DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULODEFENSORIA PÚBLICA REGIONAL SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
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EXCELENTÍSSIMO SENHO JUIZ DE DIREITO DA __ VARA
CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO–SP.
URGENTÍSSIMO
ROSANGELA MARIA DE LACERDA
VENTURA, brasileira, casada, balconista, portadora do RG nº 32.994.900-
7/SSP-SP, CPF: 220.481.338-94, e RAFAEL GEORGE FERNANDES
VENTURA, brasileiro, casado, motorista, portador do RG nº 28.675.378-
9/SSP-SP, CPF: 285.968.088-84, residentes e domiciliados, na R. 23, n.º
1080, bairro Bela Vista, Santa Fé do Sul, pela Defensoria Pública do
Estado de São Paulo, vêm, respeitosamente, à presença de V. Exa. requerer
AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO, com
fundamento no art. 1°, IV (a dignidade da pessoa humana), art. 5°, II
(princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade) e nos arts. 6°,
caput, e 196 (direito à saúde), todos da Constituição da República, nos
termos seguintes.
I- DOS FATOS
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Os requerentes são casados e possuem uma filha
de 07 (sete) anos de idade, sendo que a requerente Rosângela atualmente
está em sua segunda gestação.
A gravidez da autora estava sendo acompanhada
pelos médicos da Santa Casa na cidade de Santa Fé do Sul – SP, município
da residência de sua família. No entanto, na data do dia 06 de dezembro de
2010, no 2° Laudo médico de 18 semanas e 01 dia de gestação (exame de
ultrassom), o médico Dr. Hassan Y. Moussa Filho atestou “Sinais de
anencefalia” e encaminhou a paciente à cidade de São José do Rio Preto
para repetir os exames e realizar acompanhamento no Hospital de Base.
Sendo assim, no início deste ano a gestante
realizou novos exames no Hospital de Base, tendo a confirmação nos
exames de ultrassom e ressonância magnética de que o quadro é realmente
de anencefalia.
No laudo de ressonância magnética realizado em
12 de janeiro de 2011 e assinado pelos médicos Dra. Débora Esperancini
Tebar e Dr. Gustavo Andreosi Galoppini, há o seguinte comentário: “Não
se observam os hemisférios cerebrais bem como a calota craniana e as
estruturas da fossa posterior, representando anencefalia”.
No laudo de 18 de janeiro de 2011 o médico do
HB, Dr. Paulo Eduardo Borduqui Silva atestou que “A Sra. Rosangela
Maria de Lacerda, portadora do CPF n° 220.481.338-94, encontra-se
atualmente com gestação de 24 semanas, com feto anencéfalo (ausência 2
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da abóboda craniana e hemisférios cerebrais, com presença de mínima
quantidade de tecido encefálico), cuja condição é incompatível com a
vida extra-uterina. Os exames que confirmam a malformação fetal são
Ultrassonografia e Ressonância Magnética, com laudos em anexo.
Portanto, além do exame realizado na cidade de
Santa Fé do Sul pelo médico da Santa Casa, há outros dois laudos
assinados por mais três médicos especialistas do Hospital de base de São
José do Rio Preto confirmando que o feto é anencéfalo.
Os próprios médicos do Hospital de Base
realizarão a interrupção da gravidez, assim que obtida a autorização
judicial.
Assim é que os requerentes, cientes do grave
quadro, manifestam de forma segura e inequívoca a intenção de realizar a
interrupção da gravidez (cf. termos de declaração juntadas), até porque não
faz sentido algum, sob a ótica jurídica ou mesmo médica, prolongar uma
gestação em que inexiste a possibilidade de sobrevida do feto.
Os médicos também informaram que o grave
problema de formação fetal é irreversível e que na eventualidade do feto
atingir o termo, inexiste possibilidade de vida extra-uterina, não havendo
nenhuma possibilidade de tratamento intra ou extra-uterino. Além disso,
relataram que a continuidade da gravidez acarretaria sério risco para a
saúde física e mental da paciente, portanto, eles aconselharam-na a
interromper a gravidez o mais rápido possível.
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De fato, é necessário interromper o estado
gestacional de forma urgente a fim de se minimizar o sofrimento
vivenciado pelo casal, mormente pela primeira requerente, que
notoriamente já está com sua higidez psicológica extremamente abalada
pela dor da perda de seu filho. Enquanto seu ventre cresce, vem sempre a
lembrança sua e de sua família de que ali não haverá vida.
Ressalta-se que a gestante Rosangela já está
realizando acompanhamento por psicóloga da Equipe do Centro
Interdepartamental de Medicina Fetal – CIMEFE do Hospital de Base de
São José do Rio Preto, conforme laudo em anexo atestando que a paciente
“apresenta, no momento, bom enfrentamento, aceitação e está em
processo de resignação, fatores que a colocam em contato com a
realidade, podendo assim, estar mais segura e consciente de sua decisão
por interromper a gestação, o que acredita que aliviará e reduzirá maior
sofrimento pessoal e familiar”.
II – ANENCEFALIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Anencefalia é a formação fetal congênita por defeito no
fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não
apresenta hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do
tronco encefálico. Conhecida vulgarmente como “ausência de cérebro”, a
anomalia importa a inexistência de todas as funções superiores do sistema
nervoso central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional,
comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções 4
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inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras
e a medula espinhal.
Dessa maneira, a anencefalia é incompatível com
a vida extra-uterina, sendo fatal em todos os casos. Não há qualquer
controvérsia a respeito na literatura médica-científica.
Embora haja relatos esparsos de casos em que o
anencéfalo sobreviva alguns dias fora do útero materno, o prognóstico em
tais hipóteses é de sobrevida de algumas horas após o parto. Não há
qualquer tratamento ou reversão do quadro, o que torna a morte inevitável
ou certa. Aproximadamente 65% (sessenta e cinco por cento) dos fetos
anencéfalos morrem ainda em período intra-uterino.1
Débora Diniz e Janaína Penalva, Pesquisadoras da
Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), após o
encerramento da audiência pública da ADPF 54 do STF ressaltam em outro
texto: “A audiência pública registrou uma diversidade de posicionamentos
sobre a matéria e alguns consensos foram atingidos. O mais importante
deles é o que atesta o caráter legal e irreversível da anencefalia. A tese da
inviabilidade fetal foi sustentada por todas as sociedades médicas e
científicas que compareceram à audiência” (Anencefalia e tortura, in
Boletim IBCCRIM – ano 16 – n.º 192 – Novembro/2008, p. 19). (grifos
nossos)
Portanto, uma vez diagnosticada a anencefalia,
não há nada que a medicina moderna possa fazer. O mesmo, todavia, não
1 Cf.: Débora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por Anomalia Fetal, 2003, p.102.5
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ocorre em relação ao quadro clínico da gestante. A permanência do feto
anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar
danos à saúde da gestante e até perigo de morte, em razão do alto índice
de óbitos intra-uterinos desses fetos. De fato, a má formação fetal em
exame empresta à gravidez um caráter de risco notadamente maior que o
inerente a uma gravidez normal. Ademais, a requerente encontra-se
extremamente angustiada face à esta situação sem prognóstico.
A respeito do risco maior para a gestante de feto
anencéfalo, está noticiado no sítio digital da respeitada FEBRASGO -
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (link:
http://www.febrasgo.org.br) a seguinte notícia de 24/11/2009, que abrange
o aumento de risco para a mulher:
Entidades oferecem parâmetros a juízes do STF para decisão sobre antecipação do parto
Em agosto último, cerca de 30 sociedades científicas, associações civis e entidades médicas, entre elas a FEBRASGO e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF) documento que sintetiza posição sobre a antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos. O texto, que conta com o apoio formal do Ministério da Saúde, visa a fornecer subsídios, embasados em estudos científicos e tecnológicos, bem como traz algumas considerações complementares imprescindíveis para o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54. Essa ação foi impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) em 2004 pela legalização da antecipação terapêutica do parto nesses casos, em uma tentativa de reparar a omissão da legislação brasileira. À época, uma liminar concedida pelo então ministro do STF Marco Aurélio de Mello autorizou o aborto de fetos com anencefalia. Três meses depois, foi cassada, pois o plenário do STF considerou que o assunto deveria ser apreciado por todos os juízes. Agora,
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resta a expectativa de que o Supremo se posicione a favor da ação, tornando a antecipação terapêutica do parto um direito de opção das mulheres.
O que ocorre pelo mundo (...) Gravidez de risco É comprovada a associação entre a anencefalia fetal, a frequência de complicações na gravidez e aumento da morbimortalidade da mãe. Isso sem falar no sofrimento psíquico, que pode levar a um quadro de estresse pós-traumático – um transtorno mental cujos sintomas podem persistir por toda a vida da mulher. A literatura científica demonstra que estas gestantes têm maior propensão a desenvolver hipertensão arterial ou polidrâmnio. Portanto, no documento as entidades afirmam considerar antiético negar ao casal progenitor a possibilidade de evitar essa situação. Salientam ainda recomendação da FIGO aos países nos quais a prática é legalmente aceitável de que seja oferecida a antecipação terapêutica do parto sempre que uma malformação congênita incompatível com a vida for identificada durante a avaliação pré-natal. A íntegra do documento da SBPC está disponível em www.febrasgo.org.br.
Em parecer sobre o assunto a FEBRASGO –
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia atesta:
“As complicações maternas são claras e evidentes. Deste modo a prática
obstetrícia nos tem mostrado que: A) A manutenção da gestação de feto
anencefalo tende a se prolongar alem de 40 semanas. B) Sua associação
com polihidrâminio (aumento do volume no liquido amniótico) é muito
freqüente. C) Associação com doença hipertensiva especifica da gestante
(DHGE). D) Associação com vasculopatia periférica de estase. E)
Alterações do comportamento e psicológicos de grande monta para a
gestante. F) Dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto
de anencefalos de termo. G) Necessidade de apoio psicoterápico no pós-
parto e no puerpério. H) Necessidade de registro de nascimento e de 7
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sepultamento desses recém nascidos, tendo o cônjuge que se dirigir a uma
delegacia de policia para registrar o óbito. I) Necessidade de bloqueio da
lactação. J) Puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por
falta de contratilidade uterina. K) Maior incidência de infecções pós-
cirurgicas devido ás manobras obstetrícias do parto de termo”
(www.febrasgo.org.br).
Guaracy Lourenço da Costa noticia, inclusive, o
risco à vida da gestante com a continuação da gravidez, pois “o
anencéfalo, permanecendo em geração dentro do útero materno, embora de
forma improfícua, irá crescer e causar inúmeros transtornos ao físico e à
vida materna, a saber: primeiro que a exposição dos tecidos cerebrais sem
a cobertura óssea protetora, leva o corpo fetal a ter seguidas e comprovadas
convulsões, percebidas pela mãe como uma das sensações mais horríveis
que se possa imaginar (...). Segundo que, pelos mesmos motivos da
exposição dos tecidos nervosos, ocorre a liberação de enzimas tóxicas,
passíveis de caírem, via aniótico-placentária, na circulação materna,
podendo comprometer suas próprias funções vitais. Terceiro que a
visualização feita pela mãe do monstro que ela vier a parir é das mais
horríveis e repugnantes que se possa imaginar, levando a descompensações
emocionais e mentais notáveis” ( “Abortamento provocado na gestação de
feto anencéfalo”, Boletim IBCCRIM – n.º 24 – Dezembro/1994, p. 08,
grifado.)
III – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ OU
ANTECIPAÇÃO DE PARTO – JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA –
NECESSIDADE DE CELERIDADE
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Resta claro, diante da impossibilidade de vida
extra-uterina, que a antecipação do parto em casos de fetos anencéfalos
não caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal. O aborto é
descrito pela doutrina especializada como a “interrupção da gravidez com
a conseqüente morte do feto (produto da concepção)”. Vale dizer: a morte
deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a
comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina
do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto
anencefálico. Com efeito, a morte do feto nesses casos decorre da má
formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os nove
meses normais da gestação. Falta a hipótese o suporte fático exigido pelo
tipo penal.
A discussão jurídica acerca da interrupção da
gravidez de um feto viável envolve ponderação de bens supostamente em
tensão: de um lado, a potencialidade de vida do nascituro; e, de outro, a
liberdade e autonomia individuais da gestante, além de sua saúde física e
principalmente psicológica. Como já referido, no caso do feto anencéfalo
há certeza científica de que o feto não tem potencialidade de vida extra-
uterina – é algo que foi unânime na audiência pública do STF relativa à
ADPF 54.
Diante disso, o foco de atenção há de se voltar
para o estado da gestante. O reconhecimento de seus direitos fundamentais
não é a causa da lesão a bem ou direito de outrem – por fatalidade, não há
viabilidade de outra vida, sequer um nascituro, cujo interesse se possa 9
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eficazmente proteger. Neste sentido, Aurélio Buarque de Holanda, em seu
“O Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, 2ª edição, 36ª impr., assim
define nascituro: “O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera
como fato futuro e certo”. No renomado “Aulete”, que está disponível no
sítio digital da UOL gratuitamente, nascituro é definido nos seguintes
termos:
(nas.ci.tu.ro) 2a.
1. Que está prestes a nascer2. Jur. Diz-se do ser humano já concebido, com nascimento dado como certosm.3. Aquele que está prestes a nascer4. Jur. Indivíduo já concebido, cujo nascimento é dado como certo[F.: Do lat. nasciturus]
No caso só a morte é certa, anterior ou imediatamente
após o parto. Não há nascituro, nesses termos, portanto. Para
exemplificarmos a idéia jurídica de morte, a Lei n.º 9.437/97, que regula
transplante de órgãos, estabelece como momento da morte humana o da
morte encefálica:
“Art. 3.º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e
2 Confira no sítio digital UOL, gratuitamente, em: , acesso em 10/03/2010.
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tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.”
Assim, a nosso ver é extreme de duvidas que a
gestante de feto anencéfalo optante pela antecipação terapêutica do parto
está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da
incidência da legislação ordinária repressiva.
Neste sentido, vale à pena reproduzir lição do
insuperável Nelson Hungria, escrita muito antes da possibilidade de se
identificar a anencefalia, mas que é perfeitamente aplicável:
“Não esta em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para se caracterize aborto) deve ser produto fisiológico, e não patológico; se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que possa salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.” (Comentários ao Código Penal, vol. V, 1958, pp. 297-298).
Exatamente neste sentido o Poder Judiciário já
têm examinado essa questão em varias ocasiões. Na realidade, nos últimos
anos, decisões judiciais em todo o país tem reconhecido às gestantes o
direito de se submeterem a antecipação terapêutica do parto em casos como
dos fetos anencéfalos. Podemos exemplificar: em São Paulo, TJSP, JTJSP
232/291, 1ª C. Crim., MS n. 309.340-3, rel. Davi Haddad, j. 22.5.2000;
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TJSP, 3ª C. Crim., MS n. 375.201-3, rel. Dês. Tristão Ribeiro, j. 21.3.2002;
em Minas Gerais: TAMG, 3ªC. Cível, Ap. cível n. 264.255-3, rel. Juiz
Duarte de Paula; TAMG, 1ª C. Cível, Ap. n. 219.008-9, rel. Juiz Baia
Borges; no Rio Grande do Sul: TJRS, 2ªC. Crim., MS n. 70005577424, rel.
Dês. Jose Antonio Cidade Pitrez ; dentre outros.
Seguem algumas decisões transcritas:
“Afigura-se admissível a postulação em juízo de pedido pretendendo a interrupção de gravidez, no caso de se constatar a má-formação do feto, diagnosticada a ausência de calota craniana ou acraniana fetal, com previsão de óbito intra-craniano ou no período neonetal. Apesar de não se achar prevista dentre as causas autorizadas do aborto, dispostas no art. 128 do CP, a má-formação congênita exige a situação anômala específica à adequação da lei ao avanço tecnológico da medicina que antecipa a situação do feto” (TAMG-AC-Rel Duarte de Paula- RT 762/147)
“Diante da solicitação de autorização para realização de aborto, instruída com laudos médicos e psicológicos favoráveis, deliberada com plena conscientização da gestante e de seu companheiro, e evidenciado o risco à saúde desta, mormente psicológica, resultante do drama emocional a que estará submetida caso leve a termo a gestação, pois comprovado cientificamente que o feto é portador de anencefalia (ausência de cérebro) e de outras anomalias incompatíveis com a sobrevivência extra-ulterina, outra solução não resta senão autorizar a requerente a interromper a gravidez”. (TJSC-AC-Rel. Jorge Mussi-RT 756/652).
“Aborto – Autorização Judicial – Gravidez – Interrupção – Anencefalia. Tendo em vista o dever do Estado de assegurar o bem comum, promovendo a saúde e atendendo aos fins sociais da lei, admissível a interrupção da gravidez comprovando-se
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que o feto é portador de malformação congênita, caracterizada por anencefalia – ou ausência de cérebro -, afecção irreversível que impossibilita totalmente a sobrevivência extra-uterina, hipótese em que, ao direito da gestante, não cabe opor interpretação restritiva da legislação penal” TAMG – AC 219.008-9 – 1a Câmara – Rel. Juiz Alvim Soares – DJMG 22.08.96 - RJ 228/138.
O Pretório Excelso já se manifestou, pelo
Eminente Ministro Joaquim Barbosa, no voto do HC nº 84025:
“Portanto, é importante frisar, não se discute no presente requerimento a ampla possibilidade de se interromper a gravidez. A questão aqui é bem diferente, pois se refere à interrupção de uma gravidez que está fadada ao fracasso, pois seu resultado, ainda que venham a ser envidados todos os esforços possíveis, será, invariavelmente, a morte do feto. Segundo a literatura médica especializada, o bebê não viverá mais do que alguns dias porque é portador de uma anomalia gravíssima: a anencefalia, ou ausência de cérebro. Não é preciso ser um especialista no assunto para entender que sem o órgão vital que comanda as funções básicas do corpo humano e também os sentimentos e as emoções, é absolutamente impossível a vida extra-uterina independente. Por outro lado, os estudos multidisciplinares indicam que as reações emocionais dos pais após o diagnóstico de malformação fetal abrangem, conjuntamente ou não, os seguintes sentimentos: ambivalência, culpa, impotência, perda do objeto amado, choque, raiva, tristeza e frustração. É facilmente perceptível a enorme dificuldade de se enfrentar um diagnóstico de malformação fetal. E é possível imaginar a quantidade de sentimentos dolorosos por que passam aqueles que de súbito se vêem diante do dilema moral de interromper uma gestação, unicamente porque nada se pode fazer para salvar a vida do feto. Seria reprovável uma decisão pela interrupção da gestação nesse caso? (...)Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois qualquer que
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seja o momento do parto ou a qualquer momento em que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao principio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo que não Sr. Presidente. Isso porque, ao proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo Direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendo que no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal”.
Entretanto, neste caso a prestação jurisdicional
foi de tal maneira morosa que o parto foi realizado e a morte do feto
ocorreu algumas horas depois. Para que tal fato angustiante e triste não
volte a se repetir é imprescindível a celeridade do Poder Judiciário.
Concluindo esta seção, interessa registrar a
ponderada e lúcida síntese do eminente Desembargador do E. TJSP,
Lustosa Goulart, em decisão concessiva de liminar para interrupção da
gravidez em caso análogo:
“Prosseguir a gravidez, com vida extra-uterina inviável, quando os pais manifestam vontade incontroversa de interrompê-la, seria impor a eles sofrimento atroz, além de submeter a mulher a riscos desnecessários no que pertine à sua saúde física e mental.
Apesar de o Código Penal não prever expressamente a hipótese de aborto eugenésico, há que se considerar que, por datar de 1940 o dispositivo que trata do
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assunto, não poderia o legislador prever o avanço da medicina que, por exames específicos, gera diagnósticos confiáveis e que permitem ao Julgador formar o seu convencimento apoiado em dados concretos e seguros” (TJSP – MS 311.212-3/1 – decisão concessiva de liminar proferida em 12.04.00)
IV – DO SOFRIMENTO DA MULHER
Pelo que foi dito até o presente momento é fácil
perceber o quanto de dor, sofrimento, humilhação, dentre outros
sentimentos atrozes, a situação impõe aos pais – especialmente à gestante.
Há pequeno filme intitulado ANENCEFALIA, que condensa campanha
divulgada para sensibilizar o STF no julgamento da ADPF 54, e que bem
retrata o sofrimento da mulher e pode ajudar este douto Juízo a
compreender, ainda que minimamente, esta dor inimaginável. O filme
permite enxergar a ponta do iceberg quanto a este aspecto, porém, somente
quem passa por isso é capaz de vivenciar os sentimentos. ANENCEFALIA
pode ser assistido no YouTube:
, acesso em 09 de
março de 2010.
Retiramos informações também sobre a campanha do sítio digital da FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, que
transcrevemos abaixo:
No ar, campanha pelo direito à antecipação terapêutica do parto em caso de anencefaliaUma campanha em prol do aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro) já está no ar no site de vídeos YouTube como forma de
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http://www.youtube.com/watch?v=lhYT1j1cjwg
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sensibilizar a sociedade e também os ministros do Supremo Tribunal Federal — que devem votar ainda no segundo semestre uma ação que pede a legalização da prática. Em três minutos, o vídeo conta a história de uma mulher grávida de anencéfalo, desde o diagnóstico até o enterro da criança pelo pai e sem a presença da mãe, que na ocasião está internada. No fim, a mensagem: “STF, ajude essas mulheres”. A dramatização fica por conta de atores que encenam embalados pelas narrações num estilo de cinema mudo, em preto e branco. De iniciativa do Laboratório Imagens e Palavras do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), com o apoio da Anis — Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, a campanha pretende divulgar uma lista online de assinaturas em apoio à causa. Além disso, o filme será exibido em locais públicos estratégicos, como universidades, para incrementar o abaixo-assinado. Protocolada em junho de 2004 no STF pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a ação que questiona a criminalização do aborto em casos de anencéfalos foi ajuizada já foi objeto de uma audiência pública na Corte. Marco Aurélio Mello, relator da ação e favorável à legalização da prática, prometeu colocá-la em votação neste semestre. Atualmente, a mulher só pode abortar em caso de risco de morte ou estupro. Baseado em fatos reais, o vídeo dramatiza o sofrimento da mulher desde o diagnóstico ao enterro do feto. Realizado pelo Laboratório Imagens e Palavras do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, com o apoio da organização não-governamental Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Débora Diniz e Janaína Penalva, já citadas como
Pesquisadoras da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero),
após o encerramento da audiência pública da ADPF 54 do STF3 ponderam
acerca do dilema entre o berço e o caixão ou espera sem sentido:
3 Anencefalia e tortura, in Boletim IBCCRIM – ano 16 – n.º 192 – Novembro/2008, p. 19.
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“Obrigar uma mulher a manter durante nove meses a gravidez de um feto que provavelmente nascerá morto é um ato do Estado que desrespeita princípios constitucionais, tais como a dignidade, a intimidade e a liberdade. Muitas mulheres descrevem o dever de gestação em caso de anencefalia como um ato cruel do Estado contra elas.(...) O Estado impõe sofrimento físico e psicológico às mulheres, acrescentando nuances de tortura à tragédia do luto precoce pelo futuro filho. Não há como mudar o sofrimento do diagnóstico de anencefalia no feto, mas há como cuidar da dor dessas mulheres. Impor o dever de espera sem sentido é cruel [grifado no original]. É violentar a dignidade, a integridade e desrespeitar a liberdade das mulheres. É cruel obrigar mulher a conviver com o luto em seu próprio corpo. Seu corpo é a sua existência, mas também os limites onde o Estado deve reconhecer uma esfera de intimidade e de privacidade que desafiam qualquer ímpeto do Estado em regular os corpos em matéria de direitos reprodutivos, mas que é especialmente desafiante no caso da anencefalia.O dilema ético vivenciado por essas mulheres – elas vivem entre o berço e o caixão – foi continuamente lembrado na audiência pública. Essa não é uma metáfora que representa apenas o dilema da espera sem sentido, mas representa a dor inscrita nos corpos das mulheres”
No presente caso, a expectativa de toda a família com a
vinda de uma nova criança foi interrompida com a notícia de que o feto não
nascerá com vida e não sobreviverá. A morte já foi anunciada e impor à
mulher a continuidade da gestação até o seu final é prolongar o sofrimento
e a dor de forma cruel e desnecessária, conduta que não condiz com o valor
supremo da dignidade da pessoa humana.
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V – DO SIGILO PROCESSUAL NECESSÁRIO
A respeito de sigilo processual prescreve nossa
Constituição de 1988:
“Art. 5.º (...) LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos
atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;
(...)
Art. 93 (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogado, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação;”
No caso concreto a requerente declarou que não
quer tornar-se objeto de curiosidades, críticas, estudos, e julgamentos por
terceiros aqui na região; afirma que seu sofrimento íntimo em relação à
perda do filho já basta para torná-la, por ora, muito infeliz. E realmente não
há razão, Excelência, para que os atos processuais sejam públicos
tornando-a objeto da opinião pública. A cidade de São José do Rio Preto,
embora seja cidade de grande porte entre as cidades do interior, é pequena
e a divulgação do nome da assistida da Defensoria, ora requerente, causar-
lhe-ia prejuízo emocional incalculável.
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Por outro lado, não há prejuízo do interesse
público à informação (art. 93, IX, CF/88) porque todos os médicos,
sempre que detectam diagnóstico de anencefalia, expõem detalhadamente à
paciente a possibilidade de interrupção de gravidez ou antecipação
terapêutica do parto. Sendo assim, a publicidade desta causa somente
serviria para constranger a requerente, já que há outros meios eficazes da
população chegar a esta informação.
Ainda mais quando se considera que a certeza de
que sua intimidade será respeitada pelo sigilo encoraja a mulher a buscar
informações e práticas seguras, no lugar de levá-las a práticas clandestinas
e perigosas ou mesmo à auto-indução abortiva – o que a coloca em situação
de grave risco à saúde e à vida. Em uma palavra, de nada vale o sigilo
médico se o Poder Judiciário tornar público o problema pessoal da
requerente, pois a certeza do sigilo contribui positivamente para o que a
ética médica denomina princípio da não maleficência. É o que se pode
extrair de notável obra disponível no sítio digital da FEBRASGO
(Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e
intitulada “Causal salud – interrupción legal del embarazo, ética y
derechos humanos”, cuja feitura deveu-se a inúmeras organizações
internacionais ligadas a direitos humanos.
VI – DO PEDIDO
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Posto isso, atendendo à vontade da interessada e
às recomendações médicas, a Defensoria Pública requer a este MM. Juízo
que se digne a determinar:
a) concessão dos benefícios da justiça gratuita;
b) observância da contagem de prazos em dobro bem como intimação
pessoal com vista (art. 128, I da Lei Complementar federal n.º 80/94);
c) o sigilo dos atos processuais do processo que está sendo deflagrado com
a presente petição inicial, pelos motivos expostos no item “V”;
d) expedição de ALVARÁ para autorização de interrupção da
gravidez da requerente, ante os motivos supra destacados;
Declara a Defensoria Pública, para os devidos
fins, que todos os documentos originais estão na posse da requerente e que
poderá apresentá-los se Vossa Excelência assim determinar.
São Jose do Rio Preto, 14 de Janeiro de 2011.
JÚLIO CESAR TANONE5° Defensor Público
RAFAEL BESSA YAMAMURA9° Defensor Público
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