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História e culturas indígenas no currículo escolar: breves notas para discussões*

Edson Silva**

A ignorância sobre os índiosAinda que ocorridas em diferentes contextos e separadas por um tempo

bastante longo, duas situações são bastante ilustrativas a respeito do

desconhecimento reinante sobre os índios no Brasil. Na primeira delas, conta-se que

quando Claude Levi-Strauss se preparava para vir onde Brasil colaboraria na

fundação da USP no início da década de 1930, ele teria procurado o embaixador do

Brasil na França. Ao buscar informações sobre os índios, ouviu da autoridade

diplomática brasileira, que não mais existiam, teriam todos sido dizimados com a

colonização. Se Levi-Strauss tivesse acreditado no embaixador, a Antropologia e as

Ciências Humanas e Sociais não herdariam a vastíssima obra sobre os povos

nativos, a significativa contribuição do considerado fundador do estruturalismo, ainda

vivo, e reconhecidíssmo como um dos maiores, ou senão o maior antropólogo

contemporâneo.

A segunda situação ocorreu comigo há poucos dias envolvendo uma colega

de trabalho. Em meio a uma conversa, ela me relatou que estava trazendo “um índio”

para conversar com sua turma de alunos/as em sala de aula. Como expressei a

minha desaprovação pela iniciativa, por achá-la sempre folclórico em razão da forma

que geralmente é feito o convite e como se dá essa presença de “um índio” na

escola, a colega procurou me tranqüilizar afirmando: “Mas ele já é mais civilizado”!

Diante dessas palavras a minha perplexidade foi tamanha que apenas silenciei.

Os povos indígenas conquistaram nas últimas décadas considerável

visibilidade enquanto atores sociais em nosso país. Mas, por outro lado, é facilmente

contestável o desconhecimento, os preconceitos, os equívocos e as desinformações

generalizadas sobre os índios, inclusive entre os educadores. Essas duas situações

aqui relatadas ilustram muito bem como os preconceitos sobre os índios são

expressos cotidianamente pelas pessoas. E o mais grave: independe do lugar social

e político que ocupem! O que dizer então do universo das pessoas pouco letradas,

do senso comum da população em nosso país?

Sem dúvidas é no âmbito da escola/educação formal, em seus vários níveis

hierárquicos, que se pode constatar a ignorância que resulta as distorções a respeito

dos índios. A Lei nº. 11.465/08 de março/2008 que tornou obrigatório o ensino

sobre a história e culturas indígenas, ainda que careça de maiores definições,

objetiva a superação dessa lacuna na formação escolar. Contribuindo para o

*Versão da exposição apresentada na mesa-redonda Lei nº. 11.645/2008 que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Indígena nas escolas públicas e particulares, no IV Fórum das Licenciaturas, ocorrido em 17/11/2008 no Auditório do CE/UFPE.**Doutor em História Social pela UNICAMP. Mestre em História pela UFPE. Pesquisador do Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos-LEME/UFCG; do Núcleo de Estudos e Debates sobre a América Latina-NEDAL/UFPE; e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade-NEPE/UFPE. Leciona História no Col. de Aplicação/CENTRO DE EDUCAÇÃO-UFPE. E-mail: [email protected]

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reconhecimento e a inclusão das diferenças étnicas dos povos indígenas, para se

repensar em um novo desenho do Brasil em sua diversidade e da pluralidade

culturais.

As responsabilidades e desafios para implementação da Lei nº. 11.465/08Para a implementação da Lei nº. 11.465/08 é preciso ter claro os diferentes

níveis de responsabilidades, bem como os desafios para sua real efetivação. No

âmbito federal o MEC tem uma tarefa extremamente importante: além de

acompanhar, e quem sabe até onde for de sua alçada, fiscalizar a execução da Lei.

Mas, sobretudo também, produzir subsídios didáticos destinados aos vários níveis do

ensino para colocá-los a disposição principalmente de educadores/as nas escolas

públicas.

No nível das universidades públicas e privadas se faz necessário à inclusão

de cadeiras sobre a temática indígenas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais,

bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a discussão dos

saberes indígenas. A exemplo da área da Matemática, onde podem ser discutidos os

saberes matemáticas de povos culturalmente distintos do pensamento hegemônico

ocidental.

Caberão as secretarias estaduais e municipais de educação disponibilizar,

favorecer o acesso aos subsídios produzidos pelo MEC, e ainda também produzirem

materiais didáticos enfocando as realidades locais dos povos indígenas. É de

fundamental importância ainda capacitar os quadros técnicos dessas instâncias

governamentais, no âmbito do combate aos racismos institucionais.

Ainda nas esferas governamentais locais se faz necessário a promoção de

seminários, encontros de estudos, etc. sobre a temática indígena para

professores/as e demais trabalhadores/as na educação.

Algumas propostas e sugestõesA UFPE em suas instâncias competentes deve acompanhar e fiscalizar a

implementação da Lei nº. 11.465/08 no âmbito dos currículos dos cursos de

licenciatura oferecidos em seus campi. O que significará a inclusão de cadeiras

obrigatórias que tratem especificamente da temática indígena, em cursos das áreas

das Ciências Humanas e Sociais.

A UFPE deve estimular, apoiar e ainda viabilizar os meios necessários para a

participação efetiva do professorado, alunos/as e técnicos em eventos acadêmicos

que tratem da temática indígena.

Por meio de convênios com o MEC e as secretarias estaduais e municipais, a

UFPE pode produzir materiais didáticos que tratem da temática indígena a serem

disponibilizados para o ensino público.

As secretarias estaduais e municipais devem incluir a temática indígena nos

estudos capacitações periódicas e formação continuada, a ser abordada na

perspectiva da pluralidade cultural historicamente existente no Brasil e na sociedade

em que vivemos: por meio de cursos, seminários, encontros de estudos específicos e

interdisciplinares destinados ao professorado e demais trabalhadores/as em

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educação, com a participação de indígenas e assessoria de especialistas

reconhecidos.

Essas secretarias podem favorecer o estimulo às pesquisas, bem como

estimular interessados/as em cursos de aprofundamento em nível de pós-graduação.

No nível das citadas secretarias ainda, devem ser promovidos estudos

específicos para que o professorado na área das Ciências Humanas e Suas

Tecnologias possam conhecer os povos indígenas no Brasil, possibilitando uma

melhor abordagem ao tratar da temática indígena em sala de aula, particularmente

nos municípios onde atualmente habitam povos indígenas.

Intensificar a produção, com assessoria de pesquisadores/as especialistas, de

vídeos, cartilhas, subsídios didáticos sobre os povos indígenas para serem utilizados

em sala de aula. Proporcionar o acesso a publicações: livros, periódicos, etc., como

fonte de informação e pesquisa sobre os povos indígenas.

Promover momentos de intercâmbios entre os povos indígenas e os

estudantes durante o calendário letivo, através de visitas previamente preparadas do

alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. IMPORTANTE: ação a ser

desenvolvida principalmente nos municípios onde atualmente moram os povos

indígenas, como forma de buscar a superação dos preconceitos e as discriminações.

Discutir e propor o apoio aos povos indígenas, através do estímulo ao

alunado, com a realização de abaixo-assinados, cartas às autoridades com

denúncias e exigências de providências para as violências contra os povos

indígenas, assassinatos de suas lideranças, etc. Estimulando assim através de

manifestações coletivas na sala de aula, o apoio às campanhas de demarcação das

terras e garantia dos direitos dos povos indígenas.

Enfim, promover seja nos espaços da UFPE, seja nos demais espaços

institucionais, ações pautadas na perspectiva da diversidade cultural e dos direitos

dos povos indígenas, bem como do reconhecimento de que o Brasil é um país

pluricultural e pluriétnico.

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