1. As declaraes de direitos americana e francesaNos
recm-criados Estados Unidos, os fundadores da Repblica,
conservadores por formao e por experincia prtica, estavam
determinados a moldar a Constituio que deveria guiar a sua
posteridade em caminhos duradouros de justia e liberdade Russel
Kirk A realidade efetiva dos direitos humanos - os quais hoje se
encontram reconhecidos em diplomasjurdicos internacionais e
positivados em vrias constituies nacionais - percorreu um rduo
caminho desculos, sendo construda progressivamente por meio de
lutas histricas, ideias filosficas e concepesreligiosas. Mas a
origem dos direitos humanos remete-nos para a rea da religio,
quando o Cristianismo,durante a Idade Mdia, sustentou a afirmao e a
defesa da igualdade de todos os homens numa mesmadignidade. Em tal
poca, os filsofos e telogos cristos conceberam e desenvolveram a
teoria do direitonatural, em que o indivduo est no centro de uma
ordem social e jurdica justa, possuindo a lei divinaprevalncia
sobre o direito laico, tendo este que submeter-se quela na busca
dos fins almejados: o bem-estar e a felicidades de todos, com a
valorizao preponderante de cada homem ou mulher por serem, emsua
natureza, a imagem e semelhana do DEUS criador. At ento as normas
da comunidade, concebidas na relao com a ordem csmica, no deixavam
espaopara o ser humano como sujeito singular, concebendo-se o
direito primariamente como a ordem objetivo dasociedade. Esta
possua seu centro em grupos como a famlia, a linhagem ou as
corporaes profissionais oulaborais, o que implicava que no se
concebiam faculdades prprias do ser humano enquanto tal.
Pelocontrrio, se entendia que toda faculdade atribuvel ao indivduo
derivava de um duplo status: o do sujeito noseio da famlia e o
desta na sociedade. Fora do status no h direitos. Antes mesmo de
abordarmos as clebres declaraes de direitos que constitui o nosso
escopo nesteartigo, importante que tenhamos em mente o que
realmente so e como se define tecnicamente osdireitos humanos.
Segundo Lynn Hunt os direitos humanos requerem trs qualidades
encadeadas:devem ser naturais (inerentes nos seres humanos), iguais
(os mesmos para todo mundo) e universais(aplicveis por toda parte).
Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os humanos em
todas asregies do mundo devem possu-los igualmente e apenas por
causa de seu status como seres humanos.Apesar desse carter
universal, observa o autor, em seu livro A inveno dos direitos
humanos, que ameno universalidade dos referidos direitos mais
idealista que prtica, uma vez que os mesmosconstituem de fato uma
possibilidade efetiva mais localizada, em mbito nacional, quando
recebem onome de direitos fundamentais, aps serem positivados nas
respectivas constituies ptrias.Seu reconhecimento no ordenamento
jurdico atravessa os sculos, no obstante terem sidos
admitidosprimeiramente em fragmentos que, apesar das limitaes,
trouxeram as bases fundamentais para ainaugurao de direitos mais
vastos. Podemos destacar entre os exemplos mais profcuos a Magna
Carta(1215) e as Provises de Orford (1258), ambas na Inglaterra.
Caracterizavam-se por limitar o poder domonarca e garantir alguns
direitos aos sditos, entre os quais o de no serem taxados sem o
seuconsentimento e formarem um parlamento por meio de
representantes eleitos diretamente. Germinavamnelas as primeiras
realizaes dos direitos humanos de primeira gerao, pelos quais so
conhecidos osdireitos negativos ou individuais. Mas sua efetivao
mais vasta e geral somente foi possvel atravs do advento das
clebresdeclaraes de direitos americanas e francesa (1776 e 1789
respectivamente). Havia muitas semelhanas
2. entre ambas. A duas reconheciam princpios que viriam a ser
norteadores do moderno ordenamentojurdico, como os da Legalidade,
do Humanismo, da Irretroatividade das Leis, da Reserva Legal, do
JuizNatural, da Proporcionalidade, da Isonomia, do Devido Processo
Legal e da Soberania Popular. Apesardos pontos em comum, entre elas
existiam algumas nuanas e diferenas essenciais que, ao
compar-las,nos permite dar preferncia americana devido a sua maior
possibilidade de aplicao e adequabilidade sua realidade histrica,
social e local, enquanto a francesa continha uma expressividade em
parte abstrata,ambgua e fora de contexto (tal fato foi notavelmente
observado pelo famoso ensasta ingls EdmundBurke, que no seu
panfleto Reflexes sobre a revoluo em Frana (1790), reconhecido como
o textofundador do conservadorismo, descreve a declarao francesa de
direitos como abstraes metafsicas.Burke, adversrio feroz da revoluo
que se realizava na Frana, era no entanto ardente defensor
daamericana). Podemos citar como referncia para tal argumento o
artigo 4 da Declarao de Direitos daVirgnia e a Segunda Emenda da
Constituio dos Estados Unidos: todos objetivos e claros; e,
emcontraposio, os artigos 1, 10 e 12 da Declarao do Homem e do
Cidado: vagos, imprecisos econtraditrios. Alm do mais, enquanto a
declarao francesa objeto de vrias crticas, em especial dosmarxistas
- pois segundo estes expressou no mais que os interesses de uma
classe, a burguesia, ansiosapara desprender-se das amarras oriundas
de regulamentaes e entraves governamentais, queprejudicavam seus
investimentos e lucros - o mesmo no se pode dizer da americana,
que, por suaparticularidade, continha em seu texto o anseio sincero
de libertar o homem da arbitrariedade dosgovernantes e da
insanidade das tiranias, e entregar-lhe a liberdade de conduzir-se
a si mesmos nocaminho para a felicidade. necessrio tambm reconhecer
que enquanto a declarao francesa nascia principalmente de umideal
filosfico e secular, alheio s massas e realidade singular daquele
pas, e que somente depois demeio sculo comeou a concretizar-se de
forma mais vasta como realidade prtica e jurdica permanente,a
americana, nascida sobre influncia e inspirao crists, encontrava,
entre os colonos protestantes,terreno frtil e slido para sua
imediata consolidao. Ademais, a cultura j fixada das treze colnias,
aocontrrio da francesa, primava pela livre iniciativa, pela
cooperao social, e nutria profunda revernciapelos direitos naturais
do indivduo, pois tal cultura muito se impregnou do princpio cristo
do livre-arbtrio, o que tambm realou o fervor pela independncia em
ralao metrpole. Sobre a influncia crist na declarao americana e os
direitos humanos em geral, segundo JorgeMiranda: com o cristianismo
que todos os seres humanos, s por o serem e sem acepo de condies,so
considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados imagem e
semelhana de DEUS,todos os homens e mulheres so chamados salvao
atravs de JESUS, que, por eles, verteu o Seusangue. Criados a
imagem e semelhana de DEUS, todos tm uma liberdade irrenuncivel que
nenhumasujeio poltica ou social pode destruir. O cristianismo,
religio dominante na ento colnia inglesa,apregoa a igualdade entre
os homens como um de seus principais alicerces. Nesse sentido,
desdobra-se talaxioma em um dos mais importantes princpios
atinentes aos direitos humanos: o princpio da igualdade.Faz-se
necessrio ressaltar que antes do advento do Cristianismo o direito
era sobretudo baseado natradio, com os direitos individuais
subjugados frente preponderncia de costumes que, muitas
vezes,constituam-se brbaros e inadmissveis, aceitos apenas devido a
normas que, sendo humana, eraatribudas a ordem natural do cosmo e
aos caprichos dos deuses. Entre os tais podemos destacar o
paterfamlias (chefe de famlia), que conservava poder ilimitado do
pai sobre seus dependentes, incluindomulheres e escravos. Sobre
eles podia exercitar o jus vitae et necis (direito de vida e de
morte).Por fim chegamos ao entendimento que a influncia mais
intensa da declarao francesa sobre ospovos e sua maior citao
histrica devida basicamente a tambm maior influencia que a
Europadetinha sobre o mundo at metade do sculo XX, e no exatamente
por seu carter mais universal, queigualmente pode ser notado na
americana. No obstante, uma coisa certa e inquestionvel: a
declaraode direitos americana serviu de inspirao s posteriores,
inclusive francesa - j que Benjamin Franklin,americano envolvido no
processo de independncia das treze colnias, era embaixador na Frana
emperodo anterior revoluo de 1789 - alm de constituir o EUA como o
modelo concreto de democraciarepresentativa e smbolo mximo da
liberdade, da prosperidade e da igualdade formal entre os homens;
e,de to slida e efetiva, encontra-se basicamente inalterada at os
dias atuais.Csar Oliveira (Universitrio de Direito)