa o
conceito de cultura de duas maneiras: a “concepção descritiva” e a “concepção
simbólica”. Na “concepção descritiva”, a cultura de um grupo ou sociedade seria
o conjunto de crenças, costumes, idéias e valores, bem como os artefatos,
objetos e instrumentos materiais adquiridos pelos indivíduos enquanto membros
de um grupo ou sociedade. Neste caso, o estudo da cultura envolveria “a
comparação, classificação e análise científica desses diversos fenômenos”.
Algumas reservas foram feitas acerca deste conceito. Segundo Thompson, uma
vez que o principal ponto da concepção descritiva da cultura seria o de definir
uma variedade de fenômenos a fim de analisá-los de uma maneira científica e
sistemática, na ausência de uma especificação adicional do método de análise,
esta concepção permaneceria vaga (1998: 173).
Na visão da “concepção simbólica”, cultura seria o padrão de significados
incorporados nas formas simbólicas, o que incluiria ações, manifestações verbais
e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos
entrariam em comunicação, e partilhariam suas experiências, concepções e
crenças. Para Thompson, em anos recentes, a concepção simbólica da cultura foi
colocada no centro dos debates antropológicos por Clifford Geertz, o qual
descreve a cultura como “semiótica”, ao invés de “simbólica” (Thompson, 1998:
175-176).
Afirma Geertz, “O conceito de cultura que eu defendo [...], é
essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura
13
como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do
significado” (1989: 15).
Considerando a abordagem interpretativa de Geertz sobre o estudo da
cultura de grande interesse, mas observando que “falha ao não dar suficiente
atenção aos problemas de poder e conflito e, mais genericamente, aos contextos
sociais estruturados dentro dos quais os fenômenos culturais são produzidos,
transmitidos e recebidos”, Thompson delineou uma abordagem alternativa para o
estudo dos fenômenos culturais - a “concepção estrutural” (1998: 175, 181).
Com a formulação da “concepção estrutural” da cultura Thompson quer
significar “uma concepção que dê ênfase tanto ao caráter simbólico dos
fenômenos culturais como ao fato de tais fenômenos estarem sempre inseridos
em contextos sociais estruturados” (1998: 181). Desta maneira, Thompson
enfatiza a contextualização social das formas simbólicas.
Distingüindo-se da visão antropológica e sociológica da cultura, a
semiótica ou ciência dos signos, interpreta a cultura, antes de tudo, como
produção de signos e de sentido. Segundo Santaella (1996: 27), “A diferença se
dá [...] no fato de que, para as outras ciências, a cultura é um meio para atingir
um fim: a investigação do homem nas suas múltiplas realizações. Já para a
semiótica, os processos sígnicos e comunicativos são um fim em si mesmos”. A
autora (1996: 28), ressalta a definição do semioticista A. Shukman:
A cultura é a totalidade dos sistemas de significação através dos quais o ser humano, ou um grupo humano particular, mantém a sua coesão (seus valores e identidade e sua interação com o mundo). Esses sistemas de significação, usualmente referidos como sendo sistemas modeladores secundários (ou a linguagem da cultura), englobam não apenas todas as artes (literatura, cinema, pintura, música, etc.), as várias atividades sociais e padrões de comportamento, mas também os métodos estabelecidos pelos quais a comunidade preserva sua memória e seu sentido de identidade (mitos, história, sistema de leis, crença religiosa, etc.). Cada trabalho particular de atividade cultural é visto como um texto gerado por um ou mais sistemas.
De acordo com Santaella, a novidade desta definição, em relação às
fornecidas por outras ciências, está no termo “texto”, que “funciona aí como
indicador da ênfase que a semiótica coloca na concepção da atividade cultural
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como linguagem (texto) que visa a um efeito comunicativo. Para a semiótica, a
função comunicativa é essencial e prioritária para que a cultura possa se atualizar
como tal” (1996:28). Sob um enfoque semiótico, o funcionamento da cultura seria
inseparável da comunicação e o entendimento desta comunicação seria
essencial em um estudo da cultura. Conforme Santaella (1996:151-152),
Para pensar qualquer fenômeno como fenômeno de cultura é preciso pensá-lo no processo de comunicação, visto que os fenômenos culturais só funcionam culturalmente porque são também processos comunicativos. Para a análise de tais processos, temos de considerar como se caracterizam e se entrelaçam as quatro fases em que toda e qualquer mensagem está envolvida: a produção, o armazenamento, a circulação e/ou difusão e a recepção e/ou consumo.
Recorrendo ao campo específico da política cultural, constatamos a falta
de uma bibliografia vasta e disponível. Grande parte dos livros publicado no Brasil
sobre o assunto é de autoria do Prof. Dr. Teixeira Coelho, coordenador do
Observatório e da linha de ensino e pesquisa em Ação Cultural, da Escola de
Comunicação e Artes em São Paulo. Em seu Dicionário crítico de política cultural,
ao discorrer sobre cultura, Coelho (1997:104) ressalta que
Não é raro encontrar, ainda hoje, concepções de política cultural que a apresentam como tendo por objeto a cultura vista em seu sentido totalizante, antropológico e sociológico, de “modo global de vida”. Para os adeptos deste paradigma, seria próprio da política cultural apresentar e viabilizar, exemplificadamente, programas voltados para a discussão e implementação do desenvolvimento nacional, a melhora das condições de vida nos centros urbanos, o amparo a grupos étnicos minoritários, a erradicação da violência, o aprimoramento do sistema educacional, a organização política, as relações de trabalho tanto quanto o apoio às manifestações artísticas propriamente ditas. A tendência predominante nos diversos países, porém, é a de considerar como objeto da política cultural a cultura vista naquele sentido restrito-ampliado de sistema de significações ligados à representação simbólica das condições de existência.
Já no livro de Martin Cezar Feijó - O que é política cultural, é explicado que
toda vez que a palavra cultura for encontrada deve ser entendida como “toda
produção ou manifestação voluntária, individual ou coletiva, que vise com sua
comunicação à ampliação do conhecimento (racional e/ou sensível) através de
15
uma elaboração artística, de um pensamento ou de uma pesquisa científica”
(1992: 8).
Em uma publicação do Ministério da Cultura, Cultura é um bom negócio, a
cultura de um povo é definida como “o patrimônio simbólico mais importante da
Nação” (1996: 10). O nome desta publicação, aponta para um outro conceito, a
cultura como “um negócio”. O que significaria isto? O atual Ministro da Cultura,
Francisco Weffort, explica em um artigo2 este “slogan” do governo federal -
Cultura é um bom negócio, dizendo que “Cultura é um bom negócio para o
empresário porque pode dar lucro. Mas é também, como qualquer atividade
empresarial, um bom negócio como meio para a criação de empregos. E, no fim
das contas, é um bom negócio para os governos pelos novos recursos que as
atividades culturais serão capazes de criar”. Expressa assim a cultura como uma
questão de mercado, de indústria e de comércio.
A fim de ajudar a “cultura” a tornar-se “um bom negócio” para todos,
observamos no Brasil, em anos recentes, a criação de leis de incentivo fiscais e
de diversos mecanismos que tornem o investimento em “cultura” atraente.
Malagodi e Cesnik (1998: 19-20) afirmam que, para as leis de incentivo, cultura
tem sentido mais restrito, “não sendo prioridade os projetos que visem
assistência social, meio ambiente, esportes, saúde, agricultura, comércio e
indústria em geral”. Estes autores destacam que, “entre 5% e 10% dos projetos
apresentados para enquadramento na “Lei Rouanet”3 são indeferidos, e para a
“Lei Mendonça”4 a taxa gira em torno de 30%. Motivo principal: não
enquadramento como projetos culturais”.
Que cultura é alvo de interesse destas leis? A Lei Federal de Incentivo à
Cultura lista as seguintes áreas para as quais podem ser canalizados seus
investimentos (Ministério da Cultura, 1996:13):
teatro, dança, circo, ópera, mímica e congêneres; produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e
congêneres; música; literatura, inclusive obras de referência; artes plásticas, artes gráficas, gravuras, cartazes, filatelia e outras
congêneres; folclore e artesanato;
2 Disponível na Home page do Ministério da Cultura: www.minc.gov.br3 Lei Federal de Incentivo à Cultura, no 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Em anexo.4 Lei Municipal de Incentivo à Cultura da cidade de São Paulo.
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patrimônio cultural, humanidades; rádio e televisão, educativas e culturais, de carácter não comercial; cultura negra; cultura indígena.
Já a Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Santa Catarina5 é mais
específica em sua redação, ao listar qual “cultura” está interessada em incentivar.
Encontramos na seção que apresenta as “condições de participação” a seguinte
afirmação:
Art. 19. Somente poderão ser objeto de incentivo financeiro, através do benefício fiscal previsto em Lei, projetos culturais nas áreas de:I - artes cênicas;II - artes gráficas;III - artes plásticas;IV - artesanato e folclore;V - bibliotecas e arquivos;VI - cinema e vídeo;VII - literatura;VIII - museus;IX - música;X - patrimônio cultural.
A coisa complica no Art. 33 de seu texto, ao afirmar que “os projetos
culturais serão analisados segundo critérios de relevância e oportunidade”. Dado
novo: a cultura apresenta coisas mais e menos relevantes, mais e menos
oportunas. Saliente-se: importantes e convenientes para quem?
Os diversos conceitos de cultura tornam evidentes que qualquer política
cultural deve estar pronta para trabalhar com a “complexidade” e com as
“diferenças”, características implícitas nas várias definições do termo. O
fundamental seria que, sob qualquer ângulo, a “cultura” fosse considerada de
forma integrada e não redutora. A heterogeneidade, seu ingrediente básico, é
uma característica ressaltada por Immanuel Wallerstein ao utilizar o termo cultura
para indicar uma divisão dentro de um grupo e não a unidade deste mesmo
grupo. Segundo Wallerstein, cultura:
5 Lei no 10.929, de 23 de setembro de 1998, regulamentada pelo Decreto no 3.604, de 23 de dezembro de 1998. Em anexo.
17
é uma maneira de sintetizar as formas em que os grupos se distinguem de outros grupos. Ela representa aquilo que é compartilhado dentro do grupo, e, como se supõe, simultaneamente, aquilo que não é compartilhado fora do mesmo grupo. [...] Por outro lado, o termo cultura é usado também para designar não a totalidade da especificidade de um determinado grupo em relação a outro grupo, mas, antes, certas características dentro do grupo, em oposição a outras características dentro do mesmo grupo (Featherstone (org.) 1994:42).
Conforme esta explicação, Lótman e Uspenski (1971: 37) afirmam que, na
base de todos os conceitos de cultura, está “o convencimento de que a cultura
possui traços distintivos”. O que significa dizer que “a cultura nunca representa
um conjunto universal, mas apenas um subconjunto com uma determinada
organização. Nunca engloba o todo, até o ponto de formar um nível com
consistência própria. A cultura só se concebe como uma parte, como uma área
fechada sobre o fundo da não-cultura”.
Como definir cultura de modo a servir como forte eixo de fundamentação
para uma política cultural consistente?
Coelho (1997: 293) afirma que a política cultural constitui-se em uma
ciência da organização das estruturas culturais; sendo entendida habitualmente
como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis,
entidades privadas ou grupos comunitários. O conjunto de iniciativas destes
agentes visa: “promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a
preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho
burocrático por elas responsável.”
Assim, as intervenções de uma política cultural podem assumir duas
formas:
1. normas jurídicas, no caso do Estado, ou procedimentos tipificados, em relação aos demais agentes, que regem as relações entre os diversos sujeitos e objetos culturais; e 2. intervenções diretas de ação cultural no processo cultural propriamente dito (construção de centros de cultura, apoio a manifestações culturais específicas, etc.) (Coelho, 1997: 293).
As ações culturais definem-se como uma área específica de trabalho,
ensino e pesquisa; tendo como objetivo fundamental a administração do
processo cultural. De acordo com Coelho, ação cultural reúne um conjunto de
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procedimentos, envolvendo recursos humanos e materiais, que visam pôr em
prática os objetivos de uma determinada política cultural. Pode ser:
- de produção: tem por objetivo específico concretizar medidas que permitam a
geração efetiva de obras de cultura ou arte;
- de distribuição: propõe-se criar as condições para que obras de cultura ou arte
entrem num sistema de circulação que lhes possibilite o acesso a pontos públicos
de exibição;
- voltada para a troca: visa promover o acesso físico a uma obra de cultura ou
arte por parte do público, de modo particular mediante o financiamento, no todo
ou em parte, do preço da obra ou do ingresso que a ela dá acesso;
- voltada para o uso: procura promover o pleno desfrute de uma determinada
obra, o que envolve o entendimento de seus aspectos formais, de conteúdo,
sociais e outros; para tanto, recorre à elaboração de catálogos, programas de
apresentação de um espetáculo ou filme, palestras, cursos, seminários, debates,
etc. (1997: 32-33).
Estas fases ou estágios da ação cultural formam o “sistema de produção
cultural”, e cada uma destas etapas pede uma política específica. A ação cultural,
para ser efetivada, deverá recorrer a agentes culturais previamente preparados e
levar em conta públicos determinados; “procurando fazer uma ponte entre esse
público e uma obra de cultura ou arte” (Coelho, 1997:32 ).
Segundo seus circuitos de intervenção, as políticas distribuem-se em
quatro tipos básicos:
1. Políticas relativas ao mercado cultural: ocupam-se com o apoio aos setores de
produção, distribuição e consumo da cultura. Um exemplo muito utilizado nestas
políticas, seriam as medidas de financiamento e de apoio às artes. Os incentivos
fiscais para a cultura aparecem como uma destas modalidades.
2. Políticas relativas à cultura alheia ao mercado cultural: relacionadas aos modos
culturais que, inicialmente, não se propõem a entrar no circuito do mercado
cultural. Como exemplos, poderíamos citar os grupos folclóricos, de cultura
popular, de amadores, e ainda, os programas voltados para a defesa,
conservação e difusão do patrimônio histórico.
3. Políticas relativas aos usos da cultura: ocupam-se com a criação das
condições para que as pessoas desfrutem plenamente dos modos culturais à sua
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disposição, como receptores e/ou criadores. Os centros de cultura e de arte
seriam os espaços privilegiados destas políticas, na medida em que cumprem
uma função específica de “educação informal”, oferecendo atividades de
iniciação e compreensão da cultura, como cursos, seminários, conferências,
debates, ateliês livres, entre outros.
4. Políticas relativas às instâncias institucionais de organização dos circuitos
culturais: voltam-se para a organização administrativa da cultura. Definem, por
exemplo, a estrutura de funcionamento de órgãos públicos como secretarias e
departamentos de cultura, institutos, museus, centros de cultura, instituições de
pesquisa, etc. e determinam as características dos recursos humanos
necessários, alocação de recursos ou modalidades de premiação e estímulo
(Coelho, 1997: 297-298).
É obrigação do Estado adotar uma política cultural, ou seja, determinar e
realizar um conjunto de iniciativas a fim de estimular a cultura. "O Estado
garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais" (Art. 215, Constituição Federal). Voltando à redação dos
textos das leis de incentivo à cultura no Brasil (já que se constitui como o principal
instrumento adotado pelos governantes para fortalecer a cultura), constatamos
que essas pretendem atingir praticamente os mesmos objetivos. O Capítulo I -
Art. 1o da “Lei Rouanet” informa:
Art. 1º Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a:I - contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais;II - promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais;III - apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais e seus respectivos criadores;IV - proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional;V - salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da sociedade brasileira;VI - preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro;VII - desenvolver a consciência internacional e o respeito aos valores culturais de outros povos ou nações;VIII - estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória;
20
IX - priorizar o produto cultural originário do País.
Tanto a cultura-alvo destas leis, quanto à política cultural representada
pela ação cultural, estão inspiradas na lógica do mercado, e abrigam uma
concepção específica de cultura, um sentido restrito, ou seja, sua matéria de
interesse é essencialmente aquilo que se manifesta sob a forma de “obras de
cultura ou arte” (expressão que se repete no discurso de Coelho) e/ou “de um
produto ou bem cultural”. Segundo Coelho (1997: 318),
Tratados regionais de integração econômica e cultural definem os produtos culturais como aqueles que expressam idéias, valores, atitudes e criatividade artística e que oferecem entretenimento, informação ou análise sobre o presente, o passado (historiografia) ou o futuro (prospectiva, cálculo de probabilidade, intuição), quer tenham origem popular (artesanato), quer se tratem de produtos massivos (discos de música popular, jornais, histórias em quadrinhos), quer circulem por público mais limitado (livros de poesia, discos e Cds de música erudita, pinturas).
Já um “bem cultural” estaria vinculado “à noção de um patrimônio pessoal
ou coletivo e designa, em princípio, por seu valor simbólico, algo infungível, isto é,
algo que não poderia ser trocado por moeda”. Coelho explica que eventualmente,
um bem cultural em sua origem pode ter sido um produto cultural, acabando por
algum modo em transformar-se em um bem cultural. Por exemplo, uma tela
pintada por Michelangelo, que somente mais tarde conquistou o estatuto de bem
cultural (1997: 318).
Embora a política cultural, como o próprio nome afirma, tenha como
interesse a “cultura”, seu campo de atuação está voltado principalmente às ações
dirigidas à diversidade dos fenômenos artísticos. Sua preocupação parece voltar-
se essencialmente à esfera da produção, conservação, troca, distribuição e uso
de obras artístico-culturais.
Assim como a cultura apresenta inúmeros entendimentos, cada qual
próprio de um determinado quadro histórico, parece que uma política cultural será
estabelecida sob a mentalidade daqueles que dela se ocupam. Coelho distingue
três modos ideológicos das políticas culturais:
1. Políticas de dirigismo cultural: postas em prática principalmente por Estados fortes e partidos políticos que exercem o poder de modo
21
incontestado, promovem uma ação cultural em moldes previamente definidos como de interesse do desenvolvimento ou da segurança nacionais. [...]2. Políticas de liberalismo cultural: neste caso, as políticas culturais afirmam não defender modelos únicos de representação simbólica, nem entendem, necessariamente, que é dever do Estado promover a cultura e oferecer opções culturais à população. [...]3. Políticas de democratização cultural: baseiam-se no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar a mercê das disposições ocasionais do mercado, devendo portanto ser apoiada de acordo com princípios consensuais. Procura criar condições de acesso igualitário à cultura para todos, indivíduos e grupos (1997:298-299).
E distingue ainda dois modos nas políticas culturais, do ponto de vista do
objeto para o qual se voltam:
Um, dito patrimonialista, marca a política cultural dirigida para a preservação, o fomento e a difusão de tradições culturais supostamente autóctones ou, em todo caso, antigas ou, ainda, ligadas às origens do país (“patrimônio histórico e artístico”), e diz respeito em princípio tanto ao acervo da história dos grupos dirigentes quanto às tradições e costumes das classes populares. O segundo modo, mais adequadamente denominado de criacionista, caracteriza a política cultural que promove a produção, a distribuição e o uso ou consumo de novos valores e obras culturais (Coelho,1997: 296).
Como poderíamos avaliar as políticas culturais vigentes?
Segundo Coelho (1997: 67), a avaliação de políticas culturais se realiza
por meio da análise da coerência interna, oportunidade, eficácia, eficiência e do
impacto final da política ou ação. Salientamos que tanto a avaliação quanto a
articulação de políticas culturais, não deve perder de vista os acontecimentos do
mercado a ser investigado. Isto significa que não deve prescindir de uma
aproximação dos profissionais que efetivamente geram obras de cultura ou arte;
dos canais de distribuição: centros de cultura, cinemas, teatros, galerias, livrarias,
entre outros; dos “mecenas”: investidores/apoiadores de cultura; dos agentes
culturais: organismos intermediários - produtores, consultores, fundações,
associações; do público consumidor de arte. O universo da cultura engloba o
relacionamento destes diversos agentes.
Parece-nos que qualquer “sistema de produção cultural” só funciona de
maneira efetiva quando cada uma de suas etapas, bem como seus elementos,
22
estabelecem um certo tipo de comunicação. Esta ênfase na comunicação
remete-nos ao enfoque semiótico de estudos da cultura.
Desta maneira, elegemos como configuração da cultura a “teia de
significados”. E para o seu estudo, a busca de um entendimento dos
relacionamentos que aí se estabelecem. O compromisso básico de toda política
cultural, seria o de dinamizar diferentes tipos de comunicação. Seu empenho
seria no sentido de buscar propostas e instrumentos capazes de preservar “a
unidade no respeito à diversidade dentro do próprio domínio cultural. Isto é, cada
área de produção da cultura [...] tem potenciais, limites, recursos e meios que lhe
são próprios, assim como leis peculiares de refração ideológica, mas que só se
definem no confronto, conflito e complementaridade com outras áreas”
(Santaella, 1996:157-158).
Buscando entender a teia de relacionamentos presente no mundo da
dança na cidade de Florianópolis, procuramos, inicialmente, conhecer seus
agentes constituintes, suas ações e vínculos estabelecidos, uma vez que todo
sistema de produção cultural é regido por um complexo de relações formais e
informais (entre instituições culturais, criadores, organizações de ensino, normas
jurídicas, etc.), maneira pela qual a cultura se organiza (Coelho, 1997: 293). Esta
“organização da cultura” define a política cultural e, da mesma maneira, a política
da dança.
23
2. A DANÇA COMO MERCADO
O termo marketing está tão presente na gramática brasileira, que poucos
dão-se ao trabalho de indagar: de que se trata? Por que se usa um termo em
inglês com tanta freqüência que dele surgiram até substantivos como
marqueteiro? É uma palavra que perderia seu real significado se traduzida,
porque ‘market’ quer dizer mercado e ‘ing’ é um complemento verbal que significa
‘ação’. Ou seja, marketing como um conjunto de regras sobre modos de agir no
mercado. Ações em um mercado, e é neste mercado que hoje governantes,
empresários e artistas caminham, procuram entender e aproveitar.
“Precisamos de um mercado cultural saudável”, “Arte virou sinônimo de
mercado”, “A dinâmica cultural está sendo definida pelo mercado”, estas frases
são repetidas, ouvidas e aparecem em discursos todos os dias no cenário
cultural.
O conceito de mercado diz respeito à troca de recursos, que envolvam ou
não dinheiro. É definido a partir da existência de uma necessidade; pessoas que
mostram a mesma necessidade, têm recursos que interessam a outros e estão
dispostas a oferecer estes recursos em troca do que desejam. “Um mercado é
uma arena para trocas potenciais” (Kotler, 1980: 33).
A partir dos anos 80, com a criação e o uso das leis de incentivo à cultura,
verificamos uma mudança significativa do mercado cultural no Brasil. O governo
beneficia a produção com incentivos fiscais, e as empresas investem numa forma
de marketing, ampliando a produção e o consumo da arte. A partir daí, a política
cultural brasileira, passa a se apoiar, em grande escala, no tripé: leis - empresas -
artistas.
No mercado da dança, as leis de incentivo abriram espaço para a
profissionalização, propondo um reposicionamento dos criadores individuais,
grupos e companhias de dança. Hamilton Faria - Presidente do Instituto Pólis e
Secretário Executivo do Fórum Intermunicipal de Cultura (FIC), exemplifica, ao
citar o que ocorreu com a dança em São José dos Campos: “Determinados
grupos que antes não entravam dentro de um plano de concorrência começam a
se especializar, na medida em que as verbas de incentivos começam a ser dadas
a determinados grupos de dança. Isso quer dizer que, dentro desse processo de
concorrência, há uma determinada necessidade de mostrar uma qualidade maior”
(Franceschi et al., 1998: 77).
Nos anos 90, os investimentos das empresas na área de dança
aumentaram. Márcia Álvaro (1999: 40) comprova tal fato, ao afirmar:
O mercado da dança no Brasil está mesmo em alta. A expansão é confirmada pelo levantamento divulgado na segunda quinzena de maio último pelo Ministério da Cultura. No ano passado, as dez empresas que lideraram o ranking do MinC investiram 6,3 milhões em projetos apoiados pela Lei Rouanet, um crescimento de 11,6% em relação ao exercício anterior. Quando comparado a 1996, o aumento foi ainda mais expressivo: 51,7%.
A constituição do mercado de dança é um fenômeno cultural recente no
país. Porém, embora este segmento venha crescendo em captação de recursos
financeiros, chamando a atenção dos patrocinadores e atraindo investimentos, as
oportunidades são escassas e restritas a poucos. “Apesar de estar em expansão,
o patrocínio da dança ainda é pequeno e vai para poucos. Em quatro anos, a
dança representou apenas 4,7% do captado via lei Rouanet. No ano passado,
utilizou somente 3,9% da renúncia do MinC, período em que apenas 8,7% das
empresas do mecenato escolheram 32 projetos de um total de 132 aprovados”
(Possendoro, 1999:34).
Este mercado vem se formando, essencialmente, através de um
relacionamento sutil entre governo (com suas leis), empresas (que podem fazer o
papel de mecenas moderno com dinheiro público) e a produção de dança
(beneficiária e criadora). Os três elementos configuram-se em parceria.
É um fato evidente que profissionais e grupos de dança de todas as partes
do país precisam de recursos financeiros e estímulo para realizar seus trabalhos.
Ao lado do imenso desejo de obter apoio e patrocínio - que possibilite a
manutenção do próprio trabalho (seja como intérprete-criador, pesquisador,
crítico, produtor ou o de uma companhia de dança), a montagem de espetáculos
e eventos, a viabilização de turnês - caminha um desconforto pela falta de
conhecimento e disposição no como se alcançar o objetivo. No caso da dança em
Florianópolis, as leis de incentivo colocam-se como única possibilidade de tornar
reais tais objetivos (já que não existem subvenções de qualquer tipo).
25
Leis de incentivo à cultura, marketing cultural e mercado, ainda são termos
que guardam grande dose de mistério, e mesmo que mereçam alguma pesquisa
e atenção, são tratados na base da intuição. Joatan Vilela Berbel - Secretário de
Música e Arte Cênicas do Ministério da Cultura, afirma: “Falta profissionalização
dos grupos de dança no que diz respeito às propostas de marketing destes
grupos! O que se vê é que os grupos mal têm condições de administrar as
questões de sobrevivência, ensaio etc. Falta pessoal qualificado para dialogar
com as empresas” (Possendoro, 1999:38).
Conhecemos o discurso dos grupos. Reclamam que a falta de recursos
financeiros no trabalho com a dança obriga-os a exercerem atividades paralelas
para sustento próprio, o que gera falta de tempo - “para ler caderninhos do
MinC”, “para estudar e fazer bons projetos”; dificultando também a conciliação de
horários entre os integrantes para aulas e ensaios. Além disto, questões como a
falta de espaços para aulas, ensaios e apresentações, a impossibilidade de pagar
profissionais especializados, como professores e produtores, interferem
amplamente em sua corrida rumo à profissionalização. Como em um ciclo, a
dificuldade de obtenção de apoios e patrocínios gera e é gerada pela carência de
qualidade e profissionalismo apontada por Berbel.
Robatto (Weffort e Souza, 1998: 229) cita vários fatores determinantes na
qualidade de um grupo de dança cênica, como “aqueles relativos à eficiência na
manutenção regular de suas atividades, na renovação de suas produções
coreográficas e na capacidade de circulação das mesmas, aliados ao interesse
em realizar pesquisas relativas ao movimento corporal”. Ressalta que, mais que
tudo, a sobrevivência de um grupo de dança depende de condições e recursos
para viabilizar sua inserção no mercado cultural. “É preciso infra-estrutura e
verbas para montagens e circulação das suas produções”.
Na ausência de estímulos (como bolsas de pesquisa para criação, editais
de auxílio montagem e circulação, prêmios) e apoio financeiro à criação artística
(seja do setor público ou privado), os profissionais e grupos de Florianópolis
vislumbram a solução para seus problemas de sobrevivência nas leis que geram
benefícios fiscais ao patrocínio à cultura. Neste sentido, o governo estadual (SC)
e municipal (Florianópolis) regulamentaram suas leis de incentivo6 no ano de
6 Leis em anexo.
26
2000, acreditando que, desta maneira, estão resolvendo questões relacionadas à
falta de recursos e condições adequadas ao desenvolvimento da dança. Ao agir
assim, o governo transferiu ao mercado a responsabilidade de decidir o que
merece ou não ser apoiado, iniciativa que mostra-se insuficiente diante das
necessidades apresentadas pela área. Como pode a dança ficar à mercê do
mercado, especialmente quando este é formado por empresas privadas e
públicas apenas interessadas em ver seu nome exposto na mídia, incapazes de
diferenciar “A” do “B”7 ou de ter a iniciativa de contratar alguém apto a julgar (não
com base no gosto, relacionamentos ou interesses pessoais, como normalmente
acontece) aquilo que é digno de investimento? Deve-se salientar que trata-se de
um mercado em que a produção local não dispõe de um acompanhamento crítico
e regular e o tratamento dado à dança pela mídia é marginal, quando muito
limitada a noticiar o acontecimento através de uma reprodução do texto enviado
pelo próprio profissional da dança para as redações. Este mercado, carente de
análise, pelo aqui exposto, que se soma a outros motivos, acaba sendo composto
por um público restrito ou desinteressado e apático. Um mercado, aliás, privado
de especialização, a começar justamente pelos órgãos públicos e sua dificuldade
em reconhecer seu papel de fomentador da cultura.
O desconhecimento deste mercado por parte de seus governantes, que aí
atuam à revelia, é explícito. Um dos objetivos desta pesquisa e estudo do
mercado da dança em Florianópolis é o de salientar as exigências que lhe são
próprias, mas ignoradas pelos responsáveis pelo estabelecimento de uma política
cultural a eles vinculada. A coleta dos dados aqui realizada almeja ressaltar a
necessidade de uma atuação feita a partir de critérios claros e condizentes com a
posição na qual se encontra.
7 O Grupo Cena 11 Cia. de Dança pode ser tomado como exemplo. Único grupo consolidado como profissional em Fpolis, bem como no Estado de SC, apesar de ser reconhecido como sinônimo de qualidade da dança brasileira enfrenta dificuldades financeiras para dar continuidade ao seu trabalho e é frequentemente colocado no mesmo patamar de outros grupos municipais ou estaduais ainda não profissionalizados, recebendo o mesmo tratamento por parte das entidades governamentais e empresas locais.
27
2.1. A Dança em Florianópolis
A formação de um grupo de dança - o empreendimento de cooperação
entre os profissionais da área (como bailarinos, coreógrafos, professores) – pode
ser entendida como um modo de organização da própria dança para aumentar
sua probabilidade de sobrevivência. Quando um grupo de dança ‘funciona’,
significa que tem condições de operar e garantir sua continuidade.
Segundo a Teoria da Evolução desenvolvida por Charles Darwin,
sobrevivem os organismos que melhor se integram ao seu ambiente e são hábeis
em explorar as oportunidades oferecidas. Daí a tarefa dos grupos de manutenção
de um relacionamento estável com o meio no qual estão inseridos, vivendo em
contínua adaptação8.
Em Florianópolis, constata-se um crescente interesse dos grupos de dança
em alcançar a profissionalização. A estratégia de obtenção de um patrocínio
através das leis foi eleita por vários grupos como a solução capaz de garantir a
sua continuidade de trabalho, ainda que desconheçam o funcionamento destas
leis e de antemão percebam imensas dificuldades em contatar as empresas
(supostas patrocinadoras).
Buscando localizar os grupos de dança desta cidade, encontramos um
lugar instável, que não facilita a sua sobrevivência, principalmente como
profissionais. Verificamos a presença esmagadora de grupos vivendo na
condição de amadores.
A principal via de escoamento da produção artística de dança em
Florianópolis, e igualmente em Santa Catarina, são as mostras e festivais. O
surgimento dos grupos independentes (a maioria nos anos 90) hoje existentes no
Estado ligam-se à criação destes eventos9 anuais de dança. Estes encontros
estimulam a prática de montagens de coreografias de pequena duração (até dez
minutos) já que limitam o tempo de apresentação dos trabalhos. SC não possui
uma mostra de dança profissional e muito raramente recebe a presença de
8 “Life therefore is an active equilibrium between the living organism and its surroundings, an equilibrium which can be maintained only if the environment suits the particular animal or plant, which is then said to be “adapted” to that environment”. (Smith, 1993:26)9 Destaque para a Mostra de Dança de Florianópolis (da Fundação Municipal de Cultura) e o Festival de Dança de Joinville (competitivo), eventos surgidos nos anos 80.
28
significativos grupos nacionais e internacionais de dança. Não há incentivo dos
órgãos públicos neste sentido e os produtores locais, quando resolvem trabalhar
com dança, preferem nomes consagrados pela mídia e que são sinônimos de
casa cheia, tais como Ana Botafogo e Deborah Colker10. A diversidade de
informações e pesquisas que a dança atual apresenta é desconhecida e a
referência do que é dança não se renova para o público em geral e para a
maioria dos dirigentes culturais em SC, que confinam a dança a imagem da
bailarina na ponta dos pés. Como a produção local é alimentada pela estética dos
festivais, multiplicam-se grupos representantes de escolas. O alto custo relativo
às apresentações independentes de um grupo no Estado ou fora dele, tanto
impede que a dança originada em SC circule, quanto desestimula sua produção.
Florianópolis nunca abrigou uma companhia estável oficial, um grupo que
fosse mantido pelo governo estadual ou municipal ou fundações. A cidade é casa
de muitos grupos amadores. Alguns fatos dificultam um trabalho contínuo e
profissional, entre os quais destacam-se a falta de espaços para aulas, ensaios e
apresentações, e dificuldades de obtenção de apoios e patrocínios.
Inúmeros são os grupos de dança oriundos de colégios, academias e
associações, participantes de mostras e festivais locais: Studio de Dança do IEE;
Atitude Grupo de Dança; Aplysia Grupo de Dança; Ballet Infantil do Lira Tênis
Clube; Ballet Moderno do SESC; Ballet Norma Sueli; Cia. dos Ritmos; Grupo de
Dança da Astel; Grupo de Dança do Colégio Coração de Jesus; Grupo Egbé
Ejobalé; Grupo No Et-Eter; Grupo Sasha; Grupo 1 Movimento; Luiz Laura e Cia.;
Mostra das Artes; Raízes Afro-Brasileiras; Rola Jazz da Escola Dinâmica; Grupo
Vidança da Universidade Federal de Santa Catarina; Cia. de Dança de Salão
Edson Nunes; Cia de Dança Fabiano Narciso; Essência Grupo de Dança; Grupo
Gayia; Fario Gitano Cia. de Dança; Grupo Ágon, entre outros.
Hoje, entre as companhias independentes com a marca de um só autor,
temos: Grupo Cena 11 Cia. de Dança (consolidada como companhia
profissional); Kaiowas Grupo de Dança; Grupo Patibiribia; Cia. de Dança Alma
Negra; Mahabhutas Cia. de Dança Contemporânea; Khala Grupo de Dança;
Shapanã e, Voga Companhia de Dança. Diferentemente destes, o Ronda Grupo
10 Ana Botafogo é a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro desde o ano de 1981 e Deborah Colker dança e coreografa para uma companhia carioca batizada com o seu nome. Estas duas profissionais são identificadas como fenômenos de comunicação da dança brasileira.
29
de Dança e Teatro funciona mais como uma cooperativa, aonde qualquer
membro ou todos (em conjunto) coreografam.
Um grupo recém-criado destaca-se na cidade por um trabalho singular de
performances: Cravo Cia. das Artes, que conta com a direção e atuação de Mapi
Cravo Silveira. Acompanhada ora pela cantora lírica Taciana Tafarel, ora pela
poetisa Ana Elisa Vargas ou ainda pela atriz Adriana Rosa, Mapi busca
comunicar seu pensamento através de um trabalho interdisciplinar entre as artes,
procura mostrar o corpo combinado a poesia, a instalação plástica e a música.
A partir de entrevistas com os representantes dos grupos que ocupam um
lugar de destaque na dança local, procuramos descobrir o que pensam sobre
dança em geral e a cidade, ou seja, o meio no qual seus grupos estão sediados.
Interrogamos sobre seus desejos e o que efetivamente têm feito para realizá-los.
Mesmo que as respostas obtidas nas entrevistas realizadas não tenham sido
unânimes, as considerações abaixo relacionadas traduzem a opinião de mais de
50% dos entrevistados.
- Muitos grupos declaram ter o objetivo de profissionalização, mas desconhecem
o caminho que devem percorrer para chegar lá.
- Não há um planejamento de suas atividades, apenas reagem aos problemas
que lhes são apresentados.
- Muito mais do que o estudo e a pesquisa, a intuição lhes serve de guia.
- Consideram as leis de incentivo à cultura algo muito positivo, mas reclamam da
burocracia e complicação que as acompanha. O desejo de usá-las é muito maior
do que o de conhecê-las.
- Observamos uma descrença em relação aos dois órgãos representativos da
classe - a Associação Catarinense de Dança (APRODANÇA) e o Comitê
Catarinense de Dança. Ao lado do reconhecimento de sua importância, muitos
afirmaram que as reuniões significavam acima de tudo uma perda de tempo,
espaços onde muito se fala e pouco se faz e, por este motivo, não costumam ir
às reuniões. É visível a falta de vontade política dos artistas.
- A dança contemporânea é a linguagem dos grupos profissionais e daqueles que
desejam profissionalizar-se.
- Ter que cumprir funções de produção - elaborar e vender projetos - é
considerada a tarefa de maior dificuldade para os elementos dos grupos.
30
- O estímulo entre os profissionais da área cresce e constitui-se como um grande
fator motivacional para continuar dançando.
- O intercâmbio de informações aumenta entre os profissionais de dança da
cidade. Pode parecer banal, mas é inédito o fato de bailarinos de um grupo
fazerem aulas com profissionais de outro grupo, bem como o empréstimo de fitas
de vídeo-dança entre os profissionais. A rotina sempre foi mais a de esconder
informação do que trocá-la.
- O balé clássico é a técnica eleita como método de preparação dos artistas,
muito mais por inspiração das grandes companhias (a exemplo do Grupo Corpo,
de Minas Gerais), do que por conhecimento de seus reais benefícios e
potencialidades.
- Muitos discursos mostraram uma preocupação excessiva com os grupos em si
mesmos, ou seja, o interesse único e imediato de melhorar suas condições de
existência e não o da dança como um todo, esquecendo-se que um não caminha
sem o outro.
- Uma maior flexibilidade entre papéis já estabelecidos: a geração de
oportunidades para os bailarinos atuarem no grupo como professores e
explorarem seu potencial como coreógrafo.
- Um desconhecimento das especificidades próprias à dança contemporânea, a
grosso modo entendida como sinônimo de “qualquer coisa”, um “vale tudo”.
- A opinião de que não deve existir competição em dança. Apesar disto, aceitam
os festivais competitivos, que são vistos como um espaço essencial para o
intercâmbio de informações e o estabelecimento de contatos, e não para o
exercício de rivalidades.
- A consideração de que as dificuldades em se produzir dança em Florianópolis
são as mesmas que no Brasil, ou seja, a cidade não apresentaria obstáculos
particulares, apenas os mesmos existentes por todo o país.
- Um descontentamento com o fato de Florianópolis perder constantemente
muitos talentos para outros estados e países, já que bailarinos mudam-se desta
cidade em busca de melhores perspectivas de trabalho com a dança, seja por
uma motivação artística e/ou financeira.
31
2.1.1. Grupo Cena 11 Cia. de Dança
O artista brasileiro muitas vezes reclama muito e trabalha pouco. É preciso correr atrás e abraçar a dança como sua existência. Sem dança eu não existo11. (Alejandro Ahmed)
Principalmente a partir das conquistas do Grupo Cena 11 Cia. de Dança,
outros grupos de Florianópolis começaram a encarar seriamente a possibilidade
de profissionalização, ou seja, tornar real a montagem de espetáculos e turnês
nacionais; o pagamento de bailarinos e a contratação de profissionais
especializados como professores, iluminadores, cenógrafos, figurinistas e
produtores.
Evidência de que o Cena 11 propiciou um novo ambiente para a dança de
Florianópolis, quer dizer, colocou informações e possibilidades originais no meio,
foi o fato de ter sido citado na maioria das entrevistas realizadas com outros
grupos, sendo indicado como uma referência de que é possível viver da dança e
produzir dança de qualidade, neste local.
Criado em 1986 por Rosângela Matos para representar sua academia - a
Rodança - em mostras e festivais, o Cena 11, atualmente, é reconhecido no
Brasil como uma das melhores companhias independentes de dança
contemporânea do país, e carrega a marca de seu coreógrafo residente,
Alejandro Ahmed.
Recuperando a trajetória do Cena 11, inicialmente encontramos um grupo
de bailarinos bastante jovens sendo coreografados por Anderson Gonçalves na
técnica do Jazz.
Anderson nasceu em Florianópolis. Dono de um extenso currículo12,
carrega vasta experiência em dança, seja como bailarino e/ou coreógrafo. Foi de
Anderson o primeiro espetáculo do Cena 11: “O importante é começar”, em 1987.
No elenco, nove bailarinos: Jussara Xavier, Karla Janning, Margareth Vieira,
11 Pacheco, Patrícia (1995). Dançando com a vida. In: Artitude, Primavera, p.5.12 Estudou com professores como Bila Coimbra, Fernanda Meyer, Toni Príncipe, Mauren Esmanhoto, Reneé Wells, Maria Inês Buchalla, Penha de Souza, Mário Nascimento, Joyce Kerman, Maísa Tempesta, Ruth Rachou, Rodolfo Leoni, Carlota Portela, Washington Cardoso, Marli Tavares, Soraia Jorge, Rick Atwell, Aimée Covo, Nela Fri, Roseli Rodrigues, Kaká Boa Morte, Sandra Meyer, Maria Lúcia Paz, Marisa Naspolini, Lennie Dale, entre outros. Em Florianópolis, integrou as seguintes companhias: Grupo Rodapé, Grupo Desterro, Ballet Desterro, Álea Cia. de Dança e Grupo Móbile. Morando alguns anos em São Paulo, participou do Ballet Grupo 6, Companhia Jazz Brasil, Canvas Companhia de Dança, Móbile Cia. de Dança e Grupo Raça. Também habitou na cidade do Rio de Janeiro, dançando na Companhia Vacilou Dançou, sob direção de Carlota Portela.
32
Myrian Hermes, Raquel Cassol, Rosarita Mári, Rosângela Matos, Walquíria Silva
e o próprio Alejandro Ahmed, o único destes componentes ainda presente na
formação da companhia.
Em 1989, Anderson organiza o espetáculo “Escândalo Urbano”, ampliando
o elenco e a linguagem do Grupo, arrisca com propostas na linha da dança
moderna e contemporânea. Além de obras de sua autoria, o espetáculo
apresentava uma coreografia13 de Amarildo Cassiano e um pas-de-deux14 de
Alejandro Ahmed, marcando a estréia deste último como coreógrafo.
No início dos anos 90, o elenco do Grupo sofre muitas modificações.
Anderson Gonçalves e Amarildo Cassiano saem para formar o Voss Cia. de
Dança, e as bailarinas Gianca Piccoloto e Karin Serafin deixam o Cena 11 para
integrar o recém-formado grupo. Alejandro Ahmed, Jussara Xavier, Karla Janning
e Patrícia Fabrim mudam-se para a cidade de São Paulo a fim de dançar no
Grupo Raça, dirigido por Roseli Rodrigues. Rosângela Matos, que além de
fundadora cumpria o papel de diretora administrativa e bailarina do Grupo,
propõe-se a continuar o trabalho reunindo outras alunas de sua academia.
É 1992. Ano dos retornos. A bailarina Jussara Xavier volta a Florianópolis
e passa a lecionar e coreografar para o Grupo Cena 11. Também Alejandro
Ahmed e Anderson Gonçalves retornam de São Paulo. O primeiro como bailarino
e coreógrafo, e o segundo, como bailarino e figurinista. Em 1993, Ahmed dá
início a um processo criativo que estende-se até hoje, revolucionando não
apenas a dança do Cena 11 mas a de Florianópolis e, mais recentemente, a do
Brasil.
Reduzindo o elenco15 do Grupo (o que rendeu descontentamentos e
críticas por parte de muitos bailarinos), Ahmed monta e executa dois pas-de-deux
- “Enquanto estou aqui” (com Jussara Xavier) e “Mercenários” (com Índia
Mendes) - e as coreografias “Parnase”16 e “Do you wanna fuck, or what?”. Já
nestes trabalhos (todos de curta duração) temos uma antecipação daquilo que
viria depois, principalmente no uso de diversos elementos cênicos e da voz em
cena, seja através da emissão de sons/sussurros e/ou de poesias e textos
13 “Por ti”.14 “Vorstellungskraft” (Força da imaginação), dançado por Alejandro Ahmed e Jussara Xavier. Com este trabalho, Ahmed conquista seu primeiro prêmio nacional: 2o lugar no VII Festival de Dança de Joinville.15 Alejandro Ahemd, Anderson Gonçalves, India Mendes, Jussara Xavier, Karin Serafin, Letícia Lamela e Letícia Testa.16 “Parnase” é inspirado em uma poesia de Jim Morrison: “Nada. O ar lá fora queima os olhos vou arrancá-los e livrar-me da queimadura”.
33
escritos e falados pelo próprio Alejandro. Tudo apontava à inquietação, ousadia e
descontentamento, que caracterizam este artista, e por isso, sua dança, ainda
que de maneira não-explícita.
Em “Do you wanna fuck, or what?”, o Cena 11 dança ao som de Chopin,
de Prince e do “silêncio”. Alejandro vai ao microfone e fala uma poesia de sua
autoria: “[...] O sangue escreve em tua alma que nenhuma carne quer marcar
hora pra morrer, canibal, fique com fome, fome é a alma de viver”. Declarou
Ahmed para o Jornal Diário Catarinense: “Iniciamos agora um cross-over palavra-
movimento, para ampliar nossa linguagem cênica e chegar ao público de maneira
incisiva e dinâmica. [...] Queremos subir ao palco e executar violência poética,
bom humor, a língua de nossos dias” (Lavratti, 1994: 5).
Em 1994, Ahmed coreografa o bem humorado “Sérgio Roberto e Dorotéa
Regina”17, utilizando pela primeira vez em suas montagens a platéia como espaço
cênico. Se pelo mundo afora isso já era feito há anos, Florianópolis ficou surpreso
e o Cena 11 já começava a ser chamado de “diferente”.
Também é de 1994 seu duo executado com Anderson Gonçalves -
“Grades”; e a coreografia “O manifesto”18. É nesta última que Alejandro começa a
mostrar seu interesse em explorar uma nova linguagem: a dança contemporânea,
onde encontrará espaço necessário para formular seu pensamento em forma de
dança. A partir deste trabalho, o grupo passa a incorporar músicos em sua
formação. “O manifesto” tem a participação da cantora lírica Pamela Fritz.
Com “Respostas sobre dor”, Alejandro e o Cena 11 encerram o ciclo de
montagem de coreografias de pequena duração, feitas nos moldes de aceitação
para participação em festivais competitivos e mostras de caráter amador.
“Respostas sobre dor”, coreografia de 30 minutos, teve sua estréia em 22 de
novembro de 1994, no Teatro Álvaro de Carvalho (Fpolis/SC) e foi agraciada pelo
edital de estímulo aos grupos de dança da Fundação Catarinense de Cultura.
A partir de 1995, o Cena 11 começa a transformar o desejo de
profissionalização em fato. Mudanças: várias. No elenco, além de oito bailarinos,
17 Obteve o 2o lugar no III Prêmio Sogipa para Dança (Porto Alegre/RS), na modalidade Jazz, categoria Amador II. Diz o release: “Sérgio Roberto revendia mega drive japonês do Paraguai, e nesse tempo Dorotéa ía à quermesse do domingo só para levar o seu pai. É esta história, a do baile demorado, que ainda sem ninguém ao lado a rapariga arrepiou, quando de longe na pele de um terno laranja, surge um homem arretado cujo olhar ela confiou”.18 1o lugar no III Prêmio Sogipa para Dança, em Porto Alegre (RS), na modalidade contemporâneo, categoria Amador II.
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três músicos19. Finalmente 1120. A sede do Grupo passou a ser a Academia
Albertina Ganzo. O Grupo passou a ter aulas e ensaios diários. Balé clássico com
a professora mineira Malú Rabelo, além de aulas de dança contemporânea com
o próprio Ahmed. Uma equipe com funções específicas estava se formando, o
Grupo ia ganhando organização, especificando competências. Além de Ahmed
como diretor artístico e Gonçalves como figurinista, outras tarefas foram sendo
distribuídas e definidas: Jussara Xavier como ensaiadora; Fernando Rosa
responsável pela concepção gráfica e fotografia, bem como pela cenografia, ao
lado de Karin Serafin, Gizely Cesconetto e Ahmed. Pela primeira vez, o Grupo
teria alguém para planejar e executar a iluminação, trabalho de Wilson Salvador.
Pela criação de “Respostas sobre dor”, Alejandro foi um dos indicados
para o Prêmio Mambembe de Dança, da Fundação Nacional de Arte - FUNARTE
- do ano de 1995. Tal fato foi considerado um atestado de aprovação ao trabalho
que o Grupo vinha realizando, devolvendo-lhe energia suficiente para continuar
na estrada, acreditar em seu potencial e arriscar em novas produções.
“O Cena 11 já desponta como representante do profissionalismo que
marca o movimento da dança na Capital. Com a coreografia “Respostas Sobre
Dor”, de Alejandro Ahmed, apresentada na mostra como modalidade
contemporâneo, o Cena 11 recebeu aplausos e elogios da crítica Helena Katz”
(Folha da Cultura, 1995).
Coisa inédita na história da produção artística catarinense, o Prêmio Mambembe de Dança da Fundação Nacional de Arte (Funarte), tem entre seus indicados [...], um coreógrafo que, com seu grupo, cria e produz em Santa Catarina. Alejandro Ahmed [...] foi indicado pelo trabalho em “Respostas sobre dor”, com o Grupo de Dança Cena 11 (Canan, 1995).
Em 1996, o Cena 11 participa das seguintes montagens coreográficas:
- a ópera “O Guarani” de Carlos Gomes, com regência do maestro Júlio
Medaglia; encenada no Largo da Catedral de Florianópolis, reunindo um público
de 30 mil pessoas por ocasião do aniversário da cidade;
- “Catharina, uma ópera da ilha”, um espetáculo que conta a história da ilha de
Santa Catarina, permanecendo em cartaz no “Festival do Mar” em Florianópolis. 19 Os bailarinos: Alejandro Ahmed, Anderson Gonçalves, Armando Zanon, Jussara Xavier, Karin Serafin, Letícia Lamela, Letícia Testa e Marian Araújo. Os músicos: Eduardo Serafin, Gustavo Lorenzo e Pamela Fritz (mais tarde substituída por Hedra Rockenback). 20 O nome Cena 11, segundo Rosângela Matos, foi escolhido para fazer referência as artes cênicas e ao número de onze componentes.
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Participando destes dois eventos artísticos principalmente por motivos
financeiros, o Cena 11 teve a oportunidade de divulgar seu trabalho - não só ao
vivo mas também através das mídias jornalísticas, recebendo numerosos elogios
por sua atuação.
Com o espetáculo “O Novo Cangaço” idealizado por Ahmed, o Grupo é
indicado para o Prêmio Mambembe de Dança (FUNARTE) e dá início a uma série
de convites para apresentações pelo Brasil21, tornando-se conhecido fora de sua
cidade.
Alejandro Ahmed, Karina Collaço e Anderson GonçalvesCoreografia: “O Novo Cangaço”Foto: Fernando Rosa
Alejandro Ahmed e Letícia TestaCoreografia: “O Novo Cangaço”
21 Encerra a Mostra Movimentos SESC de Dança (São Paulo/SP); o II Santa Maria em Dança (Santa Maria/RS); o I Passo Dança (Passo Fundo/RS); o 1o Conesul Dança (Porto Alegre/RS); e, a IV Mostra de Dança de Florianópolis (SC). Abre a Mostra de Dança Klauss Vianna (Belo Horizonte/MG). É também beneficiado com o “Edital de Apoio à Dança” da Fundação Catarinense de Cultura.
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Foto: Fernando Rosa
Escreve a crítica de dança Helena Katz (1996a) para O Estado de São
Paulo: “Com O Novo Cangaço Alejandro Ahmed confirma seu espaço na nova
geração de coreógrafos brasileiros”.
Em 1996, o Grupo encaminha pela primeira vez um projeto ao Mecenato
no Ministério da Cultura. O objetivo do Grupo era a montagem e circulação
nacional do espetáculo de dança contemporânea intitulado “In’Perfeito”, com
duração de sessenta minutos. É nesta época que o Grupo passa a preocupar-se,
de fato, com as questões de produção e captação de recursos. Diante da
dificuldade de encontrar profissionais destas áreas em Florianópolis, bem como a
impossibilidade financeira de pagar agentes culturais de outros estados, o Grupo
passa a empenhar-se também nas tarefas de elaboração de projetos (de venda
de espetáculos, de encaminhamento ao Mecenato, para captação de patrocínio)
e captação de patrocínio junto a empresas privadas.
Movendo-se rumo a profissionalização, Alejandro Ahmed e Jussara Xavier
iniciam uma busca de informações sobre o funcionamento da Lei Federal de
Incentivo à Cultura, preenchimento e encaminhamento de formulários, marketing
cultural, e assuntos afins. Uma especialização necessária à sobrevivência. Em
Florianópolis, todos estes dados eram novidades permeadas de dúvidas, e se é
que alguns artistas sabiam como utilizar estas ferramentas para a procura de
apoio, podemos afirmar que eram poucos. As próprias fundações de cultura
(municipal e estadual), quando questionadas a esclarecer as interrogações de
Ahmed e Jussara, nada sabiam explicar, argumentando que estas tarefas não
lhes diziam respeito.
Mesmo enfrentando diversos impasses, o projeto “In’Perfeito” foi aprovado
pelo Ministério da Cultura, podendo contar com os incentivos fiscais garantidos
pela Lei. No entanto, o problema maior iniciava-se com as tentativas de obtenção
de patrocínio nas empresas. Depois de pedir prorrogação do período de captação
por seis meses ao MinC e enfrentar muitos obstáculos, o Cena 11 obtém seu
primeiro patrocínio da empresa de Telecomunicações de Santa Catarina -
TELESC.
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Alex Guerra e Elke SiedlerCoreografia: “In’Perfeito”Foto: Cristiano Prim
“In’Perfeito” teve sua estréia em 4 e 5 de outubro de 1997, no teatro do
Centro Integrado de Cultura (Fpolis). Sua realização foi guiada por um coeso
trabalho de equipe, a partir de um conceito único, concebido por Ahmed. Além do
constante e árduo trabalho dos bailarinos e diretores, o quadro era formado por:
Silvio Mantovani (cenografia), Anderson Gonçalves (figurino), Hedra Rockenbach
e Eduardo Serafin (trilha sonora), Fernando Rosa (design gráfico) e Francisco
Rios (iluminação).
Karin Serafin e Letícia Testa Coreografia: “In’Perfeito” Foto: Guilherme di Mattos
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“In’Perfeito” foi convidado a encerrar o Comfort22 em Dança - II Mostra
Nacional, em 20 de outubro de 97 no Teatro Sérgio Cardoso (São Paulo/ SP).
Nesta ocasião o Grupo recebe uma carta de recomendação da curadora deste
evento, Ana Francisca Ponzio23, a qual procura ressaltar a qualidade e o papel do
Grupo no cenário da dança, enfatizando a necessidade de apoio financeiro para
a continuidade de seu trabalho.
Afirmo que o Grupo Cena 11, dirigido pelo coreógrafo Alejandro Ahmed, é uma das expressões mais instigantes da dança contemporânea brasileira.Reunindo talentos jovens, o grupo vem comprovando, a cada novo espetáculo, seu potencial, sua seriedade e competência.Alejandro Ahmed, responsável pelas criações da companhia, se vale de invenção, inteligência e inquietação para experimentar novas possibilidades que, sem dúvida, revelarão novas perspectivas para a dança brasileira.Portanto, é fundamental que esta companhia conte, o mais breve possível, com oportunidades e apoio financeiro, de entidades públicas e privadas, que permitam garantir a estabilidade de trabalho e o futuro promissor que o grupo aponta.
O espetáculo “In’Perfeito” foi beneficiado com o “Prêmio Estímulo aos
Grupos de Dança” da Fundação Catarinense de Cultura, premiado pela
Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como melhor concepção cênica,
e, indicado para o Prêmio Mambembe de Dança (FUNARTE), como melhor
espetáculo e melhor cenografia. Ainda em 97, Ahmed recebe o Prêmio Mérito
Cultural Cruz & Souza da Fundação Catarinense de Cultura, e é selecionado pela
Fundação Vitae para participar do programa International Coreographers
Residency no American Dance Festival, na Carolina do Norte/EUA.
Em 1998, ao lado do Quasar, reconhecida companhia de dança de Goiás,
o Grupo é escolhido para participar do Projeto DançAtiva, realizando uma turnê
nacional patrocinada por IBM e Unibanco, com produção da empresa Dell’Arte.
Grava um programa especial para o canal Multishow, a ser exibido durante dois
anos nos canais da Rede Globo. Além disto, foi um dos eleitos para executar o
22 O Comfort em Dança foi uma mostra nacional de dança contemporânea que ocorreu em São Paulo nos anos de 1996 e 1997, funcionando como vitrine de grupos brasileiros.23 Ponzio estudou música e dança clássica e moderna em São Paulo; formou-se em jornalismo, escrevendo sobre artes a partir de 1985 e tornando a dança sua especialidade como repórter e crítica. Desde 1993 é colaboradora do jornal Folha de S.Paulo. É editora-contribuinte da revista BRAVO! na área de dança.
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Projeto Piloto Cena Aberta, dos Ministérios do Trabalho e da Cultura; abrindo a
Mostra Nacional deste Projeto no Teatro Nelson Rodrigues (Rio de Janeiro/RJ).
Também em 98 Ahmed coreografa, interpreta e estréia o espetáculo “A
Carne dos Vencidos no Verbo dos Anjos”, ao lado de Hedra Rockenbach, no VII
Panorama Rio-Arte de Dança, na cidade do Rio de Janeiro. Por este trabalho,
Ahmed recebe o prêmio Mambembe de Melhor Coreógrafo 1998.
Alejandro Ahmed e Hedra RockenbachCoreografia: “A Carne dos Vencidos no Verbo dos Anjos”Foto: Cristiano Prim
Em 2000, o Cena 11 estréia o espetáculo "Violência" no Teatro do Sesc
Vila Mariana - São Paulo (SP). Atualmente, a Academia Catarinense de Ginástica
é a sede do Grupo24 que entre aulas e ensaios, trabalha cerca de seis horas por
dia.
O Cena 11 pode ser tomado como exemplo de uma organização que
conseguiu construir instrumentos e encontrar soluções em seu meio
aparentemente desfavorável, e que, fazendo melhor uso de seu ambiente,
conseguiu garantir sua sobrevivência diferencial.
Aliando qualidade à criatividade e aperfeiçoando uma linguagem própria
através de um trabalho diário, o Cena 11 construiu uma personalidade que foge
do convencional. Desde sua criação, suporta adversidades. Um de seus
diferenciais é exatamente este: fazer emergir - em meio a crises permanentes -
um sentimento de grupo forte, um espírito de luta e a determinação de vencer.
24 Bailarinos: Alejandro Ahmed, Anderson Gonçalves, Elke Siedler, Gregório Sartori, Janaína Santos, Karin Serafin, Karina Collaço, Letícia Lamela e Leticia Testa. Músicos: Eduardo Serafin e Hedra Rockenbach. Direção Artística e Coreografia: Alejandro Ahmed. Projeto Gráfico e Fotos: Fernando Rosa. Direção de Cena: Karin Serafin. Assistente de Direção e Direção Musical: Hedra Rockenbach. Assistente de Ensaio: Malú Rabelo. Assessoria Jurídica: Ivo Borchardt. Iluminação: Francisco J. S. Rios. Equipe Técnica: Cristiano Prim e Máximo Lamela. Tradução: Marcos A. Morgado Oliveira. In: http://www.fastlane.com.br/cena11/html/index.html. Acessado em 13/08/2000.
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Depoimentos de críticos especializados da área de dança reconhecem a
dificuldade de produção artística, a carência de informação e apoio à dança em
Florianópolis, confirmando o Grupo Cena 11 como exemplo de um agente
transformador das restrições do meio.
Em seu artigo “Cena 11 é O Paralamas do Sucesso da dança”, Katz
(1996b) afirma:
Alejandro Ahmed ajuda a oxigenar o mapa coreográfico do país. A primeira surpresa vem quando se descobre que o Cena 11 vive em Florianópolis, cidade onde não circula muita informação sobre dança. E a segunda, quando se percebe que tipo de dança Alejandro cria. [...] Alejandro Ahmed e o Cena 11 fazem a dança brasileira se tornar bem menos pobre.
A qualidade da performance é a primeira grande surpresa para o público. Para quem vive numa cidade como Florianópolis, carente em circulação de espetáculos e informação sobre dança, o grupo consegue tirar leite de pedra, sendo mais original e contemporâneo que outros grupos já consagrados, como o Ballet Cidade de São Paulo que também participou do Comfort. O Cena 11 aproxima-se da realidade e mais, prova que mesmo afastado do circuito artístico nacional, consegue produzir e conduzir uma linha de experimentação própria. [...] A produção de dança em Santa Catarina nunca chegou a figurar entre as mais importantes do País. Excetuando alguns casos como o Ballet Desterro que marcou época no Sul do País nos anos 80. Mais recentemente, o Cena 11 recupera esta trajetória e consolida a profissionalização, desenvolvendo uma dança criativa e cheia de frescor (Spanghero, 1998).
"O Comfort em dança 97, [...] que tem caráter nacional [...], serviu também
para mostrar que há vida inteligente fora do eixo Rio-São Paulo. Dois nomes
confirmam essa assertiva: Henrique Rodovalho, de Goiânia, e Alejandro Ahmed,
de Florianópolis. Dois nomes que redistribuem o mapa da dança brasileira"
(Bragato, 1997).
Por estar presente desde a sua fundação e particularmente ter atuado
como bailarina, ensaiadora e diretora administrativa nos anos de 1992-1998,
período em que a Cia. iniciou a sua consolidação e alcançou a sua
profissionalização, afirmo que o Cena 11 traçou de maneira decidida um caminho
que permitiu que a sua dança fosse selecionada para durar. Em face das
dificuldades e ameaças encontradas no meio em que estava inserido, perseguia
como objetivo a busca da sobrevivência como condição mínima para atingir
objetivos mais tangíveis, tais como a produção e apresentação de seus
41
espetáculos; o aumento de público; o lucro, que proporcionasse uma estabilidade
voltada à manutenção da Cia. ou ao retorno a um estado de equilíbrio, sobretudo
financeiro. Só a partir daí, o Cena 11 passaria a pensar em seu crescimento,
através da conquista de mercados internacionais. Possibilidade que hoje está se
realizando, com as apresentações do grupo em Portugal25.
O Cena 11 representa um ganho para a dança de Florianópolis, ampliando
seu terreno e levando a dança a conquistar maior respeitabilidade por parte da
comunidade e das empresas públicas e privadas. No entanto, para que fosse
reconhecido em Florianópolis, teve que antes o ser em outros locais: as críticas
de renomados pensadores da dança de outras cidades do Brasil e as indicações
para o Prêmio Mambembe de Dança da FUNARTE impulsionaram de maneira
significativa a vida do Grupo e, de certa maneira, obrigaram a população de seu
meio senão a colaborar, pelo menos a enxergar que algo estava acontecendo,
mudando e transformando a dança da cidade.
Mostrando profissionalismo e disposição de lutar em um meio tão
turbulento como o artístico desta cidade, o Cena 11 tem a habilidade de usar e
transformar os recursos (escassos) do meio em muita dança. Aqui, permanência
é sinônimo de trabalho.
Letícia Lamela Coreografia: “Violência”
Foto: Fernando Rosa
25 De 20 a 22 de setembro: Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; dia 23 de setembro: Fringe Tomar - Festival Internacional de Dança Contemporânea, Tomar.
42
2.2. O apoio público à cultura
Sabemos que o Estado exerce um papel fundamental nas atividades
artístico-culturais do país, já que é um de seus deveres promover a cultura, seja
financiando ou ampliando as ocasiões para a produção e o consumo da arte.
A exemplo de outros governos, o brasileiro, começa a reconhecer a cultura
como um fator poderoso no desenvolvimento econômico e social do país. George
Cookwhite, Presidente da Eugene O’Neil Foundation e ex-Diretor do National
Endowment for the Arts, comentando sobre o impacto educacional, social e
econômico das artes afirma: “Ficou efetivamente provado que onde existem arte
e artistas o crime e o abuso de drogas diminuem e cresce o nível de educação.
As comunidades esclarecidas constatam que investir nas artes é uma alternativa
mais barata do que construir prisões e é uma forma eficaz de evitar os males
sociais da ignorância” (Moisés e Botelho, 1997: 93).
Já o Diretor-Geral do British Council da Inglaterra, John Tod, discursando
sobre a contribuição das artes para a economia, relata que a indústria cultural na
Grã-Bretanha gera uma receita (incluindo exportações) de quase 7% do Produto
Nacional Bruto, e é responsável por cerca de três milhões de empregos (Moisés
e Botelho, 1997: 67).
O Ministério da Cultura concorda ao publicar que “As manifestações
culturais, sejam de preservação e de memória, sejam de criação artística [...] são
importantes também porque geram empregos em vários setores - da mão de
obra artesanal à tecnologia avançada de informatização. Além disso, ao crescer
em qualidade e quantidade, o entretenimento cultura cria um mercado próprio
que se consolida como parte da estrutura do turismo e da indústria cultural do
País” (1996: 7).
Apesar do discurso mostrar que nosso governo está convencido do poder
econômico da cultura, que dá emprego, gera salário, produz renda, o valor
destinado à área no país é menor que 1% do orçamento nacional, demostrando
assim que a cultura não é considerada como base de desenvolvimento desta
nação. “Um resultado a esperar da conscientização da importância econômica da
cultura será o aumento dos investimentos públicos e privados em cultura. Em
43
muitos países, daqui e de lá, ainda se considera uma vitória conseguir 1% do
orçamento nacional para o ministério da cultura. Isso é imprudentemente pouco”.
(Coelho, 2000: 138).
É bastante questionável a tese de que a cultura gera empregos no Brasil.
Quantos e quem são aqueles que trabalham com cultura em nosso país? Seria
mais realista (e, no caso da dança, esta resposta é definitivamente positiva)
afirmar que cultura gera essencialmente subemprego, pois os profissionais são
mal pagos, não contam com assistências (como a médica) nem com
aposentadoria, e a continuidade de seus trabalhos é freqüentemente ameaçada.
Ao admitir esta situação, Coelho afirma:
Os artistas e criadores são, em outras palavras, reais minorias desprovidas em busca de uma ação afirmativa que as resgate do limbo. Sob o ângulo do reconhecimento social, ser artista, criador, é algo que não mudou tanto assim nos últimos 100 anos na visão de mundo predominante neste continente. Uma política cultural que não cuidar dos artistas e dos produtores culturais é uma política suicida, porque os artistas, escritores, poetas, compositores não podem ser substituídos por professores universitários, burocratas da cultura, publicitários, empresários da cultura. (2000:141).
A determinação do governo brasileiro é ajudar a cultura a tornar-se um
comércio lucrativo ou uma coisa proveitosa para todos. Propósito que toma corpo
em um conjunto de políticas públicas, e envolve, a definição de um modelo de
financiamento de cultura. Isaura Botelho, pesquisadora em políticas públicas na
área da cultura, afirma:
Como toda política pública, as políticas culturais também necessitam prever, em seu planejamento, as suas fontes e mecanismos de financiamento. No entanto, é a clareza quanto às prioridades e quanto às metas a serem alcançadas a curto, médio e longo prazos que possibilitarão a escolha de estratégias diversificadas e adequadas para o financiamento das atividades artísticas e culturais (Franceschi et al., 1998: 92).
No Brasil,
o governo Fernando Henrique Cardoso propôs-se a consolidar o Ministério da Cultura, e este vem trabalhando para dar um novo lugar à cultura na vida do país. O primeiro passo nesse sentido tinha de ser dado no terreno do financiamento da cultura, razão pela qual o governo propôs
44
à comunidade cultural a política de parceria entre o poder público e a iniciativa privada, como condição para que se possa consolidar um Sistema Permanente de Financiamento da Cultura em nosso país (Moisés e Botelho, 1997: 15).
Em sentido amplo, o objetivo do governo seria o de implantar um sistema
maduro de sustentação da produção artística, tendo como fator básico de sua
estabilidade, uma diversificação de fontes de financiamento. Afirma-se que “a
diversificação das fontes de financiamento implica estratégias que combinem o
comprometimento de outras instâncias do poder público - o que depende do
estabelecimento de mecanismos que forcem a participação de estados e
municípios - e de conquista da iniciativa privada, através de uma legislação fiscal”
(Moisés e Botelho, 1997: 99-102).
O compromisso do governo brasileiro seria, então, o de consolidar um
Sistema Permanente de Financiamento da Cultura, e, para tal, busca realizar
esforços em dois planos: no plano horizontal, envolvendo formas diferenciadas
de financiamento, a saber:
- fundo perdido (projetos totalmente financiados pelo governo. Como exemplo,
podemos citar o Fundo Nacional de Cultura (FNC);
- financiamento misto;
- financiamento exclusivamente privado.
E “no plano vertical, isto é, de alto a baixo na hierarquia de competências
públicas, articulando a lei federal com as leis estaduais (que prevêem descontos
do ICMS) e as leis municipais (que prevêem descontos do IPTU e do ISS) de
apoio à cultura” (Moisés e Botelho, 1997: 22).
Através destas estratégias, o governo procura multiplicar as fontes de
financiamento da cultura, fazendo com que esse se distribua entre governo e
sociedade civil. Sua proposta é a “política de parceria”, o que reforça a
importância da interação e da negociação entre o Estado, a iniciativa privada e a
comunidade artística. “Para a política de parceria, o elemento principal que temos
é a chamada Lei Rouanet, isto é, a Lei Federal de Incentivo à Cultura” (Moisés e
Botelho, 1997: 18).
Hamilton Faria reconhece que um instrumento como a lei aciona “não
apenas a produção, mas várias possibilidades de criação, as possibilidades de
um acesso democrático, a uma democratização efetiva da cultura”. Mas ao
45
mesmo tempo, chama a atenção ao fato de que “há uma tendência do
incentivador a se definir pelo projeto que lhe dê mais visibilidade. [...] Há uma
tendência à concentração de recursos em pessoas, áreas, projetos, e uma
tendência a atuar dentro do circuito dos consagrados. [...] Há uma dificuldade
para financiar a arte experimental e os projetos de formação” (Franceschi et al.,
1998: 78-79).
De fato, os projetos que englobam processos de criação artística, pesquisa
e experimentação e manutenção de grupos, dificilmente recebem incentivos. Os
escolhidos são freqüentemente aqueles que garantem ao patrocinador maior
veiculação na mídia, tais como grandes eventos, mega-shows e ações com
artistas de largo prestígio. O próprio Secretário de música e artes cênicas do
Ministério da Cultura, Joatan Berbel, atesta: “A produção cultural está ancorada
no eventismo, na celebração e no provisório. Esse é o lado negativo e perigoso
do que chamamos de marketing cultural. As empresas buscam patrocinar o
evento e não o grupo ou a companhia de teatro” (Marketing Cultural, 2000b).
A partir do momento em que o governo delega aos diretores de marketing
das empresas a decisão sobre como investir os recursos da isenção de impostos,
por meio das leis de incentivo, a opção por projetos passa a ser feita a partir de
critérios determinados pela própria empresa, que logicamente irá patrocinar
aquilo que considerar importante. Lembra a produtora cultural Sonia Cristina
Kavantan que “os departamentos de comunicação da maioria das grandes
empresas ficam em São Paulo e no Rio de Janeiro, dificultando a realização de
produtos culturais em outras regiões do Brasil” (2000).
Problemas como a preferência de patrocínio ao “globais”26 teriam sido
previstos e levados em consideração pelos governantes ao instituir sua “política
de parceria”:
A parceria supõe que, em uma moderna economia de mercado, existem áreas da atividade cultural que podem e devem ser apoiadas, ao mesmo tempo, pelo Estado e pela iniciativa privada. Mas a parceria também admite, de princípio, que há áreas da atividade cultural com menores chances de integração no mercado e que, por isso mesmo, dada a sua importância como expressão cultural, não podem deixar de ser apoiadas, mesmo que o mercado se interesse pouco por elas. Trata-se de uma noção complexa de parceria, que deve cuidar para que haja
26 O termo faz referência aos artistas famosos que atuam na Rede Globo de Televisão e é usado aqui para chamar atenção ao fato de que o patrocínio no Brasil destina-se, em grande parte, aos projetos que envolvem celebridades.
46
complementaridade e integração, tanto do ponto de vista financeiro como do ponto de vista institucional, entre o mecenato e o financiamento a fundo perdido das atividades culturais (Moisés e Botelho, 1997: 29-30).
Em princípio, as leis de incentivo deveriam ser um complemento das ações
do Estado, funcionando ao lado de financiamento público direto, transformaram-
se no centro de sua atuação. Na opinião de Pedro José Braz, Diretor da
Informações Culturais,
As leis criaram uma cortina de fumaça. Quando você entra num órgão público e apresenta um projeto, a resposta é: ‘Estamos sem recursos, põe numa lei’. Até os órgãos públicos criaram triangulações utilizando-se das associações de amigos para financiar, via leis de incentivo, as próprias ações públicas. Você tem a Funarte, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituições que competem com os produtores na hora da captação. Tem outro detalhe: os projetos financiados pelas leis não têm favorecido o consumidor final. Em um filme feito com lei e em um filme estrangeiro sem lei, o preço do ingresso é o mesmo. No teatro, também. A cortina de fumaça está escondendo a discussão sobre dois pontos básicos: financiamento público e política de consumo cultural (Paes, 1999b).
Kavantan (2000) denuncia: “Só o reconhecimento da existência de um
nível econômico na área cultural pelo governo não facilita o desenvolvimento do
nosso setor. Na prática isto está apenas gerando a substituição de política
cultural por renúncia fiscal”.
A política cultural do país está assentada nas leis de incentivo,
consideradas a solução para todos os males, a “salvação”, como salienta Sinval
Santos da Silveira, consultor da Fundação Catarinense de Cultura (FCC, órgão
público estadual de gestão da cultura em SC), ao opinar sobre a lei estadual de
incentivo à cultura de Santa Catarina, conforme o trecho a seguir. “Para Silveira,
a lei representa uma grande mudança para a classe artística catarinense, que até
agora não recebia nenhum incentivo do governo: ‘Não tínhamos nenhum apoio.
O artista, o escritor, o músico não recebiam do governo um centavo nem tinham
a quem recorrer. A lei vai significar a redenção para essa classe; será a porta de
solução dos problemas’ “ (Marketing Cultural, 2000a).
Yacoff Sarkovas, Consultor de Marketing Cultural e Diretor Geral da
Articultura, a primeira agência de Marketing Cultural no Brasil, critica o fato de o
Ministério da Cultura “bancar integralmente a conta com recursos públicos”,
47
fazendo “de conta que há investimento privado. Assim, desperdiça recursos do
Estado, não forma patrocinadores nem investidores culturais, perverte a relação
cultura-empresa e não atende a qualquer política cultural pública” (Franceschi et
al., 1998: 58).
A apreciação de Sarkovas nos alerta sobre as distorções que as leis de
incentivo vêm sofrendo, já que não devem servir somente para canalizar o
dinheiro público através das empresas, mas sim para suscitar o vínculo destas
com a cultura (com ou sem redução fiscal).
Jorge Antunes, compositor, maestro, professor titular do depto. de Música
da Universidade de Brasília e membro da Academia Brasileira de Música,
enfatiza:
A lei do Mecenato, em última análise, privatiza o apoio à cultura. O apoio que, constitucionalmente, é dever do Estado, é passado às mãos do empresário usurpador. O desenvolvimento deste raciocínio certamente nos levará à conclusão de que a lei Rouanet e seus filhotes são inconstitucionais. O governo resolve praticar a “renúncia fiscal”. Que vem a ser isso? É como se o governo dissesse ao empresário: “Não vou arrecadar seu tributo. Fique com a grana, porque se você me a entregar vou gastá-la em bobagens, não a aplicando em cultura. Vários de meus escalões poderão até mesmo embolsá-la. Portanto, aplique você mesmo em cultura, diretamente, porque eu não confio em mim! (Marketing Cultural, 1998a)
O documento “Manifesto Arte contra a Barbárie”, proposto em 1999 por
grupos teatrais e artistas de São Paulo, contendo propostas de revisão da política
cultural vigente no País, ressalta: “A atual política oficial, que transfere a
responsabilidade do fomento da produção cultural para a iniciativa privada,
mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários
de negócios”. E ainda: “É inaceitável a mercantilização imposta à cultura no País”
(Weiss, 1999).
Em uma entrevista, o atual Ministro da Cultura Francisco Weffort, afirmou
que “as empresas têm muito mais capacidade de se colocar, sabe por quê?
Porque o [interesse] delas é o ‘money’. Eles não vão investir em qualquer
bobagem.” A idéia é que uma empresa que vai investir em cultura terá que cuidar
de sua imagem e por isso não irá empregar seu capital em “bobagem”, mas
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naquilo que é “bom” (Yúdice, 1998: 32). Infelizmente tal critério não vem
garantindo a diversidade cultural existente no país.
Em um debate em maio de 1999 promovido pelo GLOBO (Rio de Janeiro),
o Ministro Weffort, discutindo o futuro da cultura com representantes das diversas
áreas culturais, enfatizou que a cultura tem que ser comercializada. Disse o
Ministro: “Sei que raciocino numa espécie de contradição. Há setores que
precisam realmente de subsídio pesado, a fundo perdido. [...] Existem e existirão
sempre campos em que o Estado tem que investir. Há outros setores, como o da
música popular, que se desenvolveu sem auxílio do Estado. A cultura brasileira
vive na ambigüidade entre o subsídio e o mercado” (Sukman, 1999). Também
para Sarkovas,
Um mercado cultural saudável deve trabalhar com a perspectiva de conciliar recursos públicos e privados, institucionais, promocionais e comerciais. A proporção de financiamento entre estas fontes depende da especificidade de cada atividade cultural. Algumas são sustentadas diretamente pelo público. Outras são mais atraentes para os patrocinadores. E há aquelas que só podem sobreviver com recursos públicos. É indispensável que o poder público tenha mecanismos diretos e transparentes de financiamento à cultura. Sua falta produz distorções, como as que ocorrem no Brasil, onde o financiamento público direto foi substituído por deduções fiscais (Franceschi et al., 1998: 58).
As críticas apresentadas sobre a construção do mercado cultural brasileiro,
apoiado basicamente nas leis de incentivo fiscais, apontam que este tipo de
“parceria” proposto pelo governo deve ser repensado, como atesta Berbel
num universo de oferta de 100 projetos, somente 17, em média, são patrocinados. [...] Agora, sabendo-se que só 17% desses projetos conseguem captar, o que fazer com o restante? Como atender a tamanha demanda? Como dividir responsabilidades entre o governo federal, os governos estaduais e os municipais para a implementação de uma política cultural que aponte para o desenvolvimento social e cultural do país? Os instrumentos que o MinC tem hoje não dão conta de atender a essas demandas. O mecenato não é a solução para todas as demandas culturais do país, e uma política cultural não terá nenhuma eficácia se pensada a partir da demanda (Marketing Cultural, 2000b).
Ao lado das muitas restrições, existe o reconhecimento de que as leis de
incentivo estimulam o investimento à cultura. As declarações de Antonio de
Franceschi, Diretor Superintendente do Instituto Moreira Salles (UNIBANCO),
49
estimulam a existência e o uso das leis: “o incentivo fiscal é uma estratégia que
viabiliza o mercado de oportunidades culturais nas duas pontas: na ponta de
quem investe, mas sobretudo, na de quem produz cultura”. Para Franceschi, “A
estabilidade da legislação e a confiabilidade de suas regras são, a meu ver, os
fatores primordiais para a consolidação do fenômeno que nós estamos vivendo
no Brasil, de ressurgimento do mercado da cultura” (Franceschi et al., 1998: 41-
42).
Em Florianópolis, aqueles que trabalham com dança sejam pessoas físicas
ou jurídicas, podem contar com os incentivos fiscais nas três esferas, ou seja,
utilizar uma ou todas as leis: a Federal, Estadual e/ou Municipal de Incentivo à
Cultura. O governo do Estado de Santa Catarina e do município de Florianópolis
vêem no incentivo fiscal o trunfo de suas políticas culturais e a salvação das artes
e artistas locais.
2.2.1. Leis de Incentivo à Cultura27
2.2.1.1. Federal
Em Florianópolis, o Grupo Cena 11 encaminhou três projetos ao
Mecenato: “In’ Perfeito” (1996), “Grupo Cena 11 Cia. de Dança” (1998) e “Grupo
Cena 11 – 2000” (1999). O projeto “In’ Perfeito” foi orçado em R$ 340.744,89 e o
único valor captado pelo grupo foi com a empresa de Telecomunicações de
Santa Catarina – TELESC: R$ 49.897,59. Já “Grupo Cena 11 Cia. de Dança” foi
calculado em R$ 471.244,62 (na época 517.396,72 ufir), sendo que a quantia
aprovada pelo MinC foi de R$ 474.765,90 (na época 493.981,79 ufir). Novamente
o grupo conseguiu o patrocínio da TELESC, desta vez R$ 100.00,00
(102.354,145 ufir), acrescentada a soma de R$ 20.000,00 (20.470,8290 ufir)
provinda da empresa Engevix. O projeto “Grupo Cena 11 – 2000” que, além da
manutenção da Companhia, propõe a circulação de três espetáculos e oferta de
oficinas gratuitas à comunidade, tem o custo total de R$ 1.482.398,54 e ainda
não obteve qualquer auxílio.
27 O texto das Leis Federal, Estadual e Municipal de Incentivo à Cultura encontram-se em anexo.
50
O Cena 11 é especialista em escrever projetos, a maior dificuldade
continua sendo a de encontrar alguém com competência e disponibilidade para
vendê-los. Mesmo com todo o reconhecimento, ainda inquieta-se à procura de
um produtor. Até quando este grupo empreendedor ficará privado de um apoio
regular?
2.2.1.2. Estadual (Santa Catarina)
A Lei no 10.929, criada em 23 de setembro de 1998, foi regulamentada
pelo Decreto no 3.604, de 23 de dezembro de 1998, no governo de Paulo Afonso
Evangelista Vieira e conta com dois mecanismos de incentivo: o Mecenato
Estadual de Incentivo à Cultura (MEIC) e o Fundo Estadual de Incentivo à Cultura
(FEIC).
O FEIC destina-se ao financiamento de projetos culturais apresentados por
órgãos públicos de cultura das administrações municipais e estadual e, em
caráter excepcional, instituições culturais de direito privado, sem fins lucrativos e
de utilidade pública estadual. Quem se defrontar com a lista de projetos
aprovados para utilizar os benefícios deste mecanismo irá reparar que a grande
maioria refere-se aos espaços vinculados a Fundação Catarinense de Cultura, ou
seja, o governo do Estado cria um dispositivo com o emblema de incentivo às
ações culturais de terceiros mas, no fim das contas, o grande favorecido é ele
mesmo.
O FEIC financia, no máximo, 80% do custo total do projeto, e os 20%
restantes devem ser obrigatoriamente oferecidos pelo proponente. No caso do
MEIC, a lei permite que o patrocinador de um projeto cultural beneficiado abata
80% do valor investido no ICMS até o limite de 5% do imposto a pagar no mês. A
dança é uma das áreas favorecidas (artes cênicas).
Primeiramente, a comissão que analisa os projetos encaminhados é a
EXAC - Executiva de Apoio à Cultura, subordinada à Direção Geral da Fundação
Catarinense de Cultura, verificando aspectos legais (como os documentos
apresentados) e formais (quanto ao preenchimento dos formulários) e a
coerência do orçamento com valores praticados no mercado. A seguir, os
51
projetos são entregues ao Conselho Estadual de Cultura (CEC) que examina-os,
de acordo com o Artigo 33, “segundo critérios de relevância e oportunidade”. Já
questionamos anteriormente esta enunciação, pois quando se fala em cultura, ao
decidir sobre o que é mais ou menos importante e apropriado, corre-se o risco de
travar uma conversa tendenciosa ou em nível pessoal. Um debate só pode ser
sério quando inicia-se a partir de critérios e enunciações claras.
Curiosamente, afirma o Art. 13: “Terão prioridade, entre os projetos
culturais beneficiados pelo MEIC, aqueles relacionados à elaboração de produtos
culturais, à itinerância de espetáculos e mostras, bem como eventos
comprometidos com a formação artístico-cultural”. E o Art. 18: “Terão prioridade,
entre os projetos culturais beneficiados pelo FEIC, aqueles relacionados à
preservação do patrimônio cultural, em especial aos de restauração de bens
tombados, bem como aos de ampliação e restauração de acervos de museus,
arquivos e bibliotecas”. O prazo de apreciação do projeto é limitado a 60 dias.
Para que a lei estadual possa ser utilizada o governo deve fixar
anualmente, no mês de janeiro, o montante global do ICMS a ser utilizado em
projetos culturais. Desta maneira, o Decreto no 867 de 29 de dezembro de 1999,
prevê para o exercício de 2000 a renúncia fiscal de três milhões e seiscentos mil
reais. Conforme listagem fornecida pela EXAC, o CEC aprovou os seguintes
projetos na área de artes cênicas até a data de 4 de outubro de 2000:
MEIC:
PROJETO VALOR (R$)
Coral Vozes da Primavera 25.855,00
Les Cousins – “Ainda bem” 13.753,00
Negros em Desterro 179.989,56
Maguy Marin – “May B.” 31.161,00
Grupo Kaiowas – “Oito Trigramas” 10.994,29
El Molinete 71.016,00
Grupo Cena 1128 125.929,29
Escola do Teatro Bolshoi 126.000,00
28 O projeto original, enviado ao MEIC, do Grupo Cena 11 estava orçado em R$ 391.985,29. A EXAC informou que o valor do projeto não poderia ultrapassar R$180.000,00 e sendo assim, seu valor foi reduzido para R$ 179.979,83. Mais uma vez, por exigência da EXAC, alegando que os recursos estavam esgotados, o valor deveria baixar em 30%, passando a R$125.929,29, quantia aprovada para captação. Até o momento, por meio da lei estadual, o Cena 11 não conseguiu concretizar patrocínio.
52
FEIC:
PROJETO VALOR (R$)
4o Festival Nacional de Teatro Infantil 47.200,00
Programa de Formação da Fecate 21.500,00
2.2.1.3. Municipal (Florianópolis)
A Lei Rosalino (no 3.659) foi sancionada em 25 de novembro de 1991, pelo
então prefeito Antônio Henrique Bulcão Vianna, mas nunca chegou a ser
efetivamente aplicada, pois não houve captação de recursos por nenhum dos
projetos aprovados na época. A atual prefeita, Angela Amin, empossou no dia 25
de outubro de 1999, uma comissão29 com mandato de um ano, responsável pela
avaliação de projetos propostos ao uso da lei. A dança é uma das áreas
beneficiadas, mas observamos que na formação da comissão não há nenhum
profissional pertencente ao meio.
A Câmara Municipal de Florianópolis deve fixar anualmente na Lei
Orçamentária o valor que deverá ser utilizado como incentivo cultural, que não
poderá ser inferior a 1% nem superior a 2,5% das receitas provenientes do ISS e
IPTU. A comissão responsável deve lançar um edital de três em três meses para
receber os projetos.
Segundo a lei, a análise do projeto recai sobre “o aspecto orçamentário do
projeto, compatibilizando o orçamento aprovado com a qualidade técnica e a
conveniência sócio-cultural do referido projeto”.
O incentivo fiscal pode ser concedido a projetos culturais apresentados por
pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas na Capital, na razão do equivalente a
2% da receita proveniente do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS)
e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Os
portadores dos certificados expedidos pelo poder público para este fim poderão
utilizá-los até o limite de 20% do valor devido a cada incidência dos tributos.
29 Hoyedo Gouvêa Lins, Vera Collaço, Jarina Menezes, José Rocha, Maristela Figueiredo, Osmar Campos Júnior e Juarez de Medeiros.
53
De acordo com a fundação municipal de cultura, até o mês de outubro do
ano 2000, nenhum projeto de dança havia sido encaminhado.
54
2.2.2. Órgãos Governamentais
2.2.2.1. Fundação Nacional de Arte - Funarte
A Funarte, localizada na cidade do Rio de Janeiro, é uma instituição
vinculada ao Ministério da Cultura30. Foi criada em dezembro de 1975, extinta em
março de 1990, para ser transformada e recriada em setembro de 1994. É o
órgão sucessor das extintas Fundação do Cinema Brasileiro (FCB) e Fundação
Nacional de Artes Cênicas (Fundacen). Tem como finalidade apoiar e incentivar
as áreas de teatro, dança, ópera, circo, música, artes plásticas e gráficas,
fotografia, folclore, vídeo e cinema, documentação e informação.
A Funarte possui uma direção colegiada, composta por seus diretores de
departamentos e um presidente, assim distribuídos: Departamentos Nacionais de
Artes, de Artes Cênicas, de Cinema e Vídeo, de Planejamento e Administração e
o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Seus recursos financeiros são
provenientes do Tesouro Nacional e aprovados pelo Congresso, de convênios
com instituições oficiais brasileiras e estrangeiras ou privadas, de arrecadação
própria através de suas atividades31.
A elaboração e execução de política da dança fica sob responsabilidade da
“Coordenação de Dança e Ópera”, durante quatro anos a cargo de Alfredo
Moreira, em janeiro de 1999, substituído por Marcos Teixeira Campos. Segundo
informações veiculadas na home-page da Funarte32, os programas propostos
com o intuito de incentivar o desenvolvimento da dança pelo Brasil são:
a) Projeto Cena Aberta: iniciado em caráter experimental em 1998, a partir de um
convênio entre o Ministério da Cultura e o Ministério do Trabalho, com recursos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), possibilitou o apoio a oito grupos de
30 O Ministério da Cultura foi criado em 15 de março de 1985 e é órgão responsável pela política cultural do País. Conta com uma secretaria executiva, quatro secretarias finalísticas - Secretaria do Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, Secretaria da Música e Artes Cênicas, Secretaria do Livro e Leitura e Secretaria do Audiovisual - e cinco instituições vinculadas - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Cultural Palmares e Fundação Nacional de Arte.31 Em: http: www.minc.gov.br. Acessado em agosto/99 e ainda, http://www.funarte.gov.br/deacen/deacendanca.htm, em 13/08/200032 http: www. funarte.gov.br. Acessado em janeiro/2000.
55
teatro e cinco de dança33, cobrindo todas as regiões do país. Os grupos foram
escolhidos por uma comissão que contava com apenas uma representante da
dança - a professora e coreógrafa Lia Robatto, somada a três do teatro 34 e dois
do governo35 (Cena Aberta, 1998: 15). Cada grupo recebeu cerca de cento e
noventa mil reais (R$ 190.000,00), obrigando-se, em contrapartida, a
desenvolver um programa de cursos de formação ou reciclagem de profissionais
de sua região. O objetivo desse projeto, além do apoio financeiro para a
manutenção e consolidação dos grupos beneficiados, é dar meios de formar e
atualizar profissionais para a sua melhor de inserção no mercado de trabalho. A
idéia central, segundo o ministro da Cultura, é que “a experiência e os
conhecimentos acumulados por determinados grupos de artistas e técnicos
brasileiros - que além de sobreviver e apresentar uma produção estável, ainda
conseguem qualificar profissionais - precisam ser aprimorados e difundidos para
o conjunto dos trabalhadores que atuam profissionalmente nas artes cênicas”
(Cena Aberta, 1998: 6).
O Grupo Cena 11 Cia. de Dança foi um dos escolhidos. Para Ahmed, isto
trouxe a possibilidade concreta de estabilidade no trabalho independente que vem elaborando ao longo dos últimos anos. O projeto possibilitou à companhia condições concretas para seguir o caminho que já vinha sendo trilhado, comprovando que a dança brasileira tem qualidade, gera empregos, divisas, divulga a cultura do país e constitui um caminho a mais na busca pela cidadania (Cena Aberta, 1998: 40).
Em troca dos cento e noventa e um mil reais (R$ 191.000,00) recebidos, o
Cena 11 propôs-se, ao longo do ano de 98, garantir a manutenção do grupo,
montar uma nova produção e qualificar e requalificar profissionais através da
organização de cursos e oficinas. A quantia destinada a financiar o
funcionamento da companhia, mais do que subsidiar suas condições mínimas de
sobrevivência (remuneração de cargos, locação de salas, despesas
administrativas), possibilitou uma maior união e um trabalho intensivo do Grupo
“como nunca antes havia sido feito. É inegável o ganho de qualidade técnica e
33 Grupos de teatro: Engenho Teatral (SP), Privilegiados (RJ), Galpão (MG), Imbuaça (SE), Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), Bando de Teatro Olodum (BA), Tá na Rua (RJ) e Tapa (SP). Grupos de dança: 1o Ato (MG), Lia Rodrigues (RJ), Quasar (GO), Cena 11 (SC) e Gedam (AM).34 Os diretores de teatro Aderbal Freire Filho e Carlos Gradim, o dramaturgo e roteirista Alcione Araújo.35 Humberto Braga e Márcio Souza, ambos da Funarte.
56
artística obtido”, atesta Fernando Luiz Rosa, diretor administrativo do Cena 11,
em relatório enviado pela companhia à coordenação do projeto Cena Aberta.
A proposta inicial do grupo era a montagem do espetáculo “Violência”, mas
como o montante financeiro destinado à produção não foi suficiente, possibilitou a
conclusão da coreografia “A Carne dos Vencidos no Verbo dos Anjos”. Realizou
cursos/oficinas de técnica clássica, dança contemporânea, acrobacia, perna-de-
pau, formação do ator, criação de material cênico e técnico para produzir material
coreográfico, beneficiando 123 pessoas.
Ainda em relatório, Fernando analisa:
Ao contrário do que se esperaria de um programa de qualificação de trabalhadores da indústria, comércio ou construção civil, nas artes cênicas não há como gerar número significativo de empregos de forma direta. Ninguém torna-se bailarino com seis meses de curso, é um processo longo e gradual de aperfeiçoamento e trabalho físico. A melhor possibilidade para a geração de empregos diretos está no treinamento de técnicos, mas mesmo isto não terá resultados positivos se não houver um mercado para absorvê-los.Os principais pontos positivos do Projeto Cena Aberta são o incentivo à produção de espetáculos e a manutenção das companhias. Programas como esse é que propiciarão a criação de um mercado para as artes cênicas. Se o cinema, tão popular nos dias de hoje, não sobreviveria sem apoio governamental, o que dizer da dança, cujo apelo popular é bem menor e por isso não conta com o mesmo apoio e divulgação da mídia. É o crescimento deste mercado que irá criar demanda pelos profissionais que o projeto procura qualificar.É certo que os participantes das oficinas e cursos oferecidos através deste projeto tiveram suas chances no mercado aumentadas. Na medida em que puderam desfrutar do conhecimento e da experiência daqueles que já percorreram parte do caminho (outro ponto muito positivo do Projeto) estarão certamente melhor preparados para o que lhes espera. Formação adequada, constante reciclagem e contínuo aprendizado são fatores fundamentais para os que têm por objetivo ingressar no mundo do teatro e da dança. Apesar disto, não se pode esperar um retorno imediato. É o sucesso dos primeiros grupos, sua viabilização financeira, que irá incentivar o surgimento de novas companhias, arrancar da mídia maior atenção e espaço e aumentar o número de freqüentadores de nossos teatros.
Rosa faz observações oportunas, como quando adverte que a recompensa
que existe para aqueles que investem em artes (seja no que diz respeito ao ofício
de artista como a uma empresa patrocinadora), vem de forma gradual. A arte é
uma construção que, a longo prazo, tem o potencial de trazer e gerar muitos
benefícios. Percebe também que o fato de um grupo de dança tornar-se viável
57
representa muito mais do que sua própria consolidação, vai além: impulsiona a
qualificação de outros grupos, atrai em maior proporção a mídia e o público. A
idéia de rede aí implícita alerta para o ato responsável, pois aquilo que um grupo
de dança faz tem conseqüência para a dança em geral, e não apenas à si
mesmo.
O Ministro do Trabalho, Edward Amadeo, reconheceu o sucesso do Cena
Aberta, ressaltando a participação decidida deste Ministério na
promoção de alternativas concretas de valorização dos trabalhadores do setor cultural. Constata-se, mais uma vez, que políticas públicas focalizadas nesse setor, com o apoio relativamente modesto de recursos públicos, freqüentemente induzem a uma multiplicação de oportunidades de trabalho e de geração de renda proporcionalmente mais veloz e mais barata do que em outros setores da economia. (Cena Aberta, 1998: 7)
A idéia do governo em 98 era a de implantar o “Programa Cena Aberta de
Apoio ao Trabalhador das Artes Cênicas”, que seria desenvolvido em edições
bienais, selecionando 40 grupos a cada dois anos (Cena Aberta, 1998: 196).
Suporte essencial, o investimento que seria ampliado em 99 não aconteceu até
os dias de hoje. “O edital será lançado em breve”, informa a Funarte36. Luiz
Carlos Moreira, diretor do Engenho Teatral (um dos grupos beneficiados), já
alertava sobre os rumos do projeto: “ele não pode se mostrar fogo de palha,
imediatista, intenção abandonada como tantos outros projetos governamentais”
(Cena Aberta, 1998: 54).
Dos treze selecionados, tome-se como exemplo o Cena 11. Sem apoio,
hoje está à mercê do mercado, buscando patrocínio nas empresas para viabilizar
seu trabalho, ou seja, retornou a posição em que se encontrava antes do auxílio:
não tem recursos disponíveis para bancar o pagamento de seus profissionais e
suas turnês, e sua estrutura está ameaçada de dissolução.
O Cena Aberta veio mostrar quanto um apoio sistemático às artes cênicas
é capaz de fortalecer o setor. A viabilização da estabilidade profissional, quer
dizer, conceder aos grupos uma certa tranqüilidade para o trabalho, produz um
salto inegável em sua qualidade artística, bem como na do Brasil como um todo.
É fundamental que ações de financiamento a longo prazo à dança integrem a
política cultural do país.
36 Em: http://www.funarte.gov.br/deacen/deacendanca.htm. Acessado em 13/08/2000.
58
b) Troféu Mambembe de Dança: Prêmio do Ministério da Cultura, é uma
referência de prestígio e qualidade nas artes cênicas do país. O Troféu
Mambembe foi estendido à dança em 1994, com a pretensão de estimular a
iniciativa privada a ampliar sua participação na área. O prêmio tem abrangência
nacional e é oferecido em dez categorias. Consta de R$ 5 mil reais e de uma
estatueta criada por Aloísio Magalhães. Pela primeira vez na história da dança
catarinense, Alejandro Ahmed recebeu, em 1999, o Troféu Mambembe de
Dança, prêmio de melhor coreógrafo.
c) Prêmio Estímulo: Atribuído com recursos do Fundo Nacional de Cultura e de
parcerias com Secretarias de Cultura de estados e municípios, o prêmio Estímulo
é dado anualmente em diversas regiões do país. Os editais de inscrição prevêem
a montagem ou a circulação de espetáculos, assim como o uso de recursos em
oficinas ou cursos de reciclagem. Nenhum grupo de dança de Florianópolis
jamais recebeu tal prêmio, que é desconhecido na região.
d) Projeto Nacional de Artes Cênicas: Com recursos do Ministério da Cultura e da
Caixa Econômica Federal, o projeto prevê a concessão de patrocínio e
empréstimo para montagem e/ou circulação de espetáculos de artes cênicas.
Outro projeto que jamais foi aproveitado pela dança local e é ignorado.
e) Teatro Cacilda Becker: Único teatro exclusivamente dedicado à dança no
Brasil, é cedido aos grupos e companhias através de edital público. O edital prevê
a apresentação de espetáculos de dança, e a ocupação do espaço para a
realização de seminários, palestras, debates, cursos, oficinas, festivais ou
ensaios. Os contemplados podem contar com recursos básicos de som e
iluminação, tendo como única despesa o pagamento da taxa de 10% da receita
da bilheteria. Nenhum grupo desta cidade utilizou a estrutura do Teatro Cacilda
Becker.
59
f) Funarte na Cidade: Projeto que em parceria com a Secretarias de Cultura
estaduais e municipais, prevê a programação de espetáculos de dança em quatro
roteiros que incluem as diversas regiões do país. Cabe à Funarte o custeio das
passagens do elenco e transporte dos cenários e figurinos, ficando a cargo das
instituições locais a cessão do espaço para a apresentação, a divulgação, a
hospedagem, a alimentação e o translado interno. Ninguém em Florianópolis foi
beneficiado por este projeto.
Por que os projetos desenvolvidos pela Funarte são desconhecidos pelas
companhias de dança de Florianópolis? O projeto Cena Aberta e o Troféu
Mambembe de Dança passaram a existir para a cidade somente depois que o
Cena 11 foi escolhido, no caso do primeiro, e recebeu indicações e o prêmio, no
caso do segundo. Cabe à Funarte ou às Fundações de Cultura (estaduais e
municipais) a divulgação de seus projetos. Ao menos naqueles em que a sua
viabilização ocorre através da parceira (Prêmio Estímulo e Funarte na Cidade),
sua promoção caberia a ambas instituições. No entanto, este seria um segundo
passo, já que, no caso da dança em Florianópolis, a parceria entre estes três
níveis de poder não existe.
2.2.2.2. Fundação Catarinense de Cultura - FCC
A Fundação Catarinense de Cultura (FCC)37 é o órgão gestor do setor
cultural do Governo do Estado de Santa Catarina e situa-se em Florianópolis. Os
seguintes espaços culturais são vinculados à FCC: Biblioteca Pública de Santa
Catarina - BPSC; Casa da Alfândega - Galeria do Artesanato; Casa de Campo do
Governador Hercílio Luz; Casa dos Açores - Museu Etnográfico; Museu da
Imagem e do Som de Santa Catarina - MIS; Museu de Arte de Santa Catarina -
MASC; Museu Histórico de Santa Catarina – MHSC (no Palácio Cruz e Sousa);
Museu Nacional do Mar - Mnmar; o Centro Integrado de Cultura - CIC, o qual
sedia a Fundação Catarinense de Cultura e abriga o Teatro Ademir Rosa (mais
37 O histórico informa: “pessoa jurídica de direito público interno, instituída pelo Decreto Estadual nº 7.439, de 24 de abril de 1979, pelo Governador Jorge Konder Bornhausen, e mantida pela Lei Estadual nº 9.831, de 17 de fevereiro de 1995, inscrita no CGCMF sob nº 83.722.462/0001-40, com sede à Avenida Governador Irineu Bornhausen, no 5.600 - CIC bairro - Agronômica, Florianópolis - SC”. Em: http: www. fcc.sc.gov.br. Acessado em janeiro/2000.
60
conhecido como Teatro do Centro Integrado de Cultura ou Teatro do CIC) e o
Teatro Álvaro de Carvalho (TAC). O Teatro do CIC38 e o TAC39 são os principais
teatros da cidade40.
As ações da FCC - aos longo destes últimos dez anos - que englobam a
dança limitam-se ao projeto TAC 6:30, aos Editais de Apoio à Produção Cultural e
a Medalha Mérito Cultural “Cruz e Sousa”.
a) TAC 6:30: É um projeto coordenado pelas gerências de Música e Artes
Cênicas da FCC. O objetivo é promover espetáculos semanais de música, teatro
e dança de grupos catarinenses, a preços populares, sempre às terças-feiras, às
18:30 horas no Teatro Álvaro de Carvalho - TAC (daí o nome TAC 6:30). Teve
início em 1992, durou até 1994, voltando a ser realizado de junho a dezembro de
1999, devido ao fechamento do TAC para reformas.
O projeto - realizado de março a dezembro - beneficia aproximadamente
vinte e dois grupos por ano. A participação é exclusiva a grupos de SC, porém
como os de fora da capital devem arcar com despesas de transporte,
hospedagem e alimentação, acaba beneficiando em grande escala somente os
artistas de Florianópolis.
No início dos anos 90, muitos grupos de dança da cidade tiveram a
oportunidade de participar do TAC 6:30, que colaborou de maneira expressiva no
avanço técnico e artístico da dança local. A falta do projeto, bem como de um
teatro do porte do TAC, inibe em demasia a circulação da produção artística
da/na cidade.
b) Edital de Apoio à Produção Cultural: Auxílios financeiros da FCC para artistas
e grupos catarinenses. Basicamente, o programa distribui recursos financeiros
para as áreas de fotografia, artes plásticas, dança, teatro, folclore, circo, cinema,
vídeo, corais, bandas e grupos musicais. Os que desejam ser beneficiados
devem remeter proposta, a ser avaliada por uma comissão formada por técnicos
38 Capacidade: 956 lugares. Dimensões - Palco de 27,7 metros de largura (com coxias) por 21 metros de profundidade, com um proscênio móvel de 14 metros de largura por 4,5 metros de profundidade. Boca de cena de 14 metros de largura por 7 metros de altura. Área útil: 294 m2. Quatro camarins (com araras, chuveiros, mesa e iluminação).39 Capacidade: 500 lugares. Dimensões: Boca de Cena - Altura Total (sem regulador superior): 4,0m; Largura: 9,0m; Proscênio: fixo sem poço para orquestra - Largura 11,0m; Profundidade central: 2,0m. Recursos técnicos: 4 camarins; equipamentos de iluminação e sonorização; instrumentos musicais; pessoal técnico; piano elétrico Roland EP7; piano KAWAI 3/4 de cauda.40 O Teatro da UBRO (Teatro da União Beneficente Recreativa Operária/Teatro da União Operária) é estadual, mas administrado pela Prefeitura. Tem capacidade para 130 lugares e está fechado para reforma.
61
do governo e representantes da categoria artística. Uma pesquisa junto à atual
equipe de trabalho da FCC, revelou que todo o material e informações referente
aos editais foram jogados fora e/ou tiveram seus arquivos apagados do
computador (com exceção os anos de 199741 e 199842).
Em 1998, nenhum dos grupos escolhidos recebeu a quantia devida e, com
a mudança de governo em 1999, o edital de apoio financeiro da FCC não
aconteceu. Em 18 de abril de 2000, a gerente de artes cênicas da FCC, Martha
Mansinho, declarou que, para o governador de Santa Catarina, Esperidião Amin,
a partir daquele momento, os artistas e grupos que desejassem apoio financeiro
do governo deveriam inscrever seus projetos na Lei Estadual de incentivo à
cultura. Porém, em recente entrevista43, Martha declarou que recursos para a
montagem de espetáculos de dança voltarão a ser distribuídos via edital (ver
anexo):
“... a gente está esperando essa semana uma resposta para fechar essa verba do edital, apoio à produção e criação, que vai ser quarenta mil reais para a área de dança e vinte para danças populares, porque nós temos grupos de diversas etnias no Estado, temos cadastradas agora cento e oitenta. Oitenta mil reais para o teatro, que são muito mais grupos, e de dança são sessenta mil. Dividimos pra dança acadêmica, entenda todas as contemporâneas, quando eu digo acadêmica é aquela dança que tem que se estudar e se pesquisar, e danças populares ficaram com vinte mil. Porque são de naturezas diferentes, a dança popular é um trabalho muito mais simples, eles têm só figurino, não pagam direito autoral, têm assim transporte pra se apresentar e figurino, mas eles não pagam direito autoral, não tem um trabalho elaborado de figurino, de cenário, de iluminação, não precisam alugar equipamento, enfim, é muito mais simples. [...] Hoje a gente está assim: conseguimos uma coisa que acho que foi importantíssima também no Edital, de grupos que foram
41 Em 1997 o “Prêmio Estímulo aos Grupos de Dança da FCC” (denominação do auxílio financeiro reservado à dança neste Edital) foi da ordem de R$ 30.000,00, assim divididos:- R$ 15 mil à dois grupos com projeto de produção de espetáculos inéditos (cada um: R$ 7.500,00);- R$ 15 mil à três grupos com projeto de manutenção de espetáculos já estreados que não tenham sido premiados nos editais anteriores (cada um: R$ 5.000,00).Segundo consta nos arquivos da FCC, a comissão julgadora destes projetos foi formada por Daniela Gatti - Presidente, Representante da FCC; Simone Simon - Representante da Fundação Franklin Cascaes; Ana Beatriz Mattar - Representante da Associação dos Profissionais de Dança de Santa Catarina. Nove foram os projetos inscritos e seis os habilitados, ou seja, seis apresentavam a documentação requisitada. Os projetos premiados foram: - Espetáculos Inéditos - Grupo Cena 11 Cia. de Dança (Fpolis) com “Violência” e Voga Companhia de Dança (Fpolis) com “III Milênio”; - Manutenção de Espetáculos - Cia Joinvilense de Dança Comdança (Joinville) com “Impressões de Nova York II/Brasil Tua Gente” e Grupo de Dança Nanã Burukuê (Lages) com “Bolero de Ravel”.42 O Prêmio Estímulo aos Grupos de Dança teve seu recurso financeiro reduzido em R$ 2.000,00 em relação ao ano anterior, passando a R$ 28.000,00, quantia não paga. A comissão julgadora foi constituída por Margarett Westphal - Presidente, Administradora do Teatro Ademir Rosa; Simone Simon - Responsável pela área de dança da Fundação Franklin Cascaes; Sandra Meyer Nunes - Professora de dança do Centro de Artes da UDESC. Onze projetos inscritos, seis habilitados, quatro premiados (R$ 7.000,00 por projeto), foram eles: Mahabhutas Cia. de Dança Contemporânea (Fpolis), Espetáculo “Homem de Barro”; Associação Cultural de Danças Raízes Afro-Brasileiras - Grupo Egbé Ejobalé (Fpolis); Ronda Grupo de Dança e Teatro (Fpolis), Espetáculo “Sphera” e Grupo Patibiribia (Fpolis), espetáculo “Berimbau Tap”.43 Florianópolis, 04/09/2000.
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beneficiados através da lei de incentivo à cultura não podem participar do Edital.”
Segundo Martha os projetos aprovados na lei estadual de incentivo à
cultura não podem participar do edital, mesmo aqueles que não tenham
conseguido captar recursos porque
“... ele teve a chance de captar. Por que é assim, por exemplo, o Cena 11, adoro a companhia, adoro o Alejandro e tudo, mas ele teve uma chancela de cento e vinte poucos mil, era mais, depois foi diminuído em trinta por cento, por uma série de questões que o dinheiro estava acabando. Mas bom, cento e vinte, ele vai ter que sair a luta pr’aquele cento e vinte, é justo que ele entre num recurso também que vem da mesma fonte que é o governo do Estado, que ele entre nesse sessenta só que a gente tem pra distribuir? Está me entendendo? Porque no momento a Fundação, através do governo do Estado, está distribuindo recursos por duas fontes: a lei e o edital, não é legal que o mesmo grupo, entende, fique tramitando nas duas áreas em que ele recebe recurso. [...] na verdade eu me expliquei mal, não são pessoas, são projetos. O espetáculo Violência que foi beneficiado com esse trabalho do Cena 11 de manutenção da companhia e tal. Se eles tiverem uma outra produção e quiserem entrar acredito que sim. (o edital) é para outras montagem, mas não remontagens de trabalhos, nem reestréia. Eu comecei a entrar em sofreguidão, porque dois projetos só da área de dança e um de teatro que foram para lei, foram vários mas (dois) que passaram. Não vai ter estréia no ano 2000 e 2001, não vai ter estréia na minha área de artes cênicas! Aí comecei a trabalhar na exposição de motivos pro governador para... , o Iaponan, o Flávio e eu, pra gente ver se conseguíamos esse recurso44.”
E assim o governador foi convencido a retomar os editais como
instrumento de apoio do Estado à produção cultural catarinense anunciando, no
dia 9 de outubro de 2000, um investimento de R$ 300 mil que pretende viabilizar
projetos nas áreas de teatro, dança, cinema e vídeo, artes plásticas, gravação de
CDs e edição de obras literárias. O Edital de Apoio à Criação e à Produção em
Dança45 regulamenta a concessão de premiação no valor total de R$ 40.000,00
(quarenta mil reais) destinados à montagem de espetáculos de grupos de dança
de Santa Catarina.
c) Medalha Mérito Cultural “Cruz e Sousa”: Conferida “aos autores de obras [...]
reconhecidas como de real valor, ou a quem tenha contribuído por outros meios e
44 Prof. Iaponan Soares é o Diretor Geral da Fundação Catarinense de Cultura e Flávio José Cardozo é o Diretor de Artes da mesma instituição.45 Texto em anexo.
63
de modo eficaz para o enriquecimento ou a defesa do patrimônio artístico e
cultural do Estado”. Concedida pelo Governo do Estado, por indicação do
Conselho Estadual de Cultura, dez nomes - entre músicos, pesquisadores,
artistas, historiadores e escritores. Na área de dança, apenas o coreógrafo
Alejandro Ahmed recebeu este prêmio, no ano de 1997.
Martha Mansinho relatou no que consiste a política do governo do Estado
de Santa Catarina, através das ações da Fundação Catarinense de Cultura, em
relação à dança: “a idéia é atuar na área de formação através de oficinas, de
workshops, de cursos e na área da promoção de grupos de dança e também
através de distribuição de recursos para produção e criação de espetáculo”. Ela
explica como vem desenvolvendo este plano:
“As oficinas de dança do CIC acho que são fundamentais, a gente conseguiu tirar a Paula Castro daqui de dentro, que era uma coisa espúria, vergonhoso esse acordo que fizeram com ela. Ela tinha uma escola particular dentro de um espaço público, todas as vantagens de ser um espaço público e todas as desvantagens para quem procurava a escola de ser um espaço privado. Segundo, a gente investiu com muita dificuldade em três grupos que precisaram sair daqui de Santa Catarina para trabalharem e projetarem o trabalho fora na área de dança, e de teatro também a gente ajudou a ir. E na formação é que eu tenho muita dificuldade porque demanda muito mais recurso, você não consegue... entrei numa parceria contigo do Corpos que Falam46. Alguns espetáculos de teatro pra vir a gente tentou, sabe que o ideal é você conseguir... agora a Cia. Quasar por exemplo, está querendo vir pra cá mas o cachê é dez mil, não tem de onde tirar dez mil para pagar pra uma companhia, então o que a gente.. o pessoal de dança que veio até agora e que procurou a gente isenta taxa, faz um intercâmbio entre... faz um intercâmbio, uma ponte entre a companhia e o Professor Iaponan pra tentar minimizar os gastos e tudo, pra ver se a gente consegue trazer algumas coisas e temos conseguido, mas eu acho que ainda é muito pouco. A situação do Estado eu acredito que agora está se estabilizando a questão financeira, o governador está terminando de pagar as folhas atrasadas do governo passado então isso significa que vai sobrar mais recurso pra investimento. A lei de incentivo à cultura também veio alterar nossa rotina sobremaneira. [...] O ideal seria que Florianópolis, que Santa Catarina e que a Fundação, eu entendo isso, pudessem assim: pegar do orçamento nosso um x para pegar três companhias por ano de dança que têm condições, já estão no caminho para chegar lá, e que a gente pudesse investir exatamente em manutenção dessa companhia. O Grupo Cena 11 seria um hoje com certeza e com certeza a gente teria mais dois. No outro ano seriam outros três grupos de teatro, isso seria o ideal. Para
46 Corpos que Falam é um evento promovido pelo Centro de Estudos em Dança da PUC/SP. Em SC é co-patrocinado pela FCC ao lado das fundações municipais de cultura de Fpolis e Lages e do MIS/SC.
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o pessoal poder ao invés de correr atrás da máquina, atrás de grana pra montagem, pra fazer espetáculo, pra se apresentar, pra viajar, pudesse investir na qualidade desse trabalho técnico e artístico [...]. Agora é muito difícil esta questão porque envolve tudo, o recurso financeiro.”
Toda a questão parece girar em torno das costumeiras dificuldades
financeiras. Mas além disto, Martha expõe outros motivos que dificultam o
desenvolvimento de suas ações. Reclama que quando assumiu o cargo
encontrou o setor de artes cênicas “completamente desmantelado, sem listagem
de arquivos, lista mesmo de endereços das áreas que compunham as artes
cênicas”. Segundo Martha, todo o acervo de documentos foi destruído pela
administração do governo anterior. Lamenta também a falta de uma equipe de
trabalho,
“... a gente tem um problema sério aqui também que é um problema de infra-estrutura, eu já trabalhei nessa Fundação com uma equipe de dez pessoas, de nove pessoas, de sete. Hoje eu estou sozinha na gerência [...] as pessoas foram se aposentando ou foram saindo ou foram se demitindo e não foi tendo novos concursos para novas pessoas, quer dizer, eu acho que está muito difícil a questão da administração pública, é um momento que a gente está vivendo, que essas coisas têm que ser revistas, vão ter que funcionar de outra maneira. Eu acho que essa coisa da parceria vejo como um caminho imediato pra gente viabilizar coisas, embora entenda do nosso papel, da nossa responsabilidade enquanto órgão de administração cultural do governo do Estado, porque o governo tem que ter tanto compromisso com a cultura como tem com a educação, esporte e outras áreas.”
Por estes conflitos diz que se sente até hoje “reconstruindo tudo nas
mínimas coisas para poder se preparar para fazer um trabalho. É como se tu
estivesses preparando a tua casa para dar um grande festa, a gente ainda se
sente dessa maneira, por isso que eu estou remexendo nessas coisas”.
Martha mostrou seu planejamento para o ano 2000, citando e explicando
cada projeto. O primeiro, de apoio a formação através da realização de oficinas
na área de teatro e dança em cidades de micro-regiões do Estado, é um projeto
orçado em vinte e três mil e novecentos reais (R$ 23.900,00). O segundo, de
auxílio à criação e produção, corresponde ao Edital de Apoio à Produção Cultural
citado acima. Veiculação de espetáculos no e fora do Estado, um projeto orçado
em quatorze mil e quinhentos reais (R$14.500,00), cujo papel da FCC seria o de
dar uma
65
“... ajuda em transporte. O que é que tem de produção agora? Tem tais e tais espetáculos. Então a gente serve de ponte, agenda com as prefeituras, sede de micro-regiões, eles dão hospedagem e alimentação e a gente pagaria o transporte e um cachê pro grupo, foi isso que foi orçado aqui.[...] então seria o apoio na formação, depois auxílio à criação e produção e à circulação destes trabalhos, a gente vai ajudar a fazer produção a gente acha que tem que também ajudar a fazer estes trabalhos circularem e além do mais promover estes grupos fora, a mostrar estes trabalhos. Cada projeto desse teria que ser ainda desenvolvido, como não pintou recurso para isso, a gente está tendo assim algumas cortinas que se abrem e aí aquilo que vai acontecer a gente trabalha. Então, abriu-se essa possibilidade do apoio à formação e criação, então a gente sentou para elaborar o edital. Em dezembro, o governador ligou para cá pedindo que a gente fizesse alguma coisa na área de animação pras praias porque se esperava um fluxo turístico muito grande, tinha um recurso que ele conseguiu pra isso, então a gente fez aquele projeto ‘Artes da Catarina’ na carreta, em parceria com o Sesi. Como os recursos têm sido muito poucos, o que a gente tem feito são parcerias. Esse projeto de circulação, a gente nunca vai ter pra fazer sozinho, se as prefeituras entram junto, a gente pode fazer, por isso é pensado em sede de micro-regiões e também nem só por isso, por questões conceituais mesmo, pois a gente tem que trabalhar o Estado inteiro, e fazer assim: grupos da região do planalto se apresentariam no sul, grupos da região do sul se apresentariam no vale do Itajaí pra fazer um rodízio, pra que SC até se conheça melhor.”
Martha explicou porque o projeto de circulação (que seria feito em parceria
com as prefeituras) não está acontecendo.
“As produções foram muito prejudicadas, quem fez estréias este ano? Foram muito prejudicadas em função de não ter tido edital no ano passado, em função do edital de 98 não ter sido pago pelo governo anterior, tu entendes que tem um hiato... na área de produção... Acho que agora, olha eu já passei por outras mudanças de governo e é muito complicada esta transição. O primeiro ano é muito difícil, no segundo ano é que as coisas começam a engrenar, porque não adianta só arrumar a Fundação, a coisa tem que ser arrumada lá de cima do palácio, vai arrumando aos poucos até os reflexos chegarem, as vibrações chegarem na Fundação de Cultura.”
Por último, o programa inclui apoio a festivais e mostras. De acordo com
Martha, este ano a FCC apoiou o Festival de Dança de Joinville (não soube
informar a quantia) e o Festival de Teatro de Blumenau. Finalizando, Martha
retoma o problema principal (leia-se carência de dinheiro):
66
“A gente tem tido muito pouco recurso financeiro mesmo, a dança tem um apoio enorme do Iaponan, que é o diretor geral da Fundação, porque é uma pessoa que gosta de dança, que curte dança, que acha que é importante, ele entende a questão da pesquisa em dança, ele entende a questão de que é um processo longo, que é uma coisa difícil de um administrador entender isso, ele entende que é um processo longo, que são sedimentações de camadas e tudo isso, mas a gente tem tido pouquíssimo recurso, o recurso que tem sido mandado pra Fundação é um recurso pra manutenção e custeio, o que é que é isso? É pra limpeza, material de limpeza, pra manter as casas, o CIC e a Fundação. Pra investimento na área cultural, é muito pouco. Apesar de tudo isso, a gente tem buscado parcerias e tem tentado fazer algumas coisas, mas muito longe de ser o ideal e o que a gente gostaria de fazer.”
Qual seria este ideal? Martha respondeu:
“Eu nunca pensei nisso, no ideal, agora o que eu penso é no que eu gostaria de ter mais, eu gostaria de ter mais recurso disponível sem precisar ser esta luta desgraçada de ficar correndo atrás da máquina o tempo inteiro, quando eu digo máquina é dinheiro, recurso mesmo financeiro, caixa, a questão de pessoal, que eu não gostaria de ter uma equipe grande, mas eu gostaria de ter uma equipe pequena mas eficiente, que me ajudasse a pensar, discutir, eu sinto muita falta da equipe, disso, não só que me ajudasse administrativamente, que me ajudasse conceitualmente, com quem eu pudesse discutir. Acho muito mais rico três, quatro pessoas sentarem pra pensar um projeto do que eu sentar na prancheta e fazer um projeto sozinha, entendeu? [...] Eu gostaria de ter uma equipe maior pra isso, pra pensar, pra poder viajar, me dar uma assessoria no interior que eu pudesse demorar mais tempo, um pouco mais tranqüila, entendeu? Pra eu me relacionar melhor com esse Estado inteiro, que esse Estado é tão diverso, é tão plural, é tão diferente, tem tanta coisa pra se descobrir ainda. Aqui no CIC, não sei a gente quando trabalha muito tempo na área cultural assim é difícil, você aprende a não pensar no ideal, você tem que sair e ir fazendo, se for ficar esperando o ideal... nunca nem me passou pela cabeça o que é que seria o ideal. Agora, eu gostaria que as oficinas de dança fossem mais bem equipadas aqui no CIC, gostaria, esse espaço que a Paula Castro esvaziou aqui e a gente agora começou a fazer um edital pra fazer um curso regular, o tribunal de contas sinalizou com problemas, a gente teve que encerrar, aí agora parece que as coisas estão sendo resolvidas, é tudo muito emperrado, muito lento. [...] essa questão administrativa, eu acho que é séria, que é esse desfalque de pessoal.”
O discurso mostra muitas questões, como o excesso de burocracia que
acompanha o serviço público e a carência de profissionais atuantes e
qualificados. Uma saída é, ao menos, pensar no como desburocratizar
procedimentos e tornar o processo mais dinâmico. Mais que um aumento no
número do quadro de empregados, há necessidade de pessoas especializadas e
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capacitadas para o exercício do trabalho com cultura. “Falta de recursos se
aceita; carência de idéias, não” (Coelho, 2000: 178). Entre outras questões, a
falta de um plano de cargos e salários faz com que aumente a dificuldade para a
contratação de mão-de-obra especializada. Ao cumprir a tarefa de elaborar
projetos, o administrador deve lembrar de consultar representantes das
organizações de classe. No contexto da dança em Santa Catarina, o fato da
gerência da FCC reclamar da dificuldade de preparar projetos isoladamente não
faz sentido, uma vez que o lamento da classe refere-se exatamente à sua não
participação neste processo. A questão financeira, embora fundamental, não
pode ser colocada como cerne e justificativa para a não-ação.
“Eu descobri, vou te ser sincera, o mais importante dentro da administração cultural, se é esse o objeto do teu trabalho, é o administrador cultural ter projeto. Quando a gente tem projeto, tem orçamento não tem orçamento, você consegue, tira dali, tira de acolá, busca parceria e faz, e é o que a gente tem feito. Porque esperar que te digam: olha essa quantia aqui vai ser reservada para a cultura, então, vai essa quantidade pra manutenção e essa quantia pra investimento cultural, que é financiamento de todos os projetos, financiamento da ação cultural, aí os administradores vão decidir trabalhar com o quê? Vamos dar recursos pra produção e criação, vamos investir pra trazer bons espetáculos, vamos investir na formação, vamos fazer o que? Mas isso é muito difícil, o negócio é ir metendo as caras com o teu projeto e ir em frente porque senão tu não consegues fazer, porque tu não tens nenhuma verba assegurada.”
A sua fala ao longo da entrevista denuncia a contradição, a ausência de
rumo e o modo confuso de proceder adotado pela instituição. Por um lado,
confessa a inevitabilidade de ter projetos em mãos e aproveitar oportunidades
para viabilizá-los, por outro, afirma a impossibilidade de “pensar no ideal” e tratar
de “sair e ir fazendo”. É inevitável que as ações venham depois da elaboração de
uma política. Sem um planejamento, não se faz política cultural, mas seu oposto,
a política de eventos, que “designa um conjunto de programas isolados – que não
configuram um sistema [...] – constituídos por eventos soltos uns em relação aos
outros” (Coelho, 1997: 300).
É exemplo de uma política de eventos a organização ou o apoio a mostras
de dança. Uma mostra isolada, na qual a platéia assiste às apresentações como
em um espetáculo comercial convencional, define-se como política de eventos;
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se a mostra é seguida ou precedida de um curso, debate ou entrevista, dando ao
público condições para apreciar muitos aspectos envolvidos, diz-se que ela
caracteriza uma política cultural. Ou seja, a política de eventos tem “caráter
alegadamente imediatista (ação que se encerra em si mesma, sem deixar
resíduos) e, eventualmente, oportunista (serve ocasionalmente para promover
políticos, partidos, beneficiar artistas, etc.). É fácil de ser posta em prática,
bastando que existam recursos econômicos” (Coelho, 1997: 301).
2.2.2.3. Fundação Franklin Cascaes - FFC
A Fundação Franklin Cascaes é o órgão municipal responsável pela
administração da cultura em Florianópolis.
No dia 29 de julho de 1987, através da Lei 2.647, o prefeito municipal Edison Andrino de Oliveira criou a Fundação Franklin Cascaes. [...] Ao dar-lhe o nome de Franklin Cascaes, a municipalidade reconhecia e homenageava a arte, o trabalho e a luta do mestre Cascaes, cuja vida dedicou a pesquisar o saber popular, o folclore, as tradições históricas, as crenças e a magia mitológica que fazem parte do universo ilhéu (Nunes, 1997: 2).
Entrevistamos47 Margaret Werner de Oliveira, Coordenadora de Artes da
FFC, e Simone Simon, a responsável pelo setor de dança desta Fundação, que
expuseram a posição da FFC, bem como seu programa de ação governamental,
em relação à dança. Segundo Margaret,
“A política da Fundação em relação à dança é a política em relação a todo o resto, que é uma política de incentivo, de intercâmbio. Você sabe que a gente faz intercâmbio com outras cidades, estados, isso não só na Mostra48 mas também apoiando grupos daqui que vão se apresentar em outros locais. Que mais que eu podia te dizer? Dança em si, do folclore também, que não deixa de ser dança, a gente tem feito assim, a gente tem procurado fazer, envolver a dança folclórica dentro da própria Mostra de Dança. Antes não tinha a dança folclórica, agora a gente já colocou isto dentro da nossa mostra de dança, eu acho que é importante porque são outros valores, não é a dança clássica, não é a moderna, é a folclórica.”
47 Fpolis, 16/10/2000.48 Refere-se a “Mostra de Dança de Florianópolis”, evento organizado pela FFC.
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Como confirma Simone, no setor da dança, a principal realização da FFC é
o evento “Mostra de Dança de Florianópolis”, embora o projeto “Oficinas de Artes
nas Comunidades” e a exposição “Mulheres com Arte” também dirijam-se à área.
“Hoje, a gente diria que só tem a Mostra mesmo, de projeto no cronograma. Tem
o trabalho da coordenadoria de eventos, que é da Karin, ela faz as oficinas nas
comunidades, daí tem também dança nas comunidades”.
Margaret assinala que a FFC costuma amparar os grupos de dança da
cidade (cita o grupo Voga e o Cena 11) “quando eles trazem para gente um
pedido de apoio através de passagens ou estadia em outras cidades e a gente
[...] consegue hospedagem, a gente consegue passagens que são pagas pela
Fundação, este tipo de intercâmbio”. Acrescenta que as decisões do tipo em
quem apoiar e quanto investir são tomadas em conjunto.
“A gente se reúne, vê se vale a pena apoiar aquele grupo, daí, é em conjunto, não é nada tomado em decisão sozinho, nem do financeiro, nem da professora49, sim num todo. A gente se reúne e vê o que é que realmente a gente deve apoiar. Até por uma questão de dividir esse dinheiro, essa cota em... para alcançar um número maior de grupos, de pessoas, para não apoiar uma pessoa só, um grupo só.”
A seguir, apresentamos suas realizações e características.
a) Mostra de Dança de Florianópolis: Mostra anual, ocorre durante o mês de
junho, com apresentações nos dois principais teatros da cidade (Ademir Rosa e
Álvaro de Carvalho), e em palcos alternativos, montados em shoppings centers e
em diversos pontos turísticos da cidade. A coordenação fica a cargo de Simone
Simon.
A Mostra de Dança organizada pela FFC, surgiu em 1988 como “I Mostra
de Novos Coreógrafos do Sul”, sendo, extraordinariamente, de caráter
competitivo e organizada em parceria com a Associação dos Profissionais de
Dança de Santa Catarina - APRODANÇA. Após cinco anos consecutivos de
interrupção, volta a ocorrer em 94. Em 95, altera nome e características,
tornando-se “Mostra de Dança de Florianópolis”. No entanto, somente a partir de
1997 passa a abranger trabalhos coreográficos de todo o país.
49 A Superintendente da FFC, Sra. Lélia Pereira da Silva Nunes.
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O mérito da Mostra reside em dois pontos. Primeiro, em seu poder de
difundir informações sobre dança por toda a cidade (tão carente das mesmas).
Principalmente por ocasião dos seminários, palestras e debates que vem
promovendo, com a participação de pesquisadores e críticos especializados
como Helena Katz (SP), Christine Greiner (SP) e Dulce Aquino (BA). Segundo,
pela oportunidade que concede aos grupos participantes, ao oferecer um lugar
para mostrar seus trabalhos (longe da competição), e fornecer uma ajuda de
custo, direito a hospedagem e alimentação durante os cinco dias de realização
do evento.
Para que a Mostra avance no sentido de transformar a capital catarinense
em um dos espaços importantes da dança brasileira, sugere-se que profissionais
da área desta cidade sejam chamados a uma participação efetiva, principalmente
em seu processo de planejamento e preparação, ou tomando parte em seus
debates, palestras, cursos e exposições. Especialistas locais podem contribuir
para orientar, fundamentar e enriquecer este evento.
De acordo com Simone, a intenção da FFC é a de estabelecer um diálogo
maior com os profissionais de dança, através de uma aproximação com a
APRODANÇA. Ressalta:
“... acredito que nos próximos anos a Fundação vai participar das reuniões da APRODANÇA, discutir o regulamento da Mostra, ‘ah o que é que a gente pode mudar aqui?’, discutir mesmo, ler cada parágrafo e ver ‘vamos mudar ou não vamos mudar?’ porque eu acho que tem coisa que está bem legal como a hospedagem, a alimentação, o cachê, continuar, mas algumas coisas assim no formato dela, já deu oito anos então fica uma coisa maçante, tem que dar uma mexida, uma inovada, porque senão... Acho que todo evento no Brasil todo, você vê assim que tem eventos que infelizmente não conseguiram mais se manter porque dependem muito de patrocínio. A Mostra é uma coisa que é de uma instituição, então bem ou mal ela sai, só que a gente quer que saia melhor.”
Margaret observa que “Não existe uma união. Eu acho que seria
importante a APRODANÇA e a Fundação trabalharem juntas na Mostra de
Dança, para ver as necessidades da dança no município, isso é bem
interessante, quem sabe no próximo ano”. Acredita que através da Mostra, a
dança nesta cidade
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“... progrediu bastante. Eu estou aqui há pouco tempo, quatro anos, a dança com esse apoio teve condições de ver o que é que se passa fora, não só o que é daqui, em Florianópolis. E a gente também tem conseguido, além dos grupos, dar apoio para bailarinas fazerem, conseguirem bolsas para estudar. Não sei se tu notaste, mas eu notei que realmente na dança tem, a gente tem, vários bailarinos ou grupos que estão se sobressaindo. Eu acho que isso tudo é um resultado da Mostra de Dança, isso tudo já é um resultado, porque existe um interesse, existe um trabalho em cima da dança e como? Nós da Fundação fazemos através da Mostra de Dança. E a gente procura daí ver as necessidades, o que é que realmente a cidade pede também, porque não adianta a gente querer incentivar uma coisa se não existe interesse.”
O catálogo da Mostra em 2000 traz uma apresentação escrita pela Prefeita
da cidade, Angela Regina Heinzen Amin Helou, que observa:
Modernamente, a dança também adquiriu a conotação de lazer, funcionando como uma verdadeira “catarse da alma” para bailarinos e espectadores. É esta purificação do espírito que volta a materializar-se em Florianópolis nesses cinco dias em que os pés mágicos dos dançarinos de oito Estados brasileiros pisarão o palco do Teatro do Centro Integrado de Cultura. Bailarinos esses que concorrem na Mostra Oficial da VIII Mostra de Dança de Florianópolis.
Nesta cidade, a dança continua a ser vista acima de tudo como uma
diversão ou mero passa-tempo, papel que a Mostra vem cumprindo com
eficiência. Os concursos (principalmente o Festival de Dança de Joinville) são
tomados como exemplos de eventos de dança sérios e prestigiados, quando na
verdade reúnem apenas estudantes e trazem poucas informações valiosas.
Provavelmente guiada por esta idéia e mostrando certo desconhecimento, a
Prefeita afirmou ser a Mostra Oficial uma competição.
b) Oficinas de Artes nas Comunidades: Cursos oferecidos pela FFC em
diferentes locais de Florianópolis. A FFC paga o ministrante e contribui com o
material necessário para as atividades, os bairros entram com o espaço físico e a
divulgação das inscrições, e para quem participa não são cobradas matrícula
nem mensalidades.
c) Mulheres com Arte: Projeto que engloba uma mostra de artes plásticas e uma
homenagem à mulheres com participação ativa na vida da comunidade
florianopolitana, por ocasião do Dia Internacional da Mulher (8 de março).
72
Eventualmente, representantes da dança participam do evento. Em 1998, as
bailarinas Jussara J. Xavier e Maria Aparecida Gonzaga, foram homenageadas.
Em 99, foi a vez da professora de balé clássico Bila Coimbra. A escolha é feita
pela Superintendente da Fundação, a Sra. Lélia Pereira da Silva Nunes.
Para Simone, a maior dificuldade que a FFC enfrenta no desenvolvimento
de seus trabalhos diz respeito ao número de funcionários, justifica que “a equipe
da Fundação é muito pequena, muito pequena, então acaba a gente trabalhando
nos outros eventos porque precisa e o ideal seria pensar a dança o ano todo”.
Acrescenta que para a dança de Florianópolis crescer em qualidade, necessita
de
“Uma escola. Tem uma companhia profissional que é o Cena 11, mas é na área de contemporâneo. Eu acho que a Prefeitura poderia dar maior subsídio, se tivesse um espaço que pudesse pagar os professores e que desse bolsas. Muita gente eu acho que não está fazendo aula por falta de grana, está difícil para todo mundo, muitas escolas fecharam, acho que está faltando espaço e a base, balé clássico50. A escola do CIC também fechou, que trabalhava o método cubano lá, muito bom, acho que a base está faltando, a gente está com pouco professor (não que os que têm não sejam bons, acho que a Alba é uma ótima professora, a Bárbara, a Malu). Mas eu acho que Florianópolis ainda tem muita gente boa, cada um trabalhando no seu canto, não tem assim muito, como é que eu diria, uma integração, a APRODANÇA faz esse tipo de trabalho mas eu acho que... não que não role, as coisas estão acontecendo mas a base está muito fraca. Falta espaço para ir lá malhar e fazer aula, mais horários.”
Margaret acredita que uma política pública cultural, no âmbito deste
município, concebida como síntese de tudo aquilo que se pode aspirar
“... já está acontecendo. O ideal ainda não acontece, mas já tá prestes a acontecer porque agora a gente tem a lei de incentivo municipal, a estadual e o mecenato. E qual é o papel da Fundação? É justamente colocar as pessoas a par disso, divulgar e orientar as pessoas a conseguirem através desse incentivo os meios para levar adiante os projetos. Então, acho que essa política é uma política de incentivo, uma
50 Este ponto de vista é bastante comum entre as pessoas que atuam com dança em Florianópolis, ou seja, o balé clássico ainda é tomado como a técnica fundamento e sustentáculo de qualquer dança. Como explica Katz “Quem continua apresentando a dança como a linguagem universal ou o balé como uma técnica capaz de preparar o corpo para qualquer tipo de dança está colaborando para a difusão de lendas, não de conceitos capazes de promover uma investigação a respeito do movimento e da dança (Katz et al., 1999: 14). Como veremos adiante são as universidades locais os ambientes em que vêm ocorrendo discussões aprofundadas sobre dança e, neste sentido, têm o potencial de difundir novos pensamentos e diminuir a propagação de “lendas”.
73
política de resgate também, a gente procura resgatar... teve até o professor doutor da universidade nova de Lisboa que estava dizendo que, ele esteve aqui em 92, ele não sentia assim... não existia um resgate, não existia uma cultura que ele ouvisse falar do resgate e ele teve aqui agora e ele disse que Florianópolis está, o município todo está respirando aquela cultura das raízes, tanto no folclore, como na dança, como no teatro, no artesanato, e isso é importante. Eu acho que aí já dá para ver que alguma coisa mudou.O que é que eu tinha anotado: estabelecer parcerias, isso a gente faz, parcerias com outras secretarias para facilitar para o artista. A divulgação das leis que está sendo feita, inclusive eu acho assim que está havendo um aproveitamento melhor, as pessoas estão usando agora a lei, as pessoas não tinham nem conhecimento. Hoje não, tu já sentes assim que os projetos estão vindo e as pessoas procuram entender como funciona, isso, esse esclarecimento a gente pode dar. Assessorando e auxiliando os artistas e produtores, ampliando os meios de divulgação das leis, a gente divulga como que a lei..., quando que ela..., os prazos, tudo isso. Facilitando o acesso ao público, não é uma coisa fechada. Está ali as pessoas podem entrar, perguntar, ficam sabendo que existe e como funciona, e nas comunidades a gente tem um apoio total, juntamente dos centros comunitários, com artesanato, com dança, renda, folclore com boi de mamão, então nos bairros a gente tem um trabalho, trabalha nos bairros, com o folclórico, com a dança, com o teatro. Não é muito mas a Fundação também é pequena. Acho que corresponde assim, acho que a Fundação faz um trabalho grande pelo tamanho que ela tem.”
Assim como no caso da FCC, a fundação municipal de cultura carece de
um arranjo em seu quadro de funcionários, um aumento quantitativo e qualitativo
de profissionais. Aqui também é urgente a elaboração e cumprimento de um
plano de cargos e salários. Outra observação a ser feita é a de que como órgão
público, portanto destinado a servir a coletividade, a FFC é obrigada a beneficiar
a dança como um todo. Partindo desta premissa, ela entende que deve distribuir
recursos e conceder apoios ao maior número de pessoas ou grupos possíveis,
nas palavras de Margaret “até por uma questão de dividir esse dinheiro, essa
cota em... para alcançar um número maior de grupos, de pessoas, para não
apoiar uma pessoa só, um grupo só”. Tal estratégia, aparentemente justa, induz
ao erro. Vejamos o já citado caso do Grupo Cena 11 Cia. de Dança. Como único
grupo consolidado como profissional, na cidade de Florianópolis e no Estado de
SC, é reconhecido e mencionado como referência de qualidade na área, por
todos aqueles que maneira direta ou indireta envolvem-se com dança nesta
cidade. Apesar de todo prestígio que lhe é atribuído, enfrenta dificuldades
financeiras para dar continuidade ao seu trabalho, sendo freqüentemente
74
colocado no mesmo patamar de outros grupos não profissionalizados. Assim, não
raro recebe o mesmo tratamento por parte das entidades governamentais. Um
grupo como o Cena 11, emblema distintivo deste meio, que vem agregando à
dança e à cidade de Florianópolis tantos atributos, não pode ser desprezado e
largado ao amparo de leis de incentivo à cultura. Ao contrário, merece
providências dos órgãos públicos capazes de garantir um estado mínimo de
sobrevivência, a menor porção que seja de tranqüilidade para trabalhar e manter
uma equipe em funcionamento. A organização pública que se dispuser a tomar
tal medida, poderá ter de negar apoio à outros grupos e artistas. No entanto, a
longo prazo, estará contribuindo à profissionalização do meio da dança que já
vem percebendo de que maneira um trabalho regular e ativo é capaz de gerar
frutos. Não fazer caso dos problemas que ameaçam a existência do Cena 11 é
como outorgar sua extinção, o que seria um grave dano à dança da cidade e do
Brasil.
Idêntico problema ocorre com a Mostra de Dança da FFC. Ao tentar
abarcar todos os tipos de dança - a folclórica, a clássica, a moderna, o jazz, a
dança de rua, a contemporânea, a de salão -, de amadores a profissionais, perde
identidade e reconhecimento. Certifica Sandra Meyer Nunes51 (2000)
A Mostra Nacional de Dança de Florianópolis, organizada pela Fundação Franklin Cascaes, importante evento para o Estado, poderia ganhar um perfil mais definido e um acréscimo maior de qualidade se abrisse a outros produtos estéticos e propostas estruturais. A abertura à opiniões de profissionais, numa espécie de curadoria, a exemplo do que ocorre em qualquer grande evento, ajudaria a refletir melhor sobre o perfil da mostra, para que tenha um reconhecimento maior não só dos profissionais mais conceituados da área no Estado, mas também pela crítica nacional especializada. Se a Fundação estabelecesse uma agenda em parceria com outros eventos, a exemplo do que tem ocorrido entre festivais de Porto Alegre e Buenos Aires, teríamos a oportunidade de assistir companhias nacionais e internacionais de qualidade sem um ônus maior. Talvez aplacasse o imenso vácuo cultural a que somos submetidos pelo não acesso aos grandes nomes da dança.
Atuar com responsabilidade é fazer escolhas. A FFC elegeu como centro
de sua política destinada à dança a Mostra de Dança de Florianópolis. Além da
51 Chefe do Departamento de Artes Cênicas do Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC); Professora e Coordenadora do curso de Artes Cênicas do CEART/UDESC; Coordenadora técnica e professora do curso de pós-graduação em Dança Cênica (Especialização latu-sensu) do CEART/UDESC; Crítica de dança. Graduada em Educação Artística (UDESC); Especialista em Teatro-Educação (UDESC); Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP).
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tarefa de discuti-la com a classe incansavelmente, deve pensar e buscar outras
alternativas (viáveis, é claro) que de fato estabeleçam uma política para a área.
Quando se assume que “a política da Fundação em relação à dança é a política
em relação a todo o resto” admite-se um desconhecimento das características
das muitas áreas culturais e dos muitos públicos, tão particulares e distintos entre
si que merecem, por si só, serem chamados pelo nome. O caráter sempre
genérico dado às políticas culturais – “de incentivo”, “de intercâmbio” – é mais um
reflexo do descaso com que a cultura é tratada neste País: pura questão de
retórica.
2.3. Organizações de classe
Principalmente com o intuito de estar a par dos planos do governo para a
área de dança, poder discutir, sugerir e/ou fiscalizar a execução de projetos, têm
surgido (especialmente nos últimos anos) órgãos representativos da classe de
dança como associações/comitês/comissões/fóruns, municipais/estaduais.
Formados com o propósito de defender os interesses comuns destes
profissionais, carregam a possibilidade de poder sensibilizar e influenciar órgãos
públicos, privados e a comunidade em geral para o apoio à dança.
Florianópolis abriga a Associação Profissional de Dança do Estado de
Santa Catarina (APRODANÇA) e o Comitê Catarinense de Dança. Sendo os
princípios, objetivos, participantes e dirigentes de ambos praticamente os
mesmos e as reuniões freqüentemente realizadas em conjunto, o Comitê foi aos
poucos perdendo existência e concentrando esforços nas ações da
APRODANÇA. Pretendendo discutir e colaborar com a implantação de uma
política municipal/estadual da dança, estes órgãos funcionam em Florianópolis
contando com o comprometimento de poucos assíduos.
Embora não restrito à dança, vale destacar o Fórum de Artistas e
Produtores Culturais de Florianópolis, organização que reúne semanalmente
aqueles profissionais que se ocupam das artes em suas variadas vertentes a fim
de debater, e posteriormente cobrar, junto ao poder público municipal, ações que
culminem na efetivação de uma política cultural.
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2.3.1. Associação Profissional de Dança do Estado de Santa Catarina
A Associação Profissional de Dança do Estado de Santa Catarina -
APRODANÇA, surgiu em agosto de 1985. Passando por um longo período de
inatividade, hoje tem como presidente Ana Beatriz Magalhães Mattar e vice,
Maria Aparecida Cravo Silveira52, ambas profissionais da dança e habitantes de
Florianópolis. Os princípios da associação são os seguintes:
Defender os interesses comuns dos profissionais da dança de Santa Catarina, atentando a legitimidade dos representantes da categoria e estabelecendo prioridades e estratégias de ação de maneira transparente Proporcionar a aproximação entre os diversos profissionais Atuar como um espaço democrático de discussões e propostas de políticas para a dança Representar a classe junto a órgãos públicos e privados: âmbito federal, estadual e municipal; buscando um dialogo com representantes de dança em fundações, secretarias, entre outros Estabelecer parcerias com a iniciativa publica e privada a fim de viabilizar a concretização de programas e ações determinados53.
Ana Beatriz ou Bia (como é conhecida) conta54 que, nestes dois primeiros
anos de mandato, perseguiu o objetivo de reestruturar a associação, mapeando
as atividades e pessoas do setor, procurando resolver questões jurídicas e
aumentar o número de filiados. Hoje, são aproximadamente trezentas pessoas
inscritas na associação, graças à campanhas realizadas em mostras e festivais
de dança pelo Estado. Para Bia, “é muito difícil você manter o cadastro da
APRODANÇA porque é super flutuante, um dia a pessoa está numa academia e
no outro dia, ela está em outra; um dia num grupo, outro dia em outro; um dia, o
grupo existe, outro dia, não. É uma coisa super dinâmica, você tem que estar
sempre atualizando esse cadastro, não é uma coisa que tem e fica, muitas vezes
você tem que mudar tudo”.
A estruturação efetiva da APRODANÇA passa pela obtenção de uma
sede, um espaço físico mínimo e equipado. Por enquanto, cada presidente utiliza
52 Diretoria eleita em Assembléia Geral de 21 de novembro de 1998.53 Em http: www.iaccess.com.br/~bia. Acessado em junho/99.54 Entrevista concedida em 07/09/2000.
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sua própria casa, computador e telefone para trabalhar. Buscar parcerias é uma
alternativa que está sendo pensada para alterar esta situação.
Bia afirma que ainda não é possível estabelecer um sistema de cobrança
de taxa em troca de uma carteira de associado, cuja posse renderia benefícios.
Ressalta que as dificuldades de poder oferecer uma série de vantagens aos
supostos sócios estão ligadas à problemas que o próprio ambiente da dança vem
enfrentando. Exemplifica dizendo que as academias não podem conceder
descontos pois trabalham com o preço mínimo, bem como os teatros.
Falando sobre o relacionamento da APRODANÇA com os associados, Bia
considera que “não está bem estabelecido, não está efetivo. [...] por exemplo, as
pessoas ligam para a APRODANÇA quando estão com problemas”. Sua idéia é a
de fortalecer a associação para que seja uma referência no meio artístico “porque
não adianta ela estar bem com as entidades se ela não repassar isso pros seus
associados. Fica pouco divulgado, [...] a gente não tem dinheiro, a gente não
trabalha com dinheiro, então você não tem como mandar um jornalzinho que seja
quinzenal, mensal. Esse tipo de coisa tem que fazer, tem que procurar fazer”.
Quando Bia fala sobre a APRODANÇA “estar bem com as entidades”
refere-se às seguintes conquistas: o fato de ser membro do Conselho Estadual
de Cultura, órgão que delibera as ações culturais do Estado (caso inédito, pois,
pela primeira vez, a cadeira de artes cênicas é ocupada pela dança), ser membro
da comissão de pauta dos Teatros do CIC e TAC e do Conselho Consultivo do
Festival de Dança de Joinville. Declara:
“A gente sempre lutou para estar dentro desses conselhos, não ficar correndo atrás do que já estava pronto, tentar chegar junto na hora em que está sendo formulada alguma coisa. Nesse caso eu acho que algumas coisas a gente já conseguiu, o intercâmbio com a Fundação Catarinense de Cultura está sendo efetivo, quer dizer, eles chamam a APRODANÇA sempre que precisam. Tem a comissão de pauta do teatro também, que é outro conselho onde a APRODANÇA é membro fixo, que seleciona os espetáculos do teatro do CIC e do TAC. É um conselho deliberativo, então quer dizer, se essa comissão de pauta aprovar, não tem quem desaprove, e se ela desaprovar, não tem quem aprove. O Conselho Estadual de Cultura, primeira vez que a dança ocupa, sempre foi teatro, porque é artes cênicas (estas coisas não precisa dizer, porque você já sabe), mas é a primeira vez que a gente ocupa. [...] Se eu não estivesse, eu tenho certeza que muitas coisas de dança não teriam... principalmente no projeto da lei [...] ele é consultivo na política estadual e deliberativo no projeto de lei estadual, na lei de incentivo. Se não tivesse
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um representante, se não tem um representante da categoria não tem quem defenda você. O pessoal do cinema não vai defender aqueles grupos que estão buscando profissionalismo porque eles não conhecem o trabalho, não estão envolvidos, não ouviram falar. [...] é muito importante que a gente mantenha essa posição no Conselho.”
De fato, a presença da APRODANÇA nestes conselhos atribui
credibilidade à associação e propicia uma oportunidade única para a conquista
dos anseios da classe. Para Bia, quando se discute algo ocupando a mesma
posição de representantes de fundações culturais públicas, a comunicação é
efetiva. “Se você senta na mesma posição, fica mais fácil falar do que você
chegar assim: ‘me ouve por favor’, ‘marca uma audiência para mim, por favor, eu
preciso falar com você’, aí fica mais fácil você colocar suas idéias”.
A APRODANÇA elegeu representantes municipais para que suas ações
consigam alcançar todo o Estado. Henrique Beling - Presidente da Fundação
Cultural de Lages, aonde criou e dirigiu por três anos a Escola Municipal de
Dança (1998-2000); Flávia Vargas - Delegada de Dança da CNBD (Conselho
Brasileiro de Dança), residente em Joinville, e Luiza Ribeiro Delgado de Jaraguá
do Sul, foram escolhidos para representar outras regiões de Santa Catarina.
Algumas conquistas realizadas pela APRODANÇA merecem destaque:
- Realização do espetáculo “Prêmio da Dança de Florianópolis” no TAC, reunindo
grupos de destaque da cidade
- A organização de espetáculos, apoio a cursos e realização de parcerias em
eventos promovidos por entidades como o SESC local
- Desconto no preço de ingressos em alguns espetáculos de companhias de
dança
- Obtenção de um espaço regular para publicação de artigos no jornal Ô
Catarina! da Fundação Catarinense de Cultura.
Lutar pela regulamentação e reconhecimento do profissional de dança está
nas prioridades da APRODANÇA. Apesar de demonstrar uma atuação crescente,
suas reuniões contam com pouca ou nenhuma participação, Bia opina:
“Eu cheguei a uma conclusão, porque me deprimia muito fazer uma reunião e ninguém estar lá, eu passei por um processo meio assim ‘será que vale a pena esse desgaste com a APRODANÇA?’. Mas eu cheguei à conclusão de que não importa a quantidade, não, importa a qualidade das
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poucas pessoas que estão [...] por exemplo, o Fórum55 quando começou tinha trinta pessoas sentadas na sala, a última reunião tinha no máximo dez, oito pessoas [...] nem que seja uma brasinha, mas essa brasinha tem que se manter acesa porque uma hora, dependendo da situação, essa brasa vai se transformar numa fogueira, é uma coisa meio oscilante, não é toda hora que aquela brasa precisa estar ardendo. É uma coisa a longo prazo. [...] Eu acho que o Fórum é muito importante, porque se eu vejo a APRODANÇA muito importante, imagina um Fórum que reúne todas essas entidades, mais importante ainda, só assim que a gente vai mostrar, vai poder chegar nessas estruturas políticas, nesses órgãos, eu acho que só dessa forma, se a gente for organizado mesmo. Mas eu não me importo muito com a quantidade de pessoas não, porque eu sei que aquelas pessoas que estão ali naquele momento estão fazendo de camisa vestida, então eu acho que isso é o que importa mesmo.”
A APRODANÇA é um espaço rico e essencial, seja para travar contatos
com o governo, na luta pela existência de uma política de dança
municipal/estadual, seja para que os grupos troquem informações, ajudando-se
por exemplo, em tarefas como a elaboração de projetos de patrocínio. A maioria
dos profissionais, contudo, ainda não acordou para sua potencialidade.
2.3.2. Comitê Catarinense de Dança
O Comitê Catarinense de Dança foi formado a partir de um encontro de
estudantes e profissionais da dança na cidade de Florianópolis em junho de
1998, tendo como objetivo principal, cuidar dos interesses comuns dos que
trabalham com dança no Estado.
A necessidade de organizar os profissionais da dança teve como ponto de
partida o discurso feito pelo Ministro da Cultura Francisco Weffort - por ocasião
da Mostra Comfort em Dança em outubro de 97, na cidade de São Paulo -
declarando a falta de organização da classe como motivo principal da ausência
de incentivos e oportunidades para a dança. Tal fato resultou na formação da
Comissão Nacional de Dança56, questionada quanto à legitimidade dos nomes
integrantes, sugeridos à revelia do segmento da dança. Nesta ocasião, ficou claro
a pouca ou inexistente representatividade da classe em âmbito nacional, estadual
e municipal.
55 Refere-se ao Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis. 56 Os nomes: Luciano Ramos (presidente), Ana Francisca Ponzio, Regina Miranda, José Possi Neto, Maurice Vaneau, Márika Gidali, Tatiana Leskova, Eva Schull e Lia Robatto.
Diversos estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do
Sul movimentaram-se, formando órgãos representativos dos profissionais da
dança local. Nesta estrada, Santa Catarina iniciou um processo de discussão de
políticas necessárias para o desenvolvimento da dança. O fórum/debate sobre
Política Nacional de Dança, realizado em 21 de junho de 98, por ocasião da IV
Mostra Nacional de Dança de Florianópolis, foi o ponto de partida. Contando com
a participação de nomes de destaque do cenário nacional da dança -
professores, pesquisadores, críticos, representantes de comitês de vários
estados - abriu um espaço importantíssimo ao diálogo, diminuindo a distância
entre os profissionais da dança e culminando com a formação do Comitê
Catarinense de Dança.
O propósito de iniciar uma conversa orientada dos profissionais de dança
de Santa Catarina - a construção conjunta de seus problemas, a busca de
soluções e a apresentação de alternativas para o desenvolvimento da dança - só
poderia cumprir-se com a participação da comunidade da dança em seus
encontros. Com o tempo, as reuniões do Comitê passaram a ser realizadas
juntamente com as da APRODANÇA, já que ambos tinham a intenção de
desenvolver projetos idênticos: circulação de espetáculos pelo Estado, formação
de platéias, formação de profissionais locais segundo diversas áreas de atuação,
abertura de novos espaços para a dança, bolsas de pesquisa, apoio a grupos
locais, oficinas para o interior do Estado, apresentações semanais de dança, só
para citar alguns exemplos. Além disso, as pessoas que participavam dos
encontros do Comitê coincidiam com as que atuavam pela APRODANÇA. Assim,
resolveu-se atuar através da associação por já possuir personalidade jurídica e
aos poucos o espaço referente ao Comitê foi desaparecendo.
2.3.3. Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis
O Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis nasceu em
junho de 2000 e foi criado
a partir da necessidade da classe artística de discutir mais amplamente as políticas culturais do Estado e do Município. Trata-se de um movimento democrático e não partidário que integra pessoas e instituições que estão
à frente da produção artística nas áreas de teatro, dança, música, letras, cinema, vídeo e artes plásticas. Temos como principal objetivo colaborar com a política pública cultural do Estado e do Município57.
O primeiro ato público do Fórum foi realizado na ocasião da abertura58 da
VIII Mostra de dança de Florianópolis da FFC. Na manifestação, seus integrantes
acenaram com bandeiras pretas e distribuíram uma “Carta aberta à população”
(vide anexo). Por escrito, os artistas e produtores culturais da cidade
expressaram seu “descontentamento” com a gestão da FFC enumerando seus
motivos. As razões que culminavam na conclusão da inexistência de uma política
cultural municipal recaíam basicamente nas ações da superintendente da
fundação municipal, que foi acusada de usar como critério para a aprovação de
projetos e distribuição de verbas públicas o gosto e as relações pessoais, de
desvalorizar os artistas e a produção cultural da cidade, de “falta de decoro,
postura e conhecimento para ocupar o cargo”.
O jornal A Notícia (AN), em sua edição do dia 20 de junho de 2000,
publicou59 a seguinte nota: “Carta - Já é conhecida a autora de uma carta aberta
distribuída na abertura da 8ª Mostra de Dança de Florianópolis, contra a
Fundação Franklin Cascaes (FFC). Trabalha na Fundação Catarinense de
Cultura (FCC) e é expert em rede de intrigas”. Ora, a “Carta aberta à população”
foi elaborada em conjunto e assinada por seus autores, o que nos conduz às
seguintes hipóteses: ou o referido jornal trabalha na linha na desinformação ou foi
um espaço comprado, uma troca de favores. A segunda suposição é bastante
condizente com a realidade florianopolitana. Além disso, apontando um
funcionário da FCC “expert em rede de intrigas” como culpado (“contra a
Fundação”) confirmou-se o que o meio artístico já percebe, a antipatia e
concorrência alimentadas pela direção da fundação municipal em relação a
estadual. Outro fato lamentável foi o jornal AN ter feito entrevistas com
participantes do Fórum e não ter publicado a matéria resultante, que foi
censurada pelo(s) editor(es).
Em 6 de Julho de 2000, o Fórum redige e encaminha à prefeita municipal
uma carta (vide anexo) de apresentação e exposição das causas de sua
manifestação durante a mostra de dança. O relato denunciava a postura adotada 57 Carta endereçada à Prefeita de Fpolis, datada de 6 de julho de 2000. Em anexo.58 Teatro do CIC, 14/06/2000.59 Espaço “Opinião”, coluna denominada “Miramar”, página 2.
pela FFC em relação aos artistas e produtores culturais: a de competir,
enfraquecer e desmotivar suas iniciativas, caracterizando-a muito mais como
uma produtora de eventos do que como um órgão público, cuja função deveria
ser o fomento à cultura local de forma indiscriminada, ou seja, sem conceder
privilégios a determinados modos artísticos e estéticos. No texto, a insistência na
necessidade de diálogo e discussão conjunta sobre questões de interesse da
classe e o pedido de uma audiência (ao qual a prefeita não respondeu).
Da dança, integram o Fórum a APRODANÇA, os grupos Cena 11 e
Kaiowas, que somam-se a outras entidades/grupos/empresas de renome na área
cultural local como: Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e
Diversões - SATED/SC, Cinemateca Catarinense, União Brasileira de Escritores/
Seção SC, Fórum Permanente de Teatro de Florianópolis, Departamento de
Artes Cênicas do CEART/UDESC, Estúdio de Atores, Eveline Orth Produções,
Valdir Dutra Produções, Mixlênio Cultural, Áprika Produção em Arte, Grupo
Armação de Teatro, Grupo Pesquisa Teatro Novo - UFSC, Grupo de Teatro
Dromedário Loquaz, Legião de Palhaços, Teatro Jabuti, Grupo Teatral
(E)xperiência Subterrânea, Grupo Teatral Pé de Vento, Teatro Sim... Porque
Não?!!!, Grupo Teatral Boca de Siri - ETF/SC, Koan - Trio para Música Intuitiva,
Projeto Dalira, Associação dos Artistas Plásticos de Santa Catarina - AAPLASC,
Federação Catarinense de Teatro - FECATE, Grupo Engenho, Ludus Teatro de
Bolso, Grupo Folclórico Arreda Boi, Expressão Sarcástica, Grupo de Cinema e
Vídeo Sombra & Luz.
A mais recente realização do Fórum foi um debate com os candidatos à
prefeitura de Florianópolis60, marcado pela ausência da prefeita, agora reeleita.
Nesta iniciativa louvável, o Fórum propôs diretrizes básicas e ações “por uma
política cultural pública”, entregando um documento aos candidatos presentes. O
escrito traçava um panorama das necessidades e reivindicações da classe
artística, baseando-se em dois princípios:
1º - O Estado não deve produzir cultura, mas sim disponibilizar os meios para que
possa ser produzida por seus cidadãos e facilitar o acesso a ela.
2º - Criação de um Estatuto para a cultura, capaz de garantir ações eficientes e
duradouras.
60 Realizado no Auditório da Justiça Federal, dia 4 de setembro de 2000.
O Fórum também cobrou a necessidade de ouvir toda a comunidade,
essencialmente no momento de elaboração deste Estatuto, e a reformulação da
“Comissão Permanente de Cultura”, efetivamente representativa dos artistas e
produtores de Florianópolis.
Mostra assim, além da união e mobilização inédita da classe artística local,
a convicção de que não é mais tolerável um governo que dispense tratamento
marginal à cultura, nem tampouco que desenvolva uma política de eventos,
meramente ocasional.
2.4. Entidades privadas
2.4.1. Serviço Social do Comércio- Sesc
O Sesc é uma instituição de caráter privado, sem fins lucrativos e de
âmbito nacional, criada em 1946 pelo empresariado do comércio e serviços, pelo
qual é mantido e administrado. Visa “a promoção do bem-estar social, o
desenvolvimento cultural e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador no
comércio e serviços, de sua família e da comunidade em geral61”.
O Sesc Florianópolis promove uma mostra anual de dança, que ocorre em
seu ginásio de esportes. Em 1986 acontecia a “X Noite da Ginástica”,
transformando-se no ano seguinte no “Encontro de Danças”. Em 1999 - sendo
pensada e realizada em conjunto com a Aprodança, passa a chamar-se
“Encontro das Escolas de Dança de Florianópolis”, reforçando sua especificidade
de apresentar coreografias por estudantes e incentivar à prática de dança. Tem
como atividades paralelas: oficinas de sensibilização para dança, recreação,
exposição e mini feira de dança; envolvendo aproximadamente trinta e cinco
grupos por evento.
O Sesc local possui um Teatro de Bolso com lotação para cem (100) à
cento e trinta (130) lugares. As dimensões aproximadas do palco são: 2,5 metros
de profundidade, 5 metros de boca de cena. Não possui equipamentos de
iluminação, apenas de som, e cobra uma taxa para sua utilização. É um espaço
61 Em: http://sesc.uol.com.br/sesc. Acessado em 8/10/2000.
mal aproveitado pela dança e, simultaneamente, muito utilizado pelo pessoal da
área de teatro.
O nome Sesc arrasta atributos como organização, qualidade e
competência. Na área de artes cênicas, em Florianópolis, destaca-se o projeto
“Palco Giratório: Circuito Nacional Sesc de teatro e dança”, uma iniciativa do
Departamento Nacional, que escolhe espetáculos de dança e teatro para circular
pelo Brasil. O “Palco Giratório” faz parte da política de difusão das artes cênicas
do Sesc, viabiliza o intercâmbio entre as diversas regiões do país e contribui à
formação de público. O projeto procura mostrar o trabalho de companhias que
investem em pesquisas de linguagem, através da apresentação de seu
espetáculo e workshop. Em 2000, as apresentações em Florianópolis incluem o
“Grupo Lume”, de São Paulo, e a “Cia. Teatral do Movimento”, “Mameluco
Produções Artísticas” e “Grupo Abayomi”, do Rio de Janeiro. Nenhum grupo do
Estado de Santa Catarina foi selecionado pelo projeto.
Por que o Estado não busca firmar parcerias proeminentes com
organizações sociais como o Sesc? No contexto atual – de grandes problemas
que prescrevem soluções de ordem múltipla - associações mostram-se como
alternativas viáveis pois, ao compartilhar interesses (e posteriormente os êxitos),
as partes dividem os custos, recursos variados e/ou o trabalho.
Para um ganho de qualidade e visibilidade, o Sesc em Florianópolis
deveria voltar-se para o modelo das sedes em São Paulo, que trabalham a partir
de uma proposta de atuação dinâmica e atualizada. Basta atentar a algumas de
suas renomadas parceiras, instituições públicas e privadas, nacionais e
internacionais, com as quais estabeleceu vínculo no “sentido de buscar, sempre,
novas tendências nas diversas expressões culturais62” que constituem a
programação do Sesc. Encontram-se, nesta lista: Fundação Japão, Aliança
Francesa, Associação Cultural Videobrasil, Instituto Goethe, FIAC - Festival
Internacional de Artes Cênicas, USIS - The United States Information Service,
PUC-SP, TV Cultura - Fundação Padre Anchieta, Art for the World, UNESCO e
FISpT - Federação Internacional de Esporte para Todos63.
O convênio com estas instituições permite ao Sesc paulista realizar
diversos projetos de difusão cultural, promover mostras, festivais, seminários e
62 Em: http://sesc.uol.com.br/sesc/parcerias.htm. Acessado em 8/10/2000.63 Em: http://sesc.uol.com.br/sesc/parcerias.htm. Acessado em 8/10/2000.
congressos de porte internacional, desenvolver atividades que coloque a arte em
discussão, incentivar a cooperação cultural internacional, apresentar espetáculos
inéditos no Brasil, realizar projetos voltados para a arte pública em espaços
urbanos, produzir programas televisivos, entre outros empreendimentos notáveis.
Há de ser levar em conta que a eficiência ou ineficiência das organizações
públicas e privadas é, basicamente, um problema de seus dirigentes. Quando se
fala do Sesc paulista é indispensável reverenciar Danilo Santos de Miranda64,
aquele que há dezessete anos concede imenso destaque à instituição pelo tipo
de ação que promove (no campo das artes, do esporte e lazer) aliada a maciça
participação do público. Para Katz (1998a), o êxito desta unidade é provocado
por
Danilo Santos de Miranda. No país da falência da administração pública, ele consegue fazer mais e melhor do que qualquer outro. Quem se dispuser a tomar o Sesc São Paulo como um caso a ser estudado, logo perceberá que a atuação do seu diretor regional tem perfil de estadista. Se fosse possível pensar o Sesc São Paulo como um ministério, ficaria mais claro ainda que o papel de Danilo Santos de Miranda tem sido o de um ministro informal da cultura. Basta atentar para a clareza, a consistência, a pertinência, a ousadia e a competência da sua atuação. Basta conferir a amplitude da sua proposta no trato público da cultura, do esporte e do lazer na sociedade.
As idéias de Danilo Santos de Miranda, ao se pensar em políticas públicas
no Brasil, começam no reconhecimento de que este é um processo que nunca
deve se romper, ao contrário, deve contar com acréscimos e se buscar
desenvolver, dado que a ação deve vir sempre acompanhada de aprofundamento
e reflexão. Somado a isso está a procura permanente pela excelência. Para ele,
a contemporaneidade do Sesc é decorrente de um espírito aberto à inovação e à
mudança. Miranda declara que
Não interessa uma ação sem aprofundamento e é isso que vai dando mais consistência às suas ações. Não basta simplesmente fazer, mas saber porque está fazendo. Há que investigar as raízes desse fazer, tentar identificar nele um compromisso social, pois deve haver uma identidade entre os objetivos institucionais e o grupo responsável por sua condução no dia-a-dia. A soma disso tudo resulta numa química bastante positiva. [...] Temos como meta a qualidade, procuramos sempre aperfeiçoar o que fazemos em todos os aspectos. Existe um dado
64 Diretor do Departamento Regional.
interessante com relação aos espaços. No início, o Sesc usava casarões e, pouco a pouco, percebeu-se a importância de criar os espaços. Em interação com os arquitetos, constatamos que não se deveria apenas pôr um prédio à disposição da cidade, mas sim pensar as condições para que ele viesse a ter vida, ser capaz de acomodar o seu processo de crescimento (Katz, 1998a).
O Sesc volta-se para um tipo de lazer que, segundo Miranda, é
algo produtivo, criativo, que engloba a ação cultural. Vejo cultura como uma área de interesse muito ampla. [...] Para nós, a ação cultural engloba valores e conhecimento, tudo aquilo que faz o homem ser o que é. A cultura tem o papel de valorizar o ser humano, de torná-lo mais dominador de parte do conhecimento. Portanto, tem um poder - de causar o crescimento, de melhorar a vida, de desenvolver as pessoas e a sociedade - muito maior do que aparentemente se atribui a ela. Quando falo em sócio-cultural quero dizer que as ações culturais podem ter uma capacidade de desenvolvimento social e até econômico. Um indivíduo que passa a apreciar dança, teatro, música ou literatura, torna-se mais capaz de obter um emprego melhor, de aprender mais, de ser socialmente melhor (Katz, 1998a).
Assim, a idéia de cultura praticada pelo Sesc paulista é aquela
considerada como algo vital e não supérfluo. Miranda declara:
Assusta-me imaginar que ainda se pensa que cultura é aquilo que, se der para fazer, se faz, se não der, não se faz. Cultura tem um caráter tão essencial quanto qualquer política pública de saúde, educação, transporte ou habitação. Os governantes devem estar cada vez mais conscientes disso. Essa é a grande saída para transformar a sociedade. Fazer campanhas superficiais não muda nada. Mas tenho a impressão de que os responsáveis pela economia não percebem direito o alcance da questão cultural (Katz, 1998a).
Para aqueles que insistem que a falta de dinheiro é a razão para uma
conduta apática e negligente, Miranda responde:
Não se trata sequer de mais dinheiro, mas de empregá-lo melhor, porque muitos incentivos continuam sendo perdidos em aspectos secundários. Há que aprimorar os mecanismos disponíveis porque o fundamental é adequar a utilização dos recursos aos objetivos da política que se quer implantar. Mas a própria sociedade vai buscar os seus caminhos. Um dia todos entenderão que apenas quando a área cultural estiver presente nas decisões fundamentais do governo é que a mudança vai ocorrer (Katz, 1998a).
Clareza e competência de sobra. A atuação do Sesc paulista pode ser
tomada como modelo e proposta de ação cultural. Sua premissa é a centralidade
da cultura na vida da população e poucos são aqueles que, apesar de
trabalharem na área, têm essa convicção. O que esperar daqueles dirigentes
que, no fundo, encaram a cultura como ornamento ou acessório, senão como
ações insípidas? Para finalizar, palavras de Miranda que inspiram políticas
públicas empenhadas com a cultura, ou seja, comprometidas com todos os seus
aspectos.
Contemplar a diversidade, cuidar tanto do fomento quanto da infra-estrutura e da difusão, tanto da memória quanto da vanguarda, atender a todas as faixas da comunidade, participar das outras instâncias da sociedade, pensar tanto em patrimônio quanto na produção das artes, cuidar tanto do jogo quanto do sonho, colocar de pé o que está caído e levar o que for preciso (Katz, 1998a).
2.5. Empresas patrocinadoras
No Brasil, impulsionadas pelas leis de incentivo, algumas empresas optam
pelo patrocínio das artes, utilizando o marketing cultural como uma ferramenta
valiosa de comunicação com o público.
O marketing cultural é uma experiência recente no mercado nacional de
patrocínio, constituindo-se num tipo de estratégia voltado para a consolidação da
imagem da empresa, com retorno obtido a médio ou a longo prazo.
De acordo com Sarkovas (Franceschi et al., 1998: 56), “é somente ao
longo da década de 80 que o patrocínio cultural ganha corpo. A publicidade já
não detém o monopólio das verbas. As empresas passam a diversificar suas
ferramentas de comunicação, adotando novos conceitos, novas estratégias.
Entre elas, a comunicação por meio de atitudes”.
Sarkovas afirma que o patrocínio cultural seria uma técnica de
“comunicação por meio de atitudes”, quer dizer, “uma forma das marcas de
empresas e produtos manifestarem concretamente seus valores e crenças. Sua
estratégia é associar a marca a ações adequadas à sua identidade e de interesse
de seus segmentos de público” (Franceschi, op. cit.: 57).
Segundo Sarkovas (Paes, 1999: 11), marketing cultural e patrocínio
cultural são tratados como sinônimos no Brasil. Diz que ambos, expressam “a
transferência de recursos de uma empresa para que uma ação cultural ocorra,
beneficiando, de um lado, a atividade cultural e, de outro, a estratégia de
comunicação da empresa”.
Freakley e Sutton (1996) acreditam que as razões pelos quais uma
empresa decide patrocinar as artes são várias:
- eles podem acreditar que seu público-alvo é igual ao mercado designado por eles para um produto particular - eles podem estar a ponto de lançar um produto novo ou testar o mercado para isto - eles podem se beneficiar de uma boa publicidade ajudando um projeto em uma área onde eles têm uma fábrica ou escritório e onde seus empregados vivem -·eles podem ver suas performances como uma oportunidade de entreter seus clientes ou de premiar seus funcionários com ingressos grátis -·eles podem ver isto como uma oportunidade para repor algo na comunidade, para melhorar a qualidade de vida das pessoas na localidade -·pode haver uma semelhança entre o nome da empresa ou um de seus produtos, e o nome de seu evento ou companhia65.
Pesquisando as publicações de “Marketing Cultural”66, listamos alguns dos
motivos citados por diversas empresas, ao decidirem fomentar à cultura. São
eles:
- assumir ou reforçar a postura de empresa cidadã
- construir ou fortalecer a imagem de sua marca
- aumentar a credibilidade da empresa
- promover e divulgar seu nome, seus produtos e serviços
- driblar as dificuldades de custo e eficácia das técnicas tradicionais de marketing
65 “- they may believe that your target audience is the same as their target market for a particular product- they may be about to launch a new product or to test the market for it- they may benefit from good publicity by helping a project in an area where they have a factory or office and where their employees live- they may see your performances as an opportunity to entertain their clients or to reward their staff with free tickets- they may see it as an opportunity to put something back into the community to improve the quality of life for everyone in the locality- they may be a similarity between the name of the company, or one of its products, and the name of your event or company.” (1996: 87-88)66 Revista mensal, publicada em São Paulo (SP) pela “Baluarte Cultura e Marketing”, desde julho de 1997, sob direção geral de Eduardo Martins Neto.
- diferenciar a empresa dos concorrentes
- exaltar o seu relacionamento com a sociedade
- beneficiar-se comercialmente
- agregar valores à marca, como sofisticação, refinamento, consciência,
criatividade, originalidade, ousadia, modernidade, inovação, seriedade,
confiabilidade, respeito, e comprometimento com o país
- reforçar e qualificar sua presença no mercado
- construir a identidade da empresa
- obter benefícios fiscais
- dar visibilidade à marca
- formar e ampliar público para a cultura
- acreditar que a cultura é o caminho para a melhoria da educação no país
- beneficiar os clientes
- expressar a missão e o perfil da empresa
- exprimir novas formas de pensar e ver o mundo
- alavancar o composto de comunicação institucional, de produtos e serviços da
empresa
- obter retorno de mídia
- encantar o cliente
- atrair novos clientes
- demonstrar responsabilidade social
- integrar a organização na comunidade e no meio artístico
- alavancar os negócios da empresa
- ajudar a fechar negócios
- conquistar a atenção do consumidor
- prestar serviços à comunidade
- conquistar novos mercados
- rejuvenescer a marca
- aproximar-se do público-alvo
- conquistar a fidelidade do cliente
- preservar, promover e divulgar a cultura brasileira, buscando a projeção da
imagem do país no exterior.
Especificamente no caso de incentivo à dança, além dos citados acima,
encontramos nas revistas as seguintes motivações:
- a dança é vista como a arte que agrega movimento, atualidade e dinamismo à
marca
- a dança é uma área com grande potencial a ser explorado no fortalecimento da
marca das empresas
- o interesse crescente do público pelos espetáculos de dança
- a dança vem ganhando a empatia do consumidor
- a dança é imagem e movimento, por isso, universal
- a dança recupera a cidadania.
A pesquisa Diagnósticos dos Investimentos em Cultura no Brasil, realizada
através do convênio firmado entre o Ministério da Cultura e a Fundação João
Pinheiro, em 1996, apresenta o posicionamento das empresas no mercado do
patrocínio cultural, sob a ótica mercadológica. Uma das questões refere-se aos
aspectos que facilitam ou dificultam o patrocínio à cultura. Foram quatro os temas
abordados pelos patrocinadores: projeto cultural, meio cultural, marketing cultural
e leis de incentivo, conforme diagrama a seguir (1998: 71-81).
PROJETO CULTURAL
- Custo
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESBaixo custo do investimento Alto custo do investimentoPequeno recurso investido em face do grande retorno obtido
Produção cara
Custo mais vantajoso do que a publicidade comercial Envolve investimento na fase de pré-produçãoOrçamentos mal feitosSuperfaturamento dos projetosRisco de investir e o projeto não ser realizado
- Retorno
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESObtenção de retorno pelo público-alvo Falta de pesquisas de aferição do retornoReconhecimento da comunidade Dificuldade de avaliaçãoRetorno institucional Não há retorno de vendas a curto prazoVisibilidade na mídia espontânea A mídia não destaca a participação da empresa
Possibilidade de permuta do patrocínio por um bem cultural
Dificuldade de divulgação nas diversas mídias
Motivação interna positiva na empresa Reduzido alcance comparativamente à mídia de massaNenhum retorno em projetos de longa duração
- Público-alvo
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESDelimitação do público alvo Falta de delimitação do público alvo
- Adequação
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESProjetos que atendem ao perfil da empresa Projetos inadequados ao perfil da empresa
MEIO CULTURAL
- Profissionalismo/Amadorismo
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESMaior profissionalização dos artistas e produtores culturais
Oferta de projetos mal planejados
Oferta de projetos tecnicamente adequados Oferta de projetos de má qualidadeFalta de profissionalização dos produtores culturaisDificuldade de apresentar projetos voltados para o público alvo da empresaFalta de estratégia na abordagem da empresaNão aceitação dos critérios de seleção definidos pela empresaDescaso com o patrocinador (falta de reciprocidade)Não cumprimento dos compromissosVenda de propostas ludibriantes pelos intermediários
LEIS DE INCENTIVO
- Benefício fiscal
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESExistência do incentivo fiscal Percentuais de dedução pouco atrativosPercentuais de dedução atrativos Exigência de contrapartida da empresa
- Operacionalização
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESFacilidade de operacionalização Dificuldade de operacionalização/Excesso de burocraciaFacilidade de compreensão das leis federais Constantes modificações
Facilidade de enquadramento dos projetos nas áreas definidas
Dificuldade e desconhecimento quanto ao uso de mais de um tipo de incentivo fiscal
- Comissões de avaliação
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESDeveriam avaliar a qualidade cultural/artística do projeto Falta de critérios
Processo de avaliação muito demoradoComponente ideológico nos critérios de avaliação
- Transparência
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESContribuem para a melhor organização das informações e a transparência dos gastos
- Divulgação
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESPéssima divulgação das leis nas diversas esferas de governoDesconhecimento das leis pelos empresáriosDesconhecimento das leis pelos produtores culturaisFalta de órgão centralizador que informe sobre os projetos aptos ao patrocínio
MARKETING CULTURAL
- Organização
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESOpção pelo investimento cultural Inexistência de política de ação culturalPriorização do investimento em cultura Priorização do investimento em outras áreasExistência da equipe profissionalizada Inexistência de setor responsávelCrescente interesse do empresariado Desconhecimento do empresariado quanto às
vantagens do marketing culturalApoio do dirigente às artes Resistência interna ao investimento em culturaMaior conscientização da importância da imagem Não priorização do investimento em comunicaçãoDisponibilidade de espaço e acervos na empresa para projetos culturais
Falta de planejamento
Autonomia nas decisões de investimento cultural Ingerência política na seleção de projetos/Falta de autonomia
- Parceria
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESEstabelecimento de parcerias com sociedades civis sem fins lucrativos ou com outras empresas
Dificuldade de estabelecer parcerias com outras empresas
- Demanda social
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESExistência de demanda de ação cultural na comunidade Pouca ou nenhuma demanda de ação cultural na
93
comunidade
- Economia
ASPECTOS FACILITADORES ASPECTOS DIFICULTADORESResultados econômicos positivos da empresa Resultados econômicos negativos da empresaEstabilidade econômica do País Instabilidade econômica do País
Vendas e fusões paralisam os investimentos
Alguns dos aspectos que dificultam a consolidação de um mercado de
patrocínio sugerem ações a serem implementadas pelo governo em seus
diversos níveis, como a promoção ou ampliação das campanhas de divulgação
das legislações fiscais para um melhor conhecimento de sua utilização e de seus
benefícios; a simplificação dos trâmites burocráticos para a utilização dos
incentivos fiscais; o desenvolvimento de ações no sentido de conscientizar a
iniciativa privada quanto ao potencial do marketing cultural. Cuidados como a
profissionalização de artistas e produtores culturais e a apresentação de projetos
tecnicamente adequados ao perfil da empresa também devem ser levados em
consideração.
Pesquisamos exclusivamente os argumentos mais utilizados pelas
empresas que negam o patrocínio à dança:
- muitos grupos, na ansiedade de conseguir dinheiro, não focam uma empresa,
mas enviam muitos projetos a muitos patrocinadores
- as produções são caras
- os altos custos. Por exemplo, o bailarino é um empregado, com direito a férias,
13o, registro em carteira
- faltam interfaces que apresentem os bons grupos às empresas
- amadorismo na elaboração e venda do projeto
- falta de confiança na administração do grupo
- falta de segurança no que diz respeito à capacidade de execução do projeto
- orçamentos mal elaborados
- projetos mal redigidos.
No universo da dança no Brasil, o caso de parceria de sucesso mais citado
é o do Grupo Corpo Cia. de Dança, de Belo Horizonte (MG), com a empresa
Shell do Brasil S. A.. O patrocínio foi acertado em 1988 e renovado anualmente
94
até 9967. Por exigência contratual do patrocinador, o Corpo deveria exibir uma
nova coreografia a cada ano, em circuito nacional. Este “par estável”, permitiu a
consolidação do trabalho da companhia de tal forma, que hoje, realiza mais
apresentações no exterior, do que no Brasil (Marketing Cultural, 1997a).
O que as empresas podem fazer pela dança e o que a dança pode fazer
pelas empresas?
Sem dúvida, a Shell teve um papel enorme em fazer o Grupo Corpo ser o
que é, ou seja, sinônimo de qualidade, do padrão de melhor produção da dança
brasileira. A estabilidade deste patrocínio deu a possibilidade ao Grupo de
viabilizar seus projetos, trabalhar com tranqüilidade, estruturar uma equipe, dar
aos bailarinos condições de trabalho (além de um salário mensal, assistência
médica e diária de alimentação durante as viagens). Sem o apoio da Shell, a
construção de uma carreira sólida seria muito difícil. O Corpo deu lucro para a
Shell pois “se a empresa fosse pagar para a quantidade de vezes que o seu
nome aparece na mídia, sairia muito mais caro”. O tempo de onze anos de
duração do patrocínio é a maior evidência da satisfação dos objetivos da
empresa (Marketing Cultural, 1997b).
A Shell e o Corpo foram um exemplo de ‘casamento perfeito’. Mostrou que
o trabalho de um grupo de dança não consegue desenvolver sem uma
estabilidade financeira, e que o patrocínio à dança pode ser algo muito rentável.
Quando há um bom entendimento entre os dois atores deste processo, o
benefício é geral.
O marketing cultural deve ser entendido como um instrumento estratégico.
Para Sarkovas, “a grande meta dos profissionais de marketing é construir marcas
com identidade própria, diferenciada, inconfundível. Esta é a base para a
conquista da lealdade dos seus nichos de público. As estratégias de
comunicação das empresas estão comprometidas com este objetivo, o que
beneficia as ferramentas de comunicação com maior poder simbólico”
(Franceschi et al., 1998: 56).
A disposição de empresas privadas em patrocinar os grupos de dança
(com ou sem incentivo fiscal), utilizando o marketing cultural como estratégia para
atingir seus objetivos comunicacionais, tornou-se um dos pontos fortes do
67 A justificativa da empresa para a suspensão do patrocínio é a de que, no Brasil, projetos sociais e educacionais necessitam de mais investimentos (Katz: 2000a).
95
mercado da dança, fator impossível de ser ignorado por aqueles grupos que
desejam a profissionalização. Cabe aos grupos estabelecerem estratégias
próprias, trilhando um caminho que os leve a uma associação capaz de realizar
tanto os seus objetivos, quanto os de sua empresa-alvo.
Porém, sabemos que no mercado de dança a demanda de projetos é
maior que a oferta de patrocínios pelas empresas. “Enquanto o número de
projetos encaminhados ao MinC saiu de 35, em 1995, para 134, no ano passado,
o de patrocinadores evoluiu de 56, em 1996, para 89, em 1998” (Possendoro,
1999). Trabalhar junto a empresários para que eles percebam a centralidade da
dança, pode ser uma alternativa viável, que ajude a modificar esta situação.
2.6. Instituições de ensino
2.6.1. O ensino da dança
O ensino da dança em Florianópolis é oferecido em aproximadamente
trinta locais, incluindo academias, clubes, colégios, universidades, associações,
entre outros. Em 1996, foram encontrados e pesquisados vinte e seis
empreendimentos oferecendo aulas de dança na cidade. Ao investigar o histórico
destes locais, considerou-se “o ensino da dança algo novo em Florianópolis,
tendo em vista seu surgimento, principalmente entre os anos de 1981 e 1990, em
dez locais entrevistados. Oito lugares começaram a prestar este serviço entre os
anos de 1991 e 1996. Com uma das academias entrevistadas, o ensino da dança
acadêmica em Florianópolis nasce no ano de l950” (Xavier, 1996: 30).
A Academia Albertina Ganzo é a mais antiga e considerada a mais
“tradicional” da cidade. Conquistou, ao longo dos anos, a confiança do público e,
de fato, contribuiu para o desenvolvimento da dança na cidade. Albertina
Saikowska de Ganzo (1919-1999) nasceu na Rússia e chegou ao Brasil aos sete
anos de idade. Em 1929 ingressou na Escola do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, estudando o balé clássico com Maria Olenewa. Em 1937 mudou-se para
Florianópolis e em 1950 abriu a “Escola de Dança Albertina Saikowska de
96
Ganzo”, a primeira escola de dança clássica da cidade de Florianópolis. Em 1982
afastou-se de suas responsabilidades na escola por problemas de saúde, desde
então, a escola é comandada por sua filha Clorinda Ganzo Pereira (conhecida
como “Pochi”), que diversificou seu ensino oferecendo várias técnicas de dança
(Nunes, 1994: 8-10). É um dos poucos espaços abertos ao ensino da dança na
cidade que conseguiu manter-se em funcionamento até os dias de hoje,
construindo a formação profissional de muitos bailarinos e/ou professores da
cidade, cedendo espaço aos ensaios de muitos grupos locais.
Infelizmente, os anos 90 presenciaram o fechamento de competentes
academias de dança: Escola de Ballet Sandra Nolla, Álea Academia de Dança,
Mahabhutas Academia de Dança, Déborah Studio de Dança e Escola de Dança
Magdalena Melgaço. Segundo Telmo Gomes, um dos proprietários da extinta
Mahabhutas Academia de Dança, a escola fechou devido aos altos custos de
manutenção (aluguel, principalmente) e à queda do número de alunos.
Seria interessante pensar na relação existente entre a presença de escolas
e alunos de dança e a formação de público de dança. Muitos profissionais e
grupos independentes de dança encontram proprietários de academias dispostos
a apoiá-los. Geralmente, a contrapartida feita em relação à concessão de
utilização de uma sala de aula para seu trabalho, é a divulgação do nome da
escola nas apresentações do grupo. No entanto, muito mais do que um
relacionamento profissional de parceria, a situação é vista como um grande favor
prestado, das academias aos artistas.
Durante alguns anos, o grupo Cena 11 pagou um aluguel por um espaço
para suas aulas e ensaios, em uma academia local. Hoje, funciona na Academia
Catarinense de Ginástica, que, além de colocar uma sala de aula à disposição da
companhia por aproximadamente seis horas diárias e permitir ao grupo a
freqüência nas aulas de musculação, ofereceu-lhe o tapete para a dança,
necessidade indispensável nas apresentações do grupo.
Dançar, para muitos bailarinos, significa pertencer a uma companhia onde
possam se desenvolver e amadurecer como artistas. Nesse sentido, a existência
de grupos de dança dentro de academias pode incentivar e encaminhar os
alunos a seguirem carreira, dedicando-se com mais afinco à dança por
vislumbrarem sua atuação no grupo.
97
Quando uma academia ou escola resolve apoiar um grupo de dança,
mostra que está interessada em uma fator diferenciador, que proporciona
vantagens em relação à concorrência. Retomando o caso do Cena 11, podemos
dizer que o apoio dado pela Academia Catarinense de Ginástica a ajuda a
construir uma boa imagem junto ao público e a valorizar a sua marca; e, por outro
lado, a Academia tem proporcionado uma estabilidade de trabalho ao Grupo,
essencial à sua profissionalização.
2.6.2. A dança na universidade
São duas as universidades residentes em Florianópolis: 1) Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC)68; e 2) Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC).
1) A dança está presente na UFSC através de projetos desenvolvidos pelo
Departamento Artístico Cultural (DAC) e Departamento de Educação Física
(DEF).
a) O DAC administra os espaços culturais da Galeria de Arte, Hall da Reitoria da
UFSC, Teatro da UFSC, Auditório de Música e Concha Acústica. Estes espaços
podem ser utilizados pela comunidade universitária e externa, de acordo com as
normas estabelecidas para cada caso.
O Teatro da UFSC, inaugurado em 4 de maio de 1979, com 138 lugares e
equipamentos para espetáculos cênicos, é aberto à comunidade para
apresentações (preferencialmente) de grupos teatrais, além de funcionar como
espaço para oficinas de teatro. A seleção e a pauta são realizadas por semestre,
68 “O ensino superior do Estado de Santa Catarina iniciou-se com a criação da Faculdade de Direito, em 11 de fevereiro de 1932. Organizada inicialmente como instituto livre, foi oficializada por Decreto Estadual em 1935. Na Faculdade de Direito germinou e nasceu a idéia da criação de uma Universidade que reunisse todas as Faculdades existentes na Capital do Estado. Pela Lei 3.849, de 18 de dezembro de 1960, foi criada a Universidade de Santa Catarina, reunindo as Faculdades de Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia, Filosofia, Ciências Econômicas, Serviço Social e Escola de Engenharia Industrial, sendo oficialmente instalada em 12 de março de 1962. Posteriormente, iniciava-se a construção do "campus" na ex-fazenda modelo "Assis Brasil", localizada no Bairro da Trindade, doada à União pelo Governo do Estado (Lei 2.664, de 20 de janeiro de 1961). Com a reforma universitária, foram extintas as Faculdades e a Universidade adquiriu a atual estrutura didática e administrativa (Decreto 64.824, de 15 de julho de 1969). A UFSC possui 56 Departamentos e 2 Coordenadorias Especiais, os quais integram 11 Unidades Universitárias. São oferecidos 28 Cursos de Graduação com 51 Habilitações nos quais estão matriculados 15.875 alunos. Oferece ainda, 11 cursos de Doutorado e 31 cursos de Mestrado” (In: http://www.ufsc.br/historico.html. Acessado em 15/08/2000).
98
e a concessão, por ordem de chegada. A dança deveria começar a pensar no
aproveitamento deste espaço, local perfeitamente viável para a apresentação de
solos e duos e/ou promoção de eventos. Outra vantagem é a permissão (única
nos teatros da cidade) feita para temporadas semanais. Também a Concha
Acústica é um espaço (palco de, aproximadamente, 70 m2) que pode ser
solicitado pela dança.
O Departamento Artístico Cultural é um órgão ligado à Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão da UFSC. As ações do DAC que envolvem a dança são o
Projeto 12:30, as Oficinas de Arte e a Noite da Dança.
- Projeto 12:30 - Intercâmbio Artístico Cultural UFSC/Comunidade: O objetivo
principal deste projeto é estimular a produção e difusão das artes e das
manifestações da cultura popular, oportunizando a troca de conhecimentos entre
a universidade e a comunidade. Concebido em 1986, o projeto foi reformulado e
reiniciou suas atividades em março de 1993. Todas as quartas-feiras, às 12:30
horas, horário de intervalo das aulas na UFSC, acontece uma atividade artística
(áreas de dança, música, cinema, artes plásticas, teatro ou folclore). Em 1996,
devido ao aumento de artistas e grupos interessados em participar, passaram-se
a realizar eventos extras, em outros dias da semana, no mesmo horário. O
Projeto 12:30 é aberto a todos os artistas e grupos da cidade, que para participar
devem entrar em contato com o DAC.
A dança é muito pouco presente neste projeto (exceção à de salão) e,
sendo assim, desperdiça a oportunidade de conquistar o público universitário,
sempre presente em número e interesse. Os habitantes de Florianópolis não
costumam comparecer aos espetáculos de dança, ocasionalmente em cartaz nos
teatros da cidade, e o tipo de público que a dança agrega é basicamente o
mesmo, formado, em sua maioria, por estudantes e profissionais da área. Sendo
assim, desenvolver audiências para a dança cênica é um desafio que os
profissionais da cidade devem propor-se a enfrentar para garantir a própria
sobrevivência. A questão é pensar em como educar platéias para dança, e não
apenas em levá-las para o teatro.
Preocupados com estas questões, alguns grupos locais começaram a
procurar espaços não-habituais para mostrar seu trabalho, o que significa muitas
99
vezes ir até o público. Este é o caso do Cena 11, que promove e apresenta-se
em festas, conseguindo não apenas divulgar seus espetáculos, mas aproximar-
se de pessoas variadas (através da dança e das discussões que ela promove e
que a proximidade física “da festa” viabiliza) e conquistar novos públicos.
Seguindo esta idéia, Diana Gilardenghi, coreógrafa do Ronda Grupo de Dança e
Teatro, dispara:
“Eu estou preocupada sim em como está o mundo hoje, preocupada e tentando entender, tentando entender as mudanças. Será que as pessoas hoje, têm vontade de sair na rua? E isso levado pra dança, será que a gente não tem que ir, em lugar de pensar que elas vão vir? Ou seja, neste sentido a gente tem que estar aberto e sentindo o que está acontecendo neste mundo, o que estão vivendo, o que está acontecendo com as pessoas, o que as pessoas estão precisando. Onde é que a dança pode ser dançada? Sei lá, em hall de hotel, por que não vamos ao hotel dançar? Por que não temos esta abertura pra ver por onde a gente vive. Por onde a gente vive em todos os sentidos, econômico, artístico, tudo, porque dançar e viver tá tudo junto. Não podemos separar uma coisa da outra. Se a gente tivesse esta capacidade conseguiríamos mil coisas mais.” 69
Dentro deste contexto o Projeto 12:30 deveria ser explorado pelo povo da
dança.
- Oficinas de arte (música, cinema, teatro, artes plásticas, dança e cultura
popular): O “Catálogo de Artes” do DAC, afirma que
Na ausência de cursos de graduação em artes, na Universidade Federal de Santa Catarina, o DAC procura suprir essa carência oferecendo cursos e oficinas livres de arte. Esses cursos e oficinas são oferecidos semestralmente nas diversas formas da expressão artística: Música, Teatro, Cinema, Dança e Artes Plásticas. [...] O objetivo dessa atividade é proporcionar oportunidade a todos aqueles que desejam manifestar e desenvolver o seu potencial artístico, despertando o interesse pela arte, estimulando a sensibilidade, ampliando, assim, as possibilidades do desenvolvimento e crescimento humano. [...] O resultado dos trabalhos desenvolvidos nos cursos e oficinas é apresentado ao público através de exposições, concertos musicais e peças teatrais. As inscrições para ingresso são realizadas, semestralmente, em março e agosto.
69 Entrevista concedida em outubro de 1999, em Florianópolis, SC.
100
- Noite da Dança: Este evento faz parte da programação da Semana de Cultura70
na UFSC. Realizado anualmente, em duas noites de espetáculo, com entrada
franca. Podem participar do evento grupos de dança amadores e profissionais.
Nos primeiros anos a Noite da Dança acontecia no campus da UFSC;
atualmente, o evento ocorre no teatro do Centro Integrado de Cultura. Em 1999,
ocorreu a 7ª edição do evento. A Noite da Dança foi idealizada com o objetivo de
valorizar a produção da dança em Florianópolis e divulgar novos valores.
Como não há pré-seleção dos trabalhos e ajuda de custo aos
participantes, apresentam-se basicamente escolas, academias e grupos
amadores. Porém, como a cidade é carente de oportunidades como esta, ou
seja, de uma estrutura organizada que permite que o bailarino suba no palco e
mostre seu trabalho ao público, sempre é possível assistir a trabalhos
interessantes.
b) O Departamento de Educação Física foi criado em outubro de 1997 pela fusão
dos departamentos existentes na época - Departamento de Educação Física,
Departamento de Metodologia Desportiva e Departamento de Recreação e
Prática Desportiva. Sua secretaria situa-se no Bloco 2 do Centro de Desportos e
tem como Chefe o Prof. Manoel Obdúlio Rebelo71.
O DEF desenvolve os seguintes projetos de extensão na área de dança:
- Vidança: Dança e improvisação para a comunidade e grupo Vidança
Existente há dez anos, este projeto permanente oferece duas aulas
semanais de uma hora e meia para acadêmicos da UFSC e comunidade em
geral, e espaço para ensaios da turma de nível avançado - o Grupo Vidança, que
representa a UFSC em eventos do gênero (faz aulas três vezes por semana, uma
hora e meia cada). Aceita integrantes durante o ano inteiro, que devem pagar
uma taxa semestral para freqüentarem as aulas.
Seu objetivo é desenvolver pesquisas em dança improvisação.
Trabalhando com expressão corporal, criatividade, pesquisa temática para
70 A Semana da Cultura é um projeto idealizado pelo DAC para comemorar o dia 5 de novembro - dia Nacional da Cultura. Fazem parte da programação cursos, oficinas, apresentações, debates e conferências sobre um tema relacionado com arte e cultura. 71 Em http:// www.ufsc.br. Acessado em janeiro/2000.
101
construção coreográfica e montagem de espetáculos de dança e ainda, técnicas
de dança moderna, o projeto funciona na sala de dança do CDS (Centro de
Desportos) e é coordenado pelas professoras Luciana Fiamoncini e Maria do
Carmo Saraiva Kunz.
A alta rotatividade de bailarinos na constituição do Grupo Vidança é um
dos fatores que atrapalha na construção de um trabalho vigoroso. Contudo, trata-
se de um importante espaço de experimentação do movimento.
- Dança: Corpo investigativo
Projeto de extensão coordenado e ministrado pela Profa. Ms. Vera Lúcia
Amaral Torres. A idéia é oportunizar o acesso a informações sobre dança, em
especial a dança contemporânea, e constituir um espaço de investigação,
experimentação e criação em dança. O projeto prevê o desenvolvimento das
seguintes atividades: aulas teórico-práticas com técnicas de dança moderna e
contemporânea, estudos de improvisação e composição coreográfica,
apresentação e debate de vídeos sobre dança, workshops e palestras com
professores convidados. Aberto à comunidade, os encontros são semanais - três
dias de uma hora e meia.
Este projeto, de início recente72, foi criado em substituição ao denominado
“Dança Moderna”, que funcionou nos últimos anos da década de 90, e volta-se,
principalmente, à vivência de dança moderna, através de aulas práticas de
técnicas como M. Graham, D. Humphrey, A. Nikolais, além de propor aulas
teóricas sobre história da dança, apresentação de vídeos, exercícios de
composição coreográfica e atividades com diferentes ritmos e estilos musicais.
Este projeto foi criado e desenvolvido por Torres até o momento de sua mudança
à cidade de São Paulo em 1998. Depois de receber o título de Mestre em
Comunicação e Semiótica pela PUC/SP em 2000, Vera retornou à UFSC e à
Florianópolis com ampliada bagagem de conhecimento. A dança local com
certeza se beneficiará da qualificação obtida com a sua titulação.
72 Setembro de 2000.
102
2) A Universidade do Estado de Santa Catarina atua de maneira distinta à
da UFSC na área de dança.
O Centro de Artes (CEART) da UDESC foi fundado em 1985, sendo a
habilitação em Artes Cênicas73 criada em 1986 (Universidade do Estado de Santa
Catarina, 1998). Embora a expressão artes cênicas não faça referência apenas
ao teatro mas igualmente ao circo, à ópera e à dança, o curso é essencialmente
destinado à formação teatral. Suas linhas de pesquisa são espetáculo e
sociedade (temáticas: teatro e comunidade, teatro na escola e prática teatral) e
teoria do teatro (dramaturgia e estética).
A Professora e Chefe do Departamento de Artes Cênicas - Sandra Meyer,
organizou o curso de pós-graduação Especialização em Dança Cênica na
perspectiva de “aproximar aspectos práticos e teóricos e possibilitar abertura de
espaços para desenvolvimento de pesquisas e aperfeiçoamento profissional na
área artística e pedagógica” (A Notícia, 1999: 1).
O curso tem a duração de um ano, com as disciplinas concentradas nos
meses de janeiro, fevereiro e julho. O aluno deve cursar nove disciplinas
obrigatórias - Cinesiologia da dança, Composição coreográfica, Dramaturgia do
movimento, História e estética da dança, Teoria da dança, Técnica da dança
clássica, Técnica da dança moderna, Metodologia do ensino e pesquisa em
dança, Metodologia do ensino da dança; assistir a dois seminários - Novos
escritos em dança e Teoria da cultura em dança; e ainda entregar uma
monografia ao final do curso.
73 Total de créditos e horas:244 créditos/ 3.660 horasDisciplinas:1a fase - Estética e História da Arte/ Fundamentos da Expressão e Comunicação Humana/ Feca-Artes (Cênicas/Desenho/Plástica/Música)/ Metodologia Científica/ Fundamentos da Arte na Educação/ Improvisação Teatral I/ Evolução do Teatro e da Dança I/ Interpretação Teatral I/ Educação Física Curricular I2a fase - Folclore Brasileiro/ Psicologia da Educação/ Improvisação Teatral IIEvolução do Teatro e da Dança II/ Expressão Corporal I/ Interpretação Teatral II/ Educação Física Curricular II3a fase - Sociologia da Educação e da Arte/ Evolução do Teatro e da Dança III/ Interpretação Teatral III/ Expressão Corporal II/ Laboratório de Pesquisa/ Dramática I/ Expressão Vocal I/ Dramaturgia I4a fase - Evolução do Teatro e da Dança IV/ Interpretação Teatral IV/ Expressão Corporal III/ Dramaturgia II/ Expressão Vocal II/ Laboratório de Pesquisa Dramática II/ Teatro na Escola - Estágio I 5a fase - Evolução do Teatro e da Dança V/ Técnicas de Teatro e Dança I/ Expressão Vocal III/ Laboratório de Pesquisa Dramática III/ Estética Teatral I/ Encenação I/ Antropologia da Arte/ Teatro na Educação - Estágio II6a fase - Didática Geral/ Psicologia da Arte/ Técnicas de Teatro e Dança II/ Crítica Teatral I/ Estética Teatral II/ Encenação II/ Cenografia I7a fase - Teatro na Educação - Estágio III/ Cenografia II/ Crítica Teatral II/ Ética, Legislação e Produção Teatral/ Montagem Teatral I8a fase - Montagem Teatral II/ Teatro e Comunidade - Estágio IV/ Metodologia da Pesquisa/ Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus9a fase - Didática e Prática de Ensino em Educação Artística: Artes Cênicas / Trabalho de Conclusão de Curso
103
Nomes como Helena Katz (SP) e Leda Muhana Iannitelli (BA) formam o
quadro de professores, que envolve outros profissionais de qualidade. As linhas
de pesquisa são dança - educação, teoria da dança e práticas corporais.
Embora seja um curso de pós-graduação, a Especialização em Dança
Cênica oferece algumas vagas para profissionais de comprovada atuação na
área de dança que não possuam diploma de graduação. Neste caso, a UDESC
expede certificados de Cursos de Extensão e alarga ainda mais as chances de
‘especializar’ o meio dança.
Segundo Katz (1999a)
foi apenas no século 20 que o estudo acadêmico de dança se separou do de música e de teatro. Foi em 1927 que a dança, enfim, passou a ser reconhecida pelos educadores das faculdades norte-americanas como uma matéria rigorosa e autônoma o suficiente para ser oferecida como uma especialização. Lá, hoje existem mais de 250 departamentos de dança e o grau de doutorado passou a ser oferecido há 30 anos.
Também encabeçado por Sandra Meyer, funciona na UDESC o “Grupo de
Estudos do Corpo nas Artes Cênicas”. Fundado no dia 15 de março de 1999,
busca discutir questões que envolvem o corpo e o movimento no teatro e na
dança. Focaliza os seguintes temas:
- Relações entre corpo/mente: o papel do corpo nos processos que determinam
como o homem conhece e representa. A herança descartiana e kantiana. As
hipóteses das ciências cognitivas a respeito da cognição e da representação, e
das relações entre corpo e mente, mente e cérebro, e as questões da
consciência. Possíveis diálogos destas novas ciências com as artes.
- Diálogos oriente-ocidente: a influências dos sistemas filosóficos (taoísmo,
budismo, zen-budismo) e estéticos (teatro Nô, kabuki, Khathakali, Butoh) do
oriente nas artes cênicas ocidentais no século XX (Merce Cunningham, Jonh
Cage, Jerzy Grotowski, Eugênio Barba, Peter Brook, etc.).
- A dramaturgia no corpo do ator e do bailarino. Formas de narrativa no corpo: do
gestual “expressionista” ao “abstrato”.
- Fronteiras entre arte e ciência: As idéias disseminadas pela termodinâmica,
relatividade, quântica, estruturas dissipativas, física do não-equilíbrio e teorias do
caos nas artes cênicas (Merce Cunningham, Antunes Filho, Bob Wilson, etc).
104
Inspirado no grupo de estudos do Centro de Estudos em Dança74 do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP,
sob coordenação da Profa. Dra. Helena Katz, o grupo liderado por Meyer pode
ajudar a resgatar a dança “do amadorismo explicativo a que sempre esteve
circunscrita - sob a guarda eficiente dos clichês e mitificações”. Essa observação
de Fabiana Britto75, refere-se às “idéias de dança como a ‘linguagem do indizível’,
como ‘linguagem universal’, como ‘algo que vem de dentro’” (Katz et al., 1999:
164).
Para Katz “Quem continua apresentando a dança como a linguagem
universal ou o balé como uma técnica capaz de preparar o corpo para qualquer
tipo de dança está colaborando para a difusão de lendas, não de conceitos
capazes de promover uma investigação a respeito do movimento e da dança
(Katz et al., 1999: 14). O estreitamento da relação universidade-dança só pode
ser benéfico, aumentando as chances de qualificar informações e cessar a
difusão de “lendas”.
“Corpos que Falam”, um projeto pensado e coordenado por Maíra
Spanghero no Centro de Estudos em Dança da PUC/SP em 1999, teve início em
Santa Catarina no ano 2000. O evento consiste em uma série de vídeo-palestras
sobre dança e artes corporais. De caráter informativo e didático, tem como
objetivos: promover a formação de público, divulgar informação, incentivar a
pesquisa, propiciar a formação e qualificação profissional e estimular o trânsito
entre teoria e prática. Pensando principalmente em criar uma oportunidade para a
apresentação pública das pesquisas produzidas pelos alunos da Especialização
em Dança Cênica da UDESC, Jussara Xavier aceitou coordenar o evento em
Florianópolis e Lages.
“Corpos que Falam” acontece mensalmente nestas duas cidades e tem
reunido por vídeo-palestra em Florianópolis um público médio de noventa
pessoas, das mais diversas áreas de atuação profissional.
A pós-graduação em dança cênica da UDESC é uma iniciativa ímpar no
contexto da dança de SC. Além de oferecer subsídios teórico-práticos e reflexões
atualizadas, vem se constituindo num centro de pesquisas, modificando a cena
74 Fundado em 1986. Reúne, entre outros, teóricos da cultura, bailarinos, coreógrafos, professores, atores, críticos, produtores, programadores culturais, músicos, diretores, jornalistas e alunos que partilham do interesse pelo fortalecimento da área de dança enquanto produtora de conhecimento.75 Britto é professora de Teoria da Dança no curso de Especialização em Dança Cênica da UDESC, e doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.
105
da dança em vários municípios, fundamentalmente nas cidades de Florianópolis
e Lages. As monografias recentemente produzidas encontram no evento “Corpos
que Falam” um canal de difusão do conhecimento. Tanto a participação de
profissionais destas cidades no curso quanto a presença das vídeo-palestras
nestes locais, tem ajudado a aumentar a troca de experiências e informações,
numa forma de valorizar a dança destas cidades e incentivar o estudo, a crítica e
a criatividade. A produção artística em dança pode ser ainda mais alimentada no
momento em que estas informações passarem a ser publicadas na forma de
livros e artigos e críticas em periódicos catarinenses.
2.7. Conhecimento especializado produzido na região
2.7.1. Pesquisas acadêmicas, livros e periódicos
Quando mapeamos, neste início de ano 2000, o estado das universidades de dança no mundo, é fácil diagnosticar o nosso lapso de pelo menos cinco décadas em relação à produção acadêmica norte-americana. Este fato tem custado a ausência de algumas centenas de publicações anuais, teses acadêmicas e mais do que isso: a falta de uma prática reflexiva, provavelmente um dos agravantes do estado de indigência da atual política cultural para a dança no Brasil (Greiner, 2000).
As pesquisas acadêmicas em dança produzidas na UFSC, foram
produzidas majoritariamente no curso “Licenciatura em Educação Física”. São
elas (título, autor, ano de produção):
“Dança na educação física escolar: A procura de alternativas”, Luciana
Fiamoncini, 1993
“Levantamento preliminar da situação da dança no município de Florianópolis”,
Margot Philippi Lago, 1993
106
“A improvisação e seu significado na formação infantil: uma experiência no Lar
Recanto do Carinho”, Taís Raquel Ternes, 1996
“O homem que não dança. Dança - Um estudo sobre preconceitos
relacionados ao corpo sob o panorama da sexualidade do movimento e da
sociedade”, Fátima Cristina do Vale Leitão, 1996
“Dança e educação física: Uma visão de academias do curso de educação
física da UFSC”, Goellner Braun, 1997
“Dança Moderna: tendências atuais na cidade de Florianópolis”, Alessandra
Lemos, 1997
“A contribuição da dança nas aquisições de movimento e expressão dos
deficientes visuais”, Elaine Cristina Pereira Lima, 1997
“A influência dos rituais negros africanos nas danças afro-brasileiras e a sua
importância no ambiente escolar, Carlos Luiz Filho Paim, 1997
“Condicionamento físico de bailarinos: Na busca de um entendimento”, Carlos
Gonzaga Euzébio, 1998
“A presença da cultura alemã nas danças, brincadeiras e jogos nas escolas”,
Adriana Nair da Silva, 1998
“Análise do desempenho de praticantes de dança de salão”, Alexandra Kirinus,
1998
“A dança como conteúdo da Educação Física escolar nas séries iniciais (1a a
4a série) da rede municipal de ensino de Florianópolis”, Andressa Silveira
Soares, 1998
“Dança de salão: Alguns aspectos sobre a atuação de seus professores”,
Renata Verani Behr, 1999
Em outros cursos da UFSC encontramos os seguintes estudos sobre
dança:
“A dança: Uma prática na remodelação da elite de Desterro no século XIX”,
Giovana Callado, 1992. Graduação em História.
“Máscara de metamorfose: Representações sociais sobre o corpo masculino
em halterofilistas e bailarinos”, Márcio Pizarro Noronha, 1993. Mestrado em
Antropologia Social.
“Cena 11 Centro de Artes”, Jussara Janning Xavier, 1996. Graduação em
Administração.
107
“Isadora Duncan: Dança, a arte da libertação”, Adriana Schmidt Bolda, 1996.
Graduação em História.
“Dança: esportivizada ou expressiva? - O que pensam os bailarinos de
Florianópolis”, Luciana Fiamoncini, 1996. Especialização em Educação Física
escolar.
“Entre o Camelo e o Leão: a dialética do giro dervixe - Uma etnografia do
Sama - a dança girante dos dervixes da Ordem Sufi Mevlevi”, Giselle Guilhon
Antunes Camargo, 1997. Mestrado em História.
“O movimento do rap em Florianópolis: A ilha da magia é só da Ponte pra lá!”,
Angela Maria de Souza, 1998. Mestrado em Antropologia social.
“A dança Matipú: Corpos, movimentos e comportamentos no ritual xinguano”,
Karin Maria Véras, 2000. Mestrado em Antropologia social.
Na UDESC, listamos as pesquisas produzidas no ano 2000 pela primeira
turma do curso de Especialização em Dança Cênica (título, autor):
“Improvisação em Dança: Um diálogo do Corpo”, Zilá Maria Muniz
“A Cena da Dança: Construção da Dramaturgia”, Ivana Mara Bonomini
“A formação Circular na Dança”, Juliana Santiago Fernandes de Medeiros
“O belo e o movimento: Um estudo sobre dança-educação para pessoas não-
visuais”, Ida Mara Freire
“Corpo cidadão: A construção do ser social através da dança”, Márcia Cristina
da Cruz
“Artes Plásticas e Dança: Uma relação possível”, Alex Sander das Neves dos
Santos
“A dança como integralização e socialização: Um estudo com portadores de
síndrome de down”, Roberta Patrícia Garcia de Almeida Gomes
“Arte de Ensinar a Arte de Dançar: Novas propostas pedagógicas para o curso
de balé da Escola de Artes de Chapecó”, Carla Mombelli
“A dança e as técnicas corporais com a terceira idade: Discutindo uma
sugestão e vivência do corpo e do movimento”, Tânia Regina da Graça Nunes
“Movimento e Dança na Infância”, Regina Gallotti Kohlbeck
“O Figurino: Segunda pele”, Maria Aparecida Cravo Silveira
“Jazz Dance”, Adriana Regina Alcântara
108
“Os corpos que dançam na Escola e seu diálogo com o pensamento
educacional contemporâneo”, Gladistoni dos Santos
“Tempo de brincar”, Maria Carmen Borba Orofino
“Relação entre Professor e Aluno de balé”, Maria Cristina Flores Fragoso
“Dança com Portadores de Deficiência Física e LIMITES Cia de Dança”,
Annelise Sella Paranzini
“Grupos de dança de Florianópolis: Estratégias (mercadológicas) de
sobrevivência”, Jussara Janning Xavier
Além destas, encontramos nesta instituição somente uma produção em
dança: “Tendências corporais do século XX e o Tanztheater de Pina Bausch”.
Esta pesquisa foi realizada durante a “Especialização em Metodologia do ensino
das técnicas teatrais: a formação do ator” no ano de 1997. É de autoria de Maria
Aparecida Cravo Silveira, que também foi aluna da Especialização em Dança
Cênica.
Foram três os livros editados em Florianópolis que encontramos em nossa
pesquisa. O mais antigo deles (1990), publicado pela UFSC em co-edição com a
Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, é o livro “Danças folclóricas da ilha
de Santa Catarina”, escrito e organizado por Ivete Ouriques Quint, Marisa Gularte
e Marize Amorim Lopes.
Sandra Meyer Nunes publicou, em 1994, “A dança cênica em
Florianópolis”, através da Fundação Franklin Cascaes (série “Cadernos de cultura
e educação”). O livro é um resgate histórico da dança cênica em Florianópolis.
Traz observações sobre os primeiros construtores e as primeiras escolas (desde
1950) e o surgimento dos grupos de dança desta cidade (década de 80), suas
propostas, trabalhos realizados, premiações obtidas e integrantes.
“Improvisação e dança: Conteúdos para a dança na educação física” foi
elaborado em conjunto por Andresa Soares, Cibeli Girardi Andrade, Elaine
Cristina Souza e Maria do Carmo Saraiva Kunz e publicado pela UFSC -
Imprensa Universitária no ano de 1998. Didático, apresenta a improvisação na
dança como um dos componentes da Educação Física. Cita exemplos e analisa
as experiências de improvisação realizadas no contexto escolar, além de
descrever a dança e salientar sua importância e abordagens na Educação Física.
109
Pesquisando os periódicos publicados em Florianópolis (jornais e revistas),
não encontramos algum que apresentasse uma seção especial sobre dança.
Dois jornais destacam-se por trazerem informações restritas ao campo
cultural: Ô Catarina! e Fala Bernunça. “Ô Catarina!” é uma publicação bimestral
da Fundação Catarinense de Cultura76. Criado em 1992, traz debates, artigos e
ensaios sobre questões culturais em geral (como política cultural, educação &
cultura, jornalismo cultural). Cada edição contempla um assunto central e alguns
complementares. Ocasionalmente, são publicadas edições especiais sobre um
tema e/ou uma personalidade local que está em evidência. Já “Fala Bernunça” é
o título do jornal semestral da Fundação Franklin Cascaes, criado no ano de
1993. Trata-se de um informativo que divulga e reflete os eventos e ações
promovidas por esta fundação municipal de cultura. Estes dois jornais são
distribuídos gratuitamente, basicamente em Santa Catarina, sendo alguns
exemplares enviados a escritores, artistas, secretarias e fundações de cultura de
outros estados do Brasil.
Dois são os jornais publicados diariamente na cidade, e ambos têm como
linha editorial assuntos de utilidade pública (política, esportes, economia, polícia,
variedades). São eles:
- Diário Catarinense (DC). Editor chefe: Claudio Thomas. Ano de criação: 1986.
Circulação: Nacional
- O Estado. Ano de criação: 1915. Circulação: Grande Florianópolis
Encontramos ainda o “Jornal da UFSC - JU”. Criado em 1978 e dirigido
atualmente por Moacir Loth, aborda temas de interesse público. Sua
periodicidade é quinzenal e tem distribuição gratuita. Além da circulação
institucional (UFSC), é enviado a assinantes (outras universidades, instituições de
pesquisa, professores, trabalhadores) por todo o Brasil.
São duas as revistas publicadas em Florianópolis:
- Mares do Sul: Criada no inverno de 1994, traz roteiros de turismo e aventura na
região Sul. Sua periodicidade é bimestral e tem circulação nacional.
- Benvenutti (A cara de Santa Catarina): Revista mensal iniciada em 99, é
especializada em assuntos de coluna social. Circula basicamente em SC.
76 Lei no 8.564 de 15/04/92, publicada no Diário Oficial no 14.427 de 23/04/92.
110
Em um debate sobre jornalismo cultural publicado pelo jornal da Fundação
Catarinense de Cultura (Ô Catarina!, 1999), detectamos algumas críticas de
artistas e produtores: pouca cobertura dada pela mídia local à produção artística
do Estado de Santa Catarina, concomitantemente ao espaço generoso aberto às
produções de outros estados ou aos “eventos locais de qualidade duvidosa”;
carência de críticos especializados; falta de informação por parte dos jornalistas
que cobrem o setor sobre arte e artistas catarinenses; pouco investimento em
cobertura cultural.
No referido debate participaram representantes de jornais locais com
grande circulação em Florianópolis. Claudio Thomas, editor do jornal Diário
Catarinense, afirma que o “DC acabou com seu suplemento mensal de cultura
por uma questão econômica”. Que o “Diário da Cultura” foi extinto devido “à
situação econômica do país. Infelizmente, pelo menos dentro dos jornais, cultura
não consegue patrocínios”. E ainda, “O maior índice de leitura é o caderno de
Variedades, por causa do horóscopo, da coluna social e da televisão”. Já Carlos
Damião, poeta e editor de opinião do jornal “O Estado”, declara que os jornais
locais “têm dado uma cobertura correta ao noticiário cultural. [...] não acredito que
os jornais estejam ausentes da cobertura. Eles estão ausentes se considerarmos
outra perspectiva, mais profunda e abrangente, mas neste caso está envolvida a
questão econômica”. Ao mesmo tempo, esclarece que há “uma dificuldade para
definir o que é bom, o que merece ser divulgado, o que tem abrangência e cative
o leitor”.
Finalmente, a editora do “AN Capital” e ex-editora do “Anexo” (dois
cadernos que compõem o jornal “A Notícia”77), Néri Pedroso, considera que estes
problemas vão além da questão mercadológica “que pode ser demasiadamente
simplificadora, há a modificação do hábito da leitura. [...] o leitor também dilui
suas leituras e, hoje, não está mais interessado em decifrar verdadeiros tratados,
análises profundas acerca de um livro ou exposição” (Ô Catarina!, 1999). No
jornal “A Notícia” a cultura é, desde 1994, tratada no suplemento "Anexo" que é
dedicado às artes e espetáculos. Além da cobertura factual, dá espaço para
análise e crítica no universo da cultura através de textos de colaboradores
especializados em várias áreas, inclusive na dança. Mesmo que tais
77 O jornal “A Notícia” é publicado na cidade de Joinville (SC) desde 1923. Circula diariamente no Estado de SC e tem grande penetração em Florianópolis. Aborda assuntos de interesse geral.
111
colaborações não ocorram freqüentemente, isto o torna (entre os jornais de maior
circulação na capital) o único capaz de reconhecer que, para primar pela
qualidade da informação, há necessidade de recorrer a pessoas competentes
nas diversas áreas de trabalho.
Cabe observar que a crítica de cultura
Em sentido amplo, designa a prática reiterada de análise da produção cultural; nesta acepção, a crítica não é valorativa (não se propõe especificamente a julgar um produto, a considerá-lo bom ou mau) mas compreensiva e situacional: procura compreender a gênese de determinada obra e situá-la no contexto da linguagem a que pertence a obra em estudo (se obra de cinema, teatral, literária, etc.) e no âmbito maior do processo cultural geral de uma época e local (Coelho, 1997: 102).
Falando sobre a inexistência de críticos especializados nos jornais
impressos, Thomas afirma que “a própria mão-de-obra de que dispomos é
carente neste sentido. A juvenilização das redações fez com que os jornais
perdessem a capacidade de criticar. Falta gente de cabelo branco, que
represente a experiência, a leitura, a vivência, o conhecimento do passado”.
Consideramos que muito mais do que um problema relacionado à idade, o ato de
criticar está ligado ao hábito e empenho com a investigação e o estudo. Este
problema também foi atribuído a questões financeiras, “é preciso ter profissionais
qualificados e isso implica custos” (Ô Catarina!, 1999).
A situação da dança não é diferente de outras áreas artístico-culturais. A
divulgação dos espetáculos e eventos de dança dos grupos/artistas locais recebe
um tratamento marginal pela mídia, limitada a noticiar o evento reproduzindo o
texto enviado pelo próprio grupo/artista, ou seja, é manifesta a ausência de
reflexão, aprofundamento e crítica. Além disto, cada grupo/artista deve realizar a
assessoria de imprensa, caso contrário, será muito difícil que seu/sua
espetáculo/ação venha a ser anunciado nos jornais e faça parte do circuito de
eventos da cidade. A falta de jornalistas preocupados em buscar informações
sobre os acontecimentos de dança, faz com que o mesmo tratamento e espaço
seja dado a todos, sem uma distinção entre aquilo que merece maior ou menor
destaque. Comentários pós-evento jamais são feitos, reforçando a necessidade
de críticos de dança.
112
É útil observar que, com a ausência de críticos existe uma maior
dificuldade dos grupos de dança em despertar o interesse do público por seus
espetáculos, bem como de outros meios de comunicação em noticiar e cobrir o
evento, já que existe uma grande “capacidade de trânsito da informação de uma
mídia a outra, acompanhada de leves modificações na aparência”. Pois “as
mídias tendem a se engendrar como redes que se interligam, e, nessas redes,
cada mídia particular tem uma função que lhe é específica” (Santaella, 1996: 36-
38).
Para os envolvidos com dança que têm como objetivo a obtenção de
patrocínio, a mídia exerce um outro papel, além daquele de divulgar o trabalho:
constitui-se como uma rica fonte de informação sobre potenciais patrocinadores.
Além de cadernos e seções de artes dos jornais e revistas, “como um captador
de patrocínio, você vai precisar ler também os cadernos e seções de economia,
negócios, marketing e, principalmente, as publicações especializadas em
comunicação empresarial e patrocínio cultural [...]. Sem falar na possibilidade de
pesquisar sites empresariais na Internet. Nestas mídias você poderá encontrar
desde informações de mercado, que abrem oportunidades para patrocínios, até a
própria revelação da diretriz de patrocínio de marcas” (Marketing Cultural, 1998b:
12).
Normalmente, quando um produtor de dança recebe um patrocínio ou
apoio, assume como contrapartida o compromisso de citar o nome da empresa
em matérias jornalísticas. O desafio a ser enfrentado é fazer com que isto
aconteça, pois a imprensa brasileira resiste em conceder espaço aos
patrocinadores. Durante o seminário “Patrocínio Cultural - um desafio para a
imprensa”, constatou-se que é tênue e polêmica “a linha que separa o comercial
do editorial”; e que “o segredo é manter a independência nas matérias, mesmo
citando as empresas” (Marketing Cultural, 1998c).
Uma das estratégias possíveis para desenvolver o que sequer pode ser
considerado embrionário, no contexto aqui descrito, está numa parceria entre
empresas públicas (fundações de cultura) e privadas (jornais, revistas, editoras)
com as universidades. A universidade, produtora de saberes, tem o potencial
para reunir informação e fornecer subsídios capazes de irrigar e renovar a
atuação destas entidades. A carência de informação sobre o setor de dança
113
torna-se um fator que contribui para a ineficiência deste mercado. Sem
conhecimento especializado não é possível fortalecer o setor nem planejar
políticas culturais acertadas.
114
3. POLÍTICA DA DANÇA: UMA PROPOSTA PARA FLORIANÓPOLIS
Nesta etapa consideramos proveitoso apontar questões a serem pensadas
e desenvolvidas pelos interessados em política da dança. Não se trata de
enumerar projetos ou elaborar uma programação para a área condizente com a
realidade de Florianópolis (ainda que isto seja absolutamente necessário), mas
de apresentar uma visão que nos ajude a esclarecer e analisar todos os
problemas entrevistos. Para tanto, recorremos as observações do francês Edgar
Morin que propõe a complexidade como princípio norteador do conhecimento e
sugere uma reforma do pensamento, oferecendo uma possibilidade de construir
uma sociedade mais responsável.
A primeira atitude de qualquer organização séria e empenhada com sua
própria sobrevivência é a de refletir sobre si mesma: o que eu sou? O que eu
quero? Como faço para chegar lá? Morin (2000: 37) ensina que “todo
conhecimento para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto. ‘Quem somos
nós?’ é inseparável de ‘Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?’”.
Assim, quando se investiga a fundo a questão do ‘quem somos’, ‘qual o
meu/nosso papel’, revela-se uma dependência em relação ao meio em que se
habita e, de certa maneira, às pessoas e coisas que nele co-habitam. Logo, ao se
tentar descobrir e entender em profundidade uma coisa chega-se, normalmente,
ao seu entorno.
Para compreender o Grupo Cena 11 não basta olhar para o Grupo Cena
11 em si mesmo (uma entidade/totalidade abstrata e/ou suas partes - o
coreógrafo Alejandro, a cantora Hedra, o bailarino Anderson, a coreografia
“Violência”, etc. etc. -, conforme o ângulo que se escolha analisar). Também é
necessário dirigir-se ao mundo da dança da cidade de Florianópolis que, por sua
vez, insere-se no do Estado de Santa Catarina e, mais amplamente, no Brasil,
que está na América Latina, que..., levando em conta as questões que cada parte
impõe. Como diz Morin, “todos os problemas particulares só podem ser
posicionados e pensados corretamente em seus contextos; e o próprio contexto
desses problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto planetário”
(2000: 14).
O perigo é perceber-se como auto-suficiente negligenciando sua ligação
com o meio e, da mesma maneira, com o outro.
Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo (Morin, 2000: 14).
Cada organização (pessoa, grupo de dança, órgão representativo de
classe, empresa pública ou privada) possui certo entendimento sobre sua
constituição e seu propósito e, para permanecer, opera a partir de estratégias de
sobrevivência que podem ter se desenvolvido explicitamente, por meio de um
processo de planejamento, ou implicitamente, através das atividades exercidas e
meios empregados. No caso dos habitantes de Florianópolis aqui estudados,
usualmente, estes planos existem implicitamente e são assinalados pela
instantaneidade, ou seja, elaborados de acordo com as necessidades de cada
momento. Como um jogo de ação e reação, não um planejamento propriamente
dito. Isto ocorre, em grande dose, devido a um desinteresse em conhecer o
próprio ambiente de atuação. Dado que cada um atua a partir da máxima “eu me
basto”, é bastante comum um choque de objetivos que acaba por derrubar as
possibilidades de construção que nascem quando existe um reconhecimento e
acordo comum, trazendo, em si mesmas, maiores chances de sucesso para as
partes, principalmente a longo prazo. Neste mercado, opera uma diminuição na
maneira de perceber a si mesmo e, em conseqüência, o outro.
Isto explica, em grande parte, porque não existe uma política cultural em
Florianópolis. Atuar através de programas prontos, comportamentos
automatizados, atividades isoladas de seu contexto, não responde à configuração
de uma organização que se queira atual. Vamos aos exemplos. Os grupos de
dança insistem em dizer que fazem aula de balé clássico para preparar-se
tecnicamente porque as grandes companhias o fazem, ou seja, seguindo uma
fórmula que deu certo, sem se perguntar o porquê e investigar se este é
realmente o melhor caminho para produzir a dança que desejam apresentar.
Também insistem em não computar uma pessoa capaz de elaborar e vender
projetos de patrocínio e espetáculos como membro indispensável do grupo.
116
Bailarinos, coreógrafos e professores resistem ao estudo e investigação,
descolam o fazer do pensar (e saem fazendo/pensando qualquer coisa). Os
administradores de cultura demonstram desconhecimento em relação ao seu
campo de atuação: administração, cultura, artes. São apáticos e satisfeitos com o
seu saber, costumam subestimar os artistas. Enfim, onde domina a redução no
jeito de apreender e perceber o real, há uma configuração que não responde às
expectativas de uma política que se diga cultural e, portanto, que promova a
integração entre as mais diversas partes de um sistema.
Não apenas nos órgãos públicos de cultura, mas também nos grupos de
dança e órgãos representativos da classe (não esqueçamos as pessoas, já que
estamos falando de conjuntos formados, também, por indivíduos) verificamos
uma forte tendência ao fechamento, onde cada um julga que deve apenas
responsabilizar-se por sua tarefa. Tal fragmentação debilita uma percepção
global que, por sua vez, “leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade
[...], bem como ao enfraquecimento da solidariedade – ninguém mais preserva
seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos” (Morin, 2000: 18).
Se os grupos de dança da cidade vissem na APRODANÇA a sua
representação, a associação seria ainda mais atuante e o benefício colhido pelos
grupos, maior. Ao mesmo tempo, os espaços públicos da cidade (universidades,
fundações de cultura, teatros) não são identificados como algo a ser usufruído,
ao contrário, são vistos mais como estranhos e, muitas vezes, como inimigos78.
Não existe uma articulação das fundações públicas de cultura, seja em nível
vertical (entre a municipal, estadual e nacional e ainda os órgãos internacionais)
como no sentido horizontal (as fundações municipais ou estaduais entre si).
Mesmo dentro das organizações, é bastante comum encontrar pessoas que nada
sabem informar sobre o empreendimento, a não ser sobre seu fazer em sentido
bastante limitado. O governo dispõe de um instrumento como as leis de incentivo
à cultura, e seus maiores beneficiários, artistas e empresas, não sabem como
utilizá-las. Quando uma companhia de dança de outra localidade vem apresentar-
se na cidade, quantos profissionais vão assistir ou ajudam a divulgar o
espetáculo? Esquecem que incentivar o público a ver dança é conquistar platéia
para si mesmo. Da mesma maneira, devem lembrar que assistir uma palestra 78 A FFC foi acusada pelo Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis de não cumprir seu papel de órgão público gestor de cultura e fomentar a arte e artistas local, mas sim de atuar como uma produtora de eventos, competindo por patrocinadores e dificultando as iniciativas de terceiros.
117
sobre dança ajuda a amadurecer o próprio trabalho, pois se todo fazer está
comprometido com um pensar, a reflexão só pode colaborar com os
entendimentos sobre o mundo e, consequentemente, sobre dança e modos de
coreografar, por exemplo.
Parece que, em Florianópolis, os atores que compõem o ambiente da
dança apesar de coexistirem, não se comunicam. Há um retalhamento, ou seja,
cada coisa (leia-se pessoa, instituição, grupo) opera de modo isolado e não
consegue apreender aquilo ’que é tecido junto’. Tomando ainda o Cena 11 como
exemplo, podemos caracterizá-lo como uma combinação de profissionais (cada
um perito naquilo que faz) que juntam-se para dançar, para criar espetáculos de
dança. Neste processo de criação, cada parte trabalha conectada à outra através
de um conceito-guia, o qual permeia a obra. Mas isto não basta para o Cena 11
ser Cena 11, é também preciso um espaço para aulas e ensaios, dinheiro para
pagar os profissionais envolvidos, elaborar o cenário e figurino, conseguir um
lugar para apresentar a produção, cuidar da divulgação para que haja público,
etc. Cada ação abrange contatos de natureza diversa (com coisas e pessoas). Se
mostrar uma coreografia em Florianópolis já é complicado, imagine mostrar a
coreografia por/para todo o mundo. Não só em termos quantitativos o problema
se amplia, como há aí o envolvimento de uma série de questões que englobam
aspectos econômicos, políticos, sociológicos e psicológicos, entre outros.
Perceber os componentes que formam um todo como inseparáveis,
interdependentes e interativos é deparar-se com o desafio da complexidade. Para
Morin (2000: 15), “quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais
impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o
complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável”.
É por ignorar o contexto e a complexidade que o suporta, que muitas
organizações sucumbem ou gastam seus esforços com planos estéreis. Muitas
questões são tratadas sem levar em conta os muitos aspectos que envolvem e
assim, aparentes soluções só servem para perpetuar problemas que, a longo
prazo, se agravam. Neste sentido, é bastante comum acreditar que a resolução
econômica resolveria todos os problemas. Pedro Braz exemplifica bem esta
redução: “Transformaram a discussão sobre orçamento e financiamento à cultura
118
numa questão técnica, quando ela é, isto sim, social e política” (Paes, 1999b).
Adverte Morin:
A falta de investimentos intelectuais, o ramerrão da política míope do dia-a-dia, o reinado do pensamento parcelar tornam invisíveis os gigantescos desafios. Tudo isso alimenta a impotência de uma política em que o dia-a-dia aumenta a impotência e a impotência aumenta o dia-a-dia. Um círculo vicioso (Morin e Nair, 1997:24).
Criar uma alternativa política de avanço implica necessariamente em
compreender o conjunto das contradições presentes no ambiente. Só assim não
se criariam soluções aparentemente eficazes na resolução de alguns problemas
menores e imediatos, porém agravadores de outros, mais fundamentais. Buscar
acabar com as falsas soluções que habitam grandemente a história é encarar o
problema da complexidade (Pena-Vega e Nascimento, 1999: 28).
A palavra complexo é originada do latim complexus: “o que é tecido junto”
(Morin, 2000: 89), indicando algo que abrange muitos elementos ou partes, quer
dizer, um conjunto de coisas, que têm qualquer ligação ou nexo entre si. Desta
maneira a idéia de ‘tecido junto’ designa um entrelaçamento de partes que
formam um todo e assim, cada coisa é ao mesmo tempo parte e todo.
Recorremos ao princípio de Pascal citado por Morin (2000: 88):
Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes.
É importante então, prestar atenção nesta ocorrência - “as relações de
reciprocidade todo/partes: como uma modificação local repercute sobre o todo e
como uma modificação do todo repercute sobre as partes” (Morin, 2000: 25). A
ligação que há faz com que uma parte alimente a outra, o que nos ajuda a pensar
as coisas em movimento, como de fato o são. Por aí entende-se como as
conquistas do Cena 11 fazem com que outros grupos busquem a
profissionalização; como o fechamento de escolas e academias de dança diminui
o número de alunos e grupos de dança e de público; como a falta de patrocínio, o
alto custo de turnês, a taxa de aluguel cobrada pelos teatros, inibe a produção de
119
espetáculos; como as crises econômicas afetam as fundações de cultura; como a
falta de conhecimento e estudo gera incompetência, enfim, incontáveis hipóteses
podem ser levantadas.
Este é um tipo de compreensão que esforça-se para unir, mas é útil
advertir: realizando diferenciações e não confusões. Trata-se de respeitar a
singularidade de cada fato e contextualizá-lo, o que só é possível quando existe
conhecimento. Políticas públicas preparadas a partir de pouco conhecimento do
meio a que se dirige não funcionam porque, em primeiro lugar, enganam-se ao
representar uma situação. Muitas vezes concentram a ação cultural em apenas
um dos domínios do processo - produção, distribuição, troca e uso79 -, negligência
que geralmente desperdiça esforços e recursos. Segundo Coelho (2000: 130-
131),
não são raros os casos de políticas culturais que se detêm numa única dessas fases, geralmente a primeira, por descuido ou intenção deliberada. [...] não tentar desde o início, inconsciente ou deliberadamente, abarcar os quatro movimentos é condenar a política cultural a seu fracasso inevitável num curto prazo. [...] Política cultural não sistêmica é pura retórica.
É importante reconhecer a falta de especialização (não no sentido de
restrição, mas como diferenciação) de alguns elementos desta cidade que,
conforme já dissemos, reflete-se em cada parte e no todo do ambiente. É preciso
estudo e aprofundamento, para que cada um domine a habilidade própria de sua
função - no setor público, onde o investimento em recursos humanos é pequeno
ou habita as escolhas por interesse, principalmente nos chamados “cargos de
confiança”, aos quais são conferidos maior poder de decisão; nos grupos, em
especial no que diz respeito à elaboração de projetos e captação de patrocínio (e
uma pessoa encarregada de tal tarefa é hoje tão essencial quanto um bailarino);
entre professores de dança e jornalistas que escrevem sobre o assunto - todos
precisam aperfeiçoar-se a tal ponto de serem reconhecidos por seu vigor e
singularidade. Se cada parte trabalha para ser ‘especial’, ajuda o ambiente a ficar
distinto. Há também que incitar a aptidão para a crítica e autocrítica, o
entendimento sobre os acontecimentos vivenciados deve ser continuamente
regenerado.
79 Ações que formam o “sistema de produção cultural”, já explicadas no primeiro capítulo deste trabalho.
120
Para Morin, o antídoto contra o fechamento e imobilismo são os abalos e
as revoltas que, por acaso, provocam encontros e trocas que permitem a
algo/alguém disseminar uma semente da qual nascerá algo novo (2000: 109).
Assim nasceu o Fórum de Artistas e Produtores Culturais de Florianópolis: de um
grande descontentamento e enorme indignação com a direção do órgão público
gestor de cultura de Florianópolis. Forças que, juntas, operam mudanças. E,
neste sentido, a consciência e o sentimento do pertencer são vitais. Exemplifica
Morin: “Se vejo uma criança em prantos, vou compreendê-la não pela medição
do grau de salinidade de suas lágrimas, mas por identificá-la comigo e identificar-
me com ela. A compreensão, sempre intersubjetiva, necessita de abertura e
generosidade” (2000: 93).
A troca e cooperação são possíveis onde as partes compartilham atributos,
projetos, interesses. Se isso não ocorre, algumas circunstâncias podem ajudar a
romper o isolamento, como a circulação de conceitos, as invasões e
interferências e a complexificação do trabalho (Morin, 2000: 112). Salientamos
que as universidades vêm contribuindo em grande escala para um aumento de
trocas de informação, gerando uma mudança de comportamento importante ao
desenvolvimento da dança. As idéias que difundem, conectadas com discussões
de outros centros culturais, têm ajudado a oxigenar a produção de dança local.
Morin insiste em uma “reforma do pensamento”, acentuando que algumas
reformas (poderíamos citar a desburocratização das instituições públicas) “não
passam de reformazinhas que camuflam ainda mais a necessidade da reforma
do pensamento”. Para ele não é possível reformar uma instituição sem prévia
reforma das mentes, bem como não é possível reformar as mentes sem uma
prévia reforma das instituições. Como já foi dito, existe um circuito entre as
coisas, onde uma produz a outra, ou seja, qualquer intervenção que modifique
um de seus termos tende a provocar uma modificação na outra. Com efeito, é
preciso começar por alguma parte (2000: 99).
A falta de compromisso é a grande dificuldade das organizações. “Na
verdade, não existem objetivos de uma organização; existem, isto sim, objetivos
das pessoas que nela trabalham. Portanto, é da negociação de objetivos
individuais que se chega a um consenso de propósitos coletivos válidos para a
organização” (Cobra, 1995: 32). Há de se incitar uma reflexão sobre os próprios
121
interesses e objetivos, que como afirmamos, faz chegar no outro, aumentando as
chances de comunicação e envolvimento, o senso de responsabilidade.
A aptidão reflexiva do ser humano, que o torna capaz de considerar-se a si mesmo, ao se desdobrar [...], deveria ser encorajada e estimulada em todos. [...] Trata-se de exemplificar constantemente como o egocentrismo autojustificador e a transformação do outro em bode expiatório levam a essa ilusão, e como concorrem para isso as seleções da memória que eliminam o que nos incomoda e embelezam o que nos favorece (Morin, 2000: 53).
A proposta aqui colocada é a de uma abertura a idéias e hipóteses novas,
um olhar de descoberta, o exercício de pensar ligando o que está isolado, capaz
de diferenciação e diálogo. Em situação de incerteza e de complexidade os atos
programados, fixados a priori e não modificáveis, devem ser substituídos por
estratégias que encorajem o pensamento e a criatividade.
O poder público deve incitar e dar fôlego a empreendimentos de terceiros,
procurar possibilidades de uma “política que magnetize, suscite, estimule e deixe
espaço à iniciativa individual” e, acrescentamos, grupais (Morin e Nair, 1997:162).
Não cabe ao Estado um papel diretivo que, tampouco, é a única fonte de todos
os direitos e a resposta a todas as necessidades do meio e seus habitantes.
Deve permitir e dar meios para a livre iniciativa e a livre associação, abrindo vias
de acesso e comunicação e incitando parcerias da dança com variadas
organizações da sociedade civil. Já as associações de classe e os indivíduos
cumprem relevante papel ao buscar ligar iniciativas dispersas. O enfoque seria o
de promover uma política que, em maior medida, promova a integração.
A deficiência de visão de conjunto não permite a elaboração de estratégias
que provoquem mudanças e ajustes e mais ainda, veta a capacidade de
reconhecer-se no outro e ser reconhecido pelo meio. Coelho (2000:139)
concorda que é “é gigantesca a mútua ignorância do que se faz e se pode fazer
nas diferentes cidades, regiões, países e entidades supranacionais, assim como
é assombroso o desconhecimento do que está disponível já e do que pode ser
feito daqui a pouco”.
É necessário que a dança, a arte, e mais amplamente, a cultura, sejam
vistas como esfera aliada nas discussões de educação, economia, política,
122
problemas sociais, etc., pois há uma articulação entre estes termos que ainda
não vem sendo devidamente levada em consideração. Infelizmente,
A arte, domínio da razão sensível, continua sendo vista como apêndice do corpo social, algo que se reconhece existir, que talvez cumpra alguma função que não se sabe bem qual seja e que pode ser eliminado cirurgicamente sem que qualquer mal visível daí advenha para o corpo de onde foi retirado. [...] não há lugar para a arte na sociedade brasileira (Coelho, 2000: 115).
Quando o que está em jogo é o desenvolvimento, não se pode esquecer
que a base de construção é o homem e quando o sentimento de comunidade não
existe, todo o resto se corrompe. Afinal, qual o papel da dança, da arte, senão o
de estreitar o relacionamento entre os homens e do homem consigo mesmo?
Escutemos o alerta de Morin, insistindo na necessidade de reintroduzir o ser
humano como meio, fim, objeto e sujeito de toda política. (Morin e Nair, 1997:26).
3.1. Rio de Janeiro, uma referência
Ao se falar e pensar em políticas públicas para a dança no Brasil, a cidade
do Rio de Janeiro surge, senão como um modelo mas, no mínimo, como um
exemplo a ser considerado. Nos últimos anos, a dança do Rio de Janeiro
revitalizou-se, graças à atuação de Helena Severo, atual ex Secretária Municipal
de Cultura do Rio de Janeiro mas, que a comandou de 1992 à 1999, e que lá
exerceu um papel importante e singular neste contexto. Pela qualidade de sua
ação e personalidade, Helena Severo recebeu, no ano de 1995, o Troféu
Mambembe de Dança da FUNARTE, prêmio de “Menção honrosa”.
Maria Júlia V. Pinheiro, Diretora de Projetos do Instituto Municipal de Arte e
Cultura – RioArte, repassou dados e informações80 sobre as ações destinadas à
dança que vêm sendo desenvolvidos nos últimos anos pela Prefeitura.
A política global deste governo de democratização da arte e formação de
platéia, inclui o apoio a companhias de dança cariocas através de suporte
financeiro anual a ser utilizado na infra-estrutura, ensaios, workshops e produção
de seus espetáculos. Foi a partir de 1995 que a Secretaria Municipal de Cultura
80 Via correio eletrônico, em 5 de setembro de 2000.
123
do Rio de Janeiro passou a subvencionar grupos de dança contemporânea da
cidade, escolhendo as companhias de Deborah Colker (que deixou de contar
com este subsídio já que recebe um patrocínio de quase R$ 1 milhão por ano da
BR Distribuidora81), Regina Miranda e Carlota Portela. Mais tarde passaram a
receber apoio as de Lia Rodrigues, Márcia Milhazes e Rubens Barbot e, em
1998, as companhias de Paulo Caldas (Staccato) e João Saldanha (Atelier de
Coreografia). No ano 2000 o apoio atingiu onze companhias, com a inclusão de
outras quatro: Andréa Maciel, Cia Aérea de Dança, Paula Nestorov e Renato
Vieira82. O projeto denominado “Apoio às companhias de dança do Rio de
Janeiro” se desenvolve da seguinte maneira: a companhia é selecionada pela
Secretaria Municipal de Cultura, com assessoria do RioArte, mediante sua
produção, estabilidade e trabalhos apresentados na cidade; a Secretaria define
junto ao RioArte o valor financeiro do apoio a ser dado; o RioArte desdobra este
valor em prestações mensais ao longo do ano; a companhia apoiada assina um
contrato com o RioArte e em contrapartida, se obriga a realizar uma série de
ações como apresentações, ensaios abertos, workshops em áreas carentes
(escolas ou comunidades), palestras, a difundir o nome da Prefeitura em suas
divulgações, utilizando os nomes e logomarcas das Instituições Municipais e no
final do período de apoio, apresentar um relatório contendo todas as atividades
realizadas, acompanhado de um clipping; na etapa final o RioArte elabora um
relatório de avaliação.
A queixa ou o argumento mais freqüente quando se questiona a ausência
de uma política pública voltada à dança (bem como artes em geral) é a privação
de verbas. Através de entrevista83 pessoal, Helena Severo relatou como foi a
façanha de patrocinar companhias do Rio de Janeiro.
“Esse processo começou de uma forma não tão articulada, eu te confesso que existia um desejo de apoiar o movimento de dança, apoiar as companhias de uma forma estável, de maneira que as companhias conseguissem sobreviver durante o ano inteiro. Partiu daí a idéia de formular uma política e essa política está centrada exatamente na impossibilidade de você formar um movimento conseqüente em relação a dança porque as companhias não podem sobreviver durante o ano inteiro. A dança tem características muito próprias, é uma ação, é um segmento
81 Katz: 2000b.82 Em http://www.rio.rj.gov.br/rioarte. Acessado 24/01/2001.83 São Paulo, 22/08/2000.
124
da produção cultural que tem suas peculiaridades. O bailarino, por exemplo, tem que se exercitar, ele tem uma necessidade de trabalhar o corpo, ele tem uma vida, digamos assim, a vida profissional dele, o tempo, ele tem uma duração limitada pela própria idade, então há uma necessidade fundamental para que as companhias sobrevivam, para que as companhias possam apresentar de fato um trabalho, consolidarem um trabalho, eles têm a necessidade de ter um mínimo de condições de se manterem durante todo o ano, e daí então, quer dizer, partindo dessa hipótese, nós propusemos apoiar inicialmente três companhias que foi a Deborah Colker, a Regina Miranda e a Carlota Portela, e o resultado do trabalho foi um resultado muito satisfatório porque nós observamos que a partir do momento que a companhia tem uma certa tranqüilidade para desenvolver o trabalho, este trabalho de criação se amplia imensamente, os coreógrafos podem de fato trabalhar suas companhias, trabalhar suas coreografias, trabalhar suas propostas e isso se revelou verdadeiro já a partir do primeiro momento com esse apoio que nós demos para estas três companhias. Então num segundo momento nos começamos... partimos para ampliar esse apoio e quando eu saí da Secretaria nós já estávamos apoiando oito companhias. Este foi o primeiro segmento, digamos assim, dessa política em relação à dança.”
A Secretaria Municipal de Cultura criou, em 95, o “Programa de Bolsas
RioArte”, com o objetivo de favorecer o desenvolvimento da criação e da
pesquisa cultural. O Programa seleciona a cada ano vinte e cinco projetos para
receber a quantia mensal de mil e quinhentos reais (R$1.500,00) de seis a doze
meses, dependendo da extensão da pesquisa. A dança é um dos segmentos
englobados pelo Programa. O número de bolsistas em cada área depende da
qualidade dos trabalhos apresentados, ou seja, a distribuição do número de
bolsas não é, necessariamente, uniforme para todas as áreas84. Outra forma de
incentivo à dança são os projetos aprovados pela Comissão Carioca de Cultura,
que recebem incentivos através da Lei 1940/92.
De acordo com Helena, a segunda vertente na instituição de uma política
municipal voltada à dança estava relacionada
“à necessidade de coletarmos dados, de termos uma espécie de banco de dados em relação ao movimento de dança no Brasil. Nós começamos,
84 Os bolsistas na área de dança foram os seguintes:- 1995: Alexandre Franco (título do projeto: Esculpir) e Márcia Milhazes (Projeto Artístico de Criação e Pesquisa no Campo da Dança Contemporânea). - 1996: Fábio Mello (Itaipú), Paulo Caldas (Escritura de movimento do cinematográfico ao coreográfico) e Suzana Braga (Tatiana Leskova - 50 anos de Brasil). - 1997: Eduarda Maia (Chego Já), Maria Luisa Noronha (Ballet do Rio de Janeiro - Um Solo na História da Dança do Brasil) e Márcia Rubin (A Palavra e o Movimento). - 1998: Adriana Pavlova (Explosão de Movimentos), Paulo Arguelles (Por Um Triz - Cacilda Becker), Thereza D’Aquino (A Dança Erudita na Cidade do Rio de Janeiro), Nayse B.Lopez (Primeiros Passos) e Dani Lima (Dança nas Alturas). - 1999: Cláudia Petrina (Movimento Vida - O Sistema de Nina Verchinina e Suas Projeções), F. Duarte (Gafieiras: Passado, Presente c/ Futuro), Andrea Loureiro (Panorama da Dança no R.J no Século XX) e Frederico Paredes (M.M.C - Mínimo Múltiplo Com Dois - Configurações do Humor na Dança).
125
então, a trabalhar num projeto chamado Memória da Dança, que teve um primeiro momento que resultou em alguns dados coletados e numa exposição que nós fizemos no Centro Hélio Oiticica. Foi uma exposição muito interessante que resgatou a história da dança no Rio de Janeiro narrada pelos próprios criadores, pelas próprias pessoas que fizeram a história da dança contemporânea no Rio.”
O “Projeto Memória da Dança” consiste principalmente na manutenção das
imagens das companhias cariocas. Reúne todos os materiais fotográficos em
poder dos grupos de dança e registra, em vídeo, depoimentos de alguns
coreógrafos. Este projeto é coordenado pelo Comitê Carioca de Dança. Na
ocasião de lançamento do Projeto, Katz comenta (1998b)
Uma das mais importantes atitudes culturais já tomadas no nosso país com relação à dança estréia hoje no Centro de Arte Hélio Oiticica [...] no Rio. Filha de uma parceria que ainda vai fazer história, entre a Secretaria Municipal de Cultura e o Comitê Carioca de Dança, o evento RioDança Memória - Imagens da Dança chega como uma espécie de primeiro ato para a criação de um futuro Museu da Dança. [...] RioDança Memória abre hoje uma megaexposição com mais de 300 fotos, sapatilhas, maquetes de cenário, partituras, objetos pessoais, figurinos e livros raros cedidos por colecionadores. Pela primeira vez, tudo isso será oferecido ao público - um material capaz de reconstruir exatamente o que toda atividade cênica logo perde: a memória. Tratada no País como a arte do descartável, a dança conquista, com um empreendimento desse porte, o direito à sua história. É como se lhe fosse concedido o mérito da respeitabilidade. [...]Mais fundamental ainda que a própria realização do RioDança Memória é a possibilidade de o material coletado transformar-se num pré-acervo de um futuro Museu da Dança. Acostumados a pulverizar iniciativas, o povo da dança, desta vez, deve concentrar-se num esforço único para fazer esse museu nascer. O Rio funciona hoje como o melhor exemplo de que cidade onde existe política cultural é diferente. As duas gestões de Helena Severo na Secretaria Municipal de Cultura resultaram numa ação de apoio permanente à dança, cujos resultados já são mais que visíveis: as companhias cariocas passaram a ocupar um lugar de destaque no Brasil, inundando todos os festivais e voltando a educar o seu público com temporadas freqüentes nos teatros da cidade. Ao abrir mais um canal para a sua ação, tendo como foco a memória, o Rio passa para a linha de frente com o melhor modelo de gestão cultural para a dança do País - nesse caso, uma sintonia fina entre o poder público (a secretaria) e uma representatividade de classe atuante e competente (o Comitê Carioca). Rumo ao Museu da Dança!
No âmbito da difusão da produção artística e cultural, a fim de oferecer
mais espaço para a dança, a Secretaria Municipal de Cultura criou o “Circuito
126
Carioca de Dança” e o “Panorama RioArte de Dança”, e vem apoiando a “Mostra
de Novos Coreógrafos”.
O Circuito Carioca de Dança é um projeto criado e concebido pelo RioArte
para oferecer uma pauta mais ampla nos espaços da Rede Municipal de Teatros.
Engloba espetáculos de grupos famosos e emergentes de dança contemporânea
da cidade, de junho à setembro. Cada grupo faz uma mini-temporada a preços
populares. O Circuito começou em 1998 com vinte e duas companhias que,
durante três meses ocuparam os palcos dos teatros Carlos Gomes, UniverCidade
(antigo Delfin), Glória e Espaço Finep. Em 1999, vinte companhias de dança se
apresentaram nas Lonas Culturais da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em 2000 não
foi realizado o Circuito Carioca de Dança, ficando para 2001 a terceira edição do
projeto. Projeto essencial na valorização de novos talentos e na conquista de um
público cada vez maior à dança.
O Panorama RioArte de Dança acontece desde 199285, tem direção
artística da coreógrafa Lia Rodrigues e além de companhias do Rio, mostra
trabalhos de atuantes grupos do cenário da dança contemporânea de outros
estados e países. A partir de 1997 o Festival passou a integrar o calendário oficial
da cidade. Promove atividades paralelas como o lançamento de livros,
workshops, aulas teóricas, encontros, palestras, exposições e mostras de vídeos.
As companhias se apresentam com coreografias inéditas, escolhidas pela
coordenadora artística com o apoio de uma curadoria. Cada uma recebe em
torno de três mil reais (R$3.000,00) como cachê e, além disso, uma companhia
carioca é selecionada por um júri para uma pequena temporada na Alemanha,
graças à parceria estabelecida entre o RioArte e o Instituto Goethe.
O “Prêmio Rio Dança” nasceu em 98 de “uma parceria entre o brilhante
Comitê Carioca de Dança, um exemplo para todos nós da força que uma atuação
coletiva consegue alcançar, e a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro
(leia-se Helena Severo, aquela que sabe como fazer política pública com cultura)”
(Katz, 1999c).
É um prêmio dedicado exclusivamente aos profissionais da dança,
destinado a artistas, companhias, técnicos e produtores sediados no Rio de
Janeiro, que tenham apresentado trabalho inédito na cidade ou realizado ações
85 Criado por Lia Rodrigues com o nome original de Panorama, passou a chamar-se RioArte de Dança porque foi assumido pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
127
relevantes para o desenvolvimento da dança carioca durante o ano. Os membros
da comissão julgadora são indicados pela classe de dança carioca, que discutiu
em conjunto o regulamento do Prêmio Rio Dança. Contempla nove categorias:
coreógrafo, bailarino e bailarina, cenógrafo, figurinista, trilha sonora, iluminador
e produtor, que recebem o valor de três mil reais (R$ 3.000,00) cada, e um
prêmio especial para personalidades ou eventos que não se enquadrem nas
categorias obrigatórias acima mencionadas. Os vencedores são anunciados
apenas na cerimônia de entrega do Prêmio.
A cidade do Rio de Janeiro é casa de diversas companhias profissionais.
Ao lado dos grupos apoiados pela prefeitura, existem muitas companhias
profissionais independentes, como: Grupo de Dança D.C., Márcia Rubin
Companhia de Dança, Dupla de Dança Ikswalsinats, Companhia Ra Tame Tanz,
Dani Lima Companhia de Dança, Trupe do Passo, Paulo Mantuano Dança
Contemporânea, Tanz Haus, Gisele Tápias Companhia de Dança. Além de
contar com relevantes mostras, festivais e escolas de dança, o Rio de Janeiro
abriga a FUNARTE.
Segundo Helena, a eficiência da política praticada e dos programas
efetuados em sua gestão não coincide de modo algum com o fato da FUNARTE
ter como sede a cidade do Rio, para ela isto
“Não incide, quer dizer, no período em que eu fiquei na Secretaria, pra ser muito honesta, nós não conseguimos formalizar nenhum acordo especificamente para dança com a Funarte, isso nunca houve. Eu sei que a Funarte tem seus programas, trabalha, na divisão de artes cênicas tem um trabalho específico em relação à dança. Agora particularmente nós da Prefeitura nunca formalizamos nenhum acordo com a Funarte.”
Helena também declarou a inexistência de parcerias com o governo
estadual, concluindo:
“A grande questão, talvez, hoje quando você fala de políticas públicas no Brasil, e eu estou me referindo mais especificamente à área de cultura, seja até esta desarticulação entre estes três níveis de poder. Porque você não tem uma complementaridade, você tem sempre políticas solo, quer seja do governo federal, dos governos estaduais ou dos municípios. Essa é uma questão que fica muito clara pra mim, você nunca tem políticas articuladas, é muito complicado, é muito difícil isso.”
128
Nos últimos quatro anos, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro investiu
cerca de quatro milhões e quatrocentos mil reais (R$ 4.400.000,00) na área de
dança, conforme tabela abaixo.
PROJETO 1997 1998 1999 2000Apoio às cias. 330.000 372.500 560.000 470.000Panorama RioArte de Dança 100.000 137.500 137.500 200.000Programa de bolsas RioArte 90.000 90.000 90.000 90.000Lei de Incentivo (dança) 670.300 520.650 352.850Prêmio Rio Dança 24.000 24.000 24.000TOTAL 1.190.300 1.144.650 1.164.350 784.000TOTAL (em 4 anos): R$ 4.283.300,00TOTAL (considerando apoios isolados às produções, viagens e participações em festivais): R$ 4.400.000,00
Embora os problemas estejam por toda parte, sabemos que, no Brasil, é
habitual que uma maior circulação de grupos e de informações sobre dança, bem
como uma maior distribuição de recursos, estejam concentradas no eixo Rio-São
Paulo. Seria por que aí se encontram grupos mais organizados e ativos,
demandas mais articuladas e fortes, uma maior cobertura da imprensa, a
presença de críticos especializados e a maior repercussão política dos projetos
culturais? Sem dúvida todos estes fatores contribuem à expansão da dança. Os
termos estão acordados e a atuação de um produz eco na dos outros. Para
Helena,
“... todo esse movimento da dança que começa na Prefeitura do Rio de Janeiro sempre se deu numa articulação muito próxima com o Comitê Carioca da Dança. Tudo isso se dá a partir de um diálogo muito próximo com o Comitê Carioca da Dança. Essa talvez tivesse sido a questão inicial que eu teria que ter colocado pra você, esse Comitê Carioca começa a dialogar com a secretaria, comigo especificamente e a partir daí nós começamos a formular essas vertentes de uma política pública pra dança, daí então o apoio às companhias, a instituição desse prêmio de dança, o projeto Memória da Dança e finalmente a idéia que eu deixei embrionária na Prefeitura quando eu sai, que é a criação de um centro coreográfico que eu imagino e sempre imaginei, que fosse a grande âncora, que fosse a grande consolidação dessa política pública pra dança na cidade do Rio de Janeiro.“
Helena considera que, ao se falar de política pública para a dança,
algumas questões são “básicas”, como o apoio financeiro regular aos grupos
129
capaz de garantir espaço à criação e a possibilidade de mostrar seus trabalhos
nos teatros.
“A primeira delas é a necessidade de você dar condições de sobrevivência a essas companhias, ou seja, a partir do momento que você dá condições de sobrevivência, uma estabilidade mínima para que a companhia sobreviva você está dando a possibilidade de criação, de ampliação de horizontes da própria estrutura da companhia, então essa eu considero uma questão muito importante. E a outra questão que eu considero muito importante também é a criação de um espaço de referência para dança no Rio de Janeiro, porque eu acho que a dança sempre foi uma espécie assim de vertente rejeitada das artes cênicas. Você fala muito em teatro, você fala em música, você fala até em circo eventualmente, mas dança sempre foi um segmento muito pouco contemplado com recursos públicos e muito pouco pensado quando se fala em política pública para área de cultura. Então eu acho a questão da ocupação dos teatros também pelas companhias de dança foi também uma outra preocupação nossa, que nós também estabelecemos um calendário de ocupação dos teatros públicos municipais do Rio para dança. Isso eu também eu acho que é fundamental porque a dança assim como o teatro infantil, sempre ocupa aquele horário alternativo aquele pedaço que não é ocupado pelas companhias, enfim pelas grandes produções que ocupam estes teatros normalmente, então eu acho que é muito importante a possibilidade da dança se apresentar em palcos qualificados. Eu acho que a existência de um centro coreográfico resolve quase que de forma global todas estas questões mais prementes, tipo espaço para ensaio, espaço para apresentação, espaço para criação, ele sediaria ou sediará um centro de memória que também é fundamental, enfim a possibilidade de intercâmbio nacional e internacional. Está previsto no projeto original dois ou três apartamentos para visitantes, que eles possam ficar para promoverem workshops, seminários, enfim, um grande centro de referência da dança. Eu acho que isso é um passo muito importante.”
O “Centro Coreográfico da Dança” foi projetado em 1999 para abrigar
salas de ensaios, espaço para apresentações e exposições, biblioteca,
apartamentos para coreógrafos visitantes, butique e auditório, em um prédio de
três mil metros quadrados tombado pelo patrimônio histórico, cuja reforma seria
garantida através de uma parceria entre o Grupo Pão de Açúcar e a Secretaria
Municipal de Cultura. A idéia inicial era a de promover a formação de artistas
(não só coreógrafos e bailarinos, mas também cenógrafos, iluminadores e
sonoplastas) e o intercâmbio com criadores de outros Estados do Brasil e do
exterior (Néspoli, 1999).
A competência administrativa de Helena Severo tem fundamento em
alguns pontos indispensáveis, ignorados por governantes de instituições culturais
130
públicas locais. O primeiro diz respeito à atitude de estabelecer e manter um
diálogo constante com a classe da dança, organizada através do Comitê Carioca
de Dança. Assim, não instituiu uma política à revelia, mas fatalmente voltada aos
anseios da categoria. Afora sua vontade de firmar uma política exclusiva à dança
(que notadamente falta em muitos dirigentes, dado que o cuidado com a dança
vem freqüentemente a reboque do teatro), as ações de Helena tiveram como
premissa a escuta das necessidades do público-alvo de sua política, e por aí se
desenvolveram, quer dizer, a troca com o Comitê foi ininterrupta.
Aliada ao Comitê, Helena conseguiu perceber as exigências próprias ao
desenvolvimento da dança, quer dizer, compreendeu que a dança firma-se
através de relações entre a sua produção, circulação e uso do conhecimento
(artístico/intelectual). Habitualmente, as políticas públicas mobilizam esforços em
apenas uma destas esferas de ação, negligenciando os demais domínios deste
processo, que pede por ações que são, ao mesmo tempo, singulares e
interligadas.
Apoiar financeiramente algumas companhias, ampliar este subsídio e
estender o benefício à outras ano após ano, eleva a qualidade da dança por duas
vertentes: as companhias escolhidas ganham certa tranqüilidade para trabalhar e
dedicar-se à criação, outros grupos começam a especializar-se e correr rumo à
profissionalização para obter o auxílio da Prefeitura. Ao criar e incentivar mostras
de dança profissionais e oferecer a oportunidade às companhias de
permanecerem em cartaz no teatro em temporada, colabora com a formação de
público para dança (mais público, mais espaços, mais visibilidade, mais
patrocínio); com a qualificação profissional, gerada tanto a partir do exercício de
estar no palco (essencial a maturidade artística), quanto do contato com outros
artistas e intercâmbio de informações que daí recorrem; e com a própria
produção de dança (que tem um motivo concreto para criar). Procurando
recuperar, registrar e conservar informações sobre a dança no Rio de Janeiro,
confirma a responsabilidade e o cuidado com que trata a área.
Helena Severo concentrou-se nas diversas atividades que formam um
sistema de produção da dança: a criação, ou seja, a produção propriamente dita,
a distribuição, a troca e o uso do conhecimento originado.
131
Muitas ações ainda podem ser pensadas e desenvolvidas no contexto do
Rio de Janeiro. No Brasil, a dança desta cidade destaca-se por sua organização,
quer dizer, por conseguir relacionar de maneira eficaz os inúmeros elementos
(pessoas, atos, recursos variados) que compõem o mundo da dança. Indício de
que toda conversa (esta é, certamente, do tipo longa e ininterrupta) pode resultar
em caminhos, no mínimo, interessantes.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dança organiza-se através de processos estruturados por relações de
produção, circulação e uso do conhecimento (artístico/intelectual), se manifesta e
expande graças a uma habilidade de estabelecer conexões entre seus
elementos, como a relação entre as partes do corpo que irão formar uma
movimentação, o laço que se estabelece entre um grupo e uma fundação de
cultura, entre um teatro e um evento, um pesquisador e uma empresa
patrocinadora, um sindicato, uma mostra de dança e um dirigente cultural, a obra
e o público, etc. Estes encadeamentos entre canais formam redes de cooperação
e o resultado deste complexo interativo é a dança.
A política da dança em Florianópolis carece de um atributo fundamental da
dança: a conectividade, ou seja, a capacidade de estabelecer comunicação,
demonstrada pela inabilidade de seus componentes compartilharem objetivos e
interesses. O tipo de interação que aí ocorre não vem permitindo que a dança
cresça em qualidade e visibilidade. A cidade necessita do entendimento de que a
dança se desenvolve graças a um aumento (quantitativo e qualitativo) de público,
de espaços, de alunos, de críticos, ou seja, de um conjunto de ações e não
apenas de algumas iniciativas segregadas. O pouco comprometimento e as
atitudes de enclausuramento em nada colaboram na ampliação das ocasiões de
produção e consumo da dança.
Deve existir maior cuidado ao se tratar e desenvolver uma política pública
para a dança. O discurso vulgar e genérico que afirma uma política de incentivo,
de fomento, de estímulo à criação e difusão, deve dar lugar a objetivos e ações
exclusivas visto que não há somente uma dança, um profissional, um grupo, um
público, uma arte, uma cultura. Sendo assim, como pode haver apenas uma
proposta, uma possibilidade, um formato único? Há de se considerar a diferença,
a singularidade de cada realidade e instituir não apenas uma política, mas
inúmeras. Tal processo precisa considerar o contexto, composto de diversidade e
desigualdade, e formular mecanismos e estratégias que favoreçam a interação, o
diálogo e a comunicação entre os muitos aspectos envolvidos.
Como os grupos, artistas e profissionais da área são obrigados a viver as
conseqüências da política implantada, devem procurar vias de participação e
cobrar do poder público uma administração voltada aos interesses da classe. A
gestão da dança (e mais amplamente da arte e cultura) não deve ser considerada
uma atribuição exclusiva do governo. Numa configuração em “rede” a
responsabilidade recai sobre todos. Cooperação é moeda de sobrevivência.
Neste trabalho, mais do que definir e elaborar projetos para a área de
acordo com o contexto pesquisado e estudado, procuramos levantar hipóteses e
sugestões. Nosso propósito foi no sentido de favorecer um ângulo de visão mais
amplo que avança ao lado da capacidade de analisar os problemas em
profundidade, pois é a percepção deficiente do conjunto que impede uma
reflexão bem sucedida. Criar uma alternativa política de avanço implica em
compreender as contradições do ambiente em sua complexidade.
Perceber o mundo como uma rede e deixar de lado a atitude de
isolamento é organizar a dança como ela mesma se apresenta: através de uma
diversidade de elementos que estabelecem relações formais e informais. Basta
pensar novamente na combinação corpos-figurinos-cenários, no arranjo das
partes do corpo que fazem uma coreografia, nas parcerias entre instituições
culturais, criadores, organizações de ensino, normas jurídicas, etc. A dança não
vive fora de um contexto de relações.
Finalmente, julgamos que a atribuição de maior importância à dança em
Florianópolis, bem como no Brasil, não deve recair sobre o aspecto econômico
mas, sendo uma manifestação artística de caráter comunicativo, deve ser
considerada como um instrumento capaz de educar, sensibilizar e favorecer
vínculos: do homem consigo, do homem com o outro, do homem com o mundo.
Um movimento que procura dissolver a fragmentação e a alienação dos
indivíduos. Por outro lado, quando a cultura deixar de ser vista como acessório
no Brasil passando a ser entendida, de fato, como indispensável ao
desenvolvimento social e econômico do país, deverá contar com um volume
maior de recursos financeiros e possibilidades. Quando o rumor chegar na ilha de
Florianópolis então, quem sabe, sobreviver como profissional da dança será
permitido.
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