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CRESCIMENTO ECONÔMICO E ESTABILIDADE POLÍTICA NA CHINA: CORRELAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE1.
Marcelo Pereira Fernandes.
Economista, Doutor em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ) e Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Alexandre César Cunha Leite.
Economista, Mestre em Economia Política (PUC/SP), Pós-Graduado em Relações Internacionais (PUCMINAS) e Doutor em Ciências Sociais/Relações
Internacionais (PUC/SP). Professor adjunto do Curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a correlação existente entre desempenho econômico da China nos anos recentes e manutenção do status político do Partido Comunista Chinês – PCCh – considerando o atual cenário político e econômico global. Fato é que a política chinesa vive um período de grande e atípica calmaria a partir de 1978. Esse período de estabilidade política pode ser visto de maneira cíclica: a estabilidade política favorece o projeto de desenvolvimento chinês e seus resultados positivos tendem a manter esta estrutura. O argumento aqui consiste na constatação de que os resultados obtidos pelo projeto de inserção internacional e o desenvolvimento, essencialmente o crescimento econômico chinês contribuem para a manutenção da estrutura de poder organizada pós-1978. O período de estabilidade política auxilia e torna-se fator essencial para a coordenação do Estado chinês na mobilização de suas capacidades de crescimento e desenvolvimento, associada ao seu processo de inserção internacional pacífica, guiado, nesta seara, pelo crescimento do seu fluxo de comércio e na mobilização de sua estrutura direcionada para um novo posicionamento mundial como grande potência econômica.
Palavras-chave: China, Crescimento, Partido Comunista Chinês.
Abstract
This article seeks to analyze the correlation between economic performance of China in recent years and maintaining the political status of the Chinese Communist Party - CCP - considering the current global economic and political landscape. The fact is that Chinese policy is experiencing a period of great and unusual lull since 1978. This period of political stability can be seen in a cyclic way: political stability favors the Chinese development project and its positive results tend to maintain this structure. The
1 Faz-se necessário ressaltar que esse artigo resulta de uma pesquisa em andamento. As afirmações a respeito do modelo de desenvolvimento chinês nos últimos trinta anos tem origem em Leite (2011), contudo, o estudo da relação político-econômico entre crescimento e estabilidade política permanece como foco de uma nova pesquisa. As conclusões aqui apresentadas são resultados parciais da nova agenda de pesquisa.
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argument presented here is the fact that the results of the project of international integration and development, mainly Chinese economic growth contribute to the maintenance of the power structure of organized post-1978. The period of political stability assists and becomes an essential factor for the coordination of the Chinese state to mobilize their capacity for growth and development, associated with its international integration process of peaceful, guided in this endeavor, the growth of its trade flows and mobilization of its structure directed to a new position as a major world economic power.
Keywords: China, Economic Growth, Chinese Communist Party.
INTRODUÇÃO
As estatísticas de crescimento econômico da China reportam as mais altas taxas
do mundo a pelo menos 30 anos ininterruptos, observadas desde o final dos anos 1970 e
início dos anos 1980. Tal crescimento econômico tem início com a ascensão de Deng
Xiaoping ao poder especificamente em 1978, sendo verificados resultados mais diretos
a partir de 1980. A China constitui-se em um caso totalmente distinto de tudo aquilo
que foi visto ou estudado pelas mais diversas áreas do conhecimento que buscam
compreender os motivos, as causas, os porquês e as consequências de um período de
longa transformação social, econômica e política em uma única nação. Resguardando
muitas de suas bases culturais, observa-se um sistema político dual – pois guarda bases
históricas, especialmente no que concerne à sua organização, e, ao mesmo tempo,
aprende a conviver com um sistema econômico cujos resultados protegem a
manutenção do status quo das elites políticas dominantes – que convive com reformas
econômicas que colocam a China no rol de economias emergentes.
A despeito de alguns diagnósticos comuns e consensuais, o estudo do
desenvolvimento chinês permanece complexo. É aceito pela sociedade acadêmica e
pelos analistas internacionais que a China obteve seu crescimento, entre outros fatores2,
por intermédio da utilização extensiva de fatores subutilizados. A associação desses
fatores à incorporação de tecnologia a parcela da produção agrícola, à existência de alto
índice de poupança interna, à disponibilidade de mão-de-obra a custo reduzido e à
2 Vale ressaltar que além dos fatores econômicos e da vontade transformadora que impulsionou a modernização econômica chinesa e seu processo de abertura, devem ser destacados o aval político recebido por parte dos EUA, o movimento de reaproximação com o ocidente, bem como a inserção na dinâmica economia asiática no cenário mundial. A diáspora chinesa também pode ser citada como um fator relevante para a fase de crescimento chinesa. Por fim, o elevado volume de investimentos públicos voltados para setores estratégicos da economia, planejando sua inserção internacional nos meios políticos e econômicos.
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inserção de altos volumes de investimentos públicos e/ou privados resultaram no seu
crescimento. Quando se incorpora o cenário externo favorável ao comércio, tem-se a
potência econômica da China contemporânea.
Ao mesmo tempo, a China tornou-se, seguindo uma trajetória diferenciada, um
país cuja estrutura caracteriza-se por uma evolução tecnológica, um compromissado
propósito com o desenvolvimento nacional, um regime partidário incomum para o
ocidente e atualmente, a despeito das declarações oficiais não confirmarem este
interesse e muito menos este objetivo, o motor da economia mundial. Ao mesmo tempo,
este país-continente, potência regional e potência mundial emergente, consegue
aglutinar características como problemas de inclusão social, má distribuição de renda e
descuido com o meio ambiente.
A análise da inter-relação entre o desempenho econômico da China ao longo
desses anos de reforma econômica e a manutenção do status político do Partido
Comunista Chinês (doravante, PCCh) é o objetivo desse artigo. Para obter o resultado
desejado, faz-se necessário apresentar brevemente o sistema político chinês pós-Deng
Xiaoping. Essa apresentação constitui o primeiro tópico do artigo. Posteriormente, no
segundo tópico, far-se-á uma breve apresentação dos dados econômicos da China
obtidos nesses últimos 30 anos, que servirão para quantificar os resultados,
essencialmente no que tange aos dados sociais, visto que esses são, ao fim e ao cabo, os
dados que trazem o retorno política necessário ao PCCh. Por fim, tem-se um tópico
destinado a análise da correlação e da complementaridade entre os resultados
econômicos e a sustentação política do PCCh. Segue-se então as considerações finais do
artigo.
1 – O MODELO POLÍTICO CHINÊS PÓS-DENG XIAOPING
No século XIX, a história política chinesa foi marcada por significativos abalos.
Segundo Spencer (1990), desde o início da queda da dinástica Qing, o ambiente político
chinês deteriorou-se consideravelmente, notadamente em função das inúmeras
convulsões de ordem majoritariamente políticas. São crises de legitimidade; ausência de
um poder central eficientemente organizado e coadunado; a ocorrência de diversas
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revoluções e rebeliões3; a existência de poderes fragmentados entre as províncias; as
revoltas separatistas e a vulnerabilidade externa, no que concerne a manutenção do
poder central de forma harmonizada, representada pelas invasões inglesas, francesas,
russas e japonesas, para apresentar as mais relevantes entre outras. Independentemente
da ordem cronológica que se proponha a estudar a constituição política da China no
período compreendido entre 1796 (Rebelião do Lótus Branco) e 1976 (o fim da
Revolução Cultural) gera para o pesquisador “uma coleção de fraturas civis e externas”
que apenas demonstram a magnitude de oscilações e transformações políticas que
tiveram lugar na China neste curto espaço de tempo. São essas fraturas históricas que
determinam o cenário do que será estudado no período posterior. Observa-se que a
China não se constitui em um molde a ser usado para outros casos, deve ser sim
estudada a partir de sua singularidade.
Fato é que a política chinesa vive um período de grande e atípica calmaria a
partir de 19784. Este considerável período de estabilidade política pode ser visto de
maneira cíclica: a estabilidade política favorece o projeto de desenvolvimento chinês e
seus resultados positivos tendem a manter a estrutura politica vigente na China. Aqui se
argumenta que os resultados obtidos pelo projeto de inserção internacional e o
desenvolvimento, essencialmente econômico, do país contribuem para a manutenção da
estrutura de poder organizada pós-1978. Em outras palavras, o período de estabilidade
política auxilia e torna-se fator essencial para a coordenação do Estado chinês na
mobilização de suas capacidades de crescimento e desenvolvimento, associada ao seu
processo de inserção internacional pacífica, guiado, nesta seara, pelo crescimento do seu
fluxo de comércio e na mobilização de sua estrutura direcionada para um novo
posicionamento mundial como grande potência econômica.
Entre os historiadores, existe uma grande discrepância sobre os motivos que
explicam ou determinam, a manutenção e a unidade do poder central chinês e, em
outros casos, as fragmentações políticas na China. Durant (1935) atribui a longevidade
da civilização chinesa e, mesmo passando por seus períodos de fricção, à forma com a
qual o governo chinês exercia seu controle sob seu território e população. Segundo
Durant (1935), o governo chinês pouco governou a China na íntegra e pouco exerceu
3 São exemplos: a Rebelião do Lótus Branco, a Rebelião Taiping, a Rebelião Nian, a Revolta dos Boxers, a Revolução Nacionalista, a Revolução Comunista e as inúmeras invasões estrangeiras. 4 Talvez a Única exceção a este período de calmaria seja o protesto e a repressão da manifestação na Praça Celestial (Tiananmen) em 1989.
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um efetivo controle sobre toda a população devido justamente às diversas interferências
externas e insurgências regionais pelas quais a China passou e também pela visão
chinesa de que possui uma sólida cultura milenar que não seria afetada por estes
problemas menores. Considera-se aqui este argumento frágil devido a sua visão
simplista e reducionista do objeto tratado.
Já Fairbank (2006) atribui o controle de tantos territórios por tanto tempo e por
tão poucos governantes ao extraordinário controle exercido por um grupo político coeso
que possuía como base ideológica o pressuposto confuciano de hierarquia e
subordinação. Esta ideologia exercia forte poder nas camadas sociais chinesas,
permitindo o aparecimento de um “exitoso sistema de controle e conservação social”.
Fairbank (2006) complementa sua argumentação dispondo sobre características
adicionais que contribuíram para este controle, tais como: a fragmentação existente no
campo, que não permitiu o surgimento de um grupo rural que exercesse força e
influência sobre as determinações do governo central, e a forte burocracia chinesa, que
já possuía raízes consideráveis para se transformar em uma burocracia milenar e
harmonizada.
Existe ainda um argumento que a coesão política da China estaria diretamente
relacionada à sua unidade cultural. Segundo Toynbee (1973) 5 , essa relativa
homogeneidade cultural da China, estabelecida em meados do século IX ou VIII a.c.,
teria sobrevivido sem percalços advindos das diversas quebras e intervenções políticas
sofridas pela China até o século XIX. Existe nesta argumentação a concepção de que a
cultura chinesa é tão superior que essa não sucumbiria a influências exercidas por outras
culturas julgadas como inferiores pelo poder central chinês.
A despeito dessas argumentações, o que se pode observar ao longo da história da
China, seja esta recente ou em suas fases mais longínquas, é que a China foi palco de
inúmeras crises políticas e invasões externas que geraram instabilidades políticas e
contestação do poder central do Estado chinês (ROBERTS, 2006). Estes períodos são
marcados ainda por quedas de dinastias, aumento exponencial da população – sem
contrapartida na produção de alimentos –, problemas de ordem climática e violentas
invasões externas. Cabe ressaltar que as invasões externas e as derrotas impostas à
China em guerras contra potências estrangeiras tiveram alto custo econômico, erodiram
5 Comparative History e Works, retirados da biografia do autor.
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a legitimidade do poder político doméstico e dividiram o território chinês de tal forma
que estas se tornaram as maiores fontes de instabilidade política no país6.
Segundo Spencer (1990), em poucos momentos da história da China, como o
período compreendido entre 1859 e 1950, o país sofrera tanto com a fragmentação
territorial e política devido à ocorrência de guerras civis e intervenções estrangeiras.
Todavia, ainda segundo o mesmo autor, o fim da II Guerra Mundial e a vitória da
Revolução Comunista de 1949 pelas mãos de Mao Tsé-tung, trouxe de volta ao país um
sentimento de restabelecimento da soberania nacional7.
O período pós-1950, coincidente com a fase inicial da Revolução Comunista,
gerou uma maior estabilidade política da China. Este período deslancha um processo de
transformação profunda na sociedade chinesa, incluindo conflitos internos ao Partido
Comunista Chinês e setores que foram excluídos da distribuição do poder central.
Fairbank (2006) denomina o período compreendido entre 1957 e 1977 como os “vinte
anos perdidos” da China moderna. Isto porque a radicalização contida nos projetos do
Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural resultaram em um desastre de proporções
políticas e econômicas, apenas remediados com a entrada de Deng Xiaoping e o início
da modernização pragmática da China.
Fazendo uma breve retrospectiva de alguns componentes históricos relevantes,
observa-se que, em 1958, Mao abandonou o modelo de desenvolvimento soviético
(soviet-style)8 e introduziu um plano que buscava, ao mesmo tempo, a industrialização
do país e a coletivização da agricultura, através da ênfase no esforço do trabalho rural
chinês; tal plano ficou conhecido como o Grande Salto à Frente. Mas, o plano estatal foi
um desastre econômico, pois além da falta de habilidade administrativa9, a retirada de
técnicos soviéticos do território chinês e os fracassos consecutivos na colheita de grãos
pioraram a situação de abastecimento do país. Logo, a fome generalizou-se
nacionalmente.
6 O Japão é responsável por problemas políticos internos em diversas ocasiões, tais como a guerra pelo controle das Coréias, as perdas territoriais – Formosa e a Inglaterra na Revolta de Taiping. 7 Exceção feita a questão de Taiwan e a guerra da Coréia entre 1950 e 1954. 8 Há, contudo, uma corrente que discute a afirmação de abandono do modelo soviético. Tal visão observa a situação mais como um rompimento da China com o modelo oriundo da URSS. Contribuem para esse rompimento a existência de diferenças ideológicas que norteavam o modelo chinês e o soviético. Ainda, a leitura histórica e a disponibilidade de fatores e recursos tecnológicos tornaram-se empecilhos para a continuidade do uso da proposta soviética. 9 Demonstrada na avaliação dos historiados da política chinesa durante todo o período de governo de Mao.
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Após o fiasco do Grande Salto à Frente, os moderados assumiram o poder.
Contudo, insatisfeito como o elitismo burocrático, Mao iniciou um novo movimento
político, a chamada Revolução Cultural10. Mao Tsé-tung estava decidido a erradicar o
elitismo burocrático e acusava os dirigentes do Partido Comunista Chinês de
afastamento ideológico, assim como acreditava que os soviéticos haviam feito,
adotando um caminho capitalista e destruindo a revolução comunista. Mao Tsé-tung,
com o apoio ativo da juventude chinesa, incitava o ataque e a destruição daqueles
culpados de elitismo egoísta, na tentativa de colocar a revolução de volta aos eixos. A
revolta estava pautada na teoria maoísta de “revolução permanente”, ou seja, na luta de
classe contínua contra a exploração e no uso de violência revolucionária para eliminar
os inimigos da revolução e impedir um retrocesso na direção do capitalismo.
Macfarquhar (1997) afirma que a Revolução Cultural buscava remodelar o
futuro da China. Seu “método” consistia em mudar na natureza do povo chinês
mediante “a great revolution that touches people to their very souls”. Utilizando o
termo modelo soviético - ‘Soviet-style 11 ’, os revisionistas permitiam a população,
dividida em classes, a buscar seus objetivos tendo como pano de fundo a dominação e
autoridade do Partido e uma forma particular de adoção do capitalismo (ainda bastante
incipiente). Esta transformação proposta por Mao abraçava ideologicamente uma real
reforma educacional, na literatura e nas artes além de propósitos mais ousados como a
promoção da igualdade, redução dos privilégios classistas e maior coletivismo
associado a menor burocracia. Segundo colocado por Mao, em documentos disponíveis
sobre a Revolução Cultural, o objetivo era “modernizar” a China, de uma forma
diferenciada, tendo início pela cultura e atingindo pontos mais elevados
hierarquicamente.
Segundo Macfarquhar (1997),
“The goal of the Cultural Revolution was to provide the right answer to the question, After Mao, what? But success would depend on the answer to an earlier question, After Mao, Who? If alleged capitalist-roaders like head of state Liu Shaoqi survived the chairman in positions of power, then China would change its color. China must not only be guided by the correct line and
10 A Revolução Cultural teve inicio em 1966 e durou uma década. Esse movimento foi, na verdade, uma luta de poder dentro do PCC e buscava a fidelidade aos valores marxista-leninistas. 11 “Decision of The Central Committe of Chinese Comunist Party concerning the Great Proletarian Cultural Revolution”, in URI, CCP documents of the Great Proletarian Cultural Revolution, 1966-1967, p. 42.
8
policies, but had to ‘train and bring up millions of successors who will carry on the cause of proletarian revolution. In the storm of the Cultural revolution, new leaders were to emerge, steeled in struggle, proletarian in outlook, in whose hands Maoist brand of socialism would one day burn fiercely” (MACFARQUHAR, 1997: 249).
Apesar de ter sido gradualmente atenuada desde o início dos anos 1970, foi
preciso uma década para que a Revolução Cultural fosse totalmente abandonada. Na
verdade, ela só teve fim com a morte de Mao Tsé-tung em 1976. A partir de então, a
sociedade chinesa reorganizou-se sob os comandos de Deng Xiaoping e de outros
moderados.
Em 1978, a China iniciou seu processo de reformas econômicas assentadas em um
processo de descentralização das decisões econômicas. Deng Xiaoping objetivava
legitimar o PCCh, que se encontrava abalado após as tentativas de reformas feitas
durante o período compreendido entre a condução de Mao Tsé-tung até a transição para
a transformação de Xiaoping (LEITE e MARQUES, 2007).
Segundo Stanley Karnow (1978), a grande mudança ocorrida na Ásia no ano de
1978 estava na China. Em suas palavras,
“The evolution of China during the year was the most significant single development in the area, if not in the world. For the time being at least, it betokens a decisive choice in a struggle that has raged within the Communist government ever since it took over the mainland in the 1949. … The pragmatists were personified in Teng Hsiao-ping, who believed that progress demanded practical measures rather than political campaigns, and his were shared by many his Communist Party and military colleagues” (KARNOW, 1978: 03).
Karnow (1978), ao revisar os acontecimentos que antecederam a entrada de Deng
Xiaoping (Teng Hsiao-ping no original), sublinha a difícil transição política e a
permanente batalha pelo poder na China. Segundo o autor, na Revolução Cultural, Mao
tentou usar o aparato dominador e coercitivo do Partido Comunista Chinês para
homogeneizar a sociedade chinesa. Movimento este que sofreu uma pequena
interrupção com a entrada de Zhou Enlai (Chou En-lai), mas logo retomado com a
Gangue dos Quatro.
“These zigzags have left many Chinese disillusioned, cynical and hesitant to identify with any policy out of fear that pendulum could swing again. At the same time, there are indications that
9
upper echelons of the leadership group are still not entirely cohesive. Communist Party Chairman Hua Kuo-feng (Hua Guofeng), who was plucked out of obscurity by Mao, has seemed to be more determinate to restrain the drive against the radicals than Teng (Deng), who, as two-time victim of the leftist, understandably favors a thorough housecleaning. For similar reasons, Hua has been reluctant to bury Mao´s thesis that political purity be primordial. These differences are complicated by personal and political animosities. Hua, who owes his career to the Cultural Revolution, was directly involved in the early 1976 campaign against Teng (Deng), and must be assumed that a degree of tension remains between them” (KARNOW, 1978: 03).
A entrada de Deng, segundo relato de Karnow (1978), foi fundamental para
uma transição mais suave, com objetivos claros, mas sem grandes tensões políticas e
sociais, o que seria bom para o cenário político chinês depois de período tão
conturbado.
Os anos 1980 constituem-se no período de transformação da China socialmente,
politicamente e, sobretudo, economicamente. É sob os auspícios de Deng Xiaoping que
a China inicia sua mais profunda, sistemática e convergente reforma. É premissa deste
trabalho que tais reformas tiveram especial foco no desenvolvimento econômico e no
processo de inserção internacional, especialmente no que tange a abertura da economia
chinesa. Contudo, objetivos políticos também fizeram parte das modificações realizadas
por Deng Xiaoping, que reestruturaram a visão do modus operandis político na China.
Faziam parte das metas iniciais de Deng uma reforma do modelo político, a inserção de
um sistema de melhor distribuição do poder político decisório sobre as atividades
produtivas (as quais veremos mais adiante) e as mudanças econômicas necessárias para
inserir a China em um novo contexto econômico mundial.
Foi durante a década de 1980 que a China estabeleceu novas formas de ação
política nacional, considerando a segurança nacional um bem social mais amplo que
simplesmente um sistema de proteção militar. Foi no mesmo período que a China
aceitou a flexibilidade e a iniciativa da população, pequenos produtores e proprietários
de terra no sentido do crescimento da produção. Também este período mostrou uma
evolução significativa da produção e do produto per capita chinês, conforme mostra a
tabela abaixo. Ao mesmo tempo em que a China teve que conviver com um aumento
inesperado da oferta de demanda e da demanda por moeda, o que acabou originando um
10
surto inflacionário momentâneo na economia chinesa12, observava-se que a renda da
população aumentava e que o acesso a um maior número de bens acompanhava este
aumento de renda, objetivo este perseguido por Deng.
CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA - DÉCADA DE 1980
(yuan - 1978 = 100)
Ano PIB per capita Variação do PIB per capita (%)
1978 379 100,0
1979 402 106,1
1980 428 113,0
1981 456 117,5
1982 478 126,2
1983 523 137,9
1984 594 156,8
1985 665 175,5
1986 713 188,2
1987 783 206,6
1988 858 226,3
1989 879 231,9
1990 899 237,3
Fonte: China Statistical Yearbook, 2002.
Foram então quatro grandes eixos na política chinesa do período: (1) a China
deveria reconhecer a força de uma economia global de escala crescente e focar seu
esforço de crescimento em um modelo intensivo, substituindo o modelo extensivo de
crescimento dos períodos anteriores. Logo, o modelo soviético não mais serviria para a
China devido a seus retornos serem pequenos demais em termos de tecnologia e
desenvolvimento de novos conhecimentos voltados à produção. Participar da economia
global era estratégico para a China, mais que isto, era fundamental. Deng regarded the
necessity of keeping pace with the worldwide trends toward technological dynamism
12 No mesmo período, segundo Lieberthal (2004) e Macfarquhar (1997), a China sofreu com maiores problemas associados à inflação, corrupção e outros entraves sociais relevantes. Contudo, acredita-se que estes problemas vieram à tona devido a um maior crescimento da economia e a um menor controle governamental de algumas atividades, além de uma maior disseminação da informação decorrente da crescente visibilidade da China no mundo contemporâneo.
11
and economic efficiency as matter of China´s long-term national security
(LIEBERTHAL, 2004). Competição era a palavra de ordem econômica que norteava o
pensamento de Deng. Segundo Lieberthal (2004), citando Deng Xiaoping (discurso
oficial), a China precisava de competição, pois essa forçaria a China a melhorar seu
setor produtivo estatal, promoveria uma competição sadia entre os ganhos estatais e
privados, demandaria dos empregados maior qualificação e eficiência dinâmica, e
forçaria o Estado a promover os direitos de propriedade e sociais; (2) os chineses
deveriam ter maior poder de compra e um melhor padrão de vida que seria atingido
mediante a maior produção de mercadorias e a adoção de um princípio pragmático e
utilitarista de deliver the goods; (3) mesmo com a reforma econômica e constante
elevação da riqueza da população, a China deveria seguir as regras do PCC. Deng has
always held deeply authoritarian views concerning China, and believed that anything
less than total control by CCP would produce chaos and violence (LIEBERTHAL,
2004); (4) na cena internacional, Deng concluiu que a China deveria utilizar e sustentar
da melhor maneira possível, seguindo seu pragmatismo nas relações internacionais, uma
diplomacia de paz e uma inserção internacional pacífica.
O período político pós-Deng Xiaoping pode ser classificado como um período
de relativa estabilidade política 13 . O argumento ora desenvolvido nesse trabalho
caminha na direção de uma relação positiva entre o crescimento econômico – e suas
consequências – e a estabilidade política do PCCh à frente do governo chinês. O
próximo tópico apresenta alguns indicadores de desempenho econômico e social que
corroboram com o argumento apresentado.
2 – OS RESULTADOS ECONÔMICOS OBTIDOS PELA CHINA E SUA
REPERCUSSÃO ECONÔMICO-SOCIAL.
Conforme destacado anteriormente, os resultados econômicos da China nas
últimas três décadas são impressionantes sob qualquer ponto de vista. De fato, trata-se
de um caso sem paralelo em termos de crescimento econômico. A tabela abaixo mostra
que desde 2000 a China mantém um crescimento do PIB acima de 8%.
13 Cabe observar que estabilidade política não quer dizer ausência de conflitos internos, de acalorados debates e confrontos com algumas classes da sociedade e muito menos da ocorrência de protestos por parte da população. Estabilidade política aqui refere-se a um período sem grandes turbulências que afetem definitivamente o governo central e a manutenção do poder pelo PCCh.
12
Um dos responsáveis pelo crescimento acelerado são os fluxos de investimento
externo direto (IED). Nos últimos anos o país vem demonstrando grande capacidade de
atrair investimentos, principalmente dos Estados Unidos. Como se pode observar na
tabela abaixo, desde 1980 o IED tem entrado na China de forma crescente. O
investimento estrangeiro é estrategicamente complementado por uma atividade politica
estatal de investimentos públicos e de utilização do interesse privado no crescente
mercado chinês. O governo chinês tem estimulado as cooperativas rurais; as empresas
estatais estão associadas ao capital privado (tendo esse apenas uma parcela dos títulos
da empresa) e setores como educação e saúde vêm recebendo atenção por parte dos
governos centrais e locais.
Evolução do PIB chinês (variação %)
1980 7.9 1996 10.01981 5.2 1997 9.21982 9.1 1998 7.81983 10.9 1999 7.61984 15.2 2000 8.41985 13.5 2001 8.31986 8.8 2002 9.01987 11.6 2003 10.01988 11.3 2004 10.01989 4.1 2005 11.31990 3.8 2006 12.61991 9.1 2007 14.11992 14.2 2008 9.61993 13.9 2009 9.21994 13.0 2010 10.4
1995 10.9 2011 9.2Fonte: FMI – World Economic Outlook, 2012.
13
A crescente capacidade exportadora chinesa também é responsável pelo
crescimento acelerado. Observam-se nas tabelas abaixo que em meados dos anos 1990
as exportações chinesas dispararam, alcançando a taxa de 35,7 do PIB em 2006. Em
2009 a China tornou-se o maior exportador mundial.
EXPORTAÇÕES (US$ Bilhões)
1978 9,75 1997 182,791980 18,12 1998 183,711985 27,35 1999 194,931986 30,94 2000 249,21987 39,44 2001 266,11988 47,52 2002 325,61989 52,54 2003 438,371990 62,09 2004 593,41991 71,84 2005 7621992 84,94 2006 968,91993 91,74 2007 1.217,801994 121,01 2008 1.428,601995 148,78 2009 1.201,60
1996 151,05 2010 1.577,90Fonte: http://www.chinability.com/Trade.htm
ENTRADA DE IED - China (US$ milhões)
1980 57 1996 41725,521981 265 1997 45257,041982 430 1998 45462,751983 916 1999 40318,711984 1419 2000 40714,811985 1956 2001 46877,591986 2243,73 2002 52742,861987 2313,53 2003 53504,71988 3193,68 2004 606301989 3392,57 2005 724061990 3487,11 2006 727151991 4366,34 2007 835211992 11007,51 2008 1083121993 27514,95 2009 950001994 33766,5 2010 105735
1995 37520,53 Fonte: Unctad
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A força comercial da China também foi responsável por expressivos superávits
em transações correntes. Nos últimos anos o saldo vem diminuindo, mas mantém-se em
um patamar consoante com os objetivos econômicos das autoridades chinesas. Por
objetivos econômicos, além da manutenção do crescimento econômico, entende-se aqui
que é questão de segurança para a China o desenvolvimento econômico, considerando a
inclusão e o acesso a bens públicos e bens básicos por parte da população (Leite, 2011).
EXPORTAÇÕES 1993-2009 (%PIB)
Fonte: Asian Development Bank
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009
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Por sua vez, o crescimento econômico vem mantendo a taxa de desemprego
relativamente baixa, o que é importante para manter a estabilidade social e política. Ao
longo dos últimos 30 anos de crescimento a China retirou cerca de 600 mil pessoas da
miséria (segundo dados do Banco Mundial). Deve-se reconhecer que tal resultado
imputa grande credibilidade ao governo chinês e, particularmente, ao PCCh. A
implementação de reformas modernizantes ao mesmo tempo em que alçaram a China a
um novo patamar no mercado mundial, também trouxe à população chinesa benefícios
que tangenciam a inclusão social, redução do desemprego e crescimento da renda per
capita chinesa.
SALDO EM TRANSAÇÕES CORRENTES 1980-2010 (%PIB)
Fonte: FMI – World Economic Outlook
‐5,0
‐3,0
‐1,0
1,0
3,0
5,0
7,0
9,0
11,0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010
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O crescimento chinês tem levado a uma grande transformação social. A melhora
nas condições sociais provocou um aumento considerável na expectativa de vida,
particularmente quando se leva em conta um país com uma população de 1,3 bilhão de
habitantes.
Associados, os dados de crescimento, crescimento da renda per capita,
desemprego e expectativa de vida (ver tabela abaixo), observa-se uma sinalização clara
para melhoria das condições de vida da população chinesa.
EXPECTATIVA DE VIDA AO NASCER, TOTAL (ANOS)
Fonte: Organização das Nações Unidas
6566676869707172737475
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010
TAXA DE DESEMPREGO – 1993/2009
Fonte: Asian Development Bank
0
1
2
3
4
5
1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009
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TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO, EXPECTATIVA DE VIDA E RENDA PER CAPITA
Ano 1978 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2008
Indicador
Taxa de crescimento populacional (%) nd nd 1,4 nd 1,1 0,8 0,6 0,5
Expectativa de vida (anos) nd nd 67,0 68,0 70,0 71,0 73,0 73,0
Renda per capita (US$) nd nd 292,00 314,00 604,00 949,00 1731,00 3414,00
Fonte: Banco Mundial (2011) e Unesco (2011).
Dentre os indicadores de melhoria do bem-estar, tornou-se fato estilizado a
melhoria na educação da sociedade. Para a discussão iniciada nesse artigo, a evolução
da educação participa como uma comprovação adicional. A literatura específica
comprova que maiores níveis de educação trazem em sua sequencia maior demanda de
estrutura social básica, de menor tolerância à corrupção e maior senso crítico quanto aos
regimes políticos. Logo, tudo indica que se não estivessem sendo observadas melhorias
qualitativas e quantitativas na economia chinesa, a estabilidade política poderia ser
colocada em risco. O desgaste político causado pela ausência de estrutura mínima, da
ausência de políticas de bem-estar, mesmo que erroneamente atreladas ao padrão de
consumo, no caso chinês, ganharia em dimensão e amplitude.
EVOLUÇÃO DOS INDICADORES EDUCACIONAIS CHINESES
ANO 1980 2004
INDICADOR
Média de anos na escola 4,8 6,4
Despesa com Educação (em % do PIB) 2,1 2,0
Nível de Escolaridade (%)
a) Fundamental 31,3 33,9
b) Médio 33,7 45,3
c) Superior 0,9 2,8
Fonte: World Bank´s Development Indicators 2006.
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O que se pode observar é que o modelo praticado nos países asiáticos leva mais
a sério a concepção de políticas públicas e a educação como uma das suas principais
áreas de atuação. O consenso nesses países, diferentemente do modelo praticado em um
grande número de países ocidentais, que acataram o receituário do Consenso de
Washington, é que a educação está na base de todo o desenvolvimento. Logo, é
prioridade do governo que sua população tenha acesso facilitado à educação básica,
criando fundamentos para seu desenvolvimento humano futuro.
Vale ressaltar que tal responsabilidade pela evolução educacional da população
não é responsabilidade única do Estado. Ao nosso juízo, a postura do governo chinês de
compartilhar os custos da educação com o estudante e/ou família, é uma forma de torná-
los conscientes e co-responsáveis no processo de crescimento educacional. Pois da
mesma forma que o Estado tem interesse na melhora dos índices educacionais, a
população considera a evolução educacional como um instrumento, um meio, para sua
ascensão social, logo nada mais adequado que ter co-responsabilidade nessa construção.
A relação causal aqui deve ser estabelecida da seguinte maneira: é a evolução da
educação básica que proporciona o “desejo” por níveis superiores de crescimento,
trazendo uma trajetória de conhecimento acumulado que possibilita o crescimento
econômico. Tal situação encerra uma obrigação ao Estado chinês, mas acima de tudo,
uma possibilidade de manutenção da estabilidade política, desde que atingidos os
resultados positivos no que tange o crescimento econômico. Uma observação
compulsória é citar que ainda existe na sociedade chinesa uma discrepância entre os
ganhos educacionais nas cidades e na área rural. Tal diferença ainda mostra que o
avanço dos investimentos público na China ainda não alcançou todo o território
nacional, assim como acontece em outros países de dimensões continentais em processo
de desenvolvimento. No tópico seguinte procura-se estabelecer a relação entre os
resultados econômicos chinês e a estabilidade política do PCCh.
3 – CORRELAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE ENTRE DESEMPENHO ECONÔMICO E ESTABILIDADE POLÍTICA NA CHINA
Esse trabalho encontra-se norteado pela hipótese de que a China, numa
combinação estratégica e por uma necessidade econômica, elegeu o crescimento
econômico não somente como seu propulsor e sua senha de entrada no mercado
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mundial e na corrida ao desenvolvimento. Mas, sobretudo, como uma forma de
manutenção do status político obtido pelo PCCh e pela relativa estabilidade política não
visualizada nos anos que precedem as reformas implementadas por Deng Xiaoping e
continuadas pelos seus sucessores.
Por mais relevantes e dignas de consideração (em toda análise a ser realizada em
uma nação que obtém resultados diferenciados como é o caso da China), que sejam as
suas fragilidades econômicas e as dúvidas a respeito da continuidade do crescimento
chinês, deve-se entender que o resultado chinês é um resultado ao mesmo tempo
político e econômico.
O que se busca destacar aqui é que foram constituídas as bases econômicas para
a ascensão chinesa, considerando tais bases essenciais para que o modelo político
chinês, da forma como construído ao longo da sua história mais recente, torna-se pilar
da manutenção de um sistema de governo como o capitaneado pelo PCCh nos últimos
35 anos.
Sustenta-se aqui que a distinção, a segmentação em fatores políticos e
econômicos no estudo do desenvolvimento chinês, da avaliação da sua inserção
internacional e da vida longa do PCCh à frente do governo chinês, constitui-se em um
erro. Pois a relação deve ser entendida como complementar e correlata.
Observa-se que, do ponto de vista econômico, as bases para a transição da China
de ator regional para uma potência emergente global, e em boa medida, as condições
para a manutenção do crescimento chinês, se não mantendo o mesmo nível das últimas
três décadas, estão diretamente relacionados a questões de governabilidade.
O processo chinês de modernização econômica, inserido em um modelo de
desenvolvimento nacional, parece ter adquirido ao longo dessas últimas três décadas,
massa crítica e dinamismo suficiente para que o país, a despeito de suas singularidades,
galgasse uma posição relevante no cenário internacional, mas, sobretudo, mantendo sua
estrutura de poder interna e seus objetivos de desenvolvimento e inclusão,
fundamentais, conforme o argumento desenvolvido, para a manutenção da trajetória
chinesa em direção ao desenvolvimento e a inserção internacional.
A relação de complementaridade aqui sustentada revela, inclusive, que um
desvio da trajetória de crescimento econômico, inclusão social e melhoria das condições
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de vida (material) da sociedade chinesa, estão diretamente relacionados a questões de
governabilidade, colocando em risco a manutenção da estabilidade política do PCCh.
Considerando o que foi apresentado no primeiro tópico, concernente ao
desenvolvimento da estrutura política chinesa, observa-se que os anos posteriores a
ascensão de Deng Xiaoping ao posto maior da estrutura governamental chinesa trouxe,
além da proposta de modernização estrutural, uma estabilidade política e uma aceitação
de práticas voltadas para o mercado mundial como forma de inserção e de crescimento
econômico (LEITE, 2011). Diante de tais circunstâncias, observa-se grande relação
entre os resultados econômicos obtidos, notadamente, o crescimento econômico.
Crescimento esse que resulta em inclusão social e redução do número de chineses
abaixo da linha de pobreza.
Por fim, cabe ressaltar que os resultados aqui apresentados constituem parte de
um projeto de desenvolvimento. Logo, crê-se que tais resultados ainda são parciais
diante do pretendido pela China. Os dados de crescimento econômico, quando são
considerados na composição do PIB são relevantes, porém, quando associados à
melhoria do acesso e das condições da população chinesa, torna-se componente
essencial para a manutenção política do PCCh.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reformas políticas e econômicas iniciadas com a ascensão de Deng Xiaoping
tiveram como objetivo principal o rápido desenvolvimento econômico. De fato, em um
curto período histórico a China se transformou num pólo de crescimento mundial,
centrada na rápida industrialização e numa ativa política comercial. Consonante a este
crescimento, a China vem ampliando num ritmo, também sem precedentes, a inclusão
social da população chinesa.
Essa intensa melhora do bem-estar das famílias chinesas não é uma
consequencia necessária do sucesso econômico, como demonstra outros exemplos no
mundo em que houve crescimento acelerado sem inclusão social. Por isso, entendemos
que o principal desafio alcançado pelo PCCh está na bem articulada ascensão
econômica com ascensão social que vem permitindo uma estabilidade política que há
séculos não se via na China.
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REFERÊNCIAS
DURANT, Will. The story of civilization – vol I – Our oriental Heritage. New York, MJF Books, 1935.
FAIRBANK, John king. China: a new history. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
KARNOW, Stanley. East Asia in 1978: The Great Transformation. Foreign Affairs, 1978. Disponível em: http://www.foreignaffairs.com/articles/31968/staley-karnow/east-asia-in1978-the-great-transformation.
LEITE, Alexandre Cesar Cunha. Ascensão do Dragão em 30 anos: o projeto de desenvolvimento econômico soberano da China no período 1978-2008. Tese de Doutorado em Ciências Sociais/Relações Internacionais. SP: PUC/SP, 2011.
LEITE, Alexandre César Cunha, MARQUES, Sylvia. Condicionantes Favoráveis à inserção da China no Mercado Global: diferenças marcantes que invalidam uma construção paradigmática para o século XXI. Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais. Brasília, 2007.
LIEBERTHAL, Kenneth. Governing China: from revolution through reform. 2nd Ed. New York, Norton, 2004.
MACFARQUHAR, Roderick (ed.). The Politics of China: the eras of Mao and Deng. UK: Cambridge University Press, 1997.
ROBERTS, J. A. G. A History of China. Nova York: Palgrave Macmillan. 2006. 2ª ed.
SPENCER, Jonathan. The search for modern China. New York, Norton, 1990.
TOYNBEE, A. J. A Study of History. Oxford: Oxford University Press,1973.
Anexo
Organização política e partidária na China pós-1978: o Partido Comunista Chinês e sua estrutura política
O Partido Comunista Chinês (PCC) define os objetivos políticos e diretrizes gerais a serem perseguidos pelo Estado. Já o aparato governamental decide como estes objetivos serão postos em práticas, exercendo funções administrativas para a operacionalização do que foi definido pelo partido. O Partido Comunista Chinês é comandado pelo Politburo (Political Bureau) e seu Comitê Permanente Politburo Standing Committee – PSC). O Partido Comunista Chinês é chefiado nominalmente pelo seu Secretário Geral, mas as decisões são coletivas e emanam do Politburo e do Comitê Permanente. Adicionalmente, há o Secretariado, que se encontra abaixo do Politburo e tem funções administrativas dentro do partido. Não há regularidade nos encontros do Partido Comunista Chinês, contudo, a cada cinco anos é tradicional que haja um grande congresso do partido. O aparato governamental é dividido entre a Presidência, o Conselho de Estado, os Ministérios e as divisões administrativas locais. O Presidente Chinês é o Chefe de Estado da China e
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representa o Estado interna e externamente. O Presidente nomeia o Primeiro-Ministro, que é revisado e eleito pelo Congresso Nacional do Povo. O Primeiro Ministro preside o Conselho de Estado (State Council), que se reúne uma vez por mês. O Conselho de Estado é o mais alto órgão administrativo e executivo da China, seus integrantes são nomeados pelo Primeiro Ministro e sendo estes também revisados e eleitos pelo Congresso Nacional do Povo. O Conselho de Estado é composto pelo Primeiro Ministro, Vice-Primeiros Ministros, os Conselheiros de Estado, os Ministros, o Chefe do Banco Popular da China e o auditor geral do Escritório de Auditoria Nacional. Para as rotinas administrativas do governo há o Comitê Permanente do Conselho de Estado (State Council Standing Committee – SCSC), que se encontra duas vezes por semana e conta com o Primeiro Ministro, quatro vices, cinco conselheiros e o Secretário Geral do Conselho de Estado. Os Ministérios são organizados de acordo com funções específicas, como Ministério das Comunicações, Ministério do Comércio, e esses contam com Comissões e Agências Especiais para determinados assuntos mais específicos e complementares àqueles sob o comando daquela pasta ministerial. As divisões administrativas locais são as Províncias, Prefeituras, Condados e Cidades. Para cada divisão existe um aparato governamental (governador, prefeito, chefe de condado) e um comitê do partido. Cada divisão possui um grau de autonomia administrativa sendo que as de nível mais baixo respondem às de nível superior. Há uma certa autonomia decisória, porém temas mais complexos devem ser repassados para às ordens superiores para deliberação. Para as Províncias, o governador e o chefe do comitê são sempre pessoas diferentes, contudo, nos níveis mais baixos isso pode não ocorrer. Os líderes provinciais geralmente são naturais de regiões diferentes da Província que comandará. Já no caso dos Condados, os chefes são sempre pessoas da região. O Congresso Nacional do Povo (National People’s Congress – NPC) possui a função de fiscalizar o poder executivo - o Conselho de Estado. É o órgão legislativo chinês e possui estrutura unicameral. O Congresso Nacional do Povo vem ganhando força política desde as reformas implementadas por Deng Xiaoping, mas ainda é subordinado ao Conselho de Estado e ao Comitê Permanente do Politburo, fazendo considerações e algumas restrições às políticas apresentadas para sua apreciação. O Congresso Nacional do Povo não é eleito diretamente, somente em seu nível mais baixo há eleições diretas com candidatos previamente aprovados pelo Partido Comunista Chinês. O Congresso Nacional do Povo elege o Presidente, o Primeiro-Ministro e os oficiais do Conselho de Estado, que são previamente nomeados pelos órgãos competentes, de acordo com a constituição chinesa. O Congresso Nacional do Povo se reúne uma vez por ano. Ainda existe o aparato militar chinês que tem seu braço operacional no Exército Popular da Libertação (People’s Liberation Army – PLA), que integra as forças terrestres, aéreas e marítimas chinesas. Existem duas comissões para os assuntos militares: uma dentro do aparato governamental e outra dentro do partido. Ambas possuem a mesma denominação, Comissão Militar Central – da República Popular da China e do Partido Comunista Chinês – (Central Military Commission – CMC). Como os integrantes destas comissões são sempre os mesmos, tende-se a referir-se às duas comissões no singular. O Comitê Permanente do Politburo elege os participantes destas comissões. O escritório da Comissão Militar Central se localiza dentro do Ministério da Defesa da China, mas é considerado superior a este, por definir as políticas militares do país e fazer a ligação entre o Exército Popular da Libertação, o Partido Comunista Chinês e o Governo. O processo de tomada de decisão na China é bastante complexo devido à acumulação de cargos entre integrantes do partido no governo. Além disso, também há outros atores importantes neste processo como think tanks, grupos de pesquisa do governo (Leading Small Groups) e de universidades, a imprensa e os cidadãos chineses que têm se tornado cada vez mais conscientes e engajados. Fonte: Martin, Michel F. Understanding China´s Political System. Congress Research Service, April, 2010. Elaboração própria.
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