DETERMINAÇÃO DE DADOS EXPERIMENTAIS DE
EQUILÍBRIO DE FASES À ALTA PRESSÃO DO SISTEMA
DIÓXIDO DE CARBONO SUPERCRÍTICO + ETANOL + L-
LACTÍDEO
E. A. REBELATTO1, J. P. BENDER
2, J. V. OLIVEIRA
1, M. LANZA
1
1 Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Engenharia Química e Engenharia de
Alimentos 2
Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim
E-mail para contato: [email protected]
RESUMO – A maioria dos processos tradicionais de polimerização é mediada por
catalisadores tóxicos que podem deixar resíduos nos produtos, por outro lado, os
processos enzimáticos que utilizam catalisadores biológicos podem ser considerados
limpos. Em especial, o poli-(L-lactídeo), que pode ser obtido através da abertura do anel
do monômero L-lactídeo, é classificado como um polímero biodegradável, biocompatível
e bioreabsorvível, assim pode ser empregado na área médica, farmacêutica e alimentícia.
O objetivo deste trabalho foi realizar o estudo do comportamento de fases em alta pressão
do sistema ternário L-lactídeo + etanol + dióxido de carbono supercrítico visando à
obtenção de dados para a condução do processo de polimerização em meio supercrítico.
Os experimentos foram realizados utilizando uma célula de volume variável numa faixa
de temperatura de 50 a 70 °C, pressão entre 90 e 255 bar e razão molar etanol/L-lactídeo
de 1:1. Transições de fases do tipo líquido-vapor, líquido-líquido e líquido-líquido-vapor
foram observadas. Por meio de diagramas P-x e/ou P-T, observou-se o comportamento
LCST. Os dados reportados neste trabalho fornecem informações importantes para o
desenvolvimento e condução da síntese de polímeros em meio supercrítico.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de macromoléculas com propriedades e estruturas definidas com o
objetivo de aplicações biomédicas tem resultado em diversos polímeros biodegradáveis com
arquiteturas avançadas. Entre eles, poliésteres alifáticos e policarbonetos sintetizados pela
polimerização de abertura de anel (ROP) de lactonas e lactídeos, que têm uma posição de
destaque devido às propriedades mecânicas, hidroestabilidade e biocompatibilidade (Garlotta,
2001).
Área temática: Engenharia das Separações e Termodinâmica 1
Dentre esses poliésteres, o poli-(lactídeo) é pioneiro no mercado de bioplásticos
possuindo melhores estruturas de custo e disponibilidade. Ele é um material termoplástico com
rigidez e transparência semelhante ao poliestireno (PS) ou politereftalato de etileno (PET)
(Garlotta, 2001).
O L-lactídeo é um importante produto intermediário da síntese do ácido poli-láctico com
alta massa molar, podendo ser usado na produção de materiais biodegradáveis. Existem 4 tipos de
lactídeo, sendo L-lactídeo, D-lactídeo, meso-lactídeo e D,L lactídeo. O L-lactídeo é o mais
frequentemente empregado na indústria por ser encontrado no corpo humano (Chen et al., 2013).
Nas últimas décadas, a polimerização por via enzimática emergiu como um novo e
importante método de síntese de polímeros. Os métodos catalíticos tradicionais contêm metais
tóxicos que podem causar danos ambientais, sendo assim, a catálise enzimática é vista como uma
alternativa que não agride o meio ambiente. Essa nova abordagem exibe consideráveis benefícios
sobre os métodos análogos químicos, principalmente porque a polimerização por catálise pode
operar em condições muito mais suaves do que catálises metálicas sendo consideradas
alternativas biocompatíveis (Trurecht et al., 2006).
O CO2 supercrítico é usado frequentemente nessas aplicações por ser um solvente versátil
e ainda um interessante substituto aos solventes orgânicos tóxicos e aos clorofluorcarbonetos. Ele
não é tóxico, não é inflamável, é quimicamente inerte e barato (Nalawade; Picchioni; Janssen,
2006).
Existem trabalhos na literatura que mostram o comportamento de fases entre o CO2 e o L-
lactídeo em altas pressões (Gregorowicz, 2008). De acordo com esse trabalho foi possível
observar que pressões muito elevadas foram necessárias para a completa obtenção de uma fase
homogênea. Nesse contexto, a utilização de um cossolvente foi proposta neste trabalho para o
auxílio na solubilização e possível redução das pressões necessárias para homogeneização do
sistema. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi acrescentar etanol ao sistema l-
lactídeo/CO2, buscando o aumento da solubilidade do monômero no solvente supercrítico visando
encontrar pressões de transição de fases inferiores àquelas reportadas na literatura.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Materiais
L-lactídeo foi adquirido junto a Sigma-Aldrich (pureza mínima de 98%), o composto não
sofreu nenhum pré-tratamento antes dos experimentos, sendo logo armazenado em refrigerador,
sob atmosfera inerte, para que não sofresse qualquer tipo de alteração por ação da luz ou calor. O
dióxido de carbono (99,9% de pureza mínima, em massa, fase líquida) foi adquirido na White
Martins S/A em cilindro de 25 kg. O etanol absoluto (99,9 %, em massa, de pureza mínima) para
análise utilizado foi adquirido da Merck.
Área temática: Engenharia das Separações e Termodinâmica 2
2.2 Aparato de equilíbrio de fases e procedimento
As medidas experimentais de equilíbrio de fases a altas pressões foram conduzidas em uma
célula de volume variável com visualização, baseada no método estático sintético, sendo que a
unidade utilizada é similar àquelas apresentadas por Lanza (2004), Bender et al. (2010), Debien
et al. (2013). Brevemente, o aparato consiste de uma célula de volume variável, com volume
máximo interno de 0,027 dm3,
com duas janelas de safira para a observação visual, um transdutor
de pressão (Smar LD 301), com uma precisão de ± 0,03 MPa, um programador portátil (Smar,
HT 201) e uma bomba seringa (ISCO 260D). A célula possui um pistão móvel que possibilita
controlar a pressão no interior da célula. As transições de fase foram medidas visualmente usando
a bomba seringa e o solvente como fluido pneumático. Inicialmente, amostras do soluto (l-
lactídeo) e cossolvente (etanol) foram medidas em uma balança de precisão (Shimadzu AY220
com precisão de 0,0001 g) e colocadas dentro da célula de equilíbrio que foi fechada em seguida.
Uma quantidade conhecida de CO2 foi adicionada com o auxílio da bomba seringa (com precisão
± 0,005 g nas cargas de CO2). Baseado no erro na carga de CO2 e dos outros compostos
estimamos um erro global de composição da mistura menor que 0,8 % em base molar. Então, o
sistema foi mantido em constante agitação com a ajuda de um agitador magnético e uma barra de
agitação revestida de Teflon. A célula é revestida por uma camisa metálica na qual circula água
de um banho termostático, utilizada como fluido de aquecimento/resfriamento e que é
responsável por manter o sistema na temperatura desejada. A temperatura da mistura dentro da
célula foi monitorada com um termopar do tipo J (com 0,5 °C de precisão). A pressão do sistema
foi aumentada até o ponto onde foi possível observar a completa solubilização, caracterizada pela
presença de uma única fase. Neste ponto, o sistema foi mantido, pelo menos, 20 minutos para
permitir a estabilização, e, em seguida, a pressão foi reduzida lentamente (tipicamente a uma taxa
de 3 bar∙min-1
) até o surgimento de uma nova fase. Este processo foi repetido pelo menos três
vezes a cada temperatura. Uma transição é denominada ponto de bolha (ELV-PB) quando
pequenas bolhas aparecem no topo da célula. Nos casos em que ocorria equilíbrio líquido-líquido
(ELL) identificava-se o ponto de transição a partir do surgimento de uma nova fase, que se
estendia por todo o topo da célula, seguido do turvamento completo do sistema. A
despressurização seguia até o surgimento de uma terceira fase vapor no topo da célula
caracterizando o equilíbrio líquido-líquido-vapor (ELLV).
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados experimentais do equilíbrio de fases para o sistema investigado são
apresentados na Tabela 1. Os resultados apresentados nessa tabela reportam o tipo de transição de
fases (ELV-(PB), ELL, ELLV), as temperaturas em °C, as frações molares de dióxido de carbono
( 1'x ), em base livre de etanol, e a pressão em bar
Área temática: Engenharia das Separações e Termodinâmica 3
Tabela 1 - Dados experimentais de equilíbrio líquido-vapor para o sistema dióxido de carbono (1)
+ etanol (2) + L-lactídeo (3), em base livre de etanol, na razão molar etanol/L-lactídeo de 1:1,
equivalente a razão mássica etanol/L-lactídeo de 0,32:1. (continua)
T
(°C) P
(bar)
(bar)
Tipo de
Transição
T
(°C)
P
(bar)
(bar)
Tipo de
Transição
1'x = 0,7494 1'x = 0,9000
50 98,4 0,08 ELV-PB 50 176,5 0,16 ELL
60 119,2 0,08 ELV-PB 50 125,4 0,25 ELLV
70 137,6 0,12 ELV-PB 60 199,5 0,28 ELL
1'x = 0,8000 60 147,4 0,29 ELLV
50 117,1 0,14 ELV-PB 70 218,0 0,40 ELL
60 142,9 0,16 ELV-PB 70 167,0 0,38 ELLV
70 166,3 0,14 ELV-PB 1'x = 0,9250
1'x = 0,8127 50 183,5 0,16 ELL
50 122,5 0,08 ELV-PB 50 124,5 0,53 ELLV
60 147,2 0,14 ELV-PB 60 205,0 0,70 ELL
70 173,1 0,23 ELV-PB 60 145,4 0,14 ELLV
1'x = 0,8250 70 226,5 0,24 ELL
50 134,5 0,08 ELL 70 165,8 0,29 ELLV
50 122,0 0,08 ELLV 1'x = 0,9503
60 158,5 0,12 ELL 50 188,3 0,36 ELL
60 143,9 0,45 ELLV 50 127,6 0,44 ELLV
70 180,7 0,23 ELL 60 216,3 0,47 ELL
70 159,7 0,53 ELLV 60 148,7 0,50 ELLV
1'x = 0,8500 70 237,0 0,81 ELL
50 152,5 0,14 ELL 70 169,6 0,49 ELLV
50 123,9 0,32 ELLV 1'x = 0,9800
60 182,5 0,33 ELL 50 172,8 0,59 ELL
60 144,5 0,40 ELLV 50 124,8 0,33 ELLV
70 205,7 0,28 ELL 60 195,7 0,52 ELL
70 163,7 0,40 ELLV 60 147,1 0,38 ELLV
1'x = 0,8750 70 214,8 0,57 ELL
50 152,5 0,16 ELL 70 170,1 0,54 ELLV
50 126,0 0,41 ELLV 1'x = 0,9900
60 182,5 0,09 ELL 50 152,5 0,71 ELL
60 147,0 0,45 ELLV 50 126,8 0,12 ELLV
70 205,7 0,42 ELL 60 172,5 0,85 ELL
70 167,0 0,42 ELLV 60 148,3 0,54 ELLV
70 194,2 0,79 ELL
70 172,0 0,81 ELLV
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Na Tabela 1 pode ser observado em todas as temperaturas o aparecimento de três tipos de
equilíbrios (ELV-PB, ELL e ELLV) com transições do tipo ponto de bolha (PB) que caracteriza-
se pela formação de bolhas no topo da célula durante a despressurização do sistema. Nos casos
em que ocorria equilíbrio líquido-líquido (ELL) identificou-se o ponto de transição a partir do
surgimento de uma nova fase, que se estendia por todo o topo da célula, seguido do turvamento
completo do sistema. A despressurização seguia até o surgimento de uma terceira fase vapor no
topo da célula caracterizando o equilíbrio líquido-líquido-vapor (ELLV).
Na Figura 1 é apresentado o diagrama de fases pressão versus fração molar de dióxido de
carbono (1'x ), para a razão molar etanol/L-lactídeo 1:1, em base livre de etanol, nas isotermas de
50, 60 e 70 °C. A faixa de composição molar de dióxido de carbono estudada variou de 0,7494
até 0,990. Nas isotermas investigadas pode ser observado que com o aumento da temperatura
ocorreu o aumento das pressões de transição de fases. Em todas as isotermas estudadas nesse
diagrama houve o surgimento do envelope líquido-líquido que se estendeu das concentrações de
0,825 até 0,990 de dióxido de carbono. Também foram reportados dados do tipo ponto de bolha
(ELV-PB) em concentrações molares inferiores a 0,825.
Figura 1 - Diagrama P-x para o sistema ternário dióxido de carbono (1) + etanol (2) + L- lactídeo
(3), em base livre de etanol, razão molar etanol/L-lactídeo de 1:1.
A Figura 2 mostra o diagrama pressão versus temperatura para dióxido de carbono + etanol
+ L-lactídeo nas frações molares de dióxido de carbono de 0,7494 até 0,980 e na razão molar
etanol/L-lactídeo de 1:1, em base livre de etanol, nas isotermas de 50, 60 e 70 °C. Como é
demonstrado na figura, o ponto crítico da mistura encontra-se próximo da composição de 0,9503
de CO2. Pode se perceber claramente que em concentrações menores e maiores de CO2, as
pressões de transição são menores em relação ao ponto crítico.
50
70
90
110
130
150
170
190
210
230
250
0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 0,9 0,95 1
Press
ão
(b
ar)
Fração molar CO2
ELV-PB 50 °C
ELL 50 °C
ELLV 50 °C
ELV-PB 60 °C
ELL 60 °C
ELLV 60 °C
ELV-PB 70 °C
ELL 70 °C
ELLV 70 °C
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Figura 2 - Diagrama P-T para o sistema ternário dióxido de carbono (1) + etanol (2) + L-
lactídeo (3), em base livre de etanol, razão molar etanol/monômero de 1:1.
Na Figura 3 são apresentados dados obtidos neste trabalho para a isoterma de 60 °C para
o sistema ternário dióxido de carbono + L-lactídeo + etanol na razão molar etanol/L-lactídeo de
1:1. Estes dados são comparados com dados obtidos da literatura para o sistema binário dióxido
de carbono + L-lactídeo na temperatura de (60 ± 2) °C. Foi observado menores pressões
necessárias para a solubilização do sistema com a adição de etanol, comprovando que a escolha
do etanol foi adequada.
Figura 3 - Diagramas P-x para comparação entre os dados experimentais obtidos neste trabalho para o
sistema ternário dióxido de carbono (1) + etanol (2) + L- lactídeo (3), em base livre de etanol, na
temperatura de 60 °C, na razão molar etanol/monômero de 1:1 e dados experimentais da literatura
determinados para o sistema binário dióxido de carbono + L-lactídeo obtidos por Gregorowicz (2008).
50
100
150
200
250
40 45 50 55 60 65 70 75 80
Press
ão
(b
ar)
Temperatura (°C)
ELV-PB 0,7494
ELV-PB 0,8000
ELL 0,8250
ELLV 0,8250
ELL 0,8750
ELLV 0,8750
ELL 0,9503
ELLV 0,9503
ELL 0,98
ELLV 0,9800
60
110
160
210
260
310
360
0,5 0,55 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 0,9 0,95 1
Press
ão
(b
ar)
Fração Molar CO2
ELV-PB Gregorowicz (2008)
ELV-PO Gregorowicz (2008)
ELV-PB 1:1
ELL 1:1
ELLV 1:1
Área temática: Engenharia das Separações e Termodinâmica 6
No sistema estudado foi detectado o comportamento LCST, que é caracterizado pelo
aumento da pressão de transição de fase com o aumento da temperatura. Esse tipo de
comportamento pode ser explicado pelo efeito que ocorre no dióxido de carbono com o aumento
da temperatura. O gás tende a expandir e dissolver o solvente orgânico (etanol), reduzindo assim
a sua capacidade de solubilizar o sistema. Como consequência, maiores pressões são necessárias
para atingir a região de uma única fase.
Presumindo que os dados obtidos nesse trabalho serão utilizados para reações de
polimerização, é importante salientar que a presença de etanol mostrou-se favorável na redução
da pressão necessária para se atingir uma região de única fase, onde ocorrerão as reações de
polimerização. Além disso, o solvente orgânico pode atuar como propagador da reação, e ainda
facilitar a separação dos produtos reacionais. O etanol poderá também ser utilizado como um
coiniciador da reação, podendo contribuir na separação do produto formado, uma vez que o
polímero que será produzido não possui solubilidade no etanol.
4. CONCLUSÃO
O etanol utilizado como cossolvente mostrou-se eficiente na solubilização do sistema, já
que a sua adição ao sistema dióxido de carbono + L-lactídeo possibilitou a solubilização desse
sistema em pressões menores do que aquelas reportadas na literatura sem a presença de um
solvente orgânico. O sistema demonstrou o tipo de comportamento LCST, caracterizado pelo
aumento da pressão de transição de fases com o aumento da temperatura. Tais transições podem
ser explicadas em termos da diferença do coeficiente de expansão entre o monômero e o solvente,
neste caso entre o dióxido de carbono e o L-lactídeo.
Os dados reportados neste trabalho fornecem informações importantes para o
desenvolvimento e otimização da síntese de polímeros em meio supercrítico, já que é através do
entendimento dos fenômenos que ocorrem em altas pressões que teremos as informações
necessárias para compreender os sistemas responsáveis pelas reações da polimerização.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Área temática: Engenharia das Separações e Termodinâmica 8
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