Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados
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"Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.
CMARA DOS DEPUTADOS
CENTRO DE FORMAO, TREINAMENTO E APERFEIOAMENTO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO
Flvio Gomes de Mesquita
CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS
ABERTOS POR MEDIDA PROVISRIA:
UMA ANLISE EXPLORATRIA
Braslia
2007
Flvio Gomes de Mesquita
CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS
ABERTOS POR MEDIDA PROVISRIA:
UMA ANLISE EXPLORATRIA
Monografia apresentada para aprovao no Curso de
Especializao em Oramento Pblico
Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior
Braslia
2007
Autorizao
Autorizo a divulgao do texto completo no stio da Cmara dos Deputados e a reproduo total ou parcial, exclusivamente, para fins acadmicos e cientficos.
Assinatura:_________________________________
Data ____/____/_______
Mesquita, Flvio Gomes de. Crditos adicionais extraordinrios abertos por medida provisria [manuscrito] : uma anlise exploratria / Flvio Gomes de Mesquita. -- 2007. 80 f.
Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior Impresso por computador. Monografia (especializao) Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento, da Cmara dos Deputados, Curso de especializao em Oramento Pblico.
1. Crdito adicional, Brasil. 2. Oramento pblico, Brasil. I. Ttulo.
CDU 336.121.65(81)
CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS ABERTOS POR MEDIDA
PROVISRIA: UMA ANLISE EXPLORATRIA
Monografia Curso de Especializao em Oramento
Pblico 1 Semestre de 2007.
Aluno: Flvio Gomes de Mesquita
Banca Examinadora:
____________________________________________
Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior
____________________________________________
Professor Convidado: Edilberto Carlos Pontes Lima
Braslia, 13 de junho de 2007.
minha querida esposa, Valria, e aos meus maravilhosos filhos,
Priscyla e Arthur, pelo apoio incondicional.
De tudo ficam trs coisas:A certeza de que estamos sempre comeando...A certeza de que precisamos continuar...A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...Portanto, devemos:Fazer da interrupo um caminho novo...Da queda, um passo de dana...Do medo, uma escada...Do sonho, uma ponte...Da procura, um encontro...
Fernando Pessoa
RESUMO
Constitui este trabalho esforo no sentido de analisar a figura do crdito adicional extraordinrio veiculado por medida provisria. A abordagem tem como foco principal constatar se o Poder Executivo, quando edita medida provisria objetivando crdito extraordinrio, vem observando os pressupostos necessrios, como prescreve a Constituio Federal. Para tanto, efetua-se uma anlise detida desses requisitos constitucionais e da natureza jurdica de ambos os institutos, com ateno a alguns dos princpios constitucionais atinentes ao assunto, notadamente em relao ao da legalidade, sem perder de vista as situaes que reclamam a utilizao de crdito extraordinrio. Tambm se apresenta uma rpida viso histrica da origem institucional do parlamento, a fim de se desvendar as razes para a sua criao. Avaliam-se ainda as conseqncias do controle poltico e do controle jurisdicional exercidos sobre essa prtica do Presidente da Repblica de expedir medidas provisrias para abertura de crdito extraordinrio. Para alicerar a pesquisa buscou-se socorro na exegese da Carta Constitucional vigente, bem como na doutrina e na jurisprudncia especficas.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias
ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade
ADI-MC Medida Cautelar em Ao Direta de Inconstitucionalide
ADPF Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental
CF Constituio Federal
CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico
CMO Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscalizao
CN Congresso Nacional
CPC Cdigo de Processo Civil
CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira
DJ Dirio de Justia
EC Emenda Constitucional
LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
LOA Lei Oramentria Anual
MP Medida Provisria
PLV Projeto de Lei de Converso
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
STF Supremo Tribunal Federal
SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................... 10
1 MEDIDA PROVISRIA ....................................................................................................... 12
1.1 Origem da legiferao de urgncia ..................................................................................... 12
1.2 Pressupostos constitucionais ............................................................................................... 15
1.3 Medida provisria em matria oramentria ...................................................................... 19
1.3.1 Histria do parlamento ..................................................................................................... 19
1.3.2 Controle poltico .............................................................................................................. 22
1.3.3 Princpios constitucionais ................................................................................................ 36
2 CRDITO ADICIONAL EXTRAORDINRIO .................................................................. 44
2.1 Pressupostos constitucionais ............................................................................................... 45
2.2 Despesas que justificam o crdito extraordinrio ............................................................... 47
2.2.1 Guerra, comoo interna e calamidade pblica ............................................................... 47
2.2.2 Estado de defesa e estado de stio .................................................................................... 48
3 CONTROLE JURISDICIONAL ........................................................................................... 52
3.1 A constitucionalidade das medidas provisrias que abrem crditos extraordinrios ......... 52
CONCLUSO......................................................................................................................... 72
REFERNCIAS.......................................................................................................................76
INTRODUO
A presente monografia tem por objetivo examinar o instituto do crdito
adicional extraordinrio provido por medida provisria editada pelo Presidente da Repblica.
O assunto ganha relevo na medida em que se percebe que o Congresso
Nacional no tem tempo hbil para apreciar a medida provisria a ponto de evitar o uso
antecipado por parte do Poder Executivo dos recursos do crdito extraordinrio, dada a
eficcia imediata da MP.
De fato, temos visto nas duas ltimas dcadas um excesso na utilizao da
competncia de editar medidas provisrias pelo Executivo, apropriando-se de forma
preponderante da funo legislativa, no se restringindo quelas que tratam de crdito
extraordinrio, mas tambm em relao a diversos outros temas.
Quanto ao crdito extraordinrio, uma das espcies de crdito adicional,
constitui ajuste lei oramentria aprovada, que visa atender situaes importantes e urgentes
que no foram contempladas no oramento, por absoluta imprevisibilidade.
Dessa forma, em relao medida provisria procurou-se analisar a origem
da legiferao de urgncia, trazendo algumas caractersticas das experincias espanhola e
italiana, com o intuito de identificar em que modelo os constituintes se inspiraram para incluir
na Constituio brasileira de 1988 a previso dessa espcie normativa.
No sentido de obter o maior nmero de elementos para melhor caracterizar
o instituto da medida provisria tambm foram examinados os pressupostos constitucionais
da relevncia e da urgncia, partindo de uma interpretao semntica, bem como a prpria
natureza jurdica do ato emanado pelo Presidente da Repblica, tanto quanto sua forma
quanto ao seu contedo.
Foi tambm investigada a origem do parlamento em busca do
estabelecimento de algum liame com a matria oramentria. Percebeu-se que o parlamento
surgiu da necessidade do rei em obter o consentimento do povo para aumentar e arrecadar
impostos e para definir os gastos da coroa. A partir da, o parlamento ganhou fora e passou a
restringir o poder do rei, assumindo a funo de controle poltico.
10
Dentro do contexto de controle poltico exercido pelo Congresso Nacional,
procurou-se demonstrar os desdobramentos advindos da apreciao de medida provisria que
abre crdito extraordinrio, com especial ateno para as relaes jurdicas que surgem a
partir da edio da MP, dada a sua eficcia imediata.
Seguindo a lgica utilizada para o estudo da medida provisria, em relao
figura do crdito extraordinrio, resolveu-se investigar tambm os seus pressupostos
constitucionais, o que permitiu constatar a coincidncia quanto exigncia do requisito da
urgncia, tanto para o uso de medida provisria quanto para a abertura de crdito
extraordinrio.
Passou-se ento a se analisar as hipteses constitucionais que autorizam o
uso de crdito extraordinrio, inclusive procurando desvendar o animus, a mens legis que
moveu o constituinte a especificar tais situaes no dispositivo constitucional. Teria sido uma
tentativa de estabelecer um balizamento para que o Presidente da Repblica pudesse se
orientar no momento de expedir medida provisria objetivando crdito extraordinrio?
Efetuou-se tambm uma rpida investigao quanto s medidas do estado de defesa e do
estado de stio, para constatar a possibilidade ou no do emprego de crdito extraordinrio em
tais circunstncias.
Por fim, resolveu-se trazer a lume a postura do Poder Judicirio, restrita
tica do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade, quando da
apreciao de aes diretas de inconstitucionalidade, com relevo para aquelas que questionam
o atendimento dos pressupostos constitucionais exigidos para a edio de medida provisria
que abre crdito extraordinrio.
11
1 MEDIDA PROVISRIA
1.1 Origem da legiferao de urgncia
O regime absolutista baseava-se na soberania do rei com poderes ilimitados;
no no-reconhecimento de direitos fundamentais dos indivduos, que pudessem ser opostos,
em juzo, vontade do monarca; na desigualdade entre os indivduos e no intervencionismo
econmico.
Como reaes a esse absolutismo desptico advieram as revolues liberais:
a Revoluo Inglesa de 1689, da qual originou-se o Bill of Rights; a Declarao de
Independncia das treze colnias americanas em 1776; e a Revoluo Francesa, cujos
postulados ganharam foros de universalidade atravs da Declarao dos Direitos do Homem e
do Cidado de 1789.1
A teoria da tripartio dos poderes, pregada por Montesquieu, surgiu em
contraposio a esse modelo de Estado absolutista, no qual todo o poder estatal encontrava-se
concentrado nas mos de um s rgo ou poder, o soberano, no havendo controle algum dos
atos praticados por este, mesmo porque, no havia outro poder que, dispondo das mesmas
prerrogativas, tivesse fora suficiente para se contrapor s ilegalidades cometidas pelo poder
centralizado nas mos do soberano.
O princpio da separao dos poderes apregoado por Montesquieu fundava-
se na realidade histrica da sociedade poltica: a experincia eterna mostra que todo homem
que tem poder tentado a abusar dele; vai at onde encontra limites. Mas havia a
necessidade de conter o poder soberano. Como faz-lo? Montesquieu continuou a ensinar:
Quem o diria! A prpria virtude tem necessidade de limites. Para que no se possa abusar
do poder preciso que, pela disposio das coisas, o poder freie o poder. Uma constituio
1 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira. Medidas provisrias: controles legislativo e jurisdicional. Porto Alegre: Sntese, 2000, p.27.
12
pode ser de tal modo que ningum ser constrangido a fazer coisas que a lei no obriga e a
no fazer as que a lei permite.2
Assim, a teoria da tripartio dos poderes aparece como resposta ao poder
centralizado, propondo o sistema de freios e contrapesos, segundo o qual, cada funo tpica
do Estado (legislativa, executiva e judicial) seria desempenhada por cada um dos trs poderes,
que se controlariam mutuamente, de maneira equilibrada.
Note-se, ainda, que a lei nasce no Estado Liberal para assegurar a liberdade
dos indivduos frente ao poder do soberano, bem como para regular as prprias relaes entre
os cidados. A lei deveria ser natural, decorrente da natureza das coisas, nascida da prpria
sociedade.
Definitivamente, com o Estado Liberal, o parlamento assume a funo
legislativa, como prelecionava Montesquieu: j que, num Estado livre, todo homem que
supe ter uma alma livre deve governar a si prprio, necessrio que o povo, no seu
conjunto, possua o poder legislativo. Mas com isso impossvel nos grandes Estados, e sendo
sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, preciso que o povo, por intermdio de seus
representantes, faa tudo o que no pode fazer por si mesmo.3
Observe-se que cabe ao legislador compreender as necessidades dos
indivduos e formular as leis naturais que devero ser observadas por toda a sociedade, a fim
de garantir a sua prpria preservao, por meio de uma harmoniosa convivncia entre seus
membros.
As revolues liberais deram origem a um capitalismo selvagem que
estabeleceu um grande paradoxo entre a elite patronal e o proletariado, o que provocou um
movimento social de resistncia, liderado, de um lado, pela igreja, e por outro, pelos
socialistas, comunistas e anarquistas.
NOBRE JNIOR traduz muito bem o sentimento da poca:4
As necessidades sociais, evidenciadas, em princpio, pela Revoluo Industrial e, posteriormente, pelos movimentos socialistas que se sucedem, ao longo do tempo, demonstram, com clareza, que no basta ao ser humano o atributo da Liberdade, mas h um imperativo maior, que a prpria condio de usufruir dessa liberdade, ou seja, a condio scio-econmica capaz de admiti-la como pessoa humana.
2 Ibidem, p. 29.3 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. O Poder Legislativo na democracia contempornea: a funo de
controle poltico dos Parlamentos na democracia contempornea. Braslia: Revista de Informao Legislativa, a. 42 n. 168 out/dez, 2005, p. 3.
4 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira, op. cit. p. 32.
13
A reao ao modelo liberal ganhou relevncia com o Manifesto
Comunista de Marx e Engels, em 1848; a Comuna de Paris, em 1871; e a Encclica
Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leo XIII, que criticavam o Estado por no se preocupar
em garantir aos operrios uma existncia digna.
Surge a partir da, uma ateno do Estado para direitos at ento ignorados:
ordem econmica, sade, educao, previdncia social, religio, etc. Tais direitos foram
incorporados na Constituio de Weimar, de 1919, assinalando o aspecto intervencionista
do Estado na ordem econmica e social.
Com o surgimento do Estado Social, ou Estado-Providncia, ou ainda
Welfare State, novas atribuies foram incorporadas ao rol de responsabilidades do Estado. O
Estado, que no modelo liberal atuava como simples mediador das relaes econmicas e
sociais, passou a ser chamado a resolver conflitos, tendo que passar de mediador a agente.
Com o novo papel assumido pelo Estado na sociedade, o paradigma do
Estado Liberal passou a no corresponder com a presteza necessria a estas novas atribuies
estatais. Diante dessa nova realidade surgiu a necessidade de encontrar meios que
viabilizassem a consecuo dos novos fins a que se propunha o Estado Social.
Assim, os parlamentos se mostraram incapazes de atender, em matria de
legislao, s necessidades do Welfare State, em razo de diversos fatores: a tecnicidade das
questes, mormente econmico-financeiras, que tem de enfrentar o Estado-Providncia; a
premncia do tempo em relao ao volume de regras a ser aprovado; a inconvenincia do
debate pblico relativamente a certas matrias (como defesa, cmbio, etc.); a necessidade de
uma adaptao flexvel a circunstncias locais ou transitrias; a freqncia de medidas de
urgncia, etc. Esses e outros fatores conduziram os parlamentos a um dilema: ou causar a
paralisia do governo ou delegar poderes que no conseguiam desempenhar, como acentua
FERREIRA FILHO.5
interessante, neste ponto, trazer algumas especificidades dos modelos de
legislao de urgncia espanhol e italiano, os quais serviram de inspirao ao Constituinte de
1988.
Na Espanha, o art. 86 da Constituio indica, pressupor a expedio dos
decretos-lei, a existncia de uma extraordinria e urgente necessidade. Averbe-se que o
termo necessidade, nas condies utilizadas, evoca algo inevitvel, fatal, fazendo reportar-se
5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. 31. ed. rev., ampl. e atualizada. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.
14
existncia de uma situao na qual a inrcia governamental capaz de provocar prejuzos em
detrimento do interesse pblico (grifo nosso).6
No quadro hispnico, bem de ver que a expresso necessidade no fora
utilizada isoladamente, mas com adjetivao. Exige-se, de logo, uma necessidade
extraordinria, de relevo para a sociedade, segundo determinada viso poltica. Quanto ao
qualificativo urgente, tem-se, em tom unssono, a sua vinculao nas hipteses em que o
desenrolar do procedimento legislativo, inclusive o abreviado, no permite tempestivamente a
aprovao da finalidade proposta pelo Governo. Em suma, vem a significar que a atuao
parlamentar no pode tomar em tempo as medidas indispensveis satisfao de uma
impostergvel necessidade social.
Na Itlia, a formatao dos decreti-legge pende da ocorrncia de casos
extraordinrios de necessidade e urgncia (casi straordinari di necessita e urgenza), com
requisitos similares ao modelo hispnico.7
Foi dentro deste contexto que surgiram as leis delegadas e a legiferao de
emergncia, inspirada no modelo italiano, com o instituto do decreto-lei, que no Brasil, a
partir da Constituio de 1988, foi sucedido pela medida provisria.
1.2 Pressupostos constitucionais
Nos termos do art. 62 da Constituio Federal, o Presidente da Repblica
somente poder editar medidas provisrias quando presentes os requisitos da relevncia e da
urgncia.
A fluidez e a impreciso dos conceitos de tais pressupostos fizeram com que
fossem enquadrados como conceitos jurdicos indeterminados, em razo do juzo de valor que
cada intrprete empresta ao contedo e extenso de cada pressuposto. O que relevante e
urgente para algum, talvez no o seja para outrem. Certo que, houve uma razo para que o
legislador originrio condicionasse a edio de medidas provisrias existncia de tais
circunstncias. Entender o contrrio seria admitir primeiramente, a desnecessidade ou a
inutilidade no texto constitucional, e por via de conseqncia, que o Presidente da Repblica, 6 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira, op. cit. p. 121.7 Ibidem, p. 123.
15
de acordo com a sua convenincia, de maneira livre e irrestrita, pudesse definir o que
relevante e o que urgente, para produzir normas com fora de lei, o que em ltima anlise
seria um grande absurdo.
No sentido de colaborar com a interpretao dos signos, SANTOS trouxe
alguns significados segundo alguns dicionaristas:8
Relevante/Relevncia: que releva, saliente, importante. Aquilo que importa; aquilo que preciso, relevans.De relevar, do latim relevante (reerguer), entende-se o que aprecivel, tem fundamento, legtimo, razovel, em virtude do que se mostra admissvel, evidente, insupervel.Assim, matria relevante, seja de fato ou de direito, a que se apresenta em toda exuberncia, em toda evidncia, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretenso, ou da proteo ao direito.Urgncia: Do latim urgentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a qualidade do que urgente, isto , premente, imperioso, de necessidade imediata, no deve ser protelado, sob pena de provocar, ou ocasionar um dano, ou um prejuzo.Assim, a urgncia assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqentes de maiores delongas ou protelaes.Juridicamente, a justificativa da urgncia provm, invariavelmente, no somente da necessidade da feitura das coisas, como do receio, ou do temor, de que qualquer demora, ou tardana, possa trazer prejuzos.
Segundo NIEBUHR, os conceitos de relevncia e urgncia remetem o
intrprete diretamente a situaes fticas determinadas. No h relevncia e urgncia em
abstrato, sem o correspondente suporte ftico. Tais conceitos s so aferveis mediante o
perigo ou a ocorrncia de algo que precisa ser palpvel.9
So os fatos que iro indicar se a medida provisria relevante e urgente. Se
no existem, pode-se afirmar que a medida est eivada de vcio e que o seu uso foi indevido.
O pressuposto da relevncia que autoriza o uso de medida provisria no
deve ser encarado como a relevncia prpria do processo legislativo comum. Ao contrrio,
deve ser entendida como uma relevncia excepcional, que justifique o uso do expediente
normativo.
Se as medidas provisrias s so admissveis para atender a interesses
relevantes, resulta imediatamente claro que no qualquer espcie de interesse que lhes pode
servir de justificativa, pois todo e qualquer interesse pblico , ipso facto, relevante. Donde
e como nem a lei, nem a Constituio tm palavras inteis h de ser entender que a meno
8 Cndido de Figueiredo, 1940 e Plcido e Silva, 1967, v.4 apud SANTOS, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo. A medida provisria na Constituio: doutrina, decises judiciais. So Paulo: Atlas, 1991, p. 24.
9 NIEBUHR, Joel de Menezes. O novo regime constitucional da medida provisria. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 92.
16
do art. 62 relevncia implicou atribuir uma especial qualificao natureza do interesse
cuja ocorrncia enseja a utilizao de medida provisria.10
CLVE acentua que possui relevncia aquilo que importante,
proeminente, essencial, exigvel ou fundamental. Quanto s medidas provisrias, a relevncia
demandante de sua adoo no comporta satisfao de interesses outros que no os da
sociedade. A relevncia h, portanto, de vincular-se unicamente realizao do interesse
pblico. De outro ngulo, a relevncia autorizadora da deflagrao da competncia normativa
do Presidente da Repblica no se confunde com a ordinria, desafiadora do processo
legislativo comum.11
Nos dizeres de BARIONI: infere-se, destarte, que se todo interesse pblico
relevante e, da mesma forma, no se concebe que a lei venha a balizar matrias irrelevantes,
a relevncia a que se refere o art. 62 da Constituio Federal excepcional, incomum,
proveniente de situaes anmalas, alm dos parmetros ordinrios, que justifiquem a edio
de medida provisria.12
O pressuposto da relevncia deve ser entendido como sendo algo to
importante que justifique o abandono ao princpio da separao dos poderes, transferindo-se a
competncia legislativa para o Chefe do Executivo. No pode ser um interesse qualquer, pois
a regra geral de que compete ao Legislativo produzir normas. Conclui que o art. 62 da
Constituio Federal exige uma relevncia qualificada pela necessidade de uma normatizao
que no pode sujeitar-se ao rito comum de produo normativa, pois, caso contrrio, esvaziar-
se-ia o contedo do referido pressuposto.13
O pressuposto da urgncia exprime a qualidade de algo que urge, premente,
que precisa ser feito com rapidez, portanto, de necessidade imediata, no podendo ser adiado,
sob pena de provocar um prejuzo, at mesmo, irreparvel.
Com relao urgncia, GRECO afirma ser possvel extrair da CF um
critrio indicador de parmetro neste sentido. De fato, no existe urgncia se a eficcia da
disposio veiculada pela medida provisria s puder se materializar aps um lapso temporal
suficientemente amplo que permitiria a tramitao normal do processo legislativo, em alguma
das formas disciplinadas pela Constituio.14
10 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16 ed. revista e atualizada. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 120.
11 CLEV, Clmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 173.
12 BARIONI, Danilo Mansano. Medidas provisrias. So Paulo: Pillares, 2004, p. 70.13 CHIESA, Cllio. Medidas provisrias: regime jurdico-constitucional. 2 ed. revista, ampliada e atualizada.
Curitiba: Juru, 2002, p. 46.14 GRECO, Marco Aurlio. Medidas provisrias. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 24.
17
E segue com um exemplo: no me parece haver urgncia em que, em maio,
se introduza modificao na legislao tributria cuja eficcia s ocorrer em 1 de janeiro do
ano subseqente (por fora do princpio da anterioridade).
Se a situao ftica colocada permite aguardar os prazos dos outros
procedimentos legislativos especiais previstos na Constituio Federal, quais sejam, projeto
de lei de iniciativa do Presidente da Repblica com solicitao de urgncia e lei delegada, no
h a urgncia que exige o uso de medida provisria.
Para BARIONI a urgncia poder-se-ia definir como sendo a impossibilidade
de se esperar o curso normal do tempo, sob pena de perecimento do interesse almejado
(periculum in mora). Com efeito, s haver urgncia capaz de justificar a utilizao de
instrumento normativo primrio capaz de produzir efeitos independentemente de prvia
apreciao parlamentar, como ocorre com as medidas provisrias, quando mesmo os projetos
de lei com pedido de urgncia ou a delegao legislativa no puderem dar resposta tempestiva
situao ftica que se apresenta.15
Relativamente ao conceito de urgncia, tm-se trs elementos: (1) uma
situao que demanda atuao indispensvel e imediatamente necessria do Poder Executivo;
(2) a atuao do Poder Executivo no se compatibiliza com os instrumentos que abreviam o
processo legislativo; (3) admitidas a urgncia e a relevncia, o contedo do ato no pode
contrariar princpios constitucionais que resguardam, em situaes especficas, a segurana
jurdica e a democracia (existncia de normas constitucionais que regulam situaes
especficas de urgncia, instituindo o instrumento a ser utilizado), nas palavras de VILA.16
Pelo que se observa, no obstante a Constituio Federal, no caput do seu
art. 62, faculte ao Presidente da Repblica o uso da medida provisria, porque utiliza o verbo
poder, entende-se que uma vez verificada situao que reclame a atuao indispensvel e
imediatamente necessria do Poder Executivo, presentes, portanto, a relevncia e a urgncia,
no poder haver discricionariedade em editar ou no a medida provisria, sob pena de ser
responsabilizado pelos prejuzos causados na demora ou pela no utilizao.
AMARAL JNIOR salienta que, no Brasil, quanto urgncia, existe uma
prtica institucional que atrela a medida provisria no tanto a um determinado lapso
temporal, mas, sim, a um juzo poltico de oportunidade e convenincia. Da o no raro uso da
expresso urgncia poltica.17
15 BARIONI, Danilo Mansano, op. cit., p. 71.16 VILA, Humberto Bergman. Medida Provisria na Constituio de 1988. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1997, p. 83.17 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Medida provisria e a sua converso em lei: a emenda
constitucional n. 32 e o papel do Congresso Nacional. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 158.
18
No de esquecer, entretanto, que urgente deve ser no apenas a adoo da
norma editada (vigncia) como, igualmente, a sua incidncia (aplicao). Por isso, tida
como inadmissvel a adoo de medida provisria para produzir efeitos aps determinado
lapso temporal (eficcia diferida).18
1.3 Medida provisria em matria oramentria
1.3.1 Histria do parlamento19
A evoluo semntica do termo ingls parliament envolveu ao longo do seu
percurso uma forte conotao poltica desde o perodo normando, quando a palavra francesa
parlement (de parler) comeou por significar ao de falar em pblico, evoluindo depois
para o significado scio-poltico de conferncia e, finalmente, de conselho, onde se
discutiam assuntos da maior importncia.
O uso oficial do termo parliament surgiu em 1258, na Inglaterra, no reinado
de Henrique III, nas Provises de Oxford, onde se anuncia que haver trs parliamenta por
ano: o primeiro, no oitavrio da festa de So Miguel; o segundo, no dia seguinte ao da festa da
Candelria e o terceiro, no primeiro de Junho.
O termo ingls parliament tem atualmente dois significados distintos: a)
conjunto das duas cmaras legislativas (Pares e Comuns); b) uma legislatura (perodo
compreendido entre duas eleies gerais).
As origens institucionais do Parlamento tero de ser procuradas nos antigos
Conselhos, nos quais os reis medievais se apoiavam para tornarem mais eficaz a sua
governao e para que a sua autoridade fosse respeitada e temida por todas as classes ou
estados do reino.
18 CLEV, Clmerson Merlin, op. cit., p. 177.19 Subseo elaborada basicamente com apoio da obra de CARVALHO, Joo Soares. Antecedentes da Histria
Parlamentar Britnica. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
19
Isto significa que o Parlamento no nasceu por carta rgia ou por fora de
qualquer reivindicao revolucionria, mas sim duma necessidade gentica do direito natural,
que paulatinamente se foi institucionalizando, na prtica dos rgos de apoio ao monarca, os
quais vo tomando conscincia das funes polticas que ento exerciam. Os trs rgos mais
significativos que acompanharam a instituio da realeza e lhe serviram de conselho
permanente ou ocasional, entre os sculos VII e XIII, foram o Witenagemot saxo, o Magnum
Consilium normando e a Curia Regis angevina.
O Witenagemot foi considerado o mais significativo dos trs conselhos.
Designava-se por Witan o conjunto de conselheiros, constitudo por arcebispos, bispos,
abades principais, condes (ealdormen) e oficiais do rei (ministri regis), e, por Witenagemot, a
assemblia propriamente dita ou Conselho geral do rei, onde os conselheiros, convidados a
nvel pessoal, no representavam ainda qualquer regio.
Os conselheiros legislavam com o monarca, nomeavam condes e investiam
bispos, faziam concesses de terras Coroa, decretavam impostos, decidiam sobre a guerra e
a paz e constituam-se em Supremo Tribunal de Justia. Os assuntos religiosos e eclesisticos
tambm eram debatidos e decididos no Witenagemot, como rgo mximo dos anglo-saxes
em todas as reas do poder. Por isso, foi considerado um valioso antecedente histrico do
Parlamento ingls, dada a sua capacidade legislativa, judicial e jurisdicional.
Magnum Consilium ou Great Council foi a designao dada assemblia
normanda, por Guilherme, duque da Normandia, aps a conquista da Inglaterra, aproveitando
a tradio saxnica do Witenagemot, mas com maior subordinao feudal ao soberano.
O Grande Conselho ocupava-se de assuntos genricos do reino, quando o
monarca o convocava, sendo as suas funes mais importantes: auxiliar o rei na feitura das
leis e no julgamento de causas levadas ao Tribunal do Rei. Reunia-se, para esse fim, trs ou
quatro vezes por ano. Era composto de arcebispos, bispos, nobres e ministri regis (oficiais do
rei), alm de outros que o monarca decidisse convocar.
Nos assuntos do dia-a-dia, o rei socorria-se de um Conselho mais restrito,
denominado, desde o incio da dinastia normanda, Curia Regis, por vezes chamado tambm
Consilium Regis.
A Curia Regis representava o Conselho ou Tribunal do Rei. Funcionava
como um Conselho de Ministros sob a presidncia do soberano, que nele decretava as suas
ordenaes (ordinances) e decidia todos os problemas do seu Governo. Era composto por
prelados, nobres e cavaleiros, todos especialistas nas funes que hoje classificaramos de
20
legislativa, executiva e judicial. Grupos bem definidos e especializados foram destacados da
Curia Regis e formaram os clebres tribunais do Common Law.
Muitas vezes, arbitrariamente ou por razes de Estado, reis decidiram com a
Curia Regis assuntos polticos e religiosos que deveriam ter sido levados ao Magnum
Conselho, o que fez com fosse considerada como ilustre na histria do parlamento.
A origem estrutural do Parlamento surgiu a partir de uma luta para ter o
domnio das receitas e despesas da Coroa e para transformar o sistema poltico. O Parlamento
convocado pelo Rei Eduardo I era formado por dois grupos distintos: o primeiro composto
por Lordes eclesisticos e laicos, ou seja, o Clero e a nobreza; o segundo, por cavaleiros,
cidados e burgueses os Comuns.
Todas as verbas para as despesas da Coroa tinham de ser autorizadas pelo
Parlamento, assim o rei no podia deixar de convoc-lo.
Como as contribuies e impostos afetavam mais os Comuns, dependentes
apenas da vontade do soberano, foram estes que assumiram a tarefa de controlar o sistema
tributrio. O Poder da Cmara dos Comuns foi aumentando na proporo da necessidade que
a Coroa tinha de subsdios para face s despesas do Governo e aos custos da defesa do
territrio. Quando o rei precisava de dinheiro para governar, reunia o Parlamento, para pedir
subsdios e, ao mesmo tempo, para propor o lanamento de um novo imposto ou de uma taxa
peridica. Os Comuns aproveitavam a oportunidade para requerer ao soberano uma
contrapartida em direitos e liberdades, ao mesmo tempo em que iam consolidando uma
prtica, que hoje um direito, de fiscalizar as finanas do Executivo e de pedir explicaes
sobre a utilizao das verbas concedidas. Este sistema ir permitir aos Comuns discutir planos
de governo, intervindo, criticando, fiscalizando e sugerindo medidas que ficavam consignadas
em diplomas e regulamentos parlamentares, com iniciativa dos Comuns. Assim comeou a
sua participao no delicado processo legislativo.
Por outro lado, a aspirao dos nobres, tendente a limitar os poderes
polticos e as prerrogativas do soberano, levou-os a condescender no convvio parlamentar
com cavaleiros, cidados e burgueses, os quais se mostravam mais interessados nos assuntos
econmicos e financeiros do que polticos propriamente ditos. Assim agiram por que: a) a
grande insistncia dos Comuns pelo domnio da rea financeira iria reforar a causa da luta
nos nobres pela reduo dos poderes e das prerrogativas do monarca; b) mantendo os Comuns
em conflito com o rei, afastavam do monarca a possibilidade de t-los como aliados na sua
oposio s pretenses dos nobres; c) sentiam que, deste modo, os Comuns iriam dar
continuidade s suas mais importantes reivindicaes, expressas na Magna Carta.
21
De fato, alguns artigos desse importante documento jurdico de 1215 diziam
respeito s objees contra as arbitrariedades cometidas pelo rei, que acabaram permitindo a
formao da Cmara dos Comuns. Vejamos alguns desses artigos:
Art. 12. Qualquer taxa militar ou tributo no nosso reino s podero ser exigidos pelo conselho geral do reino, exceto quando seja para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro o nosso filho mais velho e para casar, uma s vez, a nossa filha mais velha. Para isso, apenas poder ser lanado um tributo razovel. De igual modo se proceder quantos aos tributos da cidade de Londres.
A taxa militar (scutagium) era cobrada pelo rei aos cavaleiros que no lhe
prestavam servio militar direto.
O artigo 14 d as normas para reunio do Conselho em que o rei dever
propor o tributo:
Art. 14. Para obtermos o conselho geral do reino no lanamento de qualquer tributo, excepto nos trs casos acima descritos, ou taxas militares, convocaremos por escrito, individualmente, os arcebispos, bispos, abades, condes e bares maiores. Convocaremos tambm, coletivamente, atravs dos nossos xerifes e bailios, todos aqueles que nos tm por suserano, para uma data e um lugar determinados, com pelo menos, quarenta dias de antecedncia.
BASTOS e MARTINS entendem encontrar-se nas discusses dos
oramentos a origem dos Parlamentos modernos, sendo ainda hoje, nos pases civilizados, seu
debate, o grande momento de atuao de tais instituies. Seria uma violncia democracia e
ao sistema representativo permitir que as leis oramentrias fossem veiculadas por fora de
deciso de um homem s.20
1.3.2 Controle poltico
Como visto anteriormente o parlamento, historicamente, teve por funo
primordial autorizar a cobrana de tributos, consentir os gastos pblicos, tomar contas dos que
usam o patrimnio pblico. O consentimento nos impostos advinha do princpio consagrado
na Magna Carta de 1215, de que sem o consentimento dos contribuintes ou de seus
20 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. 2 ed., atualizada. So Paulo: Saraiva, 2001 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, op. cit., 2004, p. 216
22
representantes no poderia haver cobrana. A funo legislativa foi conquistada pelo
parlamento por meio de uma barganha: o consentimento de impostos em troca do poder de
votar as leis.
A aprovao de tributos e a votao de leis fizeram com que os parlamentos
pudessem exercer um controle poltico sobre todos os rgos do governo.
Como bem assinala VILA, a Constituio Federal Brasileira, ao dispor
sobre a organizao dos Poderes, inicia pelo Poder Legislativo, que formado por
representantes do povo (art. 1, pargrafo nico: Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio). O
princpio democrtico como aqui se analisa fundamental. V-se que a validade da
produo normativa condicionada a um procedimento de deciso, por meio do qual o poder
possa ser exercido pelos cidados. Faz-se necessrio verificar, quanto a esse procedimento, a
distino entre os poderes Executivo e Legislativo.21
E continua o ilustre doutrinador: O Poder Legislativo decide por meio de
debate pblico e de argumentao com capacidade de gerar consenso, via discusso e votao,
antes da produo de efeitos (CF: art. 44 e 59). A produo de normas est ligada a esse
procedimento, anterior, de formao do contedo da norma. O essencial ao procedimento ,
justamente, o consentimento prvio, por meio do debate pblico, realizado pelos
representantes do povo (CF: art. 1, pargrafo nico).
No por acaso que o Poder Legislativo vem em primeiro plano quanto
organizao dos poderes. De fato, o principal deles dentro da teoria da separao dos
poderes. Essa primazia fcil de ser compreendida, pois a administrao e a jurisdio,
funes prprias dos Poderes Executivo e Judicirio, respectivamente, pressupem a
existncia da lei. no Congresso Nacional - CN que produzido, segundo o processo
definido na Constituio Federal, todo o regramento jurdico que vai condicionar o
comportamento dos indivduos.
O Congresso Nacional representa a Casa do Povo, o foro adequado para a
promoo desse debate, onde os parlamentares convocam os vrios segmentos da sociedade
civil para reunies e audincias pblicas, facultando-lhes a livre manifestao dos diversos
pontos de vista, dos mltiplos interesses, tudo em busca de um pacto comum, assegurando
assim, a observncia dos princpios da democracia, do pluralismo poltico, entre outros. Este
processo representa a fonte natural da produo normativa do pas.
21 VILA, Humberto Bergman., op. cit., p. 56.
23
Como j dito anteriormente, as exigncias do Estado Social tm feito com
que o Poder Legislativo tenha que abnegar do exerccio pleno da funo legislativa em favor
do Poder Executivo (governo), delegando a este competncia extraordinria para legislar,
observados os parmetros constitucionais fixados.
Em razo da competncia legislativa excepcional conferida ao Poder
Executivo, cabe ao Congresso Nacional, nos termos do inciso X, art. 49 da Constituio
Federal, fiscalizar e controlar os atos daquele Poder, conforme se pode observar:
a) Analisar e aprovar as medidas provisrias editadas e encaminhadas pelo
Executivo (art. 62 da CF);
b) Apreciar o projeto de lei delegada, se assim determinar a resoluo de
delegao para o Executivo (art. 68, 3 da CF);
c) Rejeitar o veto do Presidente da Repblica a projetos de lei aprovados no
Congresso Nacional (art. 66, 4 e 5).
Ao Poder Executivo, a Constituio Federal outorga instrumentos que
podem acelerar o processo legislativo:
a) Iniciativa privativa de lei (art. 61 1, I, II, incisos a a f);
b) Solicitao de urgncia para apreciao de projetos de sua iniciativa (art.
64, 1);
c) Elaborao de leis delegadas (art. 68).
Tambm ao Congresso Nacional so conferidos mecanismos que podem dar
maior agilidade ao processo legislativo, quais sejam:
a) Aprovao de projetos de lei pelas Comisses, que dispensem a
apreciao do Plenrio, portanto, com carter terminativo (art.58, 2, I);
b) Votao de projetos com pedido de urgncia, sob pena de sobrestamento
da pauta de deliberaes (art. 64, 2).
Note-se que a funo legislativa ordinria primordialmente assegurada ao
Congresso Nacional. Ao Poder Executivo atribuda a competncia excepcional para editar
atos em situaes bem delineadas na Carta Maior.
Quando o Presidente da Repblica pratica tais atos excepcionais, o faz de
forma atpica, valendo-se de uma quarta funo do Estado, qual seja, a poltica, que por sua
vez distingue-se das outras trs funes constitucionais legislativa, administrativa e
jurisdicional ditas, portanto, tpicas. As questes polticas pertinentes normalidade
institucional j esto prescritas na Constituio, sem reclamar a interveno de qualquer dos
poderes constitudos. Nesse sentido, os mecanismos previstos na Constituio para o
24
exerccio da funo poltica visam resguardar e aprumar o modo de estruturao do poder
vigente, transpassado ordem jurdica, diante de situaes anmalas, cujos efeitos no se
poderia prever e, por corolrio, tampouco as solues. Na prtica, medidas provisrias,
declarao de guerra, interveno federal e outros atos polticos devem ser concebidos
restritivamente, como exceo, jamais como regra. Tais instrumentos entram em cena para
restabelecer a normalidade, evitando o perecimento da ordem jurdica, devendo ser invocados
e utilizados com moderao.22
importante realar que o uso de medida provisria pelo Presidente da
Repblica representa uma exceo derrogatria do postulado da diviso funcional do poder e
no tem carter autnomo, pois se subordina vontade emanada do Congresso Nacional.
Voltando a tratar do controle que exerce o Legislativo sobre atos do
Executivo, oportuno relevar o processo de apreciao do projeto de lei oramentria e o de
converso em lei de medida provisria.
A repetio anual da discusso do oramento um momento importante da
funo de controle poltico, (...) pois submete vigilncia parlamentar a realidade global do
programa anual do Governo e oferece ocasio para um debate geral acerca das finalidades da
ao do Executivo, conforme apontamento de COTA.23
A converso em lei da medida provisria , tambm, momento em que o
Congresso Nacional exerce estreito controle poltico sobre a decretao de urgncia adotada
pelo Presidente da Repblica, que apresenta alguns significados: (1) a lei de converso da
medida provisria ao transformar o ato legislativo do governo em um do Parlamento
recupera, ao menor em parte, um dos ideais de Montesquieu, qual seja, a lei no poder ser
aplicada pela mesma autoridade ou rgo que a fez; (2) integra diferentes grupos
parlamentares na formao definitiva da vontade legislativa do Estado, o que ganha ainda
mais importncia em um sistema de governo presidencialista (em que no se presume o apoio
de uma maioria parlamentar ao governo do dia); (3) demonstra que a Constituio confere a
potestade de legislar, com primazia, ao Poder Legislativo, porque a esse e lei no so
opostos os requisitos de relevncia e urgncia (exigidos que so da medida provisria e do
Presidente da Repblica), bem assim militam contra a medida provisria as cautelas que
cercam o processo de converso em lei; (4) rejeitada a medida provisria, dado ao
Congresso Nacional dispor sobre os seus efeitos por meio de decreto legislativo.24
22 NIEBUHR, Joel de Menezes, op. cit., p. 66. 23 COTA, verbete Parlamento, p. 886 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2005, p. 12.24 Idem.
25
Para AMARAL JNIOR, o processo de converso em lei da medida
provisria o pice do controle do Poder Legislativo sobre o exerccio da potestade
legislativa confiada pela Constituio ao Poder Executivo por meio da decretao de
urgncia.25
A Constituio Federal no autoriza o uso de medida provisria que trate de
matria oramentria. o que se nota da leitura do art. 62, 1, inciso I, letra d, in verbis:
Art. 62. Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional. 1 vedada a edio de medidas provisrias sobre matria:I relativa a:(...)d) planos plurianuais, diretrizes oramentrias, oramento e crditos adicionais suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, 3;(...)
A ressalva que traz a alnea d, constante no art. 167, 3, diz respeito
figura do crdito extraordinrio, dado o carter de imprevisibilidade e urgncia inerente a esse
tipo de crdito adicional. Vejamos:
3 A abertura de crdito extraordinrio somente ser admitida para atender a despesas imprevisveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoo interna ou calamidade pblica, observado o disposto no art. 62.
Vrios autores demonstram severa restrio ao emprego de medidas
provisrias para abertura de crditos extraordinrios, como se pode observar:
SANCHES sugere a edio de Decreto Legislativo, de preferncia a partir
de projeto de iniciativa da Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscalizao,
tratando, dentre outros contedos, de dar apropriada interpretao ao 3 do art. 167 da
Constituio, restabelecendo a sistemtica tradicional de abertura de crditos extraordinrios
por decreto, na forma definida pelo art. 44, da Lei n. 4.320, de 17 de maro de 1964.26
PEREZINO conclui que resulta inequvoco a adoo, entre outras
providncias concernentes aos crditos extraordinrios: alterar o artigo 167, 3, da
Constituio Federal, visando eliminar a necessidade de edio de medidas provisrias para a
abertura de crditos adicionais, perturbando o j tumultuado ordenamento jurdico ptrio.27
25 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2004, p. 130.26 SANCHES, Osvaldo Maldonado. Abertura de Crditos Extraordinrios por Medidas Provisrias: Equvoco
e Irracionalidade.Braslia: Cadernos Aslegis, v. 5, n. 13, jan-abr/2001, p. 33.27 PEREZINO, Luiz Fernando de Mello. Crdito Extraordinrio: discusso sobre tramitao e forma de
operacionalizao. Braslia, Revista de Informao Legislativa, Ano 36, n. 142, abr/jun-1999, p. 305.
26
SCHETTINI ao questionar sobre a possibilidade de o Congresso Nacional
alterar a programao de despesa constante de medida provisria, alinhou-se dentre aqueles
que defendem a posio de que os crditos extraordinrios devem ser abertos por decreto
executivo.28
Consoante leitura do art. 167, 3, da Constituio Federal, o Poder
Executivo est autorizado a editar medidas provisrias que abram crditos extraordinrios
para atender necessidades excepcionais de despesas, desde que observados os requisitos da
imprevisibilidade, da urgncia e da relevncia.
Para disciplinar a edio de atos normativos do Poder Executivo, entre os
quais as medidas provisrias, foi publicado o Decreto n. 4.176, de 28 de maro de 2002, que
estabelece normas e diretrizes para a elaborao, a redao, a alterao, a consolidao e o
encaminhamento ao Presidente da Repblica de projetos de atos normativos de competncia
dos rgos do Poder Executivo Federal.
O artigo 40, inciso I, alnea d, do Decreto autoriza o uso de medida
provisria para a abertura de crdito extraordinrio, de acordo com o artigo 167, 3, da
Constituio Federal.
O Decreto 4.176, de 2002, e seus anexos I e II, definem uma srie de
questes que precisam ser respondidas, impondo um trabalho de anlise de cada caso,
exigindo a apresentao de justificativas plausveis que apontem para a necessidade da adoo
de medida provisria e a caracterizao dos pressupostos de relevncia e de urgncia, em
busca de maior consistncia e segurana que legitimem a utilizao daquele instrumento
normativo excepcional.
Passo a partir de agora, a analisar detidamente o processo de apreciao e
aprovao de medidas provisrias, a que se refere o art. 62 da Constituio, no mbito do
Congresso Nacional, notadamente, em relao quelas que abrem crdito adicional
extraordinrio, no descuidando das diferentes situaes jurdicas advindas da atuao
parlamentar.
A apreciao de medidas provisrias foi disciplinada pelo Congresso
Nacional por meio da Resoluo n. 1, de 2002-CN, e de forma subsidiria, pela Resoluo n.
1, de 2006-CN.
O exame e o parecer de medida provisria que verse sobre crdito
extraordinrio sero elaborados pela Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e 28 SCHETTINI, Francisco de Paula. Emendas a projetos de lei de crdito adicional. Braslia: Revista de
Informao Legislativa, Ano 34, n. 135, jul/set-1997, p. 198.
27
Fiscalizao CMO, conforme se abstrai do 6, art. 2, da Resoluo n. 01, de 2002-CN,
abaixo reproduzido:
Art. 2 Nas 48 (quarenta e oito) horas que se seguirem publicao, no Dirio Oficial da Unio, de Medida Provisria adotada pelo Presidente da Repblica, a Presidncia da Mesa do Congresso Nacional far publicar e distribuir avulsos da matria e designar Comisso Mista para emitir parecer sobre ela.(...) 6 Quando se tratar de Medida Provisria que abra crdito extraordinrio lei oramentria anual, conforme os arts. 62 e 167, 3, da Constituio Federal, o exame e o parecer sero realizados pela Comisso Mista prevista no art. 166, 1, da Constituio, observando-se os prazos e o rito estabelecidos nesta Resoluo.
A Resoluo n. 1, de 2006-CN, por sua vez, ao tratar dos crditos
extraordinrios abertos por medida provisria, assim prescreve:
Art. 110. A CMO, no exame e emisso de parecer medida provisria que abra crdito extraordinrio, conforme arts. 62 e 167, 3, da Constituio, observar, no que couber, o rito estabelecido em resoluo especfica do Congresso Nacional.Pargrafo nico. A incluso de relatrio de medida provisria na ordem do dia da CMO ser automtica e sua apreciao ter precedncia sobre as demais matrias em tramitao.Art. 111. Somente sero admitidas emendas que tenham como finalidade modificar o texto da medida provisria ou suprimir dotao, total ou parcialmente.
Como pode ser observado, a CMO a comisso mista que examina as
medidas provisrias relativas a crditos extraordinrios. O caput do art. 5, da Resoluo n.
01/2002, traz aspectos interessantes quanto ao seu parecer:
Art. 5. A Comisso ter o prazo improrrogvel de 14 (quatorze) dias, contando da publicao da Medida Provisria no Dirio Oficial da Unio para emitir parecer nico, manifestando-se sobre a matria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevncia e urgncia, de mrito, de adequao financeira e oramentria e sobre o cumprimento da exigncia prevista no 1 do art. 2.
No tocante aos pressupostos constitucionais, o 5 do art. 62 da
Constituio Federal dispe:
5 A deliberao de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mrito das medidas provisrias depender de juzo prvio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
No mesmo sentido, o art. 8 da Resoluo n. 1, de 2002-CN, prev:
Art. 8 O Plenrio de cada uma das Casas do Congresso Nacional decidir, em apreciao preliminar, o atendimento ou no dos pressupostos constitucionais de
28
relevncia e urgncia de Medida Provisria ou de sua inadequao financeira ou oramentria, antes do exame de mrito, sem a necessidade de interposio de recurso, para, ato contnuo, se for o caso, deliberar sobre o mrito.Pargrafo nico. Se o Plenrio da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal decidir no sentido do no atendimento dos pressupostos constitucionais ou da inadequao financeira ou oramentria da Medida Provisria, esta ser arquivada.
Atente-se para o fato de que h um exame preliminar de admissibilidade da
MP, caracterizado pela verificao do atendimento dos pressupostos constitucionais ou de sua
adequao financeira e oramentria, para ento passar deliberao acerca do mrito da
medida provisria.
Note-se, ainda, que pela dico do pargrafo nico, o no-atendimento dos
pressupostos constitucionais ou a inexistncia de adequao financeira ou oramentria da
MP implicam no seu arquivamento, revelando o carter terminativo imposto por tais
situaes.
Passo agora a analisar as situaes que podem advir do processo de
apreciao, pelo Congresso Nacional, de medidas provisrias que tenham por objeto a
abertura de crdito extraordinrio, bem como suas conseqncias.
- Situao n. 1: a medida provisria aprovada na forma editada pelo
Poder Executivo
Essa situao no suscita maiores polmicas, pois a MP sendo aprovada
exatamente de acordo com o que foi proposto pelo Poder Executivo, no h o que se
questionar quanto legalidade das despesas executadas a partir da edio da medida
provisria, valendo-se das dotaes oramentrias aprovadas por meio do crdito
extraordinrio veiculado por ela.
Assim reza o art. 12 da Resoluo n. 1, de 2002-CN:
Art. 12. Aprovada Medida Provisria, sem alterao de mrito, ser o seu texto promulgado pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional para publicao, como lei, no Dirio Oficial da Unio.
Qualquer questionamento quanto eficcia da medida provisria no tempo
sanada quando a medida provisria aprovada, sem alterao de mrito, e publicada, j na
condio de lei. como se houvesse uma retroao no tempo para escoimar qualquer vcio da
MP, convalidando a sua plena eficcia a partir da edio.
29
- Situao n. 2: a medida provisria tem parte de sua programao
rejeitada
Ocorre quando uma parcela da programao proposta pela medida
provisria suprimida, sem introduo de nova programao oramentria (com diminuio
do valor total do crdito).
Essa situao enseja a apresentao, a aprovao e a sano de um projeto
de lei de converso, conforme prescreve o 4, do art. 5, da Resoluo n. 1, de 2002-CN:
4 Quanto ao mrito, a Comisso poder emitir parecer pela aprovao total ou parcial ou alterao da Medida Provisria ou pela sua rejeio; e, ainda, pela aprovao ou rejeio de emenda a ela apresentada, devendo concluir, quando resolver por qualquer alterao de seu texto:I - pela apresentao de projeto de lei de converso relativo matria; eII - pela apresentao de projeto de decreto legislativo, disciplinando as relaes jurdicas decorrentes da vigncia dos textos suprimidos ou alterados, o qual ter sua tramitao iniciada pela Cmara dos Deputados.
A sano do projeto de lei de converso PLV faz com que a medida
provisria perda sua eficcia. A apresentao do PLV, em razo da programao suprimida,
dar-se- por duas hipteses distintas: a) a programao excluda no atendeu os pressupostos
constitucionais de admissibilidade ou no apresentou adequao oramentria e financeira; b)
a programao eliminada observou os pressupostos constitucionais de admissibilidade e de
adequao financeira e oramentria, mas foi rejeitada no mrito.
No primeiro caso, se a despesa no apresentava os pressupostos
constitucionais de admissibilidade, portanto, no revelava a urgncia, a relevncia e a
imprevisibilidade prescritas na Carta Maior como necessrias para deflagrar a legiferao de
urgncia, no h amparo constitucional que legitime o referido dispndio.
No tambm no encontra arrimo constitucional a despesa que est em
descompasso com a legislao financeira ou oramentria. Toda e qualquer despesa deve
guardar conformidade com as leis oramentrias e financeiras vigentes, notadamente, com a
lei de responsabilidade fiscal, com o plano plurianual e com a lei de diretrizes oramentrias.
Uma questo que se coloca diz respeito execuo da despesa com a
liquidao dos recursos at que seja sancionado o PLV, quando no atendidos os pressupostos
constitucionais de admissibilidade ou de adequao financeira ou oramentria. Poderia o
30
decreto legislativo previsto no 3 do art. 62 da Constituio Federal e no inciso II, do 4 do
art. 5 da Resoluo n. 1, de 2002-CN, convalidar tais despesas?
MORAIS e FERNANDES entendem que no poderia haver a homologao
da execuo dos recursos liquidados at o momento da sano do projeto de lei de converso
que se referissem parte que no tiver atendido, na avaliao, do CN, os pressupostos
constitucionais de admissibilidade ou de adequao financeira ou oramentria. Entretanto,
chamam a ateno para o conceito de liquidao da despesa, que constitui a etapa da execuo
oramentria que tornaria legalmente inevitvel, em face do surgimento do direito adquirido
dos credores, a liberao dos recursos pblicos.29
A liquidao da despesa se d com a entrega do bem ou com a prestao do
servio para a administrao pblica. o estgio da despesa em que realizada a verificao
do direito adquirido pelo credor, com base em ttulos e documentos por ele apresentados. A
partir dessa fase surge a obrigao da administrao em pagar pelo bem ou pelo servio j
prestado e o direito inquestionvel de receber por parte do fornecedor.
Percebi que houve certa contradio na exposio dos consultores, pois
afirmaram que o decreto legislativo no poderia homologar as despesas j liquidadas at a
sano do PLV, entretanto, concluem que somente as despesas empenhadas, licitadas ou
contratadas, mas no liquidadas, que no correspondessem programao finalmente
aprovada pelo CN, deveriam ser imediatamente canceladas pelo Poder Executivo, reservando
montante suficiente apenas para o ressarcimento relativo aos direitos j adquiridos pelos
credores frente Administrao.
Dessa forma, entendo que somente as despesas no liquidadas seriam
passveis de cancelamento, com a conseqente anulao de seus empenhos, o que deveria ser
ordenado pelo decreto legislativo.
A segunda hiptese trata da programao suprimida pelo Congresso
Nacional, porquanto o seu mrito foi rejeitado, a despeito de observar os pressupostos
constitucionais de admissibilidade e de adequao financeira e oramentria.
Nesse caso, as despesas constantes da programao original executadas
desde a edio da MP at a sano do projeto de lei de converso, embora distintas da
programao aprovada, encontram amparo legal, visto que atenderam os requisitos
constitucionais da urgncia, da relevncia e da imprevisibilidade, bem como da adequao
29 MORAIS, Edson; FERNANDES, Mrcio Silva. Crdito Extraordinrio: abertura por medida provisria e tramitao no Congresso Nacional. Estudo Tcnico n.. 16. Consultoria de Oramento e Fiscalizao Financeira da Cmara dos Deputados, 2003, p. 14.
31
financeira e oramentria, autorizativos da abertura de crdito extraordinrio por meio de
medida provisria.
Pelo teor do caput e do 12, do art. 62, da Constituio Federal, abaixo
reproduzidos, o Poder Executivo estaria autorizado, a partir de edio da MP, a realizar os
gastos constantes no crdito:
Art. 62. Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional.(...) 12. Aprovado projeto de lei de converso alterando o texto original da medida provisria, esta manter-se- integralmente em vigor at que seja sancionado ou vetado o projeto.
MORAIS e FERNANDES defendem que, havendo aprovao parcial da
programao proposta, o decreto legislativo exigido poder homologar as despesas liquidadas
at o momento da sano do PLV, ainda que ultrapassem o limite estipulado no projeto
aprovado, sob a alegao de que tal medida estaria de acordo com o 12, do art. 62, da
Constituio Federal. Quanto s despesas no liquidadas que excedessem o limite finalmente
aprovado pelo CN, por representarem previso de despesas rejeitadas no CN e que ainda
podem ser canceladas, seria razovel que o decreto legislativo prescrevesse o seu
cancelamento.30
O 11, do art. 62, da Constituio Federal, abaixo transcrito, que consta
com a mesma redao na Resoluo n. 01/2002, art. 11, 2, trata da homologao tcita das
despesas j liquidadas. J em relao s despesas no liquidadas, o Poder Executivo dever
promover a anulao dos empenhos, deixando saldo suficiente para fazer frente aos direitos
adquiridos de fornecedores de bens e servios para a administrao pblica.
11. No editado o decreto legislativo at 60 (sessenta) dias aps a rejeio ou a perda de eficcia de Medida Provisria, as relaes jurdicas constitudas e decorrentes de atos praticados durante sua vigncia conservar-se-o por ela regidas.
- Situao n. 3: a medida provisria rejeitada no mrito
Os comentrios feitos em relao segunda hiptese da situao n. 2, que
trata da rejeio de uma parcela da programao da MP, tambm no tocante ao seu mrito,
30 Ibidem, p. 17.
32
so inteiramente aplicveis a essa situao, em que a MP totalmente reprovada. Do mesmo
modo, nos termos fixados pela alnea II, do 4, do art. 5 e pelo caput do art. 11, ambos da
Resoluo n. 1, de 2002-CN, a Comisso Mista apresentar decreto legislativo disciplinando
as relaes jurdicas originadas durante a vigncia da medida provisria.
- Situao n. 4: a medida provisria arquivada
Esta situao ocorre quando, preliminarmente, um dos Plenrios, da Cmara
dos Deputados ou do Senado Federal, em relao a toda a programao da medida provisria,
decide pela no identificao dos pressupostos constitucionais e/ou pela ausncia de
adequao oramentria ou financeira, conforme se abstrai do contedo do art. 8 da
Resoluo n. 1, de 2002-CN, in verbis:
Art. 8. O Plenrio de cada uma das Casas do Congresso Nacional decidir, em apreciao preliminar, o atendimento ou no dos pressupostos constitucionais de relevncia e urgncia de Medida Provisria ou de sua inadequao financeira ou oramentria, antes do exame de mrito, sem a necessidade de interposio de recurso, para, ato contnuo, se for o caso, deliberar sobre o mrito.Pargrafo nico. Se o Plenrio da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal decidir no sentido do no atendimento dos pressupostos constitucionais ou da inadequao financeira ou oramentria da Medida Provisria, esta ser arquivada.
Atente-se que, no caso de medida provisria que trata de abertura de crdito
extraordinrio, de acordo com o 3, do art. 167, da Constituio Federal, o requisito da
imprevisibilidade tambm dever ser apreciado.
Recorde-se, aqui, que o arquivamento da MP denota o carter terminativo
imposto pelo no-atendimento dos pressupostos constitucionais ou pela inexistncia de
adequao financeira ou oramentria da MP.
Surge nesse caso a indagao quanto s relaes jurdicas originadas
enquanto da vigncia da MP. Entendo que o Congresso Nacional no deveria editar decreto
legislativo convalidando a execuo oramentria efetuada at o arquivamento da MP, pois o
Poder Executivo ignorou as exigncias constitucionais. Acredito que a melhor sada, ainda
que o efeito prtico seja o mesmo, seria transferir toda a responsabilidade ao Presidente da
Repblica, adotando a figura da homologao tcita prevista no 11, do art. 62, da
Constituio Federal, e no 2, do art. 11, da Resoluo n. 1, de 2002-CN.
33
MORAIS e FERNANDES apregoam que a CMO, no exerccio da
competncia a ela atribuda pelo art. 2, 6, da Resoluo n. 1, de 2002-CN, poderia
adicionalmente propor que fosse realizada audincia pblica com o(s) Ministro(s) de Estado
da(s) rea(s) contemplada(s) pelo crdito extraordinrio, com o intuito de promover discusso
com pedido de explicaes sobre as razes de urgncia, relevncia e imprevisibilidade que
ensejaram a edio da MP.31
- Situao n. 5: perda de eficcia da medida provisria por decurso de
prazo
Havendo inrcia do Congresso Nacional quanto apreciao da medida
provisria no prazo constitucional previsto, no se manifestando, portanto, em relao aos
pressupostos constitucionais, adequao financeira e oramentria, ao mrito da MP, esta
perder sua eficcia desde a edio, o que preceitua o 3, do art. 62, da Constituio
Federal:
3. As medidas provisrias, ressalvado o disposto nos 11 e 12 perdero eficcia, desde a edio, se no forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogvel, nos termos do 7, uma vez por igual perodo, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relaes jurdicas delas decorrentes.
Quanto aos efeitos jurdicos das despesas j realizadas pelo Poder Executivo
at a perda de eficcia da MP, poderia o decreto legislativo conferir respaldo jurdico s
mesmas, j que constitui uma situao em que o Poder Legislativo deixou transcorrer o prazo
in albis sem deliberao sobre a MP. Diferentemente da situao em que h a rejeio,
neste caso o Congresso Nacional sequer se manifesta.
No tocante s despesas no liquidadas, o decreto legislativo tambm poderia
convalid-las ou se optar pela anulao dos empenhos dever reservar recursos para saldar
eventuais perdas e danos devidos ao fornecedor.
- Situao n. 6: medida provisria que tem sua programao reduzida
por emendas aprovadas
31 Ibidem, p. 21.
34
A Resoluo n. 1, de 2006-CN, em seu art. 111, em seo que trata
especificamente dos crditos extraordinrios abertos por medida provisria, somente admitiu
emendas que modifiquem o texto da medida provisria ou suprimam sua dotao, total ou
parcialmente.
A nova redao teve sua origem em sugestes formuladas por consultores
de oramento, que queriam evitar as emendas de acrscimo ou de remanejamento. Ora, se o
Presidente da Repblica quem detm o conhecimento pleno das causas motivadoras do
crdito extraordinrio por MP, no razovel admitir que os parlamentares possam apresentar
emendas para criao de novos subttulos oramentrios aumentando o valor do crdito,
inclusive sem indicao de fonte, ou mesmo remanejar parte da programao para outro
subttulo que no se configure merecedor de um crdito extraordinrio.
Os efeitos produzidos por essas emendas de reduo so os mesmos que j
foram tratados nas situaes que prevem a rejeio total ou parcial da medida provisria.
A questo sensvel que se coloca, novamente, diz respeito s despesas j
executadas pelo Poder Executivo, cuja programao tenha sido subtrada, total ou
parcialmente, do projeto de lei de converso sancionado. O decreto legislativo dever
disciplinar as relaes jurdicas oriundas dos atos praticados durante a vigncia da medida
provisria.
- Situao n. 7: o projeto de lei de converso aprovado no Congresso
Nacional vetado
O Presidente da Repblica, fazendo uso de suas atribuies constitucionais,
pode vetar, total ou parcialmente, a programao final do projeto de lei de converso
aprovado pelo Congresso Nacional, do mesmo modo como a qualquer projeto de lei.
Se o PLV aprovado reduziu a programao inicialmente proposta pelo
Poder Executivo, o veto uma tentativa de oferecer legalidade s despesas por esse j
executadas.
No entanto, se o PLV aprova a programao originalmente proposta e
vetado pelo Presidente da Repblica, embora possa parecer estranho, o que se pode
depreender que o Poder Executivo esteja desistindo de uma parcela da programao
oramentria, correspondente ao veto, por alguma inadequao constatada.
35
1.3.3 Princpios constitucionais
A funo legislativa primria, de acordo com a Constituio Federal,
plenamente atribuda ao Congresso Nacional. Ao Poder Executivo conferida a competncia
para edio de atos com base em situaes especficas. Um desses atos, a medida provisria
deve se conformar com as normas que definem a funo legislativa. na Constituio Federal
que se encontram os limites de cada Poder do Estado. Os princpios constitucionais
representam uma forma de limitao.
Nesse sentido, importa analisar a competncia excepcional do Poder
Executivo para editar medidas provisrias, sob o enfoque dos princpios constitucionais
fundamentais: do Estado de Direito, da proporcionalidade, da segurana jurdica e ainda do
princpio democrtico e do princpio da legalidade.
O princpio do Estado de Direito, como valor imanente ao ordenamento
jurdico, estabelece a ligao estrutural entre a atividade do Estado e o Direito. A atividade do
Estado est relacionada ao Direito quanto finalidade e quanto ao processo de interveno.32
Em outras palavras, a atividade do Estado est absolutamente vinculada s
normas que compem o complexo jurdico, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais.
Conexo ao princpio do Estado de Direito, e como limite atuao
legislativa do Poder Executivo, est o princpio da proporcionalidade que, entre outras
determinaes, impe que a atuao seja absolutamente indispensvel, e a escolha do meio
menos restritivo, dentre os abstratamente disponveis. Nesse sentido, a atuao legislativa do
Poder Executivo s legtima quando nenhuma outra, menos restritiva, possa ser adotada.33
Assim, a eficcia imediata da medida provisria e a sua edio sem a
apreciao prvia do Congresso Nacional tornam-na mais restritiva que a lei. Se a situao,
que se apresenta relevante e urgente, puder ser atendida por outros instrumentos normativos,
sem riscos de prejuzos, deve-se afastar a possibilidade de utilizao da medida provisria.
O princpio da segurana jurdica tem por finalidade garantir estabilidade
aos direitos estabelecidos em nvel constitucional e previsibilidade quanto aos efeitos
jurdicos dos atos normativos.34
32 VILA, Humberto Bergman, op. cit., p. 49.33 Idem.34 Ibidem, p. 50.
36
A questo que se coloca para cotejo com o princpio da segurana jurdica
diz respeito aos efeitos da medida provisria no convertida em lei. Se a medida provisria
produz efeitos a partir de sua edio, a no-converso em lei tem efeito ex tunc, ou seja,
retroage no tempo ao momento da expedio e restabelece a legislao anterior. E os efeitos
jurdicos produzidos em decorrncia da medida provisria? Entendo que a eficcia transitria
e revogatria das medidas provisrias, pendente da condio resolutiva de converso em lei,
de certa forma atenta contra o princpio da segurana jurdica, na medida em que os efeitos
jurdicos produzidos a partir de sua edio no esto plenamente assegurados, uma vez que
podero sofrer modificaes durante o processo de apreciao no Congresso Nacional.
FERREIRA FILHO afirma que se trata de uma revogao condicional que
depende para solidificar-se da converso em lei do texto revocatrio. Neste caso, como o
efeito da medida provisria ex tunc desde sua edio -, se deve entender que desde esse
momento no mais vigora a norma colidente. Entretanto, se a converso no ocorrer, restaura-
se o Direito anterior. A no-converso da medida provisria tem, portanto, efeito
repristinatrio sobre o Direito com ela colidente. 35
O princpio democrtico, insculpido no art. 1, pargrafo nico da
Constituio Federal, em se tratando de produo normativa, merece particular relevo. Ao
acentuar a participao dos cidados nas decises polticas, a CF estabelece o procedimento
legislativo como meio capaz de incorporar essa dimenso pluralista e participativa (CF:
prembulo, art. 1, V), exteriorizada pela pluralidade de interesses e partidos polticos que
compem esse conjunto de atos. Por isso, conexo ao princpio democrtico est o princpio da
legalidade. A lei, em determinados casos (CF: art. 5, II e XXXIX; art. 150, I; art. 165, I, II e
III; art. 166, caput), o nico instrumento apto a inovar o ordenamento jurdico. 36
importar frisar que a medida provisria, com sua eficcia precria, porm
imediata, no pode regular situaes em que a Constituio Federal, em respeito ao princpio
da legalidade, impe a necessidade de lei que, por via de conseqncia, reclama a apreciao
do Congresso Nacional, por meio dos representantes do povo (princpio democrtico), tudo
isso, antes da produo de eficcia do ato normativo.
Como se v, antes mesmo de privar o Poder Executivo de dispor sobre tais
matrias, a Constituio Federal ao determinar a necessidade de que certos mbitos materiais
fossem regulados por lei, imps o cumprimento da forma, que se traduz no rito prprio de
discusso, de consenso no mbito do Congresso Nacional, para dar legitimidade norma.35 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Do processo legislativo. 5. ed. rev., ampl. e atualizada. So Paulo:
Saraiva, 2002, p. 245.36 VILA, Humberto Bergman, op. cit., p. 51.
37
Assim, nas matrias que a Constituio Federal permitiu o emprego de
medida provisria, a lei de converso aprovada pelo Congresso Nacional oferece estabilidade
aos efeitos transitrios da MP e representa a estreita observncia do princpio democrtico.
Ademais, a apreciao do Congresso Nacional representa uma forma de controle exercido
sobre o Executivo, procurando coibir a prtica de abusos por parte desse Poder.
A competncia presidencial para editar medida provisria surge somente
diante de caso de relevncia e urgncia, como exceo ao princpio geral da legalidade. Essa
excepcionalidade legalidade impe-lhe interpretao estrita. Sendo a norma uma exceo ao
princpio democrtico (e, portanto, ao da legalidade), seu mbito material de aplicao ,
segundo o prprio sistema, restrito. O intrprete no restringe o sentido da norma; a prpria
norma que possui sentido restrito diante do sistema constitucional. Conclui afirmando que a
competncia estabelecida no artigo 62 da CF constitui exceo aos princpios constitucionais
fundamentais, especialmente, os relativos segurana, democracia e legalidade.37
AMARAL JNIOR trazendo citao de Machado: No nos parece que a
utilizao de medidas provisrias constitua exceo ao princpio da legalidade. O Presidente
da Repblica, ao edit-las, est exercendo funo legislativa da qual se encontra investido
pela Constituio. Excepcional , na verdade, essa competncia que lhe atribuda, mas o ato
resultante de seu exerccio , induvidosamente, um ato legislativo. 38
Ainda sob o enfoque do princpio da legalidade, julgou-se apropriado
analisar a natureza jurdica da medida provisria.
A despeito de reconhecer que comum, na doutrina brasileira, reduzir a
expresso lei significao prpria da lei formal, assevera que a medida provisria lei,
porque consta das espcies normativas primrias elencadas no art. 59 da Constituio Federal.
Por isso, integra o processo legislativo em face de expressa previso constitucional.39
SEABRA FAGUNDES anota que atualmente, o direito constitucional
admite, em determinadas circunstncias rigidamente disciplinadas, o exerccio da funo
legislativa pelo Executivo. Por conseguinte, a lei no apenas aquela editada pelo Poder
Legislativo. possvel afirmar que, no atual contexto da experincia jurdica, todo ato
emanado das entidades s quais a Constituio atribua funo legislativa, quando praticado no
uso da competncia constitucionalmente outorgada, ser lei, desde uma perspectiva
genrica.40
37 Ibidem, p. 69.38 MACHADO, p. 34 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2004, p. 123.39 CLEV, Clmerson Merlin, op. cit., p. 168.40 SEABRA FAGUNDES, p. 19-20 apud CLVE, Clmerson Merlin, idem.
38
A previso contida no art. 59 de que o processo legislativo compreende
tambm as medidas provisrias no lhes outorga natureza legislativa, pois o sentido da
incluso est em que elas tendem a se converter em lei (art. 62, pargrafo nico antes da EC
n. 32), ou seja, uma hiptese especial de produo legislativa. Em suma, a CF no seu art. 62
autoriza o Presidente da Repblica, a praticar um ato, de natureza administrativa, ao qual ela
atribui fora de lei. Esta a viso de GRECO. 41
MELLO no admite que a medida provisria seja considerada lei porque
no provem do Legislativo e apresenta suas razes: 1) as medidas provisrias correspondem a
uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis so via normal de
disciplin-los; 2) as medidas provisrias so, por definio, efmeras, enquanto as leis, alm
de perdurarem normalmente por tempo indeterminado, quando temporrias tm seu prazo por
elas mesmas fixado, ao contrrio das MPs, cuja durao mxima j est preestabelecida na
Constituio:120 dias; 3) as medidas provisrias so precrias, isto , podem ser infirmadas
pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve aprecia-las, em contraste
com a lei, cuja persistncia s depende do prprio rgo que a emanou (Congresso); 4) a
medida provisria no confirmada, isto , no transformada em lei, perde sua eficcia desde o
incio, enquanto a lei, diversamente, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos ex nunc; 5) a
medida provisria , para ser expedida, depende da ocorrncia de certos pressupostos,
especialmente os de relevncia e urgncia, enquanto, no caso da lei, a relevncia da matria
no condio para que seja produzida; antes, passa a ser de direito relevante tudo o que a lei
houver estabelecido. Demais disso, inexiste o requisito de urgncia. 42
O ilustre doutrinador, fazendo distino do ato administrativo, define ato
poltico ou de governo com sendo aqueles praticados com margem de discrio e diretamente
em obedincia Constituio, no exerccio de funo puramente poltica, tais o indulto, a
iniciativa de lei pelo Executivo, sua sano ou veto, sub color de que contrria ao interesse
pblico. 43
Acompanhando o entendimento de MELLO, NIEBUHR afirma que a
medida provisria adequa-se perfeitamente ao conceito de ato poltico ou de governo, porque
expedido pelo Presidente da Repblica, de forma discricionria, para evitar gravame
insuportvel para o interesse pblico. Acrescenta ainda que a medida provisria tem carter
normativo, por ser um ato geral e abstrato, que serve para regular as relaes sociais, cujo
descumprimento acarreta sano e que tem fora de lei, visto que inova a ordem jurdica, 41 GRECO, Marco Aurlio, op. cit., p. 16.42 MELLO, Celso Antnio Bandeira de, op. cit., p. 119.43 Ibidem, p. 351-352.
39
criando, alterando ou extinguindo direitos. Salienta o seu carter excepcional, porque
produzida pelo Executivo e no pelo Legislativo, representando exceo ao princpio da
diviso de poderes; efmera, como o prprio nome indica, ela provisria, no devendo
perpetuar-se no tempo, mas apenas atender situao excepcional; cautelar porque deve ser
utilizada apenas para oferecer resposta situao relevante e urgente, cuja interveno
legislativa no pode esperar o procedimento legislativo ordinrio; tambm precria, visto
que pode ser rejeitada a qualquer momento pelo Congresso Nacional. 44
FERREIRA FILHO assinala que a medida provisria um tpico ato
normativo primrio e geral. Edita-o o Presidente no exerccio de uma competncia
constitucional, de uma competncia que, insista-se, lhe vem diretamente da Constituio.
Manifesta assim a existncia de um poder normativo primrio, prprio do Presidente e
independente de qualquer delegao. Prega ainda que a medida provisria por ter fora de lei
vlida, portanto, gera direitos e obrigaes desde sua edio, pois lei, no sentido amplo
que tem essa palavra no art. 5, II, da Constituio.45
AMARAL JNIOR sustenta que a medida provisria por ter fora, valor e
eficcia de lei materialmente lei, mas no lei formal do Congresso Nacional, tornando-se
lei, formal, pelo processo de converso. Trata-se de ato de natureza legislativa confiado ao
Presidente da Repblica, de modo que o Poder Legislativo e o Poder Executivo partilham ao
menos em alguma medida a potestade de legislar. Entende ainda que, se a medida provisria
lei (ao menos materialmente), efetivamente revoga a legislao anterior com ela conflitante,
ainda que o faa sob condio resolutiva, qual seja, a converso em lei. 46
No que diz respeito s medidas provisrias, no obstante os
questionamentos de ordem doutrinria em relao sua natureza jurdica, o Supremo Tribunal
Federal firmou entendimento de que se trata de ato dotado de fora normativa, ressalvada
sua validade enquanto proposio legislativa suscetvel de ser convertida ou no em lei (ADI
293, Relator Ministro Celso de Mello e ADI 427, Relator Ministro Seplveda Pertence) e,
portanto, sujeita, em tese, ao controle abstrato de constitucionalidade.
Compartilho da posio defendida por FERREIRA FILHO e AMARAL
JNIOR, quanto eficcia revogatria da medida provisria enquanto lei material. O exame
do Congresso Nacional, convertendo a medida provisria em lei, de fato, sana o vcio
produzido pelo ingresso do ato normativo no mundo jurdico sem a apreciao preliminar do
Legislativo, formalidade esta exigida para o processo legislativo ordinrio. 44 NIEBUHR, Joel de Menezes, op. cit., p. 85.45 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, op. cit., 2002, p. 240.46 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, op. cit., 2004, p. 126.
40
Doravante, passo a analisar os dispositivos constitucionais que tratam da
produo normativa no tocante temtica oramentria, sob o enfoque do princpio da
legalidade e da limitao material, especialmente o uso de medidas provisrias para
disciplinar tal matria.
Segundo o artigo 165 da Constituio Federal, sero de iniciativa do Poder
Executivo, as leis que tratem de matria oramentria, nestas palavras:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecero:I-o plano plurianual;II-as diretrizes oramentrias;III-os oramentos anuais.
de simples constatao que o texto constitucional ex
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