H e l e n o T aveira T o r r e s
dire ito
CONSTITUCIONAL FINANCEIRO
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Torres, Heleno Taveira Direito constitucional financeiro : teoria
da constituição financeira /
Heleno Taveira Torres. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,
2014.
Bibliografia, ISBN 978-85-203-5439-1
1. Brasil - Constituição (1988) 2. Direito financeiro 3. Direito
financeiro - Brasi! i. Título.
14-07472 CDU-342.4(81)"1988":336
o ' £ ' - iS
CONSTITUCIONAL ÍJ; FINANCEIRO Teoria da Constituição
Financeira
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© desta ediçao [2014]
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Impresso no Brasil [08-2014]
ADCT _ Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADIn - Ação Direta de Inconsdtucionalidade
AgRg - Agravo Regimental AI - Agravo de Instrumento
ANP - Agência Nacional do Petróleo ANTAQ - Agência Nacional de
Transportes Aquaviãrios
Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária Ap - Apelação
art. - artigo
CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica CARF
_ Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CC - Código Civil CComp - Conflito de Competência
CDC - Código de Defesa do Consumidor CF - Constituição da República
Federativa do Brasil cf. - conferir
CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais
Cide - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
cit. - citado CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico Co fins - Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social
CPC - Código de Processo Civil CRSFN - Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro
CTN - Código Tributário Nacional Dec. - Decreto
Dec.lei - Decreto-lei Des. - D es embargado r DJe - Diário da
Justiça eletrônico
DjU _ Diário da Justiça da União Dj - Diário da
Justiça
DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral DOU DOE -
Diário Oficial da União Diário Oficial do Estado rTETCVTirU ** V
---------í
1 DIREITO ECONÔMICO] E FINANCEIRO
j BIBLIO TECA j
1 0 I D I RE IT O C O N S T IT U C IO N A L F IN A N C E I RO - T e
o ri a d a C o n s t i t u i ç ã o Financeira
"EC ed.
REsp RFB
RJ — Rio de Janeiro RMS — Recurso em Mandado de Segurança
RT — Revista dos Tribunais SP — São Paulo
STF — Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de
Justiça
t. - tomo TCC — Termo de Compromisso de Cessão TCU — Tribunal de
Contas da União USP — Universidade de São Paulo vol. - volume
v-g- — verbi gratia v.u. — votação unânime
DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
A u t o n o m i a c i e n t i f i c a d o d i
r e i t o f i n a n c e i r o -
M é t o d o j u r í d i c o - n o r m a t i v o
â l u z d a
T e o r i a d a C o n s t i t u i ç ã o e
d o p r i n c í p i o
d o E s t a d o D e m o c r At i c o d e
D i r e i t o
II. DIREITO FINANCEIRO E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA -
UNIDADE SISTÊMICA E MÉTODO
..................................................................
35
1. Sistema e método da Teoria da Constituição Finan ce ira
..................... 35
2. Evolução teórica do direito financeiro a partir da Ciência das
Finan ças
.......................................................................................................................
40
3. A autonomia sistêmica do direito financeiro: técnica, funcional
e
científica.............................................................................................................
49
3.1 Objeto do direito financeiro e as escolas subjetiva, objetiva e
funcional sobre a atividade financeira do Estado
................... 54
3.2 Objeto do direito financeiro: a natureza funcional do seu
conteúdo e a noção de Fazenda
Pública.................................... 56
4. Instrumentalidade e a heterogeneidade do direito financeiro
—ainda algumas
palavras.............................................................................................
60
4.1 Superação da instrumentalidade pela teoria da Constituição
Financeira............................................................................................
61
4.2 Ausência de heterogeneidade no direito
financeiro................. 63
5. Renovação da metodologia jurídica do direito financeiro pela
Teoria da Constituição
Financeira..........................................................................
64
6.
Conclusões...........................................................................................................
68
III. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
FINANCEIRA.................................................
71
1. Mudança de paradigma: do Estado Liberal à Teoria da Constituição
Financeira
................................................................................
71
1.1 Estado e Constituição Financeira
.................................................. 73
1.2 A Constitucionalização do direito
financeiro............................. 75
2. Teoria da Constituição Financeira como Constituição material e
seus pressupostos
...........................................................................................
77
2.1 O Princípio do Estado Democrático de Direito para a Cons
tituição Financeira
..........................................................................
81
2.2 Os fins constitucionais do Estado na Constituição Financei ra
...........................................................................................................
85
2.3 Os pressupostos da abertura sistêmica e da interconstitucio-
nalidade da Constituição
Financeira..........................................
87
2.3.1 Constituição Financeira e o compromisso do Es tado com as
gerações futuras.....................................
89
3. Conteúdo da Constituição Financeira e sua função integradora
90
3.1 Análise restritiva e análise global das normas da Constitui ção
Fina nceira
....................................................................................
91
3.2 Tipologia das normas da Constituição Finan
ceira................... 93
4. Constituição Financeira como Constituição escrita, rígida e mate
rial
........................................................................................................................
94
5. Princípios, fins e normas programáticas da Constituição Financei
ra
.........................................................................................................................
97
5.1 Princípio da Constituição Financeira
........................................... 99
5.2 Valores e fins da Constituição Financeira —A Constituição
Dirigente
...............................................................................................
100
5.3 Constituição Financeira e normas programáticas à luz do novo
modelo de dirigismo do Estado e escolhas públicas .... 101
6. Funções da Constituição Financeira
.........................................................
104
6.1 A função de preservação e continuidade do Estado Fiscal....
108
7. A interpretação da Constituição Financeira: elementos a conside
rar........................................................................................................................
109
7.1 Constituição Financeira e pressupostos para sua interpreta ção:
a unidade da Constituição Financeira
............................... 110
7.2 Interpretação da Constituição Financeira e efetividade .......
115
IV CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E SUA RELAÇÃO COM A CONSTITUI ÇÃO
POLÍTICA. ESCOLHAS PÚBLICAS NA ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO:
ENTRE SEPARAÇÃO DE PODERES E DEM OCRACIA 117
1. Considerações iniciais —Política e direito nas escolhas públicas
da atividade financeira do Estado Democrático de Direito
...................... 117
2. Estado e poder na atividade financeira do Estado Democrático de
Direito................................................................................................................
122
3. Democracia como legitimidade da Constituição Financeira e a pro
teção da dignidade da pessoa
humana......................................................
128
4. A relação entre Constituição Financeira e Constituição Político-
-Federativa: entre separação de poderes e atividade financeira do
Estado........................................................
132
4.1 Decisão política da atividade financeira —legalidade e discri-
cionariedade.......................................................................................
136
5. A Constituição Financeira e os limites do gasto público na
decisão das escolhas públicas
.....................................................................................
139
6. Decisão política e Estado Social - autonomia democrática e
vedação a interferências sobre decisões coerentes com a
Constituição 145
6.1 A decisão política e os meios para realização do intervencio
nismo....................................................................................................
148
7. Controles da decisão política na Constituição Financeira
.................. 150
1 6 j DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
9. Considerações finais - A garantia de proteção da decisão
política na atividade financeira do Estado
...................................................................
160
Parte II CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E SUAS RELAÇÕES
COM A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E A CONSTITUIÇÃO
TRIBUTÁRIA
V. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E A CONSTITUIÇÃO ECO
NÔMICA........................................................................................................................
165
1. Constituição Financeira e Constituição Econômica: considerações
iniciais.................................................................................................................
165
2.1 Conteúdo da Constituição Econ ôm
ica......................................... 169
3. Constituição Financeira e direitos
sociais..................................................
176
4. Constituição Financeira entre as instrumentalidades da Constitui
ção Econômica e os fins do dirigismo da
economia.............................. 178
5. Constituição Econôm ica e planejamento na Constituição Financei
ra
.........................................................................................................................
182
5.1 Planejamentos setoriais e Constituição Ec on ôm
ica................ 185
5.2 Controle do planejamento —Considerações propedêuticas ..
185
5.3 Pressupostos da decisão política do Planejamento e Consti
tuição
Financeira..............................................................................
187
5.4 Decisão política e intervencionism o na Constituição Econô
mica.......................................................................................................
190
6. Políticas públicas e Constituição Financeira
.......................................... 192
7. Entre Constituição Financeira e Constituição Econômica - O inter
vencionismo da Constituição Econômica
............................................... 195
7.1 Justiça distributiva da Constituição Financeira e interven
cionismo do
Estado..........................................................................
198
8. O intervencionismo e a extrafiscalidade na Constituição Financei
ra
...........................................................................................................................
202
VI. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E AS RECEITAS DA CONS
TITUIÇÃO
TRIBUTÁRIA..........................................................................................
207
2. Constituição Tributária e definição de tribu to
........................................... 209
2.1 Dimensão política do tributo: tributo como ju s imperii —
Uma tese superada pelo tributo do Estado Democrático de
Direito
........................................................................................................
211
2.2 Dimensão econômico-financeira do tributo e a destinação
vinculada às despesas públicas —Uma importação doutriná ria
funcionalmente inconstitucional
.............................................. 213
2.3 Dimensão jurídica do tributo
.............................................................
215
3.
impostos.......................................................................................................................
218
3.1 .1 Impostos diretos e indiretos
.......................................... 220
3. 1 .2 Impostos reais e pessoais
................................................ 223
3.1 .3 Impostos cumulativos e não cum ulativos ...............
223
4. T axas
•..............................................................................................................
224
6.
Contribuições............................................................................................................
229
6.2 Constituição econômica e intervencionismo financeiro me diante
a criação da Contribuição de Intervenção no Domí nio Econômico -
Cide..........................................................................
233
7. Do imposto único sobre mineraise combustíveis aos
royalties na
Constituição.................:..........................................................................................
234
8. Considerações finais. Constituiçãoeconômica e intervencionismo
com obrigações tributárias
...............................................................................
237
Parte III CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E FEDERALISMO
A Constituição Político-F ederativa. F ederalismo fiscal.
Discriminação de rendas no Federalismo
(fonte e distribuição do produto arrecadado).
F ederalismo horizontal ,
NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO E LEIS COMPLEMENTARES.
VIL CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E O FEDERALISMO FINA NCEIRO CO
OPERATIVO
EQUILIBRADO........................................................................................
243
3. Federalismo como princípio constitucional e a garantia de
unidade
nacional..............................................................................................................
252
3.1 A descentralização das unidades do fed era lism
o.................... 254
3-2 Unidade e descentralidade do federalismo na comparação de
modelos................................................................................................
258
4. O federalismo fiscal cooperativo e sua dimensão funcionalno cons
titucionalismo brasileiro 261
4.1 Constituição Financeira e federalismo cooperativo na apli cação
do princípio de
eficiência...................................................
263
5. Solidariedade como princípio legitimador do federalismo
cooperati vo equilibrado e rigidez
constitucional.....................................................
266
6. Dirigismo constitucional e o dever de assegurar desenvolvimento
e a redução de desigualdades regionais —Limites e possibilidades
269
6.1 Proibição de redução do federalismo cooperativo à centrali-
dade da União
....................................................................................
273
7. As competências tributárias e o princípio da simetria entre as
uni dades federadas -- Financiamento do federalismo cooperativo
pelas
fontes..................................................................................................................
275
7.1 Evolução do modelo de repartição das fontes trib utárias
278
8. A transferência direta do produto arrecadado dos
impostos............... 283
8.1 Imposto único da União e competência estadual comparti lhada
sobre petróleo e derivados
................................................. 285
9. A redistríbuição por transferência indireta do produto
arrecadado de tributos —Os fundos públicos no federalismo
cooperativo brasi leiro
.....................................................................................................................
287
9.1 Fundos de Participação e outras modalidades de transferên cias
intergovernamentais constitucionais, indiretas, incon- dicionadas e
automáticas ...............................................
291
9.1 .1 Metacrítica ao simbolismo constitucional nas transferências
dos fundos
constitucionais.............................................................
294
SUMÁRIO j 19
9.2 Repasse do ICMS aos Municípios pelo critério do valor adi
cionado
...............................................................................................
296
9.2.1 O caso do ICMS ecológico
.......................................... 299
10. Constituição Financeira e transferências indiretas no
federalismo horizontal. Um caso de distorção do sistema federativo
brasileiro — A “guerra fiscal” do ICMS
............................................................................
300
V1IL NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO E LEI COMPLEMENTAR NA
CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA .......... 307
1. Fontes normativas do Federalismo: lei complementar e normas ge
rais de direito financeiro -
Introdução......................................................
307
2. Lei complementar na Constitu ição
.............................................................
312
3. Definição de “normas gerais” de competências concorrentes e sua
aplicação ao direito financeiro
....................................................................
315
4. Modalidades de leis complementares e tipologias das normas
gerais de direito financeiro
......................................................................................
318
4.1 Competências materiais típicas de direito financeiro
............. 321
4.1.1 Competência concorrente e normas gerais 321
4.1.2 Normas gerais de direito financeiro propriamente
ditas..................................................................................
321
4.1.3 Normas gerais de direito financeiro para organiza ção
orçamentária
.........................................................
322
4.1 .4 Leis complementares para criação ou modificação de unidades
federativas e desmembramentos ur banos - O papel de normas gerais
de direito finan ceiro quanto às repercussões
financeiras............... 323
4.1.5 Normas gerais de direito financeiro para coope ração entre as
pessoas do federalismo para equilí brio do desenvolvimento e do
bem-estar .............. 325
4.1 .6 Normas gerais de direito financeiro para paga mento de
precatórios pelas unidades federativas . 326
2 0 í DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
4.1 .8 Normas gerais de direito financeiro sobre despesas
específicas
.......................................................................
327
4.1 .9 Normas gerais de direito financeiro sobre previ dência
privada
..............................................................
328
4.2 Leis complementares em matéria de direito tributário .........
329
4.3 Vedações de uso de medidas provisórias e de leis delegadas em
matérias reservadas às leis complementares..............
331
5. Resoluções do Senado Federal e uniformidade das
alíquotas..dos.im postos estaduais ..... 332
6. Considerações fin ais
..............................................................................
336
Parte IV ORÇAMENTO E DESPESA PÜBLICA NA
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
O r ç a m e n t o p ú b l i c o . D e s p e s a s p ú
b l i c a s . P l a n e j a m e n t o . C o n t r o l e e
f i s c a l i z a ç ã o .
IX. ORÇAMENTO PÚBLICO NA TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEI RA
.....................................................................................................................................
339
1. Unidade da Constituição financeira e orçamento público —Demar
cação de método 339
2. Síntese sobre origem constitucional do orçamento público.......
341
3. Conceito constitucional de orçamento público e suas funções de
mocráticas na Constituição Financeira 346
3.1 Função de limitação legislativa para realização de despesas —
proibição de conduta diversa e parametricidade obrigatória 35
0
3.2 Função de planejamento (orçamento-programa, performan ce ou
funcional).......................................................................
352
3.3 Função de transparência
orçamentária............................. 356
3.4 Função de efetividade de direitos e liberdades fundamen tais
............................................. 359
3.5 Função de controle .......................................
360
4. Natureza legislativa do orçamento público con
stitucional......... 362
SUMÁRIO I 2 1 f
4.1 Reserva de lei complementar e lei ordinária para veicular as
espécies de orçamentos públicos
................................................. 362
4.2 Iniciativa em matéria de leis
orçamentárias................................ 364
4.3 Prazos para apresentação do orçamento
....................................... 366
4.4 Deliberação das leis orçamentárias no Poder Legislativo
367
4.4 .1 Orçamentos participativos e participação popular na
aprovação das leis orçamentárias.......................
369
4.5 Emendas parlamentares à proposta de orçamento público ...
370
4.6 Modificações dos orçamentos por lei específica posterior
372
5, “Princípios” do orçamento públic o ..........................
373
5.1 Princípio da
legalidade.....................................................................
374
5.3 Princípio da irretroatividacle do orçamento
............................... 376
5.4 Princípio da publicidade
.................................................................
376
5.5 Critério da clareza
............................................................................
377
5.6 Critério da exatidão
.........................................................................
377
5.7 Critério da unidade
...........................................................................
378
5.8 Critério da universalidade
...............................................................
379
5.9 Critério da exc
lusividade................................................................
380
5.11 E ainda o critério de “equilíbrio orçamentário”
........................ 383
6. Efeitos da lei de orçamento: ainda a distinção entre lei formal
e lei
material..............................................................................................................
387
6.1 Orçamento como lei formal: lei de efeitos concretos (Laband),
ato condição (Jèze) e conteúdo de ato administrativo (Du-
guit).......................................................................................................
388
6.2 Orçamento como lei material e processo legislativo no Esta do
Democrático de Direito
............................................................
392
I?
2 2 j DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a
d a C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
6.3 Das correntes dualista e unitária à teoria da Constituição: o
fim da formulação do orçamento como ato administrativo.. 395
6.4 Relação entre lei orçamentária anual e aquelas institutívas das
despesas........................................................................................
39 6
6.5 O controle de constitucionalidade do orçamento pelo STF
como lei
material...............................................................................
397
7. Efeitos da lei anual de orçamento e o papel de planejamentodas
leis orçamentárias na Constituição de 1988
...................................................
399
7.1 Impositividade das leis orçamentárias em relação aos fins
de planejamento (diretrizes, planos, metas ou objetivos da ad
ministração) —O
orçamento-programa......................................
400
7.2 Princípio de compatibilidade constitucional obrigatória do
planejamento com o plano plurianual
..................................... 404
8. Orçamento autorizativo e obrigatoriedade para realização das des
pesas públicas na execução
orçamentária................................................
408
9. Considerações fin ais
........................................................................................
410
X. DESPESA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
............................ 413
1. Conceito constitucional de despesa pública e sua relaçãocom as
necessidades
públicas.....................................................................................
413
1.1 Despesas públicas e necessidades públicas —a superação de
uma herança da Ciência das Finanças ................
415
1.2 Conceito constitucional de despesa pública segundo os mé todos
objetivo, subjetivo, funcional ou finalístico
................. 416
1.3 Conceito de despesa pública na Teoria da Constituição Fi
nanceira
..............................................................................................
417
2. Classificação e espécies de despesas púb
licas.......................................... 418
3. Natureza da despesa pública como norma e como fato jurídico 42
2
3.1 Legalidade constitucional para a realização da despesa pú blica
......................................................................................................
423
3.2 Autorização orçamentária das despesas pú
blicas.................... 425
3.3 Despesa pública como fato jurídico administrativo-finan
ceiro.......................................................................................................
426
SUMÁRIO j 2 3
4. A funçao de ordenador de despesas na Constituição Financeira
...... 427
5. Procedimentos jurídicos e princípio da eficiência na aprovação e
realização das despesas públicas
................................................................
429
5.1 Realização de despesas públicas mediante contratos admi
nistrativos e procedimentos financeiros (empenho, liquida ção,
medição, autorização e pagamento)
.................................. 431
5.2 Prescrição contra a Fazenda Pública nos casos de não cum
primento de obrigações financeiras (prescrição do incum prim ento
de despesas
públicas).....................................................
436
6. Despesas públicas com precatórios na Constituição Financeira:
exe cução judic ial de dívida contra a Fazenda Pública
............................... 438
7. Despesas com empréstimospúblicos: breves considerações
................. 442
8. Controles internos e externos das despesas públicas na Constitui
ção Financeira
..................................................................................................
452
8.1 Controle interno
.................................................................................
457
8.2 Controle democrático e popular e o papel da garantia da im
prensa livre
.........................................................................................
457
8.3 Controle extern o
................................................................................
458
8.3.1 O Tribunal de C on tas
.................................................. 459
9. Considerações
finais........................................................................................
463
INTRODUÇÃO
Segundo a mitologia grega, existia uma ave gigante e que viveria
cerca de quinhentos anos. Era a Fênix. Ciente da morte, fazia
do seu ninho uma pira. Ela, então, tornava-se puro fogo, ardia
junto com o ninho e convertia-se em cinzas. Em seguida, das mesmas
cinzas nascia uma nova Fênix, de igual majestade e grandeza.
Este mito da continuidade pode ser aplicado ao direito
financeiro, pois, tal qual Fênix, foi fortemente revigorado nesta
primeira década do século XXL
O direito financeiro agigantou-se, em vastidão oceânica, ao longo
do século XX, mas se isso fot indicador de suas grandes virtudes
científicas, ao abarcar temas fundamentais da vida do Estado, da
economia e da sociedade, como tributação, orçamento ou dívida
pública, logo se converteu no seu maior problema, motivo para sua
divisão e aparição de novos ramos do direito, a exemplo do direito
tributário e outros, renovados em fundamentos e ricos em qualidade
de soluções especializadas e “atuais”. O progressivo distanciamento
da realidade, como observa Michel Bouvier, sempre foi um obstáculo
ao seu desenvolvimento.1Com isso, deu-se o fenômeno do
“envelhecimento precoce” do direito financeiro, pelo apego da
doutrina a institutos de antanho, confusão entre teorias econômicas
de épocas mais remotas com aquelas das fases sucessivas, além de
tratamento generalista, devido ao aumento da sua
complexidade.
Como demarcação expressiva daquela desejável renovação, o estudo e
aplicação do direito financeiro a partir da Constituição ganha
destaque, como se vê na obra de Regis Fernandes de Oliveira,2 como
uma das poucas elaboradas segundo os parâmetros constitucionais (o
iíuminismo do direito financeiro).
O direito constitucional finan ceiro compreende o conjunto de
normas do sistema constitucional que regula, direta ou
indiretamente, a atividade financeira do Estado, Desse modo, a
teoria da Constituição Financeira tem por objeto a atividade
financeira do
1. Com o observa Michel Bouvier; “Aussi, et non obstan t les
fondements scientifiques que l’on pourra faire valoir plus
loin, il importe d’abord de resituer les finances publiques dans
le cadre d’un processus de fonctionnement politique entendu
au sens large comme la vie et l’organisation d’une socié té
dans son ensemble. Autre me nt dit, c ’est le caractère politique
des finances publiques qui doit en prem ier lieu être comp
ris" (BOU VIER, M ichel; ESCLASSAN, Marie-Christine; LA
SSALE, Jean -Pierre . Finan ces publiques. 6. ed.
Paris; LGDJ, 2002. p. 2 e 5). Sobre a crise das finanças
públicas e a necessidade de aprimoramento do
intervencionismo, veja-se: GALLO, Franco. Le ragion i
âelfis co . Bologna; Il Mulino, 2007.
2 6 i DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO —T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
Estado na Constituição, segundo os valores do Estado Democrático de
Direito e a inter- textualidade com as constituições econômica,
político-federativa, tributária e social.
A Constituição Financeira consiste, assim, na parcela
material de normas jurídicas integrantes do texto constitucional,
composta pelos princípios, competências e valores que regem a
atividade financeira do Estado, na unidade entre obtenção de
receitas, or çamento, realização de despesas de todas as
competências materiais, financiamento do federalismo, custos dos
direitos e liberdades, gestão do patrimônio estatal, bem como da
intervenção do Estado.
À inovação deste modelo concorre o emprego do nosso método do
positivism o metódico-axiolõgíco , pelo qual o direito
financeiro deve ser estudado e aplicado como “sistema” de normas
jurídicas, a partir da Constituição, para assegurar unidade e
conexão entre as competências e valores da atividade finan ceira do
Estad o, a afastar as miscelâneas metodológicas entre Economia
(Finanças Públicas) e Direito.
Os motivos para essa renovação foram muitos, de cunho dogmático e
não dogmá tico. No plano do direito, diversas disciplinas passaram
a reclamar conhecimentos e aprofundamentos técnicos do direito
financeiro, como foi o caso do direito tributário, do direito
administrativo e do direito econômico, apenas para ficar nos mais
próximos. Como exemplo, é revelador que o melhor estudo recente
sobre financiamento do fede ralismo e desenvolvimento regional seja
de autor de direito econômico e marcado pela singularidade de
compartilhar toda a base teórica com institutos e conceitos do
direito financeiro.3Pense-se ainda na doutrina sobre planejamento
público e suas relações com a teoria do orçamento, finalmente
comprometido, na prática constitucional, com a noção de
“orçamento-pro grama” (como se vê no atual plano plurianual) 2 Mas
não só.
No Brasil, a teoria do direito financeiro foi elaborada ao amparo
de doutrinas ita lianas, francesas ou alemãs, com especial atenção
aos autores da “Ciência das Finanças” do século XIX ou da primeira
metade do século XX. Os estudos magníficos produzidos no País, sob
esta influência, como os de Amaro Cavalcanti, Viveiros de Castro,
Veiga Filho, Dídimo da Veiga ou Aliomar Baleeiro, dão conta da sua
utilidade. Passado, po rém, este momento de efervescência, ao
evolver das décadas de 1980 e 1990, viu-se o direito financeiro
refluir, tornar-se uma matéria repetitiva e, quando não, ancorada
em critérios formais que pouco ou nada contribuíram para alinhar
seus conceitos, princí pios e métodos com os novos paradigmas
assentados na Constituição de 1988, como o do Estado Democrático de
Direito.
3. Cf. BER CO VIC1 , Gilberto. Desigua ldad es region ais,
Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad,
2003.
INTRODUÇÃO í 2 7
É bem verdade que se deve afirmar, e não se nega, até porque essas
fontes encontram -se fartamente consideradas ao longo deste estudo,
a importância da doutrina clássica do direito financeiro. Contudo,
a maior refutação que se impõe às formulações das últimas décadas
do século passado localiza-se na ausência de adaptação à construção
de um direito financeiro alinhado à Constituição Financeira
do Estado Democrático de Direito instaurado com a Constituição de
1988.
Ora, não se constrói o Estado Democrático de Direito com as
partidas dobradas da contabilidade, mas com uma Constituição aberta
para os fins do Estado e sua rea lidade circunstante, a informar
toda a Constituição Financeira. A estabilidade das contas
públicas, esta, sim, é profundamente desejável e deve ser medida
segundo o atendimento dos fins do Estado, por períodos e segundo o
tipo de despesa, de modo dinâmico e progressivo.
A busca de soluções jurídicas para as sucessivas crises econômicas
internacionais, fortemente vinculadas a dívidas públicas,
orçamentos públicos, crescente intervenção do Estado,
fortalecimento da indústria nacional, controle da despesa pública,
equilíbrio orçamentário e redistribuição de rendas, ante as
demandas do Estado Social, por melhor integração entre as receitas
para permitir obter condições de consenso para a reforma
tributária, a urgência da revisão de critérios para melhor
repartição de recursos no fe deralismo cooperativo, como se viu no
caso da distribuição dos royalties do petróleo,5 de resultado
histórico, e tantos outros. Os desafios da realidade reavivaram,
assim, a produção qualificada da doutrina nacional e estrangeira em
torno dos grandes temas de Estado vinculados às finanças públicas.
Surgem as bases do novo direito financeiro contemporâneo.6
Para o direito financeiro convergem renovados desafios. Ele deve
prover soluções para as grandes causas nacionais, como é o
federalismo, o desenvolvimento equilibrado e a redução das
desigualdades regionais e sociais, superar mitos, como ainda
persistem aqueles da redução do Estado, integrar-se com os mais
elevados temas do constitucio nalismo, cada vez mais, assegurar
meios para a internacionalização e fortalecimento do Estado, nas
questões entre regionalismo e custeio da sua atuação
internacional,7 bem como preocupar-se com o atendimento das
demandas intergeracionais, aquelas do porvir, das futuras gerações.
Ao mesmo tempo, deve servir como instrumento eficiente para a
concretização de direitos e liberdades fundamentais, assistir aos
desvalidos e às
5. Tema de rece nte estudo com pleto a respeito, em nosso Departam
ento: SCAFF, Fern and o Facury. Royalties decorrentes
da exploração de recursos naturais não renováveis: incidência e
rateio fede rativo . Tese (Livre-Docência). São Paulo:
USP, 2013.
õ, Pod er-se-ía falar de um “Direito Fin an ceiro em
ervolução’\ não alimentado por crises, mas por suas
transformações, a exemplo de Odete Medauar, com o seu: O direito
administrativo em evolução. São Paulo: Ed. RT,
2003.
2 8 í DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a C
o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
minorias,8 garantir o compromisso nacional com saúde e educação de
qualidade. E que todos os controles financeiros, internos e
externos, possam permitir que os princípios da economicidade e da
eficiência prevaleçam em todos os contratos e na administração dos
gastos públicos, com eliminação da corrupção e das gestões
perdulárias em todos os níveis de governo.
Numa breve incursão na realidade, indo da teoria à prática, que é o
labor do jurista,9 vale lembrar do quanto a participação do
orçamento público é decisiva para a economia do País. Somente o
orçamento federal, excetuados os dos Estados e dos Municípios,
contempla proposta no montante de R$ 2,36 trilhões, quase metade da
riqueza nacional, como se vê dos parâmetros macroeconômicos do
Ministério da Fa zenda para 2014, que prevê um Produto Interno
Bruto —PIB de, aproximadamente, R$ 5,24 trilhões (na projeção de
crescimento.de 4%). Por isso, áo mèsmo tempo que qualquer atuação
financeira do Estado nunca será “neutra” na relação com a economia
de mercado, caberá ao Estado prover o máximo de segurança jurídica
e transparência para os agentes econômicos, a permitir a capacidade
adaptativa destes e o direito ao planejamento privado.
Quanto ao mais, ao Estado cumpre realizar a Constituição, nas suas
máximas possibilidades, com planejamento e, quando necessário,
outras medidas de intervencio nismo, inclusive mediante normas de
direito financeiro. Por isso, a relação entre receitas e despesas
públicas, no contínuo da atividade financeira do Estado, que é o
objeto das normas de direito financeiro, deve ser permanentemente
apurada em conformidade com os fins constitucionais do
Estado.
Os ordenamentos jurídicos nacionais não podem prescindir da força
intervencio nista do Estado na economia. Demonstra-o, por dados
apurados ao longo de uma década, Thomas Piketty, ao dizer que a
conclusão que representa o coração da sua célebre obra “O Capital
no século X XI” é de que não existe qualquer processo natural e
espontâneo nos mercados que visem a evitar as desigualdades ou
tendências desestabilizadoras de um modo durável.10 Desse modo,
somente o Estado, segundo os valores constitucio nais, tem os meios
e as condições para realizar esta tarefa. Como se viu recentemente,
na crise econôm ica internacional de 2008 , só Estados com
instituições fortes puderam suplantar rapidamente suas
dificuldades, mediante regulação e instrumentos eficazes para
recomposição dos próprios mercados.
Os meios projetados por Thomas Piketty foram todos de ordem
tributária, com aumento de tributos. O Brasil, neste particular,
tem se mostrado pioneiro e eficiente na luta para reduzir
desigualdades sociais e eliminar a pobreza, sem apelar para criação
ou
8. Com os encóm ios à recente obra, dedicada justamente a essa
relação com os mais necessi tados, por uma humanização do Direito
Financeiro: OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Gastos pú
blicos . São Paulo: Ed. RT, 2012.
9. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário —Linguagem e método. 4. ed. São Paulo:
N oeses , 2 0 1 1 ; VILANOVA, Lo uri vai. As estruturas lógicas e o
sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad,
1997.
I N T R O D U Ç Ã O | 2 9I
aumento de tributos sobre a renda, a sucessão e o capital.
Diversamente, por meio do orçamento e normas constitucionais, foram
aprimorados programas de intervencionis mo, criadas diversas
políticas públicas, que se agregaram aos gastos obrigatórios com
saúde e educação, todos como instrumentos para assegurar ao povo o
acesso a direitos sociais, bem-estar e qualidade de vida. Eis uma
prova cabal da superna relevância do Direito Financeiro na vida das
sociedades contemporâneas.
A complexidade da modernidade social, com postulações
multifacetadas de atua ção do Estado, é a razão fundamental para
que a política atue para exercer as escolhas e definir
prioridades,11 sempre por meios jurídicos e democráticos, os quais
conformam a decisão democrática do Executivo e do Parlamento. Esta
éou tra tarefa fundamental para o direito financeiro, propiciar as
condições funcionais para a decisão política, e particu larmente
aquela de caráter teleológico, que informa o direcionamento do
planejamento financeiro na realização de metas, programas e
diretrizes. É assim que a Constituição Financeira une Constituição
Econômica e Constituição Político-Federativa.
Todo estudo de ciência do direito reclama um método, e mormente no
caso do direito financeiro, tanto mais, para superar o sincretismo
metodológico com a Ciência das Finanças. As razões que corroboram a
eleição de método jurídico serão explicitadas no próximo capítulo,
porquanto a “Constituição Financeira” não é uma demarcação de
artigos ou de títulos atinentes à matéria, mas uma metodologia para
sua aplicação em conformidade com os valores e regras
constitucionais.
Com a metodologia funcional da “Constituição Financeira” adotada na
interpreta ção e aplicação do direito financeiro, pretende-se
assegurar a unidade do regime jurídico das finanças públicas em
máxima conformidade com a Constituição. Logo, depurado o direito
financeiro das interferências da “Ciência das Finanças”, com
prevalência da Constituição, resgata-se sua conexão com a ação do
Estado, pela funcionalidade da atividade financeira em cumprimento
dos fins constitucionais a serem atendidos pelo orçamento fiscal ou
mediante intervenção estatal.
Para este propósito, a interação entre Constituição
Financeira e Constituição E co nômica revela-se
fundamental. Nesse aspecto, o conceito constitucional de orçamento
com fins de planejamento (orçamento-programa) deve predominar e
vincular toda a Administração à sua máxima observância (daí todo
orçamento público ser “lei material” quanto aos fins do planejam
ento), E não se pode olvidar dos instrumentos de realização dos
projetos constitucionais desenvolvimentistas ou do fortalecimento
regional (arts. 3.° e 43 da CF).
A burocracia, a relação com o mercado e a própria construção da
sociedade demo crática reclamam o dever de contínuo controle e
transparência. E como as condições e critérios adotados nessas
escolhas precisam ser conhecidos, a preocupação funda mental que
perpassa toda a atividade financeira do Estado é a sua absoluta
legalidade e transparência financeira.
Por isso, atendidos os critérios constitucionais e legais, a
harmonia da divisão de poderes impõe a necessária deferência à
autonomia do Poder Executivo quanto ã vinculação das suas decisões
e escolhas, pelo mérito administrativo. Por conseguinte, quanto à
Constituição Político-Federativa, tem-se os meios que
conferem os poderes democráticos para as “escolhas públicas” que
definirão os atos financeiros do Estado, pelas autoridades
competentes, no âmbito da administração pública financeira.
Com olhar para a realidade do inicio deste Século, como bem alertou
Ricardo Lobo Torres, faltava-nos uma “Teoria da Constituição
Financeira”.12 Compreendida esta como método, a assertiva é
cabível. E este é o propósito desta Obra: oferecer uma Teoria da
Constituição Financeira coerente com a Constituição de 1988 e que
exprima suas relações com as Constituições Econôm ica,
Político-Federativa e Social, a ressaltar o papel de
intervencionismo e dirigismo constitucional como meios de
transformação, nas funções de concretização dos direitos e
liberdades fundamentais em cada uma das suas etapas, da realização
dos fins constitucionais do Estado e do compromisso com o
permanente controle da ação do poder, do orçamento público às
relações tributárias, que igualmente são objeto do seu
conteúdo.
A Constituição Financeira, pelos valores veiculados em suas normas,
comunica- -se com a realidade e com a política, para definir as
decisões financeiras da atuação do Estado. Na decisão política na
atividade financeira estatal o agente deve levar em conta que o
Estado Democrático de Direito brasileiro encontra-se comprometido
com a realização da justiça social mediante a redistribuição de
rendas e a concretização de uin verdadeiro Estado de “bem-estar
social” (welfare State).
As decisões políticas de direito financeiro legitimam-se pela
concretização de escolhas públicas coerentes com preferências
democráticas, mas também por realizar o intervencionismo e
dirigismo constitucionais, ao perseguirem os fins e valores cons
titucionais do Estado, como é o caso da redução de desigualdades
regionais e sociais, do desenvolvimento equilibrado, da sociedade
livre, justa e igualitária, do interesse público, do bem-estar e de
tantos outros.
É por meio da política que a justiça das escolhas públicas
integra-se às normas de finanças públicas pela eficiência e
alocação de prioridades, segundo as necessidades coletivas. Assim,
afastada a competência legislativa em matéria de orçamento, e obser
vados os limites constitucionais, como aqueles da Constituição
Tributária, tanto o Poder Executivo quanto o legislador têm ampla
liberdade para definir o melhor direcionamento
3 0 | DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
das despesas públicas, programas de redistribuíção de rendas,
procedimentos a serem seguidos, instrumentos de controle e
outros.
Neste modelo sistêmico-constitucional, toda e qualquer aplicação de
recursos públicos deve guardar conformidade com os valores
republicanos e democráticos que a todos obriga permanente
responsabilidade com os bens públicos e fins do Estado. À
Constituição Financeira cabe, pois, a tarefa de racionalizar o
poder financeiro segun do os critérios estabelecidos pelas leis e
pela Constituição. Assim, o direito financeiro encontra na
Constituição os limites e os critérios para as decisões
administrativas dos ordenadores de despesas nos atos de gastos e
dos agentes políticos nas escolhas públicas, os quais condicionam a
atividade financeira do Estado.
Diante disso, pensar as relações da atividade financeira do Estado
segundo a Constituição é profícuo em qualquer hipótese.13Somente
com a garantia da unidade metodológica, propiciada pela “Teoria da
Constituição Financeira”, tem-se a renovação conceituai do direito
financeiro, a partir dainterconstitucionalidade (na sua intertextu-
alidade semântica e pragmática) com as Constituições Econômica,
Político-Federativa e Social. Destarte, é possível assegurar
resultados coerentes com a estabilidade entre economia de m
ercado, ao amparo da segurança jurídica e transparência, e as
regras do “direito financeiro”, para cumprimento das funções
finalísticas do Estado Democrá tico de Direito, principalmente
mediante orçamento-programa e intervencionismo estatal, segundo
decisões políticas orientadas pela democracia, ao longo da
atividade financeira do Estado.
Esta obra tem por origem nossa tese “Teoria da Constituição
Financeira”, apresen tada ao concurso para Professor Titular d.e
Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo —USP, a qual foi aprovada, por unanimidade, pela Banca
Examinadora composta pelos professores titulares Régis Fernandes de
Oliveira (USP), Gilberto Bercovíci (USP), Luiz Gonzaga de Mello
Belluzzo (UNICAMP), Adilson Abreu Dallari (PUC-SP) eJoão Maurício
Adeodato (UFPE). A estes, nossos melhores agradecimentos pelas
importantes questões formuladas, as quais permitiram aflorar novas
e profícuas reflexões.
Por fim, rendemos nossas homenagens e gratidão a todos aqueles que,
direta ou indiretamente, contribuíram para que este Livro pudesse
vir a lume no tempo desejado, assim como à “Thomson Reuters”, por
Marisa Harms, sua Diretora Editorial.
CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
AUT ONO M IA CIENTÍFICA DO DIREITO FINANCEIRO - MÉTOD O
JURÍDICO-NORM ATIVO À LUZ DA TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E DO
PRINCÍPIO
DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
- UNIDADE SISTÊMICA E MÉTODO
SUMÁRIO: 1. Sistema e método da Teoria da Constituição Financeira -
2. Evolução teórica do direito financeiro a partir da Ciência
das Finanças - 3, A autonom ia sis têm ica do direito financeiro:
técn ica , funcional e científica: 3.1 Objeto do díreito
financeiro e as escolas subjetiva, objetiva e funcional sobre a
atividade financeira do Estado; 3.2 Objeto do direito
financeiro: a natureza funcional do seu conteúdo e a no ção
de Fazenda Pública - 4. Instrumentalidade e a heterogeneidad e do
direito financeiro - ainda algumas palavras: 4.1 Superação da
instrumentalidade pela teoria da Constituição Financeira; 4.2
A usência de heterogeneidade no direito financeiro- 5 .
Renovação da metodologia jurídica do direito financeiro pelaTeoria
da Constituição Financeira: 5.1 "Ne ocon stitucion alism o"
e Constituição Financeira - 6. Conclusões.
1. Sistema e m éto d o da Teoria da Co nstituição Financeira
No direito financeiro cristalizam-se os máximos valores do trato
das contas públi cas e da aplicação dos princípios democráticos e
republicanos na condução do Estado Constitucional. É o direito
financeiro que rege e garante para as gerações de hoje e as futuras
a manutenção e continuidade do Estado, bem como o cumprimento de
todos os fins proclamados pela Constituição. Da separação dos
poderes à efetividade dos direitos sociais, do federalismo aos
programas de redução de desigualdades, dos investimentos em
infraestrutura ao fomento de proteção do meio ambiente, lã estarão
as exigências de receitas públicas, programas ou políticas
públicas, autorizações orçamentárias, realização de despesas e
controles internos e externos.
A complexidade do Estado e da sua atividade financeira, ao longo do
último sécu lo, assumiu proporções nunca imaginadas. Com a
Constituição garantista do Estado Democrático de Direito e suas
distintas constituições materiais, como a Constituição Econômica e
da Constituição Social, ampliaram-se as competências dos gastos
públicos e respectivos controles, a reclamar especializações
crescentes. Nesta amplitude, viu- -se ruir o tênue edifício da sua
unidade de método, pelas fundações assentadas entre finanças,
economia e juridicidade, sobremodo cambiantes conforme as mudanças
sociais, econômicas e políticas,
etc.), e alguns nominados inclusive com foros de autonomia, como
“direito orçamen tário” ou “direito do débito público”.
A presente obra assume a “Teoria da Constituição” como paradigma
metodoló gico dirigido a construir um modelo unificador dos
conteúdos do direito financeiro a partir da Constituição, para
delimitar a unidade do direito financeiro, segundo os fundamentos
da teoria dos sistemas.
O direito financeiro, segundo o método da “Teoria da Constituição
Financeira”, deve ser estudado e aplicado como “sistema”, para que
se possa superar, a um só tempo: (i) o ontologismo do modo de
aproximação do objeto (aativídadefinanceíradoEstado ); e (ií) as
miscelâneas metodológicas entre direito e economia (ciência das
finanças ou finanças públicas).
Para cumprir a delimitação da unidade do direito financeiro, o
sistema da Consti tuição Financeira atende a todos os demais
axiomas da teoria dos sistemas. De plano, confirma-se o axioma da
coerência , pois todas as normas são elaboradas conforme os mesmos
critérios normativos de validade; os axiomas d a completude e
da diferenciação sistêmica encontram-se atendidos, dos
quais decorrem sua formação e existência, por quanto todas as
“normas” e “relações” veem-se unificadas pela conexão material com
a atividade financeir a do Estado; ao mais, o axioma da
continuidade, por não se restringir (o sistema diferenciado de
normas de direito financeiro) por alguma limitação temporal, estará
preservado; e, por fim, o axioma da dependência, pois este
subsistema sempre dependerá da complexidade do sistema total, do
qual decorre a diferenciação sistêmica que o qualifica, x.e., do
ordenamento jurídico, na sua totalidade.1
O modelo de “sistema”c o m o método de elaboração teórica ou
critério de aplicação do direito financeiro tem a virtude de
eliminara atomização mencionada anteriormente. Talvez não exista
outro domínio em que a necessidade de redução a “sistema”, nos dias
atuais, seja tão sentida e fundamental, até mesmo para sua
continuidade e afirmação, haja vista a desintegração sofrida a
partir da autonomia adquirida pelo direito tributário2
3 6 DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
1. Para um amplo estudo sobre a noção de sistema, seus axiom as e
fundam entos teóricos, aqui mencionados em síntese, o nosso:
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional
tributário e segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2012. p. 82 e ss. Veja-se ainda: HARTMANN, Nicolai.
Ontologia. EI pensar teleológico. México: Fondo de Cultura
Económica, 1964; LUHMA NN, Niklas, Sistemi so
ciali. Fondam enti di una teoria g en er ale . Trad.
Alberto Febbrajo. Bologna: 11 Mu lino, 1 99 0, 7 61 p.;
LOSANO , Mario G. Sistema e estrutura no direito: das ori
gens à escola histórica. Trad. Cario Alberto Dastoli. São Paulo:
Martins Fontes, 2008, vol. 1; CAPPELLIN1, Paolo. Systeme!
iuris: genesi del sistema e nascita delia scíenza delle
pandette. Milano: Giuffrè, 1984. vol. 1, 637 p.; V1LANOVA,
Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito
positivo. São Paulo: Ed. RT, 1 97 7; ADEODA TO, Joã o
Maurício. Filosofia áo direito: uma crítica à verdade na
ética e na ciência (através de um exam e da ontologia de
Nicolai Hartma nn). São Paulo: Saraiva, 1996. p. 322 e ss.;
BERTALANFFY, Ludwig von. General system theory:
foundations, developm ent, applications. New York:
George Braziiler, 2008, 295 p.
A conformidade jurídica dos estudos da atividade financeira do
Estado, por muito esforço, se fez destacar da Ciência das Finanças
(doutrina econômica).3Observada as devidas fronteiras, é inegável a
necessidade de recursos aos modelos racionais da economia para
compreender o funcionamento das finanças públicas.4Entretanto, o
direito financeiro pode e deve ser estudado preferencialmente por
método jurídico e dogmático. Nada que ver com “purismo
metodológico”, até porque o direito financeiro nunca foi terreno
fértil para uma “Teoria Pura do Direito”.
A opção por um método estritamente jurídico não desconhece a
pluricidade me todológica para apreender a atividade financeira do
Estado, na sua extensão parcial ou total.5Basta pensar nos temas de
redistribuição de rendas, políticas públicas, equilíbrio
orçamentário, finanças de" estado mínimo e finanças de estado
social intervencionista e outros.
PARTE I - DO DIREITO FINANCEIRO Ã TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
! 3 7
ed atmata’, esso, dunque, contiene nel suo ambito anche quegli
aspetti delfazione statuale che sono piü strettam ente
inerenti il fenomeno deli’imposizione, i quali n on trovano an
cora collocazione autono ma e sistemática nel campo dei
diritto” (PISTON E, Antonio. La giu riâí-
ficazio ne tributaria ín rapporta agli altri rami dei
diritto. Pado va: Cedam, 199 4. p. 33 ).
3. Com o bem resum e Regis de Oliveira: “O pon to central da
ciência das finanças incide sobre a atividade fiscal, ou
seja, a desempenhada com o propósito de obter recursos para o
custeio das atividades estatais. Por ser ciência
pré-jurídica, não é objeto de estudo dos juristas, ser vindo,
apenas, como ponto de partida para fornecimento de meios destinados
ao estudo do fenômeno financeiro” (OLIVEIRA, Regis Fernandes
de. Curso de direito finan ceiro. 5. ed. São Paulo:
Ed. RT, 2013. p. 19). E quanto à função de “sistema”, conclui
Roberto Dromi: “En ese orden, la complejidad de los objetos
de estúdio, en el horizonte de Ia actual sociedad dei
conocimiento, requiere una organízación sistémica (integral)
y sistemática (progresiva) de cada una de las
disciplinas que constituyen el objeto de Ia comprensiõn
cognoscitiva” (DROMI, Roberto. Sistema y valores
administrativos. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2003. p.
21).
4. “davan tage de la notion de régim e de finances publiques est
d’être assez facilement déter minée par l’analyse du droit positif.
Dès lors, en partant des textes et de la jurisprudence, il
est possible d’établir si les financ es con sidérées son t ou ne
sont, pas soumises à un régime de finances publiques” (OLIVA,
Eric. Essai de définition normative du domaine des finances
publiques. In: FAVOREU, Louis; ELERTZOG, Robert; ROUX, André
(org_). Constitution et
fina nce s publiques. Études en l’honneur de Loïc
Philip. Paris: Economica, 2011. p. 497).
O direito financeiro, compreendido como “sistema jurídico”, vê-se
definido pela diferenciação do objeto das suas normas erelações em
face do sistema total (ordenamen to) . Assim, ele tem suas
autonomias “científica”, “técnica” e “funcionar1confirmadas, a
permitir a elaboração de subsistemas, sempre que houver meios para
determinar unidade e coerência segundo os objetos, que são as
normas que definem a atividade financeira do Estado na
Constituição. Nessa unidade, o sistema expande-se concentricamente,
a formar sua totalidade com diferenciação em face dos demais
sistemas e subsistemas.
Desde Timpler (1612), quando se fala em “sistema”, deve-se admitir
a presença de dois domínios bem definidos, dois sistemas conexos, o
“interno” e o “externo”. Contudo, sua aplicação ao direito somente
adveio a partir de Kant, que faz diferençar o sistema de direito
positivo (sistema tníemo), cujo objeto manifesta-se em
linguagem prescr itiva (normas), daquele sistema
da ciência do direito (sistema externo), com seu objeto expresso em
linguagem descritiva (doutrina). Mais tarde, Hans Kelsen e
outros aprofundam essa distinção fundamental.
Lourival Vilanova resumiu, com precisão, esse dualismo imanente ao
direito: “A fo rm a-d e-s is tema reside no
direito-objeto, como reside na ciência-do-direito”.6Assim, para
evitar confusões, ao falarmos de “sistema interno”, é preferível
utilizar o termo “ordenamento jurídico”; e para o “sistema
externo”, Dogmática Jurídica ou Ciência do Direito.
Toda e qualquer aplicação do modelo de “sistema” no direito (do
ordenamento ju rídico completo ou daqueles surgidos por
diferenciações das normas) equivalerá sempre à integração entre
direito positivo (sistema interno) e ciência do direito
(ou dogmática jurídica —sistema ex tern o). Essa demarcação
jã evidencia o quanto é errática a confu são entre “doutrina” e
“direito positivo”. Doutrina descreve, organiza o conhecimento da
linguagem de objeto, que são as normas jurídicas. Postula uma
verdade, aquela da dogmática (sistema externo) , segundo argumentos
lógicos, semânticos e programáticos, mas sem confundir-se
coma “interpretação” do direito (sistema interno), que
persegue a aplicação normativa, segundo critérios de validade. Os
métodos de interpretação têm fins práticos ou técnicos, concorrem
para criar a “norma jurídica” aplicável no caso concreto, mediante
critérios definidos pelas chamadas “normas de estrutura”, no que
até podem ter influência da doutrina, mas nunca mediante confusão
sistêmica entre os dois domínios.
O direito financeiro, como dogmática jurídica (ciência do direito),
ao descrever seu objeto (e, assim, construir o sistema externo),
queé o conjunto de normas jurídicas que direta ou indiretamente
regulam aatívidadefinanceira do E stado (sistema interno), tem
sua unidade forjada a partir da própria Constituição. Esta é a
diferenciação que permite a autonomia do direito financeiro, e
que se vê tanto mais fortalecida com a Teoria da Constituição
Financeira, pela unidade.
3 8 í DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
PARTE I —DO DIREITO FINANCEIRO Â TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
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Mas, afinal, por que a diferenciação e a redução de complexidades
são tão impor tantes na teoria dos sistemas?
Como viu muito bem Niklas Luhmann, a di ferenciação dos
elementos presta-se para determinar a unidade, completude e
coerência na organização estrutural dos sub sistemas, a partir
do aumento da complexidade de um dado sistema,7Em vista disso, a
auto-organizaçâp dos elementos, pelo referencial, dos objetos e
relações, garante sua unidade, com abertura aos demais sistemas
pela reflexividade e, em particular, com o sistema total.
O sistema jurídico (o sistema “total” em relação ao direito
financeiro) integra-se aos demais subsistemas (político, economia
etc.) e com o próprio sistema social.8E nunca se pode adotar
qualquer separação estanque entre sistema e subsistema, até porque
só se dá a divisão em virtude da complexidade do ordenamento,
que confere justificativa àquela partição especializada pela
diferenciação. Não se pode esquecer a contribuição de Edgar Morin
ao estudo da complexidade, ao dizer que “pensar a complexidade é
respeitar este tecido comum, o complexo que ele constitui, para
além das suas partes” 3
Desse modo, as antigas formulações doutrinárias que se debatiam
sobre a impos sibilidade de autonomia científica do direito
financeiro, a pretexto de que somente o direito (ordenamento total)
seria “autônomo”, cessam à luz da teoria dos sistemas.10 A
complexidade dos elementos em um dado sistema (direito positivo)
assume a função de motivo para justificar as possíveis
diferenciações sistêmicas. E isso porque, a partir da unidade do
ordenamento jurídico , podem-se “construir'’ tantos “sistemas”
quantos sejam necessários para funcionarem como redutores internos
da sua complexidade (sistema administrativo, sistema financeiro,
sistema constitucional etc.).
No caso do Sistema Constitucional Financeiro, sua unidade,
completude e coerên cia desvelam-se ainda mais, como atividade
financeira do Estado regida integralmente segundo a Teoria da
Constituição. É que no texto constitucional encontram-se
reunidos
7. Para Lu hm ann , o sistema total será sempre o “amb
iente” dos subsistemas derivados: “II siste ma complessivo
acquisisce allora Ia funzione di ’ambiente interno’ ríspetto ai
sotto-sistemi”. E prossegue: “La differenza sistema/ambiente
viene quindi replicata” (LUHMANN, Niklas. Sístemi sociaíí. F
ondamenti di wm teoria gene rale. Trad. Alberto Febbrajo.
Bologna: II Mulíno, 1990. p. 88-89) .
8. Cf. IRTI, Na talino, Uetà delia decodificazione, 3. ed.
Milano: Giuffrè, 1989. p. 72 e ss.
9. MOR IN, Edgar. Co mp lexida de e liberdade, ln: : PRIG OG INE,
Ilya. A sociedade em busca de valores. Lisboa: Piaget,
2000, p. 239-257,
4 0 DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO - T e o r i a d a
C o n s t i t u i ç ã o F i n a n c e i r a
todos os princípios, valores, competências e garantias definidores
do conteúdo do direito -financeiro. E, assim, pelo nexo de unidade
que essas normas promovem, renova-se com expressivo vigor o estudo
e a prática do direito financeiro.
2. Evolução teó rica do direito financeiro a partir da Ciência das
Finanças
As “finanças públicas” podem ser estudadas sob a ótica de distintas
disciplinas e métodos, todos de mesma dignidade, com resultados
válidos segundo a finalidade pretendida.
A origem etimológica do termo “financeiro” ou “finanças” foi sempre
de difícil determinação. Preferimos, porém, aquela oferecida por
Gerolamo Boccardo, ao escla recer que, na baixa latinidade,
Fínatio, F inantía, Financia, Finis (verbo finire)
significava período para pagamento de um débito, prazo de
adimplemento da obrigação, e daí advém sua origem. Mais tarde, no
século XIII, como assinala Graziani, “finis” passa a denotar
“transação” e, na Inglaterra, taxa ou pena pecuniária. A partir do
século XVI,51 autores alemães começam a atribuir um significado
pejorativo, como sinônimo de furto, fraude, rapina, usura. Na
França, porém, desde o século XV o termo “finança” sempre
significou “riqueza” à disposição dos governos. Diante da
influência francesa na formação dos estados modernos, essa
terminologia foi a que prevaleceu entre nós.
O “direito financeiro” deve muito da sua origem e elaborações
teóricas à “Economia Política” e à “Ciência das Finanças”. Foi a
partir dos avanços dessas disciplinas que o fenômeno jurídico pôde
prosperar.
A autonomia do direito financeiro em relação à Ciência das
Finanças, porém, não se evidenciaria de modo fácil. Essa distinção,
de certo, não se poderia efetuar apenas pela segregação entre mundo
do “dever ser”, no plano normativo (direito fin anceiro), e mundo
do “ser” (Economia Política e Ciência das Finanças), como se fosse
uma separa ção entre os objetos, até porque direito e economia, em
muitas hipóteses, operam com objetos “ideais”, enão se pode
descartar do normativismo o agir econôm ico do Estado.
O “direito financeiro” conquistou autonomia em face das
“Ciências das Finanças” e da “Economia Política”12 somente no
início do século XX, com obras de importantes autores alemães e
italianos, ao concentrarem-se sobre os princípios e regras
jurídicas
11. Ver: BOCCARDO, Gerolamo. I príncípí delia scienza e
ãelVarte delle finanze. Torino: Utet, 188 4. p. 2. De
igual mo do, ver: GRAZIANI, Augusto. Istítuzioní di scienza
delle fina nze. Torino: Fratelli Bocca Editori, 1897,
p. 12. É importante esclarecer que outros autores dão origens
diferentes ao term o, mas prefere-se aderir a esta proposição p or
ter m aior evidência às Fases terminológicas da nossa
cultura. Cf. MANGIAVILLANO, Alexandre. Le contribiiable et
VEtat Limpôt et la garantie constitudonneüe de
lapropríété (Allemagne - Fr an ce ). Paris: Dailoz, 20
13.
que ordenam a atividade financeira do Estado.13 Entretanto, do
final do século XIX ã primeira metade do século XX, foram
frequentes obras com título de “Ciências das Finanças”, mas de
conteúdo fortemente dedicado a aspectos jurídicos, numa entropia
metodológica que não se recomenda na atualidade.1'’
A evolução do direito financeiro, com distanciamento daqueles
conteúdos da “Economia Política” e da “Ciência das Finanças”,
variou muito por cada país e, passado mais d.e um século, não se
pode afastar a importância das recíprocas contribuições da
interdisciplinaridade vivenciada, em face da economia, da política
e do próprio direito.
Registre-se que não foram poucos os autores, no Brasil, que
sinalizaram com a necessidade de profunda mudança da doutrina em
relação à Ciência das Finanças. Bilac Pinto, por exemplo, em 1940,
insurgia-se contra a falta de autonomia e outros proble mas, revela
a crise de método e suas dificuldades em acompanhar as
transformações relevantes dos novos tempos, com crescentes
modificações econômicas, políticas e sociais, a impor ao Estado
Social reforma da sua organização político-admínistrativa e
promoção de intervencionismos multiformes para adaptação a esta
realidade.13De igual modo, Alfredo Augusto Becker,15 que foi
incisivo quanto à autonomia.
Para a juridicização da matéria financeira (pública), concorreram
os estudos de Laband, assim como as elaborações de Gerber e jellin
ek . Mais adiante, estas concepções iriam influenciar fortemente
Hans Kelsen, na formulação da sua teoria pura do direito, dentre
tantos outros.
PARTE I - DO DIREITO FINANCEIRO À TEORIA DA CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA
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política. 3. ed. Campinas: UNICAMP-IE, 1998; PAULANI, Leda M.
Mod ernida de e discurso econômico. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2005. 214 p.
13. Quan to à suce ssão de métod os e formas de estudo da atividade
financeira do Estado, resume Cosciani; “II termine scíenzci
delle finanz e è stato introdotto nel secolo XÍX, come
traduzione dei termine tedesco Fina
nzwíssenschaft. Successivamente Tinsieme dei temi eco-
notn ici riguardanti le entrate e le spese pubblíche ha avuto
diverse definizioni. Si è parla to di economia finan
ziaria (e, in lingua francese, di économ ie
financiered, e poi di finanza pubblica e di
economia del settore pubblico. Queste due definizioni sono
state diffuse nella letteratura anglo-sassone ( Public
Finance e Econom ics of the Public Sector) sostituendo
I’iniziale Science of Financ e. Piü recen te
è Ia definizione di Eco no mia Pubblica, che era già
stata usata da Joh ans en (Public Econom ics,
1965), ma che risale almeno a Cesare Beccaria (1769) e che si
riferiva agli studi di teoria econo m ica in generale”
(COSCIA NI, Cesare. Scíenza delle finanze. Torino:
Utet, 1991. p. 4).
14. Ricardo Lobo Torres fala em pluralismo
metodológico, a sugerir que a tarefa interpretativa
deveria utilizar-se de vários métodos ao mesmo tempo (raciona