RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)
TÍTULO DA PESQUISA:
Discurso, Política e Poética: os discursos sobre o poeta e a poesia no
Ministério da Cultura
Bolsista: Pedro Alberto Ribeiro Pinto
Orientador: Carlos Félix Piovezani Filho
INSTITUIÇÃO DE ORIGEM:
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Departamento de Letras/CECH
NÚMERO DO PROCESSO FAPESP: 2013/13313-7
PERÍODO DE VIGÊNCIA DO PROJETO: 01 de agosto de 2013 a 31 de julho de 2014
PERÍODO RELACIONADO: 01 de agosto de 2013 a 10 de agosto de 2014
_________________________ _________________________
Assinatura do Bolsista Assinatura do Orientador
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SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................. 04
1 Resumo do projeto proposto.............................................................................. 05
1.1. Pertinência do projeto....................................................................................... 05
1.2. Questões propostas........................................................................................... 06
1.3. Objetivos........................................................................................................... 06
1.4. Corpus e metodologia....................................................................................... 07
2 Atividades realizadas – primeiro período......................................................... 09
2.1. Leitura e discussão da bibliografia.................................................................. 09
2.1.1. Detalhamento dos progressos realizados....................................................... 10
2.1.1.a. A Análise do Discurso................................................................................. 10
2.1.1.a.i. Histórico de formação da disciplina.......................................................... 10
2.1.1.a.ii. Contexto epistemológico......................................................................... 12
2.1.1.a.iii. As três épocas......................................................................................... 15
2.1.1.a.iv. Questões e postulados teóricos............................................................... 19
2.1.1.a.v. Procedimentos metodológicos................................................................. 26
2.1.1.a.vi. Particularidades do discurso político...................................................... 32
2.1.1.b. A cultura e suas políticas............................................................................ 35
2.1.1.b.i. O que é cultura? Dizeres sobre o tema..................................................... 35
2.1.1.b.ii. O Ministério da Cultura brasileiro........................................................... 38
2.1.1.c. A poesia: algumas características e apontamentos.................................... 42
2.2. Constituição do corpus..................................................................................... 44
3 Atividades realizadas – segundo período.......................................................... 49
3.1. Seleção das sequências discursivas para análise............................................... 49
3.1.1. Problemáticas da ferramenta de busca........................................................... 49
3.1.2. Densidade do corpus...................................................................................... 50
3.2. Nota prévia às análises: representatividade dos discursos................................ 51
3.3. Análises............................................................................................................. 52
3.3.1. Cadeias Pafrásticas em Editais do MinC....................................................... 55
3
3.3.1.a. EDT-001: Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária (2007).............. 55
3.3.1.b. EDT-002: Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody” (2008)............ 66
3.3.1.c. EDT-003: Prêmio “Vivaleitura” (2012)...................................................... 70
3.3.1.d. EDT-004: Histórias de Trabalho – 21ª Edição (2014)................................ 72
4 Resultados, Conclusões e Apontamentos......................................................... 75
4.1. Resultados e Conclusões................................................................................... 75
4.2. Apontamentos Finais........................................................................................ 77
5 Divulgação científica da pesquisa...................................................................... 79
6 Aplicação dos recursos da Reserva Técnica..................................................... 80
Referências Bibliográficas..................................................................................... 81
.
4
INTRODUÇÃO
Com vistas a cumprir nossos deveres perante a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (doravante FAPESP), elaboramos este relatório final ao longo e ao
cabo das atividades anuais relativas ao processo 2013/13313-7, referente ao projeto de
pesquisa “Discurso, Política e Poética: os discursos sobre o poeta e a poesia no
Ministério da Cultura”. O período em pauta estende-se, portanto, do primeiro dia de
agosto de 2013 ao décimo dia de janeiro de 2014; ao longo de tal período pudemos
realizar, graças ao apoio da instituição, diversos avanços no que concerne ao nosso
desenvolvimento acadêmico. Estes avanços serão brevemente apresentados a seguir e
especificados ao longo do projeto, nas seções correspondentes a cada atividade.
Além desta primeira apresentação do relatório, dividimo-lo em outras seis seções,
que se subdividem conforme a necessidade de seu desenvolvimento. Assim, na seção 2
faremos uma breve retomada do projeto que submetemos à FAPESP e que possibilitou
esta empreitada, revendo sua pertinência, as questões que ele levanta e os objetivos que
propõe, bem como seu corpus e metodologia de análise; na seção 3 discorreremos sobre
as atividades realizadas neste período, nos detendo especialmente sobre as discussões
acerca da bibliografia que levantamos e sobre a constituição do corpus; já nas seções 4 e
5 delinearemos os planos para os próximos meses, listando as atividades ainda a serem
realizadas e os resultados esperados; por fim, na seção 6 exporemos como foi e será
realizada a utilização dos recursos da Reserva Técnica prevista por nossa bolsa e na
seção 7, a última, listaremos os artigos, livros e páginas da web que formam o conjunto
de nossas referências bibliográficas.
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1. RESUMO DO PROJETO PROPOSTO
1.1. PERTINÊNCIA DO PROJETO
Desde a emergência de sua capacidade de fala, a espécie humana a tem tomado, por
vezes, como próprio objeto de seu dizer. Podemos observar tal fenômeno, sobretudo,
após o advento da escrita e, mais recentemente em nossa História, após a elaboração de
gramáticas e dicionários e a efervescência dos estudos linguísticos a partir do início do
século XX. Similar e paralelamente a tal acontecimento, muito já dissemos sobre a
poesia e os poetas que a concebem, seja tomando-os como fruto de uma contemplação
de ordem religiosa, como exercício das atividades intelectuais relacionadas à arte ou
mesmo como prática da razão politico-ideológica.
Neste sentido, ao submetermos nosso projeto, interessava-nos e ainda nos interessa
debruçar sobre as relações que se estabelecem entre os campos da política nacional e da
produção poética, elegendo para isso a Análise do Discurso derivada dos trabalhos de
Michel Pêcheux como arcabouço teórico-metodológico e, como objeto, a seleção de
textos em circulação no website do Ministério da Cultura (MinC) brasileiro durante o
período de gestão presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, desta
forma focando-nos sobre como a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) concebeu o
assunto em questão.
Esta articulação, entre uma teoria que visa à indissociação de teorias linguísticas com
estudos da História e do inconsciente humano e um tipo de objeto já consagrado por ela
– a saber, textos de caráter institucional e político –, nos permite colocar como horizonte
não apenas uma descrição das configurações linguísticas que o(s) discurso(s) acerca da
temática proposta adquirem neste corpus específico, mas também interpretar os
possíveis efeitos de sentido aí constituídos, depreendendo aspectos das formações
discursivas a que tais dizeres se filiam e analisando demais pormenores propostos por
estudiosos da AD e estudados por nós conforme o detalhamento da seção 3 deste
relatório.
Assim, ao final de nosso trabalho esperamos alcançar resultados que sejam
simultaneamente esclarecedores da perspectiva linguístico-enunciativo-textual,
considerando as análises empregadas sobre as sequências escolhidas, e também
6
relevantes do ponto de vista histórico e social, visto que nosso interesse perpassa não
somente a oportunidade de realizar avanços em nossa carreira acadêmica, mas também
o dever perante a comunidade em geral, ao promover e divulgar a investigação do
funcionamento de mecanismos e estratégias discursivas de dizeres que se apresentam à
sociedade como se fossem evidências.
1.2. QUESTÕES PROPOSTAS
Levantadas as considerações acima, as análises dos textos selecionados para compor
nosso corpus deverá se voltar aos seguintes questionamentos:
a) Que relações se estabelecem entre os campos da política e da poética no que
concerne à realidade brasileira contemporânea?
b) Mais particularmente, o que diz o MinC sobre a poesia? Quais já-ditos são
retomados, reiterados ou confrontados, tendo em vista as diferentes repetições e
diferenças estabelecidas nos dizeres que se apresentam atuais?
c) Como o MinC fala sobre tal assunto, i.e., quais recursos linguísticos, enunciativos,
textuais e discursivos empregados na formulação do discurso do Ministério da Cultura
sobre a prática poética?
d) Tendo em vista o silenciamento1 de determinados discursos e maneiras de dizer no
corpus analisado, quais seriam outras possibilidades de constituição e de formulação do
dizer político sobre a poesia?
1.3. OBJETIVOS
O objetivo geral desta nossa pesquisa é, como já explicitamos, o de compreender, via
Análise do Discurso, o que a política diz sobre a poesia e o papel do poeta na sociedade
brasileira, por meio da análise de textos do site do MinC – instituição do poder público
da União que se dedica particularmente ao fomento da cultura, das artes, da literatura e,
em seu interior, da poesia – durante as gestões governamentais de Luiz Inácio Lula da
Silva e de Dilma Rousseff.
1 Cf. página 31
7
Para o cumprimento deste objetivo geral, colocamo-nos ainda outros três objetivos
específicos, conforme listados em nosso projeto original e reproduzidos abaixo:
a) Descrever os locais (páginas, sessões, gêneros discursivos) do site do Ministério
da Cultura em que se fala sobre poesia/poetas e interpretar as razões pelas quais ocorre
essa disposição de presenças e ausências da poesia no MinC e seus efeitos na
constituição, na difusão e no alcance dos discursos políticos sobre a poética;
b) Identificar nesses locais aquilo que efetivamente se diz a esse respeito, a partir da
depreensão dos já-ditos do interdiscurso sobre a poesia e sua prática que são
reproduzidos e/ou transformados, mediante respostas às seguintes questões: quais são as
equivalências semânticas estabelecidas pelas cadeias parafrásticas nos enunciados do
MinC sobre a poesia e os poetas, responsáveis pela produção de seus efeitos de sentido?
De quais formações discursivas provêm esses enunciados? Por que a sua emergência,
em detrimento de outras possíveis; ou seja, o que ali é dito e silenciado sobre a poesia?;
c) Analisar o modo como são formulados esses discursos do MinC, focalizando os
recursos linguísticos, enunciativos e textuais empregados na formulação discursiva de
seus enunciados, buscando depreender sua incidência na produção de determinados
efeitos de sentido e na construção das imagens e das relações entre os interlocutores.
Por fim, desejamos contribuir, de modo geral, para o desenvolvimento dos estudos
do Laboratório de Estudos do Discurso da UFSCar (LABOR/UFSCar), que se
preocupam em analisar a construção discursiva das identidades brasileiras e as
metamorfoses das discursividades contemporâneas, e, de modo particular, para o avanço
das pesquisas realizadas e/ou orientadas pelos Professores Carlos Piovezani e Vanice
Sargentini sobre o discurso político brasileiro contemporâneo.
1.4. CORPUS E METODOLOGIA
Ainda que tenhamos atribuído toda uma seção ao processo de constituição de nosso
corpus (cf. seção 3.2), adiantamos que este encontra-se constituído por textos escritos
retirados do site do Ministério da Cultura através de seu mecanismo de buscas, que
possibilitou o agrupamento de textos que contenham em si as palavras “poeta” e
“poesia”; mais especificamente, tratam-se de textos de cinco categorias distintas, a saber:
“Editais”, “Notícias”, “Por dentro do Ministério”, “Livro” e “Discurso”. Deste modo,
8
ampliamos o escopo dos esboços de análise realizados no nosso projeto original, em que
nos detemos brevemente sobre a análise apenas de editais. Este conjunto mais diverso
de textos permite que compreendamos melhor tanto cada categoria isolada (por meio da
comparação, da confrontação etc.) quanto as configurações das Formações Discursivas
em que emergem as posições-sujeitos deste conjunto de textos.
Assim, por focar-se mesmo em textos escritos, nosso trabalho se utilizará de muitos
procedimentos já consagrados e tradicionalizados na Análise do Discurso, sobretudo a
construção de cadeias parafrásticas; no entanto, retomaremos conceitos teórico-
metodológicos expressos em Courtine ([1981] 2009a) e que, ao menos nos trabalhos
com os quais tivemos contato, são pouco abordados: trata-se do par
formulação/enunciado, que permite melhores interpretações entre as relações da ordem
do intradiscurso com o interdiscurso e, assim, permite também melhor delineamento das
FDs a que nossos objetos de análise aderem. Também é por decorrência de nossa adesão
às críticas de Courtine (idem) ao conceito de “condições de produção” que não nos
voltaremos, ao menos num primeiro momento, a esse mérito durante nossos
procedimentos analíticos.
.
9
2. ATIVIDADES REALIZADAS – PRIMEIRO PERÍODO
2.1. LEITURA E DISCUSSÃO DA BIBLIOGRAFIA
Discurso, Política, Poética. Se por um lado sabemos que as duas primeiras palavras
articulam-se (ou deveriam articular-se2) entre si como termos – se certamente não
indistinguíveis – indissociáveis, por outro aquela terceira parece adquirir, nesta série,
um estatuto quase hermético. Como figurar, no campo de estudos em que Língua e
História se imbricam e se interpelam ininterruptamente, a poesia, esta etérea construção
que pode ser tudo aquilo que a mente humana seja capaz de conceber e que pode levar
as palavras a rirem ou a chorarem?3
E, no entanto, basta-nos um olhar mais atento para verificarmos seu estatuto de
objeto – de contemplação e admiração, é fato, mas também de estudos e de práticas
políticas. Neste seu último aspecto, parece-nos ainda intrigante que esteja presente no
campo da política nacional sob os signos da cultura e, como consequência deste, do
incentivo, conforme verificaremos adiante.
Diante de tal articulação, entre o discurso, a política e a poética, colocamo-nos,
conforme retomado na seção 2 deste nosso relatório, o objetivo geral de compreender,
descrever e interpretar aquilo que podemos designar como o(s) discurso(s) do
Ministério da Cultura sobre o poeta e a poesia, elencando alguns dos textos em
circulação em seu site durante as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma
Rousseff.
Com tal objetivo em mente, dividimos a leitura de nossa bibliografia em 3 áreas que
serão explicitadas a seguir: a primeira delas é “A Análise do Discurso”, em que
discorreremos sobre diversos aspectos desta disciplina que é nosso suporte teórico-
metodológico e égide de trabalho, também apontando as leituras que tratem mais
restritamente do discurso político; a segunda tratará “Da Cultura e suas políticas”,
buscando discorrer sobre leituras que tratam dos diversos dizeres acerca da cultura e
2 Tal provocação/questionamento acerca das relações estabelecidas entre discurso e política (e, mais
amplamente, a História) nos estudos contemporâneos do discurso aparece, por exemplo, em Courtine
(2009b), Piovezani & Sargentini (2011, pp.07–38) e Orlandi (2012a).
3 CRISTINA, P. O que é poesia?. Blog Gaia Cultural, 03 de março de 2009. Acesso em 28 de
dezembro de 2013. Disponível em: http://movimentoculturalgaia.wordpress.com/2009/10/03/o-que-
e-poesia/
10
também sobre as maneiras que a política tratou/trata desta; a última, por fim será a parte
relativa à “Poesia”, em que levantaremos outros dizeres diversos do MinC sobre a
temática e que nos possibilitaram alguns apontamentos para análise.
3.1.1. DETALHAMENTO DOS PROGRESSOS REALIZADOS
3.1.1.a. A ANÁLISE DO DISCURSO
Para discorrermos sobre a Análise do Discurso, subdividiremos certas temáticas que a
circunscrevem em seis: inicialmente, falaremos sobre i) o histórico de formação da
disciplina; em sequência, falaremos sobre ii) o contexto epistemológico de seu surgimento e
iii) as três diferentes épocas da teoria; posteriormente ainda, falaremos acerca de suas iv)
questões e postulados teóricos e v) procedimentos metodológicos, finalizando com as vi)
particularidades do discurso político.
i) HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DA DISCIPLINA
A tarefa de discorrer sobre o histórico de formação da AD francesa se apresenta um
tanto como complexa, visto que grande parte das produções acerca de históricos de
disciplinas científicas se apresenta, à primeira vista, em dois polos: assim, àqueles que
se iniciam no contato com este campo do saber, autores como Orlandi ([1986] 1989),
Pêcheux & Gadet ([1977] 1998) e Mussalin (2001) introduzem uma série de aspectos
como i) a importância de Michel Pêcheux e seu grupo na ruptura com os estudos
estritamente de ordem estruturalista; ii) a influência dos trabalhos de pensadores adeptos
do “anti-humanismo teórico” como Althusser e Foucault; iii) a relação de conflito posta
quando da ocasião do Maio de 68 na França etc. Já àqueles que buscam informações
mais precisas e relatos mais extensos, Maldidier ([1993] 2003) oferece uma
historiografia que chega, se isto é possível, a beirar a completude; envolvida no interior
desta autoproclamada “aventura teórica” (idem, p. 15), a autora traça percursos de
caráter cronológico, teórico e crítico, postulando uma espécie de esquematização das
chamadas “três épocas” da Análise do discurso que, conforme verificaremos na seção
3.1.1.a.iii, difere da proposta por Pêcheux ([1983] 2010b).
11
Diante desses dilemas, um bom caminho parece ser a reflexão sobre os momentos
que se estendem aproximadamente do início da década de 1960 à publicação de
“Análise Automática do Discurso” (Pêcheux, [1969] 2010a), já que, ainda segundo
Maldidier, é somente a partir de tal publicação que se inicia “o tempo das grandes
construções” (p. 19), em que a teoria proposta por Pêcheux abandona progressivamente
seu caráter de esboço a favor de uma consolidação epistemológica ainda mais rígida e
autocrítica. Além de Pêcheux, é também contundente a participação, por um lado, de
pensadores que o acompanharam lado a lado na empreitada, tais como Paul Henry e
Michel Plon, ambos seus colegas durante a entrada no Centre National de Recherche
Scientifique (CNRS); e, por outro lado, a participação de Jean Dubois e de seu grupo
(entre os membros, a própria Maldidier), visto que, durante essa mesma época, eles
desenvolveram estudos de ordem lexicométrica sob uma visada histórica e política4.
Sobre os acontecimentos que circunscreviam o surgimento dos trabalhos que
acabariam por levar à consolidação da AD, Piovezani (2009, p. 163) sintetiza5:
Relações estreitas unem a AD a uma conjuntura de grandes “acontecimentos
discursivos”: as manifestações, gritos, panfletos e pichações nas ruas, em maio de
68, repercutiram nas letras e fotos dos jornais e, ainda mais, no som e na imagem da
tevê; além disso, as discussões em torno do projeto do Programa Comum da
esquerda ocupavam corações e mentes francesas. Sua emergência dá-se em meio a
uma grande circulação de discursos políticos e seus primeiros desenvolvimentos
coincidem exatamente com o momento de consolidação da Union de Gauche.
Nenhuma surpresa, portanto, quanto ao objeto de análise que seria privilegiada pela
AD, em suas origens: o discurso político.
Impossível não pensar, então, nas práticas teóricas exercidas pelos estudiosos sobre
os quais falamos frente a este quadro de tensão política e social que permeava a França
do final dos anos 60: Se inicialmente Pêcheux publicou, em 1966 e 1968, sob o
pseudônimo Thomas Herbert, textos de teor epistemológico voltado à crítica do
panorama das Ciências Sociais de então, em 1967 e 1968 já delimitava os terrenos de
sua Análise do Discurso, através de artigos publicados no Bulletin du Centre d’Études
et de Recherches Psychotechniques e na Psychologie française. Reportando-se a
Courtine ([1982] 2006), Piovezani (2009, p. 168) afirma que esta delimitação de espaço
4 Se é verdade que ambos grupos prezavam por esta perspectiva dita histórica, é também verdade
que ambos o faziam de modo diferenciado – enquanto Pêcheux era formado filósofo, Dubois já era,
na época, um reconhecido linguista/lexicógrafo; essa aproximação é possível, no entanto, dado à
adesão de ambos aos estudos materialistas marxistas.
5 Ainda segundo Piovezani (idem, p. 162), somente mais tarde a Análise do Discurso seria
reconhecida como uma disciplina e, nesta condição, uma disciplina linguística. Esta é, no entanto,
uma definição epistemológica controversa (cf. seção 3.1.1.a.ii).
12
epistemológico só foi possível devido ao que se demonstrou como certa “ingenuidade”
em relação aos procedimentos de análise: atribuíam-se aos métodos de descrição
linguística adjetivos como imparcial, neutro, de modo que a Análise Automática do
Discurso seria responsável por retirar a leitura do domínio da subjetividade, da
opacidade e coloca-la no domínio da leitura sem sujeitos, “de modo a restituir sua
clareza perdida, a relembrar sua verdade esquecida e a revelar o seu real escondido”
(ibidem).
Vemos, então, que a formação desta disciplina se dá na convergência de aspectos que,
logo de início, se apresentam como quase-evidências, fazendo com que diante de sua
conjuntura histórica, teórica, metodológica etc. quase sintamos um impulso para afirmar,
de maneira mecanicista, que “o surgimento da Análise do Discurso não poderia ter sido
diferente”; entretanto, ao fazer tal afirmação estaríamos certamente contradizendo
mesmo seus princípios, ignorando seus paradoxos, colocando-a na esteira ilusória da
estabilidade e da continuidade. Entretanto, conforme veremos na próxima seção, é
justamente em suas fendas e rupturas que a AD sustenta seus avanços.
ii) CONTEXTO EPISTEMOLÓGICO
Traçado brevemente o percurso histórico da formação da AD, certamente acabamos
por tocar neste segundo ponto que se coloca não somente como pertinente para o
desenvolvimento de nossos progressos, mas como essencial. Ainda que muitos
caminhos se abram para que possamos adentrar estes méritos, dado o número de autores
em nossa bibliografia que discorrem sobre este ponto6, optamos por avançar por uma
trilha talvez mais inusitada, retomando leituras provenientes de uma disciplina de
Epistemologia da Linguística cursada previamente durante o 2° semestre do
bacharelado para que posteriormente retornemos aos autores da AD com olhar renovado.
Em seu manual de Filosofia da Linguagem, Basso & Oliveira (2011) propõem uma
epistemologia da ciência Linguística a partir das noções de “paradigma”, postulada por
Thomas Kuhn, e de “programas de pesquisa”, teoria do matemático Imre Lakatos.
Assim, a Linguística poderia ser dividida em dois grandes paradigmas, que contam cada
um com um determinado conjunto de conceitos, metodologias etc.: o Paradigma
6 Entres eles, os textos escritos por Paul Henry, Françoise Gadet, Jacqueline Leon, Denise Maldidier
e Michel Plon, presentes em Gadet & Hak (2010) e os textos de Michel Pêcheux (2008, 2009, 2010a,
2010b).
13
Científico, e o Paradigma Humanista. Esta divisão pressupõe uma noção de “fazer
científico” que se aproxima àquele das ciências duras como a Física e a Matemática, ou
seja, resumidamente podemos dizer que se pauta no uso de métodos como a indução, a
dedução e abdução, e em metalinguagens lógicas, passíveis de serem falsificadas
através da comprovação de dados ou de outros argumentos lógicos.
Em contraste com tais características presentes no Paradigma Científico, o
Paradigma Humanista se constitui, caso aceitemos tal divisão, por métodos e conceitos
que não necessariamente passem pelo crivo do falsificacionismo7, de modo que não
poderíamos sequer falar sobre “programas de pesquisa” humanistas, visto que estes se
caracterizam pela existência de um núcleo duro (que podemos equivaler aos
pressupostos teóricos) e um “cinturão protetor”, em que se localizam as teorias
falsificáveis responsáveis pelo desenvolvimento dos estudos em uma dada ciência.
Ainda que os autores indiquem certa problemática quanto à classificação da AD sob
este esquema epistemológico, considerando que certos analistas do discurso não
concordam que esta seja uma disciplina da ciência Linguística, ela figura sob o
Paradigma Humanista, conforme indica o quadro abaixo:
Figura 1 Proposta epistemológica de distribuição dos paradigmas de abordagem do objeto
linguagem segundo Basso & Oliveira (2011, p. 81)
Entretanto, mesmo que aceitemos esta proposta enquanto um panorama geral das
disciplinas ligadas á Linguística, ela pode, numa primeira leitura, homogeneizar
determinados aspectos que deveriam ser relevados quando se tratando das rupturas que
7 Isto significa que, apesar de certas interpretações, afirmações, postulados etc. serem passíveis de
serem mostrados “equivocados” ou “inapropriados” numa disciplina como a Análise do Discurso,
não se pode comprovar tal estatuto através de meios lógico-matemáticos, precisos; na verdade, tal
estatuto só pode ser atribuído a partir de outras interpretações, argumentações etc.
14
cada disciplina estabelece em relação às outras; assim, ao colocarmos a Análise do
Discurso, a Teoria da Enunciação, a Semiótica etc. num mesmo conjunto
epistemológico, criamos certos efeitos de proximidade que, levados em conta autores
como Possenti (2004), Piovezani (2009) e Henry (2010a), devem ser revistos.
Nas obras destes autores, podemos encontrar os seguintes estudiosos e disciplinas
como pontos de comparação para melhor delineamento da AD:
Saussure e o estruturalismo;
Chomsky e a Gramática gerativa;
Harris;
Jakobson;
Benveniste e a enunciação;
Culioli;
A Pragmática;
Greimas e a Semiótica;
Barthes e a Semiologia.
Como não pretendemos discorrer longamente sobre o assunto, mas apenas apontar
para aspectos da leitura de nossa bibliografia, não nos deteremos sobre cada uma dessas
disciplinas, comparando-as entre si e com a AD; entretanto, é necessário ressaltar que,
como bem salienta Possenti (idem), o rompimento que Michel Pêcheux e seu grupo
instauram para a formação de seus estudos é, dentre outras características, um
rompimento:
i) Com os estudos linguísticos formalistas stricto sensu, ou seja: ainda que
invariavelmente as análises discursivas, desde 1969, tenham atribuído às análises
linguísticas o caráter de indispensabilidade para sua execução, desde o início deslocava-
se a língua de seu lugar de estabilidade – se a língua é inicialmente concebida como
imparcial e neutra, ela é, todavia, base de toda a “maquinaria discursiva”, não
limitando-se a si mesma, mas expandindo-se a outros domínios, trespassando-os e ali
deixando suas problemáticas, que num segundo momento denunciariam ela mesma
como sendo afetada pelos processos discursivo-ideológicos (vide, por exemplo, os
estudos sobre orações encaixadas, determinantes etc.);
15
ii) Com as concepções acerca do sujeito que vigoravam na época: apoiado em
Althusser, Saussure, Lacan e Marx, Pêcheux buscou traçar uma teoria linguística que
não se mantivesse presa nas ditas “intenções” do sujeito, mas que revelasse o processo
de assujeitamento e de interpelação que este sofria. Inicialmente, tal empreitada foi
realizada sob uma perspectiva que pode, com certa cautela, ser vista como oposta à
leitura que Pêcheux fez de Benveniste (MALDIDIER, [1993] 2003): enquanto
Benveniste teria teorizado um sujeito homogêneo, subjetivo e controlador de suas ações,
o sujeito traçado pelo estudioso do discurso seria um sujeito totalmente assujeitado,
controlado. Isto não permanece verdade durante os avanços da disciplina: como
exemplo de mudança, a teoria dos “dois esquecimentos”, apresentada pela primeira vez
na edição 37 da revista Langages (1975), já apontava para um processo falho de
assujeitamento, um processo que era ao mesmo tempo repetição e deslocamento.
Por fim, antes de passarmos à próxima seção, gostaríamos de retomar uma citação
em que Pêcheux ([1988] 2008, p.47) reconhece o papel do estruturalismo nos estudos da
linguagem e das Ciências Humanas em geral, ao mesmo tempo que o critica:
Em uma palavra: a revolução cultural estruturalista não deixou de fazer pesar
uma suspeita absolutamente explícita sobre o registro do psicológico (e sobre as
psicologias do “ego”, da “consciência”, do “comportamento” ou do “sujeito
epistêmico”). Esta suspeita não é, pois, engendrada pelo ódio à humanidade que
frequentemente se emprestou ao estruturalismo; ela traduz o reconhecimento de um
fato estrutural próprio à ordem humana: o da castração simbólica.
Mas ao mesmo tempo, esse movimento anti-narcísico (cujos efeitos políticos e
culturais não estão, visivelmente, esgotados) balançava em uma nova forma de
narcisismo teórico. Digamos: em um narcisismo da estrutura.
Este caráter de reconhecimento e crítica severa nos parece uma das principais
características epistemológicas da AD: nascida no seio de um terreno limítrofe entre
Linguística, Materialismo Histórico e Psicanálise, sem se confundir com estas, ela
buscou/busca (re)delimitar seus objetos e (re)afinar seus conceitos qual seja a
necessidade que se impõe diante dela, seja pela irrupção de novas materialidades
discursivas, pela metamorfose de velhas materialidades já conhecidas, ou por
revisitações e reapropriações de autores sob novas leituras.
iii) AS 3 ÉPOCAS
Costumou-se, entre os estudiosos e/ou historiadores da AD, a se referir às “3 épocas
da análise do discurso”; esta divisão está presente não apenas em Maldidier ([1993]
16
2003), mas também na obra de Pêcheux ([1983] 2010b), conforme havíamos adiantado.
Entretanto, a cronologia desta divisão se altera de uma pra outra, de modo que podemos
delimitar cada época dos seguintes modos:
Épocas Maldidier Pêcheux
AD-1 1969 – 1975 1968 – 1972
AD-2 1976 – 1979 1973 – 1981
AD-3 1980 –1983 1981 – 1983
Que ambas cronologias terminem no ano em que Michel Pêcheux tristemente
cometeu suicídio, não é surpresa, visto que Maldidier propõe uma (re)leitura da história
da AD pautada em sua figura. Quanto às divergências entre as datas, elas não parecem
suscitar grandes alterações do ponto de vista epistemológico a não ser, sobretudo, pela
primeira época: enquanto a divisão proposta por Maldidier estende-se da publicação de
Análise Automática do Discurso à publicação de Semântica e Discurso (“o tempo das
grandes construções”), a divisão de Pêcheux vai de pouco antes da publicação da
primeira obra à época em que, principalmente com o apoio de Paul Henry, passa a ser
discutida a noção de “pré-construído”, que levará às já conhecidas discussões acerca do
primado do interdiscurso e, com as releituras feitas de Foucault, da memória discursiva.
Quaisquer que sejam as divisões consideradas, porém, é notável o fato de que elas se
baseiam não apenas em cortes temporais, mas representam um conjunto de noções que
são propostas, revistas ou mesmo negadas. Os próprios subtítulos que Pêcheux utiliza
durante seu artigo são sinalizadores das características principais de cada época:
I. A primeira época da análise de discurso: AD-1 como exploração metodológica da noção
de maquinaria discursivo-estrutural (p. 307)
II. AD-2: da justaposição dos processos discursivos à tematização de seu entrelaçamento
desigual (p. 309)
III. A emergência de novos procedimentos da AD, através da desconstrução das
maquinarias discursivas: AD-3 (p. 311)
Como podemos ver, há um movimento em relação ao modo como a disciplina
concebeu seus objetos e suas metodológicas: desde o início de sua formação até o
17
“clímax” de reformulações que se apresenta na terceira época, o discurso (ou mais
precisamente o que se chamava de “maquinaria discursiva”) permanece inquieto,
movediço, a ponto de “explodir”. Sem passar pelos pormenores de cada época conforme
Maldidier e Pêcheux o fizeram, podemos propor a seguinte síntese:
AD-1 pressupõe uma teoria de língua natural que atua, ou melhor, que
constitui a base sobre a qual os processos discursivos se dão; por sua vez, tais
processos são encarados como autodeterminados e fechados em si, de modo
que os dizeres de um sujeito serão sempre fruto da adesão a apenas uma
máquina discursiva (“um mito, uma ideologia, uma episteme”).
Simultaneamente, foca-se o quê se diz, em detrimento de como se diz;
Em AD-2, passa-se a investigar as relações desiguais que as diversas
máquinas discursivas estabelecem entre si, passando a explodir o seu conceito.
Os estudos feitos acerca da pressuposição de Frege e de Ducrot levam à
postulação das noções de pré-construído e de interdiscurso, juntamente com o
“empréstimo” da noção de formação discursiva, que aparece inicialmente nas
obras de Foucault e que se consagra na AD. Cada vez mais busca-se estudar
“o exterior específico” das máquinas discursivas que, apesar de ainda serem
tratadas como fechadas, se mostram como “o resultado paradoxal da irrupção
de um ‘além’ exterior e anterior” (Pêcheux, op. cit., p. 310). Passa-se a
considerar as alterações de sentido causadas pelas formas de se dizer algo;
Em AD-3, por fim, a noção das máquinas discursivas explode
definitivamente: acentua-se o primado pelo exterior, nega-se os
procedimentos fechados em si e conceitos como memória discursiva elevam
a desigualdade entre as diversas FDs constitutivas do dizer. Além disso,
Gregolin (2006) atenta para uma abertura da teoria com relação aos seus
objetos de análise: ainda que o “discurso” seja mantido como unidade de
análise, busca-se, frente à necessidade de uma revisão metodológica, novas
materialidades. Questiona-se sobre a prioridade dada aos textos escritos e
sobre as relações que leitura, interlocução, memória e pensamento mantém
entre si.
Quanto à prática da disciplina após 1983, vemos em nossa bibliografia dois aspectos
a serem ressaltados: a sua descontinuidade com relação aos princípios fundamentais na
18
França, e o seu desenvolvimento profícuo no Brasil. Sobre o primeiro aspecto, autores
como Courtine (2009b), Piovezani (2009) e Orlandi (2012a, 2012b) apontam para a
despolitização da AD francesa a favor de uma “gramaticalização” ou ainda de
influências retóricas, pragmáticas e mesmo discursivo-conversacionais. Entre os autores
citados nestas críticas, constam Dominique Maingueneau, Patrick Charaudeau, Jean-
Michel Adam, Catherine Kerbrat-Orecchioni e Ruth Amossy8.
Já com relação ao desenvolvimento da AD no Brasil, podemos novamente nos
apropriar das leituras de Courtine (idem) e Orlandi (idem), mas também de Piovezani &
Sargentini (2011, p. 7–38) e Gregolin (2006). Nestes autores, encontramos
determinadas características que particularizam a disciplina aqui praticada, a ponto de
Courtine defender que não refiramos mais a uma “Análise do Discurso de linha
francesa”:
“(...) Parece-me necessário que nossos amigos e colegas brasileiros, para os
quais o quadro teórico concebido por Pêcheux guarda sua pertinência e alcance,
reconheçam que as perspectivas teóricas que eles próprios abriram tornaram-se na
maior das vezes incompatíveis com aquilo que é frequentemente feito pela Análise
do Discurso na França” (COURTINE, idem, p. 13)
Tais “incompatibilidades” apontadas pelo autor francês podem ser vistas como
decorrentes de pelo menos três acontecimentos: i) o supracitado afastamento da AD
praticada alhures no que respeita aos princípios da disciplina no mesmo período em que
os textos antigos ganhavam força em território nacional; ii) a leitura não-cronológica
das obras de AD no Brasil: muitas vezes, por questões mesmo de tradução e outros
problemas de acesso à teoria, os estudiosos brasileiros não leram os textos em ordem
cronológica, de modo que as divisões das “3 épocas” não foram, inicialmente, levadas
em consideração – assim, conceitos que já haviam sido abandonados foram retomados,
rediscutidos, teorizados juntamente com novos conceitos, adquirindo um novo valor;
isto nos leva a iii) os paradoxos do desenvolvimento da AD no Brasil: de um lado, a
continuidade de um projeto que visava um fazer científico com responsabilidade perante
a História e a política; de outro, a rápida popularização e banalização da disciplina,
visto que, segundo os citados autores de nossa bibliografia, muitos trabalhos se
realizaram/se realizam sem os devidos rigores teórico-metodológicos.
8 Não obstante, sabe-se que as correntes teóricas exploradas por tais estudiosos também encontraram
grande desenvolvimento; no Brasil, por exemplo, os trabalhos de Maingueneau encontraram ampla
circulação, sobretudo entre estudiosos da comunicação e das problemáticas da editoração.
19
iv) QUESTÕES E POSTULADOS TEÓRICOS
Não obstante as observações teóricas atingidas nas seções anteriores, gostaríamos de
delimitar esta seção para o aprofundamento em alguns dos conceitos que pretendemos
mobilizar durante as análises no período seguinte. Sabendo de nossa limitação,
propomo-nos aqui de discutir sobretudo conceitos advindos da segunda e terceira época
da Análise do Discurso. Desta forma, nas páginas que seguem abrangeremos conceitos
como “discurso”, “formação discursiva”, “formação ideológica”, “pré-construído”,
entre outros que se demonstrarem pertinentes para aprofundarmos nosso trabalho. Para
isso mobilizaremos uma série de autores, tais como Possenti (2002), Maldidier ([1993]
2003), Fernandes (2005), Gregolin (2006), Pêcheux ([1988] 2008; [1975] 2009),
Orlandi ([1990] 2009), Courtine ([1981] 2009a) e Henry (2013).
Discurso
“O discurso não é uma camada”. A escolha de Possenti (op. cit.) por este título é,
sem dúvidas, emblemática: ela sintetiza as contradições das rupturas que a noção de
“discurso” insere nas ciências humanas, mas também nos aponta a necessidade de
buscar a definição deste nosso objeto teórico. Naquele seu primeiro mérito, separa este
conceito dos chamados “níveis da língua”, tais como os estudamos na Linguística:
fonética, fonologia, morfologia, sintaxe. Neste sentido, também nega que os sentidos (e
a semântica, portanto) sejam tratados como uma “camada”: os sentidos estão nas
relações históricas, nas relações de consenso e de conflito na História – o discurso não é,
portanto, interior da língua, mas seu exterior que a “invade” e que nela se materializa.
Em seu segundo mérito, a afirmação de Possenti nos leva ao questionamento: o que é,
de fato, o discurso e quais são suas características?
Para Maldidier, esta é uma questão bastante delicada, uma vez que o discurso se
configura como um nó, um “lugar teórico em que se intricam literalmente todas suas
grandes questões sobre a língua, a história, o sujeito” (p. 15). Pode ainda ser visto,
mutatis mutandis, numa ótica intermediária entre a langue e a parole de Saussure: o
discurso não é, certamente, o sistema linguístico que permeia toda a sociedade, nem é a
manifestação individual que se dá a partir de tal sistema. Orlandi (op. cit., p. 22) diz, ao
discorrer acerca desta comparação entre langue/discurso/parole: “O discurso tem sua
20
regularidade, tem seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e
o histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao produto”.
Sua ordem é, portanto, da língua, mas também da História, entendida não como uma
cronologia, mas como ponto de instabilidade do simbólico.
Daí a necessidade de se explorar as noções de “sentido”, de “enunciação” e de
“ideologia” como constituintes inapagáveis. Ora, tendo as considerações acima em
mente, não é difícil atestar a razão pela qual os analistas de discurso insistem em afirmar
que o sentido é, na verdade, efeitos de sentido: considerada a ordem do discurso, não
há verdade absoluta nem literalidade ou transparência dos dizeres; tudo é simbólico,
discursivo, interpretativo enquanto estrutura E acontecimento. Ainda que a enunciação
possa ser entendida como irrepetível em termos de circunstâncias mais imediatas
(tempo cronológico, indivíduos empíricos envolvidos, local em que se dá etc.), na AD
ela deve ser tomada do ponto de vista do “lugar sócio-histórico-ideológico de onde os
sujeitos dizem” (Fernandes, op. cit., p. 29), ou seja, ela apenas adquire sentido enquanto
inserida numa série: o discurso não é um todo isolado, mas um todo complexo envolto
em relações com outros discursos e com as estruturas (formações discursivas e
ideológicas) que garantem seu funcionamento; daí falarmos também que “a paráfrase é
a matriz do sentido” (Orlandi, op. cit., p. 38), uma vez que não há sentido sem repetição
e sem sustentação no já-dito. Por fim, podemos atestar que a relação que este conceito
estabelece com os conceitos de língua e ideologia é tal que a língua é a materialidade
privilegiada do discurso, que é a materialidade privilegiada da ideologia, tomada como
prática social.
Formação Discursiva e Formação Ideológica
Sobre tais conceitos, acreditamos que a melhor maneira de caracterizá-los com
poucas palavras é a própria maneira como Pêcheux o faz numa passagem da 3ª parte
de Semântica e Discurso:
As palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições
sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu
sentido em referência a essas posições, isto é, em referências às formações
ideológicas (...) nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então,
formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de
uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de
classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,
21
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.).
(PÊCHEUX, [1975] 2009, p. 146 –147)9
Sendo assim, é através desta noção que podemos observar e compreender os
processos responsáveis pela produção de sentidos no discurso, a sua relação com a
ideologia e também depreender as regularidades do discurso. Discorrendo sobre esta
noção, Orlandi ([1990] 2009) e Courtine ([1981] 2009) e chegam a pontos um tanto
diferenciados, que buscaremos explorar. A autora brasileira coloca dois pontos como
decorrentes da noção de formação discursiva, a saber:
a) “O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se
inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro”.
Assim, é a adesão a dada formação discursiva, inscrita numa dada formação ideológica,
que garante que os sentidos se diferenciem no discurso; entretanto, estas formações
nunca se encontram fechadas, de modo que todo discurso é incompleto, um processo
contínuo em que dados dizeres se remetem a outros, imediatos ou alojados na memória
(ver, abaixo, as noções de intradiscurso, interdiscurso, pré-construído e memória
discursiva). Além disso, neste ponto Eni Orlandi discorre sobre o efeito metafórico
constitutivo da linguagem; entretanto, ainda que certamente seja uma questão também
teórica, preferimos discorrer sobre ela na seção 3.1.1.a.v., que diz respeito aos
procedimentos metodológicos;
b) O segundo ponto se apresenta, de certo modo, como mais prático: considerando
que as palavras, dizeres e outras materialidades podem significar diferentemente ao se
inscrever em formações discursivas diferentes, de maneira tal que o “mesmo” dizer é
sempre “outro” dizer, o trabalho do analista de discurso deve consiste então em
“remeter o dizer a uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido
que ali está dito” (p. 45). Desta forma, deve-se buscar desconstruir o efeito de evidência
que se coloca em todo dizer, alertando para sua materialidade histórica.
Já o autor francês se detém sobre 3 proposição acerca da articulação da relação
Formação Ideológica –Formação Discursiva, bem como a relação FD – Interdiscurso (p.
72–73):
a) “A instância ideológica estabelece, sob a forma de uma contradição desigual no
seio de aparelhos, uma combinação complexa de elementos dos quais cada um é uma
9 Os grifos originais foram mantidos.
22
FI”. Isso significa que as FI possuem caráter regional e específico, de modo que é
possível, a partir do interior de FI antagônicas, falar dos mesmos objetos diferentemente;
b) “As FD são componentes interligados das FI”. Isso permite não apenas dizermos
que as FD que constituem dada FI podem ser distinguidas entre si, mas também e
principalmente que FDs que se encontram em FI antagônicas mantém entre si relações
contraditórias inscritas no próprio seio dessas FDs, ou seja, em sua materialidade
linguística;
c) “É no interior de uma FD que se realiza o “assujeitamento” do sujeito
(ideológico) do discurso” (ver “sujeito, posições-sujeito e imaginário”). Além disso,
como as FDs não são isoláveis das relações de desigualdade, de contradição,
subordinação etc. que estabelecem com seu “todo complexo com dominante”
(expressão utilizada inicialmente por Althusser), e se chamamos esse todo complexo de
“interdiscurso”, somos obrigados a admitir que o estudo dos processos discursivos
(relações de efeitos de sentido que ocorrem dentro de uma FD) não pode ser dissociado
do estudo de seu interdiscurso, seu exterior constitutivo.
Pré-construído, Intradiscurso e Interdiscurso
Conforme havíamos adiantado na página 17, ao estudar sobre os conceitos de
pressuposição nas teorias fregiana e ducrotiana, Michel Pêcheux e Paul Henry passaram
a se debruçar sobre a questão do já-dito, ou seja, um dizer anterior que se apresentava
nos próprios dizeres presentes. Onde Frege e Ducrot viam uma relação logicista, os dois
teóricos do discurso viam mesmo a relação de articulação entre língua e discurso.
Segundo Maldidier ([1993] 2003, p. 35):
Longe de uma interpretação logicista, as estruturas sintáticas que autorizam a
apresentação de certos elementos fora da asserção de um sujeito que lhes aparecem
como os traços de construções anteriores, de combinações de elementos da língua,
já “ousados” em discursos passados e que tiram daí seu efeito de evidência. (...) A
teoria do discurso acabava de receber um novo conceito: despojado de qualquer
sentido lógico, o pré-construído constitui a reformulação da pressuposição no novo
terreno do discurso.
Mais recentemente, numa entrevista concedida ao jornal da UNICAMP em dezembro
de 2013, Paul Henry reafirmou tanto o papel dos estudos de Frege quanto o papel desta
noção na teoria da AD: através da noção de pré-construído, podemos dizer que certos
discursos são convocados como se nunca fossem anteriores ao discurso explícito atual,
23
ou seja, que não apresentam seu caráter enunciativo num outro tempo e alhures, mas
que se colocam como evidentes. Trata-se, para Henry, de uma questão bastante
fundamental: “o que se diz, o que se escuta, é sempre atravessado por algo que já foi
dito, atravessado por um dito anterior”. É este conceito, aliado ao de formação
discursiva acima discutido, que levará à postulação do interdiscurso, que Maldidier
aponta como ponto central da teoria pêcheuxtiana.
Muito do que se refere a este outro conceito já foi dito nos pontos anteriores: o
interdiscurso se apresenta como aquilo que fala antes, num outro lugar,
independentemente do discurso com que se relaciona. Entretanto, visto diferentemente
do pré-construído, podemos dizer que o interdiscurso tem em si as relações de conflito
estabelecida entre o si e o outro. Em outras palavras, é justamente por se relacionar a
outros discursos, a outros FDs e FIs que o discurso pode se constituir e significar. Isso
desloca a posição de sujeito como fonte do dizer, visto que ele deve sempre se reportar a
outros dizeres para enunciar – novamente repetição e deslocamento, de onde podemos
retirar os procedimentos metodológicos das cadeias parafrásticas e dos efeitos
metafóricos.
O intradiscurso pode, então, ser concebido como a série de processos que ocorrem
dentro mesmo de uma determinada FD e que constitui a materialidade discursiva posta
– trata-se das relações horizontais: sintáticas, sintagmáticas etc. que garantem o real do
discurso para os sujeitos. Entretanto, é sobretudo nas relações verticais que o sentido se
constrói: daí dizermos que o interdiscurso possui primazia sobre o intradiscurso. Esta é
uma consideração deveras importante, visto que desenrola uma série de procedimentos
metodológicos e considerações teóricas: devemos olhar não apenas para aquilo que se
coloca diante de nossos olhos, mas ainda para as dispersões que ali se colocam e que,
por sua vez, possuem seus próprios conflitos, relações, modos de ser etc. que devem ser
levados em conta pelo analista.
Memória Discursiva
Quando tratando do conceito de memória discursiva, vamos emergir algumas das
problemas de que falamos quanto ao desenvolvimento da Análise do Discurso no Brasil: em
diversas passagens vemos se construir uma equivalência entre os conceitos de interdiscurso
e de memória discursiva. Ambos são apresentados como algo exterior ao próprio discurso,
24
como responsáveis por sua constituição e pela sua filiação a dada FD. Entretanto, se
retomamos as discussões feitas na França, mais especificamente no período das
reconstruções teóricas da 3ª época, vemos que o conceito de Memória discursiva é lido na
obra de Foucault ([1969] 2002) e, portanto, possui suas particularidades que não se
confundem com as do outro conceito.
Assim, se ao falarmos de interdiscurso estamos falando também do já-dito e das
diversas relações desiguais que ocorrem entre as formações discursivas, ao falarmos de
memória discursiva estamos falando das relações desiguais entre os próprios já-ditos
retomados na ordem do discurso. Inscrevem-se, neste conceito, os seguintes
questionamentos: por que determinados dizeres possuem maior longevidade que outros?
Isso é, porque alguns dizeres estão fadados ao esquecimento imediato e outros perduram,
de maneira mais ou menos estável, durante milênios?
Tais questionamentos nos levam a uma postura analítica diferenciada, qual seja: o
analista de discurso deve não apenas buscar as configurações linguístico-enunciativo-
textuais dos discursos, as suas relações com as FDs e com os interdiscursos, mas
também apreender regularidades naquilo que se apresenta como dispersão: num dado
conjunto de textos/enunciados, deve observar o que é mais recorrente e o que se
apresenta como diferenciado, de modo que possa refletir sobre as relações de força que
se estabelecem entre esses diversos dizeres repetidos ou silenciados.
Sujeito, Posições-Sujeito e Formação Imaginária
Na página 15, ao discorrermos sobre o contexto epistemológico em que a AD se
coloca, já iniciamos a discussão acerca do conceito de sujeito: dissemos que se trata de
um conceito central para a teoria do discurso por romper com as concepções presentes
na linguística e outras ciências humanas/sociais da década de 1960, na medida em que
tirava a questão do sentido e da enunciação do mérito da intencionalidade do sujeito e a
inseria na relação com a História e com o processo de assujeitamento já proposto por
Althusser. Entretanto, se aprofundarmos mais a leitura, tanto nas próprias obras de
Pêcheux quanto de outros autores (nos pautaremos novamente em Fernandes (2005) e
em Orlandi ([1990] 2009)), perceberemos um conjunto de outras nuances que devem ser
exploradas.
25
Lembremos também que o “sujeito” da AD não é, de forma alguma, o sujeito
empírico, em sua forma de indivíduo; também não deve ser confundido com o sujeito da
Sociolinguística, caracterizado pela pertença a determinadas células sociais (idade,
gênero, vindo de determinada região etc.). O sujeito do discurso é tomado como uma
posição-sujeito, uma série de espaços entrelaçados em diversas formações Discursivas.
Orlandi (idem, p. 49), ao falar da relação ideologia–sujeito, diz, com suporte em
Foucault, que o sujeito não se trata de uma real forma de subjetividade, mas antes de um
“lugar” que ocupa para ser sujeito do que diz. Entretanto, o sujeito não tem possui
controle sobre a maneira que ocupa o lugar que ocupa: ele não possui acesso ao seu
exterior constitutivo (interdiscurso) nem ao mundo “tal como ele se apresenta”10
: sua
visão e sua vivência só significam na medida em que são constituídas pela ideologia.
Como decorrência do acima exposto, afirmamos que o sujeito jamais desconfiará dos
processos de assujeitamento e de interpelação em sujeito do discurso aos quais está
submetido, visto que suas posições se lhe apresentam como sempre transparentes e
evidentes. Deveras, mesmo diante de conflitos interiores e de confrontações discursivas,
em que o sujeito pode eventualmente se filiar a determinadas formações discursivas
diametralmente opostas às que se filiara anteriormente, ele jamais colocará em
questionamento a sua unidade, posto que o sujeito ideológico é assim articulado por
duas figuras
(...) sob a forma da identificação-unificação do sujeito consigo mesmo (o “eu
vejo o que vejo” da “garantia empírica”), de um lado, e da identificação do sujeito
com o universal, de outro, por meio do suporte do outro enquanto discurso refletido,
que fornece a “garantia especulativa” (“cada um sabe que...”, “é claro que...” etc.)
(...) (PÊCHEUX, [1975] 2009, p. 123).
Entretanto, se estas identificações se colocam para o sujeito como completas, do
ponto de vista da História elas são absolutamente ligadas às condições dos meios de
produção da sociedade e, portanto, alteráveis em suas propriedades conforme uma
conjuntura sócio-histórico-econômica dada. Não nos deteremos aqui, ao contrário de
Orlandi, sobre as maneiras como os sujeitos do Capitalismo se configuram; interessa-
nos, antes, reafirmar um dos aspectos da crítica de Courtine ([1982] 2006, [1981] 2009a)
com relação ao conceito de condições de produção11
e que tangencia a questão do
10
Obviamente, tomados em conta os pressupostos da AD, sequer podemos afirmar a existência de
um “mundo” simbólico fora da ordem do discurso.
11 Ainda que não discorramos propriamente sobre este conceito ao longo do nosso relatório,
podemos afirmar, segundo Maldidier (2003, p. 22-23), que as condições de produção são uma
“reformulação da noção descritiva de ‘circunstâncias’ de um discurso.” A autora ainda afirma que
26
sujeito: para ele, devemos nos voltar não a questões de espaço, tempo, e da pessoa que
enuncia, mas de fato a quais formações discursivas os dizeres remetem. A Análise do
Discurso deve, nesta perspectiva, assumir o compromisso com a História mais ampla e
voltar-se menos à enunciação mais imediata.
i) PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
“Fazer Análise do Discurso é aprender a deslinearizar o texto para restituir, sob a
superfície lisa das palavras, a profundidade complexa dos índices de um passado.”
(Courtine apud Piovezani, 2009, p. 176)
Ao longo deste seu ainda breve período de existência, a AD buscou uma rígida
relação entre teoria e método. Pêcheux, filósofo de formação, prezava por uma
epistemologia precisa e por uma aplicação política consciente das ferramentas
científicas de que disponibilizava. Assim, seus procedimentos metodológicos passaram
de uma prótese de Análise Automática do Discurso a uma variedade de recursos
linguísticos, textuais, etc. responsáveis pela descrição do objeto teórico (o discurso) em
diversas materialidades: textos escritos, textos audiovisuais, somente visuais etc12
.
Antes de passarmos a discorrer sobre três procedimentos metodológicos já
consolidados na disciplina (“interpretação”, “efeito metafórico”, “cadeias parafrásticas”)
e um mais recente (“silenciamento”), gostaríamos de atentar para a postura que,
segundo Orlandi (2012b, p. 10), um analista do discurso deve ter em relação ao seu
trabalho. Levantando algumas leituras que fez de Romain Descendre, que por sua vez é
um estudioso dos trabalhos de Maquiavel, a autora busca uma interpretação da noção de
vedere discosto no que concerne à vida dos intelectuais: aquele que busca maior
conhecimento deve aprender a ver mais longe e a ver de mais longe, ou seja, deve
aprender a distanciar o olhar. No caso dos analistas do discurso, seus procedimentos
metodológicos devem estar em relação plena com seus objetos, sua leitura deve ser lenta,
profunda, de modo que ele relacione “o que é dito aqui” com “o que é dito em outro
lugar”. Deve levar às consequências o ir e vir: da teoria à análise, da descrição à
interpretação, do estabilizado ao sujeito a equívocos. Somente assim pode o analista
trata de se afirmar, numa teoria de base social, aquilo que se apresenta no trabalho de Jakobson
como os elementos do esquema de comunicação. 12
A necessidade de ampliação dos corpora discursivos levou a AD a fazer interface, por vezes, com
uma variedade de outras disciplinas, tais como a Linguística Textual, a Semiologia Histórica, a
Semiótica etc.
27
contribuir efetivamente para o avanço da disciplina que pratica, ao mesmo tempo que
refina seu trabalho e sua mente.
Interpretação
Ainda que não seja exatamente uma ferramenta de análise, é a interpretação o
principal procedimento de análise do discurso, a ponto desta ser vista como uma
“prática da leitura” ou mesmo uma “política da leitura” (Courtine ([1982] 2006, p. 9)). Tal
interpretação deve se dar sempre sobre um conjunto de textos (não necessariamente
escritos) agrupados sob condições específicas, tais como temática (“dizeres sobre a
poesia”) e enunciador (“do Ministério da Cultura”), entre outros critérios definidos pelo
analista. É o texto, em sua materialidade específica, que remete imediatamente a um
dado discurso que se explicita através das regularidades e referências a dada formação
discursiva (Orlandi, [1990] 2009, p. 63).
Deste modo, podemos depreender um procedimento analítico que deve seguir a
seguinte ordem (idem, p. 77):
1ª Etapa: Passagem da Superfície linguística
Para o
Texto
(Discurso)
2ª Etapa: Passagem do Objeto Discursivo
Para o
Formação Discursiva
3ª Etapa: Processo Discursivo Formação Ideológica
Em todas as etapas estão necessariamente imbricados os conceitos teóricos que
mobilizamos na seção anterior, de modo que na primeira etapa deve-se tratar mais
longamente da descrição linguística, enunciativa e/ou textual, de modo a revelar o modo
como se fala numa dada materialidade textual e daí interpretar de qual lugar aquele
sujeito fala, quais são as relações de força ali colocadas, quais são os vestígios que a
enunciação ali coloca etc. Isto garantirá a deslinearização do texto, de modo que
possamos pensar também nas maneiras como aquele texto não se produz, quais são as
formas que rejeita, quais são as metáforas e paráfrases que nele se constituem.
É nesse momento que passamos da primeira para as segunda e terceira etapas que,
então, deixam de se focar no produto e passam mesmo a tratar dos processos de sua
formação: qual é o modo de construção mais regular em dadas FDs e FIs, qual é sua
28
estrutura, seus modos de circulação, os diferentes gestos de leitura que estão ali
presentes. Construímos ponderações sobre como algo poderia ser e não é, quais
modificações de sentido isso acarretaria, qual a razão de algo ser de um modo particular.
Devemos nos perguntar quais as relações históricas que essas construções estabelecem,
tendo em mente que estas formações necessariamente se remetem a outras. Como fazem
essa remissão? Ao quê elas se contrapõem e ao quê se filiam? Quais são as contradições
presentes nesses processos?
Tendo em vista tudo o acima exposto, podemos dizer que a análise textual é, para o
analista do discurso, apenas o ponto de partida: imprescindível, sem dúvidas, mas não
suficiente. É apenas quando se atinge o processo discursivo que o analista tem
indicações para a compreensão da produção de sentidos, e não antes disso. Caso
contrário, estaria apenas se mantendo na superfície linguística, de modo a descrever as
outrora citadas “camadas” da língua.
Efeito Metafórico e Cadeias Parafrásticas
Não é incomum falarmos, no nosso cotidiano, em “metáfora” enquanto uma das
chamadas figuras de linguagem, ao lado da hipérbole, da metonímia, antítese etc. Este
conhecimento, advindo dos conhecimentos gramaticais tradicionais, muitas vezes nos
leva a crer que este tipo de construção está presente somente em textos de caráter mais
artístico e/ou poético, se ausentando de todos os outros textos. Na AD, porém, isto não
procede: a metáfora é tida como constituinte próprio de toda linguagem e revela a
relação entre língua e discurso, sendo mesmo uma das fontes da produção de sentido.
Na perspectiva discursiva, a metáfora é tomada como a ocorrência de “uma palavra por
outra” de modo a produzir deslizamentos dos sentidos pela deriva e pela transferência
(ORLANDI, 2012b, p. 154). Um possível exemplo de esboço de análise dos efeitos
metafóricos é apresentado por Orlandi:
Dados dois enunciados, 1 e 2:
1. Todos são iguais perante a lei
2. Todos têm direito à diferença
29
Segundo a autora, temos na passagem (iguais perante a lei) > (têm direito à
diferença) uma metáfora que pode diferenciar as posições sujeito assumidas e,
consequentemente, causar uma ampla desigualdade de sentidos.
No enunciado 1 assume-se uma posição sujeito que faz referência à lei para afirmar o
caráter igualitário de todos os homens perante o poder jurídico, de maneira que se
produz um efeito de pré-construído, um já-dito que é retomado: diante da lei, todos são
iguais. Isto estaria garantido pela forma-sujeito-histórica capitalista, constituída pelo
poder jurídico e presente na memória evocada pelo enunciado de forma pressuposta.
Já no enunciado 2 há uma deriva dos efeitos de sentido a partir da asserção ter direito
a que, aqui, “equivale” a perante a lei, sua paráfrase com deslizamento metafórico.
Devido a este deslizamento, o enunciado 2 está exposto a interpretações do que seja a
lei: não se trata de uma referência a um pré-construído acerca do poder jurídico, mas de
um julgamento, de uma interpretação que se faz mesmo na enunciação. E, estando
sujeito à interpretação, o sentido de “diferença” que se constrói neste enunciado se
coloca como ponto de conflito, funcionando como uma espécie de “adendos” ao que é
garantido pelo princípio geral (explicitado no enunciado 1, todos são iguais perante a
lei). Seu sentido está mais sujeito à variação de um dizer para outro, de uma situação
para outra.
Assim, vemos estabelecerem-se duas formações discursivas distintas entre si, em
posições ideológicas também distintas. Neste caso, somente através da significação do
enunciado 1 é que o enunciado 2 pode ser sustentado, visto que o primeiro se apresenta
como universal diante da configuração jurídica de um cidadão e o segundo se coloca
como histórico no sentido de que depende das configurações de sua formulação mais
imediata para significar.
Com isto cremos ter explicitado também a importância do conceito de paráfrase,
tomada como uma repetição que se estabelece no discurso e que pode levar ainda a
efeitos de sentido de equivalência, de implicação, etc. Vale ressaltar que enquanto
“metáfora” e “paráfrase” são dois caráteres simbólicos da língua e da linguagem, o
“efeito metafórico” e as “cadeias parafrásticas” dizem respeito mesmo à construção
feita pelo analista do discurso para compreender e descrever como aqueles caráteres se
fazem presente em seu objeto.
30
Retomemos, a fim de conceber um breve exemplo do funcionamento de cadeias
parafrásticas, um pequeno fragmento estudado por nós durante a disciplina de Análise
do Discurso, ministrada por nosso orientador no segundo semestre do bacharelado:
Dados os enunciados 1 e 2:
1. Queremos mais qualidade de vida. Só viveremos melhor, quando nosso direito à
propriedade privada não for ameaçado.
2. Queremos mais qualidade de vida. Nossas vidas continuarão em péssimo estado,
enquanto não houver maior distribuição de renda.
Ainda que ambos enunciados sejam iniciados pela exata mesma sequência linguística
(Queremos mais qualidade de vida), não podemos afirmar que as posições sujeito a que
os enunciados 1 e 2 se filiam sejam absolutamente as mesmas. As relações metafóricas
e parafrásticas que se estabelecem no interior de cada um dos enunciados é tal que
poderíamos construir as seguintes cadeias parafrásticas:
Discurso X (Enunciado 1) Discurso Y (Enunciado 2)
“Qualidade de vida”
“Qualidade de vida”
“Direito à propriedade privada” “Distribuição de renda”
Apurando um pouco mais as observações e trespassando aquilo apresentado durante
a exposição deste conteúdo no semestre em questão, poderíamos trazer à tona a
discussão de Pêcheux ([1988] 2008) sobre o sujeito oculto no enunciado do francês On
a gagné (“Ganhamos” em tradução livre), visto que nestes enunciados também está
presente esta configuração (“Queremos”): quem quer mais qualidade de vida? Dessa
forma, vemos que a própria construção sintática do enunciado interfere diretamente em
suas filiações a determinadas formações discursivas: podemos inferir que a posição
sujeito tomada é, em certa medida, englobante, representando um conjunto de
indivíduos que se organizam como grupo e que partilham dos mesmos desejos. Neste
caso, o grupo do enunciado 1 se oporia ao grupo do enunciado 2, visto que na atual
conjuntura política nacional a defesa do direito à propriedade privada está relacionada
no imaginário com grandes fazendeiros e latifundiários e a distribuição de renda está
muito relacionada ao Movimento dos Sem Terra e a grupos de menor renda. Ainda que
tudo que acabamos de expor sejam meras suposições levantadas para um exercício
31
analítico, esperamos ter demonstrado o funcionamento metodológico de nossas
investigações.
Silenciamento
Quando da produção do sentido no discurso, aquilo que não se diz é, efetivamente,
tão importante quanto aquilo que é dito. Esta afirmação, ainda que hoje nos pareça
bastante “natural”, se apresenta como uma das maiores contribuições de Orlandi ([1993]
2007) para a AD praticada em terrenos nacionais. Investigando As formas do silêncio, a
autora propõe que nos atentemos a todos os efeitos de sentido que se dão em ausência,
propondo uma série de questionamentos tais como: o silêncio tem, de fato, uma forma?
Qual é ela? Como podemos apreendê-la?
Ora, em grande medida podemos afirmar que o silenciamento é, assim como a
metáfora e como a paráfrase, constituinte primário do sentido do discurso: é porque um
sujeito se filia a dadas formações discursivas e silencia outras que ele pode mesmo se
configurar como sujeito, construir sua identidade. Ao falar de uma determinada maneira,
outras possibilidades são apagadas, remetendo-nos à dicotomia sausseriana
sintagma/paradigma, visto que já no Curso de Linguística Geral tínhamos instaurada na
linguística a importância das escolhas que o falante faz perante a língua. E é justamente
aí que a AD faz trabalhar seus postulados: o sujeito, de fato, não escolhe, ao menos não
com absoluto controle, aquilo que irá silenciar.
Com efeito, podemos observar na sociedade diferentes modos de silenciamento que
podem levar a derivas de sentido. Pensemos, por exemplo, nos trabalhos acadêmicos.
Digamos que, num dado artigo de Linguística, ocorra um dos três enunciados abaixo:
1. A Linguística moderna foi fundada pelo suíço Ferdinand de Saussure em 1916,
após a publicação, por seus discípulos, de notas de sala de aula que compunham
fragmentos de seu Curso de Linguística Geral.
2. A Linguística moderna foi fundada pelo suíço Ferdinand de Saussure em 1916,
data em que publicou seu Curso de Linguística Geral.
3. A Linguística moderna foi fundada na França em 1916.
Neste caso, para ilustração, optamos por lidar com enunciados em que a sequência
textual é drasticamente reduzida de um enunciado para o outro, de modo que o
silenciamento se dá mesmo em termos de quantidade de materialidade linguística. No
32
entanto, queremos defender que seu principal caráter é qualitativo visto que os dizeres
que são apagados na passagem de um enunciado para outro não são aleatórios. Logo de
início podemos dizer que a aparição de uma data para afirmar a fundação de uma
ciência coloca os enunciados na defesa de uma posição histórica cronologizante.
Além disso, encontramos no enunciado 1 uma série de informações que se
apresentam como “completas”. Temos a afirmação da fundação da Linguística moderna
por Ferdinand de Saussure, a nacionalidade do autor, a citada data de fundação, as
condições de sua realização etc. Estes mesmos fenômenos são apresentados no
enunciado 2, com o seguinte porém: ao silenciar a existência de outras pessoas que não
Saussure quando da fundação da Linguística, há um deslizamento de sentido tal que
ressalta-se ainda mais a importância desse pensador e exclui-se o trabalho alheio. Este é
um fenômeno que se assemelha ao caso do “meio-plágio” estudado por Orlandi, em que
a não citação de um autor que foi tomado como referência apaga seus méritos e sua
própria existência naquele discurso.
Finalmente, no último caso temos um apagamento que se difere do acima na medida
em que o enunciado 3 pode se colocar como o que chamaríamos de incompleto, visto
que se fala nada além da fundação da ciência Linguística em um dado lugar e em um
dado tempo. Este tipo de enunciado tende a ser bastante desprezado nos trabalhos
realizados nas chamadas Ciências Humanas, o que já aponta para um caráter negativo
frente a outras Formações Discursivas. Além disso, porém, gostaríamos de salientar que
ele não apenas deixa de expor o que outros enunciados expõe: de fato, ao não citar o
nome de Saussure, o enunciado pode também produzir um efeito de sentido mais
englobante, em que não se atribui a fundação de uma ciência a determinada pessoa, mas
a um conjunto delas.
Desta forma esperamos demonstrar que, de fato, não podemos contar com a
literalidade dos dizeres para a procedência da análise, mas apenas com uma
investigação rigorosa acerca das condições e processos históricos responsáveis pela sua
constituição.
vi) PARTICULARIDADES DO DISCURSO POLÍTICO
Sendo o discurso político o objeto privilegiado da Análise do Discurso desde seus
primórdios, cabe-nos aqui a tarefa de traçar algumas de suas características. Seguindo os
33
caminhos já apontados por Charaudeau ([2005] 2008) e também seguidos por Piovezani
(2009), o ponto de partida é compreender qual o sentido da expressão “discurso
político”. Trata-se do conjunto de textos expressos pela política? Fosse esse o caso,
quais os recortes estabelecidos? Podemos dizer que o conjunto de falas individuais
acerca da política é o “discurso político”?
Estas respostas tornam-se improcedentes a partir do momento que consideramos que
o “discurso político” trata-se, na verdade, de um todo complexo ao qual se atribuem
certos dizeres e que é constituído de uma maneira própria que pode ser apreendida
mediante análises. Assim, Piovezani (idem) traça inicialmente relações entre a
expressão em questão com os mitos, de modo a observar os dizeres em que Barthes
opõe o mito enquanto construção simbólico-cultural tomada pelo seu emocional
constitutivo à política, tida como realidade, o impossível do mito, o “grau zero da ilusão”
(p. 131). Entretanto o autor logo nega estes dizeres, vislumbrando a possibilidade de
tratar justamente de aspectos míticos do discurso político, tratando como seus efeitos e
crenças constitutivas aquilo que Barthes tinha como propriedade intrínseca da fala
pública. Isto remete à fala de Charaudeau posta ainda no prefácio de seu livro, ao falar
das máscaras sociais:
"Pode-se dizer que a identidade dos sujeitos não é nada mais que a imagem co-
construída que resulta de seu encontro. (...) Nesse momento, a máscara seria nosso
ser presente; ela não dissimularia, ela nos designaria como sendo nossa imagem
diante do outro." (op. cit.)
O discurso político seria, então, o lugar de excelência das imagens, constitutivas dos
seres que nele se alojam e com ele se relacionam. Baseando-se na fala de Le Bart,
Piovezani diz ainda que essas imagens seriam construídas a partir de uma série de
asserções/crenças básicas que se interpelam, se coadunam etc. levando a uma série de
outras crenças e efeitos míticos ligados ao discurso político. As quatro crenças são:
1. A realidade social é transparente;
2. A autoridade política é legítima;
3. Ela controla os fenômenos sociais;
4. A soma dos cidadãos constitui uma comunidade.
Estas características fazem com que o “avesso” do discurso político seja
caracterizado pela revelação da complexidade do mundo e a confissão da impotência
política, propriedades que jamais se revelarão em seu bojo. O discurso político é, assim,
também o discurso do poder – não qualquer poder, mas o poder garantido, o poder da
34
certeza, legitimado nas figuras dos políticos que demonstram não apenas um querer-
fazer, mas ainda um saber-fazer que só depende do poder-fazer, garantido numa
sociedade democratizada pelo eleitor através de seu voto. Mais contemporaneamente,
essas imagens de poder se complexificam em materialidade: para que a legitimidade
constitutiva do discurso seja mantida, as esferas pública e privada hoje se implicam
ininterruptamente, de modo tal que muitas vezes os conflitos políticos entre grupos (por
exemplo partidos de esquerda e de direita) são apagados a favor do conflito entre
“personalidades”, indícios do processo de espetacularização da política.
Outra característica levantada por Piovezani (idem, p. 136) ao discorrer acerca das
implicações daquelas quatro crenças básicas é o fato de que o discurso político se pauta
em autoproclamações de causalidade: isto é, “os locutores políticos estabelecem
relações de causalidade entre uma decisão/ação sua e o advento de supostas ou reais
melhorias da vida comum”. Relacionada diretamente à crença de número 3, esta
asserção tem como consequência uma série de enunciados que podem oscilar da
sugestão velada à declaração explícita, variando também no tempo (“Desde o começo
de nossa gestão...”, “Graças ao nosso empenho conseguimos fazer o que nunca foi
feito...”) e no espaço (“Nosso Estado está mais desenvolvido que nossos vizinhos...”, “O
Brasil, graças ao trabalho do nosso/meu governo, tem uma economia mais forte que
aquela dos outros países da América Latina...”). De fato, as duas variáveis não são
isoláveis, visto que o “aqui” explicitado pelo discurso político sempre está imbricado
num “agora”, de modo tal que o lugar em questão “jamais melhorou” se não agora,
diante da gestão do sujeito/partido político enunciador.
Sem nos voltarmos a outras tantas características expostas acerca do assunto,
gostaríamos de confrontar as leituras que fizemos através de uma citação de Charadeau
presente também na obra de Piovezani:
“Todo enunciado, por mais inocente que seja, pode ter um sentido político,
desde que a situação o justifique. Mas é igualmente verdade que um enunciado
aparentemente político pode, conforme a situação, apenas servir de pretexto para
dizer uma outra coisa que não seja política, no sentido de neutralizar-lhe o sentido
político. Não é, portanto, o discurso que é político, mas a situação de comunicação
que o torna político. Não é o conteúdo do discurso que faz com que um discurso
seja político, é a situação que o politiza.” (CHARAUDEAU apud PIOVEZANI, op.
cit., p. 138).
Este é um ponto de divergência entre os dois autores. Segundo a interpretação do
autor brasileiro, as diversas situações de enunciação sequer tornaria uma fala qualquer
“política”, quanto menos tiraria o caráter político de um certo dito, visto que funciona
no campo da política uma certa “ordem do discurso”, que, regulando as circunstâncias
35
do falar e os sujeitos que podem se constituir como falantes, “regula também o que pode
ser dito” (p. 139). O discurso político não somente possui regularidades e dispersões
que lhe são próprias, como ainda deixa marcas desses fenômenos nos enunciados que
nele se inserem e que com ele se relacionam. Se certamente não podemos isolá-lo
totalmente, como inclusive não podemos fazer com nenhum outro discurso, e também
não podemos caracterizá-lo retirando dele sua configuração linguístico-textual-
enunciativa, não podemos, ao menos numa visada histórica que se proponha a descrever
o funcionamento daquilo que é dito na sociedade, reduzi-lo a situações de enunciação,
focando demasiadamente singularidades que, se observadas com algum cuidado, se
mostram relativas. Desta forma, defendemos que as características que regem o discurso
político podem ser afirmativamente apreendidas, sobretudo através da análise de outros
discursos que com ele se relacionam, como é o caso que veremos a seguir.
3.1.1.b. DA CULTURA E SUAS POLÍTICAS
Tendo nos detido longamente sobre a seção referente à Análise do Discurso,
devemos explicitar que não o faremos da mesma maneira sobre esta e a próxima seção.
Enquanto naquela buscamos todos os conceitos teóricos e procedimentos metodológicos,
bem como algumas características do discurso político, a leitura que fizemos acerca dos
temas da “cultura” e da “poesia” teve a finalidade de nos introduzir mais brevemente a
esses assuntos de maneira formal e nos colocar em contato com alguns dizeres que se
diferenciassem daquilo que eventualmente encontraremos em nossos objetos (os textos
acerca da poesia e do poeta no site do MinC). Dito isto, esta seção se divide em duas
outras subseções: na seção i) buscaremos respostas à pergunta “O que é cultura?”,
levantando para isso alguns dizeres que emergiram em nossa bibliografia e na seção ii)
traremos algumas informações acerca do Ministério da Cultura brasileiro, já aplicando
gestos de leitura baseados nos postulados da AD.
i) O QUE É CULTURA? DIZERES SOBRE O TEMA
Universal ou específica, processo ou produto, includente ou excludente... Tantas são
as ambiguidades e os paradoxos que cercam a palavra “cultura”, que Terry Eagleton
inicia sua obra A ideia de Cultura ([2000] 2009) com a afirmação de que esta seria a
segunda ou terceira palavra de mais difícil definição em sua língua13
, possivelmente
superada apenas por aquela a que, por vezes, se contrapõe: “natureza”. Que ele inicie
sua exposição com um confronto entre palavras não nos parece surpreendente depois
que nos acostumamos ao ritmo da obra: o autor demonstra inicialmente que a palavra
13
O inglês.
36
“cultura” deriva de “natureza”, sendo um de seus sentidos etimológicos o de lavoura ou
cultivo agrícola, mas, ao longo dos cinco capítulos que compõe sua obra, vemos
emergir definições absolutamente distintas – entre os citados constam o escritor
romântico Lord Byron e o geógrafo David Harvey, Nietzsche e Raymond Williams, este
último com uma frequência mais constante.
Sem o compromisso de nos determos em cada uma das concepções de cultura que
Eagleton levantou, preferimos nos voltar às delimitações que ele coloca logo no
primeiro capítulo a partir da afirmação de que “Se a palavra ‘cultura’ guarda em si os
resquícios de uma transição história de grande importância, ela também codifica várias
questões filosóficas fundamentais” (idem, p. 11). No que respeita à dita transição
histórica, podemos pensar, na verdade, em diversas transições, no plural: como afirma o
próprio autor, a palavra passa de um significado relacionado às práticas agrícolas para
outros tantos relacionados às diversas esferas da atividade humana, seja sob a forma
derivada “culto” na esfera da autoridade religiosa, seja em sua afinidade com palavras
como “ocupação” e “invasão”, que a localizam num espectro entre positividade e
negatividade, sendo, no campo da política, vital tanta para os grupos da esquerda quanto
para os grupos da direita.
Quanto às “questões filosóficas fundamentais”, mais uma vez podemos dizer que
elas se colocam na ordem das contradições entre termos como a liberdade e o
determinismo, o fazer e o sofrer, a mudança e identidade, o dado e o criado. Ela pode
ser vista tanto como aquilo que nós criamos como aquilo que somos através de
processos que não foram por nós iniciados. Aí está a grande metáfora com a lavoura,
visto que, assim como as plantas, a cultura sugere tanto regulação como crescimento
espontâneo (p. 13). Nós podemos alterar nossos aspectos culturais, mas ao mesmo
tempo aquilo que já se encontra disponível para mudança foge ao nosso controle, possui
autonomia própria, nos excede.
Podemos daí derivar outros tantos que assuntos, o que de fato Eagleton faz: nos
outros capítulos, além de se voltar para uma espécie de “genealogia” das definições de
cultura, demonstra a importância que o termo tem na sociedade contemporânea – não
apenas se colocam discursos diversos acerca da “crise da cultura”, como também
discursos que legitimam guerras e outros conflitos em nome deste conceito. O autor
termina, por fim, por defender a necessidade de se chegar a uma “cultura comum”, ou
melhor, a uma definição comum do termo cultura, de modo que não falemos
37
constantemente de algo que se apresenta com uma definição tão fugidia (veja-se, por
exemplo, o longo número de autores citados que apresentam posições diferenciadas com
relação ao assunto).
Para que continuemos nossa reflexão torna-se necessário, então, que citemos seu
último parágrafo:
A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande
medida, aquilo para o que vivemos. Afeto, relacionamento, memória, parentesco,
lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer intelectual, um sentido de
significado último: tudo isso está mais próximo, para a maioria de nós, do que
cartas de direitos humanos ou tratados de comércio. No entanto, a cultura pode ficar
também desconfortavelmente próxima demais. Essa própria intimidade pode tornar-
se mórbida e obsessiva a menos que seja colocada em um contexto político
esclarecido, um contexto que possa temperar essas imediações com afiliações mais
abstratas, mas também de certa forma mais generosas Vimos como a cultura
assumiu uma nova importância política. Mas ela se tornou ao mesmo tempo
imodesta e arrogante. É hora de, embora reconhecendo seu significado, colocá-la de
volta em seu lugar. (EAGLETON, [2000] 2009, p. 184)
Acreditamos que este fragmento seja exemplar dos propósitos almejados por
Eagleton desde o início de sua obra e poderíamos extrair dele uma série de outras
discussões; entretanto, foquemo-nos em uma, aquela que diz respeito à proximidade
demasiada da cultura no que concerne à sociedade contemporânea e a obsessão que aí se
instaurou. De fato, mesmo se apresentando tão complexa e de difícil definição, a cultura
muitas vezes se apresenta como algo cuja existência deve ser incentivada ou, no mínimo,
respeitada e preservada. Isso se demonstra não apenas na maneira como José Luiz dos
Santos inicia seu livro O que é cultura ([1949] 2006, p. 7) (“Cultura é uma preocupação
contemporânea, bem viva nos tempos atuais”), mas até mesmo no próprio título que
Marshall Sallins (1997) concebeu ao seu artigo: “O ‘pessimismo sentimental’ e a
experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção (parte
I)”.
Essa preocupação, que toma mesmo marcas de obsessão, estaria significando na
sociedade sob a forma de uma variedade de símbolos, discursos e materialidades. É o
caso, por exemplo, do incentivo, prática política comum na atual contemporaneidade.
Sob a constatação pré-construída da necessidade de se ampliar as possibilidades
culturais, através de programas, concursos, editais etc., esta prática pode fazer atuar
todas as problemáticas apontadas acima simultaneamente, formando um grande
“caldeirão” em que são alojadas todas as contradições da cultura através da Economia,
que, conjugada à atual conjuntura da “indústria cultural”, exclui de seu seio a discussão
38
típica do campo filosófico. Se Pêcheux ([1988] 2008) viu no campo da política um
processo de espetacularização, vemos no campo da cultura uma politização, já
enfraquecida em termos de argumentos e projetos filosóficos.
Antes que passemos, enfim, à próxima seção, é necessário que façamos uma última
nota crítica de fundamental importância para que não cometamos o equívoco de nos
filiarmos a dizeres a quais nos opomos: ao expormos a questão da cultura como
“obsessão” da sociedade contemporânea, na qual incluímos a realidade brasileira, não
pretendemos dizer que seu incentivo deva ser desestimulado ou muito menos negado
definitivamente. Trata-se, no entanto, partindo mesmo da fala de Eagleton, de pensar em
alternativas para que o funcionamento do incentivo trabalhe de maneira mais profícua o
real político-filosófico e não apenas o econômico, ou seja, que se incentive também a
reflexão acerca do tema em pauta, de sua importância e suas consequências. Isto não
significa afirmar que tais práticas sejam total e definitivamente inexistentes ou que sua
ausência seja fruto de má fé, seja de um indivíduo ou de todo um governo. Significa,
sim, pôr em cheque as evidências que se colocam na sociedade de modo a compreendê-
la e fazer trabalhar nela interesses outros que não os que já se colocam como garantia e
como hegemonia reproduzida na forma de práticas.
ii) O MINISTÉRIO DA CULTURA BRASILEIRO
Para que pudéssemos pesquisar sobre o Ministério da Cultura, era indispensável que
levantássemos informações de seu histórico, sua estrutura, seus objetivos etc. Para isso,
acessamos a página “Histórico” disponível em seu site14
, através da qual nos deparamos
com o seguinte texto:
O Ministério da Cultura foi criado em 1985, pelo Decreto 91.144 de 15 de março
daquele ano. Reconhecia-se, assim, a autonomia e a importância desta área
fundamental, até então tratada em conjunto com a educação.
A cultura, ademais de elemento fundamental e insubstituível na construção da
própria identidade nacional é, cada vez mais, um setor de grande destaque na
economia do País, como fonte de geração crescente de empregos e renda.
14
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/historico; acesso em dezembro de 2013.
39
Em 1990, por meio da Lei 8.028 de 12 de abril daquele ano, o Ministério da
Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à
Presidência da República, situação que foi revertida pouco mais de dois anos depois,
pela Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992.
Em 1999, ocorreram transformações no Ministério da Cultura, com ampliação de
seus recursos e reorganização de sua estrutura, promovida pela Medida Provisória
813, de 1º de janeiro de 1995, transformada na Lei 9.649, de 27 de maio de 1998.
Em 2003, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a
reestruturação do Ministério da Cultura, por meio do Decreto 4.805, de 12 de agosto.
Além de nos fornecer diversos dados acerca de sua formação e estruturação,
chamando-nos a atenção o fato de que o Ministério da Cultura nasce do rompimento da
dicotomia educação/cultura (o que legitima a autonomia de ambas), interessamo-nos
mesmo pela forma como o texto foi constituído, levando-nos já a uma breve
interpretação acerca de seus fenômenos discursivos. Expliquemos. Todos os
acontecimentos listados no texto, como a criação do Ministério, as leis a que ele está
submetido e suas reformas são colocados como frutos de uma cronologia, com boa parte
do texto sendo escrita na voz passiva (“O Ministério da Cultura foi criado”, “foi
transformado”), sem a presença de pronomes próprios que não sejam referentes a
outros órgãos, instituições ou lugares de poder (“Secretaria da Cultura”, “Presidência da
República”)... exceto pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda que não tenhamos
acesso à data de publicação do texto em questão, tal fato nos leva a crer que tenha se
dado justamente durante a gestão de tal presidente, haja visto que cita as atitudes que
tomou durante o período em que esteve no poder (ou seja, o texto não pode ser anterior)
e não cita nenhuma relação com a atual presidência de Dilma Rousseff.
Vemos aí trabalhar características que apontamos na seção 3.1.1.a.vi, mais
especificamente aquelas relativas ao efeito/crença do discurso político que se ancora
num efeito de causalidade entre a decisão/ação dos sujeitos políticos e a melhoria das
condições de vida. Neste caso, ao apagar o nome de outros políticos responsáveis pela
criação e eventual manutenção do Ministério da Cultura, a ponto de sequer serem
citados os ministros que o regeram, o texto concentra todo o Histórico sobre a figura do
ex-presidente brasileiro, fazendo atuar um efeito de sentido que amplia seu “fazer”
40
político – é graças a ele, enquanto figura singular dotada da capacidade de decidir sobre
o futuro da nação, legitimado pelos votos que o elegeram e pelo poder jurídico sobre o
qual se apoia, que todo o Ministério se reestrutura, fazendo valer novamente o signo da
cultura no país.
Ao final do texto, tínhamos ainda acesso a um link sob o rótulo de “Leia mais”, que
nos conduzia a outra página15
com um texto intitulado “26 anos do MinC”. O texto foi
publicado no dia 15 de março de 2011 e, assim como o texto analisado acima, possuía
um caráter cronológico que afastava nomes próprios de seu modo de escrever, a não ser
pelo testemunho de Ana de Hollanda acerca da criação do MinC. O que nos chamou a
atenção, porém, foi logo o primeiro parágrafo texto, reproduzido a seguir:
O processo de redemocratização do país, aliado à crescente potencialidade cultural
brasileira e à necessidade de implantação de políticas públicas exclusivas para a área,
culminou na elaboração do decreto 91.144 que criou o Ministério da Cultura, até
então ligado ao Ministério da Educação.
O processo de incentivo à cultura é então aliado a um processo de redemocratização
e a uma necessidade de implantação de políticas públicas, de modo tal que a criação do
Ministério da Cultura é colocada como algo que aconteceu, decorrência de uma série de
acontecimentos que exigiam que assim o fosse. Esta interpretação está em consonância
com o que expomos logo acima ao tratar do primeiro texto, e no entanto vemos
deslizamento do sentido: ao ligar a “crescente potencialidade cultural brasileira” a um
tipo de governo particular (a democracia), o texto faz entrelaçarem-se os campos da
política e o da cultura, evidenciando as maneiras como a primeira trata da segunda.
Vejamos ainda um terceiro texto que utilizamos para o levantamento das
informações acerca do Ministério da Cultura16
, acessado na página “Institucional”:
15
Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/2011/03/15/26-anos-do-minc/. Acesso em dezembro de 2013.
16 http://www.cultura.gov.br/institucional (Acesso em dezembro de 2013)
41
O Ministério da Cultura (MinC) foi criado por Decreto presidencial, em 1985, a
partir do desmembramento do Ministério da Educação e Cultura. A partir de então
começaram a ser desenvolvidas ações específicas no reconhecimento da importância
da cultura para a construção da identidade nacional.
O MinC desenvolve políticas de fomento e incentivo nas áreas de letras, artes,
folclore e nas diversas formas de expressão da cultura nacional, bem como preserva o
patrimônio histórico, arqueológico, artístico e nacional.
A atual estrutura regimental do MinC é regida pelo Decreto nº 7.743, de 31 de
maio de 2012. De acordo com essa legislação, o MinC possui três órgãos de
assistência direta e imediata ao Ministro de Estado que são: o Gabinete, a Secretaria-
Executiva e a Consultoria Jurídica. A estrutura é formada ainda por seis secretarias.
São elas: Secretaria de Políticas Culturais, Secretaria da Cidadania e da Diversidade
Cultural, Secretaria do Audiovisual, Secretaria de Economia Criativa, Secretaria de
Articulação Institucional e Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura.
O MinC também é composto por órgãos colegiados e conta com seis entidades
vinculadas, sendo duas autarquias e quatro fundações que abrangem campos de
atuação determinados. Também fazem parte da estrutura regimental do MinC, as
representações regionais, que hoje totalizam sete e abrangem o país territorialmente
prestando, entre outras funções, apoio logístico e operacional aos eventos realizados
pelo Ministério.
Além das discussões anteriores, faz-se pertinente aqui a citação das diversas áreas
fomentadas e incentivadas, ajudando-nos a compreender o que o MinC compreende por
cultura, esta funcionando como uma espécie de hiperônimo (ou termo guarda-chuva)
para as áreas de “letras”, “artes”, “foclore”, “patrimônio histórico, arqueológico,
artístico e nacional”, assim como “diversas formas de expressão”, não especificadas.
Além disso, vemos a relação entre cultura e identidade de tal modo que o incentivo à
cultura deve levar à construção da identidade nacional, fundamental para a manutenção
da quarta crença constituinte do discurso político – a de que um governo é formado não
por um conjunto de indivíduos, mas por uma comunidade.
Esse exercício de leitura nos permite então listar algumas características acerca do
Ministério da Cultura em termos de seus dizeres, mediante uma análise que não se
42
pretende exaustiva e cujo objetivo principal é o de nos introduzir ao funcionamento
político da instituição da qual retiramos nosso corpus:
Sua criação se coloca como fruto de uma necessidade incontornável, pautada
num regime democrático e numa série de eventos e documentos jurídicos que
legitimam sua existência;
A cultura é vista como alvo de incentivo e fomento, dividindo-se em outros
tantos termos que em alguma medida a especificam e a restringem;
Este incentivo tem como um de seus efeitos a construção/manutenção de uma
crença própria do discurso político, propagando a homogeneização de uma
“identidade”, ou seja, uma posição sujeito que se apresenta universal e que seria
responsável pela identificação dos cidadãos uns com os outros;
Esta identificação, por fim, se coloca na esteira paradoxal de qual tratamos na
seção 3.1.1.b.i.: ao mesmo tempo em que a identificação é construída através de
um processo de políticas governamentais públicas, ela também se mostra um já-
lá, um pré-construído necessário para seu próprio funcionamento.
3.1.1.c. A POESIA: ALGUMAS CARACTERÍSTICAS E APONTAMENTOS
Poesia é representação. É isto que postula Bosi ([1936] 1977) ao tratar das diversas
facetas das “imagens” (materialidade imagética), tomadas não apenas como fenômenos
físicos, mas como símbolos. A partir de uma primeira relação visual com o mundo, nós
apanhamos a aparência daquilo que se coloca diante dos nossos olhos e também
apanhamos algo da nossa relação com esse exterior. Isso significa afirmar que nosso
contato com o mundo é desde o início de nossa existência simbólico, sempre produz
sentidos, de modo que mesmo depois do contato com as imagens elas ainda reverberam
em nossas mentes, geram sonhos e nostalgias, modificando-se ao longo do tempo e
atuando na memória.
As imagens manteriam, portanto, uma relação muito próxima com os verbos
aparecer e parecer: elas saltam aos olhos, se impõem, se entregam a nós por sua
aparência, mas após sua aparição, passam a se parecer com aquilo que vimos, e também
a se parecer com algo mais, algo além. São da ordem tanto do estático quanto do
dinâmico, não se fixando à mente como algo atemporal e conclusivo, mas como algo
43
sempre passível de deriva e transformação. Neste sentido, as imagens são
particularmente importantes para que compreendamos o processo do devaneio,
momento em que nossos pensamentos são colocados a vagar sobre o nada e passa a
“povoar de fantasmas um espaço ainda sem contornos” (idem, p. 19). O devaneio é
visto como fonte de toda a ficção, de onde poderíamos concluir que também é fonte de
toda a poesia.
No entanto, Bosi questiona essa possibilidade: seria a poesia realmente um jogo de
imagens, uma relação que se estabelece somente entre corpo e objeto? Parece que não.
Os estudos da linguagem realizados a partir do século XX, como por exemplo os
estudos semióticos, colocam a poesia num outro lugar que não o da imagem na retina ou
dos fantasmas que habitam espaços. A imagem no poema se traduz na forma de palavra,
uma superfície textual que indica os seres ou os evoca. E, no entanto, essa materialidade
continua buscando a imagem, busca que se vai fazer na série, no discurso.
Todos estes fenômenos que constituem a poesia parecem ser, para o poeta Leminski
(2009), fruto de uma intensa paixão que os poetas estabelecem com a própria linguagem.
A linguagem aí não seria uma estrutura fixa que os sujeitos mobilizam para se
comunicar ou para escrever seus poemas, mas seria mesmo uma realidade com a qual os
indivíduos mantêm relações sentimentais tão verdadeiras quanto as que mantém consigo
mesmo e outros indivíduos. É a paixão que move a busca pelas imagens, que faz com
que a poesia signifique de modo tão vivaz, que transcenda os limites da língua e lhe
imponha suas verdades, que não são as mesmas para cada poeta. Diz uma célebre
citação atribuída ao escritor: “Tem que existir tanta poesia no receptor quanto no
emissor. Você precisa ser tão poeta para entender um poema quanto para fazê-lo. Só
poetas são capazes de entender poesia”.
Outros dizeres acerca da poesia a colocam na diferenciação entre a escrita e a
oralidade, pensando em suas diversas materialidades, os poemas. É caso de Zumthor,
pensador medievalista cujos trabalhos se focam nas tradições da poesia oral, atribuindo-
lhe características e narrando sobre sua formação e modos de funcionamento. Em sua
obra Introdução à poesia oral ([1983] 1997), Zumthor discorre sobre 5 etapas que
consistiriam na existência de um poema: a produção, a transmissão, a recepção, a
conservação e a repetição. Não pretendemos nos deter em cada uma delas, mas afirmar
que essas etapas podem nos guiar, sucintamente, na distinção entre a poesia escrita e a
poesia oral.
44
A primeira estaria fadada a uma existência mais sólida, rígida, pouco suscetível a
modificações. A etapa da produção se daria num lugar além e num tempo outrora das
etapas de transmissão e recepção, ao passo que a poesia oral, muitas vezes ligada ao
improviso, conjugaria aquelas três etapas num único momento enunciativo, a
performance. Esta confluência de diversos processos num único acaba por gerar
diversas diferenciações que se colocam como fruto dos dizeres acerca da poesia. Assim,
quando falamos de poesia oral, tratamos também da voz humana, do papel do corpo e
das vestimentas na constituição dos sentidos etc., ao passo que ao falarmos de poesia
escrita remetemos a uma tradição de grafia, formatação visual, publicação de livros,
dentre outras remissões.
Com esse pequeno levantamento, queremos apontar para uma discussão que já se
coloca como um horizonte das análises. Devemos observar, no discurso político, se e
como são tratadas essas diferenciações, tendo em mente que ele se coloca como
fomentador e incentivador da prática poética e esta se mostra heterogênea, dividida.
Perguntemo-nos: o que a esfera política entende por poesia? Apreende-se tanto sua
materialidade escrita quanto a oral, ou apenas uma delas? Como exatamente são
apreendidas? Para respondermos a estas e outras eventuais questões, devemos analisar,
seguindo os procedimentos padrão da Análise do Discurso, um conjunto de textos
selecionados sob a forma de corpus. É sobre a constituição deste conjunto que nos
deteremos a seguir.
3.2. CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
Tendo em mente a necessidade de constituir o corpus conforme proposto em nosso
projeto, colocamo-nos as seguintes questões: i) qual metodologia utilizar para que
encontremos, de maneira precisa, os textos que tratem explicitamente do tema
inicialmente concebido (a saber, os textos que digam respeito à poesia e/ou aos
poetas)?; e ii) tal metodologia é compatível com nossos pressupostos teórico-analíticos
e com o cronograma a ser cumprido?
Estas perguntas conduziram à imediata recusa da busca manual: diante de um site
como o do Ministério da Cultura, cujo número de informações veiculadas certamente é
enorme, seria pretensioso analisar todos os textos ali postados desde 2003 e concluir
45
que não houve falhas na busca. Concomitantemente, o tempo necessário para tal
empreitada poderia nos levar ao descumprimento do cronograma previsto pela FAPESP.
A busca automática, então, se nos colocou como a mais razoável. Sendo a fonte de
nosso corpus digital, nada mais adequado do que a utilização de ferramentas também
digitais para lidar com a tarefa. Desta maneira, inicialmente concebemos como
ferramenta de trabalho o site de pesquisas Google17
, que permitiria que buscássemos as
palavras desejadas em todo o domínio do Ministério da Cultura, dessa forma cumprindo
nosso desejo de analisar apenas textos em que as palavras ocorrem de maneira explícita.
Apesar de termos realizado algumas buscas com esta ferramenta, inclusive chegando
a certos dados brutos (quantitativos) bastante interessantes, nós a abandonamos, visto
que seus resultados não eram categóricos, de modo que ainda precisaríamos categorizar
os textos de modo manual de acordo com sua disposição no site do MinC. Por isso,
acabamos chegando à ferramenta de buscas do próprio Ministério, com a qual
trabalhamos desde então.
Este sistema de busca possui a seguinte interface18
:
Figura 2 Captura de tela da interface de busca do site do MinC (2013)
17
https://www.google.com.br/ 18
Captura de tela retirada do site do Ministério da Cultura (http://www.cultura.gov.br/busca) no final
de dezembro de 2013.
46
Explicitemos as demarcações feitas na imagem:
A: Neste campo, encontra-se exibida a palavra utilizada para busca no site, do
modo como o usuário a digitou;
B, C e D: Os três são os modos como a pesquisa deve ser realizada; se
selecionada a opção B (“Tudo”), serão exibidos tantos os resultados de C
quanto de D; se selecionada a opção C (“Conteúdo Web”, serão exibidos
apenas resultados que tenham sido postados no site do Ministério da Cultura
na forma de Notícias, Editais etc; se selecionada a opção D (“Documentos e
Mídias”), são exibidos resultados encontrados em arquivos de áudio, imagem
etc.;
E: O campo “Qualquer Tag” (etiqueta em inglês) permite que sejam exibidos
todos resultados desde que possuam a palavra “poesia” neles; no entanto, ao
clicar em alguma tag ali exibida, podem ser explorados resultados que
contenham simultaneamente a palavra buscada e outras desejadas;
F: O campo “Qualquer categoria” exibe resultados presentes em todas as
categorias do site do MinC, como Notícias, Editais, Discurso etc.; no entanto,
é possível visualizar resultados de apenas uma dessas categorias clicando
sobre a categoria desejada;
G: Neste campo, é possível selecionar o período de publicação dos
resultados;
H: Neste campo são exibidos os resultados propriamente ditos.
A busca que efetivamente realizamos possuía as seguintes configurações:
Palavras buscadas: “poesia” e “poeta”;
Modo de busca: Optamos apenas pelo modo “Conteúdo Web”, visto que o modo
“Documentos e mídias” exibiria diversos arquivos de outras materialidades a que não
nos propomos analisar (tais como vídeos e músicas);
Tags: Foi utilizada a opção “Qualquer tag”, permitindo que fossem exibidos os
resultados mais abrangentes possíveis acerca da temática;
Categorias: Novamente, foi selecionada a opção de “Qualquer categoria”, pelos
mesmos motivos acima;
Tempo: Ainda que tenhamos nos proposto a analisar textos em circulação apenas
durante os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, selecionamos a
47
opção “Qualquer hora”, para que assim compuséssemos um corpus maior e
deixássemos os critérios temporais para a etapa de seleção das sequências discursivas
para análise.
Com isso chegamos a dois resultados quantitativos que permitiram que iniciássemos
o processo de seleção das sequências discursivas a serem efetivamente analisadas, nos
detendo sobre os resultados que obtiveram maior ocorrência das palavras desejadas.
Este processo de seleção, no entanto, não está concluído, conforme explicitaremos na
seção 4.2 deste relatório. De toda forma, os gráficos gerados a partir dos resultados de
nossas buscas encontram-se a seguir:
Gráfico 1 Resultados da busca pela palavra "poesia" no site do MinC em dezembro de 2013
Ocorrências da palavra "poesia" no site do MinC (modo Conteúdo Web)
Notícias (360)
Por Dentro do Ministério (243)
Livro (69)
Editais (34)
Inscrições Encerradas (34)
Prêmios (34)
Discurso (30)
Programas (27)
Ponto de Cultura (23)
Lei Rouanet (22)
48
Gráfico 2 Resultados da busca pela palavra "poesia" no site do MinC em dezembro de 2013
Frente aos resultados acima, selecionamos para compor nosso corpus textos que se
enquadrem nas categorias de “Editais”, “Notícias”, “Por dentro do ministério”, “Livro”
e “Discurso”, visto que são as categorias com o maior número de ocorrências de
resultados e, por isso, podem nos render uma visão mais ampla do discurso acerca do
poeta e da poesia no site do Ministério da Cultura. Tendo em mente que não possuímos
fôlego suficiente para nos debruçarmos sobre o conjunto de mais de duzentos textos,
deveremos selecionar alguns exemplares para realizar a análise.
Estas sequências discursivas deverão ser agrupadas em documentos seguindo o
seguinte padrão:
(SIGLA DA CATEGORIA-NÚMERO DA SEQUÊNCIA)
Ex.: (EDT-001)
As siglas adotadas serão as seguintes: “EDT” para os Editais, “NOT” para as
Notícias, “PDM” para “Por Dentro do Ministério”, “LVR” para Livro e “DSC” para
“Discurso”. Deste modo poderemos colocá-las mais facilmente em série e realizar as
análises já comparando suas diferentes textualidades, tanto em termos de uma mesma
categoria quanto em termos de categorias distintas.
Ocorrências da palavra "poeta" no site do MinC (modo Conteúdo Web)
Notícias (397)
Por Dentro do Ministério (293)
Livro (69)
Prêmios (32)
Discurso (30)
Programas (27)
Artigos (23)
Políticas (22)
Editais (20)
Artes (19)
49
3. ATIVIDADES REALIZADAS – SEGUNDO PERÍODO
3.1. SELEÇÃO DAS SEQUÊNCIAS DISCURSIVAS PARA ANÁLISE
Quando da entrega de nosso relatório parcial, referente à parte 2 deste relatório final
(“Atividades Realizadas – Primeiro Período”), havíamos coletado uma série de textos
para compor nosso corpus e, mediante seleção criteriosa, o conjunto efetivo de
sequências discursivas a serem analisadas. Posteriormente à emissão do relatório
parcial, em janeiro, passamos a discutir sobre como deveria ser feita tal seleção –
possuíamos em nossas mãos um conjunto considerável de textos, como podemos
observar nos gráficos 1 e 2 deste relatório19
. Os critérios utilizados deveriam guiar-nos
ao cumprimento de nossos objetivos, gerais e específicos, de modo que a seleção de
textos não fosse aleatória, mas também não fosse totalmente selecionada previamente
para atingir conclusões pré-determinadas.
Nesta tarefa, podemos dizer que, em boa medida, as próprias sequências discursivas
explicitaram os critérios pelos quais as selecionamos – as problemáticas oferecidas pela
ferramenta que utilizamos, a grande densidade de textos e o que chamamos de
“representatividade do discurso”. Estes três foram os principais fatores que levaram à
configuração final de nossa seleção, e serão melhor explicitados a seguir – o último
sendo explicitado após discorrermos sobre os textos selecionados, pois achamos que sua
pertinência se faz maior quando disposto antes das análises propriamente ditas.
3.1.1. PROBLEMÁTICAS DA FERRAMENTA DE BUSCA
Conforme explicitamos na subseção 2.2 deste relatório, optamos por utilizar da
própria ferramenta de buscas do site do Ministério da Cultura para realizarmos a seleção
do corpus; isto nos permitiu simultaneamente i) observar a maneira pelas quais os
próprios leitores do site tem acesso às informações quando buscam pela temática
estudada e ii) verificar dados como a hierarquia entre as diversas categorias de texto e o
número de textos que cada uma dessas categorias traz.
19
pp. 47 e 48.
50
Entretanto, findo o primeiro período de nossas atividades e continuada a seleção do
material para análise, nos deparamos com uma série de problemáticas no que tange à
ferramenta. Foram elas: problemática no que diz respeito ao funcionamento das páginas
de busca, problemática na datação dos textos e problemática das categorizações dos
textos. A primeira diz respeito ao simples fato de que a busca do site não funciona tão
bem quanto se esperaria: ao atingir o final da página de resultados e se clicar para ir
para a próxima página, muitas vezes o website simplesmente reatualizava a página atual
e não avançava como deveria – e isso era relativamente constante, de modo que muitos
dos textos permaneciam inacessíveis.
A segunda problemática se refere ao fato de que a datação dos textos era ocultada
nos resultados de busca e aparecia somente no corpo de alguns deles. Além disso,
quando colocados filtros como o ano do texto nas opções da ferramenta, esta emitia
erros – ao colocarmos a opção de mostrar somente textos de 2013, por exemplo, ela
mostrava mais resultados do que se colocássemos “textos de 2008 a 2013”,
demonstrando claro mal funcionamento.
Por fim, a terceira e última problemática é o fato de que muitos dos textos obtidos
como resultados apareciam em mais de uma categoria: dessa forma, a mesma sequência
discursiva poderia constar ora como “notícia”, ora como “discurso” ou “livros”, por
exemplo. Este entrecruzamento das categorizações, embora interessante para análise de
discurso, dificulta o recolhimento dos dados, uma vez que a sistematização de textos
assim se torna obviamente mais complexa de se realizar num arquivo de texto do que é
num sistema virtual.
Dentre todas essas problemáticas, certamente as mais inconvenientes foram as duas
primeiras; elas colocaram empecilhos práticos que resultaram a uma mudança drástica
de nossos objetos, ainda que tal mudança não nos tenha colocado numa direção muito
distinta de nossos objetivos iniciais e tenha, de fato, permitido maior foco no trabalho,
conforme veremos adiante.
3.1.2. DENSIDADE DO CORPUS
Conforme mostramos na supracitada seção 2.2 do relatório, o número de resultados
obtidos acerca da temática “poesia” e do “poeta” não foi pequeno; de fato, somando-se
todos os resultados, obtemos facilmente mais de 1000 textos. Este número, somado às
51
problemáticas acima, demonstrou-se impraticável por nós, uma vez que a conciliação
entre nossa bolsa de estudos com o período letivo deveria ser levada em conta para o
cumprimento do prazo estabelecido para entrega de nosso trabalho final. Por esta razão,
optamos por nos focar sobre uma única categoria de textos – a de editais. Isto se deu
primordialmente pelo fato de já havermos esboçado as análises de editais diretamente
em nosso projeto de pesquisa, e a escolha desta categoria ainda se manteria fiel à
proposta inicial. Além disso, tratando-se de textos diretamente relacionados a
instituições de poder, compreendemos que seus discursos ocupam lugar de prestígio na
sociedade, tornando-os objetos de estudo almejáveis.
Os editais selecionados para análise serão explicitados abaixo, na seção 3.3.1.
3.2. NOTA PRÉVIA ÀS ANÁLISES: REPRESENTATIVIDADE DOS DISCURSOS
Durante uma das aulas ministradas em seu minicurso no Colóquio da Associação
Latino-americana de Estudos do Discurso (ALED-BRASIL)20
, o professor Dominique
Maingueneau discutiu sobre a importância dada ao corpus pelos analistas do discurso.
Salientou a importância de se selecionar os textos a serem analisados segundo alguns
critérios estabelecidos, mas ao mesmo tempo negou a necessidade de se constituir um
corpus demasiadamente grande: segundo ele, o analista do discurso não precisa se deter
sobre mil textos para compreender o funcionamento das Formações Discursivas a quais
eles se filiam; de fato, o analista do discurso deve manter em mente os seus objetivos e
atuar coerentemente com o número de dados de que dispõe, de forma a não tirar
conclusões muito precipitadas a partir de um conjunto pequeno de textos, mas também
não cair na falha de dizer pouco demais sobre um conjunto maior. Assim, o analista do
discurso não deve somente trabalhar com um corpus que dê conta das necessidades de
sua pesquisa, mas também adequar a sua pesquisa para trabalhar com seu corpus.
A esta determinação prática denominamos, neste trabalho, “representatividade dos
discursos”. Isto é, diante de um conjunto com um número n de textos, não importando
qual número seja, podemos (e, argumentativamente, devemos) trabalhar no âmbito das
possibilidades: assim, se analisássemos um único texto sobre a temática da “poesia”,
por exemplo, certamente não seríamos capazes de afirmar que o texto se coloca numa
sequência X, que representa todo o conjunto de discursos que se filiam a uma FD Y etc.,
20
Na ocasião do evento, participamos nas categorias de monitor e de apresentação de painel.
52
mas poderíamos levantar hipóteses e possibilidades discursivas tendo em mente o
conhecimento que possuímos acerca dos interdiscursos que permeiam aquele texto e
tendo em vista a própria produção de efeito de sentido mais imediata, uma vez que, de
saída, todo texto possui como característica primária a capacidade de significar, esteja
ele sendo analisado numa perspectiva mais ampla, com um conjunto maior de
sequências selecionadas sob determinados critérios, seja numa perspectiva mais estreita,
com menos dados à disposição.
Isso não significa que devamos mitigar as consequências de utilizarmos um corpus
extenso: trabalhos como o desenvolvido por Courtine & Haroche na História do Rosto e
o dirigido por Corbin, Courtine & Vigarello quanto à História da Virilidade só foram
possíveis a partir de uma cuidadosa coleta de sequências variadas, e demonstram a
capacidade que teorias mais próximas do estudo do discurso possuem. Entretanto,
entendemos que trabalhos menos extensos e de menor fôlego, como esta Iniciação
Científica e outras pesquisas realizadas por iniciantes na AD, também podem contribuir
para o entendimento das “maquinarias discursivas” que se engendram em nossa
sociedade, levantando aspectos pontuais e sempre apontando para hipóteses e
considerações que podem ser levadas adiante por outros trabalhos, eventualmente
adquirindo caráter de maior robustez.
Assim, entendemos que a escolha de nos determos em um conjunto pequeno de
textos não configura um real problema para nossas tarefas, levada em conta a
representatividade dos discursos e tudo que aqui discorremos sobre ela. Esperamos,
ainda, que possamos futuramente estender nossos estudos para abarcarmos questões
deixadas de lado e repensarmos argumentos que venham a se mostrar insuficientes, sem
nos preocuparmos excessivamente em realizar um estudo exaustivo nesta primeira etapa
do nosso progresso acadêmico.
3.3. ANÁLISES
Se por um lado afirmamos, na subseção 2.1.1.a.v de nosso relatório, a já
tradicionalidade e consagração do procedimento de construção de cadeias parafrásticas
como instrumental de análise de discursos, por outro pretendemos aqui retomar alguns
de seus aspectos que lhe concedem este estatuto; desta maneira, não somente
acentuaremos brevemente as fundamentações teóricas pelas quais a metodologia
53
empregada se mostra pertinente e produtiva frente aos objetivos colocados (v. seção 1.3),
como também poderemos passar às análises efetivas de nosso corpus.
Sendo a paráfrase apreendida como um pressuposto constitutivo da linguagem,
dadas a natureza simbólica e interpretativa (e, portanto, histórica) desta última, podemos
entender a cadeia parafrástica como o procedimento analítico que permite ao estudioso
fazer emergir a “matriz de sentido” de uma dada formação discursiva (Pêcheux, [1975]
2009). Em outras palavras, trata-se de uma maneira de descrever, via equivalências
semânticas e emparelhamento sintático, as relações de sentido/significação que se
constituem em determinado objeto – a priori textos em modalidade escrita.
No que respeita à heterogeneidade própria do grupo textual que selecionamos para
análise, tendo em vista as diferentes categorias pelas quais se encontra classificado,
devemos descrever isoladamente as cadeias parafrásticas estabelecidas em cada uma de
suas unidades, ainda que as comparações entre os diversos textos de uma categoria e
desta com as outras sejam inevitáveis para que possamos: i) observar quais
características são próprias de cada unidade, por contraste e na ordem da dissonância
com as demais; ii) verificar quais características se encontram em consonância em todo
o grupo, ou seja, aquelas que se dão na ordem da repetição; iii) depreender, no processo
de interpretação, a quais FDs os dizeres do MinC se filiam, ou seja, engendrar os
dizeres dispersos em um série histórica em que cada unidade intradiscursiva se reporta a
um interdiscurso e estabelece relações ideológicas de conflito e consenso com outros
dizeres, postas as diferentes posições-sujeito assumidas por seus enunciadores.
Resultam deste e outros métodos sintomas aos quais Courtine ([1982] 2006) se
refere como “uma domesticação do olhar” (idem, p. 19) e que o levam a classificar a
AD como “uma prática da leitura dos textos políticos, e até mesmo um pouco mais: uma
política da leitura”21
(p. 9). Podemos dizer que estes sintomas circunscrevem as
problemáticas da re-escritura do corpus para análise, visto que o procedimento de
descrição em cadeias parafrásticas tem como saída “grades e tabelas”, ferramentas
utilizadas para guiar a leitura dos textos sob os parâmetros da Análise do Discurso. Essa
leitura não pode, pelos princípios mesmo desta teoria, ser vista como neutra ou isenta de
provocar apagamentos de sentidos; deste modo
(...) se pode dizer que a AD é um modo de leitura que substitui uma escrita por
outra, superpondo uma escrita sobre outra: dispositivos sinópticos e classificatórios,
21
Os grifos foram mantidos como aparecem no texto original.
54
obtidos de maneira regrada a partir de cada gráfico do corpus, substituindo sua
ordem gráfica própria, horizontal ao mesmo tempo, por uma unidimensionalidade
linear da cadeia gráfica. E uma vez construídas, essas montagens se superpõem ao
corpus, dominando-o. (...) A AD realiza, portanto, uma conversão técnica do olhar
sobre os textos. (idem, p. 24)
Segundo o autor, estas determinações do modo se fazer AD deveriam, então, tomar
outras direções, de modo a confrontar os procedimentos para que se evite que estes se
tornem apenas reflexos das características próprias do objeto – correndo o risco de se
tornarem redundantes e explicativos apenas de fenômenos compulsoriamente restritos.
Estas críticas, é certo, não passaram despercebidas pelos adeptos da teoria e já se
apontavam no período brevemente anterior à publicação de “O Professor e o Militante”,
em 1982; de fato, ao retomarmos o prefácio de Pêcheux ao livro resultante da tese de
Courtine ([1981] 2009a), verificamos que o questionamento dos métodos de análise se
colocava dentro do próprio objeto de pesquisa, com as crescentes transformações no
campo político-histórico e as evoluções problemáticas das teorias linguísticas
configurando estados de crise na Análise do Discurso (idem, p. 21).
Sabemos hoje diversos desdobramentos destes questionamentos, seja nos estudos
realizados no cenário francês, seja nos estudos realizados em outros países, sobretudo
no Brasil (v. seção 2.1.1.a). Entretanto, gostaríamos de salientar a recepção
relativamente tardia das teorias da Análise do Discurso no cenário nacional, fenômeno
ocorrido de modo tal que a leitura das obras se realizou numa ordem distinta da
cronologia original (GREGOLIN, 2006). Ainda que não possamos estabelecer uma
relação mecanicista entre tal desdobramento e o modo como a AD é hoje aqui praticada,
podemos afirmar que isto influenciou a relevância do procedimento das cadeias
parafrásticas em nosso trabalho: não somente as questões que levantamos se
diferenciam daquelas colocadas por Courtine, como também os objetos que analisamos
e nosso intento emergem em diferentes condições sócio-históricas.
Com isso desejamos afirmar que mesmo os questionamentos voltados à nossa
metodologia de análise, dentre eles uma suposta obsolescência frente a teorias mais
recentes, não fazem com que esta se torne absolutamente descartável ou irrelevante;
como buscaremos comprovar, ao contrário, tal metodologia se torna reveladora de
diversas sutilezas discursivas. Dito isso, esperamos salientar suficientemente que o
emprego dos procedimentos: i) não se apoia a uma cega “consagração” inviolável deste
55
por outros trabalhos da mesma área, de modo que estivéssemos alheios às problemáticas
que este emprego colocada; ii) sequer torna nossas ponderações ignoráveis, uma vez
que objetos e objetivos vão ao encontro da metodologia aplicada, conforme
verificaremos a seguir.
3.3.1. CADEIAS PARAFRÁSTICAS EM EDITAIS DO MINC
Explicitadas as fundamentações, os questionamentos e a relevância teóricos do
procedimento de cadeias parafrásticas para a nossa análise, optamos por iniciá-la sobre
a categoria de editais retirados do site do Ministério da Cultura e presente em nosso
corpus conforme exposto na seção anterior. Esta escolha nos permite de início retomar o
esboço de análise efetuado quando da proposição de nosso projeto de pesquisa à
FAPESP e também nos possibilita o cumprimento da proposta de uma análise crítica
das sequências selecionadas, uma vez que, incluídos sob o rótulo de “políticas públicas”,
os editais se demonstram de particular importância para a determinação das relações
estabelecidas entre o Estado e aqueles por ele governados; logo, esta categoria textual
também se nos apresenta como imperiosa para a compreensão do(s) discurso(s) do
Ministério da Cultura acerca da temática da “poesia”, haja vista seu caráter ideológico
latente.
Para o desenvolvimento das nossas análises, será respeitada a ordem de coleta de
nosso corpus (ordem cronológica), a saber:
EDT-001 (2007): Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária;
EDT-002 (2008): Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody”;
EDT-003 (2012): Prêmio VIVALEITURA;
EDT-004 (2014): Histórias de Trabalho – 21ª Edição.
3.3.1.a. EDT-001: Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária (2007)
Lançada em 2007, a primeira edição da Bolsa Funarte de Estímulo à Criação
Literária ocorreu em paralelo a uma Bolsa Funarte de Estimulo à Dramaturgia22
; à
época, presidia a República Luiz Inácio Lula da Silva, tendo como seu Ministro de
22
As informações acerca da primeira edição e das edições posteriores (até 2009) da Bolsa foram obtidas
no próprio site da Funarte, no seguinte endereço: http://www.funarte.gov.br/literatura/divulgado-relatorio-
estatistico-da-bolsa-funarte-de-criacao-literaria/ (acesso em Maio de 2014).
56
Estado da Cultura Gilberto Passos Gil Moreira; à frente da presidência da FUNARTE
(Fundação Nacional de Artes), encontrava-se Celso Frateschi23
.
No que concerne à sua estrutura geral, podemos subdividir o edital em questão em
dez partes:
Introdução;
I – Do objeto;
II – Das condições;
III – Das inscrições;
IV – Da seleção;
V – Da premiação;
VI – Do contrato;
VII – Dos créditos e comunicação institucional;
VIII – Das disposições finais;
Data e assinatura do presidente da Fundação.
Esta estrutura, conforme verificaremos adiante quando da análise de outros editais,
demonstra-se estabilizada no gênero, ainda que variem algumas características
relevantes a serem exploradas; ademais, iniciaremos nossa análise observando os
seguintes fragmentos, referentes à “introdução” e à “assinatura” do edital (EDT-001):
BOLSA FUNARTE DE ESTÍMULO À CRIAÇÃO LITERÁRIA
O Presidente da Fundação Nacional de Artes – Funarte, no uso das atribuições que lhe confere o
inciso V artigo 14 do Estatuto aprovado pelo Decreto nº 5.037 de 7/4/2004, publicado no DOU de
8/4/2004, torna público o presente Edital da Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária.
Fragmento 1 Introdução de EDT-001 (grifos nossos)
Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007
CELSO FRATESCHI
Presidente da Funarte Fragmento 2 Assinatura de EDT-001
Observamos, a partir desses fragmentos, um efeito de reescritura por paráfrase, qual
seja, a substituição do sintagma nominal “O presidente da Fundação Nacional de Artes”
por seu equivalente “Celso Frateschi”. Esta reescritura ocorre somente na parte final do
edital, quando da datação e assinatura do documento, de que podemos efetivamente
extrair a seguinte cadeia parafrástica:
23
Já em relação às informações sobre a ocupação oficial dos cargos administrativos aqui descritos, estas
foram retiradas do Relatório de Gestão de 2007 da Funarte, disponível em http://www.funarte.gov.br/wp-
content/uploads/2010/11/RelatGestFunarte2007.pdf (acesso em Maio de 2014).
57
O Presidente da Fundação Nacional de
Artes (Funarte)
Celso Frateschi
Entretanto, no Fragmento 1, ao se denominar o sujeito actante – colocado na 3ª
pessoa do singular –, se apaga seu nome próprio (Celso Frateschi) em detrimento de seu
cargo (Presidente da Funarte); ou seja, a ação de “tornar público o presente Edital (...)”
é atribuída não ao Presidente da Funarte enquanto indivíduo, mas enquanto posição-
sujeito de poder – esta posição de poder, pautada numa hierarquia institucional, é o que
garantiria a legitimidade da ação desenvolvida. Ela não é, porém, legítima per se: de
fato, ela busca apoio em dizeres anteriores, independentes e também institucionalizados,
a saber, a Legislação (“o inciso V artigo 14 do Estatuto aprovado pelo Decreto nº 5.037
de 7/4/2004, publicado no DOU de 8/4/2004”).
Esse apelo a um “dizer legitimador” nos remete às considerações acerca da noção de
pré-construído, relacionada intimamente com outros conceitos, particularmente os de
interdiscurso e de memória discursiva24
. Retomemos os seguintes questionamentos
levantados por Pêcheux em “Semântica e Discurso”:
“Não deveríamos (...) considerar que há separação, distância ou discrepância
na frase entre o que é pensado antes, em outro lugar ou independentemente, e o que
está contido na afirmação global da frase?” (PÊCHEUX, [1975] 2009, pp. 88–89).
Embora estas ponderações tenham sido colocadas frente a problemas de outra ordem,
mais especificamente frente à discussão fregiana acerca do que hoje podemos chamar de
“pressuposição”25
, vemos nelas reflexos que levariam à consolidação, contemporânea,
da noção de primado do interdiscurso. Isto é, podemos não apenas dizer que há, de fato,
discrepância entre o dizer que se coloca num enunciado como próprio do ato da
enunciação e aquele que se coloca como anterior e independente a este ato, como ainda
24
V. Seção 2.1.1.a.iv para as discussões acerca destes postulados teóricos.
25 Esta discussão foi e ainda é muito presente nas áreas da Semântica e da Pragmática, não parecendo
haver consenso sobre qual destas áreas seria a responsável pela investigação desse fenômeno linguístico.
O estudioso Stephen C. Levinson apresenta uma boa introdução a essas questões em seu livro
“Pragmática” ([1983]. São Paulo: Martins Fontes, 2007).
58
podemos notar que essa relação de discrepância é tal que “o interdiscurso disponibiliza
dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada”26
.
No caso dos fragmentos em questão, vemos que a legitimação buscada em
documentos de caráter legislativo causa uma hierarquização (e, portanto, uma divisão)
em que os dizeres da Lei (do Estado) são postas em superioridade aos dizeres do
indivíduo, ao menos no que tange à ação de proposição/abertura dos editais: apenas
respaldado nas leis do Estado o indivíduo pode agir e ter suas ações tornadas “oficiais”,
legítimas. O sujeito é então constituído num movimento de divisão simultaneamente
horizontal e vertical, conforme o quadro explicita:
Sujeito do Estado
Sujeito Individualizado
Direcionado por cargo institucional
Direcionado por nome próprio
Legitima-se pelo dizer legislativo
como horizontal em relação a si
Legitima-se pelo dizer legislativo
como vertical em relação si
explicitação dessa divisão e a demorada permanência nestas partes do edital, que não
fazem referência à temática proposta como mote de nosso trabalho, nos permite no
entanto inserir aqui a seguinte reflexão: ao se falar sobre a poesia e o poeta nos editais
promovidos e/ou divulgados pelo Ministério da Cultura, instaura-se uma divisão de
sujeitos pautada numa relação de hierarquia entre o Estado e o indivíduo. Esta reflexão
vai ao encontro das teorizações sobre Cultura levantadas por nós na seção 2.1.1.b do
relatório, no sentido de que vemos imbricarem-se mutuamente questões de cultura e
questões político-econômicas.
Levantada essa reflexão, pretendemos agora observar como ela se concretiza e se
complexifica a partir da elaboração das cadeias parafrásticas relativas inicialmente à
temática da poesia e, em seguida, do poeta. Dados os fragmentos 3 e 4:
I – Do objeto
1.1. Constitui objeto da Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, em 2007/2008, fomentar a
produção literária, de âmbito nacional, a partir da concessão de bolsas para o desenvolvimento
de projetos de criação literária visando a contemplar a produção inédita de escritores nas
categorias correspondentes aos gêneros lírico e narrativo (poesia, romance, conto, crônica,
novela).
1.2. Os projetos concorrentes não sofrerão quaisquer restrições quanto à temática abordada
26
ORLANDI ([1990] 2000, p. 31).
59
dentro da sua categoria.
Fragmento 3 Seção de EDT-001
II – Das condições
(...)
2.3. Cada candidato poderá inscrever apenas 1 (um) projeto para desenvolvimento de texto
original, no idioma português, não editado.
2.3.1.Não serão aceitas adaptações de obras de outro autor.
Fragmento 4 Recorte da Seção II de EDT-001
Vemos aqui a única ocorrência da palavra “poesia” em todo o texto, inserida numa
série de paráfrases que delimitam os objetos de contemplação da Bolsa. Tem-se a
exposição de um objetivo amplo (“fomentar a produção literário, de âmbito nacional”),
que é progressivamente reduzido, especificado. É a partir desta especificação a poesia é
colocada como gênero que deve ser fomentado, juntamente com outros (romance, conto,
crônica e novelas). São assim constituídas as cadeias parafrásticas:
Constitui objeto
da Bolsa:
Fomentar
Contemplar
A produção literária de âmbito nacional
Com temática
livre
Em língua
portuguesa
O desenvolvimento de projetos de criação
literária
A produção inédita em gêneros lírico e
narrativo
A produção inédita em poesia, romance,
conto, crônica e novela
Decorrem destas reescrituras os seguintes efeitos:
Ainda que a ocorrência da palavra “poesia” se dê uma única vez, podemos
afirmar que, via paráfrases, é plausível atribuir os dizeres sobre a “produção
literária”, a “projetos de criação literária” e/ou a “produção inédita” também à
poesia, visto que esta é contemplada nos sintagmas mencionados;
A listagem de gêneros contemplados (poesia, romance, conto, crônica e novela)
revela uma posição-sujeito tal que parece afirmar a estabilidade desses gêneros
e, ainda, a limitação do campo literário nos gêneros listados; “fomentar a
literatura em âmbito nacional” é, sob este prisma, fomentar os gêneros elegidos,
estando excluídos gêneros de outra ordem;
60
A ausência de limitação aos temas abordados pela poesia não a deixa, contudo,
livre da limitação de outra ordem: a idiomática. Apenas obras em idioma
português são aceitas, de modo que, ao afirmar “fomentar a literatura em âmbito
nacional”, o edital pode ser parafraseado por “fomentar a literatura em língua
portuguesa, em âmbito nacional”, ocorrendo apagamento das outras línguas,
sejam as de origem indígena, sejam as de origem imigrante ou diversas.
Pensando este apagamento sob a perspectiva das políticas públicas, devemos
aventar a possibilidade uma investigação mais profunda sobre possíveis relações
entre as políticas de fomentação cultural e as políticas de língua27
; tal
investigação poderia se pautar, por exemplo, nas seguintes questões: em que
medida as políticas relacionadas à produção literária influenciam na circulação,
difusão, legitimação ou apagamento das línguas no Estado? É possível que o
apagamento de outras línguas que não a portuguesa em editais como o da Bolsa
Funarte gere outros efeitos, como o apagamento de identidades individuais (na
perspectiva do autor-proponente) ou sociais (na perspectiva do grupo falante de
uma língua minoritária)? Se sim, como se dão os processos geradores desses
efeitos?
Observemos o fragmento 5:
IV – Da seleção
4.1. A seleção será realizada por uma Comissão de Seleção composta por 05 (cinco)
especialistas na área de Literatura, sendo um de cada região do país, nomeados em portaria pelo
Presidente da Funarte.
(...)
4.3 As propostas serão avaliadas pela Comissão de Seleção de acordo com a relevância e mérito
de qualidade no que se refere a:
a) exemplaridade;
b) ineditismo;
c) criatividade;
d) resgate histórico;
e) experimentalismo;
f) pioneirismo;
27
Atualmente, no Brasil, dentre os centros de destaque em estudos acerca das temáticas das Políticas
Públicas, sobretudo aquelas relacionadas às Políticas de Língua, é o LABEURB – Laboratório de Estudos
Urbanos, com sede na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Dentre seus projetos constam:
“As Políticas Públicas e a (re) divisão do espaço urbano”, coordenado por Carolina Rodriguez
(Labeurb/Unicamp), Jean-Marie Fournier (Paris III) e El-Annabi Hassen (CERES); e “Discurso sobre a
língua”, coordenado por Eni Orlandi (Labeurb/Unicamp). Pode-se acessar mais informações em
http://www.labeurb.unicamp.br/
61
g) qualidade artística;
h) domínio das técnicas artísticas;
i) currículo do autor.
4.4. A Comissão de Seleção é soberana, não cabendo veto ou recurso às suas decisões.
4.5. O resultado final será divulgado no Diário Oficial da União e no site da Funarte
(www.funarte.gov.br).
Fragmento 5 Parte de EDT-001 relativa à seleção dos proponentes (grifos nossos)
Vemos acima uma serie de reescrituras que se estabelecem em relação às qualidades
necessárias para que os proponentes sejam contemplados com a bolsa; essas reescrituras
instauram a “poesia” e o “poeta” numa série de cadeias parafrásticas específicas, qual
seja:
A poesia deve
Ter relevância e mérito de qualidade
Ser exemplar, inédita, criativa, experimental e/ou pioneira
Ser dotada de resgate histórico e/ou qualidade artística
O poeta deve
Ter relevância e mérito de qualidade
Ter domínio das técnicas artísticas e um currículo
Vemos se apresentar então alguns efeitos discursivos interessantes e paradoxais: ao
mesmo tempo em que os editais exigem que a poesia seja original, experimental,
criativa, com resgate histórico etc., espera-se que o autor proponente já possua um bom
currículo, isto é, já seja envolvido com o mundo da poética; dessa forma, reforça-se o
discurso de que o poeta é uma pessoa criativa, sempre construindo novos sentidos,
novos jogos de palavras, brincando e explorando as suas possibilidades. Isso significa,
em outros termos, de que o poeta deve ao mesmo tempo consolidar seu currículo e
manter-se inovador e relevante.
Isso não seria particularmente chamativo, não fosse a memória que podemos trazer a
tona de contra-discursos como aqueles que afirmam a existência de “grandes parcerias”
no mundo das Artes: aqueles envolvidos com o meio bem sabem das polêmicas que o
envolvem, seja por causa de casos de ghost writing, seja pelos privilégios cedidos a
determinados indivíduos da cena artística. Embora não saibamos o peso do critério
referente ao currículo do autor, podemos dizer que discursivamente vemos o edital se
62
imbricar em questões mais sérias, relacionadas não apenas à poesia em si mas a
contextos políticos, históricos, tão determinantes quanto o critério artístico – não nos
esqueçamos que a seleção dos trabalhos é feita por uma comissão julgadora pré-
determinada, movida por determinados anseios e com visões diferenciadas.
Este critério de “currículo do autor” chama nossa atenção ainda para outro fragmento
do mesmo edital, o qual transcrevemos abaixo:
III – Das inscrições
3.1. As inscrições serão realizadas no período de 26/10/2007 a 10/12/2007, pelos Correios ou
na sede da Funarte.
3.1.1. Só serão consideradas as inscrições recebidas até às 18 horas do dia 10/12/2007,
não sendo válidas aquelas encaminhadas pelo Correio e recebidas posteriormente.
3.1.2. Os documentos necessários para inscrição deverão ser entregues em um envelope
único, lacrado, contendo duas pastas:
Pasta 01
a) Formulário de inscrição impresso e devidamente preenchido e assinado pelo candidato
conforme modelo disponível no Anexo I deste Edital e no site da Funarte
(www.funarte.gov.br);
b) Cópia do Documento de Identidade/RG;
c) Cópia do Cadastro de Pessoa Física (CPF);
d) Certidão Negativa de Débitos de Tributos e Contribuições Federais com validade
mínima até 31/01/2008;
e) Documento que comprove que o candidato reside em município da região em que
concorre;
f) Declaração assinada pelo candidato confirmando que reside em município da região
em que concorre há pelo menos 02 (dois) anos;
g) Declaração assinada pelo candidato de que a obra a que se refere o projeto concorrente
é uma criação original, responsabilizando-se por não ferir direitos autorais de terceiros;
Pasta 02
h) 05 (cinco) vias do currículo do candidato devidamente comprovado;
i) 05 (cinco) vias do projeto detalhado da obra a ser desenvolvida, incluindo trechos já
produzidos ou em desenvolvimento da respectiva obra.
3.2. O material referente às inscrições deverá ser entregue no seguinte endereço (ou
enviado para):
Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária
Rua da Imprensa, 16 – sala 507
Palácio Gustavo Capanema - Centro
CEP: 20.030-120
Rio de Janeiro – RJ
3.3. Serão desconsideradas as inscrições apresentadas de forma diversa da descrita nos itens
anteriores, bem como aquelas recebidas após a data prevista neste Edital.
3.4. Não serão aceitas quaisquer alterações de dados anexos ao projeto depois de
formalizada a inscrição.
Fragmento 6 Trecho de EDT-001 relativo às "inscrições"
63
Quanto a este fragmento, pretendemos não formular suas cadeias parafrásticas, mas
demonstrar sintomas já sentidos no início de nossa análise, quando falamos sobre a
divisão entre o “Sujeito do Estado” e o “Sujeito Individualizado”: de fato, vemos uma
série de critérios burocráticos aos quais o autor-proponente deve respeitar para que seu
trabalho seja mesmo qualificado para passar pelo processo de seleção. Ao violar estes
critérios, o indivíduo necessariamente é desqualificado. Os critérios burocráticos,
portanto, prevalecem sobre os critérios artísticos; o Estado prevalece sobre o sujeito e
dita as normas, qualificações e características que o trabalho poético deve seguir.
Este discurso pauta-se ainda em questões econômicas, uma vez que a bolsa cedida
aos proponentes selecionadas é em forma monetária:
V – Da premiação
5.1. Serão concedidas, ao todo, 10 (dez) bolsas de estímulo à criação literária, sendo destinadas 02
(duas) bolsas para cada região do país, a saber: Região Sul (RS; SC; PR), Região Sudeste (SP; RJ;
MG; ES), Região Nordeste (BA; SE; AL; PE; PB; RN; CE; MA; PI), Centro-Oeste (DF; GO; MT;
MS), e Região Norte (PA; AM; AC; RR; RO; AP; TO).
5.2. O valor total destinado a cada candidato selecionado pela Bolsa Funarte de Estímulo à
Criação Literária será de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
5.3. O pagamento das bolsas será efetuado da seguinte forma:
a) 50% pagos na assinatura do contrato entre os selecionados e a Funarte;
b) O restante será pago em 03 (três) parcelas: 15% em março/2008; 15% em maio/2008; e
os 20% finais em julho/2008.
5.4. Os beneficiários das bolsas ficarão obrigados a apresentar à Funarte, até o 1º (primeiro) dia
útil do mês de recebimento de cada parcela referida na letra b do item 5.3, relatórios sobre o
andamento do projeto.
5.4.1. O pagamento da última parcela estará condicionado à entrega do produto
final referente ao projeto proposto e da sua aprovação por Comissão de Apreciação
designada pela Funarte, composta, preferencialmente, por membros da Comissão de
Seleção anteriormente formada.
5.5. Os encargos decorrentes do pagamento de impostos pelo candidato selecionado serão
deduzidos do valor da bolsa. Fragmento 7 Trecho de EDT-001 relativo à "premiação"
De fato, diante deste trecho, podemos retomar as primeiras cadeias parafrásticas que
formulamos e inserir nela novos sentidos, desconstruindo o texto e fazendo emergir
possibilidades de interpretação do discurso que permitiu tais enunciados. Antes disso,
porém, desejamos destacar o uso da palavra “premiação” para determinar a concessão
da bolsa aos proponentes selecionados: esta palavra, típica dos gêneros esportivos, pode
64
indicar espetacularização do cenário literário, poético e artístico – a arte vista como algo
a ser assistido, a ser contemplado e, em última instância, consumido.
A cadeia parafrástica, então, fica assim estabelecida:
Constitui objeto
da Bolsa:
Premiar com
R$30.000
A produção literária de âmbito nacional
Com temática
livre
Em língua
portuguesa
O desenvolvimento de projetos de criação
literária
A produção inédita em gêneros lírico e
narrativo
A produção inédita em poesia, romance,
conto, crônica e novela
A produção inédita, criativa, experimental,
com resgate histórico etc. em poesia, romance,
conto, crônica e novela
10 autores que possuam currículo e
relevância para a literatura nacional segundo
a comissão julgadora
Estas cadeias parafrásticas evidenciam certa “armadilha discursiva”, isto é, através
dessas reescrituras podemos observar como o efeito persuasivo presente no edital se
manifesta: assim, por “fomentar a produção literária de âmbito nacional”, temos, na
verdade, “premiar 10 autores de diversos gêneros com a quantia de R$30.000”, o que
insere os editais numa ordem econômica e traz a tona os problemas discutidos em Dutra
& Silva (2012): a arte é tratada i) como produto e, nessa instância, produzido por um
único indivíduo que ocupa o lugar de autor; ii) como cultura a ser fomentada com
auxílio monetário direcionado a um único indivíduo, sem incentivar o diálogo entre os
diversos autores, que sequer possuem a possibilidade de averiguar quais outros autores
de sua região se inscreverem no concurso.
Podemos então, a partir de EDT-001, delinearmos uma FD com algumas
características:
O discurso que atravessa, circunscreve e determina EDT-001 se pauta numa
divisão entre o Estado e aqueles que o compõe, os cidadãos;
65
Esta divisão entre Estado e Cidadão se materializa textual e discursivamente
através dos diversos critérios de inscrição e seleção das obras poéticas que
pretendem ter acesso à bolsa, caracterizando o discurso como um discurso
burocrático de que estão excluídas todas as pessoas que não são
consideradas cidadãs da nação ou que não possuem os requerimentos
mínimos que o edital impõe;
Neste caso, a “poesia” é subjugada aos procedimentos burocráticos, sendo
enxergada numa lógica de produto-cultural no sentido mais relacionado à
Economia: a poesia não é fomentada de uma perspectiva da discussão em
grupos, do apoio à atividade como meio de elevação do espírito ou qualquer
outra coisa do gênero, mas como objeto que possui a capacidade e a
necessidade de movimentar certa quantidade de dinheiro;
O “poeta”, então, é aquele que escreve e inscreve sua poesia nessa lógica,
com o apoio do Estado; nos editais, não vemos a figura do poeta ser tratada
como uma pessoa artística com alguma espécie de dom, ou como um sujeito
revolucionário etc., mas como um indivíduo (cidadão) que se identifica com a
língua nacional e que constrói uma carreira (um currículo) sobre seus
trabalhos.
Salientamos que estas conclusões que depreendemos de nossa análise constituem
possibilidades de interpretação do corpus, sem a pretensão de determinarmos os
sentidos que se constroem: longe de ser uma afirmação de que todo leitor lerá o edital
desta maneira, pretendemos demonstrar quais ideologias são ali materializadas e
simultaneamente materializam essas sequências discursivas; trata-se, portanto, de um
gesto de interpretação analítica, conforme discutimos na seção 2.1.1.a.v.
A fim de procedermos as análises, contrastaremos agora tais características
levantadas com aquelas presentes em outros editais, de modo a verificar a frequência
com que tais características se fazem presentes ou refutadas.
66
3.3.1.b. EDT-002: Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody” (2008)
Criado em 1988 em homenagem à poetisa brasileira Helena Kolody (1912 – 2004) e
realizado anualmente pela Secretaria da Cultura do Paraná28
, o edital do Concurso
Nacional de Poesia “Helena Kolody” se divide em sete partes:
Introdução
1 – Participação;
2 – Inscrições;
3 – Julgamento;
4 – Premiação;
5 – Disposições Finais;
Cronograma.
Diferentemente de EDT-001, este edital não apresenta uma assinatura em sua última
parte. De fato, como podemos verificar abaixo, o documento é legitimado pelas próprias
instituições envolvidas no processo:
CONCURSO NACIONAL DE POESIA “HELENA KOLODY”
A Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, através do Setor de Editoração, informa que estão
encerradas as inscrições para o 18º Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody” 2008.
Fragmento 8 Parte inicial de EDT-002
Embora não saibamos afirmar por quais razões se omite desse documento a
assinatura com um nome próprio, em contraste com EDT-001, podemos utilizar o caso
justamente para pensarmos os diferentes funcionamentos discursivos nos dois textos.
Ainda que ambos falem de um lugar altamente institucionalizado e burocrático,
figurativizado na forma do Estado, falam de maneiras distintas: enquanto em EDT-001
o documento era legitimado a partir do cargo de presidência de uma instituição, em
EDT-002 a legitimidade parte da própria Secretaria de Estado, não através de um sujeito
que se utiliza de suas funções, mas através de outra instituição, o Setor de Editoração.
Podemos daí depreender que a interação se dá não entre dois indivíduos, mas entre uma
entidade abstrata e um indivíduo (o proponente). Essas diferenças, contudo, mantém o
28
Estes dados foram retirados de uma fonte que não é totalmente confiável, mas a única por nós
encontrada, a Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Helena_Kolody) (Acesso em junho de 2014).
67
sentido hierárquico da comunicação: o Estado permanece com o lugar privilegiado de
enunciação, guiando a leitura de seu enunciatário.
Apesar destas pequenas diferenciações, outras características presentes em EDT-001
aqui se reatualizam, conforme podemos observar nos três fragmentos abaixo:
1. PARTICIPAÇÃO
1.1 Podem participar do Concurso candidatos que apresentem poesias inéditas, escritas em língua
portuguesa.
1.2 O tema é livre.
Fragmento 9 Trecho de EDT-002 relativo à "participação"
2. INSCRIÇÕES
2.1 De 10 de julho a 10 de setembro de 2008.
2.2 As inscrições serão realizadas no Setor de Editoração da Secretaria de Estado da Cultura do
Paraná - SEEC/PR, situada na Rua Ébano Pereira, 240, Curitiba - PR, CEP 80410-240.
2.3 As inscrições poderão ser feitas, também, via postal, cuja data de postagem não poderá
ultrapassar a data limite da inscrição.
2.4 Cada autor poderá inscrever-se com 03 (três) poesias, de no máximo três páginas cada, formato
A-4 (210x297), texto digitado em Word, em corpo 12 e fonte Arial. As poesias terão que ter
obrigatoriamente um título. Não há necessidade de pseudônimo.
2.5 Os trabalhos serão apresentados no original, em 04 (quatro) vias impressas e 01 (uma) em
disquete ou CD ROM, e não deverá conter nenhuma informação que possibilite a identificação do
autor, e encaminhados da seguinte forma:
a) envelope “A”, devidamente lacrado, contendo os dados de identificação do autor (nome
completo, endereço, telefone, e-mail), uma pequena biografia, títulos dos trabalhos e o nome do
concurso escrito no seu exterior.
b) envelope “B”, contendo as 04 (quatro) vias impressas, o disquete ou o CD ROM e o
envelope “A”.
2.6 O envelope “A” somente será aberto após a Comissão Julgadora emitir o seu veredicto.
Fragmento 10 Seção de EDT-002 relativa às "inscrições" do edital
5. DISPOSIÇÕES FINAIS
5.1 Serão desconsideradas as inscrições que não atenderem o que estabelece este Edital.
5.2 Os vencedores serão comunicados pela SEEC/PR no prazo máximo de 01 (uma) semana, após a
publicação do resultado.
5.3 Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Julgadora e o Setor de Editoração da
SEEC/PR.
68
5.4 Fica vedada a participação de membros da Comissão Julgadora.
5.5 Os trabalhos inscritos não serão devolvidos aos autores em hipótese alguma.
Fragmento 11 Seção de "Disposições" de EDT-002
A partir dos fragmentos acima, notamos de saída uma aproximação com o caráter
burocrático estabelecido em EDT-001, bem como a relação recorrente entre o fomento
da poesia com a utilização do idioma oficial (a língua portuguesa); entretanto, notamos
diferenças significativas quanto aos documentos exigidos pelos dois editais: enquanto o
primeiro focava-se em documentos próprios do autor-proponente (tais como RG, CPF,
exigência de um currículo etc.), o segundo foca-se nas formas de apresentação e de
entrega do material a ser julgado.
Podemos aventar a hipótese de que essa diferença de tratamento (menor grau de
burocracia) relaciona-se: i) com o caráter de edital local de EDT-002 frente ao caráter
nacional de EDT-001 e ii) a quantidade monetária movida por cada um dos editais (ver
Fragmento 12, abaixo). Levada a suas consequências, a hipótese de que se exige
diferentes documentos de acordo com a quantidade de financiamento econômico
envolvido reforça o discurso de que, nos editais do MinC analisados, a poesia é vista
como produto cultural a ser financiado e (portanto) consumido – afirmação que mais
uma vez encontra ancoragem sobre a utilização do termo “premiação” para designar a
concessão do benefício promovido pelo edital.
4. PREMIAÇÃO
4.1 A Comissão Julgadora deverá selecionar 03 (três) trabalhos, sendo que estes receberão prêmios
nos seguintes valores:
a) 1º lugar – R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
b) 2º lugar – R$ 3.000,00 ( três mil reais);
c) 3º lugar – R$ 2.000,00 ( dois mil reais);
4.2 Serão dadas 7 (sete) menções honrosas, totalizando 10 (dez) selecionados em cada categoria.
4.3 A premiação consistirá, ainda, na publicação dos trabalhos em uma antologia com os
selecionados no Concurso cabendo a cada um 50 (cinqüenta) exemplares.
Fragmento 12 Seção "Premiação" de EDT-002
Para além dos efeitos de exigência burocrática do autor-proponente, vemos ainda que
estas discrepâncias apresentadas se apresentam mesmo no que diz respeito às
adjetivações mobilizadas para tratar da temática da poesia. Vejamos o fragmento a
seguir:
69
3. JULGAMENTO
3.1 A seleção dos trabalhos será efetuada por uma Comissão Julgadora especialmente
designada pela SEEC/PR, integrada por 03 (três) membros, de comprovada vinculação com a área
literária, que disporá de 60 (sessenta) dias para realizar seu trabalho.
3.2 A Comissão Julgadora do Concurso terá plena autonomia de julgamento, não cabendo
recurso às suas decisões.
3.3 O resultado do Concurso será divulgado na imprensa e em site próprio da Secretaria de
Estado da Cultura ( www.pr.gov.br/seec )
3.4 O processo de seleção e julgamento será registrado em ata firmada pelos membros da Comissão
Julgadora.
Fragmento 13 Seção "Julgamento" de EDT-002
Diferentemente de EDT-001, que nos permitiu estabelecer cadeias parafrásticas um
tanto quanto complexas em relação às qualidades da “poesia”, em EDT-002 possuímos
pouca materialidade textual que nos permita fazer o mesmo. De fato, considerando todo
o material, podemos estabelecer somente a seguinte cadeia parafrástica, que se trata, na
verdade, dos critérios básicos para aceite da obra:
A poesia deve: Ser inédita
Ser em língua portuguesa
Embora possamos novamente trazer à tona fatores como a especificidade do
concurso no que tange ao cenário geográfico a que se aplica, achamos ser possível
avaliar outro efeito decorrente desse menor detalhamento no quesito de características
da poesia:
Ainda que também fale de um lugar institucionalizado como EDT-001
(conforme já discutimos acima), EDT-002 demonstra menor intervenção no
que tange ao papel do Estado, isto é, ao contrário do primeiro, em que todas
as características às quais a poesia deveria se manter eram listadas no próprio
corpo do edital como exigências, no segundo elas são deixadas omitidas, de
modo que podemos entender que o papel do julgamento é colocado
primordialmente nas mãos da comissão julgadora, que estabelecerá seus
próprios critérios. Isso reforça o que Dutra & Silva (2012) discorreram acerca
da política de editais – ao adotar tal política, o papel de fomentador cultural
passa das mãos do Estado para mãos de terceiros, de modo que a poesia se
estabelece num espaço em que é limitada pelas questões oficiais-burocráticas
70
estatais e também pelos critérios relativos das pessoas que selecionam os
aprovados.
3.3.1.c. EDT-003: Prêmio “Vivaleitura” (2012)
Com vistas a realçar todas as discussões que levantamos nas outras duas análises,
uma vez que EDT-003 se mostra demasiadamente parecido com EDT-001, salientamos
sua estrutura e alguns de seus aspectos e realçamos os seguintes fragmentos de sua
textualidade:
Introdução;
1 – Do objeto;
2 – Das categorias;
3 – As condições de participação;
4 – Das inscrições;
5 – Da apresentação do trabalho;
6 – Do processo de seleção;
7 – Da premiação;
8 – Das considerações finais.
EDT-003 trata-se de um texto assinado, como EDT-001, pelo presidente da
instituição responsável pelo edital (no caso, Galeno Amorim, na época o presidente da
Fundação Biblioteca Nacional), inserindo-se na discussão quanto a Sujeito de Estado e
Sujeito Individualizado. Além disso, este edital difere-se dos outros por não se tratar de
um edital voltado à publicação de trabalhos escritos, mas à “premiação” [sic] de
projetos de incentivo à leitura, neste sentido destacando aspectos de interação entre
indivíduos diferentes daquele que enuncia o edital e daquele que se coloca no lugar de
autor-proponente:
2 - DAS CATEGORIAS
2.1 O Prêmio VIVALEITURA é dividido em três categorias, a seguir especificadas:
Categoria 1: Bibliotecas públicas, privadas e comunitárias;
Abrange as experiências desenvolvidas nas bibliotecas de acesso público apresentadas para o
Prêmio VIVALEITURA por um de seus responsáveis (coordenadores, funcionários, voluntários)
de comum acordo com os demais envolvidos. Excluem-se desta categoria as bibliotecas escolares,
que deverão apresentar-se na categoria 2, e as bibliotecas das universidades/faculdades, que deverão
apresentar-se na categoria 3.
71
Categoria 2: Escolas públicas e privadas;
Abrange as experiências realizadas nas escolas, podendo ser representativas de toda escola, de
apenas uma sala de aula, de uma série, ou da biblioteca escolar, cujos responsáveis sejam
professores, diretores, bibliotecários ou coordenadores.
Categoria 3: Sociedade: ONGs, pessoas físicas e instituições sociais;
Abrange experiências formais ou informais realizadas na área de leitura, por profissionais ou
voluntários vinculados às ONGs e às instituições sociais. Parágrafo Único: Nesta categoria 3
poderão se inscrever empresas públicas ou privadas e instituições de ensino superior, públicas ou
privadas, que poderão receber a Menção Honrosa José Mindlin, para projetos ou programas de
apoio, promoção, formação ou patrocínio voltados para a promoção da leitura.
2.2. As experiências realizadas em ambientes virtuais são consideradas tão importantes quanto as
que acontecem presencialmente e deverão buscar a categoria que melhor enquadre a natureza do
trabalho executado.
Fragmento 14 Seção 2 "Das Categorias" de EDT-003 (grifos originais)
Vemos aqui emergir uma memória discursiva bastante diferenciada daquela que
permeia os outros editais: a poesia, ao ser deslocada para diferentes ambientes de leitura
(escolas, bibliotecas, instituições diversas de estudo etc.) é evidenciada como algo para
além do próprio edital, com uma circulação na sociedade que escapa às mãos do próprio
Estado, embora seja esse que eleja quais dessas experiências de circulação são dignas de
aprovação e financiamento. A poesia, ainda que inserida no âmbito burocrático,
atravessa este âmbito e se mostra mais ampla.
No que concerne aos critérios de seleção, no entanto, EDT-003 mantém muitas
semelhanças com EDT-001, de modo que podemos expor o fragmento e dele retirarmos
as cadeias parafrásticas logo embaixo:
6 DO PROCESSO DE SELEÇÃO
6.1 Serão considerados os seguintes critérios para a seleção e premiação dos trabalhos inscritos:
a) clara relação entre os objetivos e os resultados alcançados; (0 a 10 pontos)
b) adequação do trabalho à faixa etária do público alvo; (0 a 10 pontos)
c) pertinência da ação desenvolvida com as características da comunidade a que se destina; (0 a 10
pontos)
d) criatividade, dinamismo da ação de leitura e protagonismo da experiência na comunidade; (0 a
10 pontos)
e) qualidade e abrangência dos resultados alcançados; (0 a 10 pontos)
f) potencial de replicabilidade; (0 a 10 pontos)
g) estar inscrito em plano de livro e leitura, em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. (5
pontos)
(...) Fragmento 15 Seção "Do processo de seleção" de EDT-003
72
A poesia deve: Ser disposta num projeto com objetivos e resultados
Ser adequada a um público jovem
Possuir criatividade, dinamismo e protagonizar a experiência na comunidade
Ser replicável
Como vemos, mesmo nestas semelhanças existem diferenças notáveis: ainda que se
coloque em pauta a criatividade do trabalho, vemos que outros requisitos são muito
menos relacionados à qualidade artística do projeto de leitura do ao seu caráter de
organização estrutural; além disso, a emergência do critério de protagonizarão da
experiência de leitura numa comunidade reafirma o deslocamento do discurso da poesia
como produto individual para uma vivência coletiva. Essa experiência não se coloca na
discussão sobre língua nacional evidenciada em EDT-001 e em EDT-002: a experiência
de leitura envolve todos aqueles que dela participam, ainda que o edital seja voltado a
cidadãos brasileiros e não possamos dizer que foge à regra no que tange à submissão
dos processos criativos à burocracia do Estado.
Podemos afirmar portanto que o discurso presente em EDT-003 se inscreve numa FD
diferenciada das que se inscrevem EDT-001 e EDT-002, ainda que compartilhem de
muitos entrecruzamentos e se filiem a dizeres próximos; estas diferenciações e
proximidades retomaremos na seção 5 com algum detalhamento.
3.3.1.d. EDT-004: Histórias de Trabalho – 21ª Edição (2014)
Divulgado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através de sua Secretaria
Municipal da Cultura, o edital “Histórias de Trabalho – 21ª Edição” não se apresenta
muito distinto dos outros já analisados; de fato, características que esperávamos
encontrar, tais como o alto grau de burocracia, apresentação de critérios aos quais a
poesia deve obedecer e que a qualificam etc. reaparecem aqui. Outras características,
como a exigência da utilização da língua portuguesa, não ocorrem.
Quanto às qualificações estabelecidas no que tange à “poesia”, podemos observar
quais sentidos são mobilizados nos fragmentos abaixo:
73
2. CATEGORIAS
(...)
2.3. Poesia: o mundo do trabalho retratado através da linguagem poética. Não há limite de versos
ou páginas, observando-se a folha em tamanho ofício ou A4).
(...)
Fragmento 16 Trecho da seção "Categorias" de EDT-004 referente à poesia
3. SELEÇÃO
(...)
POESIA
a) fidelidade ao tema “Trabalho”;
b) criatividade;
c) ineditismo;
d) qualidade do texto (estilo, ortografia, normas da língua oral e escrita).
(...)
Fragmento 17 Trecho da seção "Seleção" de EDT-004 referente à poesia
Particularmente distinta dos outros editais é a exigência do tema “trabalho”, em
contraste com as temáticas livres. Entretanto, isso não parece causar mudanças drásticas
quanto ao modo de se falar, ou seja, EDT-004 mantém-se na “fórmula” discursiva da
listagem de critérios, destacando-se apenas o trecho referente à apresentação da
categoria “poesia”, transcrita no Fragmento 16 acima. Através destes dois fragmentos,
podemos elaborar a seguinte cadeia parafrástica:
A poesia deve: Ser inédita e criativa
Possuir qualidade (estilo, ortografia, seguir normas)
Retratar o mundo do trabalho
A poesia é, além de todas as considerações já feitas acerca de sua natureza aos
procedimentos burocráticos, vista como prática de linguagem, uma prática capaz de
retratar mundos, atividades a partir de sua própria lógica, o que envolve categorias
como estilo e ortografia. Notemos também a citação das normas da oralidade, que se
destaca pelo fato do edital se dirigir a textos de ordem escrita – a oralidade vista como
parte dos procedimentos da escrita e contemplada nesse âmbito, não no seu próprio (isto
é, apenas trabalhos escritos podem se inscrever, mas estes devem levar em consideração
os traços típicos da língua oral).
74
O silenciamento da língua oral, especialmente em EDT-001 e EDT-002, fica mais
evidenciado com as considerações de EDT-003; de fato, através deste contraste
podemos estabelecer mais um critério de definição de uma FD em que EDT-003 se
distingue dos demais em alguns de seus traços, ao apontar para uma modalidade da
língua que não a escrita. Isso será levado em conta nas conclusões que redigimos a
seguir.
75
4. RESULTADOS, CONCLUSÕES E APONTAMENTOS
4.1. RESULTADOS E CONCLUSÕES
Diante de nossas análises, pudemos perceber determinadas características que
atravessam todos ou alguns dos textos selecionados. Conforme pudemos notar, todos os
textos em questão são atravessados por um dizer altamente institucionalizado,
legitimado pela figura do Estado e pela legislação brasileira, que faz operar a burocracia
sobre aquilo que se diz acerca da poesia e do poeta. A poesia, vista como produto
fomentado, é subjugada aos processos de seleção, classificação, categorização impostos
pela lógica econômico-mercadológica adotada pelo sistema em questão – isto reflete e é
refletido pela materialidade textual de cada um dos textos, seja a partir do uso léxico
(prevalece a utilização do termo “premiação” para designar a concessão dos benefícios),
seja a partir do silenciamento de outras línguas que não a língua portuguesa e da
modalidade oral.
Deste modo, podemos dizer que as Formações Discursivas que circunscrevem os
discursos dos editais do Ministério da Cultura possuem os seguintes aspectos:
No que concerne a poesia e o poeta, vemos que ambos são tratados
primordialmente como questões burocráticas que se encerram no próprio
edital, isto é, em geral não emergem aspectos da poesia fora do próprio edital.
Isso se diferencia em EDT-002, que embora se inscreva na mesma FD geral,
também toma rumos discursivos distintos ao tratar das experiências das
comunidades em que a poesia e os projetos de leitura se realizam,
demonstrando o caráter coletivo da mesma. Assim, temos dois traços
distintos de uma mesma FD: ora o caráter institucionalizado se apresenta
tratando do trabalho de um único indivíduo (EDT-001, 002 e 004), ora como
trabalho de um grupo (EDT-003);
Em continuidade com o discurso da submissão da poesia e do poeta perante o
Estado, vemos que este se apresenta com o ditador de critérios aos quais a
poesia deve obedecer para ser digna de ser fomentada: ela deve ser criativa,
inédita, dotada de qualidades. Estas qualidades, cristalizadas como se
intrínsecas à própria poesia e não construídas socialmente, são deixadas a
cargo de uma comissão julgadora pré-estabelecida. Assim, ainda que o
76
discurso dos editais coloque o Estado como aquele responsável pela
legitimação e responsável pela seleção das poesias, o trabalho é deixado a
mãos de terceiros. Isto ocorre em maior e menor grau, conforme discutimos
ao analisar EDT-002;
A poesia se apresenta como um produto que circula entre cidadãos,
devidamente registrados e vistos como pertencentes à nação; este discurso se
acentua sobre a exigência da língua portuguesa em quase todos os editais
analisados, o que coloca o fomento da cultura em estreita relação com o
fomento da língua nacional/oficial, reforçando o lugar de legitimidade que a
criação poética adquire nos editais;
Embora não possamos afirmar que não existam editais específicos para este
fim, podemos dizer que a poesia oral, que sabemos se tratar da modalidade
mais antiga da poesia (ZUMTHOR, 1983), é apagada – o único traço de
oralidade encontrado é o presente em EDT-004, sob o critério de “respeitar
normas da língua oral”, ainda assim deixada na obscuridade (que oralidade é
esse? o que seriam “normas da língua oral”? em que sentido a oralidade se
diferencia da escrita?);
Afirmamos, assim, que através de nosso trabalho pudemos constatar a presença de
uma única FD ampla a reger os editais, ainda que esta FD seja atravessada por
diferentes efeitos de sentido trazidos por memórias discursivas distintas e que
evidenciam a existência de outros discursos. Estas considerações por nós levantadas não
apenas nos permitiu avaliar a questão da materialidade textual de uma maneira mais
ampla, mas também avaliarmos a situação sócio-histórica em que se inscreve a política
dos editais – neste sentido, salientamos nossos objetivos iniciais de descrever,
interpretar e criticar os processos discursivos instaurados. Não pretendemos entrar no
âmbito das políticas culturais neste momento, mas esperamos que os resultados
alcançados por nosso trabalho permitam uma reflexão mais profícua sobre este assunto,
instaurando-se numa série de estudos que têm sido levantados acerca do fomento da
cultura e da Indústria Cultural, que ao menos no cenário nacional parece intensificar
suas relações mesmo com o Poder Público. Se por um lado cremos que tais processos
discursivos derivem de relações sociais e ideológicas mais amplas, também cremos que
a circulação de tais processos provém base para a continuidade disto que podemos
77
chamar de status quo, seja ele positivo ou negativo para os indivíduos que nele se
constituem.
Com a finalidade de não deixarmos que nosso trabalho se encerre em si mesmo,
como um texto hermético com início, meio e fim precisamente delimitados, a seguir
levantaremos nossos últimos questionamentos provenientes deste trabalho de Iniciação
Científica, no que diz respeito aos discursos que interpretamos e explicitamos, trazendo
a tona possíveis contra-dizeres e apontando para outras possibilidades discursivas.
4.2. APONTAMENTOS FINAIS
Ao afirmarmos o silêncio de outras línguas que não a língua portuguesa, afirmamos
sua existência. Ao apontarmos para a insuficiência de tratamento da oralidade nos texto,
apontamos para existência de toda uma “cultura” nela baseada, alheia aos processo
burocráticos e ao mundo escrito. Ao evidenciarmos a existência de indivíduos que
representam o Estado, evidenciamos o frágil caráter deste como entidade abstrata,
buscando mostrar que em meios aos processos legítimos envolvem-se pessoas, com
seus próprios critérios e seus próprios julgamentos. Ao contrastarmos o discurso
individualista presente em alguns dos editais com o caráter mais coletivo presente em
outros, buscamos demonstrar a existência de discursos que se focam sobre a própria
existência das comunidades, das quais a poesia faz parte.
Quais são, então, os processos determinantes para que vejamos emergir como oficiais
os discursos silenciadores? De que processos históricos derivam, a quais processos
históricos nos levam? Que lugares em nossa sociedade ocupam os sujeitos responsáveis
pelos discursos contrários ao oficiais? Como a temática da “poesia” é tratada fora deste
âmbito oficial? Como era tratada antes e quais são as possibilidade de ser tratada
futuramente? Em que medida as considerações sócio-históricas sobre a poesia nos
permitem enxergar as considerações poéticas da Sociedade e da História, uma vez que
compreendemos que os processos discursivos são dialéticos e plurissignificativos?
Estas são questões que devemos levar adiante se quisermos realmente compreende
como se formulam os discursos, não apenas sobre a poesia e o poeta, mas sobre as
diversas atividades que constituem a vida moderna; além disso, não devemos deixar de
ter em mente que o próprio discurso é um construto teórico, de modo que não
poderemos sempre nos abarcar nas mesmas metodologias e também não devemos
enxergar nossos resultados como os únicos possíveis: diferentes propostas teóricas,
78
diferentes metodologias e diferentes analistas podem chegar a conclusões diferenciadas,
o que não deve ser um fator desestimulante para os analistas do discurso. De fato, ao
compreendermos que nossas próprias análises são atravessas por discursos aos quais nos
filiamos, podemos enxergar mais claramente nossos objetivos e nosso papel diante de
nossa área de estudos.
Nossa primeira etapa do progresso acadêmico se finda, então, precisamente com este
caráter: de início, de apontamento, de discussões sendo levantadas em meio a uma série
de problemáticas e de conquistas. A Análise do Discurso tem muito a nos ensinar, e
certamente já nos ensinou que é impossível praticar um relatório científico sobre poesia
sem deixar que esta escorra sobre alguns de seus parágrafos.
79
5. DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA PESQUISA
Sabendo da importância de divulgarmos nossa pesquisa perante a comunidade
acadêmica na qual estamos engajados, iniciamos o processo de divulgação científica do
projeto durante o II Seminário de Produção em Linguística, promovido pela Coordenação
do Curso de Bacharelado em Linguística e Bureau do Texto, realizado entre os dias 2 e 4 de
outubro de 2013 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nesta ocasião,
apresentamos um painel referente à proposta inicial da pesquisa, introduzindo nossos
objetivos, nosso arcabouço-teórico, apontamentos de análise etc.
Dando continuidade a esse processo, participamos ainda do V Colóquio da ALED –
Análise do Discurso: novos canteiros de trabalho?, ocorrido nos dias 29, 30 e 31 de maio
de 2014 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nesta ocasião, não apenas
atuamos na categoria de monitor, tendo acesso às conferências e ao minicurso “Discurso e
Análise do Discurso”, promovido pelo professor Dominique Maingueneau, como também
apresentamos painel, o que nos possibilitou discutir nosso trabalho com outros estudiosos
de nossa área.
Isso se intensificou com nossa participação no 62º Seminário do GEL – Grupo de
Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, em Campinas, de 30 de junho a 03 de julho
de 2014, com apresentação do mesmo painel, quando não apenas pudemos prestigiar
trabalhos de nossa área e outras tantas áreas, mas também conversar pessoalmente com
nomes prestigiados da Linguística e da Análise do Discurso, como os professores Ataliba
Teixeira de Castilho e Sírio Possenti.
Os certificados referentes às participações nesses eventos seguem anexos junto a este
relatório via sistema SAGE/FAPESP.
80
6. APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA RESERVA TÉCNICA
Ao todo, utilizamos o total de R$250,05 de nossa Reserva Técnica. Este dinheiro foi
mobilizado todo em função do 62º Seminário do GEL – Grupo de Estudos Linguísticos do
Estado de São Paulo, de qual participamos conforme exposto na seção anterior. Estes
gastos foram assim divididos:
Inscrição/Anuidade R$102,00
Transporte Terrestre R$148,05
R$250,05
A anuidade foi paga para que pudéssemos ter acesso aos benefícios dos associados
ao Grupo de Estudo Linguísticos; já em relação aos gastos com o transporte, este se deu
pela necessidade do bolsista em locomover-se entre Campinas (local do evento) e
Sorocaba, cidade de que é natural. A opção por locomover-se diariamente entre sua
residência e o evento deu-se pela impossibilidade de encontrar lugares viáveis para
estadia, de modo que a ida e volta diária proporcionou menos gastos do que teria caso
permanecesse na cidade do evento em questão.
81
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