a mitologia grega, Saturno é a personifi-
cação do tempo. Tem por atributos o
gadanho e a clepsidra. Mas, quando
nasceu Saturno? As interrogações sobre
o tempo remetem-nos para o universo
que lhe dá guarida – Terra e Sol, dia e
noite, suor e sangue, vento que estremece,
poeiras e chuvas, imensidão de oceanos, pro-
fundidade de lagos, crepúsculo como raíz e diamantes como
coração.
O tempo é andrógino e confunde virilidade com feminilidade.
Conhece todas as alquimias. O tempo é sábio. Senti-lo passar e
vivê-lo é tão natural como acreditar que há pedras duras e macias,
um Sol que queima, uma água que refresca...
Para os gregos da Antiguidade Clássica, os diamantes eram frag-
mentos de estrelas. Alguns deles, até admitiam que eram lágrimas
dos deuses...
Havia uma lenda que referia um vale situado na Ásia Central, re-
pleto de diamantes protegidos, no céu, por aves de rapina, na ter-
ra, por serpentes venenosas.
O tempo e os diamantes são mistérios da natureza.
A ORIGEM DOS DIAMANTES
A origem exacta dos diamantes é ainda muito enigmática mesmo
para os cientistas. Duro, o diamante é a mais resistente de toda as
gemas e o mais simples na sua composição. É puro carbono crista-
lizado, há muitos milhares de anos, sob o imenso calor e pressão
das profundidades da crosta terrestre.
Depois, a força de antigas erupções vulcânicas trouxe a pedra fun-
dida do diamante, através de canais, até à superfície das terras das
regiões mineiras hoje conhecidas.
Só 20 por cento dos diamantes extraídos em todo o mundo têm
qualidade de gema; os restantes são aproveitados para fins indus-
triais. Daí que os diamantes de qualidade sejam tão raros. São ex-
tremamente difíceis de obter. Trinta e uma toneladas de minério
produzem, em média, um quilate de diamante. A peritagem de
muitos especialistas experientes na matéria é necessária não só no
complicado processo de extracção, mas também nos de corte (cli-
vagem), lapidação e polimento do diamante.
A expressão ‘diamante bruto’ é usada para descrever o diamante
no seu estado natural, isto é, antes de ser trabalhado. A beleza des-
ta gema depende da maneira como reflecte a luz. O lapidador tem
que a facetar de forma a que o diamante receba e reflicta a máxi-
ma quantidade de luz para que brilhe como o fogo, e tenha os tão
famosos ‘esplendor’ e ‘cintilação’.
A forma cristalina dura do diamante deve-se ao calor e pressão vul-
cânica, de vulcões pré-históricos, que comprimem os átomos de
carbono produzindo os formosos cristais de diamante, do sistema
cúbico. Esses cristais são de forma muito típica, sendo os mais fre-
quentes o octaedro (de oito faces triangulares) e o dodecaedro
(com doze faces iguais).
Também existem cristais em forma de cubo e até em forma de es-
fera (algo imperfeita). O diamante é a mais dura de todas as subs-
tâncias que existem na terra. Nenhuma temperatura inferior a
1400 graus Celsius é capaz de afectá-lo e não é comprometido por
nenhum ácido ou álcool.
NPor Marionela Gusmão
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Se perguntarmos ao tempo o tempo que o tempo tem, a resposta provável pode ser: uma eternidade. Háentre o tempo e os diamantes uma relação muito próxima: ambos são eternos. Mas quando despertou otempo? E quando surgiram os diamantes?
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Diamantes.O Tempo da eternidade
01. 02. 03. 04. 05. 06. 07.
08.
01. Em oval
02. Em pêra
03. Em coração
04. Em ‘marigold’
05. Em brilhante
06. Em ‘sunflower’
07. Em triângulo
08. Em... Reverso!
vez àquelas paragens como... artista ambulante. Em 1889, a De
Beers Consolidated Mines, Lda, constituída um ano antes, com-
prou os direitos de Barnato com um cheque de vinte e cinco mi-
lhões de dólares!
As mais recentes manifestações em que os diamantes foram pro-
tagonistas, terão sido, sem dúvida, o XXIV Congresso Mundial de
Diamantes, realizado em Agosto de 1996, em Singapura, e no qual
Nicholas Oppenheimer, então Presidente da Central Selling Or-
ganisation. C.S.O., anunciou o lançamento de uma série de novos
talhes, entre eles, o ‘The Deepdene Diamond’.
DIAMANTES E HISTÓRIA
Até meados do século XVII, foram os lapidadores de pedras dos
Países Baixos que deram a conhecer as vantagens do talhe carac-
terístico do brilhante (as faces de um diamante lapidado deviam ser
em número múltiplo de oito). Começou-se por lapidar em dezas-
seis facetas, das quais se passou para trinta e duas. O caminho, to-
davia, foi longo e trabalhoso; muitos e bons diamantes foram lapi-
dados com pouca perícia, até que Hortensio Bórgia, de Veneza, de-
vido a um acaso, deu o aspecto de cristal de rocha a um diamante,
criando o famoso Koh-i-noor. No entanto, só em 1852, Coster con-
seguiu, mediante uma nova técnica de lapidação, na qual gastou
trinta e oito dias, proporcionar à famosa pedra o seu esplendor ac-
tual; o seu peso, porém, que antes era de 186 quilates, ficou re-
duzido a 106, mas ganhou muito em esplendor.
Face aos avanços técnicos, o cardeal Mazarino ordenou, em 1650,
que fossem de novo lapidados todos os diamantes pertencentes à
coroa francesa. Luís XIV, adorava diamantes e nas grandes festas,
especialmente nas recepções de embaixadores estrangeiros,
chegou a ostentar diamantes avaliados em mais de 15 milhões de
francos! Segundo os cronistas, o monarca, antes de 1684, possuía
104 botões de diamantes e nesse ano mandou talhar uma pedra de
52 quilates para fazer dois botões magníficos!
ESPIRAL | 049048 | ESPIRAL
ORIGENS
Os achados de diamantes nas terras de aluvião contíguas aos rios
Kistna e Godavari, na Índia, datam pelo menos, do século VIII a.
C..
Reuniam-se os diamantes no reino de Golconda e poliam-se numa
praça forte (com o mesmo nome), que se converteu em verdadeira
lenda. As gemas eram levadas por mercadores e viajantes aos gre-
gos e romanos, em direcção a Ocidente, e aos malaios e chineses,
em relação a Oriente.
Entre 1518 e 1687 reinaram na Índia oito reis da dinastia Kutb
Shahi. Foi durante esses quase cento e setenta anos que a procura
de diamantes se sistematizou. O Oriente continuou a ser o único
centro de produção de diamantes até l726 – e crê-se que nessa da-
ta ter-se-ão exportado mais de doze milhões de quilates desta pedra
preciosa!
A DESCOBERTA DE NOVAS MINAS
Em 1721, os mineiros que procuravam ouro na antiga colónia por-
tuguesa do Brasil encontraram perto da Tijuca, na Província de Mi-
nas Gerais, um conjunto de pedras. O nosso rei D. João V ordenou
uma investigação, da qual se encarregou Bernardo da Fonseca Lobo
que, vindo de Goa, conhecia bem os diamantes, pois era por ali que
passava grande parte da exportação destas gemas. Lobo confirma os
rumores: as pedras brilhantes brasileiras eram de facto diamantes.
Quando a notícia chegou a Lisboa, cantaram-se ‘Te Deums’ nas
igrejas, enviaram-se algumas amostras ao Papa e mudou-se o nome
da cidade de Tijuca para Diamantina.
Os diamantes brasileiros achavam-se em depósitos de aluvião, co-
mo os da Índia. Recolhidos primeiramente por escravos, a quem se
prometia a liberdade como recompensa se achassem exemplares
muitos grandes, a produção sucedia-se a tão bom ritmo que se
obteve mais de dez mil quilates ao ano, o que seria hoje mais de um
bilião de dólares de extracção! Entretanto, descobriam-se dia-
mantes na Guiana inglesa, Venezuela, Rússia e Estados Unidos, até
que o primeiro lugar da produção foi ocupado pela África. Segunda
reza a lenda, em 1867, foi um menino que nasceu e morreu pobre,
de apelido Jacob, quem encontrou uma pedrita brilhante na orla
meridional do rio Laranja. A pedrita andou de mão em mão. Era
um diamante de 21.8 quilates. Mais tarde, outro rapazinho encon-
trou nova pedrita – um diamante de 83.5 quilates. Nada menos do
que aquele que veio a chamar-se Estrela da África do Sul.
A partir daqui, a região em torno da cidade do Cabo da Boa Esper-
ança foi invadida não só por exploradores como pelas mais diversas
classes de vendedores ambulantes. Os mineiros acharam dia-
mantes no solo brando, debaixo do qual havia uma rocha amarela
peculiar, que consideraram como fundo da formação.
Em Kimberly, a cerca de 100 quilómetros a nordeste do lugar dos
primeiros achados, os mineiros escavaram a rocha amarela, que se
encontrava apenas a 60 centímetros da superfície. Comprovaram
que não se tratava de solo de aluvião, mas sim da parte superficial
do próprio terreno diamantífero original, do filão de diamantes,
que tanto se havia desejado encontrar. A cerca de quinhentos me-
tros a este da mina de Kimberly achou-se a riquíssima jazida De
Beers. Nos primeiros tempos, Rhodes teve como rival Barney Bar-
nato, também muito empreendedor, e que tinha ido pela primeira
Mais tarde, outro rapazinho encontrou ocasionalmente nova
pedrita - um diamante de 83.5 quiilates. Nada menos do que
aquele que veio a chamar-se ‘Estrela da África do Sul’.
Diamantes
01. Aspecto da mina Big Hole de
Kimberley (África do Sul)
02. Recolha de diamantes na mina
Barkley em West-Waldeck.
03. Anel Diffusion Vaso da Versace.
04. Jóia com o diamante Cullinan,
ou ‘Estrela de África’, referenciado
no texto.
05. Anéis Transparence da
Mauboussin.
01.
02.
03.
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04.
05.
Mas nem só Luís XIV possuía grande riqueza em brilhantes. Em
Espanha, os reis e toda a nobreza faziam gala nas jóias. Basta ler a
relação das peças que D. Luísa de Gusmão trouxe para Portugal
para entendermos como essas pedras faziam parte do dote das
grandes personagens. Filha do Duque de Medina Sidonia, noiva do
Duque de Bragança, a jovem senhora trouxe consigo o seguinte:
«uma banda de diamantes; um cinto de diamantes; uma rosa de
diamantes para o cinto; uma jóia de grandes laços de diamantes
para o peito; umas arrecadas de diamantes, quinze dúzias de botões
de diamantes e várias outras jóias com diamantes grandes».
De todo este rol de diamantes, saíram alguns de Portugal para aju-
dar às despesas da Restauração da Monarquia e outros foram parar
a Inglaterra quando a sua filha Catarina, casou com Carlos II. No
séc. XVIII, a história dos diamantes ou brilhantes, como é vulgar
chamarmos, é infinita. Não cabe nas páginas desta revista.
Depois da descoberta das minas de diamantes no Brasil, os por-
tugueses faziam ofertas sem controle e cada embaixador levava
sempre presentes verdadeiramente reais para os países onde nos
representavam.
Depois da Revolução Francesa, Napoleão, um homem obcecado
pela grandeza, usou diamantes a torto e a direito, para si e toda a
sua família. A sua coroação como imperador foi o maior festival de
diamantes jamais realizado. Entre quedas e ascensões de poder, e
rei morto, rei posto, os diamantes brilharam em todas as festas. Em
França, Napoleão III ditava os sonhos ao lado da sua formosa Eu-
génia de Guzmán Y Montijo, enquanto em Inglaterra a rainha
Vitória ia criando o ‘Tesouro’ que tornou a sua coroa na sede dos
melhores diamantes do mundo.
Mas, na história dos diamantes, há o capítulo das jóias adquiridas
com o dinheiro da revolução industrial – o capítulo das milionárias
como as Vanderbilt, as Post e as Whitney, entre outras, que rival-
izavam com a baronesa de Rotschild, a condessa de Hohenfelsen, a
princesa de Ganay, a marani do Baroda ou a rainha Alexandra. Nas
grandes mudanças do séc. XX, a paixão dos diamantes nunca foi
afectada. Pelo contrário. Chanel até dizia adorá-los porque dentro
de uma mão podia ter o valor de um grande prédio... e vieram as
celebridades do cinema e da ópera ocupar o lugar das princesas,
com Elisabeth Taylor e Maria Calas (em primeiro plano) tornando-
se estrelas com direito a diamantes de excepção.
No início do séc. XXI, o puzzle ainda não está definido. Dizia-se
que as novas vedetas eram as manequins, mas com o aparecimen-
to de actrizes de cinema como Catherine Zeta-Jones e outras de
igual registo de bilheteiras parece-nos que os colares de grande
valia continuam a ser executados e adquiridos para as ‘stars’ do
celulóide, para as milionárias japonesas, para as mulheres das ‘Mil
e Uma Noites’ do mundo árabe, enquanto que os diademas e ou-
tras jóias antigas de grande valor repousam nos cofres à espera da
realização de um grande casamento ou de uma grande gala de ex-
cepção.
CONCLUSÃO
Não há pedra que possa competir com o esplendor, fogo, cintilação
e dureza de um diamante. Aliás, o ‘fogo’ de um diamante é a beleza
das cores do arco-íris dentro do qual a pedra separa a luz branca
que passa através dele. É como um rasgo de cores a ensinar-nos que
a natureza tem longas filas de flores a palpitarem como sóis calei-
doscópicos, framboesas carnudas, romãs que inquietam e amoras
que demoram os olhos suspensos em quem as contempla...
A ‘cintilação’, ‘flash’ de luz que ocorre sempre que um diamante se
movimenta, mesmo que ligeiramente, é definida pelos poetas co-
mo uma vertigem. Talvez a vertigem do filho de Loth, Ámon, ao
contemplar-se Sol. A vertigem do último degrau de Babel ou Zubin
Metha a reger um coral de anjos inocentes...
Os diamantes em jóias e relógios são uma tentação. São eternos co-
mo... o tempo.
ESPIRAL | 051050 | ESPIRAL
02.Diamantes
01. Harry Winston
02. Franck Muller
03. Reverso Neva, da Jaeger-LeCoultre
04. TAG Heuer Alter Ego
01.
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Actualmente, os colares de grande valia continuam a ser exe-
cutados e adquiridos para as grandes estrelas do celulóide,
para as milionárias japonesas, para as mulheres das ‘Mil e
Uma Noites’ que povoam o imaginário do mundo árabe...
04.03.
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