Diw (jotalws l//daf Estuco sobre prticas de leitura e escrita via escola -pblica primria (Brasil e Frana, fii^ al do sculo xix) AUTORES /p5\ ASSOCIADOS vJ | Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP Brasil) Vidal, Diana Gonalves Culturas escolares: estudo sobre prticas de leitura e escrita na escola pblica primria
(Brasil e Frana, fina! do sculo XIX) / Diana Gonalves Vidal - Campinas, SP: Autores
Associados, 2005. - (Coleo Memria da Educao) Bibliografia. ISBN 85-7496-131-0
1. Educao - Brasil - Historiografia 2. Escolas pblicas - Brasil - Sculo 19 3. Escrita 4.
Leitura 5. Prticas de ensino - Brasil - Histria I. Ttulo. II. Srie. 05-3097 CDD - 371.3098J04 ndices para catlogo sistemtico:
1. Escolas pblicas primrias: Prticas de leitura c escrita: Brasil: Sculo 19: Histria da educao 371.3098104 2. Prticas de leitura e escrita: Escolas pblicas primrias: Brasil: Sculo 19: Histria da educao 371.3098104
Impresso no Brasil - setembro de 2005 Copyright 2005 by Editora Autores Associados Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme decreto n. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.
Nenhuma parte da publicao poder ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer
meio, seja eletrnico, mecnico, de fotocpia, de gravao, ou outros, sem prvia autorizao por escrito
da Editora O Cdigo Penal brasileiro determina, no artigo 184:
"Dos crimes contra a propriedade intelectual
Violao de direito autoral
Art. 184. Violar direito autoral
Pena - deteno de trs meses a um ano, ou multa.
1" Se a violao consistir na reproduo, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte,
para fins de comercio, sem autorizao expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na
reproduo de fonograma e videograma, sem autorizao do produtor ou de quem o represente: Pena - recluso de um a quatro anos e multa".
SUMRIOAGRADECIiMENTOS APREiSENTAAO INTRODUO XI XV i CAPITULO UM
Material com direitos autorais
CULTURA E PRATICAS, ESCU.LAR.^. A.. LSCULA. UMU.
OBJETO DE PESQUISA . ........................................... . ......................... 21
1. Cultura escolar: significados concorrentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3
2. Forma cscolar c gramtica da cscola: um estudo das invariantes estruturais ......................... . . . . . ......... .. 37
3. Matizes do debate na historiografia da educao brasileira ........ 46
4. Prticas escolares: um desafio pesquisa histrica .................. 55
5. Possibilidades e limites da histria conectada ....................................... 66
CAPITULO DOIS
Contos infantis e LA comfdie fnfantjnf: livro e
CULTURA ESCOLARES NO FJNAL DO OITOCENTOS BRASILEIRO ... _____________ 71
1. La cotncdie enftintine ................................................................... . 73 2. Contos infantis ............................................................................... 86
3. Pistas sobre cultura escolar primria e prticas
de leitura no final do oitocentos brasileiro ....... .. ...................... lio
Comentrios finais ...... .......................................................... 120
CAPITULO TRES
Prticas escolares de escrita no fim do sculo XIX:
O FRACASSO DE UMA INOVAO PEDAGGICA COMO MOTE ......................... 125 1. O fracasso como objeto histrico ...... ................. . ........................... 129
2. A estenografia como soluo para o ensino da escrita na escola primria
(Frana, 1890) ........................................................... ............................. 132
3. O fracasso de uma inovao pedaggica ................................. 145
4. O ensino da escrita na escola primria brasileira: semelhanas e contrastes ...................................................... 152 Comentrios finais .......................................................................... .. . 164 CONSIDERAES FINAIS ................................................... .. .......................... i7 REFERNCIAS BiBLIQGRFICAS ..................................... . ............... izi Revistas pesquisadas ........ .......... ............................................... . ............ . 187
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Material com direitos autorais
A P R ES E N T A O
Diana C. Vidal historiadora da educao j bastante conhecida dos
estudiosos do campo. Nesses ltimos 10 anos, sua produo, alicerada
em slidos e encadeados projetos de pesquisa desenvolvidos em estreito
compromisso com a docncia universitria, vem instigando e orientando
alunos, colegas e leitores, especialmente aqueles interessados na
histria do livro e da leitura escolares e domnios conexos. Mas no
apenas esses, j que, recolhendo o melhor da tradio acadmica, ela
recusa o enquadramento temtico e, sabiamente, mantm-se aberta aos
avanos da teoria, de modo que todos os historiadores da educao,
quaisquer que sejam os seus objetos de estudo, sempre tm o que
referir dela. Quem no conhece O exerccio disciplinado do olhar: livros,
leituras e prticas de formao docente tio Instituto de Educao do Distrito
Federal (1932-37), bela tese de doutorado defendida em 1995 na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (Feusp)
e publicada como livro em 2001, na qual construa a histria de uma
reforma educacional e de uma instituio de ensino do perodo esco-
lanovista a partir do ngulo pouco usual do cotidiano escolar, ao conferir
inteligibilidade s prticas de leitura que conformavam a formao
docente nela realizada? Na qual j operava os conceitos de representao
e de cultura escolar, atestando, para ns historiadores da educao
brasileira, a fecundidade analtica dessas importantes contribuies da
historiografia francesa?
Diana , pois, desses historiadores da educao que vo frente,
disseminando e criando a linguagem, ocupando novos territrios com
seus recortes, dilatando as fronteiras e demarcando o campo disciplinar.
Porque se trata disto, no seu fazer de ofcio: mediante suas atividades de
leitura, reflexo e escrita e de pesquisas de campo que delas decorrem,
Diana vai se informando sobre o que est sendo discutido aqui e no
exterior, elaborando as possibilidades terico-me- todolgicas que
APRESENTAO XVII
Material com direitos autorais
reconhece na literatura, testando essas contribuies nas fontes que
recolhe e enunciando os resultados do seu labor, para serem por sua vez
discutidos e apropriados. Trabalho duro, prtica diuturna, realizaes
modelares.
Este Culturas escolares: estudo sobre prticas cie leitura e escrita na escola
pblica primaria (Brasil e Frana, final do sculo XIX], que d publicidade ao
trabalho de livre-docncia defendido em 2004, tambm na Feusp,
acrescenta s demais qualidades de suas produes anteriores a dupla
marca dos atuais textos de Diana: a da plena maturidade intelectual e a
do frescor de quem explora um novo perodo e um novo terreno.
Entretecidos, esses elementos conduzem a escrita deste texto de ponta a
ponta. E de um lugar de maestria, bravamente conquistado pelo domnio
da teoria e pela prtica de pesquisa, que ela se debrua, na Introduo,
para olhar de novo a cultura escolar do final do oitocentos brasileiro. Uma
das coisas que se diz comumente a respeito do nosso sistema escolar
pblico e elementar que ele foi construdo, nesse perodo, similitude
do sistema francs. Ela escuta essa posio, mas,
alertada pelas contribuies da nova historiografia da educao, nacional
e internacional, cujas conceituaes recupera, examina, explora e
termina por endossar (ou abandonar) como categorias de anlise, nas
ricas pginas de discusso terica do Captulo 1, Diana presta ateno
nas diferenas entre eles e, perquirindo as respectivas culturas escolares
a partir de prticas de leitura e escrita indiciadas pela documentao
conservada em acervos brasileiros e franceses, dispe-se a trazer tona
tambm as especificidades e dessemelhanas de cada um deles. Assim
que, com redao clara, fluncia narrativa e inteligentes procedimentos
analticos, apanha no Captulo 2 a circulao de dois livros de leitura
escolares e seus respectivos usos nos sistemas de ensino brasileiro e
francs, em conexo com representaes de infncia e de educao do
perodo,- e de duas modalidades de prticas de escrita, a estenografia e
XVIII CULTURAS ESCOLARES
Material com direitos autorais
os cadernos, propostas aqui e l, mas com resultados diferentes e
inflectidos nos dois casos, devido s *
peculiares circunstncias sociais e culturais, no Captulo 3, E desse
percurso cognitivo realizado pela autora que se constri este livro, no
mais, revelador tambm de uma trajetria de sensibilidade intelectual,
pois, quem se atreveria a discutir, como faz na ltima parte do texto,
uma questo da histria da educao pela sua ausncia, isto , falando
da presena de outra prtica da cultura escolar, seno quando
impulsionado por uma combinao de segurana no seu mtodo e
encantamento a respeito do seu objeto de estudo?
Entrelaados esto ainda, neste Culturas escolares, texto, autora e campo
disciplinar, na medida em que, ao transitar entre as duas obras, do
recorte temporal da dcada de 1930 para o ltimo quartil do sculo XIX;
da viso de uma histria recortada de um momento da educao
brasileira para uma histria comparada entre Brasil e Frana e desta para
uma histria conectada da educao,- do enfoque em reformadores
educacionais para o de sujeitos mediadores e leitores- consumidores-
produtivos que circulam nas e fazem circular as culturas escolares, Diana
opera, ela prpria e simultaneamente no campo, uma passagem, como
autntica portadora e criadora que de um exemplar discurso
historiogrfico.
O crtico Harold Bloom disse uma vez que o diferente somente
diferente quando faz a diferena: lendo este livro de Diana, no tenho
como discordar!
Maria Lcia Spcdo HilsdorJ Professora de histria da educao na USP.
I N T R O D U O m
Material com direitos autorais
eu sorrisando deslizo. Eu na i/rande via tf em escarlate nado,
dizendomente.
(Voc sabe?) o sim. mundo provavelmente \eito de rosas & al: (de atlotjos e, cinzas)
CUMMINCS, E. E. traduzido por Augusto de Campos, 1986, p.
t
Neste texto introdutrio procuro explorar as maneiras como fui me
constituindo como historiadora da educao com base no dilogo com as
investigaes empreendidas, os referenciais de anlise utilizados e os
pesquisadores da rea. "Sorrisando, deslizo" numa narrativa que no se
pretende terica, mas apenas indicativa de "rosas & al" e "de atlogos e,
cinzas" desta "grande viagem" acadmica que para mim tem sido o
percurso no campo historiogrfico educacional.
Meu envolvimento com a pesquisa em histria da educao comeou em
1990, quando formulei o projeto de doutorado. At aquele momento, a
trajetria no campo resumia-se ao trabalho como professora da
disciplina em uma faculdade particular. Aps ter cursado histria e em
meio aos meus estudos de mestrado, tambm em histria, repetia os
passos de muitos profissionais do ensino superior privado: especializava-
me no prprio exerccio da docncia. Foi nessa experincia que encontrei
o objeto de pesquisa de doutorado e conheci um personagem que tem
me acompanhado nos ltimos anos. Por indicao do professor de
filosofia da casa, li A cultura brasileira, de Fernando de Azevedo. Em A
cultura, descobri que o prdio do Instituto de Educao do Rio de Janeiro
(Ierj), em que eu havia cursado o magistrio, tinha sido erguido durante a
administrao Azevedo da instruo pblica carioca. Nasceu, assim, a
proposta de analisar a criao do Instituto e, com ela, o interesse por
Fernando de Azevedo.
A investigao acerca da formao docente levou-me aos meandros de
uma histria do livro e da leitura1. Procurando fugir s malhas da
1 A pesquisa coniou com apoio financeiro da CAPF.S e foi realizada na Faculdade de Educa- o-USP
INTRODUO 3
Material com direitos autorais
memria institucional excessivamente presa a marcos institudos pela
historiografia, alertada que estava sobre a retrica azevediana por Marta
Carvalho (1986-1989) e contando com a bagagem trazida da histria,
intentei capturar o cotidiano escolar nos anos de 1930. Utili-
zanclo-me de farta documentao - encontrada na prpria escola, nos
Arquivos Loureno Filho e Ansio Teixeira do Centro de Pesquisa e
Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC), no Arquivo
Fernando de Azevedo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) qual
acrescentei um conjunto de entrevistas realizadas com antigas alunas - a
familiaridade com a histria oral vinha do trabalho do mestrado centrei a
abordagem nas prticas de leitura e formao constitudas no intramuro
da Escola de Professores do Ierj. Nesse percurso, debrucei-me tambm
sobre os fazeres ordinrios das escolas primria e secundria,
entrelaados que estavam ao exerccio do preparo para o magistrio na
instituio.
Para compreender o valor do livro e do ler nos discursos dos educadores
que dirigiam a escola naquele momento ou que se associavam a seu
funcionamento, todos vinculados ao movimento escolanomsta, recorri a
peridicos, relatrios de professores e diretores, correspondncias,
programas de aula e livros publicados. Para perceber como se
materializavam tais discursos nas prticas dirias, analisei a constituio
do acervo da biblioteca da Escola de Professores, a partir dos registros de
aquisio de livros, das faturas de compras, dos ofcios emitidos pelo
diretor do Ierj e pela bibliotecria-chefe. Para entender como se
produziam as prticas de leitura pesquisei o livro de consultas da
biblioteca, os textos prescritivos sobre como ler adequadamente ela-
borados por professores e as publicaes posteriores de trabalhos de
algumas ex-alunas e recolhi depoimentos orais.
sob a orientao de Marta Carvalho. O trabalho foi concludo em 1995 e publicado apenas em
2001.
4 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
A elaborao da tese permitiu-me vislumbrar a importncia daquela
experincia (Thompson, 1987) de formao docente para a constituio de
uma cultura profissional que, forjando a representao (Chartier,
1990) de bom professor e de excelente exerccio do magistrio, persistiu
como elemento distintivo por geraes de professoras cariocas. Refinei
conceitualmente o meu olhar para com o objeto do campo educacional. A
um interesse pelo cotidiano, constitudo pelo contato com uma
historiografia que valorizava a histria vinda de baixo (Thompson, 1987,
Hill, 1987, e Davis, 1987) e uma antropologia histrica (Le Goff, 1980* 1984;
De Certeau, 1982, e ClNZBURC, 1987- 1989), mesclada aos alertas sobre os
condicionantes estruturais (FoCAULT, 1984-1986), acrescentei a
sensibilizao pelos saberes e, principalmente pelas prticas escolares no
reconhecimento de sua relevncia na construo de uma cultura escolar
(Chervel, 1990, Julia, 2001 [1993]), conformada historicamente pelas lutas
sociais, mas modeladora da ao dos sujeitos da educao, ainda que
permevel a distintas apropriaes.
Duas perspectivas se abriram com o trmino do doutorado. Por um lado,
o interesse em perscrutar os fazeres desses sujeitos femininos da
educao carioca lanou-me no estudo do trabalho docente realizado
pelas egressas da Escola de Professores do Iekj nos anos 1930 e 1940. Por
outro, o contato com o Arquivo Fernando de Azevedo do IEB-USP e a
curiosidade em conhecer mais detidamente a materialidade da escola no
perodo estimularam-me a propor o tratamento arquivstico do acervo ao
mesmo tempo que investigava na documentao as pistas sobre os
materiais e mtodos utilizados na escola primria carioca entre 1927 e
1930, perodo em que Azevedo a administrara.
No primeiro caso, um projeto com o intuito de explorar as relaes de
sexualidade e gnero na escola primria carioca foi encaminhado e
aprovado pela Fundao Carlos Chagas. Fazendo uso de entrevistas,
exerccios propostos na Escola de Professores, inquritos efetuados pela
INTRODUO 5
Material com direitos autorais
Prefeitura Municipal e mapas de matrcula e distribuio de escolas no
estado, logrei retraar os itinerrios percorridos pelas professoras recm-
formadas e moradoras das regies centrais do Rio de Janeiro para chegar
aos locais de trabalho, em geral situados na periferia da cidade; perceber
os perigos encontrados nesse deslocamento dirio por bondes e trens,
avaliar os temores das iniciantes, moas entre 17 e 21 anos de idade, no
confronto com classes mistas e alunos de at 14 anos das zonas
suburbanas e rurais, e conhecer os expedientes utilizados na gerncia
das situaes de aprendizagem e do trato com alunos maiores e os
procedimentos implementados na convivncia com superiores
hierrquicos majori- tariamente do sexo masculino. As urgncias da
classe (e da educao nos vrios mbitos administrativos) e as tticas (De
Certeau, 1994) usadas pelas professoras para sobrevivncia profissional (e
pessoal) destacaram a relevncia das condies materiais de trabalho e
da convivncia entre pares na constituio da cultura docente, compondo
com as instituies formadoras o trip da experincia do magistrio.
No segundo caso, o trabalho arquivstico no acervo Fernando de
Azevedo e o levantamento dos objetos em uso pelas escolas primrias
cariocas nos anos de 1920' nos 16 mil documentos do arquivo, dos quais
mais de 8 mil se cingiam a recortes de notcias de jornal veiculadas sobre
a reforma azevediana de 1927, levaram-me ao reconhecimento de que
estender a escolarizao a uma parcela maior da populao envolvia
ampliar os recursos materiais e metodolgicos para o ensino. As
interrogaes, ento, repousaram sobre o duplo enfoque que a
materialidade e os mtodos suscitavam. Na dimenso dos dispositivos de
poder (vigilncia e controle), perguntava-me sobre a eficcia atribuda
aos novos objetos e mtodos includos no repertrio docente. No mbito
das apropriaes, interessava-me pelas mil maneiras de Jazer com (De
Certeau, 1994) os materiais e mtodos que eram postos em circulao na
escola, questionando como alunos e professores deles se utilizaram,
6 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
como subverteram os dispositivos que lhes estavam inscritos, na
concepo da escola como um lugar de produo de uma cultura
especfica, em que constantemente atu- ahzavam-se estratgias
modeladoras e tticas de subverso (idem). O desenrolar da pesquisa e do
exerccio arquivstico propiciou a constituio do Ncleo Interdisciplinar
de Estudos e Pesquisa em Histria da Educao (Niephe), congregando
inicialmente os alunos de Iniciao Cientfica2.
A percepo do magistrio como uma experincia de classe profissional
e de gnero3, e o entendimento da escolarizao de massas como
resultante da ampliao material e metodolgica de recursos
pedaggicos, associada ao exerccio do doutorado em torno das prticas
de leitura, propiciaram-me a incurso pela histria das disciplinas
elementares, notadamente ler e escrever. Partindo das referncias
presentes na Escola Primria do Ierj acerca da caligrafia muscular,
debrucei-me sobre o ensino da escrita. Primeiramente, ative-me aos
enunciados escolanovistas presentes nos anos de 1920 e 1930 e colhidos
em livros e peridicos educacionais, guias de programa e legislao. De
posse desse arsenal de conhecimentos, alarguei a periodizao do estudo
aos anos finais do Imprio. A operao envolveu um novo investimento
de pesquisa em histria da educao, aumento da massa documental a
analisar e da historiografia a percorrer, e foi facilitada pela participao
em grupos de trabalho.
Ainda no momento inicial de transio, beneficiei-me do contato com
investigadores argentinos e brasileiros que compunham o Seminrio
Escola Nova no Brasil e Argentina4 Os debates portavam sobre as
2 Andr Paulilo, Rosnne Nunes Rodrigues, Jos Cludio Sooma Silva, Rachel D Abdala, Isabel de
Lourdcs Estevcs, Tcreza Marcela Meza Baeza e lomar Barbosa Zaia.
'1 Na construo de um referencial para estudos de gnero foi importante minha participao no
Grupo Educao, Gnero c Sexualidade (EdcES), composto, na poca, por Marlia Carvalho, Cludia
Vianna, Sandra Gouretti Unbehaum e Daniela Auad, dentre outras pesquisadoras.
4 No primeiro encontro o grupo foi constitudo por Mariano Narodowski, Silvina Gvirtz, Ovidc Menin
e Silvia Roitenburd, pela Argentina, e Marta Carvalho, Clarice Nunes e eu, pelo Brasil. No segundo,
ausentaram-se Mariano e Silvia. Nos eventos posteriores, Ovide e Silvia deixaram de participar da
INTRODUO 7
Material com direitos autorais
especificidades que o escolism tomou nos dois pases e foram
importantes para despertar-nos a percepo para as semelhanas e con-
trastes que o movimento assumiu. Ficou-nos claro que, na Argentina, a
instituio do estado educador j na dcada de 1830 e a consolidao da
expanso escolar nos anos de 1870, com ndices de alfabetizao em
torno de 80% da populao, relegaram a Escola Nova a uma experincia
restrita a poucas escolas particulares. Contrariamente, no Brasil, a difuso
dos princpios escolanovistas nos anos de 1920 coincidiu com o ingresso
de educadores partidrios desses ideais nos cargos de direo da
instruo pblica em vrios estados, ao mesmo tempo que se expandia o
sistema escolar com objetivo de combater as baixas taxas de
alfabetizao, aproximadamente 20%. A Escola Nova havia assumido no
Brasil um carter estatal. A homogeneidade das propostas
governamentais argentinas, fruto da centralizao administrativa
efetuada desde a primeira metade do oitocentos, contrastava com a
disperso das reformas brasileiras da educao preliminar, decorrentes
da interpretao do Ato Adicional de 1834 que consolidara, por cerca de
100 anos, uma gesto provincial/estadual das escolas primrias e
normais.
As diferenas histricas impunham dificuldades ao projeto comparativo
da equipe. Tentando superar os impasses, Silvina Cvirtz e eu decidimos
enfrentar a questo do ensino escolar da escrita nos dois pases. As
vrias aproximaes ao objeto nos levaram a ampliar progressivamente o
recorte temporal, voltando a pesquisa ao sculo XIX, mais precisamente
dcada de 1870. O procedimento revelou-
se profcuo. Dispondo de um perodo mais lato para o estudo, pudemos
avaliar diferenas e aproximaes entre a escolarizao do escrever na
Argentina e no Brasil e conseguimos avanar na compreenso da Escola
equipe. Foram includos, no entanto, Luciano Mendes de Faria Filho e Mirian Warde. Outros
pesquisadores como Joseph Coquoz, da Sua ,Jean Hbrard, da Frana, e Antnio Vinao Frago, da
Espanha, tambm tiveram assento nos trabalhos do grupo.
8 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
Nova como uma categoria histrica de anlise, o que no dizer de De
Certeau (1982) significa perceber os conceitos na concretude das relaes
sociais e histricas.
O recuo ao oitocentos implicou dirimir noes que aparentemente eram
equivalentes. O primeiro obstculo com que deparei foi a expresso
mtodo simultneo: ora associada aprendizagem da escrita e da leitura
realizada a um s tempo - defendida pelo mtodo mutuo ou monitorial
desde o inicio do sculo XIX no Brasil ora ligada situao de sala de aula
em que um professor regia um grupo de alunos (classe) no mesmo nvel
de conhecimento - resduo das escolas francesas de Jean Baptiste de La
Salle surgidas no sculo XVIII. A ambigidade do termo remetia a duas
possveis leituras acerca da escolarizao brasileira no oitocentos, ambas
bastante profcuas como caminhos de investigao. A primeira, no mbito
dos saberes pedaggicos, sinalizava para dupla representao de mtodo
no sculo XIX: (1) modo de organizao dos estudantes em uma classe e
(2) critrio de distribuio de contedos em uma disciplina como j
destacou Faria Filho (2000). A segunda, na dimenso
das prticas escolares, indiciava a maneira inventiva com que os mestres
oitocentistas haviam combinado princpios dos vrios mtodos
disponveis no perodo (mtuo, simultneo e individual) na resoluo dos
problemas enfrentados pela docncia, criando o denominado mtodo
misto.
Somente depois que me despi da representao hegemnica (Chartier,
1991) de mtodo, como critrio de distribuio de conhecimentos em
uma disciplina escolar, consolidada com a instalao da escola graduada,
inicialmente em So Paulo em 1890, que pude me deixar sensibilizar
pelas representaes concorrentes que existiam no sculo XIX. Ao
organizar o ensino em classes homogneas, regidas por um nico
professor ou professora, com recurso aula expositiva, os grupos
escolares consagraram um nico modo, simultneo, de ordenao dos
INTRODUO 9
Material com direitos autorais
alunos em sala que pouco devia s escolas lassalistas, mas que surgia da
superao de entraves materiais ao fazer da classe, como distribuio de
livros comuns a todos os alunos de uma mesma sala, oferecendo
condies de aprendizagem em um mesmo ritmo,- uso da pena metlica
em lugar da de ave, reduzindo o tempo do professor nas aparas,- e
difuso de cadernos, possibilitando o controle das tarefas efetuadas
sucessivamente. Permitiram tambm a progressiva cristalizao dos contedos
ensinados nas escolas elementares em disciplinas escolares. As exaus-
tivas descries dos saberes a transmitir nos programas publicados no
corpo da legislao educacional, distribudos por matrias, a partir do fim
do oitocentos, davam a medida da importncia que as disciplinas
escolares assumiam na uniformizao da ao da escola. Ao mesmo
tempo, a profuso de artigos em revistas educacionais destinados a
propalar o mtodo intuitivo e a nfase em seu uso no texto das leis
deslocavam o debate metodolgico unicamente para a questo da lgica
que deveria reger a organizao dos contedos. Condenando o ensino
que partia do abstrato, as novas orientaes defendiam que a
aprendizagem infantil se fazia pelo contato com o concreto. O empirismo
chegava escola primria abolindo a antiga escolstica que, no entanto,
se manteria como modelo do curso secundrio.
Ao tornar invisvel a concorrncia de significados anterior, a difuso da
escola graduada restringia mtodo ordenao de contedos de uma
disciplina escolar, ao que associava o debate em torno da intuio, e
simultneo aprendizagem ao mesmo tempo das habilidades da leitura e
da escrita, o que limitava o termo a um procedimento disciplinar interno.
A discusso em torno do modo de organizar os alunos em classe parecia
superada.
Rever as representaes concorrentes de mtodo no sculo XIX me
permitiu perceber a combinao entre mtodos individual, mtuo e
10 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
simultneo como uma inveno dos mestres oitocentistas, com carter
puramente escolar e operatrio. E, na esteira de Chervel (1990),
considerar o mtodo misto um produto da cultura escolar brasileira,
gestado no conflito entre a urgncia em solucionar os problemas
cotidianos da aula e as dificuldades com que se deparavam os
professores para prover materialmente o ensino, denunciadas
seguidamente ao longo do sculo XIX. Ao se tornar matria lecionada nas
escolas normais e referida nos exames prestados pelos nor- malistas, na
segunda metade do oitocentos, o mtodo misto foi alado a saber
pedaggico legtimo, enobrecendo a criatividade docente, mas,
paradoxalmente, apagando as marcas de sua constituio histrica. O
pequeno interesse que o mtodo misto suscita hoje na historiografia da
educao no se deve posio menor no interior da cultura escolar -
pode-se explorar sua recorrncia como prtica docente nas escolas
isoladas at recentemente } mas invisibilidade a que foi lanado no
debate educacional pela implantao dos grupos escolares.
Essas descobertas repercutiram na necessidade de operar outra
distino: entre escola graduada e ensino graduado. Novamente a equiva-
lncia era enganadora. Os grupos escolares, pela diviso dos contedos
em sries, identificando ano escolar a ano civil e supondo o exame como
mecanismo de passagem, aliceravam-se na concepo de ensino
graduado. No entanto, essa forma escolar (Vincent, 1980) no era a nica a
reivindicar a gradao do contedo. O mtodo mtuo, implantado no
Brasil mesmo antes de 1827, quando a primeira lei de ensino tornou seu
emprego obrigatrio nas escolas elementares, j a supunha. Em geral
percebido como um modo de organizar os alunos em sala, o mtodo
mtuo partilhava dessa ambigidade da noo de mtodo mencionada
anteriormente e comportava, tambm, a ordenao de saberes quanto a
ler, escrever, contar e moral crist, como demonstraram os vrios autores
reunidos por Bastos e Faria Filho (1999) na coletnea A escola elementar no
INTRODUO 11
Material com direitos autorais
sculo XIX. A escola graduada, assim, no havia produzido o ensino como
graduado, mas dele se apropriado, acolhendo a lenta conformao dos
princpios da educao escolar que se foram produzindo ao longo do
oitocentos. Isso explicava porque era possvel encontrar sries graduadas
de leitura, como o Primeiro e Segundo Livros de Leitura, de Ablio Csar
Borges publicadas em 1866, praticamente 30 anos antes da instalao dos
grupos escolares no Brasil.
Se as duas primeiras equivalncias escondiam representaes
concorrentes do sculo XIX que foram hegemonizadas pelas noes
INTRODUO 1 1
Material com direitos autorais
de escola e ensino consagradas com o modelo dos grupos escolares, a
terceira criara-se a partir dos anos de 1920: ensino ativo e escola ativa.
Apesar de surgirem como similares em muitos discursos do perodo,
ensino ativo e escola ativa distinguiam-se na fala dos escolanovistas pela
prpria concepo de atividade. Se a primeira acepo concernia
maneira como o contedo deveria ser trazido ao aluno e supunha a
atividade dos professores na realizao de experincias e no ofereci-
mento de imagens e objetos que concretizassem a aula; a segunda
deslocava para os alunos a feitura das tarefas. Era pela ao dos mtodos
de projeto e centros de interesse que as crianas deveriam solucionar
problemas e construir experimentos, ainda que sempre orientadas pelos
docentes. Os educadores renovados dos anos de 1920 e de 1930,
entretanto, no lograram instituir a nova representao como
hegemnica. A consolidao dos grupos escolares como forma escolar do
ensino primrio, que unia gradao de contedos a mtodo intuitivo,
desdobrado em ensino ativo, parece ter borrado as diferenas e mantido
a concorrncia entre as representaes de escola e ensino ativos, de sorte
que, mesmo hoje, ambas emergem como similares na fala de educadores.
Considerar os grupos escolares como tradio inventada da escola
primria no Brasil republicano, apropriando-me da frmula elaborada por
Hobsbawm (1997), pode ser, aqui, operatrio. Implementando um
conjunto de prticas rituais e simblicas, muito bem analisado por Souza
(1998) e Faria Filho (2000), disseminando-se como imagens em cartes
postais, como denunciou Barros (1997), e constituindo-se como
monumentos pblicos, como sugerimos Faria Filho e eu, em artigo
publicado na Revista Brasileira de Educao (2000), os grupos escolares
fundaram uma representao de ensino primrio que no apenas regulou
o comportamento, reencenado cotidianamente, de professores e alunos
no interior das instituies escolares, como disseminou valores e normas
sociais (e educacionais). Assumiu, especialmente nas cinco primeiras
INTRODUO 1 1
Material com direitos autorais
dcadas do sculo XX, a posio de
12 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
uma escola de verdade (Tyack & CtJBAN, 1999) a uma parcela da sociedade
brasileira, para a qual funcionou como smbolo de coeso e status.
Operar essas distines conceituais levou-me tempo e no consegui
realiz-las no espectro do trabalho em colaborao a Silvina e o Grupo
Escola Nova. Desfolharam-se nas minhas participaes no Grupo
Educao, Histria e Modernidade (Gehm)5 e nas investigaes efetuadas
no mbito do projeto integrado Materiais e mtodos na escola brasileira
republicana: investigaes acerca de estratgias de modelizao e tticas
de apropriao postas em uso no espao escolar, financiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq)6.
Reunindo pesquisadores envolvidos com estudos sobre a escolarizao
no oitocentos brasileiro, o GEHM oferecia a oportunidade de uma
interlocuo qualificada ao novo investimento que iniciava, lanando-se
ao mesmo tempo como desafio a enfrentar. A necessidade de elaborar
intervenes para participar dos encontros do grupo e a prtica do
debate permitiam-me alargar os horizontes de pesquisa e interpretao.
O exerccio entretecia-se s necessidades do desenvolvimento do
trabalho de campo no projeto integrado.
Aglutinando as investigaes que efetuvamos, meus orientandos e eu,
a proposta encaminhada ao CNPq consolidava um percurso de pesquisa e
um referencial terico - expressos ambos no ttulo - bem como a
trajetria de um grupo - o Niephe, que passava a contar com mestrandos
e doutorandos7. A preocupao com os materiais e mtodos postos em
circulao na escola primria e com os dispositivos de difuso e
5 O grupo j teve vrias configuraes e aglutinou os pesquisadores Luciano Mendes de Faria
Filho, Cynthia Creive Veiga, Maria Cristina Gouveia, Maria Lcia S. Hilsdorf, Mrcia Hilsdorf Dias,
Heloisa Pimenta Rocha, Helosa Villela, Cludia Alves, Jos Gonalves Gondra, Maria Cecilia C. C. de
Sousa c Lilian Margotto. 6 Processo n. 301.136/96-3.
7 Ingressaram no Programa de Ps-Graduao da FEUSP Andr Paulilo, Rosane Nunes Rodrigues, Jos
Cludio Sooma Silva, Rachel D. Abdala, Isabel de Lourdes Esteves e lomar Barbosa Zaia Todos j
obtiveram o ttulo de mestre em Histria da Educao. Andr realiza seus estudos de
doutoramento, com data prevista de concluso cm 2007.
INTRODUO 13
Material com direitos autorais
apropriao indicava as escolhas efetuadas. O recorte
temporal abrangia o fim do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo
XX. A meno escola brasileira sinalizava uma nova abrangncia da
anlise. A permanncia em So Paulo fizera-me freqentar os arquivos e
as bibliotecas do estado e progressivamente ampliar o enfoque. Aos
levantamentos efetuados no Rio de Janeiro foi sendo acrescentado o
trabalho de campo realizado em So Paulo. Nesse movimento, fui
percebendo diferenas na constituio da escolarizao nos dois estados.
A primeira questo que se apresentou como problema para mim foi a
diversa importncia que os grupos escolares tiveram na construo
simblica de escola primria. Se em So Paulo a escola graduada assumiu
a representao hegemnica de ensino preliminar,- no Rio de Janeiro, a
presena dos grupos escolares era escassamente referida na
documentao e praticamente inexistente na historiografia educacional.
Foi-me ficando claro, ento, a existncia de dois modelos de
escolarizao, constitudos em tempos e espaos distintos, cujos
contornos apareciam borrados no olhar retrospectivo.
So Paulo, no fim do oitocentos, gestou o primeiro: a frmula da escola
graduada. Emergindo na confluncia da defesa da escola laica, da
liberdade de ensino, da obrigatoriedade da instruo ensino elementar,
do direito educao e do dever do Estado e da famlia em
oferec-la, como bem destacou Moraes (198 1), difuso dos princpios e
prticas norte-americanos de escolarizao, pioneiramente explorados
por Hilsdorf (Barbanti) (1977), os grupos escolares aglutinavam os
esforos da ilustrao paulista (Barros, 1959) na propagao de um ideal
civilizatrio. A reorganizao administrativa e pedagoggica da escola
vinha a par de um ousado plano de edificaes escolares, que em menos
de 30 anos (entre 1894 e 1911) chegou a erguer 44 novos prdios, e de
um investimento significativo tanto na formao de professores - em
igual perodo haviam sido criadas quatro escolas normais primrias e
14 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
duas normais secundrias no estado quanto na aquisio de objetos e
materiais didticos - da importao e fabricao de carteiras compra e
produo de quadros e museus escolares necessrios ao ensino intuitivo.
Partindo das terras paulistas, em 1893 (criao) e 1894 (implantao), o
modelo apareceu no Rio de Janeiro em 1897, no Paran, em 1903; em
Minas Gerais, em 1906, no Rio Grande do Norte e Esprito Santo, em
1908; no Mato Grosso, em 1910; e em Santa Catarina e na Paraba, em
1911, para citar alguns exemplos. Sua influncia foi particularmente
marcante at os anos de 1920, quando o eixo da poltica educacional
deslocou-se para a sede do governo republicano.
O Rio de Janeiro trouxe o segundo modelo: a Escola Nova. As seguidas reformas da instruo pblica implementadas por Carneiro
Leo (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Ansio Teixeira
(1931-1935) tinham produzido o solo frtil e consolidado uma nova
frmula de organizao administrativa e pedaggica do ensino, de
orientao laica, que, no negando as conquistas da escola graduada,
apresentava outros contornos s prticas e aos saberes escolares.
Mtodos de projeto, centros de interesse, sistema pLuoon foram novos
vocbulos incorporados ao exerccio da docncia carioca. A criao do
Ministrio da Educao e Sade em 1930 e a presena nele do educador
escolanovista M. B. Loureno Filho por mais de 40 anos em diversos
cargos tcnicos assegurava a disseminao das propostas a todo o Brasil,
ainda que a semntica da Escola Nova no fosse nica e as disputas com
educadores catlicos acirradas. Interessante constatar o lugar que
Escola Nova ocupava nos discursos de educadores nos dois estados. Em
So Paulo, Oscar Thompson e Sampaio Dria identificavam-na, ainda na
dcada de 1910, a mtodo intuitivo. No Rio de Janeiro, a expresso
ganhou relevo somente aps a aprovao da reforma de 1927. A partir de
ento, guindado por Azevedo, o termo passou a significar os esforos de
renovao escolar, o novo, em detrimento do passado, do ve- lho.
INTRODUO 15
Material com direitos autorais
Negava (e relegava ao esquecimento) as experincias anteriores
implementadas no Brasil, constituindo-se como verdadeira representao
da escola preliminar.
No mago dessa luta de representaes foram-se delineando os
contornos da escola primria brasileira. Por um lado a fora simblica da
frmula dos grupos escolares persistia como representao de ensino.
Por outro, a nova gramtica escolanovista lanava uma representao
concorrente. Os grupos escolares s foram extintos em 1971, na mesma
dcada em que os principais defensores da Escola Nova se afastaram das
contendas polticas. M. B. Loureno Filho faleceu em 1970, Ansio
Teixeira em 1971 e Fernando de Azevedo em 1974. Como exemplo das
muitas apropriaes entre os dois modelos est a manuteno das
expresses ensino ativo e escola ativa como equivalentes no vocabulrio
educacional, mencionada anteriormente.
A segunda problemtica com que me deparei foram as referncias
constantes a educadores e impressos norte-americanos e franceses,
histria da escola nos Estados Unidos e na Frana e ao papel das misses
de estudo efetuadas aos dois pases, entre o fim do sculo XIX e o incio
do XX, nos discursos de professores e reformadores brasileiros.
Interrogando-me sobre o lugar dessas presenas, interessei-me em
analisar as vrias maneiras de apropriao inventadas no perodo. A
remisso s escolas primrias estrangeiras emergia na representao da
obrigatoriedade escolar, na anlise das estatsticas escolares, na
constituio das disciplinas elementares de escrita e leitura,- ou, ainda,
na materialidade do mobilirio escolar,- produzindo contornos prprios
do universo da escola a alcanar pela educao brasileira e servindo de
recurso retrico na legitimao de prticas educativas. Os Pareceres sobre
o ensino primrio, de Rui Barbosa, e a Histoirede L 'htstruction Publicfueau
Brsil, de Jos Ricardo Pires de Almeida so apenas duas dentre muitas
obras em que as referncias ao panorama norte-americano ou francs no
16 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
fim do sculo XIX estruturavam a narrativa, organizando o estudo
comparativo.
Estimulada pela experincia anterior com os pesquisadores argentinos e
embalada pelos contatos iniciados durante o doutorado com Anne-Marie
Chartier, elaborei o projeto de ps-doutorado Prticas escolares de
leitura e escrita no Brasil (l 870-1930)9, que pretendia compreender as
mltiplas maneiras como se estabeleceu o intercmbio entre educadores
brasileiros e franceses, no perodo entre 1870 e 1930. Para tanto,
dispunha-me a pesquisar na coleo de revistas pedaggicas e de livros
da Biblioteca do Institut National de Recherche Pdagogique (INRP) e da
Biblioteca Nacional da Frana traos dessas relaes binacionais, tanto na
forma de circulao de impressos brasileiros na Frana, quanto na de
relatos de visitas efetuadas por educadores dos dois pases e de notcias
de fatos acontecidos no Brasil. Visava, ainda, consolidar a colaborao
iniciada
com o Servio de Histria da Educao do INRP, explorando categorias
histricas de anlise e aprofundando contornos de uma histria
comparada da educao.
9 O projeto foi aprovado pela FAPnsp (processo n. 01/ 09.978-6) com concesso de cinco meses de
bolsa de estudos no exterior.
Nos seis meses em que residi em Paris, os desafios foram muitos e os
limites da investigao precisaram ser progressivamente reavaliados.
Inicialmente, reduzi o recorte temporal, concentrando- me apenas no fim
do sculo XIX, quando a remisso Frana era mais freqente na
documentao brasileira. A seguir, selecionei dois objetos precisos para
estudo, mantendo a proposta de me debruar sobre o ensino escolar da
leitura e da escrita, com base em levantamentos efetuados em peridicos
educacionais franceses, escolhidos em razo da longa permanncia
editorial e da influncia que tiveram junto a professores e inspetores da
instruo primria. Aps percorrer as duas dcadas finais do oitocentos
na leitura da Revue Pdajojicjue,
INTRODUO 17
Material com direitos autorais
/
L'Education e Manuel Gnral de L'Instruction Primaire, optei por duas tpicas.
A primeira cingia-se ao cotejo de duas obras de leitura que circularam
nas escolas primrias francesas e brasileiras. La comdie enfatine, de Louis
Ratisbonne, e Contos infantis, de Julia Lopes de Almeida e Adelina Lopes
Vieira. A estratgia parecia pertinente, posto que 17 poesias de
Ratisbonne haviam sido traduzidas e incorporadas a Con- Jos Infantis. A
segunda dizia respeito tentativa de implementar o ensino da
estenografia na escola elementar francesa, que no encontrava
paralelismo no Brasil. Favorecia, assim, a uma descomparao, como
posteriormente sugeriu Mirian Warde (2003).
A remisso freqente s exposies universais na documentao
localizada na Frana, as tradues de artigos norte-americanos e de
pases europeus nas revistas pedaggicas francesas, o trnsito de edu-
cadores entre os dois continentes registrados em relatrios disponveis
consulta em bibliotecas, a curiosidade em conhecer aspectos dos
sistemas educativos dos pases sul-americanos, africanos e asiticos
perceptvel nas sees de notcia do estrangeiro veiculadas nos
peridicos educacionais franceses fizeram-me perceber o final do
oitocentos como um tempo de intensa circulao de objetos e pessoas e
de modelos culturais. Lidar com as estratgias dessa difuso e as tticas
das apropriaes efetuadas emergia como problema na recusa aos
primados de uma histria aprisionada pelas noes de tradio, influncia e
evoluo como alertara Foucault (1986). Na busca de uma categoria que
viabilizasse a anlise, deparei-me com a noo de histria conectada
(Subrahmanyam apud Gruzinski, 2001), guiada pelas mos competentes de
Maria Lgia Prado (2003).
Os resultados desse percurso compem o cerne da tese de livre -
docncia ora transformada em livro, que passo a apresentar. O texto foi
dividido em trs captulos. No primeiro, a maneira como concebo
18 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
algumas das categorias histricas mobilizadas nas anlises elucidada.
Particularmente detenho-me ao estudo da cultura escolar, explorando as
acepes de Andr Chervel, Dominique Julia, Antnio Vinao Frago
1 8 CULTURAS HSCOLARES
Material com direitos autorais
e Agustin Escolano, e diferenciando-as de categorias que por vezes *
se apresentam como similares. E o caso de forma escolar, enunciada por
Guy Vincent, e de gramtica da escola, cunhada por Lary Cuban e Dnvid
Tyack. Discorro brevemente sobre maneiras como a historiografia
educacional no Brasil vem utilizando essas categorias. Detenho-me,
ainda, nos conceitos de prticas e representaes, esposados por Roger
Chartier, e de tticas e estratgias, da lavra de Michel de Certeau,
interrogando-me sobre o desafio do estudo das prticas escolares na
dimenso histrica. Findo por abordar a categoria histria conectada, criada
por Subrahmanyam, mas tomada da leitura que fez Serge Gruzinski,
estendendo-me sobre outros conceitos a ela associados pelo mesmo
Gruzinski, como mestiagem e mediadores culturais. A circulao dos
conceitos no Brasil e as perspectivas que oferecem anlise, com base
nas apropriaes diversas e criativas que deles tem feito a investigao
nacional, so o que me instiga a realizar essa explorao terica.
No segundo captulo, abordo a constituio do livro escolar Contos
infantis, publicado em 1886, e aprovado pela Inspetoria Geral de
Instruco Primria e Secundria em 1891 para uso nas escolas primrias
brasileiras, com base nos elementos internos e externos obra e no
dilogo que estabelece com a publicao La comedie enfantine pela
traduo de poesias. As categorias explicitadas no primeiro captulo aqui
so entrecruzadas s referncias histricas, mobilizando as pesquisas
realizadas em arquivos e bibliotecas brasileiras e francesas, na
compreenso do livro como mensageiro de relaes, como afirma Natalie
Davis (1990, p. 159).
O terceiro e ltimo captulo empreende o esforo de refletir sobre as
prescries escolares de ensino da escrita no Brasil e na Frana, tomando
como objeto de anlise uma inovao pedaggica que fracassa; a
proposta de escolarizao elementar da estenografia. O intuito colocar
sob suspeita as afirmaes, correntes entre educadores no Brasil, que
1 8 CULTURAS HSCOLARES
Material com direitos autorais
insistem em imputar os insucessos ou atrasos no
INTRODUO 19
Material com direitos autorais
desenvolvimento da escola brasileira cpia de modelos estrangeiros.
Nesse captulo, reafirma-se a compreenso da cultura escolar como
constituda pela apropriao criativa de modelos, baseada na relao
entre determinantes sociais e histricas e as urgncias prprias da
organizao e do funcionamento escolares8.
Em Consideraes Finais, so sintetizadas as anlises efetuadas nos
dois ltimos captulos. Cumpre esclarecer que, elaborado em um mo-
mento determinado da investigao, este texto no encerra um per-
curso,- abre-se a novas leituras e propostas de estudo. As questes sus-
citadas no exerccio da pesquisa instigaram-me a alargar a interlocuo
com pesquisadores europeus e brasileiros e a estender o trabalho de
campo. Duas iniciativas foram realizadas nessa direo. Procurando
perceber como circularam objetos e pessoas entre Portugal e Brasil, no
fim do sculo XIX e incio do XX, passei a integrar desde 2002 o Grupo de
Trabalho para a Histria da Infncia e dos Materiais Educativos e Ldicos
(GRUTIMEL), no mbito do projeto de cooperao internacional, apoiado pela
Capes/Grices, 'A infncia e sua educao (1820-1950): materiais,
prticas e representaes ', coordenado em Portugal por Rogrio
Fernandes" e no Brasil por Luciano Mendes de Faria Filho9. Intentando
consolidar o levantamento de fontes e as anlises sobre a histria da
educao brasileira, elaborei, em 2003, com Maurilane Biccas, colega de
Histria da Educao da Faculdade de Educao da Universidade de So
Paulo (Feusp), e nossos orientandos no
Programa de Ps-graduao da Instituio, todos integrantes do Niephe,
o projeto dAs Mltiplas Estratgias de Escolarizao do Social Cons-
tituio da Forma Escolar no Brasil (1870-1970). Os dois investimentos
delineiam o horizonte de trabalhos futuros.
8 Devo esclarecer que excertos do primeiro capitulo foram publicados eni Faria Filho & Vidal et al.
2004; e do terceiro captulo em Vidal, 2004
9 A equipe brasileira conta com Cynthia Grcive Veiga, Maria Cristina Gouveia, Tarcsio Mauro Vago
Jos Gonalves Condra e Moyss Kulhmann Jr.
Material com direitos autorais
CA P T U L O U M
CULTURA E PRTICAS ESCOLARES Imagem com direitos autorais
A E S C O L A C O MO O B J E TO D E P ES Q U IS A A constituio de corpos " conceituais por um recorte ao mesmo tempo a causa e o meio de uma
leuta hemorragia.
A estrutura de uma composio no mais retm aquilo (fue representa, mas deve tambm enunciar" o
bastante,
para (jue com esta fuga sejam verdadeiramente encenados - produzidos" o passado,
o real ou a morte de Que fala o texto.
Assim se encontra simbolizada a relao do discurso
com aquilo (jue ele designa perdendo, quer dizer com o passado (Jue ele no , mas (Jue no seria
pensvel sem a escrita (jue articula composies de lugar com uma eroso destes lugares MICHEL DE CERTEAU, 1982, pp. 105-106
Discorrendo sobre a escrita da histria, Michel de Certeau (1982) nos
prope refletir acerca da relao entre a prtica da pesquisa de campo e
a produo do discurso historiogrfico. Conferir inteligibilidade aos fatos,
recolhidos na documentao, por meio de uma narrativa compreensiva,
o exerccio privilegiado da interpretao histrica. Para realiz-lo, o
historiador lana mo de conceitos que, para De Certeau (idem, p. 104),
podem ser considerados categorias histricas, na medida em que,
simultaneamente, se constroem como unidades de significado,
conferindo ordem documentao, e se desconstroem pelo prprio
movimento do arquivo.
As categorias histricas, assim, conferem um sentido ao passado,
incorporado pela escrita historiogrfica, no duplo registro de uma
condio da pesquisa de campo e dc uma recriao da anlise pelo
manuseio das fontes. Para o autor, o confronto constante entre empiria
c teoria que assegura densidade aos conceitos. Reinventados no fazer da
investigao, os conceitos nem determinam previamente o resultado da
narrativa histrica, nem saem ilesos do combate com os dados
CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 23
Material com direitos autorais
encontrados nos arquivos.
Tomadas essas precaues, algumas categorias com as quais venho
operando na tessitura da escrita em histria da educao so, aqui,
escrutinadas. Inicialmente, debruo-me sobre os significados
concorrentes de cultura escolar. No segundo item, abordo forma escolar
e gramtica da escola. No terceiro, estendo-me sobre os modos como
esses conceitos tm sido apropriados pela historiografia da educao
brasileira. Tal qual nos tpicos anteriores, a preocupao no
inventariar exaustivamente as posies no campo, mas desenhar
diferentes aproximaes. A seguir, interesso-me pelas questes relativas
a um estudo que pretenda contemplar as prticas escolares. Por fim,
discorro acerca de histria conectada e mediadores culturais. Ao longo
do texto, espero descortinar os modos como tenho constitudo a escola
(pblica primria) como objeto de investigao. 1. CULTURA ESCOLAR: SIGNIFICADOS CONCORRENTES'
H aproximadamente 10 anos, a categoria cultura escolar vem subsi-
diando as anlises historiogrficas e assumindo visibilidade na estrutura-
o de eventos do campo da Histria da Educao10. Talvez porque enun-
ciado no prestigioso frum do International Standing Conference for
History of Education (Ische), talvez porque difundido no Brasil nos pro-
gramas de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Universidade de
So Paulo (USP) e da Pontifcia Universidade Catlica (PUC-SP), ainda na
verso mimeografada, ou talvez por situar a cultura escolar como um
objeto da investigao em histria, o artigo de Dominique Julia, "A cultu-
ra escola como objeto histrico", publicado em 1995 na Paedagogica
Histrica e traduzido para o portugus somente em 2001, pela Revista
Brasileira de Histria da Educao, como artigo de abertura ao primeiro
nmero do peridico, tenha sido insistentemente citado, tanto nas
investigaes estrangeiras como nas nacionais. Entre o texto
10 Algumas das formulaes utilizadas neste captulo (oram publicadas no artigo Faria Filho et al.
(2004).
24 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
pronunciado na conferncia de encerramento do Ische e o editado nos
peridicos algumas diferenas so perceptveis. Apesar da similitude das
formulaes, um interesse pelas culturas infantis como integrantes da
cultura escolar emergiu na segunda verso, matizando a nfase conferida
anteriormente ao que poderamos chamar "culturas docentes", sem o
aval, entretanto, do prprio Julia. A definio vinha j no segundo pargrafo do artigo:
Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de
normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto
de prticas que permitem a transmisso desses conhecimentos e a incorporao
desses comportamentos,- normas e prticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as pocas (finalidades religiosas, sociopolticas ou simplesmente de
socializao). Normas e prticas no podem ser analisadas sem se levar em conta o
corpo profissional dos agentes que so chamados a obedecer a essas ordens e,
portanto, a utilizar dispositivos pedaggicos encarregados de facilitar sua apli-
cao, a saber, os professores primrios e os demais professores. Mas, para alm
dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo,
modos de pensar c de agir largamente difundidos no interior de nossas
sociedades, modos que no concebem a aquisio de conhecimentos e de
habilidades seno por intermdio de processos formais de escolarizao: aqui se
encontra a escalada dos dispositivos propostos pela schooled society que seria
preciso analisar,- nova religio com seus mitos e ritos contra a qual Ivan Illich se
levantou, com vigor, h mais de 20 anos. Enfim, por cultura escolar conveniente
compreender tambm, quando possvel, as culturas infantis (no sentido
antropolgico do termo), que se desenvolvem nos ptios de recreio c o
afastamento que apresentam cm relao s culturas familiares [JULIA, 2001, pp. 10-1
1],
Partindo do diagnstico de que desde a dcada de 1970 a histria da
educao havia refinado suas problemticas de investigao, a proposta
de Julia almejava acrescentar ao excessivo peso das normas a ateno s
CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 25
Material com direitos autorais
prticas.
Era esse o argumento fundamental. Criticando as anlises que, na
esteira de Bourdieu e Passeron, pretendiam ver na escola apenas o lugar
de reproduo social, e as que, em virtude das comemoraes dos 100
anos de obrigatoriedade escolar na Frana, percebiam a ins-
CUl.TURA E PRTICAS ESCOLARES 26
Material com direitos autorais
tituio como um triunfo tcnico e cvico (ambas excessivamente
apoiadas na idia de uma pujana da ao da escola, que identificava
inteno com resultados), Julia convidava os historiadores da educao a
se interrogarem sobre as prticas cotidianas, sobre o funcionamento
interno da escola. A metfora aeronutica da "caixa-preta'f adquiria valor
de argumentao Recusando estudos essencialmente externalistas, como
a histria das idias pedaggicas, das instituies educativas e das
populaes escolares, que tomavam como fontes privilegiadas os textos
legais, propunha uma histria das disciplinas escolares, constituda com
base em uma ampliao das fontes tradicionais, A defesa de uma viragem
nos estudos histricos em educao no se fazia acompanhar, contudo,
por um desdm s anlises macropolticas. Pretendia, ao contrrio, a
aproximao entre estas e os estudos voltados ao interior das
instituies de ensino.
A decisiva questo das fontes emergia como problema, o qual Julia
contornava sugerindo a capacidade do historiador para fazer flecha com
qualquer graveto e lembrando o inusitado das surpresas dos arquivos,
reveladas apenas queles que se deixavam sensibilizar por novos
objetos, a despeito de reconhecer as dificuldades inerentes a uma
investigao sobre as prticas culturais, uma vez que elas no costumam
deixar traos. Alertava, por fim, para a necessidade de se recon-
textualizarem as fontes, suspeitando que a "grande inrcia que perce-
bemos em nvel global pode estar acompanhada de mudanas muito
pequenas que insensivelmente transformam o interior do sistema" (Julia,
2001, p. 15). Externava sua crena, assim, nas inovaes pedaggicas,
esposando uma concepo de cultura escolar como inventiva.
Para demonstrar as possibilidades de um estudo acerca das prticas,
que se originasse da anlise de textos normativos, debruou-se sobre o
Ralio Studiorum.
A verso de 1586, Julia identificava-a como um programa de lies e
CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 27
Material com direitos autorais
exerccios graduados de teologia a gramtica. Quanto verso de 1591,
percebia-a como uma descrio da hierarquia de funes e poderes
especializados da Companhia de Jesus. Para Dominique Julia, a
comparao dos dois documentos evidenciava que o colgio deixara de
ser apenas um local de aprendizagem de saberes para tornar-se tambm
um lugar de incorporao dos comportamentos e hbitos exigidos por
uma "cincia de governo7' que transcendia e dirigia a formao crist e as
aprendizagens disciplinares.
Embora o artigo de Julia aparea como seminal em vrios estudos a
partir da dcada de 1990, o debate em torno da cultura escolar lhe
anterior. Em texto publicado no Brasil no ano de 2002 mas disseminado
em lngua espanhola j em 2000, fruto do seminrio organizado pela
Universidade Complutense de Madri em 1997 (Berrio, 2000, p. 15),
Dominique Julia chamava a ateno para a forte inspirao que tivera do
trabalho de Andr Chervel (Julia, 2002, p. 42), referindo-se
particularmente ao artigo "Histria das disciplinas escolares: reflexes
sobre um campo de pesquisa", editado pela revista Histoire de lducation,
em 1988, e publicado no Brasil em 1990.
Contrapondo-se ao conceito de transposio didtica defendida por
Yves Chevallard (1985), Andr Chervel advogava a capacidade da escola
para produzir uma cultura especfica, singular e original. Ao discorrer
sobre construo das disciplinas escolares, em particular sobre a
ortografia francesa, Chervel criticava os esquemas explicativos que
posicionam o saber escolar como um saber inferior ou derivado dos
saberes superiores fundados pelas universidades, bem como a noo da
escola como simples agente de transmisso de saberes elaborados fora
dela, lugar portanto do conservadorismo, da rotina e da inrcia. Para ele,
a instituio escolar era capaz de produzir um saber especfico cujos
efeitos estendiam-se sobre a sociedade e a cultura, e que emergia das
determinantes do prprio funcionamento institucional.
28 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
Lingista, Chervel produziu uma srie de estudos no mbito da histria
das disciplinas escolares sobre o ensino do francs. A ortografia (1969), a
gramtica (1977), o ditado (1989) e a composio francesa (1999), nos
sculos XIX e XX, estiveram sob suas lentes e fundaram sua compreenso
da dimenso histrica da cultura escolar, tanto no que ela se apropriava
das circunstncias sociais quanto no que interferia na sociedade. O
estudo sobre a ortografia foi a base da interpretao. Partindo da
interrogao sobre os efeitos que a instituio escolar produzia, por sua
existncia, na sociedade e na cultura, e recorrendo a um conjunto
documental localizado nos Archivcs Nationales e s primeiras estatsticas
sobre as escolas primrias, procurou averiguar o estado real dos
conhecimentos ortogrficos dos professores primrios franceses em 1830
e a importncia do sistema de formao inicial e contnua, instalado pela
Lei Guizot de 1833, na configurao dos saberes docentes a partir de
ento (Chervel, 1998, p. 188 e ss ). Constatou que se, em 1829, 63% dos
professores desconheciam a gramtica, em 1850 essa porcentagem havia
cado para nveis insignificantes. Com a criao das escolas normais
masculinas e a obrigatoriedade de sua freqncia por parte dos mestres
em exerccio, em 20 anos todo o corpo docente primrio havia adquirido
o saber da gramtica.
As conseqncias sociais e polticas dessa transformao levaram
substituio do padre pelo professor nos cargos da administrao
municipal, abrindo as portas para a escola laica francesa. A esse efeito
mais conhecido da historiografia, Chervel acrescentou outros trs, mais
propriamente concernentes cultura escolar. O primeiro, considerado
lingstico, refere-se a uma cristalizao da ortografia. No momento em
que todos os mestres aprenderam a grafar as palavras da mesma
maneira, a ortografia teria deixado de evoluir. O segundo efeito, de
cunho cultural, concorre ao estatuto que a ortografia alcanou na opinio
pblica a partir da segunda metade do oitocentos na Frana. Seu
CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 29
Material com direitos autorais
prestgio teria levado a identificar como inculto o indivduo que no
soubesse escrever corretamente. O terceiro efeito, que incide sobre a
gramtica propriamente dita, tambm o que sustenta a argumentao
de Chervel acerca da originalidade da cultura escolar. Para o autor, o
difcil aprendizado da ortografia deu origem elaborao de uma teoria
das funes, puramente escolar e
30 CULTURAS ESCOLA RES
Material com direitos autorais
operatria, constituda no intramuros da escola por mestres em ati-
vidade (e no por eruditos), que respondia s urgncias do ensino.
Acrescentou, ainda, a estes, um efeito indireto, ligado economia das
relaes disciplinares: as dificuldades ortogrficas da lngua francesa
teriam favorecido a permanncia da soletrao como mtodo de leitura
privilegiado a despeito das mudanas metodolgicas posteriores. Sua
concluso sobre a cultura que a escola legava sociedade comportava
dois aspectos. Por um lado, ela traduzia os resultados esperados pelo
programa oficial. Por outro, revelava efeitos imprevisveis, engendrados
pelo sistema escolar independentemente (Chervel, 1998, p. 190). Esse
duplo escopo e a importncia que assumiram as disciplinas escolares na
conformao da cultura escolar fizeram Chervel afirmar:
Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noo de disciplina, desde
que se reconhea que uma disciplina escolar comporta no somente as prticas
docentes da aula, mas tambm as grandes finalidades que presidiram sua
constituio e o fenmeno de aculturao de massas que ela determina, ento a
histria das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante no
somente na histria da educao mas na histria cultura!. Se se pode atribuir um
papel "estruturante" funo educativa da escola na histria do ensino, devido a
uma propriedade das disciplinas escolares. O estudo dessas leva a pr em
evidncia o carter eminentemente criativo do sistema escolar, e portanto a
classificar no estatuto dos acessrios a imagem de uma escola encerrada na
passividade, de uma escola receptculo dos subprodutos culturais da sociedade.
Porque so criaes espontneas c originais do sistema escolar que as disciplinas
merecem um interesse todo particular. E porque o sistema escolar detentor de
um poder criativo insuficientemente valorizado at aqui que ele desempenha na
sociedade um papel o qual no se percebeu que era duplo: de fato ele forma no
somente os indivduos, mas tambm uma cultura que vem por sua vez penetrar,
moldar, modificar a cultura da sociedade global 11990, p. 184) .
Apesar de prximos e da influncia que o trabalho de Chervel exerceu
CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 31
Material com direitos autorais
sobre Julia no que concerne discusso em torno da constituio das
disciplinas escolares e dos efeitos sociais da escolarizao, h diferenas
nas acepes de cultura escolar enunciadas pelos pesquisadores. Chervel
parece afirm-la de maneira mais contundente como original e se
interessa principalmente pela construo dos saberes escolares. Julia
enfatiza a importncia de que a anlise recaia particularmente sobre as
prticas escolares, o que lhe permite distinguir entre uma cultura escolar
primria e uma cultura escolar secundria.
Sensibilizado tambm pelas questes relativas constituio das
disciplinas escolares, mas atuando na interseco com os estudos sobre
currculo, Jean Claude Forquin, em artigo publicado pela revista Jeoria &
Educao, em 1992, e no livro Escola e cultura, frutos de sua tese de
doutorado, sado a lume em portugus no ano seguinte, caracterizava a
cultura escolar como seletiva, no que concerne cultura social, e
derivada, no que tange sua relao com a cultura de criao ou
inveno das cincias-fonte. Quanto ao primeiro aspecto, asseverava:
A educao no transmite jamais a cultura, considerada como um patrimnio
simblico e unitrio c imperiosamente coerente. Nem sequer diremos que ela
transmite fielmente uma cultura ou culturas, elementos de cultura, entre os quais
no h forosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de
pocas diferentes, obedecer a princpios de produo e lgicas de desenvolvimento
heterogneos e no recorrer aos mesmos procedimentos de legitimao. Isto
significa dizer que a relao entre educao e cultura poderia ser mais bem
compreendida atravs da metfora da bricolage fcomo reutilizao, para fins
pragmticos momentneos, de elementos tomados de emprstimo de sistemas he-
terogneos) do que atravs da metfora do reflexo ou da correspondncia
expressiva fFORQUIN, 1993, p. 15J.
E como efeito de um trabalho de reinterpretao e reavaliao contnua
do que devia ser conservado, ao lado de um movimento de esquecimento
de parcelas da experincia humana, que se operaria a seleo, na
32 CULTURAS ESCOLARES
Materal com direitos autorais
herana cultural, de contedos tidos por imprescindveis educao do
homem e fundamentais perpetuao da sociedade, includos no
currculo escolar. Essa seleo decorreria de fatores sociais, polticos e
ideolgicos, que, de acordo com o autor, comportam algo de arbitrrio e
de constante questionamento da escola legada pelos antepassados, e se
realizaria pelo entrecruzamento de aes institucionais (currculo oficial),
docentes (currculo real) e discentes (currculo aprendido?). Far-se-ia
acompanhar, ainda, de uma transformao do conhecimento produzido
pela academia. E, nesse sentido, no apenas recorta saberes e materiais
culturais disponveis em um dado momento na sociedade, mas efetua a
reorganizao e reestruturao desses saberes, perante a necessidade de
transposio didtica.
Forqutn identificava trs imperativos na conformao da transposio
didtica. O primeiro, a transposio propriamente dita, provinha do
reconhecimento da diferena entre a arte de ensinar e a arte de inventar.
Cabia ao professor levar o aluno a redescobrir um conhecimento j
inventado pela cincia, tendo em conta o estado do conhecente, do
ensinado e do ensinante, sua posio respectiva com respeito ao saber e
forma institucionalizada da relao entre um e outro, em cada contexto
social. O segundo, a interiorizao, decorria do uso dos dispositivos de
repetio e exame como formas de assimilao. O terceiro, os
imperativos institucionais, referiam-se ao tempo de aula, diviso do
conhecimento por sries, aos ritmos de exerccios e aos mecanismos de
controle. Eram essas trs ordens de questes que faziam Forquin afirmar
a cultura escolar como uma cultura segunda.
A cultura escolar apresenta-se assim como uma cultura segunda com relao
cultura de criao ou de inveno, uma cultura derivada e trans-
CULTURA L PRTICAS ESCOLARES 3 1
Material com direitos autorais
posta, subordinada inteiramente a uma funo de mediao didtica e
determinada pelos imperativos que decorrem desta funo, como se v atravs
destes produtos e destes instrumentos caractersticos constitudos pelos
programas e instrues oficiais, manuais c materiais didticos, temas de deveres
e de exerccios, controles, notas, classificaes e outras formas propriamente
escolares de recompensas c de sanes [FORQUIN, 1992, pp. 33-34].
Cabe destacar que, tanto na tese, defendida em 1987, em que a reflexo
de Chevallard (1985) sobre a transposio didtica predominava, quanto
no artigo publicado inicialmente em 1991, em cuja bibliografia figurava o
texto de Chervel, "Histria das disciplinas escolares: reflexes sobre um
campo de pesquisa", j apontado por Julia como emulador de sua escrita,
Forquin parecia transitar da apreciao da cultura escolar como uma
cultura derivada sua percepo como original. Alertava, no artigo, que a
transposio didtica ou a rotinizao acadmica no permitiam a
compreenso de certos aspectos mais especficos do funcionamento
escolar, como prticas internas s salas de aula, competncias
operatrias de curto alcance e de funo puramente adaptativa, rituais,
rotinas e receitas, indagando-se se a escola no poderia ser pensada
como "verdadeiramente produtora ou criadora de configuraes
cognitivas e de hdbitus originais que constituem de qualquer forma o
elemento nuclear de uma cultura escolar sui gtwtris" (idem, p. 35).
Tentava, assim, conciliar duas vertentes analticas que se haviam
produzido como opostas.
No 111 Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Educao, realizado
em Coimbra, em 2000, quando participou da mesa-redonda "Culturas
escolares", Agustn Escolano Benito props uma outra concepo de
cultura escolar. Em texto que no foi editado no Brasil mas que circulou
em Portugal como parte das publicaes decorrentes do III Encontro
Ibrico de Histria da Educao, Escolano
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