Correlação de Forças e Serviço Social
Vicente de Paula FaleirosBrasília, 28 de maio de 2008.
Crítica ao Funcionalismo
Faleiros, V. P. 2008
Atribui-se ao Serviço Social um poder independente das instituições, das agências com base em um conhecimento técnico/científico e um conjunto de valores que identificam a vida boa. Outro pressuposto dessa visão é de que a prática funciona por consenso, no que denominamos “modelo consensual da intervenção”, que implica em que as pessoas e o assistente social estejam assumindo valores comuns compartilhados. No entanto essa visão não leva em conta os valores dominantes e os dominados e nem as desigualdades sociais
Oposição ao Funcionalismo
Faleiros, V. P. 2008
O paradigma da correlação de forças, parte de pressupostos completamente distintos desse paradigma de relações interpessoais, centrado no desequilíbrio, no indivíduo e em suas motivações, nos valores dominantes, na lógica das instituições, na adaptação e no consenso. Esse paradigma se configurou no processo de reconceituação do serviço social, com a teoria e prática do próprio autor (Faleiros, 2005).
Paradigma Relacional Estrutural
A sociedade e a estrutura são relações, portanto em ruptura com as perspectivas substancialista, individualista e reducionista, sendo o sujeito, como o define Marx, um conjunto de relações.
A crítica é pressuposto da ação, na busca de fundamentos, nas mediações da negatividade contraditória em movimento versus prática mimética.
As relações de poder se estruturam e expressam em processos de hegemonia e de contra-hegemonia, conforme a expressão de Gramsci.
Em cada situação há uma particularidade que implica a generalidade das relações, mas com especificidade de cada campo.
O silenciamento e a resistência dos oprimidos podem ter processos e estratégias de ruptura com a ordem dominante (emancipatórias) e de articulação instituinte/instituído.
A relação do serviço social, como forma de poder, implica articular forças para defesa dos dominados, dos excluídos
A relação sujeito-estrutura se dá em base na afirmação de Marx, em a Ideologia Alemã de que: “Onde existe uma relação, ela existe para mim”, ou seja, numa articulação da consciência do sujeito à relação e a relação à consciência do sujeito. O processo de conscientização é relacional, não vertical, de cima para baixo, no sentido de que “vou conscientizar o povo”, na linha do vanguardismo.
Faleiros, V. P. 2008
Faleiros, V. P. 2008
Paradigma Relacional Estrutural
A formação da subjetividade na sociedade se articula aos processos de riscos próprios da vida no capitalismo como a precarização, o medo e o desemprego, em forma relacional.
É plausível resistir às formas de dominação pela “de inclusão” precária (exclusão) e repressão, com um processo de organização política, social, legal e profissional
É viável responder às urgências da precarização e articular ações estruturantes de mudança da relação de forças.
O poder das tecnologias pode ser descontruído num processo de “tecncoética”, de colocação da tecnologia, das informações, dos encaminhamentos a serviço do poder das pessoas e da população, numa perspectiva emancipatória, fortalecendo interesses estratégicos dos dominados.
A emancipação pressupõe integrar cultura e território na ação em redes, com ruptura da fragmentação, da deslocação, valorizando-se a dimensão local, de redes e de proximidade articulada ao questionamento mundial.
O empoderamento pressupõe aprofundar a democracia participativa e a cidadania coletiva num contexto individualista liberal e descentrar decisões.
O empoderamento articula o serviço social com os movimentos sociais presentes em seu público, fortalecendo-os.
Paradigma Relacional Estrutural
A estratégia de correlação de forças visa produzir conhecimentos críticos versus relação de “produtividade” (desempenho, resultados).
O trabalho implica ressignificar identidades numa sociedade mediática do poder branco,hedonista, consumista, competitivo.
Implica ainda: articular forças num lugar de subalternidade; estabelecer mediações complexas numa cadeia de intermediações; articular bio-vias com desconstrução e construção de poderes; atender necessidades criticando a categorização dos pobres e o focalismo; defender o público e sobreviver no emprego (centros de defesa); articular o fortalecimento do público na vida e nas organizações; re-interpretar as demandas (ideológico) e produzir conhecimento crítico; fortalecer a auto-gestão e a decisão sobre si, num contexto de vulnerabilização; capacitar-se permanentemente num contexto de corte de orçamentos; combinar benefícios e prestações sociais com o processo de autonomia e independência do sujeito, na perspectiva de
um imaginário de contrato e de solidariedade; politizar a ação num momento de descartabilidade da política; construir novos indicadores do trabalho de fortalecimento do público no contexto dos indicadores de produtividade; articular a pressão do público num contexto de repressão (negociação política) promover o protagonsimo do público em trabalho de rede num contexto de fragmentação; trabalhar o processo criativo de comunicação com o público num contexto de burocratização; articular redes, território, cultura, informação e protagonismo do público na dinâmica da democracia e da cidadania; denunciar as situações num contexto de repressão.
Faleiros, V. P. 2008
Fundamentos Estruturais
Visão histórico-estrutural, contraditória, processual pelos conflitos na estrutura, na conjuntura e nas situações, incluindo a inter-subjetividade numa relação de poder .
Faleiros, V. P. 2008
Fundamentos Epistemológicos
O conhecimento e valores são processos complexos e contraditórios enquanto saberes distintos diferentes,em uma dinâmica de identidades e diferenças.
A construção de categorias de pensar o real implica relação entre abstrato/concreto/abstrato
Faleiros, V. P. 2008
Uma Definição
O trabalho social na correlação de forças está centrado na relação de poder dos coletivos, das classes, dos grupos, do sujeito, da intersubjetividade, em uma articulação das relações estruturais e estruturantes e das relações inter-subjetivas nas conjunturas e situações particulares para fortalecer as trajetórias sócio-pessoais de mudança do poder em favor dos dominados e fragilizados nas relações de poder, pelos dispositivos, capitais, patrimônios, recursos,oportunidades direitos, leis e capacidades nas conjunturas complexas e nas situações particulares no contexto da democracia e da cidadania
Faleiros, V. P. 2008
Mediações
As mediações são configuradas não como processo da intermediação de recursos e de serviços. Não consiste, pois, no encaminhamento. Trata-se de um processo epistemológico-político-real de relação entre o imediato e o aprofundamento das relações singulares, particulares e gerais da sociedade em sua complexidade/totalidade para decifrar as demandas, os projetos e as forças em jogo na comunicação entre pessoas, em seu lugar de poder e fala.
Faleiros, V. P. 2008
Poder Institucional
Ao mesmo tempo, propõe uma análise do poder burocrático/profissional ao estabelecer formas de aliança com os sujeitos e colaboradores.Também coloca o trabalhador social em uma relação de proximidade com o sujeito e suas demandas na estrutura institucional.
O poder institucional se configura dinâmico, numa relação em que a estabilidade e instabilidade devem ser consideradas, conformando-se o poder numa relação com os técnicos, a burocracia, os profissionais e a população. Diante desse poder os usuários dispõem de dispositivos, demandas e recursos que precisam ser decifrados
Faleiros, V. P. 2008
Deciframento
O deciframento implica em levar em conta o sujeito, assim como dar-se conta da situação e dar conta das relações existentes e das exigências e dos processos de trabalho.Esse paradigma se inscreve num processo em que as demandas se tornam questões disputadas por forças que atuam no sentido da desmobilização, da repressão, da fragmentação e de forças que defendem a articulação em favor do usuário
Faleiros, V. P. 2008
Capitais Estratégicos
Nessa relação é que o assistente social pode dispor de estratégias e poder para trabalhar com os sujeitos as forças em presença. O fundamental, no entanto é que se trabalhe a relação e não apenas a obtenção de recursos, pois os recursos implicam relações.
A relação profissional/usuário vai se processar nas condições em que se manifesta a demanda e o trabalho. Vamos destacar o fortalecimento das relações políticas, das relações econômicas, culturais, afetivas.
Faleiros, V. P. 2008
Relações
Faleiros, V. P. 2008
PROCESSO DA CORRELAÇÃO DE FORÇAS QUESTÕES EM DISPUTA
TERRITÓRIO DEMANDAS
IDENTIDADE ESTRATÉGIAS AUTONOMIA MEDIAÇÒES CIDADANIA
PODER
FORÇAS PROJETOS
TRAJETÓRIAS SOCIO-INDIVIDUAIS
CONTEXTO SOCIOECONôMICO Dispositivos CAPITAIS Recursos
Capitais Políticos
Nas relações políticas é fundamental que haja uma dinâmica de fortalecimento dos direitos e da cidadania, implicando: garantia dos direitos estabelecidos; informação e providências de documentação; articulação das demandas na instituição; mudança de itinerários institucionais; questionamento da autoridade e das regras que oprimem o usuário; articulação de grupos e coletivos na defesa de direitos e de auto expressão; contribuição para a expressão da crítica das relações sociais; desburocratização; conhecimento da máquina administrativa e seu uso a favor do usuário; denúncia das condições de opressão; análise do poder institucional e do saber profissional.
Faleiros, V. P. 2008
Capitais Econômicos
Nas relações econômicas dos usuários e das pessoas é fundamental articular: apoio e inserção nos direitos a subsídios e auxílios; recursos no interesse dos usuários; buscar a formação para o trabalho e a vida em sociedade; explorar as possibilidades de solidariedade, de geração de renda; analisar o mercado de trabalho em suas contradições; articular passos para enfrentamento do não trabalho; questionar a relação pobreza/riqueza; analisar os processos de produção da riqueza e da pobreza.
Analisar as possibilidades de inserção no contexto excludente.
Faleiros, V. P. 2008
Capitais Culturais
Nas relações culturais o em poderamento implica, dentre outras estratégias, trabalhar as diferenças e a identidade; valorizar a cultura (incluindo a linguagem e a língua) do usuário; abrir espaços para sua expressão e construção e sua identidade; elucidar e decifrar as diferenças culturais; analisar os medos e as discriminações;trabalhar a res-significação das perdas culturais, rejeições de discriminações;trabalhar as biografias, os nomes próprios, os conhecimentos, as informações; trabalhar as aspirações e os projetos do sujeito; res-significar os direitos e dispositivos no contexto do usuário; relacionar a identidade prescrita, a identidade desejada e a identidade conquistada; questionar o machismo, o patriarcalismo, o racismo, o sexismo; analisar a trajetória de inserção/exclusão escolar; expressar as habilidades pessoais (artes, artesanato, culinária...); rearticular o poder sobre si mesmo; desrotular o usuário das categorias com é avaliado na instituição e na sociedade.
Faleiros, V. P. 2008
Intersubjetividade
Na relação com subjetividade é fundamental que a história do sujeito seja articulada à história social, buscando-se: expressar a história familiar (genograma) e repetições/mudanças-com questionamento; expressar e ressignificar as relações afetivas e amorosas com sucessos e fracassos; expressar seu sofrimento de violências; expressar os sentimentos e as emoções de orgulho, vergonha, vaidade, esperanças; expressar e questionar o passado, o presente e o futuro; trabalhar a revelação dos medos, dos traumas, e da violência; revelar e mudar a relação com a casa; revelar e mediar conflitos familiares e poderes familiares.
Faleiros, V. P. 2008
Capitais Simbólicos
Na relação com os patrimônios ou capitais simbólicos as estratégias de fortalecimento pressupõem: fazer expressar as representações do mundo; expressar as vivências corporais (por ex. exercícios, vivências); fazer expressar as religiões e os seres imaginários (bem e mal); fazer expressar as representações da vida e da morte e a construção de projetos; expressar a relação com a autoridade e seu enfrentamento;trabalhar a desculpaliização do indivíduo e o enfrentamento das condições de vida.
Faleiros, V. P. 2008
Sociedade e Instituições
Nas relações de poder com a sociedade e as instituições o trabalho social crítico de empoderamento implica: articular as redes de relações; explicitar os conflitos sociais mais amplos;informar sobre as redes, amizades, os vizinhos, a ajuda; reconhecer o território conhecido e abrir horizontes do desconhecido; saber usar os poderes e o conflito de poderes; estabelecer a autonomia e satisfação de necessidades básicas; mobilizar a sociedade em favor do usuário;trabalhar as trocas sociais, a convivência e a troca de experiências entre os usuários.
Faleiros, V. P. 2008
Ecologia
Nas relações e patrimônios ecológicos é fundamental que haja um deciframento do espaço de vida e de dignidade do usuário; uma análise das forças que destroem e das defendem o uso adequado do território; a discussão dos estresses da vida cotidiana como transporte, acesso, e falta de condições de vida digna ; a formação para o meio ambiente.
Faleiros, V. P. 2008
Conhecimento
Nas relações e patrimônios de conhecimento um trabalho estratégico de empoderamento busca: desfocar a visão do problema da instituição para as relações do sujeito com instituição, a sociedade, a família; usar a pesquisa em favor do usuário ;informar o usuário dos resultados das pesquisas; articular dados sobre o usuário para pensar o contexto; refazer os processos, dossiês e prontuários na ótica do usuário; refazer as técnicas de trabalho em função do usuário; repensar as bases teóricas e práticas só e em coletivos; analisar os projetos ideológicos em confronto na sociedade e suas relações com o poder, a economia e os interesses dos grupos hegemônicos e contra-hegemônicos na démarche institucional; analisar os impactos do processo de globalização/mundialização do capital no processo institucional; fortalecer os patrimônios relacionais dos usuários como aprendizado, cultura, vida familiar, condições de vida.
Faleiros, V. P. 2008
Procedimentos
Nos procedimentos institucionais/profissionais as relações de poder implicam uma dinâmica de aliança entre profissional e usuário que pressupõem; analisar a demanda num contexto territorial e cultural e de redes; analisar as forças em presença, e principalmente as forças dos usuários; entrar em relação com o outro e não fazer para o outro ; estabelecer um processo, uma dinâmica e não prever resultados rígidos e formais conforme as normas; ver os interesses do usuário no contexto de seu grupo e sua classe social; abrir espaços para a expressão do usuário; relacionar a singularidade, a particularidade e o geral na história pessoal e social; elaborar uma compreensão inteligente da situação e da ação que convém na perspectiva emancipatória;
Considerar os riscos e ameaças para o outro e para si; considerar as forças; articular diferentes níveis de intervenção; saber avançar, saber esperar, saber contornar (astúcia) e saber recuar nas propostas de forma coordenada e ritmada; saber envolver e exigir de si e do outro nos seus limites e possibilidades; saber manobrar e manipular adversários e recursos; saber perder e saber se confrontar no próprio campo e no campo do adversário nas condições mais favoráveis; saber que o usuário sabe; saber cooperar no conflito e conflituar na cooperação; trabalhar em redes no sistema.
Faleiros, V. P. 2008
Fortalecimento da Autonomia, Identidade e Cidadania
Faleiros, V. P. 2008
Identidade Autonomia Cidadania
Proteção/Acolhida Reconhecimento e
ressignificação
Palavra, narrativa
Informação
Direitos e garantias
Redes. Acesso
Enfrentamento da
Burocracia
Facilidade
Mapas das redes
Possibilidades e capitais.
Serviços às
necessidades
Articulação de poder
institucional em favor do
usuário
Promoção da
Participação
Redes pessoais Grupos e movimentos e
participação na rede
Controle social democrático
Desenvolvimento da
Comunicação
Decifrar as demandas e
questões gerais
Desenvolver a os grupos
e as lutas
Meios de comunicação como
denúncia e transparência
Articulação de redes e
cultura no
território
Apoio e contra-
transferência. Identidade
grupal
Garantia da vida digna,
redução da desigualdade
Direitos civis, políticos e
sociais
Conclusão
Numa sociedade desigual, propõe-se a articulação do cuidado com a defesa de direitos, tendo em conta e levando em conta as pessoas, para dar conta das exigências institucionais e das mudanças sociais no processo complexo das condições existentes e das forças em presença.
Faleiros, V. P. 2008
Procedimentos
Promover a possibilidade de o dominado controlar o processo (inflexionar o poder); ter toda a informação disponível dos adversários, do campo, do ritmo de ação e dos dispositivos (dados pessoais, vícios, virtudes) para passa-las ao usuário; fazer com o usuário expresse sua motivação e suas dificuldades, com a vontade de mudar em acordo com as possibilidades individuais e coletivas;ver a credibilidade das ações; antecipar as reações e dificuldades para enfrentá-las; estabelecer a urgência da intervenção; relacionar os fins com os meios, os desejos com a realidade;reduzir os custos para os usuários articulados aos custos exigidos; estabelecer um feed-back permanente; ver os aliados e os inimigos dos usuários;avaliar permanentemente a ação.
Faleiros, V. P. 2008
Top Related