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Universidade de Braslia
Centro de Excelncia em Turismo
Programa de Ps-Graduao em Turismo
Papel do Estado, Alvio Pobreza e Turismo:
Relaes Tericas com o Plano Nacional de Turismo 2007/2010
Angela Teberga de Paula
BRASLIA, DF
2013
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ANGELA TEBERGA DE PAULA
Papel do Estado, Alvio Pobreza e Turismo:
Relaes Tericas com o Plano Nacional de Turismo 2007/2010
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Turismo da Universidade de Braslia, orientada pela Profa. Dra. Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, como exigncia para a obteno de ttulo de Mestre em Turismo. rea de Concentrao: Cultura e Desenvolvimento Regional Linha de pesquisa: Turismo, desenvolvimento e combate pobreza
BRASLIA, DF
2013
3
Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Braslia. Acervo 1010103.
Pau l a , Ange l a Tebe r ga de .
P324p Pape l do Es t ado , a l v i o pob r eza e t u r i smo : r e l aes t e r i
cas com o P l ano Nac i ona l de Tu r i smo 2007 / 2010
/ Ange l a Tebe r ga de Pau l a . - - 2013 .
x i v , 157 f . : i l . ; 30 cm.
D i sse r t ao (mes t r ado ) - Un i ve r s i dade de Br as l i a ,
Cen t r o de Exce l nc i a em Tu r i smo , Pr og r ama de Ps -Gr aduao em
Tu r i smo , 2013 .
I nc l u i b i b l i og r a f i a .
Or i en t ao : Ma r i a de Lou r des Ro l l embe r g Mo l l o .
1 . Tu r i smo e Es t ado . 2 . Opo r t un i dades de emp r ego .
3 . Pob r eza . I . Mo l l o , Ma r i a de Lou r des Ro l l embe r g . I I . T
t u l o .
CDU 338 . 482 . 2
REFERNCIA BIBLIOGRFICA
Paula, Angela Teberga de. Papel do Estado, alvio pobreza e turismo: relaes
tericas com o Plano Nacional de Turismo 2007/2010. (Dissertao de Mestrado).
Programa de Ps-Graduao em Turismo, Universidade de Braslia, 2013, 157 f.
CESSO DE DIREITOS
NOME DA AUTORA: Angela Teberga de Paula.
TTULO DA DISSERTAO: Papel do Estado, alvio pobreza e turismo: relaes
tericas com o Plano Nacional de Turismo 2007/2010.
GRAU/ANO: Mestre/2013.
concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta
dissertao e emprestar ou vender tais cpias para propsitos acadmicos e
cientficos. A autora reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta
dissertao de mestrado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrita da
autora.
4
ANGELA TEBERGA DE PAULA
Papel do Estado, Alvio Pobreza e Turismo:
Relaes Tericas com o Plano Nacional de Turismo 2007/2010
Aprovada em: 26/07/2013
COMISSO EXAMINADORA:
________________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Lourdes Rollemberg Mollo Presidente
Centro de Excelncia em Turismo/UnB
________________________________________________________
Profa. Dra. Marlia Steinberger Examinadora Externa
Departamento de Geografia/UnB
________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Francisca Pinheiro Coelho Examinadora Externa
Departamento de Sociologia/UnB
________________________________________________________
Prof. Dr. Neio Lucio de Oliveira Campos Examinador Suplente
Centro de Excelncia em Turismo/UnB
5
P a r a o s q u e , c o m o e u ,
n o d e s i s t e m d o s s o n h o s.
6
AGRADECIMENTOS
Convicta de que a histria no pertence somente queles que a apresentam,
mas principalmente queles que a constroem e do suporte nos bastidores, aqui
deixo meus agradecimentos a pessoas especiais, fundamentais e presentes em
minha vida.
professora, orientadora e mestre Maria de Lourdes (Lourdinha), pelo
auxlio, prontido, parceria e pacincia durante as orientaes presenciais e virtuais.
Aos pais Gilson (Gilsinho) e Dulcenia (Neinha), pelo amor, orao, abrigo
e assistncia material, espiritual e psicolgica, por perdoarem minhas faltas, e por
respeitarem meu modo de ser e ver o mundo, s vezes incompreensvel.
Ao Gilberto (Nino), pelo carinho, confiana, companheirismo, admirao e
consultorias acadmicas, por me ensinar diariamente a serenidade, mesmo a
distncia, e por me motivar a concluir esta travessia.
Aos familiares, que mesmo no contribuindo diretamente a esta pesquisa,
sempre apoiaram com entusiasmo minhas escolhas. Em especial, v Theth, com
quem pude conviver diariamente no ltimo ms, v Maria, v Luiz, cujo sonho de
publicar um livro tive a felicidade de ajudar a concretizar neste ano, tia Simone e tio
Mrio, que no meu ltimo aniversrio me ofereceram um presente pelo qual serei
eternamente agradecida, tia Mestre Selma e primo Maurcio, que prontamente
aceitou o convite para fazer as ilustraes desta Dissertao.
Aos grandes amigos de vida, com os quais compartilho sonhos e ideais, sem
os quais a vida no tem graa. Em especial, Fabinho, Rafa, Igorzinho, J e Anita.
Aos amigos de turma do Mestrado, que comigo estiveram durante o ano de
2011, pelos bons momentos juntos em Braslia, dos quais j sinto muitas saudades.
Em especial, Ana Cludia, Letcia, Lara, Alice, Larcio e Ins.
Aos professores da Universidade de Braslia UnB, por apresentarem novas
reflexes para meus estudos. Em especial, Prof.a Marlia e Prof. Sadi, pelas
contribuies dadas na Banca de Qualificao, e tambm Prof.a Marutshka.
Aos professores e amigos da Universidade Federal de So Carlos - UFSCar,
por despertarem meu interesse pela carreira acadmica e pelos bons momentos
juntos em Sorocaba. Em especial, Prof.a Maria Helena, Karenzinha, Camys,
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Duartino, Chen, Lady e Tain, que atenciosamente traduziu o resumo desta
Dissertao para a lngua francesa.
Aos colegas de trabalho do Centro de Excelncia em Turismo - CET, pela
oportunidade nica e por tantos ensinamentos. Em especial, Prof. Neio, Mercs,
Rosngela, Mara Flora, Llia e Nubinha.
Aos colegas professores e alunos do Instituto Federal de So Paulo - IFSP,
pela recepo e convvio dirio. Em especial, Anninha, L e Rodrigo.
Aos amigos que me acolheram nas cidades onde morei (So Jos dos
Campos SP, Sorocaba SP, Braslia DF e Barretos SP), pela hospitalidade e
por contriburem material e psicologicamente pela minha permanncia nessas
cidades. Em especial, Helosa e Paulinho, Bia e Clara, Isa, Ana, Christian,
Sandrinha, Lcia e Natalino.
s diversas pessoas importantes, porm annimas, as quais, mesmo
indiretamente, colaboraram para a concluso deste trabalho. Em especial, as
secretrias do Programa de Ps-Graduao em Turismo, os tcnicos-administrativos
do Instituto Federal de So Paulo IFSP e os bibliotecrios do Instituto Tecnolgico
de Aeronutica - ITA, instituio que frequentei diariamente nos ltimos dois meses.
Finalmente, os meus agradecimentos queles que inspiram generosidade,
queles que irradiam leveza, queles que me incentivam a cruzar os limites da
pseudoconcreticidade, queles que me incluem em suas oraes, queles que me
ensinam e me alegram sem saber.
Minha gratido, a todos vocs, por fazerem essa conquista ser mais bonita.
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A injustia avana hoje a passo firme Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuaro a ser como so Nenhuma voz alm da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a explorao; isto apenas o comeo.
Mas entre os oprimidos muitos h que agora dizem Aquilo que ns queremos nunca mais o alcanaremos
Quem ainda est vivo no diga: nunca O que seguro no seguro
As coisas no continuaro a ser como so Depois de falarem os dominantes
Falaro os dominados Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opresso prossiga? De ns De quem depende que ela acabe? Tambm de ns
O que esmagado que se levante! O que est perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que h a que o retenha E nunca ser: ainda hoje.
Porque os vencidos de hoje so os vencedores de amanh!
Bertolt Brecht
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RESUMO
A presente Dissertao busca estudar o papel indutor das Polticas Pblicas de
Turismo para o alvio pobreza, por meio da gerao de emprego. Por meio de
reviso bibliogrfica e anlise documental, prope um debate sobre a incluso social
enquanto algo extremamente necessrio ao desenvolvimento do pas sendo o
turismo um setor que pode contribuir para o alvio pobreza por meio do combate
ao desemprego. Assim, a presente dissertao traa um panorama terico-
metodolgico, que apresenta as categorias: Estado, Poltica Pblica e Pobreza, e
explora a relao da poltica pblica de turismo com o combate pobreza, a partir
de uma viso econmica heterodoxa (ou seja, defensora da atuao discricionria
do Estado), com base no instrumental que o Plano Nacional de Turismo 2007/2010
oferece.
Palavras-chave: Estado; Alvio Pobreza; Poltica Pblica de Turismo; Plano
Nacional de Turismo.
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RSUM
Ce mmoire cherche tudier le rle inducteur des Politiques Publiques du
Tourisme pour allger la pauvret par la voie de la cration demplois. A partir dune
revision extensive de la littrature et dune analyse documentaire, la dissertation
propose un dbat pour discuter linclusion social en tant quextremement ncessaire
pour le dveloppement du pays le tourisme tant un secteur qui peut contribuer
la rduction de la pauvret au moyen du combat au chmage. Ainsi, ce mmoire
prsente un aperu thorique et mthodologique qui presente les catgories
suivantes : ltat, les Politiques Publiques et la Pauvret, et discute le rapport entre
la politique publique du tourisme et la lutte contre la pauvret, partir dun abordage
conomique htrodoxe (partisan de laction discrtionnaire de ltat), examinant le
Plan National du Tourisme 2007 / 2010.
Mots-cls : tat, Lutte contre la Pauvret, Politique Publique du Tourisme, Plan
National de Tourisme.
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LISTA DE ABREVIAES
ACTs Atividades Caractersticas do Turismo
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Mundial
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento
BPC Benefcio de Prestao Continuada
CNT Conselho Nacional de Turismo
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
FIPE Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
MTUR Ministrio do Turismo
OMT Organizao Mundial do Turismo
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PBF Programa Bolsa Famlia
PIB Produto Interno Bruto
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNT Plano Nacional de Turismo
PRODETUR Programas Regionais de Desenvolvimento do Turismo
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
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LISTA DE PLANILHAS
PLANILHA 1. Matriz de Amarrao ............................................................. 9
PLANILHA 2. Distribuio de pobres por regio e rea .............................. 48
PLANILHA 3. Polticas Pblicas de Turismo no Brasil velhos e novos
paradigmas ........................................................................... 86
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Evoluo da desigualdade de renda no Brasil medida pelo
Coeficiente de Gini ................................................................ 51
FIGURA 2. Evoluo de beneficirios do BPC (Deficientes) no perodo
de 1996 a 2011 ..................................................................... 55
FIGURA 3. Evoluo de beneficirios do BPC (Idosos) no perodo de
1996 a 2011 .......................................................................... 56
FIGURA 4. Evoluo de beneficirios do PBF no perodo de 2004 a
2012 ...................................................................................... 57
FIGURA 5. Turismo de massa beira-mar ........................................... 69
FIGURA 6. Capa do Plano Nacional de Turismo 2007/2010 Uma
viagem de incluso .............................................................. 92
FIGURA 7. Gesto Descentralizada do Turismo ..................................... 99
FIGURA 8. Estrutura de Coordenao da Gesto Descentralizada ....... 99
FIGURA 9. Organograma dos Macroprogramas e Programas ............... 102
FIGURA 10. Participao dos setores formadores da atividade turstica
no PIB 2002 ....................................................................... 109
FIGURA 11. Remunerao mdia dos ocupados formais por regies
2010 ...................................................................................... 114
FIGURA 12. Remunerao homem/remunerao mulher 2010 ............ 115
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................. 1
METODOLOGIA ............................................................................................... 11
I. Percurso de Construo do Objeto ....................................................................................................... 13
II. Caractersticas e Tcnicas da Pesquisa ............................................................................................... 19
III. Delineamento dos Captulos ................................................................................................................. 24
Parte I. QUADRO TERICO (O que se conhece) .......................................... 29
1. Estado e Polticas Pblicas ........................................................................... 31
1.1 Teoria Marxista de Estado: da autonomia da sociedade autonomia relativa da economia ........... 31
2. Pobreza e suas interfaces ............................................................................. 39
2.1 Pobreza no Brasil: da concentrao de riqueza ao desemprego ...................................................... 39
2.2 Polticas de erradicao da pobreza: do assistencialismo redistribuio ....................................... 50
Parte II. CONSTRUO DO OBJETO (O que se apresenta) ........................ 63
3. Turismo e Polticas Pblicas ......................................................................... 65
3.1 Turismo: da histria social ao conceito presente ............................................................................... 65
3.2 Polticas Pblicas de Turismo: do descrdito incluso social pelo turismo .................................... 74
Parte III. QUADRO ANALTICO (O que se critica) ......................................... 89
4. Relaes Tericas e Desafios Futuros ......................................................... 91
4.1 PNT 2007/2010: uma apresentao da Poltica Nacional de Turismo do quadrinio ....................... 91
4.2 PNT 2007/2010: uma anlise dos ineditismos e dos objetivos de uma viagem de incluso .......... 104
CONSIDERAES FINAIS .............................................................................. 137
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 145
ANEXOS ........................................................................................................... 155
1
INTRODUO
Entrementes, em cada inverno, renova-se a
pergunta: O que fazer com os desempregados?
Enquanto se avoluma, a cada ano, o nmero
deles, no h ningum para responder a essa
pergunta; e quase podemos prever o momento em
que os desempregados perdero a pacincia e
encarregar-se-o de decidir seu destino, com suas
prprias foras.
Friedrich Engels (Prefcio da Edio Inglesa de O Capital, 1886)
2
3
Os atuais debates nos campos poltico, jornalstico, acadmico, e tambm
do senso comum, acerca da crise estrutural que o consolidado modo de produo
capitalista vem enfrentando nos ltimos anos, tm novamente enveredado para a
questo dos limites e necessidade da consolidao do papel do Estado
primordialmente nas polticas econmicas e sociais, o que alcana esferas
ampliadas, quando tambm se relaciona com polticas setoriais. Baixas taxas de
crescimento econmico, alto nmero de desempregados, pauperizao, etc.,
imediatamente indicam a dimenso visvel da crise socioeconmica, mas podem
mostrar mais do que isso.
Mostram, em primeiro lugar, segundo o marxismo, resultados comuns no
capitalismo em vista de como esse organizado. Nesse sistema, o objetivo principal
dos capitalistas (donos dos meios de produo) maximizar seu lucro, cuja fonte a
mais-valia. Essa decorre do sobretrabalho subtrado do trabalhador, ou seja, de
parte do trabalho que excede o valor da fora de trabalho como mercadoria. A
maximizao de lucro, sob presso da concorrncia, leva busca da mxima mais-
valia, tanto de forma absoluta, quanto de forma relativa, o que causa presso no
sentido de produzir desemprego e reduzir salrios e at levar a crises como a que
vemos nos ltimos anos. Assim, desemprego e pobreza so fatos comuns e
determinantes no capitalismo (AMADO; MOLLO, 2003).
Em segundo lugar, indicam o que nos parece ser o posicionamento mais
indicado dos Estados diante desses problemas: tomar a frente no sentido de assistir
populao no abastada, prover programas de transferncia de renda, programas
empregatcios e de profissionalizao dos trabalhadores, frear vazamentos de renda
em microespaos, etc. Esses so passos para o retorno do olhar social, poltico e
econmico do Estado classe trabalhadora que primeiro sente as fragilidades do
capitalismo. Uma classe que estrutural e estrategicamente alocada como classe
subalterna, a fim de reproduzir a prpria lgica do sistema, isto , a necessidade de
mant-la como explorada para que os capitalistas tambm possam conservar seu
status de exploradores, atravs da gerao contnua de lucro.
Essas aes, indicativas da pr-atividade do Estado, justificam-se pela
concepo de Estado na tica marxista, para a qual o papel do Estado
extremamente necessrio nesse sistema, especialmente no que se refere gesto
de fora de trabalho e, de maneira macro, coeso da sociedade. Disso constata-se
que possvel haver uma poltica social atenta aos trabalhadores - e, mais
4
especificamente, os que se encontram em situao de pobreza -, a qual possa
mediar tais manifestaes da pobreza atravs da insero do excludo por meio de
um emprego, que explora e aliena, mas tambm pode ser fator de emancipao
porque fundamental para a insero social no capitalismo.
Essa se configura como a contradio fundamental desse sistema relao
capital-trabalho -, a qual, mesmo no podendo ser solucionada sem mudar a
estrutura do sistema, poder ser aliviada quando um maior nmero de trabalhadores
passar a ser includo nessa relao, e quando a situao salarial for tal que melhore
a posio do trabalhador na relao capital-trabalho.
certo, de fato, que os desafios atuais de enfrentamento das manifestaes
da pobreza no Brasil perpassam diretamente essa relao, de maneira que a no
incluso dos trabalhadores marginais gera consequncias ainda mais problemticas.
Pereira (2001, p. 52) cita: esvaziamento da sociedade salarial, a perda do poder de
presso e de contra-regulao social dos sindicatos, o desmantelamento dos direitos
sociais e o aumento da pobreza relativa e absoluta, como resultado de um sistema
que no garante a incluso de toda a sociedade pelo trabalho e pelo consumo.
Castel (1998, p. 416), ao historicizar a sociedade salarial, argumenta que a
condio de trabalhador assalariado lhe proporciona sua identidade social e
integrao comunitria pelo trabalho, de sorte que a condio de pauperismo pode
significar a dissociao do conjunto da sociedade salvo aquele que o autor chama
de desempregado involuntrio (crianas, invlidos, etc.). Igualmente, a condio de
assalariado assegura direitos, d acesso a subvenes extratrabalho e permite uma
participao ampliada na vida social, com destaque para o consumo/uso da
produo de massa - ainda que faa o trabalhador permanecer em posio de
subordinao ao capital.
evidente que, em um contexto capitalista, a incluso pelo trabalho
assalariado manter e reproduzir a lgica do sistema de explorao, confirmando o
que Castel (1998, p. 450) diz: A condio operria no deu luz uma outra forma
de sociedade, apenas se inscreveu num lugar subordinado na sociedade salarial.
Todavia, mesmo cientes dessa contradio, e mesmo cientes que somente a
gerao de postos de trabalho combater de maneira incompleta as razes da
pobreza no pas, somos obrigados a defender o trabalho produtivo e assalariado
como aquele que proporcionar ao trabalhador mnimas condies de incluso no
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sistema e, por que no dizer, mnimas condies de participao nas relaes
sociais postas nesse sistema.
Infere-se, da, o principal argumento para a considerao da incluso social
na construo e implementao de polticas pblicas de turismo, qual seja a incluso
de trabalhadores pelo trabalho. A poltica pblica deveria ento ser mediada de
forma que possa ser elemento de transformao no sentido de propiciar uma
sociedade de homens mais livres e iguais (HAGUETTE, 1990), em um contexto no
qual o trabalho assalariado fruto do carter explorador do sistema, mas
necessrio em um mundo capitalista de mercadorias.
Embora o debate sobre poltica pblica de turismo, conforme demonstram
autores consolidados da rea (BARRETTO et al, 2003; BENI, 2006), tenda a se
limitar descrio de como se daria o aconselhvel ordenamento da atividade em
um dado territrio, no nos parece suficiente esse ordenamento, sem que as
premissas da incluso social e do desenvolvimento local, sejam consideradas. A
proposio do desenvolvimento do turismo, pensado e ordenado por polticas
pblicas inclusivas, se justifica por colaborar para a gerao e reteno de renda e
consequente alvio da pobreza, a partir da incluso social de grupos e comunidades
negligenciadas no processo de reproduo capitalista.
V-se que, efetivamente, a incluso social propiciada pelo desenvolvimento
do turismo se d pelo aumento de postos de trabalho, isto , gerao de emprego. O
apelo da atividade turstica, alocada no setor de servios que emprega mais do
que a indstria, embora com menores salrios -, em relao ao alto potencial em
gerao de empregos, existe em funo das pequenas exigncias de qualificao
da mo de obra empregada nas atividades relacionadas ao turismo e o baixo
coeficiente de capital utilizado (TAKASAGO; MOLLO, 2008, p. 307).
Agncias de viagens, restaurantes, hotis, equipamentos de lazer,
transportes, so exemplos de servios de suporte ao desenvolvimento turstico que
empregam. Mas, ainda mais interessante notar os exemplos em que comunidades
organizam arranjos produtivos locais de forma associativa, de maneira que a prpria
comunidade possui o controle efetivo da atividade econmica, como aponta
Coriolano (2006). Convm lembrar que, para algumas regies, a atividade turstica
sustentvel apresenta-se como a mais vivel em termos econmicos, pois explora
os recursos endgenos, sem compromet-los (FERNANDES, 2002).
6
Para Coriolano (2006), se o turismo pode concentrar riqueza e renda, em
razo de uma iniciativa privada pujante do setor, que engloba desde grandes
companhias areas a megaempreendimentos hoteleiros, poder tambm distribuir.
Isso depender de como se do as relaes sociais de produo no setor, mais ou
menos excludentes. preciso que, nesse sentido, as formas convencionais de
relao de trabalho no turismo adaptem-se s demandas das comunidades j que
nesses locais que se espera um desenvolvimento de turismo mais includente e
participativo, como a autora destaca:
A excluso pela pobreza e falta de acesso ao emprego tem no turismo a oportunidade e uma forma de incluir aqueles que no dispem de grande capital, contando apenas com suas capacidades de trabalho, a exemplo do que acontece em alguns ncleos receptores de turismo, que se inserem na cadeia produtiva com a produo de servios tursticos [...] Essas [arranjos produtivos locais, micro e pequenas empresas] so formas de trabalho que viabilizam a incluso econmica e social, denotando o fato de que a vontade poltica decisiva para viabilizar os pequenos negcios (CORIOLANO, 2006, p. 186-187) [grifos nossos].
tambm nesse sentido que no se pode negligenciar a importncia de um
Estado proativo, que provm qualificadas polticas sociais, de trabalho e de
educao, atentas no somente incluso social, mas tambm oferta de
orientao profissional e cursos de qualificao profissional. Arbache (2001), por
exemplo, aponta que os empregos no turismo tm maior taxa de rotatividade do que
de outros setores da economia, alm disso, mostra que o turismo composto por
muitas pequenas firmas e trabalhadores autnomos ou seja, para ambas as
situaes, pondera-se a necessidade de formao de mo-de-obra especializada
para o setor, que minorem a instabilidade dos empregados, e que gerem maior
segurana aos novos pequenos empreendimentos, enquanto forneceria interessante
alternativa de renda para muitos trabalhadores.
De sorte que, do ponto de vista de poltica pblica federal, vemos nos
ltimos e atuais anos gestes mais atentas aos trabalhadores, e com polticas
econmicas e setoriais igualmente menos liberais o que inclui tambm as prprias
polticas pblicas de turismo1. H, reconhecidamente, a busca pela incluso social
de um maior nmero de brasileiros, a exemplo da ampliao de programas de
transferncia de renda e incentivo ao consumo das classes mais baixas. Ambas as
1 No momento da concluso desta Dissertao, a poltica que norteia o turismo no pas o recm-
lanado Plano Nacional de Turismo 2013-2016, vinculado ao Ministrio do Turismo, aprovado pelo Decreto n 7.994, de 24 de abril de 2013.
7
gestes (Governo Lula e Governo Dilma) mostram-se pautadas em um conjunto de
aes governamentais (desde a criao de novos programas at a ampliao de
polticas anteriores), juntamente com a parceria com outras instncias e
organizaes, que visam incluir a populao brasileira mais pobre nas oportunidades
geradas pelo crescimento econmico nacional.
Em relao ao turismo na agenda pblica federal, v-se que,
oportunamente, o Plano Nacional de Turismo, nosso principal objeto de pesquisa,
considera a gerao de renda pela incluso social como um dos eixos essenciais
para o combate da fome e da extrema pobreza. O objetivo do PNT 2007-2010 de,
entre outros, promover o turismo como um fator de incluso social (o slogan : Uma
viagem de incluso), confirma a necessidade de extrapolar metas convencionais
atribudas atividade turstica (crescimento do PIB, fluxo de passageiros
internacionais, etc.) e avaliar seu potencial gerador de emprego, renda e melhoria de
qualidade de vida. No PNT 2007-2010, a meta delimita criar 1,7 milho de novos
empregos e ocupaes, atravs de oferta de crdito, qualificao profissional e
infraestrutura bsica (BRASIL, 2012).
A partir da discusso posta, buscamos desenvolver nossa pesquisa, que
segue o tema: O papel indutor das Polticas Pblicas de Turismo para o alvio
pobreza. Sob esse recorte temtico, a pesquisa tem como objetivo principal Estudar
o papel indutor das Polticas Pblicas de Turismo para o alvio da pobreza por meio
da gerao de emprego e, especificamente, adota como objetivos:
I.Debater o papel do Estado frente situao do trabalhador na relao
capitaltrabalho e discutir sua atuao em relao ao desemprego e pobreza no
contexto do modo de produo capitalista;
II. Apresentar a importncia econmica do turismo e questionar o poder de
induo do desenvolvimento do turismo para o alvio pobreza e como a ao das
polticas pblicas favorece o processo de incluso social;
III. Investigar e analisar os aspectos abrangidos e priorizados pelo Plano
Nacional de Turismo 2007/2010, no tocante da temtica de incluso social, a partir
da discusso terica sobre o papel do Estado e o alvio Pobreza e sua relao
com o PNT.
O interesse pela temtica surgiu justamente pelo aparente problema do
desconhecimento sobre como o processo de implantao das Polticas Pblicas de
Turismo, a partir da criao do Ministrio do Turismo no ano de 2003, prope-se a
8
contribuir para a incluso social e alvio pobreza. Afinal, como se daria esse
processo? As perguntas de pesquisa seguem essa linha de teorizao. Inicialmente,
buscam desvelar o debate crtico sobre Estado e Polticas Pblicas e a sua relao
com o capitalismo e a insero do trabalhador nesse sistema; em seguida,
relacionar conceitualmente o turismo e as polticas pblicas; por ltimo, fazer
paralelos dessa teoria com a poltica atual do Ministrio do Turismo - a partir das
questes:
I.Por que, numa tica marxista, que v o Estado como de classe, possvel
pensar em polticas pblicas que melhorem a insero dos trabalhadores na relao
capital-trabalho, especialmente aqueles em situao de pobreza? Ainda, como deve
ser a atuao do Estado nesse contexto capitalista?
II. Qual a razo de considerar o desenvolvimento do turismo um processo
indutor de incluso social e combate pobreza, e como as polticas pblicas podem
favorecer essa induo?
III. Quais os aspectos abrangidos e priorizados pelo Plano Nacional de Turismo
2007/2010 que se relacionam com a temtica da incluso social pelo
desenvolvimento do turismo?
A fim de melhor compreenso e amarrao entre o objetivo, problema,
perguntas e os captulos deste trabalho, apresentamos a planilha (Planilha 1) a
seguir, como panorama geral deste trabalho.
9
OBJETIVO PROBLEM
A PERGUNTAS OBJETIVOS ESPECFICOS CAPTULOS E
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reza
?
Por que, numa tica marxista, que v o Estado como de classe, possvel pensar em polticas pblicas que melhorem a insero dos trabalhadores na relao capital-trabalho, especialmente aqueles em situao de pobreza? Ainda, como deve ser a atuao do Estado nesse contexto capitalista?
Debater o papel do Estado frente situao do trabalhador na relao capital-trabalho e discutir sua atuao em relao ao desemprego e pobreza no contexto do modo de produo capitalista;
1. Estado e Polticas Pblicas
2. Pobreza e suas
interfaces
Qual a razo de considerar o desenvolvimento do turismo um processo indutor de incluso social e combate pobreza, e como as polticas pblicas podem favorecer essa induo?
Apresentar a importncia econmica do turismo e questionar o papel de induo do desenvolvimento do turismo para o alvio pobreza e como a ao das polticas pblicas favorece o processo de incluso social;
3. Turismo e Polticas Pblicas
Quais os aspectos abrangidos e priorizados pelo Plano Nacional de Turismo 2007/2010 que se relacionam com a temtica da incluso social pelo desenvolvimento do turismo?
Investigar e analisar os aspectos abrangidos e priorizados pelo Plano Nacional de Turismo 2007/2010, no tocante da temtica de incluso social, a partir da discusso terica sobre o papel do Estado, o alvio Pobreza e a gerao de Emprego e sua relao com o PNT.
4. Relaes Tericas e Desafios Futuros
Planilha 1 - Matriz de Amarrao.
10
11
METODOLOGIA
A dialtica, na sua forma racional, causa
escndalo e horror burguesia e aos porta-vozes
de sua doutrina, porque , na sua essncia, crtica
e revolucionria.
Karl Marx (Posfcio da 2 edio de O Capital, 1873)
12
13
I. Percurso de Construo do Objeto
Ainda que entendida sob a ptica de diversas metateorias, uma poltica
pblica comumente conceituada como uma interveno deliberada do Estado,
enquanto autoridade soberana de um territrio, com vistas ao ordenamento da
sociedade. Para que essas polticas pblicas tenham xito, reconhece-se a
necessidade de um conjunto de instituies, organizaes e agncias pblicas,
paralelas ou acessrias, que atuam como instrumentos de capilaridade das aes
pragmticas do Estado, em diversos segmentos, sob vrias temticas e para
diferentes pblicos (RODRIGUES, 2010).
A crena universal em uma funcionalidade orgnica do Estado, que visaria o
bem comum, teria feito o mesmo Estado desmembrar-se em diversos atores e
estruturas. As mltiplas demandas para aes Estatais engendram a necessidade
dessa fragmentao da gesto, do ponto de vista da eficincia e da burocracia. Dias
(2010, p. 260) lembra que com o aumento da complexidade das sociedades
modernas que o Estado passa a contar com maior diversidade de demandas da
sociedade, ou seja, passa a ser necessrio implementar novas aes em termos de
polticas pblicas que ampliam sua necessidade de interveno na realidade social.
Essas intervenes foram inicialmente sugeridas, segundo Freund (2003),
pela abordagem weberiana, a qual entende que a racionalizao da administrao
pblica, trazida pelo movimento evolutivo da sociedade moderna, legitimada por
seus regulamentos explcitos, permitindo-lhe intervir nos domnios diversos, a
exemplo da educao, sade, economia e cultura. Dias (2010), a esse respeito,
aponta que as polticas pblicas se subdividem, didaticamente, em trs tipos, a
saber: poltica social (sade, educao, habitao, previdncia social), poltica
administrativa (democracia, descentralizao, participao social) e poltica setorial
(meio ambiente, direitos humanos, cultura, turismo, etc.).
V-se que a corrida positivista do sc. XIX no estudo das cincias, tambm
mostrou seu poder na fragmentao progressiva das aes e instituies do Estado,
as quais, buscando atingir eficientemente as especficas demandas sociais,
administrativas e setoriais, desmembraram-se e separaram-se umas das outras
(embora legitimadas por estarem, mesmo que isoladamente, caminhando
racionalmente a um fim). A tradio empirista/positivista igualmente objetiva o exame
14
sistemtico de objetos/processos sociais e a construo de modelos explicativos que
deem conta dessa anlise cientfica (PAULO NETTO, 2011) o que amplamente
facilitado quando a realidade concreta em si j est fragmentada, a exemplo das
aes e instituies do Estado.
Em nosso estudo, um mtodo de anlise que comporte a complexa anlise
de uma poltica pblica, a partir de uma teoria marxista, dever extrapolar a lgica
da coerncia racional, exemplificada pela crena de que estruturas e aes do
Estado, isoladas e monofocadas, possuem um fim em si e idealmente um objetivo
delimitado. A opo pela recusa da anlise do objeto em uma perspectiva idealista
tem o objetivo de recuperar a importncia do foco da teoria marxista em um contexto
capitalista, ou seja, objetiva apontar a necessidade de voltar os olhos ao trabalhador.
E, portanto, mister descrever, historicizar e discutir os processos sociais do
ponto de vista humano, tornando importante na anlise a incluso da questo-chave
que d essncia e movimento a todas as relaes e os processos no sistema
capitalista, qual seja a dialtica do empreendimento de um trabalho que , como
se ver ao longo desta Dissertao, objeto de explorao e alienao, como
tambm de emancipao e sobrevivncia dos trabalhadores. Paulo Netto (2011), a
esse respeito, lembra que:
Para ambos [Marx; Engels], o ser social e a sociabilidade resultante elementarmente do trabalho, que constituir o modelo da prxis um processo, movimento que se dinamiza por contradies, cuja superao o conduz a patamares de crescente complexidade, nos quais novas contradies impulsionam a outras superaes (PAULO NETTO, 2011, p. 31) [grifo nosso].
Dessa constatao surge a significncia de que o quadro interpretativo no
separe a teoria da prtica, mas considere a fluidez e dinamismo dos fatos,
configuraes e circunstncias - nas palavras de Marx; Engels (1963, p. 195): no
se pode conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas, mas como um
conjunto de processos -, surgidos e/ou consolidados pelo modo de produo
capitalista. Pois, afinal, tambm os processos esto sujeitos a mudana,
transformaes e desenvolvimento permanente, importando a investigao da
origem e desenvolvimento desses processos sociais, socializados pelo trabalho.
15
Sugerimos realizar, assim, a construo do objeto de estudo a partir da
concepo dialtica materialista2 da realidade, desenvolvida por Karl Marx (1818-
1883) em superao dialtica idealista de Hegel (1770-1831). No mtodo
marxiano, que conserva as leis e categorias fundamentais da dialtica (totalidade,
contradio, mediao) concebidas por seus antecessores, h a busca por
aprofundar a historicidade humana, de maneira a interpretar os processos sociais
no como uma questo de lgica, mas com vistas prtica efetiva de
transformao da sociedade em busca de uma sociedade de homens livres e iguais
(HAGUETTE, 1990, p. 15), que se d, efetivamente, pelo trabalho humano ativo e
construtor da histria.
Para Marx; Engels (2010, p. 107), a concepo de que a histria: ,
sobretudo, um guia para o estudo, fazendo necessrio examinar os processos
sociais a partir das condies de existncia das diversas formaes sociais.
Novamente, desvelar um processo social investigar a origem e desenvolvimento
desse objeto, a exemplo da longa pesquisa marxiana ao conceber a estrutura da
sociedade burguesa, a partir do olhar materialista que entende os modos de
produo constitudos de foras produtivas e relaes sociais de produo - base
para a compreenso do mtodo de Marx.
A contribuio da tradio marxista essencial para nossa abordagem, j
que favorece a anlise crtica das polticas pblicas, que consiste em situar e
analisar os fenmenos sociais em seu complexo e contraditrio processo de
produo e reproduo, determinado por mltiplas causas na perspectiva de
totalidade como recurso heurstico, e inseridos na totalidade concreta (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 38) [grifos das autoras], recusando, nesse sentido, a anlise
da poltica como fato social isolado a partir de sua expresso pela forma, aparncia
e imediatez.
O trnsito dialtico entre fenmeno e essncia, entre negao da evidncia
e conquista da concreticidade, por consequncia, nos parece ser uma importante
caracterstica do mtodo marxista, j que supera a pseudoconcreticidade (KOSIK,
1986, p. 11) da fenomenologia, desnaturalizando aes humanas. Em nosso estudo,
2 Nas palavras de Paulo Netto (2011, p. 40-53), sobre a importncia de considerar o objeto para a
escolha do mtodo: Este ponto de partida no expressa um juzo ou uma preferncia pessoais do pesquisador: ele uma exigncia que decorre do prprio objeto de pesquisa. Ademais, referindo-se fidelidade de Marx a seu objeto de estudo: a estrutura e a dinmica do objeto que comandam os procedimentos do pesquisador.
16
significa dizer que as polticas pblicas analisadas so apreendidas como um
momento da totalidade (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 40), e por isso devem
ser assimiladas em sua pluri-causalidade e funcionalidade, inseridas no espao
concreto da sociedade capitalista burguesa, portanto possuidoras de um lugar
histrico e no naturais e bvias a qualquer sociedade e/ou modo de produo.
a tica da totalidade Kosik (1986, p. 35) a interpreta como a realidade
como um todo estruturado, dialtico , e no a predominncia das causas
econmicas na explicao da histria que distingue de forma decisiva o marxismo
da cincia burguesa (LUKCS, 1974, p. 14). Ou seja, romper com o determinismo
econmico (por vezes, vinculado equivocadamente teoria marxiana) tambm
uma preocupao na anlise dos processos sociais aqui sugeridos, importando mais
e exatamente o estudo da realidade que vai alm dos fenmenos, e que est em
permanente relao com a totalidade (OLIVEIRA, 2008).
Na dialtica, o conhecimento do real faz o movimento de abstrao
apreenso do concreto movimento que, para Marx (1982, p. 14), a maneira de
proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como
concreto pensado. A apreenso do concreto possvel pela identificao das
mltiplas determinaes e relaes do fenmeno, alm disso, pela investigao
das categorias gerais (partes do todo) para, atravs da anlise da estrutura interna
do fenmeno, chegar a sua sntese (ROSDOLSKY, 2001 apud BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 42) [grifo nosso]. Conforme Paulo Netto:
o que so categorias, das quais Marx cita inmeras (trabalho, valor, capital etc.)? As categorias, diz ele, exprimem [...] formas de modo de ser, determinaes de existncia, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada ou seja: elas so objetivas, reais (pertencem ordem do ser so categorias ontolgicas); mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstrao), o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, tambm pertencem ordem do pensamento so categorias reflexivas) (PAULO NETTO, 2011, p. 46-47) [grifos do autor].
A investigao de categorias se faz necessria, haja vista a impossibilidade
de conhecimento do todo, sem particion-lo pelo que lhe mais distintivo. Tambm
se reconhece a importncia de conjugar a anlise diacrnica (da gnese e
desenvolvimento) com a anlise sincrnica (sua estrutura e funo na organizao
atual) (PAULO NETTO, 2011, p. 49), pois a apreenso das categorias necessita ser
situada temporalmente e historicizada, portanto no eternizadas. Afinal, nas palavras
17
do autor, elas so histricas e transitrias, adquirindo validade somente no seu
marco.
Tambm nesta Dissertao, pelo conhecimento das categorias objetivas,
intelectivas, reflexivas, histricas e transitrias (Estado, Capitalismo, Poltica Pblica
de Turismo, Pobreza, Incluso Social, Desemprego, Trabalho, Turismo) de nosso
objeto, que podemos nos aproximar da apropriao do concreto que almejamos, isto
, responder ao problema proposto para a dissertao: Como o processo de
implantao das Polticas Pblicas de Turismo, a partir da criao do Ministrio do
Turismo no ano de 2003, prope-se a contribuir para a incluso social e alvio
pobreza?.
Pragmaticamente, busca-se analisar o papel do Estado, atentando-se ao
contexto capitalista no qual est inserido, a partir da discusso sobre como a
principal Poltica Pblica de Turismo do pas pode contribuir no alvio Pobreza.
Esta se configura especialmente pela varivel Desemprego, e o que se busca
analisar a Incluso Social que se d atravs do Trabalho na atividade econmica
do Turismo.
Igualmente importante delimitar o escopo e a articulao das categorias do
prprio mtodo dialtico, que so utilizadas como culos para a leitura estruturante
de nosso objeto; trata-se das categorias de Totalidade, de Contradio e de
Mediao ncleo da concepo terico-metodolgica de Marx. Para Paulo Netto
(2011, p. 57), a totalidade concreta e articulada [...] uma totalidade dinmica, em
que sua dinamicidade resultado do carter contraditrio de todas as totalidades
que compem a totalidade inclusiva e macroscpia; cabe ao pesquisador investigar
as relaes que se do nessas totalidades a partir de suas mediaes j que as
relaes no so imediatas , no apenas pelos distintos nveis de complexidade,
mas, sobretudo, pela estrutura peculiar de cada totalidade.
Cheptulin (1982, p. 5; 19) coloca que atravs das categorias da dialtica
que possvel correlacionar o particular e o geral na realidade objetiva e na
conscincia, bem como a colocao em evidncia da origem das essncias ideais e
da relao destas ltimas com as formaes materiais, com os fenmenos da
realidade objetiva. pelo conhecimento e anlise do sistema de categorias que
podemos nos movimentar do abstrato ao concreto, do fenmeno essncia, por
esse sistema ser um conjunto de conceitos que refletem [...] os aspectos e os laos
universais da realidade objetiva, de maneira que o movimento do retorno dos
18
conceitos realidade objetiva permite explicar o porqu das coisas. Assim, com
essa vigilncia epistemolgica (BACHELARD, 1968) baseada no entendimento
sobre a totalidade, contradio e mediao dos processos estudados que
analisamos nosso objeto nesta Dissertao.
Assim, tendo em vista nosso objeto de anlise congregando o trip Estado,
Poltica Pblica e Pobreza, a reflexo proposta observa a sequncia: 1. Como se
apresentam (totalidade); 2. Essncia no capitalismo (contradio); 3. O que pode
medi-los de forma que possam ser elementos de transformao no sentido de
homens mais livres e iguais (mediao). Esse roteiro busca entender as categorias
do objeto luz da dialtica marxista, passando pelo desvelamento at a criticidade
ativa.
Tambm com a inspirao da dialtica hegeliana, a respeito do modelo
tritico que pe em evidncia trs momentos essenciais da anlise de um
processo social, a saber: tese, anttese e sntese , estruturamos o processo de
teorizao nesta Dissertao. Para Demo (1980), o primeiro momento, a tese, o da
imediatez do universal vazio, da totalidade abstrata; o segundo, a anttese, o da
negao da tese, da anlise das determinaes, relaes e categorias do fenmeno,
assim como suas respectivas contradies; e o terceiro, a sntese, o da totalidade
concreta, da superao dos outros momentos. Alm disso:
Toda tese, por fora da historicidade intrnseca, desenvolve dentro de si a dinmica contrria, que a leva a gestar as contradies necessrias e suficientes para a superao. Superando-se determinada fase, entramos numa formao seguinte, dita sntese, em vrios sentidos: porque superao por elevao, de outro, porque traz em si o resultado da superao de contedos especficos da estrutura do conflito social, o que permite dizer que nenhuma sntese apenas repete a tese: ademais, porque sugere a ideias de totalidade histrica, particularmente no sentido da unidade dos contrrios a sntese no destri, antes neles se repete, revive, reinventa. A anttese no fase. Sendo negativa, o que falta na tese, o movimento da sua superao. A radicalidade da anttese condiciona a radicalidade da mudana: a quantidade e a qualidade do novo, na sntese est na proporo da radicalidade da anttese (DEMO, 1980, p. 62).
A pesquisa de Dissertao, nesse sentido, conjuga o conhecimento
acumulado e produzido (Parte I. Quadro Terico: O que se conhece), com as
prticas particulares (Parte II. Construo do Objeto: O que se apresenta),
sintetizado e estruturado na tentativa de resposta ao problema de pesquisa (Parte
III. Quadro Analtico: O que se critica), de maneira que as categorias de totalidade,
19
contradio e mediao possam ser trabalhadas em todo ciclo dialtico, em relao
ao processo analisado. Ora, como j alertado por Demo (1980), a superao de
determinada fase engendrada exatamente na fase anterior, fazendo com que
todas essas fases (ou, como propomos, Partes) estejam articuladas pelo desafio da
mudana e superao, a partir da criticidade poltica.
Vale notar que, para Marx, no faz sentido a abordagem do mtodo dialtico
sem que essa esteja cravada no campo da atividade poltica, de maneira que
traduza um materialismo ativo, da verdade sobre a luta de classes, enquanto arma
metdica e poltica (revolucionria) (HAGUETTE, 1990, p. 15). Ou seja, optando
pelo mtodo marxiano, assumimos o desafio de construir dialeticamente nosso
objeto enquanto atividade de um sujeito de carne e osso e criador de histria,
atribudo de conscincia de classe e dela defensora, alm de crtico de sua
alienao pelas relaes produtivas/sociais de dominao.
II. Caractersticas e Tcnicas da Pesquisa
Ainda seguindo o quadro metodolgico dialtico materialista, a apreenso de
nosso objeto de estudo nesta Dissertao guia-se pela aproximao essncia,
estrutura e dinmica dos processos sociais estudados, em detrimento da
aparncia ou forma do objeto. E, assim, utilizamos os instrumentos e tcnicas de
pesquisa como meios para a apreenso da matria embora esses no possam ser
confundidos com o mtodo (PAULO NETTO, 2011).
Tendo esse objetivo em mente, e sabendo que o desvelamento de uma
Poltica Pblica requer uma valiosa desconstruo das formas rgidas e
paradigmticas das polticas pblicas, utilizamos de diferentes campos do
conhecimento para nossa abordagem dialtica de abstrao do real e superao,
configurando a pesquisa como interdisciplinar que, de acordo com o que pensam
Laville; Dione (1999), implica em abordar os problemas de pesquisa relacionando s
diversas disciplinas das cincias que no estudo sero teis. A opo pelo termo
interdisciplinar, em detrimento da multi e transdisciplinaridade, configura a
emergente necessidade de que as disciplinas comuniquem-se e integrem-se, sem
deixar cada qual suas especializaes (DEMO, 2011).
20
Nossa pesquisa, visando o estudo da realidade concreta, versa
especialmente sobre as seguintes subreas do conhecimento: Economia Poltica e
Economia do Turismo, abrangendo estudos das Cincias Humanas e Cincias
Sociais Aplicadas. Esse enquadramento proposto justificado por Demo (2011),
para quem a pesquisa interdisciplinar, sendo reflexo de uma realidade complexa e
multifacetada, configura-se como um trabalho de grupo, em que cada especialista
traz sua contribuio aprofundada (a exemplo de um Economista e um
Turismlogo), com vistas a (re)construo de conhecimento mais fiel realidade
concreta e complexa.
Guiados pela dialtica marxista, faz sentido a utilizao de uma abordagem
qualitativa no estudo, a qual apropriada para obteno de um conhecimento mais
profundo e detalhado das polticas pblicas estudadas, em seu contexto histrico
e/ou segundo sua estruturao (OLIVEIRA, 2008, p. 37). Pontua-se que as
caractersticas da pesquisa qualitativa favorecem a apreenso do real proposto pelo
mtodo dialtico, que, por sua vez, se direciona para a prtica da abordagem
qualitativa, configurando uma via de mo de dupla. por isso que, para Demo
(2011, p. 151), toda proposta de captao da realidade (metodologia) a exemplo
da abordagem qualitativa sugerida para o trabalho est sempre a reboque da
teoria na qual se definem os contornos mais relevantes da realidade.
Para Haguette (1995, p. 20), a pesquisa qualitativa uma reao contra o
paradigma estrutural quase sempre associado a modelos quantitativos de anlise
(reduzindo equivocadamente a teoria marxiana), superando-os atravs de um
movimento reflexivo e crtico das categorias do objeto, embora sem deixar de lado a
sistematizao da anlise. A esse respeito, Demo (2011) pondera que a abordagem
qualitativa no simplesmente a negao da quantitativa, mas, sim, a busca por
horizontes substanciais; o estudo de um objeto complexo e no-linear; o trato com
fenmenos intensos, para alm da extenso; a politizao dos processos e sujeitos
sociais; e, finalmente, a dialtica dos fenmenos, enquanto dinmicos e contrrios.
As caractersticas bsicas da pesquisa qualitativa, segundo Creswell (2007),
so: ocorrncia em cenrio natural; utilizao de mecanismos mltiplos, interativos e
humansticos de coleta de dados; emergente nas questes de pesquisa e
perspectivas tericas, em detrimento da pr-configurao estrita da pesquisa;
fundamentalmente interpretativa, sem desconsiderao da descrio e da anlise;
necessidade de macroanlises holsticas dos fenmenos sociais; utilizao de
21
raciocnio complexo multifacetado, interativo e simultneo; e, por fim, para Ldke;
Andr (1986), maior nfase nos processos do que nos produtos.
O nvel de detalhamento da pesquisa que se segue conjuga os tipos
exploratrio e explicativo, embora com nfases diferenciadas. Para Deslauriers;
Krisit (2008, p. 130), a pesquisa qualitativa comumente utilizada para explorao
de determinadas questes na realidade social, configurando-a como de nvel
exploratrio, cujo objetivo proporcionar viso geral, de tipo aproximativo, acerca
de determinado fato e, portanto, apropriado para temas de pesquisa ainda no
explorados, com dificuldade de formulao de hipteses (GIL, 2007, p. 43). Desse
modo, a principal entonao dada pesquisa desta Dissertao a explorao de
abrangncias e prioridades da principal Poltica Pblica de Turismo do pas, no
tocante da temtica de incluso social e alvio pobreza, propondo uma viso
totalizante acerca dessa poltica e desconstruindo conceitos rgidos em relao
mesma.
Entretanto, no faz sentido a finalizao da pesquisa, sem que essa seja
sintetizada exatamente pela explicao das determinaes e categorias gerais que
constituem os fenmenos estudados, as Polticas Pblicas de Turismo, a partir da
concepo materialista dialtica. Gil (2007, p. 44) descreve a pesquisa explicativa
como aquela que tem como preocupao central identificar os fatores que
determinam ou que contribuem para a ocorrncia dos fenmenos, aprofundando o
conhecimento sobre a realidade, as razes das coisas.
As tcnicas de pesquisa da Dissertao seguem o delineamento
bibliogrfico (fontes secundrias) e documental (fontes primrias), ou seja, uma
documentao indireta3. No buscamos esgotar todo o tema proposto nesta
Dissertao, mas sim construir uma reflexo slida e crtica sobre Estado, Polticas
Pblicas e Pobreza, bem como, e aqui se encontra o ineditismo deste trabalho,
estabelecer conexes entre algumas categorias que costumam aparecer
separadamente nos trabalhos acadmicos de turismo, como polticas pblicas de
turismo e mercado de trabalho no turismo.
Como indicam Lakatos; Marconi (2008), a pesquisa bibliogrfica abrange
todo material j tornado pblico referente ao tema de estudo, desde a imprensa
3 Vale notar que, como j aparenta ao leitor, no caracterizamos este trabalho como puramente
terico, haja vista o instrumental de dados documentais utilizados, mas decerto no um trabalho emprico, com a obrigatoriedade de trabalho de campo.
22
escrita a publicaes cientficas, contemplando uma ampla gama de fenmenos;
alm disso, para Deslauriers; Krisit (2008), a pesquisa deve funcionar como
instrumento da construo permanente do objeto do pesquisador, o que inclui
tambm a anlise dos dados, enquanto momento de equilbrio entre a teoria e
empiria.
A tcnica bibliogrfica, considerada lentes ou perspectivas tericas em
pesquisas qualitativas para Creswell (2007), balizada pelos assuntos: Estado e
Polticas Pblicas; Pobreza no Brasil; e Turismo e combate pobreza. Vale notar
que, conforme compreende Paulo Netto (2011, p. 55), o marco bibliogrfico da
pesquisa deve corresponder teoria social marxista, alinhavada com a proposta
metodolgica da dialtica materialista, afinal, no possvel, seno ao preo de
uma adulterao do pensamento marxiano, analisar o mtodo sem a necessria
referncia terica e, igualmente, a teoria social de Marx torna-se ininteligvel sem a
considerao de seu mtodo. Da a importncia de uma construo terico-
metodolgica devidamente estruturada.
J a pesquisa documental abrange materiais que ainda no foram tratados
analiticamente, sejam esses escritos ou imagticos, contemporneos ou
retrospectivos, a exemplo dos documentos oficiais ou das fotografias. Essa tcnica
a qual, segundo as autoras Ldke; Andr (1986, p. 38), busca identificar
informaes factuais nos documentos a partir de questes ou hipteses de
interesse constitui uma fonte estvel e rica em termos de evidncias que
fundamentem as afirmaes do pesquisador.
O documento-base desta Dissertao o Plano Nacional de Turismo
2007/2010 (elaborado e publicado pela Secretaria Nacional de Programas de
Desenvolvimento do Turismo, vinculada ao Ministrio do Turismo). Vale notar que o
foco dado a um nico documento no restringiu a anlise aos dados levantados
neste - coube, nesse sentido, a construo de um corpus pertinente ao tema, que
abarca, invariavelmente, a experincia pessoal, a consulta exaustiva a trabalhos de
outros pesquisadores que se debruam sobre objetos de estudo anlogos, bem
como a iniciativa e a imaginao (CELLARD, 2008, p. 298).
A anlise documental do PNT, para Cellard (2008), conta com a importante
vantagem de eliminar a possibilidade eventual de influncia exercida pelo
pesquisador ao objeto analisado, apesar do documento combinar informaes as
quais o pesquisador no domina, e com as quais no pode interagir. Essa anlise
23
seguiu o roteiro para a crtica de um documento sugerido por Cellard (2008): anlise
preliminar (aplica-se em cinco dimenses: contexto, autores, autenticidade, natureza
do texto, conceitos-chave e lgica interna); e anlise central (articulam-se as
dimenses com a problemtica do trabalho).
A anlise preliminar se iniciou com a leitura detalhada do PNT. Essa leitura
objetivou examinar as primeiras dimenses apresentadas por Cellard (2008), como
se seguem:
- Contexto: Buscamos investigar e avaliar as referncias feitas ao contexto
social e a conjuntura poltica e socioeconmica nos quais o documento foi
produzido. Embora em pouca quantidade e nfase, algumas referncias ao pas, ao
atual desenvolvimento econmico, e ideologia poltica do governo daquele
momento, so feitas no PNT;
- Autores: Procuramos elucidar a identidade da instituio responsvel pela
publicao do documento, buscando tambm sinalizar as concepes ou os valores
desses mesmos autores, os quais eram ora relacionados ao Ministrio do Turismo,
ora relacionados ao Governo Federal. Atentamos tambm para trechos os quais
indicavam metas e objetivos, pois esses requeriam, pela prpria natureza do texto,
autores e responsveis para a sua realizao;
- Autenticidade: Embora tratemos de um documento oficial, buscamos
verificar os dados apresentados no PNT que so oriundos de instituies de
pesquisa (e. g. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, Fundao Instituto de
Pesquisas Econmicas), alm de outros dados provenientes da prpria instituio.
Essa verificao diz respeito principalmente procedncia das informaes e
poca em que as mesmas foram coletadas e tratadas;
- Natureza do texto: Procuramos respeitar e considerar as caractersticas da
natureza do texto, levando em conta a sua estrutura, as formalidades oficiais, os
padres acadmicos de linguagem, os subentendidos todos enriquecidos de
sentido para o pesquisador. Sobre sua natureza, o documento analisado
caracterizado como de domnio e arquivo pblico.
Optamos por fazer o exame da dimenso conceitos-chave e lgica interna,
junto da anlise central, que se iniciou com a segunda leitura do documento - leitura
esta didaticamente sistematizada. Nesta, foram grifados frases e termos que
apareciam repetidamente, indicavam conceitos-chave, sustentavam algum
24
argumento, contextualizavam algum assunto, ou faziam qualquer sentido
problemtica desta pesquisa.
A partir desta sistematizao, passamos, ento, para a anlise central. De
posse do contedo fichado do PNT, junto das primeiras dimenses j realizadas,
pudemos interpretar o documento, sintetizar as informaes prioritrias e construir
certas inferncias (a abordagem permanece tanto indutiva quanto dedutiva,
Cellard, 2008, p. 303). Essas inferncias s so possveis, porque, procedendo-se
em um movimento de desconstruo e reconstruo dos dados do material original,
fazemos as articulaes necessrias a fim de responder nosso problema de
pesquisa. Para o mesmo autor:
esse encadeamento de ligaes entre a problemtica do pesquisador e as diversas observaes extradas de sua documentao, o que lhe possibilita formular explicaes plausveis, produzir uma interpretao coerente, e realizar uma reconstruo de um aspecto qualquer de uma dada sociedade, neste ou naquele momento (CELLARD, 2008, p. 304).
Desse modo, as mais significativas ideias, que se relacionam com as
questes e categorias a posteriori desta pesquisa, buscam problematizar as teorias
de Estado, Pobreza e Turismo, traando relaes tericas e construindo desafios
prticos, a partir dos conceitos-chave que foram evidenciados no PNT - os quais
foram fundamentais na instrumentalizao da anlise de abordagem crtica proposta
(BAUER et al, 2008).
Essa anlise crtica pretendeu apontar conexes que possibilitam a
proposio de novas explicaes, interpretaes, e tambm novas lacunas (que
podero ser continuadas em projetos futuros). A teorizao desta etapa conta,
assim, com a sntese crtica das contradies (tese-anttese) dos processos
estudados ao longo do trabalho, a partir da definio e anlise de questes
analticas.
III. Delineamento dos Captulos
Algumas preocupaes so fundamentais quando se trata de um marco
terico marxista. O combate pobreza pode e deve ser considerado no escopo das
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polticas pblicas a comear, claro, por polticas econmicas que considerem o
interesse no aumento do emprego, como o caso na conduo das polticas fiscal e
monetria, por exemplo -, porque o Estado precisa ter um papel discricionrio para
que as classes mais pobres tambm possam melhor se integrar na relao capital-
trabalho. O Estado, no capitalismo, tem a importante funo de mediar a gesto
dessa fora de trabalho, valendo-se da principal tnica do capitalismo que, apesar
de precisar dos trabalhadores, produz desemprego, e necessita estimular e garantir
a explorao da fora do trabalho para obter lucro.
Inserido na Parte I. Quatro Terico (O que se conhece), essa a
principal nfase do primeiro captulo, intitulado 1. Estado e Polticas Pblicas,
que conta com as teorias e os estudos de Sader (1993), Marx (2005; 1991; 1986;
1982), Engels (1980), Marx; Engels (1988; 1970), Harvey (2006), Jessop (1977),
Lenin (2010), Mollo (2001), Poulantzas (1971 a; 1971 b; 1978; 1977), Miliband
(1969; 1973), Brunhoff (1985), Rodrigues (2010), Behring; Boschetti (2011), Pereira
(2004), Hobsbawm (2004), Scott (2002), Ianni (2004), Castel (2005), Paulo Netto
(2001) e Ianamoto (2001). Para esse debate, reiteramos a prioridade do pensamento
marxista, para o qual no se deve negligenciar o sistema econmico vigente como
condio primeira da anlise do Estado e das polticas pblicas. Essa opo passa
pela abordagem marxista de Poulantzas (1971 a; 1971 b; 1978), para quem o papel
do Estado, no contexto do modo de produo capitalista, no deve ser considerado
simples objeto dessa classe, dada sua certa autonomia diante das classes.
Tambm adotamos, segundo a tica marxista, o entendimento de que o
tema das polticas pblicas est ligado s instituies como instrumentos
importantes de transformao social e efetivao dos direitos de cidadania, as quais
funcionariam como mecanismo de alcance do objetivo da emancipao da classe
operria (RODRIGUES, 2010, p. 30). Ademais, defendemos que uma poltica social
como estratgia de ao do Estado - s adquire significao prtica e terica na
medida em que for sistematicamente vinculada a uma questo [social], isto , a
poltica deve objetivar resolver uma questo posta na esfera das relaes sociais,
conferindo, ou no, bens, servios e direitos reivindicados por uma coletividade
(PEREIRA, 2004, p. 121, 119).
No segundo captulo, intitulado 2. Pobreza e suas interfaces, trabalhamos
com os autores: Amado; Mollo (2003), Salama; Valier (1975), Salama (2002),
Arbache (2003), Medeiros (2005), Osrio (2005), Carneiro (2003), Ferreira et al
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(2006), Dedecca (2005), Soares (2006), Soares et al (2006), Lautier; Salama (1995)
e Figueir (2010). Aqui, quando falamos em combate pobreza, precisamos
inicialmente mostrar que o aumento da pobreza, paralelamente s desigualdades
socioeconmicas, potencializada pela varivel desemprego, que , por sua vez,
uma consequncia do sistema capitalista. A criao do chamado exrcito industrial
de reserva, ou de superpopulao relativa de trabalhadores, segundo Marx,
inerente lgica capitalista. O desenvolvimento tecnolgico buscado com vistas ao
aumento da mais-valia relativa poupador de mo-de-obra e, por isso, produz um
desemprego do tipo estrutural (AMADO, MOLLO, 2003; SALAMA, VALIER, 1975).
O retrato atual dessa pobreza no pas , segundo Arbache (2003), marcado
pela maior incidncia nas regies polticas Nordeste e Norte, afetando
percentualmente maior parte da populao, que ainda maior entre os negros.
Ademais, a pobreza no Brasil no existe por falta de renda, mas, sim, em razo da
pssima distribuio dessa renda distribuio que vem melhorando nos ltimos
anos, mas que ainda continua alta. De fato, desigualdade de renda, de educao e
de posse de ativos so fatores de aumento e existncia da pobreza, junto do fator
desemprego, que ainda permanece como a principal razo da pobreza no
capitalismo (alavancado pelo refinamento de tecnologia poupadora de mo-de-obra).
Vemos tambm nesse captulo que, ainda com o crescimento da economia
do pas, esse no suficiente para erradicar a pobreza, de maneira que preciso
garantir que os benefcios trazidos com esse crescimento sejam acessados por
todos, inclusive e especialmente pelos pobres. Da a necessidade de polticas
redistributivas, focadas na transferncia de renda (com e sem condicionalidades);
polticas de educao (investimento de longo prazo para o alvio pobreza, mas
com retorno perene); e polticas que facilitem o microcrdito, por exemplo.
No segundo momento da Dissertao, trazemos a Parte II. Construo do
Objeto (O que se apresenta). Nesta, temos o captulo intitulado 3. Turismo e
Polticas Pblicas, no qual a discusso crtica foi feita a partir da leitura dos
autores: Sancho (2001), Camargo (2002), Siqueira (2005), Dumazedier (2000),
Lafargue (1983), Camargo (2003), Panosso Netto (2013), Urry (1996), Adorno
(2002), Krippendorf (2009), Barretto et al (2003), Cruz (2000; 2006), Gastal; Moesch
(2007), Beni (2006), Barretto (2000), Ouriques (2005) e Ripoll (2003). No primeiro
item desse captulo, historicizamos o turismo do ponto de vista de sua progressiva
mercantilizao, que se inicia com a consolidao das revolues industriais na
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Europa em meados do sculo XVII e, a partir dessas, a conquista de alguns direitos
pelos trabalhadores, os quais tornam possvel se pensar na ocupao do tempo livre
pelas viagens tursticas (SIQUEIRA, 2005). A apresentao da histria social do
turismo importante em nosso estudo por justificar o conceito do turismo
fundamentado no deslocamento de pessoas pelo territrio, que carrega os traos da
mercantilizao da sociedade capitalista.
Em seguida, buscamos desconstruir a superficialidade com que trabalhada
a temtica de poltica pblica de turismo, limitada muitas vezes descrio de como
se daria o aconselhvel ordenamento da atividade. O histrico recente das
polticas pblicas de turismo no Brasil, iniciadas por volta do fim da dcada de 1960,
marcado pela fraca articulao com outras polticas setoriais, pela centralizao de
planejamento e coordenao da poltica de turismo, pela ausncia da definio clara
de objetivos, metas e prioridades, dentre outras questes apontadas por Beni
(2006). O setor do turismo observou e observa, ainda, aes que se justificam pelos
altos nmeros de fluxos de passageiros, aumento da participao no PIB nacional,
etc.
Por fim, no terceiro momento da Dissertao, na Parte III. Quadro
Analtico (O que se critica), temos o captulo intitulado 4. Relaes Tericas e
Desafios Prticos, no qual objetivamos analisar mais profundamente as relaes e
os desafios que demandam nosso problema de pesquisa, tanto no tocante
conceitual das categorias do objeto, como no tocante da formulao de polticas
pblicas que se comprometem com a questo da reduo da pobreza no pas. Vale
notar que, nesse sentido, no obstante os avanos nos debates sobre as polticas
pblicas de turismo nos ltimos anos, especialmente a partir da implantao do
Ministrio do Turismo em 2003, muitas lacunas ainda esto esquecidas.
Assim, a partir da interpretao do Plano Nacional de Turismo 2007/2010,
fizemos a reflexo de algumas inferncias, que se relacionam com as questes e
categorias a posteriori desta pesquisa. O objetivo deste captulo traar relaes
tericas e construir desafios prticos, visando uma ampla inter-relao das
categorias do objeto e tambm visando um olhar macro sobre as Polticas Pblicas
de Turismo, particularmente no que se relaciona ao instrumental que o PNT
2007/2010 oferece.
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Parte I. QUADRO TERICO (O que se conhece)
A histria de todas as sociedades, at hoje, tem
sido a histria da luta de classes. Opressores e
oprimidos estiveram em permanente oposio;
travaram uma luta sem trgua, ora disfarada,
ora aberta.
Karl Marx (Manifesto Comunista, 1848)
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1. Estado e Polticas Pblicas
1.1 Teoria Marxista de Estado: da autonomia da sociedade autonomia relativa
da economia
As concepes de Estado so fundamentadas, basicamente, por duas
correntes tradicionais nas Cincias Sociais, cujos principais idealizadores so Max
Weber (1864-1920) e Karl Marx (1818-1883). Algumas abordagens weberianas,
contemporneas obra marxista, entendem o Estado como uma instituio
autnoma em relao sociedade, portanto uma instituio dotada de certa
funcionalidade, qual seja a monopolizao da violncia fsica, organizada numa
relao poltica de dominao. J a contribuio marxista concepo de Estado
a de compreend-lo enquanto uma unidade de classe, portanto estritamente ligado
s relaes sociais de produo por ela determinados (SADER, 1993), no sentido de
zelar pela ordem dominante, e como algo necessrio no capitalismo, em particular
no que se refere gesto de fora de trabalho.
Para Weber, o Estado o resultado de um processo histrico-sociolgico de
concentrao e centralizao de poder em uma estrutura ou agrupamento poltico,
atravs de coero fsica, que estaria posta em oposio aos poderes privados e
dispersos. Uma associao poltica denominada Estado quando e na medida em
que seu quadro administrativo reivindica com xito o monoplio legtimo da coao
fsica para realizar as ordens vigentes, dentro de determinado territrio geogrfico
(WEBER, 1991, p. 34).
Tambm em outra obra, Weber (2009, p. 60) observa que o Estado no
dever ser definido por seus fins, ao contrrio, pelo meio que lhe prprio,
retomando a condio de uso da coao fsica reivindicada pelos dominadores,
para conceitu-lo. Com esse objetivo, o Estado moderno, que tem na estrutura
burocrtica sua principal caracterstica, rene os meios materiais de gesto sob
autoridade dos dirigentes.
Pode-se compreender que a definio de Estado, para Weber, privilegia sua
organizao burocrtica, dada especialmente pelo exerccio dos instrumentos de
represso fsica organizada (foras armadas, polcia, tribunais), o qual, por sua vez,
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legitima-se por corresponder ao interesse geral e aos limites legais e racionais.
Ademais, cabe a coao fsica somente ao Estado, isto , essa no diretamente
praticada pelos agentes/instituies sociais que detm o domnio das relaes de
produo.
Aqui optamos por priorizar o pensamento marxista, que parte do
pressuposto que a anlise poltica do Estado superficial, necessitando assim do
vis histrico-econmico e estrutural para conceitu-lo e critic-lo, ou seja, no se
deve negligenciar o sistema econmico vigente como condio primeira da anlise
do Estado.
Essa concepo de Estado, embora no apresentada sistematicamente nas
obras de Marx, tem incio com a crtica da filosofia do direito proposta por Hegel,
para quem o Estado moderno era a racionalizao da vontade livre e esfera de
conciliao entre Estado e sociedade civil. Marx sugeriu, de maneira oposta, que o
Estado necessariamente possui uma natureza de classe e, justamente em funo
disso, o Estado representa a separao do povo em relao sua vontade
genrica (MARX, 2005, p. 21).
O Estado no pois, de modo algum, um poder que se imps sociedade de fora para dentro; tampouco a realidade da ideia moral, nem a imagem e a realidade da razo, como afirma Hegel. antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; a confisso de que essa sociedade se enredou numa irremedivel contradio com ela prpria e est dividida por antagonismos irreconciliveis que no consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econmicos colidentes no se devorem e no consumam a sociedade numa luta estril, faz-se necessrio um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mant-lo dentro dos limites de ordem. Este poder, nascido da sociedade, mas pouco acima dela se distanciando cada vez mais, o Estado (ENGELS, 1980, p. 191).
A crtica de Marx; Engels d contedo interpretao materialista do
Estado, refutando o idealismo filosfico de Hegel, portanto, o Estado considerado
uma forma independente, manifestada em funo das contradies entre os
interesses civis e coletivos, baseadas na estrutura social. Retoma-se, assim, o
carter classista do Estado, o qual, tendo de assumir uma existncia independente,
para garantir o interesse comum, torna-se o lugar de um poder aliengena, por
meio do qual pode dominar os indivduos e os grupos (HARVEY, 2006, p. 80).
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O Estado contaria com dois traos caractersticos. O primeiro trao,
aproximando-se da abordagem weberiana, a caracterizao do Estado pelo
agrupamento dos seus sditos de acordo com uma diviso territorial [...] Essa
organizao dos sditos do Estado conforme o territrio comum a todos os
Estados. O segundo, indo de encontro ao que pensou Weber, a instituio de
uma fora pblica, que j no mais se identifica com o povo em armas. A
necessidade dessa fora pblica especial deriva da diviso da sociedade em
classes, que impossibilita qualquer organizao armada espontnea da populao
(ENGELS, 1980, p. 192).
Ainda em Marx, possvel verificar outras acepes sobre Estado. Dessas,
incluindo tambm as escritas pelos autores clssicos do marxismo Engels e Lenin,
Jessop (1977) pde enumerar seis, as quais corroboram a natureza classista do
Estado. Instituio parasita (MARX, 1991), instrumento da classe dominante (MARX;
ENGELS, 1988), fator de coeso de uma sociedade (ENGELS, 1980; LENIN, 2010),
conjunto de instituies especializadas geradas pela diviso do trabalho (ENGELS,
1980; LENIN, 2010), sistema de poder poltico formado para defender os interesses
a longo prazo de classe (LENIN, 2010; MARX, 1986) e reflexo do sistema de
relaes da luta de classes (MARX, 1982) so as abordagens mapeadas.
Ademais, contemporaneamente, neomarxistas propuseram debater o
conceito de Estado, investigando a necessidade do avano terico no mbito das
especificidades do Estado no capitalismo. Em linhas gerais, se h autores que
defendem o papel do Estado em melhoras obtidas pelos trabalhadores em vista da
sua autonomia relativa com referncia s classes, h outros que privilegiam o papel
da luta de classes nessa anlise e a derivao lgico-histrica do Estado para bem
apreender seu papel. Essa discusso, analisada e interpretada por Mollo (2001),
feita inicialmente por Poulantzas (1971 a e b, e 1978) e Miliband (1969, 1973) e, em
seguida, aprofundada por correntes mais atuais, como os regulacionistas,
reformulacionistas, no primeiro caso; e pelos demais autores e tericos da luta de
classes, no segundo.
Para Sader (1993, p. 14), o que est presente como pano de fundo em todas
essas abordagens, e da a necessidade de considerar essa condio em nossa
anlise sobre Estado, exatamente as demandas, implicaes e caractersticas
essenciais do modo de produo capitalista. Logo, independente das mltiplas
abordagens marxianas e marxistas concepo de Estado e, em um segundo
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momento, das divergncias entre as concepes neomarxistas - intensificadas no
incio da dcada de 1970, quando a teorizao de Estado toma a cena nos estudos
da Cincia Poltica -, a contextualizao acerca do modo de produo vigente faz-se
necessariamente importante para o entendimento sobre a concepo marxista de
Estado.
Como sugerido acima, a discusso mais recente sobre o papel do Estado
em Marx gira mais precisamente em torno do debate entre Miliband e Poulantzas,
que divergem a respeito do Estado, mais particularmente para o que nos interessa
aqui, sobre a possibilidade de contar com o Estado para melhorar a posio do
trabalhador na relao capital-trabalho. Para o primeiro, mais do que apenas
atentar-se relao entre Estado e o modo de produo capitalista, no se pode
negligenciar a interao entre necessidades e limites prprios da incoerente
reproduo capitalista, bem como omitir a identificao do poder do Estado ao da
classe hegemnica, em que o Estado seria o brao da burguesia (MOLLO, 2001).
Pouco ou nada, portanto, se pode esperar dele para melhorar a insero do
trabalhador na relao capital-trabalho.
Harvey (2006, p. 81), nesse sentido, tambm analisa a concepo do Estado
enquanto instrumento de dominao de classe. Retomando os escritos de Marx;
Engels (1970), sugere que esse uso do Estado, a favor dos interesses de
determinada classe, gera uma nova contradio, qual seja a de exercer o poder, em
seu prprio interesse classista, legitimado pela idealizao abstrata do interesse
comum. Para isso, o autor apresenta duas estratgias de diminuio, com ressalvas,
dessa contradio: o Estado deve parecer independente e autnomo em seu
funcionamento [...] ter toda a aparncia de autonomia diante das classes
dominantes; bem como idealizar interesses gerais de maneira ilusria, a partir da
universalizao das ideias como ideias dominantes. A abordagem de Miliband, de
negao da neutralidade do Estado, fortaleceria, pois, a noo de resistncia
popular e movimentos sociais, os quais seriam os meios que poriam freio ao seu
poder, esse vinculado aos interesses classistas.
Em uma segunda linha, ainda de acordo com a autora (MOLLO, 2001, p. 3),
referindo-se a Poulantzas, o Estado o fator de coeso dos diferentes nveis de
uma formao social, os nveis econmico, poltico e ideolgico, com funo de
regulao de seu equilbrio global. O carter funcional do Estado, tomando o
conjunto das suas diversas funes, portanto, se daria com vistas coeso da
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sociedade. Ainda que essas funes possam representar os interesses polticos da
classe hegemnica (como afirmado por Miliband), o Estado, no contexto de modo de
produo capitalista, no deve ser considerado simples objeto dessa classe, dada
sua certa autonomia diante das classes ou fraes dessas (autonomia que depende,
particularmente, da luta poltica das classes dominadas).
O Estado capitalista , ento, para Poulantzas, um estado - nacional - popular - de classe, no sentido de um Estado cujo poder institucionalizado tem uma unidade prpria de classe, mas se apresenta como Estado nacional popular, representando a unidade poltica de agentes privados entregues a antagonismos econmicos, antagonismos estes que cumpre ao Estado ultrapassar (MOLLO, 2001, p. 3).
Poulantzas acrescenta outra questo para sua percepo sobre Estado,
quando confirma que esse tem um papel constitutivo e reprodutivo da reproduo
do capital, presena que se d conforme os estgios e fases do prprio capitalismo
(POULANTZAS, 1977, p. 17). Outra razo pela qual possvel pensar no Estado
como possibilidade de melhorar a posio do trabalhador na relao capital-trabalho,
que o Estado, apesar de ser de classe, no se confunde com a relao de
explorao (BRUNHOFF, 1985).
Sader (1993, p. 14) tambm comenta essa questo, corroborando a
necessidade acerca da contextualizao do modo de produo capitalista e
exemplificando: o Estado liberal correspondendo a uma autodeterminao completa
do capitalismo [...]; o Estado nos pases subdesenvolvidos, cuja fora correlata
incapacidade de acumulao de capital pela burguesia desses pases.
Ainda havendo tal relao entre Estado e capitalismo, Poulantzas defende a
separao relativa entre o Estado e a economia, vinculada desapropriao (
separao na relao de posse) dos trabalhadores de seus objetos e meios de
trabalho e ligada, assim, especificidade da constituio das classes e da luta de
classes, sob o capitalismo (POULANTZAS, 1977, p. 16). Aqui cabe notar que,
conforme aponta Mollo (2001), essa relativa autonomia do Estado em relao
economia, admite a separao do Estado do domnio econmico da classe
hegemnica, sem causar ameaa ao capitalismo. Alm disso, e o que nos parece
ser mais interessante para esse estudo, essa autonomia admite pensar, em termos
marxistas, no surgimento de uma poltica social atenta classe dominada ou que
melhore sua posio na relao capital-trabalho.
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Rodrigues (2010, p. 30), em relao s polticas sociais, lembra que a
emancipao pode ocorrer ou pode ser buscada a partir de polticas pbicas em
vista da possibilidade da relativa autonomia do Estado, apesar da admisso de
restries aos ganhos da classe dominante. Isso se daria atravs da aproximao
dos valores da partidarizao operria. essa autonomia que permite que a posio
dos trabalhadores na relao capital-trabalho possa melhorar, sem, no entanto,
comprometer a dominao capitalista.
Behring; Boschetti (2011, p. 51-52) consideram que as polticas sociais so
decomposies e demandas relativas questo social no capitalismo cujo
fundamento se encontra nas relaes de explorao do capital sobre o trabalho.
Isto , a poltica social elemento constitutivo para a compreenso das expresses
da questo social, que so explicadas pelo processo de acumulao do capital,
produzido e reproduzido com a operao da lei do valor, cuja contraface a
subsuno do trabalho pelo capital, acrescida da desigualdade social e do
crescimento relativo da pauperizao.
Pereira (2004, p. 120) tambm destaca a importncia de se analisar a
questo social para a poltica pblica, no sentido de que tais questes so:
necessidades e demandas socialmente problematizadas por atores sociais estratgicos e com poder de presso, que crem poder fazer algo para mudar estados de coisas prevalecentes e se mobilizam porque possuem condies de promover a incorporao de seus pleitos na agenda poltica. S quando um problema se transforma em questo que as polticas, como estratgias de ao, surgem.
Historicamente, as primeiras expresses da questo social so verificadas
exatamente com as mnimas respostas do Estado ao panorama de explorao do
trabalho fabril e de desigualdade, que se configuravam as sociedades industriais
(princpio do capitalismo mundial), como consequncia da prpria conscincia
coletiva dos trabalhadores. As Revolues de 1848, enfocadas por Hobsbawm
(2004), so decisivas para a definio legal de 10 horas da jornada de trabalho,
mesmo apresentada como legislao de exceo. Assim, a legislao fabril
pioneira no tocante ao papel do Estado em relao aos trabalhadores, marcando o
incio da concesso de direitos sociais.
Scott (2002, p. 108), ao escrever sobre a questo social na perspectiva das
mulheres, retomando o histrico da Revoluo de 1848, recorda que Direito ao
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trabalho foi o grito de guerra dos homens e mulheres os quais reivindicavam no
somente o acesso ao emprego, mas a garantia de um meio de vida, a possibilidade
de ganhar um salrio decente. Esse se configurava o principal tom daquilo que
seria conhecido por questo social, de maneira que tais problemas sociais
passariam a ser alvo das discusses no campo poltico, juntamente com o direito ao
voto, direito propriedade privada e direito da mulher.
No Brasil, a questo social tambm marcou a atuao do Estado,
especialmente com o declnio
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