8/3/2019 Dicas para uma anlise de conjuntura - Emilio Gennari
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Emilio Gennari
Dicas para uma
anlise de conjuntura
Ao reproduzir... cite a fonte.
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ndice:
Introduo 03
1. Fatos e Acontecimentos 04
2. Atores 07
3. Cenrios 10
4. Correlao de Foras 12
5. Como organizar a leitura de um jornal 14
6. O que um corte conjuntural 16
7. A sociedade no uma nau sem rumo 18
8. Tendncias, Acidentes, Manifestaes Subordinadas 21
9. Principais erros de uma anlise de conjuntura 22
10. A Revoluo Inglesa: um bom exerccio de anlise de conjuntura 24
Introduo.
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Quando abrimos um jornal ou ouvimos um noticirio, temos a impresso de que o mundo
uma verdadeira baguna. Os acontecimentos parecem no estar relacionados entre eles e o seu
caminhar aparenta ser to incerto quando o navegar de uma nau sem rumo.
primeira vista, a realidade pode ser comparada com um grande quebra-cabea cujas peas
amontoadas diante de ns vo compor uma figura que no conhecemos, que muda com o passar dotempo e que, exatamente por isso, torna mais difcil o nosso trabalho de separar e classificar as peas
para poder comear a mont-las.
s vezes, as dificuldades desta tarefa nos fazem experimentar um sentimento de resignao e
de impotncia diante do quotidiano a ponto de acharmos sem sentido o esforo de conhecer e
desvendar a trama das relaes sociais. Estamos to conformados com tudo o que passa debaixo
dos nossos olhos que acabamos alimentando a crena de que, um dia, o mesmo acaso que d vida
aos acontecimentos pode realizar tambm aqueles velhos sonhos que a dura realidade vem seencarregando de destruir.
As nossas atitudes mudam quando as injustias nos deixam indignados, quando o peso da
dominao faz crescer em ns o desejo de construir um mundo sem explorados e sem exploradores e
no qual haja um lugar para todas as pessoas, sem preconceitos e sem discriminao. Para dar os
passos que comeam a transformar o desejo em realidade, sentimos a necessidade de entender o
que est acontecendo na vida de todos os dias. S uma anlise profunda desse quotidiano vai nos
ajudar a avaliar cuidadosamente os erros e os acertos das nossas aes, a ter uma idia do
desenrolar dos acontecimentos e a levar as pessoas a perceberem que a histria no obra do
acaso, e sim o resultado de aes que respondem a interesses bem precisos.
Neste sentido, a anlise de conjuntura apenas um dos instrumentos com os quais podemos
ajudar os trabalhadores e as trabalhadoras da nossa sociedade a deixarem de ser expectadores que,
do alto da arquibancada da vida, danam ao som de msicas cujos ritmos e letras no escolheram,
para serem atores que, com a sua classe, constroem uma nova ordem social.
Eu sei que no fcil analisar e montar as peas que compem o quebra-cabea, mas este
o tipo do trabalho do qual no d pra fugir. Por isso, o jeito se armar de pacincia, ficar de olhos
bem abertos, identificar cada uma dessas peas e aprender a usar as ferramentas que nos ajudam a
encaix-las. Por isso, vire logo a pgina que as dicas j vo comear.
1. Fatos e Acontecimentos.
Para analisar o momento em que estamos vivendo, a nossa conjuntura, o primeiro passo
coletarmos as notcias que aparecem nos jornais, no rdio, na televiso e nos demais meios de
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comunicao. Imagine agora que cada notcia uma pea do quebra-cabea e est diante de voc
espera da sua anlise. Como j disse na pgina anterior, voc e eu no sabemos qual ser a figura
que vamos conseguir montar, mas a impresso que temos ao mexer com as peas que h notcias
que mais atrapalham do que ajudam ou que no acrescentam nada ao nosso esforo de entendermos
a conjuntura.
Por isso, o primeiro passo o de limpar a rea, ou seja, de separar os fatos dosacontecimentos. Ainda que na linguagem do dia-a-dia as duas palavras sejam usadas com o mesmo
significado, vamos chamar de acontecimentos aquelas cenas da novela da vida que tm um sentido
especial para um grande nmero de pessoas ou, at mesmo, para o pas, e de fatos as que so
importantes apenas para um grupo restrito.
Vou dar alguns exemplos: uma relao amorosa fora do casamento um fato, mas quando o
envolvido o Presidente da Repblica, sem dvida, passa a ser um acontecimento. Diariamente, so
realizadas centenas de cirurgias que procuram corrigir problemas nas articulaes das pernas, e isso
no passa de um fato corriqueiro. Agora, se o joelho a ser operado de um famoso jogador de
futebol, j assume o status de acontecimento. A morte de um ente querido um acontecimento para afamlia, mas, provavelmente, deixar a cidade e o pas na mais completa indiferena. Porm, quando
se trata da morte de uma pessoa ilustre, ser um acontecimento.
Realizada esta primeira distino e descartados os fatos, devemos classificar os
acontecimentos de acordo com a sua importncia para o momento que o pas est vivendo. bom
no se deixar enganar pelo tamanho das manchetes, pois elas tm a tarefa de levar o leitor a comprar
o jornal, mas nem sempre o seu tamanho proporcional ao peso que elas tm no presente e no
futuro do pas. s vezes, poucas linhas de p-de-pgina anunciando a chegada de uma crise
econmica num dos pases do continente esto bem mais carregadas de sentido e de conseqncias
para a conjuntura nacional do que a notcia do Oscar de melhor filme que ocupa um lugar de
destaque.
Apesar de todo jornalista jurar que est a servio da verdade, devemos sempre lembrar que
no existe uma forma neutra de apresentar os acontecimentos. Dois exemplos vo ajudar a refletir
sobre isso. Imagine que a praa principal da cidade onde voc mora amanhea abarrotada de
policiais e que por ela passem trs pessoas: uma senhora que est indo trabalhar, um batedor de
carteiras e um dirigente sindical que vai liderar uma passeata. Ao contar o que viu, provavelmente,
aquela senhora dir que se sentiu protegida contra a violncia que h tempo est tomando conta da
cidade e que a praa deveria amanhecer assim todos os dias. J o batedor de carteiras... bom... no
vai deixar de dizer que hoje a mar no est pra peixe e que vai ser melhor ele ir pra outro canto ou
tirar um dia de folga. O sindicalista, por sua vez, far a primeira falao da passeata dizendo que as
foras da represso esto querendo intimidar a manifestao do descontentamento popular. Apesar
de todos frisarem que a praa est cheia de policiais, cada relato vai incorporar o sentido que nossas
personagens do ao mesmo acontecimento e que est relacionado com seus interesses especficos.
O segundo exemplo muito familiar em poca de eleio, quando discursos aparentemente
iguais escondem posturas, entendimentos e encaminhamentos diferenciados em relao ao mesmo
problema. No devem ter sido poucas as vezes nas quais voc ouviu um candidato dizer que suas
idias e propostas so boas para a cidade ou para o pas. Diante de afirmaes como estas, quemanalisa a conjuntura deve se colocar sempre algumas perguntas: vo ser boas... para quem? Que
setores da sociedade sero realmente beneficiados pelas medidas que sero implementadas? Quem
ser chamado a pagar a conta?
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Contrariando as aparncias, o candidato em questo no est mentindo, pois algum
realmente sair ganhando. Acontece que para alcanar este objetivo ele deve conquistar antes o voto
popular. Por isso, apesar de todos os discursos sobre a tica na poltica, no agora que ele vai
reconhecer que est a servio de algum setor das elites e que a implantao de suas propostas vai
exigir medidas que ferem os interesses e as necessidades do povo simples.
Passando do exemplo para a realidade, voc deve lembrar o que aconteceu no Brasil quandoo governo federal decidiu intervir para salvar alguns bancos da falncia. Em nome da necessidade de
garantir o acesso aos seus depsitos bancrios aos pequenos correntistas e poupadores, o governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso gastou bilhes de Reais para cobrir com o dinheiro pblico
o rombo de instituies financeiras como o Banco Econmico, o Bamerindus e o Banco Nacional entre
outros.
Na poca, nos venderam a idia de que isso era bom para todos. Na verdade, nossos
ministros fizeram com que o Estado pagasse por uma dvida que no havia feito e transferiram para o
bolso dos banqueiros um grande volume de recursos pblicos que poderiam ser usados para
melhorar a educao, a sade, o transporte e a previdncia social. Feitas as contas, em nome dobem-estar da nao, quem saiu ganhando foi o capital privado que acabou comprando a baixo preo
bancos cujas finanas estavam totalmente saneadas e que, portanto, eram lucrativos. Ao mesmo
tempo em que os capitalistas sorriam felizes por estas novas oportunidades de investimento, o povo
amargava uma piora nas condies de atendimento s suas necessidades bsicas. O Brasil tinha
ficado bem melhor... para os banqueiros.
Como nossas fontes de informao, em geral, so os meios de comunicao controlados pelas
classes dominantes, fao questo de relembrar a importncia de no se deixar envolver pelo sentido
que elas do aos acontecimentos. A aparente neutralidade das reportagens e das crticas que so
veiculadas pela mdia no passa de uma forma pela qual determinados setores da elite procuram
fazer com que as pessoas interpretem a realidade a partir de seus mesmos valores e critrios de
anlise. Legitimadas suas posies, o aparente consenso popular ser usado para se fortalecer no
poder e implementar seus projetos. Da a importncia de fazer com que a anlise de conjuntura seja
capaz de reconstruir a trama e as causas dos acontecimentos que no aparecem primeira vista,
mas que necessrio resgatar para desmascarar as interpretaes dominantes.
Para dar conta deste desafio, devemos sempre lembrar que cada acontecimento o resultado
de uma srie de causas que foram se desenvolvendo ao longo da histria. Ou seja, ele tem um
passado que o produziu e o moldou para que ficasse desse jeito. Agora, uma vez feito isso, no
podemos esquecer que o que acaba de acontecer se transforma numa das causas que vo dar
origem a novos acontecimentos. Ficou difcil? No se preocupe, j vou explicar com um exemplo.
Com certeza, voc deve ter ouvido falar das ocupaes realizadas pelo Movimento dos Sem
Terra em sua luta pela Reforma Agrria. Como parte importante da conjuntura, elas so a resposta de
um nmero considervel de trabalhadores e trabalhadoras diante do processo de constante
empobrecimento ao qual foram submetidos ao longo destes anos, ora pelo aumento do desemprego
nas grandes cidades, ora pela expulso do homem do campo atravs de um violento processo de
concentrao de terra nas mos de um punhado de fazendeiros. Neste sentido, os integrantes do
MST no so invasores, e sim pessoas que escolheram determinadas formas de luta parareconquistar direitos que um dia foram arrancados de suas mos por patres e latifundirios. A
ocupao de uma fazenda, portanto, o resultado da soma desses elementos que foram aparecendo
e tecendo relaes ao logo do tempo.
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Cortado o arame farpado da cerca, levantados os barracos de lona preta, organizada a
resistncia e a vida dos acampados, a prpria ocupao da fazenda vai se tornar agora uma das
causas que vo dar origem a novos acontecimentos. A depender de sua fora, extenso e do apoio
popular recebido, ela poder acelerar o processo de assentamento, levar a uma represso violenta
por parte da polcia ou at mesmo fazer com que os fazendeiros da regio aumentem o nmero de
jagunos que obedecem s suas ordens.Como voc pode ver, a realidade no pra. Como dizia Gramsci, o presente , ao mesmo
tempo, o tmulo do passado e o bero do futuro, resultado final de uma srie de acontecimentos e
relaes e nova causa do que est por vir.
Diante destas consideraes, no faz sentido fazer com que a anlise de conjuntura se
preocupe em dizer se o que aconteceu bom ou ruim. Seja qual for a pea do quebra-cabea que
est sendo analisada, ela apenas uma parte necessria do todo. Ou seja, ela nada mais a no
ser a resposta que foi sendo construda por determinados atores sociais cuja histria levou a esta
forma particular de responder aos seus sofrimentos, anseios e sonhos. Portanto, no possvel ler os
acontecimentos a partir do se isso no tivesse acontecido... ou do se tivessem feito isso e aquilo...o resultado seria bem diferente. O objetivo da anlise no o de chegar a um julgamento moral, e sim
de compreenderpor que as coisas deram no que deram e como elas se relacionaram entre si.
Como toda ao que se desenvolve em nossa sociedade, a ocupao da fazenda, da qual
falvamos antes, vai resolver algumas questes e abrir outras que alimentaro o movimento da
conjuntura. , por isso, que devemos analisar profundamente este acontecimento apontando os seus
elementos, o sentido que ganham, as perspectivas de desenvolvimento e suas possveis
conseqncias. Afinal de contas, o que bom para a luta dos trabalhadores pode ser ruim para os
fazendeiros, ou vir a ganhar apoios tcitos e inesperados de outros setores da sociedade cujos
interesses tambm esto em jogo.
importante sublinhar que, raramente, a realidade nos apresenta uma relao direta e
imediata entre o acontecimento e as suas causas. s vezes, ela o resultado de um lento processo
de amadurecimento de diferentes situaes que se avolumam ao longo do tempo e, em seguida, se
manifestam em aes cuja qualidade e impacto superam os elementos que as prepararam. Vou usar
como exemplo a greve de ocupao da Companhia Siderrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ),
ocorrida no segundo semestre de 1988.
Ao conversar com os operrios alguns dias antes da sua ecloso, dificilmente um observador
externo quele ambiente poderia ter uma noo exata do que estava por ocorrer. De fato, a ocupao
da CSN foi o resultado de um intenso trabalho de organizao que envolveu milhares de contatos e
conversas com os operrios e suas famlias, centenas de aes levadas adiante no interior da usina
tanto pela diretoria do sindicato dos metalrgicos, como por grupos de trabalhadores que se reuniam
para planejar formas de manifestar seu descontentamento. Sem dvida, cada um desses
instrumentos era qualitativamente inferior forma de luta que acabou se concretizando. Mas, no dia-
a-dia do trabalho, todos eles foram transformando a revolta individual na necessidade de dar uma
resposta coletiva ao peso da explorao. O que parecia ser um raio num cu azul, na verdade, era o
resultado de um longo entrelaar-se de contatos, experincias, culturas e organizaes que levaram
anos para desembocar na greve de ocupao. Sem perceber esse contexto, seria impossvelentender a importncia desta greve e os desdobramentos que ele teve no interior da CSN, na Cidade
de Volta Redonda, nas relaes dos empresrios com o movimento sindical e no resultado das
prprias eleies municipais daquele ano.
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Os acontecimentos s no vo nos surpreender se os nossos olhos forem capazes de ler o
movimento da histria com seu entrelaar-se de interesses e contradies. Apesar das aparncias, o
momento presente no uma mera repetio do passado e, uma vez superado, nada voltar pura e
simplesmente ao que era antes. Todo acontecimento deixa novas pegadas que apontam novas
necessidades, novas relaes, novos problemas e novos desafios. Novosno por serem melhores do
que eram antes, mas to somente por apresentarem caractersticas prprias, diferentes das que semanifestaram em pocas anteriores. O quotidiano no uma fotografia na qual a expresso das
pessoas permanece inalterada apesar do passar do tempo, e sim um filme em constante movimento.
Ao apresentar determinados acontecimentos, a fita vai moldando e preparando novas peas do
quebra-cabea que caber a ns descobrir e encaixar.
2. Atores.
Classificados os acontecimentos, nossas atenes devem ser dirigidas para a anlise dos
atores. Apesar de no agirem de acordo com um roteiro pr-determinado, vou usar a palavra atorespara identificar os indivduos, os grupos, as categorias, as instituies e as classes sociais que atuam
no quotidiano desenrolar da histria.
A hiptese mais provvel de que as notcias nos trazem a presena de todos eles. Por isso,
o nosso esforo no pode se limitar a list-los, mas ter de definir que atores esto predominando na
conjuntura e porque eles ocupam uma posio de destaque. Esta tarefa essencial para poder
delinear melhor o momento presente e seus possveis desdobramentos.
A histria mostra que, em geral, as lideranas individuais emergem quando as instituies
esto em crise. No final da dcada de 80, por exemplo, na crise do Congresso Nacional, que se
aprofundava em funo das denncias e dos escndalos que iam aparecendo, assistamos
afirmao de um ator chamado Fernando Collor de Mello. O intenso trabalho da mdia fazia com que
suas idias, seu estilo de vida e o suposto compromisso de ser um verdadeiro caador de marajs
ganhassem apoio popular suficiente para eleg-lo Presidente da Repblica no segundo turno das
eleies disputado com Luiz Igncio Lula da Silva. Collor no era bem o que as elites queriam, mas,
na falta de algo melhor e diante da perspectiva ameaadora de um possvel governo de esquerda, foi
o quebra-galho que, momentaneamente, parecia garantir a sua reciclagem no poder. Ou seja, na
instabilidade gerada pela crise das instituies, caberia ao presidente eleito a rdua tarefa de construir
um novo equilbrio de foras e de fortalecer a confiana popular nos mecanismos e nas regras do
sistema.
A utilizao de expresses aparentemente neutras (modernidade, cidadania, combate
corrupo, levar o Brasil para o 1 mundo, etc.), aliada a apelos populistas que alardeavam aos
descamisados e aos ps descalos a possibilidade de um futuro melhor, pretendia mostrar que Collor
estava em sintonia com os anseios populares. Na verdade, estas mesmas expresses ajudavam a
criar um ambiente de consenso social no qual o povo simples no conseguia distinguir os interesses
que estavam sendo defendidos em cada uma das propostas que concretizariam as metas
anunciadas.
Como todo presidente, Collor no passava de um funcionrio chamado a administrar osinteresses das classes dominantes e a garantir a consolidao da ordem por elas exigidas. Mas
exatamente aqui que comeavam os problemas: sobre suas magras realizaes pesavam graves
acusaes de corrupo que, alm de corroer sua base de sustentao, agravavam o
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descontentamento popular que vinha se avolumando em funo do aumento do desemprego e do
arrocho salarial. Diante da crescente possibilidade de convulso social, havia chegado o momento de
trocar de funcionrio como forma de restabelecer a confiana nas instituies.
Na crise do indivduo, a pronta interveno do Congresso canalizava a revolta popular para o
processo de impeachment. Empossado Itamar Franco, o trabalho institucional garantia um perodo de
estabilidade econmica e poltica, controlada de perto pelas elites, e renovava as esperanaspopulares em dias melhores para o futuro.
Resumindo, podemos dizer que os indivduos emergem como atores principais da conjuntura
quando as instituies esto em crise, mas seu papel tende a ser de menor importncia quando estas
recuperam a confiana do povo no sistema. Por sua vez, na crise dos indivduos que seguravam as
rdeas no perodo anterior, as instituies tendem a assumir o papel que era por eles desempenhado.
A interveno de grupos ou de categorias sinaliza que setores da sociedade esto
evidenciando a necessidade de fazer evoluir os acontecimentos em direes opostas, ou apenas
complementares, quelas que so impressas pela ordem vigente. Frente a estas presses, a anlise
da realidade deve levar em considerao a extenso do movimento, sua capacidade de envolveroutros grupos ou setores da sociedade, at a que ponto ela expressa uma ruptura ou uma correo
de rota diante da poltica econmica conduzida pelas classes dominantes.
Dois exemplos vo ajudar a entender quando acabo de afirmar. O primeiro deles tem como
base a Campanha contra a fome e pela cidadania liderada pelo socilogo Herbert de Souza (o
Betinho) no incio da dcada de 90. Este movimento nasceu entre a classe mdia e, rapidamente, foi
envolvendo meios de comunicao, sindicatos, partidos, igrejas, movimentos populares, empresrios,
artistas, escolas, etc. A afirmao desta campanha no cenrio daquela poca no deve ser buscada
na novidade do problema, pois a fome e a misria h sculos estabeleceram suas moradas em nosso
pas, e sim no agravamento das possibilidades de ocorrncia de saques, quebra-quebra e outras
formas de revolta popular.
De acordo com as afirmaes de Jos Eduardo Andrade Vieira, ex-presidente do Bamerindus,
o Brasil estava deixando de ser um pas de pobres para se transformar numa praa de guerra de
miserveis. Neste contexto, ao incorporar formas de solidariedade que so corriqueiras no quotidiano
das grandes cidades, as classes dominantes fortaleciam no senso comum a idia de que a soluo
dos problemas sociais, gerados pela explorao capitalista, no estava na necessidade de mudar o
sistema, e sim na disponibilidade de cada um doar um pouco do que tinha para o bem de todos. Na
verdade, havia chegado a hora das elites perderem, momentaneamente, alguns dos muitos anis
para no correrem o risco de perder os dedos. Neste caso, a interveno de um grupo ganhava
ressonncia e apoio oficial por representar um instrumento eficaz na manuteno da ordem e ajudar a
superar um grave momento de tenso social.
O mesmo no aconteceu, em 1996, com a greve dos petroleiros assumida pela maior parte
dos sindicatos da categoria. A paralisao das refinarias era a resposta operria a um acordo
trabalhista no cumprido pela Petrobrs e, de quebra, s investidas da poltica econmica do governo
contra as classes trabalhadoras. Ainda que no chegasse a representar o incio de uma ruptura em
relao ordem dominante, o movimento dos petroleiros vinha questionar profundamente o ambiente
de aparente consenso social em torno das medidas adotadas pelo governo.Para as elites, era fundamental arrancar o mal pela raiz, impedindo que este tipo de ao
influenciasse outras categorias. Para alcanar este objetivo, a estratgia era simples: prolongar as
negociaes com os sindicatos enquanto se criava uma falta artificial de gs de cozinha que, ao
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atingir as camadas mais pobres da populao, alimentaria os atritos no seio das classes
trabalhadoras cuja revolta contra os petroleiros poderia at legitimar uma eventual ao repressiva.
Ao levar a greve para o isolamento, as elites conseguiam reabsorver o impacto dos protestos desta
categoria.
Este breve painel ajuda a evidenciar que, ao descrever a interveno dos grupos ou das
categorias, devemos estar atentos s razes que geraram suas manifestaes, perceber at a queponto suas propostas e aes questionam a ordem vigente, levantar as chances de conquistar
possveis aliados, as respostas das elites e as reais possibilidades destas incorporarem a interveno
dos grupos ou de lev-los a uma situao de isolamento. Traado este quadro, ser mais fcil analisar
as potencialidades dos acontecimentos gerados pela ao destes atores, pois ele nos permite dizer
se representam um processo de luta que tende a se ampliar, um momento isolado da conjuntura ou
um simples sinal de alerta que pode ser assimilado pelo sistema.
A presena das classes como ator dominante denota o agravamento da situao de tenso e
de crise social. diferena dos saques e dos quebra-quebras que, em geral, so expresses
espontneas de descontentamento cuja conteno no exige mudanas profundas na poltica e naeconomia, a interveno organizada das classes revela uma ttica e uma estratgia que apontam
para a necessidade de alteraes mais consistentes.
A histria do Brasil j registrou vrias ocasies deste tipo. Entre elas, vou lembrar aqui a onda
de greves que varreu o pas entre 1978 e 1979. Encurralada pelo evidente fracasso do milagre
econmico e pelo ascenso das lutas operrias, a ditadura militar mergulhava numa crise cuja
superao exigia mudanas profundas. Preste ateno, quando falo em mudanas profundas no
significa que o sistema capitalista estava prximo do seu fim e sim que as instituies da poca no
conseguiam se legitimar perante a populao, o que vinha dificultar a manuteno da ordem. Era
necessrio mudar tudo... para que tudo continuasse do jeito que estava.
Parece contraditrio, mas no . As palavras do Coronel Geraldo Cavanhari publicadas na
revista Senhor, em dezembro de 1987, ajudam a entender a lgica com a qual as elites dirigiram o
processo de mudana. Ao falar sobre o ltimo perodo da ditadura militar, ele diz que a abertura
democrtica no foi desencadeada com o propsito de construir a democracia. O processo foi
concebido para operar com segurana a institucionalizao do autoritarismo, mas de natureza civil. A
soluo encontrada foi ampliar o espao de competio pelo poder do Estado, renovando
periodicamente a insero da sociedade civil neste jogo. Ou seja, a abertura democrtica no
implicava no incio de um processo graas ao qual as pessoas iriam ter espao para debater e
participar diretamente das decises que constroem o futuro do pas, mas seria apenas o momento a
partir do qual os cidados poderiam eleger os governantes que, usando formas autoritrias, se
encarregariam de aprofundar a explorao. A diferena que, agora, o povo seria livre de escolher os
seus algozes.
Se voc quiser uma prova da veracidade das afirmaes do Coronel Cavanhari pense nas
perdas salariais que se acumularam do governo Sarney at os nossos dias ou no nmero de medidas
provisrias que foram promulgadas por nossos presidentes. Por falar nelas, os jornais dizem que,
durante o mandato de Jos Sarney, as medidas provisrias foram 147, subiram para 160 nos anos do
governo Collor, chegaram a 505 no perodo em que ele foi substitudo por Itamar Franco ealcanaram o patamar de 3.532 nos primeiros cinco anos de Fernando Henrique Cardoso.1 Somando
a estes dados o fato de que o Congresso da Unio trabalhou muito pouco em termos de discusso do1Dados publicados em Adriana Vilella, Senadores aprovam restrio s MPs, em Gazeta Mercantil 04/01/99.
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contedo destas medidas, d pra dizer que a poltica continuou sendo seqestrada da vida das
pessoas e que ela foi limitada eleio deste ou daquele candidato. Isso faz com que a tal da
democracia se parea mais com a postura imperial de um Presidente da Repblica ou, no mximo,
com um cheque em branco entregue a um grupo que se define como legtimo representante da
vontade do povo.
A leitura destas linhas j deve ter feito voc entender que s um estudo atento dosacontecimentos e dos atores neles envolvidos capaz de fornecer um nmero maior de elementos
que ajudam a delinear os rumos da conjuntura. Por isso, guarde com carinho todas as ferramentas
que j foram apresentadas, d uma boa espreguiada e se prepare porque vem a a anlise dos...
3. Cenrios.
Os acontecimentos do dia-a-dia se desenvolvem em determinados espaos que podem ser
considerados como cenrios. Estou falando, por exemplo, do Congresso Nacional, das Assemblias
Legislativas, das Cmaras de Vereadores, dos gabinetes e dos corredores destas instituies, dasruas, das praas, das avenidas, dos ptios das empresas, dos tribunais e assim por diante. Mais uma
vez, a anlise no deve limitar-se a dizer em que cenrios se desenvolve a conjuntura, mas deve
identificar com a maior preciso possvel se as aes esto acontecendo prioritariamente em campo
aberto, nas instituies ou nos crculos restritos do poder. Um exemplo vai ajudar a entender melhor
esta questo.
Em geral, quando as manifestaes de descontentamento popular tomam conta das ruas, das
praas, dos ptios das empresas ou dos prdios pblicos, elas tendem a ganhar contornos
imprevisveis. Este fato preocupa as classes dominantes que se vem obrigadas a responder aos
conflitos sociais em campo aberto, onde o menor erro pode ampliar os enfrentamentos e desmascarar
atitudes que vinham sendo negadas pelos senhores do poder.
Sabendo disso, no deve nos surpreender que a primeira tentativa das elites justamente a de
criar as condies que permitem deslocar o cenrio do conflito para ambientes onde vai ser mais fcil
control-lo: o parlamento, os gabinetes, os bastidores, os tribunais e os demais fruns de
representao que excluem ou, ao menos, inibem a ao direta.
Como? Deixa ver se entendi direito. Voc est dizendo que esta no uma exclusividade da
elite e que as prprias lutas nos locais de trabalho tm caminhado no sentido de fazer com que a lei
transforme em direitos os objetivos dos movimentos reivindicatrios? Ser que esta uma
demonstrao de que todos os sindicatos esto a servio da ordem? Quer dizer que uma lei que vem
reconhecer as conquistas obtidas, s vezes, em anos de enfrentamento pode ser algo to ruim
assim?
Perguntas como estas revelam que ainda est difcil perceber a realidade como um filme em
movimento e que, ao v-la como uma fotografia, enxergamos o bem s de um lado e o mal de
outro. O maior problema desta maneira de interpretar a histria que ela nos impede de perceber o
conjunto de contradies que produzem o desenrolar dos acontecimentos e a forma pela qual elas
so constantemente atualizadas pelos prprios acontecimentos e pelos atores que agem no dia-a-dia
da vida em sociedade. Em outras palavras, no conseguimos perceber que os elementos que, deincio, deram origem e alimentaram um determinado momento histrico, proporcionando o seu
desenvolvimento, em seguida podem se transformar em obstculos do mesmo. Sim, eu sei que no
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fcil ver as coisas desse jeito, mas vamos voltar questo que colocvamos algumas linhas atrs
para que eu possa explicar isso melhor.
A histria nos diz que, muitas vezes, a luta para inscrever na lei a reduo da jornada de
trabalho, ou o reajuste dos salrios de acordo com o aumento do custo de vida, deu origem a um
processo que congregou pessoas e levou criao e ao fortalecimento de organizaes de base. Em
outras palavras, ela foi a bandeira em torno da qual se realizaram greves, passeatas, manifestaes eprotestos que obrigaram as classes dominantes a reconhecerem direitos at ento negados. Repare
que nestes casos a fora da ao direta exerceu uma presso to grande sobre as elites que estas
viram no reconhecimento legal de um direito o nico caminho possvel para fazer refluir os
movimentos e para no se desmascararem totalmente perante a populao trabalhadora.
Mas, como dissemos antes, tudo aquilo que, de incio, ajuda... depois pode atrapalhar. De fato,
aprovada a norma que reconhece um determinado direito, o tribunal passa a ser o ambiente para o
qual as classes dominantes tentam fazer refluir todas as discusses sobre os casos de no
cumprimento das normas vigentes. Neste cenrio, a revolta e o descontentamento de trabalhadores e
trabalhadoras podem ser administrados formalmente sem sobressaltos e sem imprevistos.A lei que, de incio, tinha sido um plo aglutinador para um setor da sociedade, agora se
transforma no seu contrrio, ou seja, num empecilho que impede o avano das lutas. Em funo
disso, no podemos dizer que ela foi boa e agora m. Ela apenas constituiu um momento
necessrio de um determinado desenvolvimento histrico que agora deve ser superado. Isso exige,
por exemplo, que as lideranas do movimento operrio sindical no se submetam aos limites da
legislao vigente, mas, ao relacion-la com os mecanismos de explorao, abram os olhos dos
trabalhadores para a necessidade de destruir a dominao cujo peso havia sido momentaneamente
aliviado pelo reconhecimento legal de um direito.
No sei se voc percebeu, mas o primeiro momento da luta j trazia em si vrios elementos
complicadores. De fato, o reconhecimento legal de um direito quase sempre acaba fortalecendo nos
trabalhadores a idia de que o horizonte mximo de suas reivindicaes pode se limitar a uma
negociao mais favorvel do salrio e dos benefcios e que agora os tribunais, por si s, vo se
encarregar de fazer justia. Por incrvel que parea, a vitria ajuda a consolidar a percepo de que o
sistema capitalista, em si, bom e que o nico problema justamente o de ir ajustando os
mecanismos de retribuio do trabalho. Mas, num segundo momento, as novas investidas dos
capitalistas se encarregam de recolocar na ordem do dia uma velha questo que deve ser novamente
respondida pelas organizaes dos trabalhadores: vamos nos limitar a controlar as conseqncias
negativas do sistema ou a nossa ao deve destruir as causas que produzem ricos cada vez mais
ricos e pobres cada vez mais pobres?
Voc j deve ter percebido que cada nova ferramenta, acompanhada pelas dicas que
possibilitam a sua melhor utilizao, nos ajuda a perceber os limites, as possibilidades, os empecilhos
e a teia de relaes que esto presentes em cada acontecimento, mas que no so visveis a olho nu.
Por isso, para aprimorar a anlise dos cenrios, bom no esquecer de fazer tambm uma avaliao
do clima que permeia o ambiente onde se desenvolve o quotidiano da histria. Por exemplo, uma
passeata que vai ocupando as ruas da cidade num clima tenso, cheio de provocaes e presses por
parte das foras policiais, aponta para respostas, projetos e preocupaes da elite que se distanciamdas atitudes por ela demonstradas durante as manifestaes populares pela cassao do ex-
presidente Collor ou at mesmo na campanha das Diretas J!. Naquelas situaes, a presena da
polcia no tinha um carter de ameaa, mas somente o de garantir que tudo acontecesse sem
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sobressaltos. Apesar do povo estar ocupando um cenrio aberto e imprevisvel, a sua ao respondia
necessidade que as classes dominantes tinham de legitimar nas ruas o poder de barganha a ser
usado para ampliar suas fatias de poder. Nesse caso, o descontentamento popular fazia com que o
povo se tornasse bucha de canho nas mos de seus dominadores.
Sim, eu sei que esse negcio de uma coisa poder se transformar no seu contrrio chega a dar
at dor de cabea e que o fato de cada acontecimento trazer em si os elementos que podememperrar o seu desenvolvimento posterior pode parecer complicado demais, mas a vida movimento
e deve ser analisada como tal. No d pra parar o mundo, mas imprescindvel conhecer o que,
como, porque, quando e de que lado o faz girar para poder mudar e reorientar o sentido das coisas.
Por isso, no desanime, tome um caf que o prximo captulo promete... mais trabalho para todos
ns.
4. Correlao de foras.
Ao agirem no quotidiano da histria, os atores vo tecendo determinadas relaes. s vezes,se trata de algo estvel, duradouro. s vezes, isso no passa de uma convenincia que, apesar de
aplaudida naquele momento, pode ser rechaada logo em seguida. Mas h tambm os casos em que
encontramos as foras que agem na sociedade numa situao de co-existncia pacfica, de
dominao ou at mesmo de subservincia. Conhecer a cada momento a postura e as aes de cada
um dos atores perante os demais algo decisivo para poder desenhar os desdobramentos que os
acontecimentos esto preparando.
Como j fiz em ocasies anteriores, vou dar o pontap inicial com um exemplo. Olhe para uma
cadeira que est parada sua frente e me diga: quantas foras esto agindo sobre elas? Como
ningum est mexendo com ela, a resposta parece lgica: nenhuma. primeira vista, a ausncia de
movimento no permite ver que a cadeira est sendo submetida a duas foras opostas: a da
gravidade, que a mantm grudada ao solo, e a resistncia do piso que a ela se ope impedindo que a
cadeira afunde. O fato de ela estar parada indica que ambas as foras esto numa situao de
equilbrio, e isso d a falsa impresso de que no h nada agindo sobre a cadeira. Mas o que os
nossos olhos no conseguem ver de imediato, revelado pela anlise atenta do que est por trs
desta ausncia de movimento.
Feitas as devidas propores, podemos dizer que na nossa sociedade acontece algo parecido
quando temos a impresso de que a conjuntura est parada e que, de conseqncia, os atores esto
deixando de agir. Na realidade, no assim. Para ver isso mais de perto, observe agora uma fbrica
num dia normal de trabalho. Tudo est funcionando de acordo com as regras: o patro manda, os
operrios obedecem, a chefia cumpre com o seu papel de controlar a execuo do servio e assim
por diante.
primeira vista, ningum pode dizer que neste ambiente esto agindo duas foras com
interesses opostos: o capital e o trabalho. Como, no momento, ambas esto em equilbrio, temos a
falsa impresso de que a sua unio e convivncia pacfica no ambiente fabril se deve ao fim da
explorao que as tornava antagnicas. Uma anlise mais atenta nos ajuda a perceber que a
situao de equilbrio pode ter sido alcanada graas a movimentos que, sem eliminar osfundamentos do sistema, anestesiam os elementos que poderiam detonar o conflito. Estou falando,
por exemplo, de uma aliana temporria entre o patro e os trabalhadores para alcanar uma
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determinada meta de produo em troca de uma participao nos resultados da empresa. Ou, ainda,
de uma total submisso dos operrios em funo da ameaa de cortes no quadro de funcionrios.
Este equilbrio tende a ser mais duradouro quando os trabalhadores esto convencidos de que
a aliana com o patro o nico caminho que pode lev-los a um futuro melhor. Mas ele ser mais
breve, frgil e facilmente desgastado pelas prprias aes de resistncia dos empregados se tiver
sido alcanado atravs da represso ou da ameaa de demisso.Olhando agora para os acontecimentos da conjuntura, nossos esforos devem ser dirigidos
para identificar:
1. As foras que estabeleceram uma aliana temporria ou permanente e as razes desta
aliana.
2. As que se mantm em aberta oposio, as formas pelas quais vm manifestando este
antagonismo e as reais possibilidades delas realizarem uma crtica contundente s aes da
elite.
3. As foras que esto numa situao de equilbrio e a forma como este foi alcanado, por
aliana ou por total submisso dos opositores.Para cumprir esta tarefa, s temos um caminho: avaliar a cada momento os interesses
imediatos e de longo prazo dos atores que agem na conjuntura e a maneira pela qual se materializam
nos acontecimentos do dia-a-dia. S assim, podemos entender, por exemplo, porque os diferentes
setores das classes dominantes, volta e meia, brigam entre si no interior de um governo que est
sendo dirigido por eles.
Ao contrrio do que pensamos, a elite no um bloco homogneo e sim uma composio de
foras cujo equilbrio depende de sua importncia e de sua expresso na sociedade, da capacidade
de organizar sua base de sustentao e de desarrumar a casa de seus opositores. Nesta disputa,
onde est em jogo uma fatia maior de poder e, portanto, de acesso riqueza nacional, uma briga
interna pode estar sinalizando que o velho equilbrio vai passar por um perodo de transformao ou,
mais simplesmente, que aquele determinado grupo est tentando aumentar o seu poder de barganha
obrigando outro a concesses que, no momento, no estavam previstas.
Outro elemento que no pode passar desapercebido na nossa avaliao da correlao de
foras, dado pelas fontes que sustentam a legitimidade do grupo que se encontra no poder. Entre
elas, as principais so: o apoio popular, a maioria dos votos no parlamento e o uso da coero pela
interveno direta das foras armadas.
Cada um destas fontes aponta para uma diferente estratgia de conduo da poltica por parte
das elites. Por exemplo, enquanto Fernando Collor de Mello, sem maioria estvel no Parlamento,
buscava alicerar os seus desmandos no apoio popular, Fernando Henrique Cardoso optou pelo
caminho oposto. Consciente da queda de seu prestgio junto ao povo em funo dos efeitos de sua
poltica econmica, das reformas constitucionais e das denncias de corrupo, suas preocupaes
se dirigiram no sentido de manter aberto, a qualquer custo, um canal de comunicao e negociao
com sua base de sustentao no Congresso Nacional. Desta forma, ele garantia os votos necessrios
para aprovar os projetos que interessavam a amplos setores da elite sem dar muita bola queda dos
ndices de popularidade.
Contrariando as aparncias, a utilizao das polcias ou do exrcito para aes repressivasno um sinal de fora e sim de fragilidade do bloco no poder. A coero se torna um meio
indispensvel para manter a ordem quando as classes dominantes j no conseguem convencer as
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massas de que o seu projeto de sociedade o nico capaz de realizar seus anseios e atender suas
necessidades.
Ainda que todo convencimento seja sempre encouraado por formas abertas ou disfaradas
de coero, o uso da fora para reprimir o descontentamento o reconhecimento de que os
problemas e as contradies sociais amadureceram a tal ponto que os meios democrticos j no
conseguem alcanar um equilbrio entre os setores que compem a sociedade. A mesma democraciaque possibilitou um perodo de explorao e acumulao torna-se agora um empecilho e cede o lugar
ditadura. Nela, o lobo despe da pele do cordeiro e assume sua verdadeira identidade para tentar
destruir ou pelo menos, enfraquecer as foras que se ope sua dominao. Vejo que voc est
coando a cabea. O que disse? Que vai ser difcil lembrar de todas estas ferramentas e dicas que
esto sendo dadas?
No se preocupe. Tente utiliz-las pouco a pouco durante a leitura do jornal ou ao ouvir um
noticirio. Eu sei que agora voc est se sentindo meio perdido, como se estivesse no seu primeiro
dia de trabalho onde tudo parece estranho, complicado e hostil. Assim como hoje voc tira de letra
aquelas tarefas que pareciam impossveis, a mesma coisa vai acontecer com o seu esforo deanalisar as conjuntura. Estudando e praticando, tudo se torna mais fcil e compreensvel.
Para agilizar o trabalho de coleta das notcias que aparecem de forma desordenada e
dispersa, vai aqui um captulo inteiro sobre...
5. Como organizar a leitura de um jornal.
Agora que voc tem uma noo geral do que precisa ser pesquisado e analisado, vou
apresentar algumas dicas que facilitam o trabalho de coleta das informaes atravs dos jornais e dos
noticirios.
A experincia ensina que, no lugar de recortar e arquivar as matrias, mais proveitoso que
voc organize num caderno um resumo dos dados econmicos e dos principais acontecimentos
polticos nacionais e internacionais. Ainda que por suas influncias e relaes no seja possvel dividir
estes blocos em compartimentos estanques, no campo da economia bom se preocupar em registrar:
As linhas mestras da poltica econmica do governo.
O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do pas e a participao de cada atividade
econmica na formao desse ndice.Os investimentos pblicos e privados: quantidades,
origens dos capitais e setores em que so investidos.
A evoluo das dvidas interna e externa e, sobretudo, quanto pago em juros e
amortizaes.
A situao dos principais setores produtivos (indstria, extrao mineral, agricultura, pecuria,
construo civil, transporte) tanto em termos de produo de bens e de suas potencialidades
de desenvolvimento, como perante os desafios da concorrncia internacional.
As condies em que se encontra o setor de servios e sua participao na economia.
Os recursos naturais que esto sendo explorados e os que ainda no foram aproveitados.
A situao da Infra-estrutura: estradas, ferrovias, portos, aeroportos, fontes de energia,
sistemas de telecomunicao.O comrcio exterior: fluxo de importaes e exportaes, tipo deprodutos, quantidades, pases que compram nossas mercadorias e que vendem ao Brasil o
resultado de sua produo.
A distribuio da populao e os fluxos migratrios.
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Os nveis de salrio, a variao do custo de vida, do emprego e do subemprego.
A poltica fiscal: tipo de impostos, incidncia e sua utilizao pelo Estado.
As classes sociais: sua localizao no sistema produtivo, grau de homogeneidade, atuao
poltica, organizao em partido, processos que levam formao de novas classes e grupos
sociais ( o caso, por exemplo, dos que foram chamados de excludos).
A histria econmica do pas ou da regio que est sendo analisada.
Aparentemente, o levantamento destes dados transforma a conjuntura num emaranhado de
movimentos e relaes entre mercadorias que parecem ganhar uma vida independente dos seres
humanos. Por isso, sempre bom lembrar que sem a ao dos homens e das mulheres no haveria
histria. O estudo da estrutura econmica da sociedade ajuda a compreender o ambiente e os limites
que condicionam esta ao que alicerada em interesses bem definidos. Ou, como diz Marx no
Dezoito de Brumaio, os homens fazem a histria, mas no a fazem como querem, sob circunstncias
de sua escolha, mas naquelas com as quais se defrontam e que lhes so transmitidas pelo passado.
Por isso, o nosso esforo no deve deixar escapar os acontecimentos que se desenvolvem nocampo da poltica e da formao de um determinado consenso social em torno dos projetos das
classes dominantes. Para dar conta desta tarefa, registre no caderno tambm os dados sobre:
Os setores sociais que esto direta ou indiretamente representados por ministros, secretrios e
assessores de governo que controlam o ncleo estratgico da burocracia do Estado no interior
da qual se decidem os rumos do pas.
Os partidos polticos: a composio de sua base parlamentar, os setores sociais que so por
eles representados, as alianas e os projetos que esto sendo discutidos e viabilizados.
A composio do eleitorado e a tendncia de voto.
As organizaes dos trabalhadores e as da classe dominante: seu desenvolvimento,
interesses, projetos polticos, reivindicaes, a correlao de foras no interior destas
entidades, as relaes que elas mantm com suas bases, com seus adversrios, com as
massas populares e com organismos internacionais do mesmo tipo.
As foras organizadas da sociedade civil: movimentos populares, igrejas, organizaes
assistenciais e no governamentais. Delas, devemos mapear os objetivos, as estratgias de
interveno, as contradies e o tipo de insero na realidade local.
As correntes culturais e suas relaes com os interesses das classes dominantes.
Os meios de comunicao: seus vnculos com setores econmicos e polticos, o sentido dado
aos principais acontecimentos, os valores, as idias e as formas de comportamento que
tentam consolidar no senso comum.
A propaganda oficial das realizaes governamentais.
A situao da escola: leis e orientaes que regem o ensino, grau de participao popular e
efetivas possibilidades de mudanas no ambiente escolar e nas linhas pedaggicas adotadas.
Nunca demais lembrar que a anlise de conjuntura no pode limitar-se a resumir e a ordenar
aquilo que os atores sociais dizem de si mesmos e de suas aes, mesmo porque um batedor decarteiras nunca diria que se sente seguro numa praa cheia de policiais. Nossos esforos devem
relacionar a cada momento as mudanas, os conflitos, os problemas e as contradies que se
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manifestam na sociedade com as formas pelas quais os atores tomam conscincia desses elementos
e encaminham a sua soluo.
Isso vai nos ajudar a perceber at a que ponto as suas respostas se limitam a corrigir sintomas
ou se preocupam em ir raiz dos problemas e a delinear os caminhos pelo quais as elites mantm a
sua dominao e chegam at mesmo a ganhar o apoio das prprias classes trabalhadoras. O fato de
conhecer profundamente o como e o porqu das coisas, vai nos ajudar a preparar as mudanasque se fazem necessrias para colocar o ser humano, e no o lucro, no centro das preocupaes da
vida em sociedade.
Dito isso, seria um erro acreditar que possvel traar uma anlise de conjuntura sem levar em
considerao o panorama internacional no qual se insere a realidade do pas. No uma novidade
para ningum o fato de que o Brasil se encontra numa situao de dependncia em relao s
polticas econmicas traadas pelos pases do primeiro mundo e sofre as conseqncias de suas
decises. neste sentido que, alm do quadro poltico e econmico nacional, a nossa coleta de
informaes dever incluir:
A situao econmica e os investimentos nas e das grandes potncias (Estados Unidos,
Alemanha, Japo, China e Rssia) e nos principais pases da Amrica Latina (Mxico e
Argentina).
Os dados sobre a produo de mercadorias de grande importncia para a economia mundial
(petrleo, produtos agrcolas, minrios, etc.).
As projees e as medidas que vm sendo apresentadas e implantadas por organismos
internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a Organizao
Mundial do Comrcio.
As lutas e a postura das classes trabalhadoras desses pases.
Ao levar adiante o trabalho de coleta de dados, no se deixe orientar s pela preocupao de
descrever o desenrolar dos acontecimentos, mas procure sempre investigar as relaes que no so
visveis primeira vista, mas que podem ser desvendadas atravs do resgate da histria. Ao
questionar a realidade em suas manifestaes, vrias peas do quebra-cabea que pareciam inteis
ou redundantes podem comear a fazer sentido e a abrir o acesso a aspectos do quotidiano que, por
ficarem ocultos, impediam de relacionar cada parte com o todo e o todo com cada uma de suas
partes.
6. O corte conjuntural.
s vezes o jornal to rico de acontecimentos que voc pode achar que j tem todos os
elementos para entender a realidade e delinear os seus futuros desdobramentos. Ainda que as
notcias sejam recheadas de dados que nos levam a dar alguns passos nesta direo, provavelmente,
as projees que elas permitem fazer so bem limitadas, incautas e sofrem da falta daqueles
elementos que j vinham marcando presena na histria e que necessrio resgatar com o devido
cuidado.Em outras palavras, como se voc tentasse avaliar o desempenho de um time de futebol e
opinar sobre o possvel resultado do jogo somente a partir da imagem congelada de um zagueiro que
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est passando a bola. Para alm da descrio de tudo aquilo que acontece nesta cena, qualquer
palpite seria puto chute.
Ao analisar a ao do zagueiro, voc vai perceber que faltam respostas s perguntas que
poderiam orientar as suas previses: h quanto tempo o jogo comeou? Qual resultado parcial?
Qual a situao dos dois times no campeonato? Qual tem sido o desempenho dos atacantes, da
defesa e dos goleiros de ambas as equipes? Estamos no final ou no incio do campeonato?Ou seja, para projetar com certa preciso o resultado do jogo, fundamental que ele seja
entendido e estudado dentro de um processo maior que est em movimento e do qual a cena do
zagueiro apenas uma parte que, ao mesmo tempo, produto deste processo e produtora de
elementos que iro atualiz-lo e daro origem a outras jogadas.
Voltando para a anlise da realidade, podemos dizer que a conjuntura um momento de um
perodo histrico que vem se desenvolvendo e est alicerado numa estrutura econmica, poltica e
social que se insere num determinado contexto de relaes internacionais. Quanto mais prolongado
for o momento conjuntural que est sendo estudado, maiores sero as chances de projetar os
acontecimentos que se aproximam.Mas, ser que depois de uma semana j vamos ter elementos suficientes para fazer isso?
Talvez sim, talvez no. No existe um corte conjuntural que possa ser considerado padro, pois as
mudanas da conjuntura podem ocorrer em anos, meses, semanas, dias e at mesmo horas. A
alterao da poltica econmica do governo ou a ecloso de um golpe militar, por exemplo, podem
alterar o momento presente em tempos e ritmos diferenciados.
Enquanto o perodo histrico pode ser medido em anos ou dcadas e o movimento das
estruturas se processa em prazos ainda mais amplos, a conjuntura sofre constantemente pequenas e
grandes alteraes que ora consolidam de uma forma qualitativamente diferente o resultado de
longos anos de evoluo de determinadas opes no campo da economia, da poltica, da formao
do consenso social, ora projetam desafios que exigem respostas imediatas.
Uma dica para comear com o p direito pode ser esta: depois de analisar os jornais da
semana, com base nas suas observaes, tente escrever em poucas linhas o possvel desfecho dos
acontecimentos. Na semana seguinte, voc ter duas tarefas. A primeira ser ainda a de coletar e
estudar os acontecimentos. A segunda, a de avaliar at a que ponto as suas previses se
concretizaram e quais so os elementos da realidade que, por estarem faltando ou no terem sido
levados em considerao, ajudaram a produzir os erros que voc est constatando. Com base neste
trabalho, o fim de semana aguarda uma nova rodada de projees para o futuro iminente.
Alm de aprimorar uma disciplina de estudo e a capacidade de observar a realidade, pouco a
pouco, todo este esforo vai ajudar a perceber como cada elemento da conjuntura , ao mesmo
tempo, o resultado do desenvolvimento do perodo histrico e das estruturas e um agente que
contribui para atualizar e fazer progredir este ambiente que o produziu.
Para explicar isso melhor, vou usar como exemplo o Plano de Obras Pblicas, iniciado por
Vargas em 1939, que teve entre suas principais realizaes a construo da hidroeltrica de Paulo
Afonso, da Companhia Siderrgica Nacional e a criao da Companhia Vale do Rio Doce. Fruto da
resposta aos desafios impostos ao Brasil pela crise de 1929, (conhecida como Crise do caf) o
Plano vinha sacramentar uma nova forma de interveno do Estado na economia ao mesmo tempoem que alterava a estrutura produtiva do pas.
Alm de servir para consolidar a ditadura do Estado Novo de Vargas, a sua progressiva
realizao oferecia indstria as condies necessrias para elevar a sua participao na produo
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da riqueza nacional e fortalecer o poder de seus representantes no interior do grupo dominante. Com
sua importncia econmica reduzida, os cafeicultores perdiam espao enquanto a burguesia industrial
aumentava o seu peso e a sua influncia nas decises que eram tomadas pelos vrios rgos do
Estado.
Bom, se verdade que uma anlise completa das causas e dos efeitos gerados pelos
acontecimentos s possvel aps um certo perodo de tempo, tambm verdade que o esforo derelacionar a conjuntura com o perodo histrico e o desenvolvimento das estruturas nos ajudar a
visualizar os caminhos do futuro e a aprimorar os instrumentos que nos permitem transform-los.
Sabendo disso, vou usar as prximas pginas para esboar melhor os elementos que pem em
movimento a realidade do dia-a-dia.
7. A sociedade no uma nau sem rumo.
Mesmo que, primeira vista, os acontecimentos que se desenrolam sob os nossos olhos
parecem ser obra do acaso, voc j deve ter percebido que as mos que tecem a trama das relaessociais pertencem a atores que tm uma identidade, um papel e interesses bem definidos. Em outras
palavras, para podermos analisar a conjuntura, precisamos sempre levar em considerao os eixos
centrais que comandam o funcionamento da nossa sociedade: as contradies do sistema capitalista.
Acontecimentos, atores e correlao de foras so, ao mesmo tempo, produto e produtores de
uma realidade que, no capitalismo, orientada pela obteno e acumulao de lucros nas mos dos
donos dos meios de produo que se apropriam da maior parte da riqueza produzida pelo trabalho
coletivo da sociedade.
em torno desta contradio central que, a nvel econmico, poltico e da formao da
conscincia social, se constroem blocos de interesses. Os que querem que as coisas continuem como
esto se unem e desenvolvem determinadas relaes com ou contra os que querem mud-las. O
resultado o desenrolar dos acontecimentos.
Para ter uma anlise de conjuntura, alm de lembrar o rumo que orienta as aes dos grupos
no poder, necessrio pesquisar e estudar que outras contradies so produzidas no quotidiano das
classes sociais pela acumulao capitalista e como as elites procuram garantir sua mxima expanso
e fortalecimento ao mesmo tempo em que coordenam seus interesses com os das classes
subalternas. Ficou difcil, no ? Agenta firme que a vo dois exemplos para explicar quanto acabo
de dizer.
Provavelmente, voc j ficou revoltado diante da destruio de produtos agrcolas como arroz,
feijo, cebola e tomate. Parece impossvel que isso possa acontecer justo num pas onde morrem
cerca de mil crianas por dia pelos efeitos da fome. Diante deste absurdo, uma anlise apressada dos
acontecimentos se limitaria a responsabilizar a estupidez dos produtores e a m administrao do
governo que poderia resolver o problema da abundncia fazendo com que os famintos se
encontrassem com a comida. Se as nossas observaes permanecem neste nvel superficial,
dificilmente poderemos desvendar as relaes que se escondem por trs deste acontecimento e,
muito menos, vamos conseguir ter uma viso clara das tarefas que se fazem necessrias para corrigir
esta contradio to gritante.Vejamos. Se verdade que na nossa sociedade tudo orientado para a obteno de lucros a
serem embolsados por poucos atravs da produo e venda de mercadorias, bvio que cada
indivduo orienta seus investimentos para o setor que oferece uma melhor retribuio para o seu
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dinheiro. Se a escassez de tomates na safra anterior proporcionou boas margens de lucro aos
agricultores, provavelmente, mais gente deve ter resolvido plantar tomates no para atender
necessidade humana de saciar a fome e sim para tentar garantir um bom retorno ao dinheiro
investido. A grande quantidade de produto que espera a hora de ser vendido provoca uma queda nos
preos do tomate e, com ela, uma reduo das taxas de lucro que cada agricultor esperava obter.
Se no lugar de destruir o excedente produzido, os agricultores resolvessem distribu-lo, secriaria uma situao ainda pior do ponto de vista dos ganhos que esto sendo esperados. De fato, at
mesmo quem dispe de dinheiro para comprar tomates acabaria ficando na fila dos que esperam
receb-los de graa. Mas se forem destrudas vrias toneladas desta mercadoria, a reduo da oferta
vai provocar um aumento dos preos e, com ele, das esperanas de obter lucros compensatrios.
A contradio bsica do sistema (produo coletiva da riqueza, apropriao privada,
capitalista, da mesma) acaba de gerar uma srie de outras que, de tempos em tempos, voltaro a se
apresentar nos demais setores da economia propondo a destruio da abundncia em meio a uma
situao de grande pobreza. claro que, em caso de revolta dos famintos, as classes dominantes
tentaro conter o seu descontentamento demitindo ministros e secretrios, distribuindo cestasbsicas, criando frentes de trabalho ou coisas parecidas, pois, sempre melhor perder alguns anis
do que correr o risco de perder os dedos.
Como segundo exemplo, vou usar o da ideologia do pequeno produtor. Diante do aumento
dos excludos, que tem suas origens nas contradies do sistema, uma das sadas apontadas pela
burguesia vai no sentido de convencer os indivduos a montarem o seu prprio negcio. O elo de
ligao entre os interesses dominantes e os demais setores da populao construdo atravs da
idia de que, no capitalismo, ser empresrio no apenas uma questo de sorte e sim uma realidade
que se projeta no horizonte daqueles que desejam realmente subir na vida pelo prprio esforo. Ao
fortalecer esta viso de mundo entre o povo simples, as elites matam vrios coelhos com uma
cajadada s. Entre eles, com certeza os quatro que seguem:
1. Criam um ambiente de sonho em nome do qual muita gente vai se dedicar produo ou
distribuio de mercadorias atravs de micro e pequenas empresas cuja sobrevivncia
depende diretamente dos interesses das mdias e grandes. Diante da necessidade de garantir
preos competitivos para se afirmar no mercado e atender s demandas dos grandes
empresrios, este exrcito de novos empreendedores vai usar e abusar do subemprego, das
longas jornadas de trabalho, dos baixos salrios, do trabalho infantil e de todas aquelas
prolas que so uma afronta a tudo aquilo que poderamos chamar de uma condio de
trabalho digna de qualquer ser humano.
2. Ao comprar das mdias e grandes empresas o maquinrio necessrio para a produo das
matrias-primas que sero por elas adquiridas, estes novos candidatos a patro desembolsam
quantias considerveis em troca de verdadeiras sucatas. Ao mesmo tempo, proporcionam ao
grande capital a reduo dos gastos na compra dos novos equipamentos que se fariam
necessrios para diminuir os custos de produo se esta no passasse a ser assumida pelo
exrcito de micro e pequenas empresas que sero suas fornecedoras.
3. Ajudam a manter sob controle o grau de tenso e conflito social na medida em que projetam
possibilidades de gerao de renda. Apesar de poucos terem sucesso e crescerem de acordocom o esperado, a existncia destes felizardos faz com que as elites possam chamar de
incompetentes, acomodados e preguiosos quantos j foram falncia ou permanecem na
pobreza.
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4. Mesmo vendo frustradas suas esperanas de ascenso social, os nossos pequenos
empreendedores tendem a no perceber as verdadeiras razes de seu fracasso.
Provavelmente, vo manter de p a iluso de poder crescer e se tornar patres sem perceber
que, se esta fosse uma possibilidade real para todos, estaria decretada a morte da prpria
burguesia, cujas chances de sobreviver so diretamente vinculadas existncia de uma
massa crescente de pessoas exploradas.Aparentemente, a idia de cada um montar o seu negcio, parece capaz de resolver as
contradies do sistema. Na verdade, ela apenas consegue construir um equilbrio instvel entre os
interesses das classes dominantes e a situao em que se encontram os trabalhadores e as
trabalhadoras da nossa sociedade. A frustrao, a revolta, a precariedade das condies de vida dos
excludos podem criar vrios elementos capazes de ameaar este equilbrio de foras. Isso vai obrigar
as elites a enveredar por outros caminhos que, atravs do convencimento ou da coero, procuraro
os meios para anestesiar novamente as contradies que ameaam o sistema.
Como voc j deve ter percebido, no basta manter os olhos bem abertos. necessrio que
eles sejam equipados com uma viso de raios X para penetrar fundo na realidade e desvendar oselementos que a sustentam. Por isso vai a mais uma dica importante.
Se voc observar atentamente a maneira pela qual os acontecimentos so apresentados pelos
meios de comunicao, vai perceber que, em geral, as elites atribuem o movimento da conjuntura
interveno de causas externas que, por serem imprevisveis, fortalecem a idia de que tudo obra
do acaso. De acordo com esta viso, por exemplo, os saques ocorrem apenas devido ao de
baderneiros e agitadores e no porque existe um caldo de cultura que permite a expresso da revolta
coletiva incentivada por quem, por desespero ou conscincia, decidiu no passar fome.
Ou seja, ao fortalecer a percepo de uma causa externa como sendo a responsvel pelo
saque, as classes dominantes tentam impedir que sejam percebidas e analisadas as contradies e
os problemas que so parte do sistema e sem os quais a ao dos agitadores no produziria efeito
algum. Se no houvesse famintos revoltados, o grito de um indivduo que incentiva a saquear o
supermercado receberia uma resposta bem diferente. Provavelmente, as mesmas pessoas que esto
fazendo as compras somariam esforos para det-lo e entreg-lo polcia.
Repare que se as causas externas podem ser aquelas que detonam as mudanas, as
contradies internas ao ambiente constituem a base sobre a qual elas iro agir. Vou explicar isso
melhor atravs de um exemplo tirado da vida de todos os dias. Como voc sabe, para que o ovo se
transforme em pintinho, se faz necessria uma causa externa chamada galinha chocadeira. Aps
vrios dias de choco, do nosso ovo nasce um pintinho. Isso possvel porque no interior da casca j
existiam os elementos necessrios formao do pintinho.
Numa ao maldosa, troque agora um dos ovos de verdade por um daqueles de plstico que
se vendem nas lojas. Ele pode ter forma, cor, tamanho e peso de um ovo e pode ser to bem feito a
ponto de enganar a prpria galinha. O nico problema que ele no tem em si os ingredientes que
podem dar origem a um pintinho e, mesmo aps o dobro dos dias de choco, o nico resultado ... um
calo na bunda da coitada da galinha. Ou seja, se o ovo no traz em si os elementos capazes de dar
origem sua transformao em pintinho, de nada adianta a ao externa da galinha.
Com o dia-a-dia da vida em sociedade acontece a mesma coisa. As causas externas sdetonam um processo quando os elementos deste j estavam presentes no quotidiano. Por isso,
algumas pginas atrs, j constatvamos que os acontecimentos so o resultado da ao de vrias
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causas e, ao se manifestarem, se tornam eles mesmos uma causa que ir produzir novos
acontecimentos.
Ao lembrar dos objetivos que a sociedade persegue, do conjunto de causas e efeitos que nela
se entrelaam, do tamanho de seus problemas e contradies, a nossa anlise de conjuntura deve
captar o movimento da realidade no estgio em que ele se encontra. Quanto mais aprimorado for este
processo, melhores e mais precisos sero os elementos de reflexo e ao que sero oferecidos aostrabalhadores e s trabalhadoras que se preocupam em entender o mundo para mud-lo.
8. Tendncias, acidentes, manifestaes subordinadas.
Se a anlise de conjuntura um instrumento indispensvel para que tenhamos melhores
condies de intervir na realidade, ela no pode limitar-se a apresentar as mudanas que ocorrem na
sociedade, mas deve traar tendncias que permitam definir linhas concretas de ao. Ou seja, uma
vez coletados e analisados os dados, somos chamados a responder a uma pergunta incmoda: tudoisso... vai dar no que?
Sim, eu sei que ningum tem bola de cristal para prever o futuro com todos os detalhes do
caso, mas aqui se trata de listar possibilidades de desenvolvimento dos prprios acontecimentos que
nos permitem ponderar as potencialidades e os limites das aes que empreenderemos. Graas a
elas, no s poderemos nos prevenir de situaes desgastantes, como saberemos explicitar de
maneira mais eficiente as contradies que esto se avolumando, a necessidade de usar
determinados instrumentos para resolv-las e para produzir uma nova correlao de foras capaz de
desmascarar e vencer nossos adversrios. No por acaso que, ao comparar a necessidade de
traar tendncias com a medicina, Maquiavel escreve: Da tsica, dizem os mdicos que no comeo
do mal fcil de curar e difcil de conhecer, mas depois, com o passar do tempo, se no foi logo
conhecida e medicada, torna-se fcil de reconhecer e difcil de curar.
Em outras palavras, quanto mais precoce e preciso for o diagnstico do desenvolvimento da
realidade, melhores sero as possibilidades de dirigirmos a ao para criar as condies que mais nos
aproximam do objetivo de acabar com toda forma de explorao. s vezes, podero ser s pequenos
passos, mas eles no podero ser dados se os nossos movimentos no tiverem clareza da sua
importncia ou se derem a reboque dos momentos que so propostos pelas elites e nos limites que
elas impem. Descobrir a doena quando ela est em estgio avanado fcil, s que a sua cura vai
se dar em condies bem mais difceis e delicadas.
Sublinhada a necessidade de traar tendncias, importante resgatar que nem tudo pode ser
previsto. Nas idas e vindas da conjuntura, freqentemente, nos deparamos com algo totalmente
inesperado: os acidentes. Estou falando, por exemplo, da morte de uma figura de destaque, de uma
catstrofe natural, da falta abrupta de um produto essencial ou at mesmo da represso a um
movimento grevista que, contrariando as expectativas, transforma o protesto de um grupo de
trabalhadores numa rebelio de contornos incontrolveis. por isso que podemos chamar de
acidentes aqueles acontecimentos que, de forma imprevisvel, alteram a conjuntura e podem produzir
mudanas bruscas em seu desenvolvimento.Alm dos acidentes, s vezes, nos deparamos com manifestaes que chamamos de
subordinadas. Ao se desenvolverem, elas questionam os rumos da sociedade e, apesar de estarem
subordinadas lgica dominante, so fonte de preocupao para as elites. Para explicar isso melhor,
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vou usar como exemplo a realidade dos camels. Em geral, trata-se de ex-trabalhadores e ex-
trabalhadoras assalariadas que vivem vendendo todo tipo de mercadorias. Por suas caractersticas,
os camels no tm um papel determinante no conjunto das foras produtivas da nossa sociedade e
suas atividades, anseios e realizaes obedecem lgica dominante. Ainda assim, em sua luta pela
sobrevivncia, os seus interesses entram em conflito com os dos lojistas que os acusam de tirar deles
parte da freguesia de baixa renda, de no pagar impostos e de trabalhar com produtos deprovenincia duvidosa. Pressionado por interesses opostos, o poder pblico tem agido ora no sentido
de reprimir ora de disciplinar os camels, removendo-os para lugares onde seja reduzida a sua
interferncia nas atividades dos lojistas. Como isso embute uma ameaa s suas condies de vida,
as medidas tomadas pelas prefeituras tm desencadeado tenses, conflitos e protestos de todos os
tipos. Ou seja, somando o aumento do desemprego e da excluso com os passos j consolidados
pelos camels, podemos dizer que esta manifestao da conjuntura, que no questiona a orientao
da sociedade para a busca do lucro, promete desenvolvimentos inesperados que, de tempos em
tempos, vo obrigar as elites a se debruar sobre estes efeitos colaterais de suas prprias diretrizes
de ao.Por suas caractersticas, podemos comparar as manifestaes subordinadas passagem de
um cometa a grandssima distncia da terra. Ainda que ela possa trazer informaes importantes para
a nossa compreenso do universo, a sua presena momentnea no ameaa o equilbrio do sistema
solar, ao contrrio, sua rbita e seu futuro esto subordinados e dirigidos pelos movimentos que
ocorrem neste mesmo sistema. As manifestaes subordinadas, portanto, merecem as nossas
atenes, mas seu peso na conjuntura deve ser avaliado atravs de um estudo atento das
caractersticas e das contradies que explicam e orientam o seu desenvolvimento.
Eu sei que o seu cansao j deve estar batendo feio em funo desta chuva de dados,
elementos, dicas, observaes e etceteras que est caindo na sua cabea. No fcil, mas agente
firme que j estamos nos aproximando do fim do nosso trabalho de reconhecer e aprender a montar
cada pea do quebra-cabea da realidade.
9. Principais erros de uma anlise de conjuntura.
Muitas vezes j tenho me deparado com anlises que so um enunciado de consideraes
gerais: estamos no capitalismo... neste sistema a burguesia explora o trabalho dos operrios... h
uma luta de classes... nesta luta o proletariado procura derrotar os seus dominadores.... o que
poderia ser chamada de anlise relgio quebrado. Apesar de no estar funcionando... acerta a hora
duas vezes por dia.
Afirmaes to genricas como aquelas que acabo de apresentar so bastante comuns e
demonstram que seus autores esqueceram de algo fundamental numa anlise: a necessidade de
captar o movimento da histria naquele momento especfico. Ao compreender cada aspecto das
contradies e dos problemas que esto presentes neste movimento, a anlise deve apontar o que
distingue os acontecimentos do presente de outros semelhantes que se manifestaram no passado,
como as foras sociais esto agindo para super-los e qual o possvel desdobramento que resultar
da ao dos atores sociais envolvidos. Sem este tipo de avaliao, impossvel perceber como aconjuntura, o perodo histrico e as estruturas se condicionam e se atualizam mutuamente produzindo
os passos do futuro.
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No lugar de servir para iluminar os acontecimentos, a anlise relgio quebrado espera que a
realidade confirme suas previses assim como o passar do tempo faz com que os ponteiros parados
dem a hora certa duas vezes por dia. Por ser extremamente vaga, ela d a impresso de estar
interpretando corretamente o quotidiano da vida em sociedade e, por incrvel que parea, convence.
Para quem havia previsto uma luta entre burgueses e proletrios, toda e qualquer greve comprova o
acerto de sua avaliao. Agora, por no compreender a especificidade deste acontecimento, elanunca vai nos dizer, por exemplo, se ele uma casualidade, se aponta para o ascenso de um
processo de lutas ou se fecha um determinado momento da conjuntura. Enfim, este tipo de anlise
totalmente incapaz de delinear tendncias que ajudem trabalhadores e trabalhadoras a aprimorarem a
sua interveno na sociedade.
A superficialidade , sem dvida, outro erro muito comum. Vou chamar de superficial aquele
estudo que se limita a descrever o que pode ser visto por qualquer pessoa que ande pelas ruas de
olhos abertos. A riqueza de detalhes d a impresso de que ela est mostrando o real em todas as
suas manifestaes, mas, na verdade, ela no consegue desvendar as relaes que se escondem
nos acontecimentos. Por exemplo, ao avaliar as necessidades da reforma da previdncia, muitasanlises produzidas pela prpria esquerda aceitavam como ponto de partida o dado divulgado pelo
governo de que havia aumentado o nmero dos que usufruam dos benefcios em relao ao dos
contribuintes e chegavam a concluses parecidas com aquelas que estavam sendo apontadas pelos
empresrios. Apesar de tantos nmeros, estatsticas e discursos emocionados, poucos paravam para
avaliar que:
1. Do total de recursos que entram no caixa da previdncia, 85% so contribuies que incidem
sobre os salrios e que, portanto, longos anos de arrocho haviam ajudado a encolher a
quantidade de dinheiro disponvel para o pagamento das penses e das aposentadorias.
2. De cada 100 trabalhadores empregados, somente 43 tm carteira assinada ou so autnomos
com as contribuies previdencirias em dia.
3. A sonegao est na casa dos 40% do total arrecadado e o prprio governo o maior devedor
da previdncia social. Se isso no bastasse, a administrao federal permitiu que o nmero de
fiscais casse de 1 para cada grupo de 250 empresas em 1975, para 1 fiscal para cada grupo
de 1500 estabelecimentos em 1997.
4. As contribuies recolhidas para a previdncia, freqentemente, so usadas pelo governo para
outros fins.
5. Ao pressionar o governo pela reforma, os empresrios buscavam reduzir os encargos sociais e
abrir caminhos para a flexibilizao da legislao trabalhista. Em nome de um elevado custo
da fora de trabalho, os patres procuravam formas de arrochar ainda mais os salrios e os
benefcios.
6. Graas ao clima de incerteza criado pela discusso das novas regras da previdncia, a postura
dos banqueiros j estava engordando o patrimnio dos fundos de penso.
7. Sabendo que a esperana de vida dos trabalhadores que recebem at cinco salrios mnimos,
em mdia, no passa dos 64 anos, possvel perceber que a soluo do dficit da previdncia
viria da impossibilidade material da grande maioria dos trabalhadores conseguir chegar idade
mnima para a aposentadoria, apesar de ter contribudo com toda uma vida de trabalho esacrifcios.
Listei rapidamente alguns dados e relaes que se escondiam no processo de reforma da
previdncia para mostrar que, sem eles, toda anlise daquela conjuntura correria o risco de ser
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superficial. Para evitar este erro, o estudo da realidade deve desmont-la nas partes que a compem
e estabelecer o papel, as relaes e os interesses de cada um dos atores. Visualizado o jogo de
presses, estabelecido o poder de barganha dos que dele participam e sua capacidade de ganhar a
adeso de outros setores sociais, possvel delinear com clareza e profundidade os desdobramentos
da conjuntura e a evoluo de suas contradies.
Mas isso no tudo. O subjetivismo outro erro no qual comum incorrer ao analisar arealidade. Ele se d quando, consciente ou inconscientemente, assumimos o papel de torcedor. No
lugar de avaliar friamente o andamento do jogo e as razes que levam a este ou quele placar,
acabamos torcendo por um resultado favorvel ao nosso time. nesse sentido que, por exemplo, um
saque a um supermercado apresentado como o incio de um processo de insurreio, ou o elevado
grau de descontentamento popular torna-se sinnimo de certeza de vitria das oposies nas
prximas eleies.
Neste caso, o envolvimento com a realidade to grande que quem a analisa deixa de avaliar
as aes que ainda podem ser tentadas pelos poderosos e, em geral, esquece que o inimigo tambm
joga para ganhar. O maior problema do torcedor no est na sua maneira apaixonada de viver osacontecimentos, e sim em deixar que o sentimento ocupe o lugar da razo e passe a falar em nome
dela projetando uma histria que no corresponde realidade dos fatos.
A unilateralidade o ltimo erro sobre o qual quero chamar a sua ateno. Ele ocorre quando
quem analisa a conjuntura superestima uma de suas manifestaes e, iluminado por ela, julga todos
os acontecimentos. Manifestaes de descontentamento no interior das foras armadas, por exemplo,
podem ser julgadas como uma ameaa de golpe sem sequer avaliar se as classes dominantes se
encontram to enfraquecidas a ponto de serem obrigadas a lanar mo deste instrumento de
interveno. Por isso, quem analisa a conjuntura deve cuidar para que sua anlise abranja os
diferentes aspectos dos problemas e das contradies que se manifestam nos acontecimentos
histricos e ponderar de forma equilibrada quais deles so principais ou secundrios no seu
desenvolvimento.
Bom, a parte terica pra por aqui. O problema que para aprender a analisar a conjuntura
no basta lembrar de todas as ferramentas e das dicas que foram dadas. necessrio utiliz-las e
pratic-las com dedicao e empenho. Sabendo das dificuldades do dia-a-dia, este trabalho termina
convidando voc a exercitar os instrumentos de anlise em cima de uma realidade que a histria j se
encarregou de resolver e que, portanto, vai lhe fornecer logo a correo dos possveis erros e acertos
do seu esforo de se debruar sobre os acontecimentos. Por isso, vou me despedir com um material
sobre...
10. A Revoluo Inglesa: um bom exerccio de anlise.
Quando estamos totalmente envolvidos com a realidade que queremos analisar, muito difcil
nos afastarmos dela o suficiente para examin-la em profundidade sem cometer os erros apontados
no captulo anterior. Por isso, para treinar a capacidade de observao e a utilizao das ferramentas
apresentadas, vai aqui um material sobre uma parte do perodo histrico conhecido como Revoluo
Inglesa e, precisamente, sobre os acontecimentos que se estendem entre 1603 e 1658 na que hojeconhecemos como Gr Bretanha.
O contexto no qual eles se desenvolvem caracterizado pela passagem do feudalismo ao
capitalismo. Neste perodo, nas regies agrcolas, a nobreza adota uma nova forma de utilizar a terra.
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Vendo na comercializao da l para as manufaturas uma grande fonte de riqueza, os nobres
resolvem expulsar os servos que trabalhavam em suas terras para que as mesmas sejam cercadas e
usadas para criar ovelhas. Este enorme contingente de empobrecidos, que, de uma hora pra outra, se
v privado dos meios que garantiam sua sobrevivncia, alimenta o exrcito de pobres e mendigos que
vai perambulando em busca de uma maneira de matar a fome.
Enquanto isso, nas cidades vo nascendo os que poderiam ser chamados de os primeirospatres daquela que ser a futura indstria da Inglaterra. As manufaturas que esto se formando
empregam ex-artesos e camponeses expulsos de suas terras. A nova maneira de produzir a vida
em sociedade convive com um ambiente onde esto ainda presentes a produo e a organizao dos
artesos e no qual as velhas classes dominantes, a nobreza e o clero, ditam os passos da vida
coletiva.
Ao lado dessas transformaes econmicas, necessrio sublinhar que o exerccio do poder
no est mais concentrado nas mos dos vrios senhores feudais, e sim nas de reis que mandam em
naes j unificadas. Estas monarquias dispem de dinheiro e de condies polticas e militares
suficientes para propiciar as grandes viagens martimas rumo descoberta de novas terras a seremexploradas e com as quais estabelecer relaes comerciais que permitam um ulterior enriquecimento
das classes que se encontram no poder. Neste contexto, a burguesia comercial se alia, inicialmente,
aos reis e nobreza e s bem mais tarde se colocar ao lado dos patres das manufaturas.
A religio outra questo importante para entender o desenrolar dos acontecimentos da
poca. Em todos os pases prevalece o catolicismo, mas as contradies que se desenvolvem no
interior de cada nao levam a cises importantes como a Reforma Protestante na Alemanha e o
Anglicanismo na Inglaterra.
Bom, delineado o pano de fundo no qual se desenvolve a conjuntura, a seguir, voc
encontrar sete boletins que se referem a uma seqncia de perodos histricos e que serviro de
fonte de informao. O exerccio de anlise consiste no seguinte: dos primeiros seis boletins, devero
ser mapeados os principais acontecimentos, os atores, os cenrios dominantes, o clima em que se
desenvolve a trama social, a correlao de foras (quem se alia com quem contra quem) e as
tendncias para o prximo perodo.
Como proceder: analise o primeiro boletim (as duas pginas seguintes) e elabore as
tendncias. Para ver se as suas previses so confirmadas pela realidade, basta ler e mapear os
principais acontecimentos do segundo boletim. Faa com este o mesmo trabalho e, em seguida,
verifique nos acontecimentos do terceiro se voc acertou as tendncias para o prximo perodo e
assim por diante.
Caso as previses no se confirmem, importante que seja retomada a leitura do material que
serviu de base para delinear acontecimentos, atores, cenrios, etc., e que voc tente encontrar os
erros que ocorreram na anlise levantando os aspectos da realidade que no foram devidamente
avaliados.
Ao todo so seis exerccios aps os quais o seu esprito de observao estar mais treinado
para enfrentar o desafio de entender e montar as peas que compem o quebra-cabea da nossa
sociedade atual.
Portanto, mos obra! Arregace as mangas, pegue papel e caneta e vire logo esta pgina queh toda uma srie de reis, bispos, nobres e representantes dos mais diversos setores da sociedade
que esto sua espera.
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