DETERMINAÇÃO DA RIGIDEZ ROTACIONAL DE LIGAÇÕES COM DUPLA
CANTONEIRA EM ESTRUTURAS DE AÇO
Jéser de Souza Medeiros1, João Kaminski Júnior2, Gerson Moacyr Sisniegas Alva3
1 Acadêmico de Eng. Civil, UFSM. [email protected]
2 Prof. Dr., Departamento de Estruturas e Construção Civil, UFSM. [email protected]
3 Prof. Dr., Dep. de Estruturas e Construção Civil, UFSM. [email protected]
RESUMO
O desenvolvimento dos métodos construtivos e das ferramentas de análise e
dimensionamento das estruturas de aço, a evolução no conhecimento do
comportamento destas estruturas e especialmente a crescente necessidade de
otimização do tempo de construção e consumo de materiais criou a necessidade de
refinar as considerações quanto ao comportamento das ligações em estruturas de aço.
Na análise estrutural convencional, as considerações quanto à transmissão de
momento e continuidade rotacional separam as ligações em apenas dois grupos:
rígidas ou rotuladas, sendo que praticamente todas as ligações possuem
comportamento intermediário e, principalmente para as mais usuais na construção em
aço no Brasil, ainda não completamente entendido. O entendimento do
comportamento destes elementos passa pela determinação da rigidez rotacional das
ligações. Assim, neste trabalho foram modeladas e analisadas ligações viga-pilar de
dupla cantoneira soldada-parafusada, usualmente consideradas flexíveis na análise
estrutural convencional. As análises foram realizadas no programa ANSYS, via Método
dos Elementos Finitos (M.E.F.), e os resultados encontrados foram comparados com
modelos analíticos disponíveis na literatura.
1. INTRODUÇÃO
Segundo o INSTITUTO BRASILEIRO DE SIDERURGIA (2004), o termo ligações
pode ser aplicado a todos os detalhes construtivos que estejam unindo elementos da
própria estrutura ou elementos da estrutura com elementos externos a ela como, por
exemplo, as fundações. No modo de análise estrutural convencional se admite, de
forma simplificada, que estas ligações são elementos nodais em uma estrutura
reticulada.
Estas ligações são comumente idealizadas, quanto à capacidade de transferir
momento e permitir giro relativo entre as barras, como rígidas ou rotuladas. RIBEIRO
(1998) explica estas considerações como tendo as ligações rígidas sua continuidade
rotacional perfeita, ou seja, o ângulo relativo entre os elementos estruturais
permanece o mesmo após o carregamento da estrutura, havendo integral
transferência de momento entre as barras. Já para as ligações rotuladas a
continuidade rotacional é considerada inexistente, não havendo transferência de
momento. Porém, de acordo com SANTOS (1998), o comportamento real dessas
ligações é bem distinto do idealizado na análise convencional, sendo que desde o inicio
do século estudos sugerem que todas as ligações apresentam um comportamento
intermediário aos idealizados, ou seja, “são capazes de transferir momento, mesmo
que seja uma pequena parcela, e possuem alguma capacidade de giro relativo”.
A disparidade entre o comportamento idealizado e o real destas ligações gera
efeitos que devem ser mais bem entendidos e considerados quando do projeto de
estruturas de aço, sendo que, segundo RIBEIRO (1998), a impossibilidade de garantir
perfeito engastamento pelas ligações pode acabar por gerar “efeitos locais e
imperfeições que podem induzir um comportamento global não-linear da estrutura”,
sendo que a ocorrência de rigidez parcial, em ligações ditas flexíveis, deixa ainda
menos confiável a consideração das ligações como totalmente rígidas ou rotuladas.
Exemplificando a consequência das diferenças entre o comportamento idealizado e o
comportamento real das ligações, ALVARENGA (2010) afirma ser prudente investigar a
possibilidade de aumento dos efeitos de segunda ordem nas estruturas, devido à
maior flexibilidade em ligações que se acreditava rígidas. Vem disto, e do grande
desenvolvimento das técnicas de projeto, especialmente com o avanço da
computação, e das técnicas construtivas, o crescente interesse no estudo das ligações,
especificamente àquelas classificadas como semi-rígidas, com o objetivo de produzir
subsídios para que, com o melhor entendimento do comportamento destes
elementos, se possam reduzir os custos de produção e otimizar o desempenho das
estruturas.
O comportamento das ligações em estruturas de aço deve ser caracterizado,
quanto ao giro relativo e à capacidade de transmitir momento, da rigidez à rotação,
que é definida pelo diagrama Momento x Rotação relativa ( . Neste trabalho se
discorrerá sobre métodos de obtenção das curvas , com exemplos e
comparações entre diferentes métodos para aplicação em Ligações com Dupla
Cantoneira Soldada-Parafusada (LCSP), ditas flexíveis na análise estrutural
convencional.
2. RIGIDEZ ROTACIONAL DAS LIGAÇÕES
A resposta das ligações à solicitação por momento é sabidamente não-linear,
produzindo um diagrama bastante complexo, fazendo da mesma forma
complexa a determinação da rigidez à rotação, que varia com a curva .
ALVARENGA (2010) apresentou quatro medidas principais para esta grandeza,
conforme figura 2.1:
i. Rigidez tangente ( ) – é a rigidez da ligação para um dado ponto da
curva (ponto A, por exemplo), instantânea. Quando se faz uso de
expressões matemáticas para a definição das curvas é possível
estabelecer de forma direta, como (avaliados no ponto).
ii. Rigidez inicial ( ) – é a rigidez da ligação no inicio da carga ( ).
Na maioria das vezes é o valor máximo apresentado pela ligação.
iii. Rigidez última ( ) ou plástica ( ) – é o valor para a ligação próxima
a seu colapso. Como em algumas ligações esse valor pode ser zero ou
negativo, sem sentido do ponto de vista estrutural, algumas curvas são
consideradas apenas no trecho ascendente sendo, portanto,
interrompidas no ponto B.
iv. Rigidez secante ( ) – é obtida pela semirreta que liga a origem a um
ponto do diagrama , para um determinado . Essa rigidez é
adotada em algumas normas, como o Eurocode3.
Figura 2.1. Rigidez à rotação da ligação
Os estudos já realizados sobre o tema produziram vários modelos e formas de
determinação da rigidez de variados tipos de ligações, porém quase todos
desenvolvidos por pesquisadores estrangeiros, fazendo com que estes modelos e
métodos de cálculo não se adaptem perfeitamente aos perfis e ligações usualmente
adotados no Brasil. MORRIS & PACKER (1987 apud RIBEIRO (1998)) resumiu os
principais fatores dos quais dependem o comportamento das ligações, e tendem a ser
considerados nestes modelos:
i) tipo e diâmetro dos parafusos;
ii) distância dos parafusos à face da coluna;
iii) espessura das cantoneiras e chapas de ligação;
iv) altura da viga e da ligação;
v) presença ou não de enrijecedores na coluna;
vi) modo de ligação da viga à coluna (flange ou alma);
vii) espessura do flange (ou alma) da coluna;
viii) limite de escoamento do material da viga, da coluna e dos elementos de
ligação.
Dentre as várias metodologias disponíveis para a obtenção da curva de
uma ligação, neste trabalho optou-se por três métodos:
1º) modelagem computacional e análise numérica através do método dos
elementos finitos (M.E.F.), utilizando o programa ANSYS;
2º) através do modelo polinomial de Frye & Morris;
3º) através do modelo potencial de Ang & Morris.
3. LIGAÇÕES ESTUDADAS
Neste trabalho foram estudadas ligações com viga-pilar de dupla cantoneira
soldada-parafusada (LCSP), usualmente utilizadas no Brasil para conexão entre
elementos em estruturas de aço. O comportamento deste tipo de ligação é
normalmente idealizado como rotulado (flexível) na análise estrutural convencional.
Foram estudadas duas configurações de ligação, cujos parâmetros constam no
manual “Ligações para Estruturas de Aço – Guia Prático para Estruturas com Perfis
Laminados”, de BAIÃO e SILVA (2004), editado pela Perfis Gerdau Açominas. São os
parâmetros das ligações:
a) Ligação 1: Viga W150x18, cantoneiras L76x76x6,4x110, quatro parafusos
5/8’ A325N, ilustrada na Figura 3.1;
b) Ligação 2: Viga W610x113, cantoneiras L102x102x8,0x455, doze parafusos
7/8’ A325N, ilustrada na Figura 3.2.
Figura 3.1. Ligação 1 - LCSP
Figura 3.2. Ligação 2 – LCSP
4. ANÁLISE NUMÉRICA
A definição da curva Momento x Rotação relativa, utilizada para a
caracterização das ligações quanto à rigidez rotacional, pode ser obtida através de uma
análise numérica pelo método dos elementos finitos, sendo esta metodologia muito
difundida na literatura. As principais etapas da modelagem por elementos finitos,
segundo MAGGI (2000), são:
i. Montagem da geometria do modelo;
ii. Escolha dos tipos de elementos finitos a serem utilizados;
iii. Definição das características dos materiais envolvidos;
iv. Preparação da malha de elementos finitos na geometria;
v. Definição das condições de contorno no modelo;
vi. Aplicação do carregamento.
Ainda segundo MAGGI (2000), “para o estudo da ligação e seu comportamento
em particular não é necessária a sua colocação interna a uma estrutura global”,
permitindo, portanto, que se faça a modelagem apenas de um pequeno trecho da
estrutura, representando apenas a ligação em si e os elementos estruturais adjacentes
necessários para a caracterização da ligação.
Os modelos estudados neste trabalho foram desenvolvidos e analisados
utilizando o programa ANSYS, tendo sido propostas duas formas de modelagem. Na
primeira, as condições de contorno são definidas de modo a restringir qualquer
deslocamento na chapa que representa o pilar, restringindo-se os nós das arestas da
chapa à translação em X, Y e Z. Além disso, são restringidos à translação em X, Y e Z os
nós da parte interna do furo por onde passam os parafusos, de modo a simular o
efeito destes, como ilustrado na Figura 4.1.
Figura 4.1. Modelagem simulando o efeito dos parafusos por restrição dos nós nas paredes dos furos
A outra forma de modelagem proposta inclui a utilização de parafusos. Para a
simulação do efeito de protensão inicial nos parafusos foi seguida o proposto por
MAGGI (2004), impondo variações negativas de temperatura no fuste do parafuso,
para que, devido ao efeito de retração, surjam esforços de tração no fuste do
parafuso, gerando tensões que simulam o efeito da protensão (Figuras 4.2 e 4.3).
Figura 4.2. Ligação 1 modelada com parafusos
Figura 4.3. Ligação 2 modelada com parafusos
Para ambas as situações descritas, o pilar foi representado por uma chapa
rígida, indeformável (ou quase indeformável) e o perfil da viga com um metro de
comprimento.
Na etapa de escolha dos tipos de elementos, optou-se pelo SOLID 45 como
elemento volumétrico, que possui 8 nós, cada nó com graus de liberdade nas direções
X, Y e Z. Como há áreas em que existe compressão entre a alma da viga e as
cantoneiras e destas com a mesa do pilar, é necessário aplicar nas zonas de contato
entre a cantoneira e a viga e entre a cantoneira e o pilar elementos de contato que
permitam a transmissão da pressão sobre os elementos solicitados. Para tanto se
optou por pares de elementos, que representam o contato superfície-superfície, o
TARGE170 e o CONTAT174, sendo que cada um fica associado a uma das superfícies
em contato (Figura 4.4).
Figura 4.4. Elemento volumétrico SOLID45 e elementos de contato CONTA174 e TARGE170
Cabe salientar que não foi considerada a não-linearidade dos materiais nos
modelos desenvolvidos neste trabalho, sendo informado como propriedades do
material, apenas o Módulo de Elasticidade e os coeficientes de Poisson e, para os
elementos de contato, o atrito.
O momento solicitante da ligação foi gerado através de uma carga vertical
aplicada no extremo da viga oposto ao pilar. Foram aplicados vários valores de carga
vertical para cada ligação para, a partir dos resultados obtidos pelo processamento do
modelo, obter os deslocamentos dos nós da seção da alma da viga na face junto ao
pilar. Com estes deslocamentos foi determinado o ângulo de rotação relativa entre a
viga e o pilar. Assim, para cada valor de momento tem-se o respectivo giro relativo
entre a seção da viga e o pilar, podendo-se obter a curva Momento x Rotação relativa
( .
5. MODELOS ANALÍTICOS
Estudos realizados sobre o tema produziram vários modelos analíticos para a
determinação da rigidez em diversos tipos de ligações. Porém, quase todos
desenvolvidos por pesquisadores estrangeiros, fazendo com que estes modelos e
métodos de cálculo não se adaptem perfeitamente aos perfis e ligações usualmente
adotados no Brasil.
Para fins de comparação aos resultados obtidos na análise numérica, foram
adotados os resultados de dois modelos analíticos que melhor se adaptam aos casos
estudados, os modelos polinomial de Frye & Morris e o potencial de Ang & Morris,
apresentados a seguir.
Dentre os vários modelos desenvolvidos, ALVARENGA (2010) credita a
SOMMER (1969) o primeiro trabalho a empregar uma expressão não-linear para
representar a curva . Este modelo polinomial, segundo ALVARENGA (2010),
ficou conhecido a partir dos sete tipos de ligação estudados no trabalho de Frye &
Morris (1975). Neste modelo, a rotação relativa de uma ligação solicitada por um
momento fletor , é descrita por um polinômio de quinto grau:
na qual: é chamado momento modificado.
Segundo ALVARENGA (2010), os coeficientes e o valor da função
dependem do tipo da ligação e dos parâmetros das ligações, apresentados na
Figura 5.1 e na Tabela 5.1.
Todos os valores utilizados no modelo polinomial de Frye & Morris devem estar
no Sistema Inglês de unidades.
Figura 5.1. Parâmetros do modelo polinomial de Frye & Morris. Fonte: SANTOS (1998)
Tabela 5.1. Função e coeficientes do polinômio de Frye & Morris. Fonte: SANTOS (1998)
ALVARENGA (2010) também trata de um modelo potencial, proposto por
Ang & Morris (1984) utilizando a função de Ramberg & Osgood (1943), e utilizado para
aproximar ligações flexíveis:
na qual: é chamado momento modificado;
, e estão apresentados na Tabela 5.2, conforme o tipo
de ligação.
Todos os valores utilizados no modelo potencial de Ang & Morris devem estar
no Sistema Inglês de unidades.
Tabela 5.2. Função e coeficientes de Ang & Morris (1984). Fonte: ALVARENGA (2010)
Tipo
1 L na alma
32,75 3,93
2 Ls na alma
0,63 4,94
2 Ls no flange
745,94 5,61
6. RESULTADOS
Como resultado das análises numéricas e dos modelos analíticos das ligações
estudadas obtêm-se as curvas , relacionando as séries de carregamento com os
respectivos deslocamentos.
As curvas apresentadas nos gráficos das Figuras 6.1 e 6.2, para as
ligações 1 e 2, respectivamente, referem-se aos seguintes modelos:
Frye & Morris: Modelagem analítica pelo modelo polinomial de Frye & Morris;
Ang & Morris: Modelagem analítica pelo modelo potencial de Ang & Morris;
ANSYS – Furo engatado: Modelagem numérica utilizando o programa ANSYS,
onde a função dos parafusos foi simulada pela restrição ao deslocamento das
paredes dos furos dos parafusos;
ANSYS – Parafuso com protensão: Modelagem numérica utilizando o programa
ANSYS, onde os parafusos foram modelados com protensão inicial.
Figura 6.1. Curvas para a Ligação 1
Figura 6.2. Curvas para a Ligação 2
7. CONCLUSÕES
A análise numérica via Método dos Elementos Finitos é uma importante
ferramenta para a determinação do coeficiente de rigidez à rotação de ligações
semi-rigidas em estruturas de aço.
Os resultados numéricos encontrados neste trabalho sugerem que a rigidez
rotacional das ligações estudadas é um pouco menor do que os valores calculados
através dos modelos analíticos de Frye & Morris e de Ang & Morris. Cabe salientar que
os resultados numéricos foram obtidos sem a consideração do comportamento
não-linear do aço, o que levaria a curvas com uma inclinação menor, isto é, a
ligações mais flexíveis.
8. REFERÊNCIAS
[1] ALVARENGA, Arthur Ribeiro de.“As Ligações Semirrígidas na Análise
Avançada com Zona Plástica de Portais Planos de Aço”. Tese de Doutorado,
Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2010.
[2] MAGGI, Yuri Ivan. “Análise do Comportamento Estrutural de Ligações
Parafusadas Viga-Pilar com Chapa de Topo Estendida. Tese de Doutorado, Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2004.
[3] SANTOS, Luciano Barbosa dos. “Influência da Rigidez das Ligações em
Estruturas de Aço”. São Carlos. Dissertação de Mestrado - Escola de Engenharia de São
Carlos, Universidade de São Paulo, 1998.
[4] MAGGI, Yuri Ivan. “Análise Numérica, via M.E.F., do comportamento de
Ligações Parafusadas Viga-Coluna com Chapa de Topo”. Dissertação de
Mestrado - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2000.
[5] BAIÃO F., O. T.; SILVA, A. C. V.. “Ligações para Estruturas de Aço – Guia
Prático para Estruturas com Perfis Laminados”. Perfis Gerdau Açominas, 2004.
[6] INSTITUTO BRASILEIRO DE SIDERURGIA. “Ligações em Estruturas
Metálicas”. IBS/CBCA, Rio de Janeiro, 2004.
[7] ALMEIDA, G. P. C. Comportamento de Ligações Viga-Pilar de Estruturas
de Perfis de Aço Formados a Frio Utilizando Rebite Tubular com Rosca Interna.
Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2004.
[8] AMERICAN INSTITUTE OF STEEL CONSTRUCTION (AISC). AISC - ASD/LRFD
Steel Construction Manual, 14th Edition, 2010.
[9] ANSYS: Engineering Analysis System, versão 11. ANSYS 11
Documentation, 2008.
[10] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 8800:
Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. Rio
de Janeiro, 2008.
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