Contos Brasileiros e leitura literária na escola
Autora:Reni Aparecida Anjos Krul1
Orientador:Ubirajara Inácio de Araújo2
Resumo
Preocupados em manter a prática da leitura literária em sala de aula e investir na
conquista de leitores, voltamo-nos para a exploração de contos de autores
brasileiros, tônica desta experiência com a literatura. Defendemos a importância da
literatura e a leitura literária mediada para todos e também métodos que possibilitem
não só desenvolver níveis de leitura literária capazes de retomar o encantamento,
mas também possibilitar a reflexão diante da narrativa de ficção. Assim,
desconstruindo e descobrindo a provocação através das múltiplas leituras,
partilhamos conhecimentos, acrescemos leituras, ampliamos o olhar, nos
apoderamos de idéias subversivas e instigamos a pensar, pois da leitura literária
escolar como prática, queremos atingir a prática cultural e conquista pessoal.
Palavras-chave: conto literário; professor;aprendiz-leitor;leitura.
1 Introdução
O desejo de repensar a importância da literatura na escola e de propor
momentos de leitura literária significativa na vida escolar do aluno encaminhou-nos à
experiência da leitura de contos literários. Acreditamos que literatura nos humaniza,
e ler textos literários contribui para o ensino efetivo da língua como processo
1 Pós-graduação em Metodologia de ensino do segundo grau pela FESP. Especialista em Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira pela Univerdade Tuiuti. Graduação em Letras pela PUC-PR. Professora da SEED - Colégio
Jorge Andriguetto. 2 Mestre e Doutor em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de
Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
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interativo de discursos, de contextos, de relações dialógicas e de formas de
raciocínio ou simplesmente porque ler literatura emerge para o mundo imaginário,
plural, onde é permitido sentir, sonhar, viver sensações e emoções.
É a leitura como prática social e acesso aos bens culturais, especialmente a
leitura da literatura para todos e todas, que norteia este artigo, voltado para o estudo
da observação de como o leitor, aluno da segunda série do ensino médio, acolhe e
processa a leitura literária. Para permitir essa compreensão, valemo-nos do
empirismo, aproximando o processo da leitura à prática de algo com visibilidade, o
que é apenas uma maneira de interpretar de forma diferente, e não de modificá-lo.
A experiência envolveu a leitura de contos literários de autores brasileiros. O
conflito explorado, a relação com temática atual e as relações com a realidade dos
leitores envolvidos motivaram a escolha. Durante a leitura dos textos, foram
observados a recepção e o diálogo com cada conto, a assimilação dos efeitos
estéticos e recursos literários, ancorados na estética da recepção e na teoria do
efeito, as quais fundamentam as Diretrizes Curriculares. Não nos arriscamos em
análises vastas de vertentes psicanalíticas ou formalistas, exploramos o texto
propriamente escolhido, observando como o aluno do ensino médio reage à obra e a
interpreta. Entendemos a leitura do conto literário como momento de ensino do ato
de ler, de reflexão sobre o que foi lido, de fruição do imaginário, o qual ultrapassa
tempo e espaço e possibilita o prazer estético.
Lembramos que a literatura é arte, existindo independentemente da escola,
mas sempre esteve inserida como objeto, recurso e suporte para práticas de leitura
no espaço escolar. Percebemos o entrecruzamento de textos literários com a
mediação do professor para exercitar o entendimento do texto e a leitura entonativa,
gerando aprendizagens. Assim, ela ocorre na forma utilitária desde os primeiros
anos de vida escolar na vivência com a “literatura infantil”. Durante o ciclo de estudo
fundamental, os fragmentos de textos literários nos livros didáticos endossam a
leitura compreensiva. A leitura de literatura se completa no espaço escolar com as
listas de obras clássicas, indicadas, forçadas, “exclusivas”, durante e para o Ensino
Médio, com fins imediatos de ensino.
Cremos que não há como desescolarizar a literatura, pois os textos literários
são pilares do alicerce para as práticas de leituras, ampliam o universo cultural e
ainda oportunizam ao jovem o contato sistemático com a leitura literária. Notamos
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que na sala de aula se divulgam os textos literários e os docentes medeiam leituras,
e na forma que o fazem conseguem atrair ou afastar os leitores. Por isso, é
questionável a prática rotineira de métodos de leituras em nome das necessidades
didáticas da escola, que é autoritária, impõe apresentações de obras, resumos das
histórias e outras formas de provar que houve leitura. Percebemos que as leituras
espontâneas para a formação literária raramente ocorrem e os métodos de ensino
sistemático para aprender a leitura da literatura são quase inexistentes.
Assim, realizamos a experiência com a leitura de contos literários brasileiros,
usando da leitura em voz alta para e pelos alunos, partilhando o envolvimento e
mergulho na trama e nos signos metafóricos estendidos. Foram leituras que
ampliaram a dimensão original e o processo de leitura contextualizado se
encaminhou para a compreensão do fenômeno de por que a literatura continua
permanente e é essencial no meio escolar. Mesmo sabedores que nossos
questionamentos, respostas, reflexões são parciais e provisórios para este
momento, parece estimulante continuar nossas leituras sobre a prática de leitura
literária na escola, como prática e como meio de ascender para além dela.
2 Desenvolvimento
2.1 A escola e os caminhos e desvios da leitura
A escola é o espaço formal para a aprendizagem de saberes historicamente
acumulados, é nela que as práticas de leituras ocorrem continuadamente como
recurso didático, com diferentes propósitos, nas diversas áreas do conhecimento.
Diante do conhecimento armazenado em textos escritos, pela leitura o aluno acessa
informações, obtém explicações, é convencido, interage ideias. A compreensão é
um processo subjetivo e cada leitor traz as suas experiências que determinam uma
leitura individualizada para cada momento, por isso o ensino de leitura não deve
impor uma leitura única, a do professor, mas uma interação global. Ensinar a ler é
criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto,
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procurar a coerência e fazer uso de fontes de conhecimento. Assim leituras levam à
leitura.
A forma rotineira e mecânica das atividades de leitura na escola, com objetivo
de aprendizagem instrucional tem norteado a busca pelo conhecimento e converge
para encontrar respostas objetivas nos textos. “Abrir o livro na página x e ler”, nos
parece leitura sem orientação. Essa prática observada é inibidora do
desenvolvimento da capacidade de leitura, o mediador não prepara o aluno para
engajar o conhecimento prévio e trazer a memória intermediária sobre o assunto a
ser compreendido. Nossas leituras sustentam que para ativar o conhecimento é
preciso fornecer um objetivo à leitura e ensinar a adaptar estratégias de leitura e de
abordagem ao texto. Consideramos que, na concepção sociointeracionista, o
objetivo do autor é diferente, está marcado diferente, por intenções diferentes, logo é
diferente a leitura também pelo interesse e necessidade de cada aluno.
Antes, durante e após a leitura nas salas de aula é o professor quem centraliza
todo o direcionamento do processo. É ele quem medeia para a leitura, criando
expectativas de leitura, orientando e encaminhando o aluno para o destecer do
texto, é ele quem multiplica as leituras quando vai inserindo suas próprias leituras às
dos alunos, e ainda é ele quem dissemina a leitura, principalmente a literária,
enquanto prática cultural. Diante dessa constatação, fica claro que um professor,
carente de saberes desse processo, encaminha o ensino fragilizado ao fracasso da
aprendizagem do ato de ler e à ineficiência e aversão a leituras.
No ensino da língua portuguesa, os diversos gêneros textuais ocorrem nas
práticas diárias de leitura. Entre eles, a leitura de textos literários, objetivando
contribuir para amenizar a escassez de leitura e oportunizar uma leitura efetiva.
Esses -momentos de leitura literária deveriam ocorrer na forma compartilhada,
dialógica com sujeitos em interação e troca de interlocuções naturais, mas há fatores
que não favorecem a proficiência em leitura e nem oportunizam a formação de
leitores literários. Para Teresa Colomer (2003, p.131),''...em termos de ‘hábitos de
leitura literária’ a literatura é um corpus adequado e presença no âmbito escolar”.
Ocorre leitura literária na escola, porém isso não garante a conquista de leitores
porque a prática da leitura está restrita a finalidades imediatas de ensino da língua e,
muitas vezes, desvinculada do letramento literário, uma proposta de ensino da
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leitura literária na escola básica com a finalidade de conquistar novos leitores com
consciência da importância da leitura literária para a sua formação.
Sobre o ensino da literatura, Rildo Cosson (2009, p.23) afirma que “a literatura
não está sendo ensinada para garantir a função essencial de construir e reconstruir
a palavra que nos humaniza”. Sabemos que textos literários têm preferência para o
trabalho no ensino da língua, porque a literatura representa o patrimônio cultural
inquestionável da arte da palavra, tendo espaço pelo peso da tradição. O uso de
textos literários amarrados a exercícios linguísticos propicia momentos de
aprendizagem preestabelecidos, mas está distante do propósito amplo de leitura,
onde significados transcendem das páginas e despertam desejos de novas leituras,
ou seja, essa prática não consegue fazer o aluno avançar para novas operações de
pensamento, níveis superiores de abstrações e consciência movidas pelas novas
motivações e necessidades.
Acreditamos que há na escola caminhos que encaminham para a leitura, mas
há desvios no ensino da leitura literária. É preciso pensar a prática da leitura literária
como encontro do leitor-autor via texto, e o ato de ler como diálogo, partilha,
interação, enfrentamento, sabor, reflexo da própria história do sujeito, co-autor de
sentidos. Pretender o letramento literário é oportunizar o encontro e o diálogo com a
literatura, não esquecendo o objetivo de aprendizagem expressiva paralelo à
essência da literatura, à plurissignificação e à subversão.
Envolver, encantar, seduzir, conquistar leitores de literatura é disseminar a
leitura e garantir a presença dessa arte na vida de alguém, um leitor que se
descobre interagindo com o meio social e com a própria existência e envolvendo
outros novos leitores.
2.2 Literatura e a relação com ensino do professor de língua
Dentro de nossas reflexões ocorrem muitas inquietações. Se ler é tão
importante como se ensina a ler efetiva e espontaneamente, com autonomia. Para
Jean Foucambert (1999, p30) “ser alfabetizado, não significa ser leitor”. A partir
dessa afirmação, ele inaugurou uma concepção pedagógica visando à prática de
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leitura centrada não na alfabetização, mas na formação do leitor. Reconhecer
palavras e letras é uma habilidade ensinada, mas o leitor iniciante de qualquer idade
precisa ser encorajado no processo de leiturização, vivenciando um ambiente
cultural de leituras e tendo ao seu alcance livros afinados com os seus gostos. E
então, como se ensina a leiturização e como se aprende a leitura literária? Esse
apontamento leva-nos a citar Ezequiel T. Silva (1992 p.36) “não são todos os
professores que sabem orientar adequadamente a leitura e (ele) pergunta-se: será
que os cursos de preparação não deveriam dar mais atenção ao ato de ler...” Não
conseguimos responder a essa indagação, mas certamente a capacidade de leitura
depende sim do modo de ensinar, e só um professor preparado pode formar leitores,
só aquele que lê com autonomia e competência é capaz de incentivar e mostrar as
sutilezas e desvendar as entrelinhas de um texto literário, efetivando leituras na
escola e fora dela.
Na prática de leitura literária na escola, preocupa o domínio de conhecimento e
saberes específicos de literatura do professor. Para Lígia Chiappini (1983, p.29), "é
dever explorar ao máximo com seus alunos as potencialidades desse tipo de texto.”
Ao mediar,o professor precisa ter habilidades para explorar as potencialidades da
linguagem metafórica, ler predispondo-se a adentrar no universo de cada texto a ser
decifrado pelas possíveis leituras de sentido, contexto, ideologia ou simbolismo e
ainda ser capaz de dialogar com a leitura do autor e o leitor, no caso o aluno que
contrapõe leituras de si mesmo. Ensinar a transitar pela alteridade desses discursos
e pelas possíveis leituras justifica a inserção do ensino da literatura na escola. Com
a realização da leitura do texto literário, diminui a distância entre livro, texto, autor e
leitor, e o ensino da leitura e da literatura na escola efetiva a aprendizagem dessa
leitura e, consequentemente, estimula a leitura literária.
Refletindo sobre o jogo entre leitor e escritor, o texto literário desdobra-se em
múltiplas leituras que variam de acordo com a vivência e as experiências que
aguçam sentidos de cada leitor. Chiappini (1983, p.29) alerta: "Ao professor cabe
criar as condições para que o encontro seja uma busca plena de sentido para o
texto, (...) e para a sociedade em que todos estão inseridos". Ler é interação, o leitor
insere seu conhecimento prévio (de leituras processadas e armazenadas) e cruza
com o texto, ampliando o contato interlocutivo, produzindo novos textos pelo
processo de assimilação e ressignificação. Diante do texto literário, ao professor
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cabe acompanhar esse processo de leitura que se torna uma rede de conexões
interligadas nas veias discursivas acionadas pelo leitor e sua capacidade leitora,
diferente a cada leitura realizada e em cada nova leitura.
Sobre ensino de leitura literária, afirma Frye (2000, p.32) , “é impossível ensinar
literatura: o que é possível é estudar mecanismos de construção do texto. É (…)
impossível aprender literatura: aprende-se sobre ela”. Ler é o que de melhor se faz
para compreender a importância da literatura, sua natureza, suas funções. Ensinar a
prática da leitura literária na escola é preparar o aluno para reconhecer suas
particularidades e criar estratégias para a formação de mentes abertas para o
imaginável, real ou fantástico. Para concretizar o ensino de literatura, o professor
deve cultivar as ações de leitura e as ultrapassar, englobando outras atividades
pedagógicas.
Reiteramos que, no ambiente escolar, as estratégias de conquistas de leitores
precedem de um longo processo educativo, do professor leitor partilhando da própria
leitura, da mediação e sedução para envolver o aluno para o universo da literatura,
da abertura para valorizar as leituras do aluno e das oportunidades para manifestar
sobre as suas leituras. Dessa forma, acreditamos contribuir para a conquista de
autonomia em leituras e possibilitar ao aluno sentir-se completo, integral, crítico,
livre, com interesse pelos livros e com domínio da linguagem literária, essencial na
escola para o letramento literário acontecer. Compartilhar interpretações, fortalecer e
ampliar horizontes de leitura literária permanente na escola certamente colabora
para a formação da pessoa, influindo na sua forma de pensar e de encarar a vida.
É importante lembrar que a literatura não depende da escola, mas depende do
ensino da leitura literária a sua continuidade e aceitação. Asseguramos que as
práticas de leitura da literatura em sala de aula precisam de mais envolvimento do
professor-leitor, domínio de conhecimentos dessa arte, interação aprendiz-leitor e
professor mediador, multiplicador e disseminador que encoraja para novas leituras.
Orientar, intervir, mediar, ensinar a destecer o texto literário é ensinar a ler, é permitir
transitar pela diversidade de escolhas interpretativas, diálogos com a literatura e
partilhar da transgressão literária.
Pensamos que a leitura é um ato de troca entre autor-texto-leitor com
sensações diversas que dependem da leitura mediada, fenômeno que respalda o
ensino da literatura, assimilações acerca de visões de mundo, da compreensão de
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discursos de si e do outro, ou do próprio despertar do leitor diante de
encantamentos, desafios, mistérios, presentes no texto literário. Para Aguiar (2001,
p.16), “A riqueza polissêmica da literatura é um campo de liberdade para o leitor. Daí
provém o próprio prazer da leitura, (...) ela mobiliza a consciência, sem obrigá-lo a
manter-se nas amarras do cotidiano”. Cremos que não há leituras por prazer, mas
sensações prazerosas por apreensões envolventes e identificações com e a partir
do material de leitura ou da mediação de leituras.
Daniel Pennac (1992, p.16) diz sobre seu melhor professor “ele somente lia em
classe, entregava a literatura em copos transbordantes. Nenhuma explicação seria
mais luminosa do que sua voz quando antecipava a intenção do autor, acentuava
um subentendido, revelava uma alusão”. Percebemos que o professor disseminador
de leitura pode ser a referência para a descoberta da leitura espontânea, todos
aqueles que leram obras literárias e se identificaram com elas se revelam satisfeitos
com o que provém das leituras e, assim, intermedeiam para o acesso e o desvendar
do universo literário. Nessa possibilidade expressiva, a estética da literatura alimenta
a escola, na sala de aula ou na biblioteca, além das paredes ou muros escolares, e
passa a integrar a vida das pessoas. Na escola, leitura literária é objeto de conquista
que segue junto à outra conquista: a leitura como prática social.
2.3 Lendo, leitor integra-se ao mundo
Nas condições escolares concretas, o maior envolvimento do professor e aluno
com a obra literária oportuniza aos alunos a fruição do texto literário e o deleite pela
arte, caminho para conquistar leitores. Buscar estratégias de sedução, interação,
motivação e respeito à individualidade pode sinalizar para um ensino mais produtivo
da leitura da literatura e para uma aproximação permanente entre leitor e livro, pois
o aprimoramento do leitor ocorre na trajetória acadêmica e continua pela vida toda.
Ao longo da existência humana a linguagem veio se constituindo fornecendo
signos manifestados sonoramente em expressão lingüística, gestos, imagética e
especialmente a falada. Com a invenção da escrita, o registro assegurou que toda a
expressão cultural estivesse preservada no tempo e pudesse ser partilhada por
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aqueles com habilidade para decifrar as mensagens, decompondo significantes e
recompondo os significados. Assim, o processo da leitura, é a experiência social de
diálogos, a capacidade de realizar um ato de comunicação entre o escriba e o ledor,
por meio do tecido de palavras e ideias emersas, os quais saltam das páginas
impressas trazendo a vida em palavras. É defesa de Jorge Luis Borges (1999),
conforme epígrafe de ensaio sobre objeto livro.”Um livro é um objeto físico... um
conjunto de símbolos mortos. E então aparece o leitor e as palavras... saltam para a
vida e temos a ressurreição da palavra”.
A leitura tem sido cotada como elemento de referência fundamental para o
cidadão integrar e participar da sociedade letrada. Ferramenta básica para a
comunicação e de acesso aos saberes culturais, a leitura serve de base para
percepção da realidade externa ou interna, colocando em cheque ao leitor seus
problemas, conflitos e pontos de vista. Apontando essa importância da leitura na
vida, há necessidade de difundi-la enquanto prática, e de manter o seu suporte
principal, o livro, reforçando o mérito da leitura da literatura, sugerindo um
posicionamento a ser enfrentado pela escola e sociedade, já que a leitura efetiva
está ameaçada por comunicações eletrônicas, virtuais em leituras superficiais, na
atualidade.
O ensino da literatura no ensino fundamental tem procurado sustentar a
formação de leitores e, no ensino médio, procura integrar esse leitor à cultura
literária brasileira. Para essa compreensão, foi preciso valer-se do empirismo,
aproximando o processo da leitura à prática de algo com visibilidade, o que é
apenas uma maneira de interpretar de forma diferente, e não de modificá-lo.
Dirigindo a leitura e mediando as reações dos alunos frente ao percurso imposto
pelo texto, foi-nos possível melhor compreender como a aproximação do material de
leitura ao receptor parece estimular a convivência com obras literárias e propiciar a
apreensão de significados, ampliando o saber cultural, social e histórico, e aflorar
desejos inconscientes.
Ao mergulhar no universo literário, sons, cheiros, cores e gostos invadem o ser,
as primeiras impressões são registradas revelando a leitura de mundo, de pessoas,
de animais, coisas, mistérios. Essa disponibilidade de ouvir e adentrar no objeto
inerte de imagens coloridas e desenhos que saltam das páginas do livro atrai o olhar
e força um processo de leitura, um encontro de mundos reais, encantados,
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imprevistos, depósito de saberes, sabedoria, poder, erudição, às vezes perigo,
ameaça, algo que ativa a mente e assim vazios são preenchidos por ideias e ideais
dando sentido à vida.
Durante o processo, a leitura equivale viver a emoção, é dádiva de ser ou estar
alegre, ou sentir-se deprimido, despertar para curiosidades ou descobertas,
fantasias e lembranças. Envolvidos no ato de ler, algo escapa do controle de leitor,
há verdadeiras armadilhas tramadas no inconsciente, as quais amenizam a
frustração, levando a outros tempos, lugares, dominando sentimentos e por isso , às
vezes ‘ler", é sentir-se vulnerável.
Na leitura, há vida, descoberta de nós mesmos, referências, conhecimentos e
revelações. Por isso, a autora Maria Helena Martins afirmou (1990, p.49): "...uma
leitura mesmo superficial revela muitos quadros intimamente ligados às frustrações e
angústias de cada leitor, vindo também ao encontro de suas fantasias mais
comuns". Mesmo na leitura passatempo evasivo, o leitor entrega-se ao universo do
texto, acompanha as veredas literárias e abre intencionalmente para novos
horizontes.
A literatura sem preconceitos com o real ou a fantasia, faz-se objeto
indispensável para a educação de nossa sensibilidade. É pelo texto literário que
nossa intimidade mais profunda encontra espaço para redimensionar-se. Por dar
corpo ao sonho concretizando em palavras, o texto literário, nomeia tanto o mundo
visível como o suspeitado invisível. A leitura literária se torna o lugar do encontro da
fantasia do leitor com a fantasia do escritor. Os dois se somam, e a existência se
enriquece e ganha imensuráveis dimensões. Pelo texto literário nos tornamos mais
sensíveis diante do mistério do mundo, que apenas pela fantasia nos é permitido
visitar. Por derramar luz sobre o desconhecido e proteger pela beleza os seus
mistérios, a literatura convida-nos a tomar cuidado com o mundo gratuito que nos é
oferecido.
Sendo a literatura arte feita por palavras, e ocorrendo a compreensão dessa
arte através da leitura, é possível alimentar os olhos, ouvidos, a nossa mente e a
nossa memória. Então, encontrá-la presente no ambiente escolar, nas práticas de
leitura de textos literários, nas aulas de língua portuguesa e nos livros de literatura
nas bibliotecas, essa companheira do aluno, tem o poder de eternizar momentos, é
capaz de marcar e determinar viagens sem deslocamento no espaço e no tempo,
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pode enriquecer o espírito e a própria vida, construindo significados que vão além da
página lida.
2.4 Montagem e desenvolvimento do estudo: Contos brasileiros e leitura
literária
Quando escolhemos o foco em literatura, tivemos em mente que seria algo
essencial em nossa formação e que a nossa interferência faria diferença no grupo
social dos alunos. Pensamos, igualmente, no quanto seria válido escolhermos
materiais de leitura que oportunizassem melhor compreensão das dinâmicas de
fatos e situações de leitura e como englobar atividades pedagógicas para alimentar
a literatura na escola, na biblioteca e aproximar o aluno da leitura.
Rompemos com o cotidiano, e o primeiro momento foi valioso e agradável,
tivemos acesso a um mundo de leitura sobre os múltiplos assuntos acerca do tema.
O objeto de reflexão confirmou nossas preocupações sobre a leitura literária na
escola, então ao elaborarmos o material nos preocupamos com algumas ações que
julgamos importantes para oportunizar a fruição de textos literários.
Na escola, a leitura é apontada como alicerce da compreensão e aquisição de
saberes. E enquanto professores, como temos trabalhado a leitura? Como tem sido
nosso envolvimento com o processo de aquisição de leitura? Temos percebido
fracassos, sucessos, níveis de aprendizagens efetivos em leitura? Na escola, é
relevante repensar a leitura? E a leitura da literatura tem sido pensada?
Foi por meio de observações de atitudes, ações e principalmente de conversas
informais com alunos, professores e agentes da biblioteca que fomos respondendo a
essas questões e percebendo que para muitos estudantes a literatura é uma prática
distante e que o papel da literatura, atualmente, é o de formação de leitor. Em nossa
visão é importante discutirmos que tipo de leitura cabe à escola ensinar para formar
bons leitores e apreciadores da literatura, mas diante de estudo para uma
intervenção pedagógica na escola, não foi possível privilegiar o direito de escolha do
aluno, como experiência subjetiva e afetiva, e nem buscar uma resposta para a
descoberta da tipologia textual, que responderia aos anseios escolares de melhor
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aproveitamento para atingir o objetivo de formação de leitores. Assim, optamos pelo
trabalho com os contos literários partilhando a leitura.
Ao longo do estudo percebemos que a introdução, a valorização e o ensino da
literatura concentram-se na escola e nenhuma técnica milagrosa adotada mantém o
encontro entre leitor e texto, o que pode haver são esforços para difundir a leitura e
estimular a leitura literária, conferindo um sentido educativo e auxiliando para o
afastamento do atraso cultural.
Planejamos um trabalho voltado para a primeira série do ensino médio em
contra-turno, pois na grade curricular temos apenas duas aulas semanais para o
trabalho com as aulas de língua portuguesa e literatura. No entanto, não houve
interesse, nem comparecimento. Optamos para realizar o trabalho com a segunda
série, dividindo as leituras, algumas em sala, durante a aula e outras em contra-
turno. Como não temos nenhuma sala livre durante o dia, nosso trabalho aconteceu
no laboratório de informática e na biblioteca. Assim, conseguimos avançar a nossa
intervenção.
É importante assinalar que, mesmo tendo um roteiro para orientar os
encontros, optamos por alterar a ordem para satisfazer necessidades diante do
espaço físico.Também para atender interesses dos alunos fizemos outras leituras de
contos dos autores Dalton Trevisan (Uma vela para Dario; Você me paga bandido; A
sopa) e de Lygia Fagundes Telles (Natal na barca; A disciplina do amor).
Quanto aos procedimentos metodológicos, por se tratar de contos literários de
diferentes temas, cada encontro teve um propósito, uma discussão, uma observação
da estética e da linguagem empregada, dando consciência aos leitores dos
elementos narrativos e das amarras do enredo marcas linguísticas e recursos.
A cada encontro houve debate sobre a abordagem explorada no conto,
contrapondo a opinião do aluno, comparando a ficção com a realidade e as
experiências de leitura. Foram realizadas algumas produções escritas a partir dos
contos lidos e avaliamos como muito boas ou excelentes. A comprovação da
capacidade de criação literária dos alunos com a transposição do conto No retiro da
figueira para a literatura de cordel foi fantástica. Enfim, houve em todos os encontros
satisfação, interesse e, principalmente, envolvimento do aluno no processo de
leituras, mais vontade de ler e falar de suas leituras.
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O mesmo não aconteceu com a comunidade escolar, ela permaneceu alheia ao
projeto. Tínhamos e temos a impressão de que nosso projeto e nossa intervenção
foram muito importantes para a literatura e para os alunos (temos visto os alunos
lendo mais, com os livros em mãos e procurando-os a biblioteca). Pela participação,
quando partilhamos o nosso projeto em nossa escola e como tutores do grupo de
trabalho em rede (GTR), sentimos o entusiasmo e a paixão dos educadores
2.5 Contos na sala de aula por um letramento literário
Leitura literária é fundamental. Para Mariza Lajolo (2001,p.39), é à literatura
como linguagem que se “confiam os diferentes imaginários, as diferentes
sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade
expressa e discute simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias.”
Todo cidadão para exercer sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária,
alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá
escrever um livro: mas porque precisa ler muitos.
Certamente o leitor precisa da literatura para compartilhar e entender a vida. A
prática da leitura do texto literário nas aulas procura ensinar esse processo, estudar
os mecanismos de construção do texto e incentivar essa busca para além dela. A
leitura da literatura é o reconhecimento da arte da palavra, é a certeza do papel
humanizador, tão importante no momento em que o humano parece não interessar.
Por isso, ela é tão significativa para alimentar nossa mente, nossa memória e nossa
cultura
Nossa experiência com a leitura de contos brasileiros permitiu o encontro do
leitor e autor, trocas de idéias e de visões de mundo. Foi possível observar
diferentes interpretações e maneiras de pensar. Conscientemente ou não, foram
impostos pensamentos e sentimentos do autor e nossos, e o aprendiz- leitor
respondeu com envolvimento ou distanciamento a esta postura, confirmando Maria
Helena Martins (1990, p.14): "As possibilidades de leitura (...), antes de ser cada vez
menores, ao contrário, multiplicam-se principalmente porque nosso diálogo com o
objeto lido se nutre de inúmeras experiências de leitura anteriores".
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Cada conto escolhido foi portador de múltiplas leituras e durante a leitura, ao
contrapor o ato de ler do leitor e a leitura do autor, novos posicionamentos foram
inseridos. Influenciados pela situação e intenções, buscou-se através desses contos
despertar nos leitores uma leitura compreensiva do momento histórico, do contexto
social, cultural. A partir do conteúdo temático e situações exploradas a leitura
provocou algumas reações dos alunos leitores, os quais expressaram sentimentos
de indignação, tristeza, desejos. Por isso, além do nível racional de leitura, o estudo
comprovou essa busca de sentidos e significados pelo leitor e no processo de
"leitura correta e possível" constatou-se diálogo, indagação e diferentes formas de
compreensão.
Nada é gratuito em um texto, tudo tem sentido, é fruto de uma intenção
consciente ou não, e a percepção de indícios intratextuais, as pistas que levam à
compreensão da obra em seu todo só pode ser aprendida com experiências, em que
o implícito vai se tornando transparente, claro e, por isso, a leitura de um texto
amplia a leitura de mundo, esclarece e possibilita amadurecer níveis de leitura do
leitor, abre um leque de opções, é instrumento que constrói o conhecimento, e
possibilita ampliar a própria inferência na realidade social.
Na forma oral, a literatura popular, por vezes, inseriu os primeiros contatos do
leitor e literatura. Relatos comprovaram que a maioria de nossos alunos por meio da
contação de histórias tradicionais: contos de fadas, cantigas e causos, tiveram
contato com a leitura da literatura. Para alguns, a literatura escrita principiou nos
livros infantis, nas adaptações das obras para o cinema. Na escola, a literatura
ganha maior espaço e privilégio, pois é presença constante nos livros e nos suportes
eletrônicos e virtuais das obras literárias.
O que se passa dentro de um livro quando ele está fechado desconhecemos,
aberto traz a vida que fará parte da vida do leitor, uma história completa de pessoas
desconhecidas, vivendo toda a espécie de aventuras, feitos e combates e muitas
vezes tristezas e angústias. Enfrentar tempestades no mar, visitar países e cidades
exóticas, esquecer-se da fome ou do frio, chorar, ficar feliz, triste ou com raiva
porque a história chegou ao fim e adeus aos personagens admirados, amados. Esse
sentimento de aventura parece acompanhar a leitura e forçar a participação
coadjuvante do leitor literário. Foi o que pudemos observar na experiência de leitura
dos contos.
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Como os contos são formas narrativas pouco extensas, publicados em
antologias organizadas, de critério específico ou em livro contendo vários contos de
um mesmo autor, pareceu-nos natural a vontade de ler mais e conhecer outros
contos. Nossa experiência aconteceu a partir da escolha de cinco contos de autores
brasileiros. Do mestre Machado de Assis, escolhemos Pai contra mãe; de Moacyr
Scliar, o conto No retiro da figueira; de Dalton Trevisan, lemos Clínica de repouso;
de Lygia Fagundes Telles vivenciamos Venha ver o pôr-do-sol; e de João Anzanello
Carrascozza o conto Meu amigo João. Das leituras, dessa composição tradicional de
narrativa, com enredos envolvendo diferentes conflitos, as tramas passionais,
culminando em desfecho surpreendente e que provoca impacto no leitor,
demonstraram agradar muito.
A leitura do conto Venha ver o pôr-do-sol, de Lygia Fagundes Telles, foi objeto
de desejo a partir do convite inferido a partir do título. Aceitaria assistir ao pôr-do-sol
e quem o acompanharia? .A percepção da condição humana, a desigualdade social
e de gênero exploradas na narrativa permitiram seguir todos os passos da
personagem Raquel, suas atitudes, suas reações. Assim, a leitura pausada, com
intervalos para interações, buscando identificar o provável prosseguimento da
narrativa, trouxe o envolvimento do leitor à história. Havia encantamento e suspense
a cada passo e a via-crúcis da personagem Raquel, mansa ovelha que se
encaminhava para o sacrifício, enquanto Ricardo, coração de leão, dominava seu
instinto vingativo com a hipocrisia própria do ter e do poder. Uma releitura dos
indícios e pistas deixados pelo narrador, quanto ao desfecho da história, analisando
o enredo, a sequência e o encadeamento dos fatos na narrativa, a observação das
ações, pensamentos, reações, estado de espírito tenso, agressividade e
autocontrole de Ricardo, a atenção ao espaço e sua função fornecendo índices que
vão carregando o enredo de sugestão de violência e destruição. Toda essa leitura
minuciosa trouxe pontos positivos que demonstraram como o ato de ler pode ampliar
e fortalecer o conhecimento. Foi pelo envolvimento e enriquecimento que alguns
alunos recriaram, filmando uma versão, contextualizando o ambiente da história.
Houve também interesse por outras histórias da autora e procura pela leitura de
contos disponíveis na biblioteca e na internet.
A leitura do conto literário pode ser testada, aprovada pela interpretação,
momento interior, introspectivo, em que o processo de decifrar o texto com a
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construção de sentidos é aferido, pois o ato de ler precisa afetar o leitor. Assim, após
a leitura do conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, pôde ser observado que a
análise se voltou para a reflexão sobre o comportamento das personagens
humanas, dotadas de defeitos morais e a análise psicológica determinante de
condutas na sociedade capitalista. Permitir ao aluno transportar-se para aquele
momento histórico, partilhar de uma sociedade escravocrata e violenta, oportunizou
debater a sociedade na atualidade com temas acerca da ambição, da crise
financeira, da gravidez indesejada, contrapondo visões de saídas para os problemas
financeiros, sociais. Entender espaços da Roda dos enjeitados, da casa de
empréstimo, da desumana condição dos escravos no Brasil antigo corresponde à
luta pela sobrevivência e pela vida, como ainda na atualidade, a miséria de todos
nós. Para o aprendiz-leitor, essa história permitiu a vivência não com fato histórico
contado e explorado pela disciplina de História, mas intensamente vivido. Conviver
com os personagens no conto parece tornar vivo um drama, uma inumana história.
Dalton Trevisan nos presenteou possibilitando a leitura da cena comum de
história de relações familiares conturbadas pela falta de amor, de humanidade, de
diálogo. Retratando a vida em família e em espaços próprios da cidade, foi capaz de
afetar o aluno leitor que repensou, questionou e se chocou com valores.
Acompanhando personagens, transitando no vai e vem cotidiano, na pequenez da
vida sem expectativas, passando longe dos sonhos e do ato de viver compreendeu a
miséria moral mascarada. Em nossa cultura, os filhos obedecem, recebem
conselhos, amparam os pais na velhice e têm como princípio a união familiar, o
contrário é amoral, mas nem isso deixa de existir e nem sempre é discutido, porque
é mascarado na hipocrisia dentro do ambiente doméstico. E as pedras no caminho,
como a sociedade se liberta delas? Será que o aluno que acompanhou a luta para
afastar a solidão, o abandono, a invisibilidade, quando precisamos ser vistos e
amados, repousou ou acordou com o conto Clínica de repouso? Refletir durante e
após a leitura permite multiplicar a leitura, me disse uma aluna.
Há pessoas que vivem rodeadas de muitos amigos, conquistam novos amigos,
amigas no mundo real ou virtual, formam comunidades e acreditam que afastaram a
solidão para sempre. Mas nessa crença ilusória está o perigo eminente, quem são
amigos e para que ter amigos, principalmente porque adolescentes precisam se
envolver em afetuosos sentimentos. Pensamos que a leitura do conto Meu amigo
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João, foi poderosa arma contra a alienação juvenil, contra a ingenuidade, contra a
ambição e a vulnerabilidade frente ao poder e ao dinheiro. Nas palavras do autor, “o
território da leitura é assim: podemos adentrá-lo pelas escadas douradas, portais de
pedras preciosas, portas humildes e até pelo buraco da fechadura. O importante é
entrar. E devemos ser gratos, sempre, pela dádiva que é ler, não apenas livros, mas,
sobretudo, as pessoas”. Ao que observamos, o leitor é o próprio narrador, é a vítima
da falsidade, da hipocrisia, da deslealdade do amigo João. Nossa cultura dentro do
sistema capitalista, não questiona, tudo leva ou faz acreditar que a felicidade está na
aquisição de bens materiais. Dinheiro parece nos permitir realizar desejos, mas nem
tudo está à venda, o valor de uma amizade só pode ser avaliada por quem é capaz
de ser amigo incondicional. Lendo o conto, vai surgindo a leitura das entrelinhas da
amizade em nossos tempos, vamos descobrindo como nossas amizades podem ser
perigosas, falsas e interesseiras.
Um acontecimento corriqueiro, porém extraordinário, um final instigante que
surpreende seu leitor. No retiro da figueira faz o mundo ficcional aproximar-se do
real. Na linguagem enxuta, quase objetiva, o conto parece virar um “causo” e a
literatura envolve os alunos leitores para viver a emoção e o encantamento.
Temendo a violência, morar em um condomínio fechado pode ser saída para muitas
pessoas, com poder aquisitivo, que acreditam na segurança privada. Buscando paz,
distanciam-se da marginalidade aparente, mas se surpreendem, ficam
impressionados, quando são enganados pelas aparências. A população, além de
tentar escapar da violência, dos assaltos, sequestros, ainda se sente fragilizada pela
falta de confiança do brasileiro em algumas categorias profissionais, no caso os
seguranças, disfarçados em organizadíssimos esquemas de roubos. A audácia dos
marginais está contraposta à ingenuidade da sociedade e ao aluno leitor oportuniza
ler o mundo real com as lentes limpas, inspirado em fatos acontecidos que viraram
notícia de jornal e se transpuseram para a literatura, apenas pelo narrável. Por isso,
o tema, personagens e ambiente da história deram inspiração aos leitores e estes
parafrasearam, reescrevendo em versos, assim transformando o conto em um
poema semelhante à literatura de cordel. Foi fabuloso ver o resultado da produção.
As leituras não terminaram com os contos escolhidos, houve muitas leituras de
outros contos e muita conversa sobre leitura, muito interesse pelos livros.
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3 Conclusões
Percebemos que ler tem conotações pessoais, lúdicas e até afetivas, por isso
dar a oportunidade do leitor conviver com o livro pode ser o início do contato físico e
afetivo, pois o trato de manusear, olhar direcionado e preso ao objeto livro parece
mágico. De onde se conclui, precisamos trazer e fazer mais leituras em sala de aula,
pois toda leitura efetiva aprendizagem, toda leitura gera outras leituras e encaminha
para o letramento literário.
Confirmamos que ler literatura é importante para ampliar e enriquecer a visão
da realidade de modo específico, aguçar a sensibilidade e a imaginação, estimular
prazer e desprazer. A capacidade de historiar o imaginário humano é mais que um
conhecimento, é a incorporação do autor no leitor sem renúncia da própria
identidade, transformando a materialidade em palavras de cores, odores, sabores e
formas intensamente humanas. Por isso a literatura tem e precisa manter um lugar
especial nas escolas, a biblioteca merece ter destaque no âmbito escolar, precisa de
pessoas preparadas para tornar viva a literatura e projetos de incentivo à leitura.
Nosso trabalho com leitura pautou-se na concepção sociointeracionista da
linguagem, nas teorias da Recepção (Jauss) e do Efeito (Iser). Nesse envolvimento,
o leitor teve observadas suas reações e diálogos com os contos. No momento da
leitura, pareceu-nos que houve efetivamente o ensino e a aprendizagem. As
intervenções acerca dos conteúdos de cada conto comprovam que o leitor saiu de si
mesmo e buscou novos eus em significativas leituras de um outro. Cremos que há
leitura quando há identificação, pois ler não é isolamento, não é um ato solitário,
monológico, e sim um processo interativo que transcende o mundo real do leitor e
autor e emerge no mundo imaginário, plural, criado pelo leitor na contraposição.
Toda leitura é ampliada pela pedagogia do diálogo, do desejo de saber mais, viver
mais sensações, emoções, racionalizações. Portanto nas salas de aulas e no
trabalho do professor depende o caminho para as leituras satisfatórias.
Assegurando a leitura da literatura, seja em sala de aula ou bibliotecas ocorre o
despertar do leitor, partilha de intervenções mediadoras, de destecer do texto
literário, possibilidade de escolhas interpretativas, diálogos com a literatura e partilha
da transgressão literária que afeta a sensibilidade. O resultado desse ato de troca
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entre autor-texto-leitor são sensações diversas que dependem da leitura, fenômeno
que respalda o ensino da literatura, assimilações acerca de visões de mundo, da
compreensão de discursos de si e do outro, ou do próprio despertar do leitor diante
de encantamentos, desafios, mistérios, presentes no texto literário.
Na prática da leitura literária, estão alicerces que sustentam o crescimento
pessoal, psicológico, relacional, cultural e contribuem para o conhecimento de nós
mesmos e do universo do qual fazemos parte. Continuamos procurando saber mais
sobre os fatores envolvidos na leitura eficiente, os interesses e preferências dos
alunos leitores. Pouco ou quase nada se sabe sobre a problemática da leitura nos
três níveis educacionais e muito menos sobre seus efeitos e procedimentos de
ensino. E na escola, com o comodismo do professor, com a apatia do aluno e a
indiferença da comunidade, a formação do leitor caminha em lentos passos. Por
isso, o interesse contínuo pela leitura e literatura tanto em relação à educação
quanto ao entretenimento, dependem da interação com o meio social onde se vive.
Nas condições escolares concretas, o maior envolvimento do professor e aluno
com a obra literária oportuniza a todos a fruição do texto literário e o deleite pela
arte, caminho para conquistar leitores. Buscar estratégias de sedução, interação,
motivação e respeito à individualidade é sinalizar para um ensino mais produtivo da
leitura da literatura e para uma aproximação permanente entre leitor e livro, pois o
aprimoramento do leitor ocorre na trajetória acadêmica e continua pela vida toda.
A leitura é tão importante para todos nós e a leitura da literatura é essencial,
praticá-la na escola é o modo de contribuir para a inserção da leitura literária no
universo de cada pessoa. No âmbito escolar, dialogar com contos brasileiros traz a
possibilidade para o aluno fazer combinações entre o universo e a palavra, criar
sentido para o texto e para sua história individual Afinal, nas bibliotecas, espera pelo
leitor o livro em silêncio, esse conjunto de símbolos mortos contendo palavras
potentes que saltam para a vida e tudo formam e transformam. Bibliotecas, faróis,
casas de leitura ou livrarias acolhem livros e leitores para o encontro de gente lendo
e aprendendo a ser mais gente. Mas ao que tudo indica, se a escola e,
principalmente, se a sala de aula não oportunizar esse encontro, continuaremos a
presenciar o distanciamento entre leitor, leitura, autor, livro.
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