PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E AQUISIÇÃO DA ESCRITA: UMESTUDO LONGITUDINAL
Gabriela Castro Menezes de Freitas
Prof. Dr. Regina Ritter Lamprecht
Orientador
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em
Letras, na área de concentração de Lingüística Aplicada
Data da defesa: 08/01/2004
Instituição depositária:
Biblioteca Central Irmão José Otão
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, janeiro de 2004.
2
AGRADECIMENTOS
à Profa Dr. Regina Ritter Lamprecht, ou melhor, à Regina, por ter sido mais
do que uma orientadora durante todos os anos em que convivemos;
ao Curso de Pós-Graduação em Letras, na pessoa da Profa Dr. Regina
Zilberman, pelas possibilidades de crescimento acadêmico;
ao CNPq, pela concessão da bolsa de pesquisa que possibilitou a
realização deste trabalho;
às secretárias do Pós-Graduação em Letras, em especial à Cláudia e à
Mara, pela constante disponibilidade;
ao Professor Nivaldo Almeida Fonseca, pela assessoria estatística
prestada para a elaboração desta tese;
ao Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, por ter aberto as portas para
a realização desta pesquisa;
ao grupo de pesquisa que elaborou o CONFIAS, pelas importantes
discussões sobre consciência fonológica;
à colega Deisi Vidor, pelas horas e horas ouvindo atentamente as
gravações das crianças;
às colegas do CEAAL, em especial à Carol, Coca e Maity, por tantos
momentos agradáveis e divertidos, tantas alegrias e tantas angústias que
dividimos;
aos familiares e aos verdadeiros amigos que torceram por este trabalho;
ao meu marido, Diogo, por estar ao meu lado em todos os momentos e
compartilhar todos os sonhos, contribuindo para que eles se concretizem;
aos meus pais, Graça e Roberto, por todos os ensinamentos sobre a vida.
3
DÚVIDA
Mandaram a pequenita escrever, no teste escolar, um nome
de menino (que não fosse Lalau), um nome de menina (que
não fosse Lili), e ainda nomes de fruta, planta e doce. Quando
chegou a vez do nome de um animal, a menina escreveu:
LIOA. Depois, achou que estava errado, apagou o “i”
substituindo-o pelo “e”: LEOA. Mas ocorreu em seguida a
dúvida cruel. Então a menina se encheu de coragem, apagou
tudo e escreveu: GATO.
(Ribeiro, Antônio Carlos. Conversa à beirado tempo. Porto Alegre: Sulina, 1967.)
4
RESUMO
ÁREA:LINGÜÍSTICA APLICADA
Nível:Tese de Doutorado
Esta pesquisa tem como objetivo identificar a relação entre consciência
fonológica e aquisição da escrita em crianças falantes de português brasileiro. A
consciência fonológica é a capacidade do ser humano de refletir sobre e
manipular os sons, encarada neste estudo como um facilitador para a aquisição
da escrita.
Para a realização desta pesquisa, 33 sujeitos foram testados através do
instrumento “Teste Metafonológico Seqüencial – TMS”, e tiveram dados de escrita
coletados e classificados segundo as hipóteses propostas por Ferreiro e
Teberosky (1991). Treze sujeitos foram acompanhados longitudinalmente durante
dois anos (desde o início do Jardim B até o final da 1a série), testados seis vezes
ao longo da pesquisa. Ainda foram observados dois grupos transversais (10
crianças no Jardim A e 10 crianças na 2a série), permitindo a comparação do
desempenho em consciência fonológica de crianças antes, durante e após o
ensino sistemático da escrita. Os dados deste trabalho receberam tratamento
estatístico e foram exaustivamente descritos e analisados, considerando-se
aspectos quantitativos e qualitativos que levaram às conclusões da pesquisa.
Ao final deste estudo conclui-se que há uma importante relação entre
consciência fonológica e aquisição da escrita, que se influenciam de forma
recíproca (Morais, Mousky e Kolinsky, 1998). Constata-se que há diferentes níveis
e habilidades em consciência fonológica, que são aprimorados a partir da
exposição sistemática à escrita.
5
ABSTRACT
The present research aims at identifying the relationship between
phonological awareness and writing acquisition in Brazilian Portuguese speaking
children. Phonological awareness is the ability of human beings to reflect upon
and manipulate sounds, and in this study it is regarded as a facilitator for the
acquisition of writing skills.
For this research, 33 subjects were tested using the “Teste Metafonológico
Seqüencial - TMS” (Sequential Metaphonological Test). Samples of their writing
were collected and classified according to the writing hypotheses proposed by
Ferreiro and Teberosky (1991). Thirteen subjects were followed longitudinally
(from the beginning of Kindergarten B until the end of the 1st grade)and tested six
times during this period. Two cross-sectional groups were also observed (10
children in Kindergarten A and10 children in the 2nd grade), permitting a
comparison between the phonological awareness performance of children before,
during and after the systematic teaching of writing. The data in this study were
treated statistically and were thoroughly described and analyzed, considering
quantitative and qualitative aspects that led to the conclusions of the research.
At the end of this thesis, we conclude that there is an important relationship
between phonological awareness and the acquisition of writing, and that both have
a mutual influence on one another (Morais, Mousky and Kolinsky, 1998). It was
also found that there are different levels and abilities in phonological awareness
that are improved through systematic exposure to writing practice.
6
LISTA DE FIGURAS
Páginas
Figura 1 – Constituintes silábicos segundo Selkirk (1982) ................................ 9
Figura 2 – Quadro com exemplos de rima ........................................................ 9
Figura 3 – Esquema sobre os níveis de consciência fonológica ....................... 12
Figura 4 – Exemplos sobre os níveis de consciência fonológica ...................... 13
Figura 5 – Quadro sobre as tarefas de consciência fonológica, traduzidos de
Coimbra (1997) ................................................................................. 15
Figura 6 – Estrutura do Teste Metafonológico Seqüencial ............................... 38
Figura 7 – Palavras e frases utilizadas na coleta de dados da escrita ............. 39
Figura 8 – Crescimento em consciência fonológica (L1) .................................. 46
Figura 9 – Crescimento em consciência fonológica (L2) .................................. 48
Figura 10 – Crescimento em consciência fonológica (L3) ................................. 50
Figura 11 – Crescimento em consciência fonológica (L4) ................................. 52
Figura 12 – Crescimento em consciência fonológica (L5) ................................ 54
Figura 13 – Crescimento em consciência fonológica (L6) ................................ 55
Figura 14 – Crescimento em consciência fonológica (L7) ................................ 57
Figura 15 – Crescimento em consciência fonológica (L8) ................................ 59
Figura 16 – Crescimento em consciência fonológica (L9) ................................ 61
Figura 17 – Crescimento em consciência fonológica (L10) .............................. 63
Figura 18 – Crescimento em consciência fonológica (L11) .............................. 65
Figura 19 – Crescimento em consciência fonológica (L12) .............................. 67
Figura 20 – Crescimento em consciência fonológica (L13) .............................. 68
Figura 21 – Erros fonológicos observados em escrita alfabética ...................... 87
Figura 22 – Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” no TMS ............ 94
Figura 23 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ..................... 96
Figura 24 – Comparação entre rimas e aliterações .......................................... 96
Figura 25 – Comparação entre as tarefas do TMS ........................................... 97
7
Figura 26 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” no TMS ........... 98
Figura 27 - Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ....................... 100
Figura 28 – Comparação entre rimas e aliterações ........................................... 100
Figura 29 – Comparação entre as tarefas do TMS ........................................... 101
Figura 30 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” .............................. 103
Figura 31 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ...................... 105
Figura 32 – Comparação entre rimas e aliterações ........................................... 105
Figura 33 – Comparação entre as tarefas do TMS ........................................... 106
Figura 34 – Comparação do desempenho dos grupos “Antes, Durante e Após
a Alfabetização” ................................................................ .............. 107
Figura 35 – Comparação das dificuldades das tarefas ..................................... 111
8
LISTA DE TABELAS
PáginasTabela 1 – Desempenho de L1 no TMS ............................................................ 45Tabela 2 – Desempenho de L1 nos níveis do teste .......................................... 46Tabela 3 – Desempenho de L2 no TMS ........................................................... 47Tabela 4 – Desempenho de L2 nos níveis do teste .......................................... 48Tabela 5 – Desempenho de L3 no TMS ........................................................... 49Tabela 6 – Desempenho de L3 nos níveis do teste ......................................... 50Tabela 7 – Desempenho de L4 no TMS ........................................................... 51Tabela 8 – Desempenho de L4 nos níveis do teste .......................................... 52Tabela 9 – Desempenho de L5 no TMS ........................................................... 53Tabela 10 – Desempenho de L5 nos níveis do teste ........................................ 54Tabela 11 – Desempenho de L6 no TMS ......................................................... 55Tabela 12 – Desempenho de L6 nos níveis do teste ........................................ 56Tabela 13 – Desempenho de L7 no TMS .......................................................... 56Tabela 14 – Desempenho de L7 nos níveis do teste ........................................ 58Tabela 15 – Desempenho de L8 no TMS ......................................................... 58Tabela 16 – Desempenho de L8 nos níveis do teste ........................................ 60Tabela 17 – Desempenho de L9 no TMS ......................................................... 60Tabela 18 – Desempenho de L9 nos níveis do teste ........................................ 61Tabela 19 – Desempenho de L10 no TMS ....................................................... 62Tabela 20 – Desempenho de L10 nos níveis do teste ..................................... 63Tabela 21 – Desempenho de L11 no TMS ....................................................... 64Tabela 22 – Desempenho de L11 nos níveis do teste ..................................... 65Tabela 23 – Desempenho de L12 no TMS ....................................................... 66Tabela 24 – Desempenho de L12 nos níveis do teste ...................................... 67Tabela 25 – Desempenho de L13 no TMS ........................................................ 68
9
Tabela 26 – Desempenho de L13 nos níveis do teste ...................................... 69Tabela 27 – Dados estatísticos dos sujeitos longitudinais ................................ 70Tabela 28 – Relação entre a taxa de crescimento em consciência fonológica e as hipóteses de escrita ..............................................................
71Tabela 29 – Desempenho inicial e taxa de crescimento em consciência fonológica .....................................................................................
73Tabela 30 – Correlação entre consciência fonológica e hipóteses de escrita ... 75Tabela 31 – Descrição estatística dos dados do Grupo Longitudinal ................ 76Tabela 32 – Número de ocorrência dos erros fonológicos ................................ 88Tabela 33 – Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” no TMS e na escrita ............................................................................................
93
Tabela 34 - Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” nas tarefas do TMS ................................................................................................
94Tabela 35 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” no TMS ........... 98Tabela 36 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” nas tarefas do TMS ...............................................................................................
99Tabela 37 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” no TMS ............... 102Tabela 38 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” nas tarefas do TMS ...............................................................................................
104Tabela 39 – Comparação do desempenho em consciência fonológica dos grupos “Antes, Durante a Após a Alfabetização” ...........................
106Tabela 40 – Comparação do desempenho referente à consciência silábica e
fonêmica ........................................................................................109
Tabela 41 – Comparação do desempenho em tarefas de rimas e aliterações 109
10
SUMÁRIO
Páginas
AGRADECIMENTOS .....................................................................................
RESUMO ........................................................................................................
ABSTRACT ....................................................................................................
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................
LISTA DE TABELAS ......................................................................................
INTRODUÇÃO ...............................................................................................
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................
1.1 Consciência fonológica ........................................................................
1.1.1 Níveis de consciência fonológica ........................................................
1.1.1.1 Nível das sílabas .............................................................................
1.1.1.2 Nível das unidades intra-silábicas .................................................
1.1.1.3 Nível dos fonemas (consciência fonêmica) ...................................
1.1.2 Tarefas de consciência fonológica ......................................................
1.2 Aquisição da escrita .............................................................................
1.2.1 A psicogênese da aquisição da escrita ................................................
1.2.2 Aquisição da fala e aquisição da escrita ..............................................
1.3 Relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita .........
1.3.1 Estudos realizados no Brasil ...............................................................
II
IV
V
VI
VIII
1
5
5
6
7
8
11
14
17
19
22
24
30
11
2 METODOLOGIA .................................................................................. ...
2.1 Tipo de pesquisa ...................................................................................
2.2 Amostra .................................................................................................
2.3 Coleta de dados ....................................................................................
2.4 Instrumentos .........................................................................................
2.4.1 Teste Metafonológico Seqüencial .........................................................
2.4.2 Instrumento para a coleta da escrita ....................................................
2.5 Tratamento estatístico dos dados ......................................................
2.5.1 Consciência fonológica ......................................................................
2.5.2 Escrita ................................................................................................
3 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DO
GRUPO LONGITUDINAL ........................................................................
3.1 Descrição e análise dos dados individuais .........................................
3. 2 Comparação do desempenho dos sujeitos .........................................
3.3Relação entre o crescimento em consciência fonológica e aevolução das hipóteses de escrita.........................................................
3.4 Correlação entre o desempenho inicial e a taxa de crescimento em consciência fonológica ........................................................................
3.5 Correlação entre consciência fonológica e hipóteses de escrita .......
3.6 Comparação dos desempenhos do Grupo Longitudinal ....................
3.7 Manifestações dos sujeitos durante a aplicação do teste .................
3.8 Análise da escrita ...................................................................................
4 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS
GRUPOS TRANSVERSAIS .......................................................................
4.1Grupo “Antes da Alfabetização”............................................................
4.1.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ..............................
4.1.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS ............................
4.2Grupo “Durante a Alfabetização”..........................................................
4.2.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ..............................
4.2.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS .............................
4.3Grupo “Após a Alfabetização”...............................................................
4.3.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ...............................
4.3.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS ..............................
34
34
34
36
37
37
38
40
40
42
44
44
69
71
73
74
76
77
85
92
92
93
94
97
98
99
101
101
104
12
4.4Comparação entre os grupos “Antes, Durante e Após aalfabetização” ..........................................................................................
5 RETOMADA DOS RESULTADOS ............................................................
5.1Comprovação das hipóteses a partir dos dados individuais .............
5.2Resultados gerais da pesquisa .............................................................
CONCLUSÃO .................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
ANEXO 1: Teste Metafonológico Seqüencial ..................................................
106
112
113
115
119
122
129
13
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa investiga a relação entre consciência fonológica e aquisição
da escrita através de um acompanhamento longitudinal de crianças antes,
durante e após o ensino sistemático da escrita. A consciência fonológica é
encarada neste estudo como um facilitador (F. Yavas, 1989; Haase, 1990) para
essa aquisição, acreditando-se que habilidades metafonológicas e aquisição da
escrita influenciam-se de forma recíproca (Gathercole e Baddeley, 1993; Morais,
Mousky e Kolinsky, 1998).
Estudos sobre consciência fonológica têm sido desenvolvidos nas últimas
três décadas; no entanto, a grande maioria deles investiga a relação entre a
consciência fonológica e o aprendizado da leitura, não sendo de grande número
aqueles que pretendem investigar o desenvolvimento da escrita. Além disso,
grande parte dessas pesquisas são realizadas com falantes de língua inglesa,
existindo poucos trabalhos que investiguem a consciência fonológica em falantes
de português. Dessa forma, salienta-se a originalidade da presente pesquisa, que
desenvolve uma investigação sobre a escrita, contribuindo com novos dados
sobre a consciência fonológica em crianças falantes de português brasileiro.
Deve-se ainda ressaltar como original o fato de este trabalho apresentar
um acompanhamento longitudinal, que não é encontrado em estudos sobre
consciência fonológica e aquisição da escrita realizados no Brasil. Pode-se citar
unicamente a pesquisa de Costa (2002), que apresenta um caráter longitudinal,
uma vez que examina os dados de crianças em dois momentos separados por um
ano, fato que não possibilita a observação mais detalhada do desenvolvimento
das capacidades das crianças.
14
Resultados de pesquisas sobre a relação entre consciência fonológica e
aquisição da escrita diferem quanto à direção dessa relação:1) consciência
fonológica precede a aquisição da escrita; 2) consciência fonológica segue a
aquisição da escrita; 3) consciência fonológica desenvolve-se concomitante à
aquisição da escrita.
Para que se observe a verdadeira relação existente entre consciência
fonológica e aquisição da escrita, é necessário que sejam realizados mais
estudos sobre o assunto, principalmente estudos longitudinais, que permitam a
observação do desenvolvimento das habilidades metafonológicas em comparação
ao desenvolvimento da aquisição da escrita. Dessa forma, justifica-se a
importância da realização de um estudo que observe longitudinalmente o
comportamento de indivíduos em tarefas metafonológicas desde o período pré-
até o pós-alfabetização. Através desta pesquisa será possível observar o
desenvolvimento da consciência fonológica por crianças antes, durante e após o
ensino sistemático da escrita, bem como o processo de aquisição do código
escrito.
Neste momento é necessário esclarecer que esta pesquisa não pretende
discutir termos para determinar o processo de aquisição do código escrito, tais
como “aquisição”, “aprendizagem”, “desenvolvimento”, “alfabetização”,
“letramento”. Dessa forma, optou-se por utilizar o termo “aquisição da escrita”,
amplamente adotado em pesquisas lingüísticas que investigam o assunto. Em
alguns momentos será utilizado o termo “alfabetização”, entendido neste estudo
como o ensino sistemático do código escrito, realizado em ambiente escolar,
normalmente na primeira série do ensino básico.
São sujeitos deste estudo 33 crianças de uma escola particular da cidade
de Porto Alegre. Treze crianças foram acompanhadas longitudinalmente durante
dois anos, e vinte fazem parte de dois grupos transversais, possibilitando a
observação das habilidades metafonológicas em crianças antes, durante e após a
aquisição da escrita.
Para verificar o desempenho dos sujeitos em consciência fonológica, foi
utilizado o Teste Metafonológico Seqüencial (TMS), elaborado por um grupo de
pesquisadoras do qual a autora deste trabalho faz parte. Os dados da escrita das
crianças foram observados com base na proposta de Ferreiro e Teberosky (1991),
que identifica as hipóteses de escrita trilhadas pelas crianças durante o processo
de aquisição. Dessa forma, pode-se observar se há uma relação entre a
15
consciência fonológica e o desenvolvimento da escrita, objetivo principal deste
estudo.
O objetivo geral desta pesquisa é observar a relação existente entre
consciência fonológica e aquisição da escrita, a partir do qual foram estabelecidos
os seguintes objetivos específicos:
- observar habilidades metafonológicas em crianças antes, durante e após o
ensino sistemático da escrita;
- investigar se as habilidades metafonológicas desenvolvem-se em uma escala;
- verificar se, ao longo de dois anos, há um crescimento no desempenho dos
sujeitos em responder a um teste metafonológico;
- analisar se há relação entre o nível de consciência fonológica das crianças e o
desempenho na escrita.
A partir desses objetivos são aventadas as seguintes hipóteses:
1) As crianças apresentam habilidades metafonológicas antes de
receberem o ensino sistemático da escrita.
2) As habilidades metafonológicas são aprimoradas ao longo do processo
de aquisição da escrita.
3) O nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de
escrita em que a criança se encontra.
4) As crianças apresentam maior facilidade em responder às tarefas
referentes ao nível da sílaba do que às do nível do fonema.
5) O desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é beneficiado
pela chegada à hipótese de escrita alfabética.
6) O ensino sistemático da escrita, realizado na 1a série, impulsiona o
aprimoramento das habilidades metafonológicas.
Os dados deste estudo receberam tratamento estatístico e foram
exaustivamente descritos e analisados, considerando-se aspectos quantitativos e
qualitativos que levaram às conclusões da pesquisa.
Estudos sobre aquisição da escrita e consciência fonológica podem servir
para averiguar a importância de trabalhar com o som em sala de aula, utilizar as
capacidades das crianças quanto à fala, auxiliá-las a pensar sobre o som das
palavras e a correspondência com a escrita. Pode-se sugerir a utilização do som
não como método, mas como apoio para a aquisição da escrita. Dessa forma, o
presente estudo pretende contribuir com subsídios para a investigação sobre a
16
aquisição da escrita, servindo para a instrumentalização de educadores e
pesquisadores da área.
No primeiro capítulo deste estudo será apresentada a fundamentação
teórica, que aborda consciência fonológica (1.1), níveis de consciência fonológica
(1.1.1), tarefas de consciência fonológica (1.1.2), aquisição da escrita (1.2), a
psicogênese da aquisição da escrita (1.2.1), aquisição da fala e aquisição da
escrita (1.2.2), relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita (1.3), e
estudos realizados no Brasil (1.3.1). No capítulo 2 está exposta a metodologia
utilizada na pesquisa, onde são descritos os instrumentos utilizados e os
procedimentos realizados para a análise quantitativa e qualitativa dos dados
coletados. Os capítulos 3 e 4 apresentam a descrição dos dados e a análise dos
resultados dos grupos longitudinal e transversais, seguidos da retomada dos
resultados, exposta no capítulo 5, e das conclusões da pesquisa.
17
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Consciência fonológica
A consciência fonológica ou metafonologia faz parte dos conhecimentos
metalingüísticos, os quais pertencem ao domínio da metacognição, ou seja, do
conhecimento de um sujeito sobre seus próprios processos e produtos cognitivos
(Signorini, 1998). Ela decorre, em essência, da capacidade do ser humano de
poder se debruçar sobre a linguagem de forma consciente (Scliar-Cabral, 2003),
permitindo a reflexão sobre os sons da fala e sua organização na formação das
palavras.
Segundo Morais (1989), a consciência fonológica é uma capacidade
metalingüística que se refere à representação consciente das propriedades
fonológicas e das unidades constituintes da fala. É a “consciência dos sons que
compõem as palavras que ouvimos e falamos” (Cardoso-Martins, 1991, p. 103).
Deve-se considerar a consciência fonológica como a habilidade para executar
operações mentais sobre a fala (Morais, 1990), permitindo o julgamento e a
manipulação da estrutura sonora das palavras. Crianças que desenvolvem a
consciência fonológica reconhecem que palavras podem rimar, começar ou
terminar com o mesmo som e são compostas por fonemas que podem ser
manipulados para criar novas palavras (Ericson e Juliebö, 1998). “A consciência
fonológica requer que a criança ignore o significado e preste atenção à estrutura
da palavra” (Gough, Larson e Yopp,1996, p.15).
Gough, Larson e Yopp (1996) apontam que a consciência fonológica é uma
constelação de habilidades, que são heterogêneas e cujos componentes têm
18
diferentes propriedades e desenvolvem-se em diferentes tempos. Ou seja, a
consciência fonológica não pode ser considerada como um construto unitário
(Roazzi e Dowker, 1989), mas deve ser vista como uma habilidade cognitiva que
envolve diferentes níveis lingüísticos (sílabas, unidades intra-silábicas, fonemas) e
pode ser testadas através de diferentes tarefas. Neste sentido, afirmam Moojen et
al. (2003) que
A consciência fonológica envolve o reconhecimento peloindivíduo de que as palavras são formadas por diferentes sonsque podem ser manipulados, abrangendo não só a capacidadede reflexão (constatar e comparar), mas também a de operaçãocom fonemas, sílabas, rimas e aliterações (contar, segmentar,unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor). (Moojen et al.,2003, p. 11).
É importante ressaltar que a consciência fonológica pode ser manifestada
em um nível implícito ou explícito. A manipulação jocosa de palavras e o jogo
espontâneo com os sons representam a consciência fonológica implícita, ao
passo que a análise consciente dos sons constituintes das palavras caracteriza a
consciência fonológica explícita (Roazzi e Dowker, 1989). A identificação de rimas
por crianças pequenas não alfabetizadas, por exemplo, pode indicar a existência
de uma consciência implícita, ou seja, de uma sensibilidade às similaridades
fonológicas. Por outro lado, julgamentos mais refinados, como o isolamento de
fonemas de uma palavra, exigem que a criança apresente um nível explícito de
consciência fonológica, manipulando conscientemente a estrutura sonora. Dessa
forma, não se pode pensar em consciência fonológica como algo que as crianças
têm ou não têm, mas como habilidades apresentadas em maior ou menor grau.
Como afirma Scliar-Cabral (2003), “o conhecimento metalingüístico não é um tipo
de conhecimento oposto à sua ausência” (p. 33). Esse conhecimento é observado
em diferentes níveis, que serão apresentados a seguir.
1.1.1 Níveis de consciência fonológica
Segundo Goswami e Bryant (1990), há diferentes níveis de consciência
fonológica porque há diferentes maneiras através das quais palavras e sílabas
podem ser divididas em unidades sonoras menores. Os autores explicitam três
19
níveis de consciência fonológica: nível das sílabas, nível das unidades intra-
silábicas e nível dos fonemas.
Atualmente, os pesquisadores que se dedicam à investigação da
consciência fonológica adotam essa noção de níveis, reconhecendo que a
consciência sobre os sons da fala é um contínuo (Signorini, 1998). Conforme
Byrne (1989), identificação de rima e identificação de fonema correspondem a
pontos diferentes de uma escala em consciência fonológica. Dessa forma, os
testes metafonológicos variam de acordo com as unidades sonoras em jogo:
sílabas, unidades intra-silábicas ou fonemas. A seguir serão explicitados cada um
desses níveis.
1.1.1.1 Nível das sílabas
O nível das sílabas compreende a capacidade de dividir as palavras em
sílabas. É o primeiro e talvez o mais óbvio caminho de segmentação sonora, que
traz pouca dificuldade à maioria das crianças. Antes do início do processo de
aquisição da escrita, muitas crianças apresentam a habilidade de dividir uma
palavra em suas sílabas oralmente, sendo um excelente indicativo de que
possuem algum nível de consciência fonológica (Goswami e Bryant, 1990;
Liberman et alii, 1974; Treiman e Zukowski, 1991; Hakes, 1980).
Abordando a questão da familiaridade da criança com a identificação
silábica, Magnusson (1990) propõe que
O fato de o acesso às sílabas ser mais fácil do que oacesso a unidades lingüísticas como os fonemas pode serexplicado pela existência de marcadores auditivos diretos, picosde energia acústica, correspondendo ao número de sílabas...(Magnusson, 1990, p. 132)
Como afirma Gombert (1992), a sílaba é a unidade natural de segmentação
da fala. Logo, ela é mais acessível do que as unidades intra-silábicas e os
fonemas. Tomando-se a explicação de Haase (1990), as sílabas são unidades
cuja extração intencional requer menos esforço analítico, uma vez que
correspondem grosseiramente aos gestos articulatórios, enquanto que a extração
intencional dos segmentos fonéticos e fonêmicos requer um alto grau de
analiticidade.
20
A sílaba está no topo da hierarquia no processamento fonológico (Cheung et
alii, 2001), sendo um universal fonológico que serve de base de sustentação
sobre a qual recaem as assinalações lingüísticas e prosódicas (acento, timbre,
tom), e que dá conta das restrições fonemática das línguas (Barrera, 1999). Essas
características fazem da sílaba uma unidade muito significativa, contribuindo para
a facilidade de sua identificação. Caso seja solicitado a uma criança que
segmente uma palavra, a segmentação será silábica, o que indica que a estrutura
silábica faz parte do conhecimento intuitivo que todo falante possui sobre sua
língua materna.
Observa-se, na infância, dois fatos que evidenciam que a criança põe em
funcionamento sua consciência e sua competência lingüística em termos
silábicos. O primeiro deles refere-se à aquisição da linguagem, que inicia por
sílabas (Ex.: ‘mamãe’ [‘ma]; [ma’ma]). Além disso, já desde o balbucio a
criança apresenta estruturas CV e VC. O segundo fato que ressalta a importância
da sílaba está relacionado à aquisição da escrita, quando a criança passa pela
hipótese silábica de escrita, realizando uma análise silábica e escrevendo uma
letra para cada sílaba de determinada palavra.
Estudos sobre consciência fonológica em falantes de português como, por
exemplo, os trabalhos de Capovilla e Capovilla (1997) e Menezes (1999), têm
demonstrado que as crianças apresentam desempenho superior em tarefas de
manipulação silábica. As tarefas de identificação, síntese e segmentação silábica
não trazem dificuldades para as crianças testadas nessas pesquisas, o que
confirma a facilidade de tarefas que envolvem as unidades silábicas.
1.1.1.2 Nível das unidades intra-silábicas
As palavras podem ser divididas em unidades que são maiores que um
fonema individual, mas menores que uma sílaba, ou seja, as unidades intra-
silábicas Ataque e Rima. Essas denominações são utilizadas na Teoria Métrica
(Selkirk, 1982) para identificar os constituintes silábicos. A sílaba divide-se em
Ataque e Rima; a Rima consiste em um Núcleo e uma Coda. O Núcleo da sílaba
é constituído por uma vogal, sendo obrigatório. O Ataque é formado por uma
consoante ou um grupo de consoantes iniciais, enquanto que a Coda compreende
21
a(s) consoante(s) que ocorre(m) após o Núcleo. A estrutura da sílaba pode ser
observada na figura a seguir.
(Ataque) Rima
Núcleo (Coda)
(C) V (C)
/ v o z /
Figura 1 – Constituintes silábicos segundo Selkirk (1982)
As palavras que apresentam a mesma Rima1 da sílaba são palavras que
rimam (sabão – fogão) e as palavras que apresentam o mesmo Ataque
configuram aliterações (macaco – menino). Logo, a consciência de rimas e
aliterações envolve a consciência de elementos intra-silábicos. Através da
capacidade de identificar os sons finais e iniciais são identificadas rimas (saber -
poder) e aliterações (prato – preto).
A rima da palavra é definida como a igualdade entre os sons das palavras
desde a vogal ou ditongo tônico até o último fonema (boneca – caneca). Ela pode
englobar não só a Rima da sílaba (café – boné), como também uma sílaba inteira
(salão – balão) ou mais que uma sílaba (chocolate – abacate / janela - panela).
Em palavras oxítonas, a Rima é um elemento intra-silábico, reconhecido através
da distinção Ataque – Rima (mão – pão). O quadro a seguir apresenta alguns
exemplos.
Rima da sílaba
R R
c a f é b o n é
Rima da palavra
A A R A R A R R R R
b a l ã o s a l ã o c h o c o l a t e a b a c a t e
FIGURA 2 – Quadro com exemplos de rima.
1 Neste trabalho, usa-se Rima (com letra maiúscula) para fazer referência à rima da sílaba (Ex.: café – boné).A palavra rima, quando grafada com letras minúsculas, indica a rima da palavra (Ex.: cachorro – socorro).
22
Segundo Goswami e Bryant (1990), a rima da palavra parece ser parte
natural e espontânea do desenvolvimento lingüístico. Ela é um nível de
conhecimento fonológico elementar (Rueda, 1995), que faz parte da vida das
crianças desde cedo, estando presentes em músicas, brincadeiras e livros
infantis. Estudos realizados com crianças pequenas têm demonstrado que elas
reconhecem rimas e aliterações antes de ingressarem na escola. Treiman e
Zukowski (1996) observaram que crianças falantes de inglês, com idades entre 3
e 4 anos, são capazes de produzir rimas. Duncan, Seymour e Hill (1997) afirmam,
baseados em uma pesquisa longitudinal, que crianças pré-alfabetizadas
apresentam consciência relacionada à rima. O estudo de Cardoso-Martins (1994)
mostra que crianças entre 4:0 e 4:6 anos apresentam capacidades para a
detecção de rimas.
Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas no intuito de investigar as
habilidades de crianças, não-alfabetizadas e alfabetizadas, em reconhecer e
produzir rimas e aliterações. Os estudos de Muter, Hulme, Snowling e Taylor
(1998) e de Goswami e Bryant (1990), entre outros realizados com falantes de
inglês, apontam a consciência da rima como elemento fortemente presente.
Segundo Treiman e Zukowski (1996), as crianças falantes de inglês são mais
conscientes de rimas do que de aliterações, o que pode estar relacionado à
estrutura da língua em questão. Essas pesquisas, no entanto, apontam resultados
que só podem ser aplicados aos falantes da língua inglesa. Como ressaltam
Roazzi e Dowker (1989), é importante a realização de pesquisas com falantes de
diferentes línguas, uma vez que os resultados sobre consciência fonológica
podem variar devido aos fatores lingüísticos particulares às línguas. Os resultados
de pesquisas com falantes de língua inglesa não podem ser assumidos por
pesquisadores que investigam as habilidades metafonológicas em falantes de
outras línguas.
Os estudos de Cardoso-Martins (1994) e Freitas (2003), sobre rimas e
aliterações em crianças falantes de português brasileiro, mostram a saliência da
rima para crianças pequenas, mas apontam que essas crianças têm mais
facilidade em lidar com aliterações. Uma pesquisa realizada por Bertelson,
Gelder, Tfouni e Morais (1989) demonstrou que crianças brasileiras não
alfabetizadas reconhecem com mais freqüência aliterações do que rimas. Deve-
se ressaltar que os estudos em língua portuguesa não são em grande número, o
que aponta para a necessidade de realização de mais pesquisas sobre o assunto,
23
como o estudo de Santos (2003), que aborda exclusivamente a consciência de
rimas e aliterações em crianças em fase de aquisição da escrita.
Roazzi e Dowker (1989) afirmam que a consciência de rimas e aliterações
existe em um nível implícito antes do ensino da leitura e da escrita. Nesse
sentido, Cardoso-Martins (1994) propõe que a rima não envolve necessariamente
a habilidade de identificar conscientemente os segmentos compartilhados por
rimas, mas sim uma sensibilidade a similaridades fonológicas globais. Como
afirma Morais (1996), a rima é uma atividade holística que pode ser desenvolvida
sem instrução formal. Crianças com menos de três anos já usam rimas e
aliterações (Roazzi e Dowker, 1989).
Segundo Yavas (1990), a criação de rimas é realizada mais facilmente do
que as tarefas de segmentação completa de sons ou a identificação fonêmica.
Talvez essa facilidade se justifique pelo fato de a rima depender de uma
sensibilidade a similaridades fonológicas, sem exigir necessariamente uma
competência analítica ( Yavas, 1990; Morais et alii, 1987).
A consciência de rimas e aliterações pode contribuir para a leitura e
também influenciar outras formas do desenvolvimento fonológico, como a
sensibilidade aos fonemas (Goswami e Bryant, 1990). Rimas e aliterações podem
ajudar a criança a tornar-se mais interessada em aspectos da linguagem em
geral. O desenvolvimento da consciência fonológica pode ser facilitado pelo
envolvimento com jogos, brincadeiras, músicas e livros que coloquem a criança
em momentos de reflexão sobre os sons da fala.
1.1.1.3 Nível dos fonemas (consciência fonêmica)
O nível dos fonemas compreende a capacidade de dividir as palavras em
fonemas, ou seja, nas menores unidades de som que podem mudar o significado
de uma palavra. Para isso, é necessário o reconhecimento de que uma palavra é,
na verdade, uma coleção de fonemas.
A consciência fonêmica é a “habilidade de manipular conscientemente os
segmentos. Ela emerge quando a criança se dá conta de que as palavras são
constituídas de sons que podem ser modificados, apagados ou reposicionados”
(Haase, 1990, p. 94). Porém, o caráter abstrato do fonema aumenta a dificuldade
de a criança realizar a segmentação fonêmica de uma produção sonora (Tunmer,
24
Pratt, Herriman, 1984). Essa parece ser uma tarefa que exige um alto nível de
consciência fonológica, já que a criança está lidando com unidades abstratas que
estão colocadas em um segmento sonoro contínuo, o que dificulta a percepção
individual dos sons. Um bom desempenho em testes de consciência fonêmica
depende de a criança ter representações fonológicas bem estruturadas
foneticamente (Hulme et alii, 2002).
A dificuldade de discriminação aumenta quando se passa da sílaba para o
fonema, pois eles são menos transparentes para serem percebidos (Gombert,
1992; Hakes, 1980). Para Hakes, isso ocorre porque “as unidades silábicas são
produtos próprios, inerentes do processo de percepção da fala, enquanto que as
unidades fonêmicas não o são” (1980, p.33). A identificação fonêmica ocasiona a
decomposição dessa unidade natural.
Deve-se salientar que existem pesquisadores que utilizam os termos
consciência fonológica e consciência fonêmica como sinônimos, muitas vezes
tratando a consciência fonológica como exclusivamente a capacidade de
manipular fonemas. No entanto, a consciência fonológica é algo mais abrangente,
que envolve a manipulação de diferentes unidades. A consciência fonêmica, por
sua vez, está inserida nas habilidades metafonológicas, sendo a capacidade de
identificar e manipular fonemas. Essa distinção pode ser visualizada no esquema
a seguir.
CONSCIÊNCIA
consciência silábica consciência
fonêmica
consciência intra-silábica FONOLÓGICA
Figura 3 – Esquema sobre os níveis de consciência fonológica
A consciência fonêmica é muito necessária quando a criança tem que
aprender o que as letras representam (Scliar-Cabral, 1999), sendo a habilidade
que mais auxilia a aquisição da escrita alfabética. Para a identificação do princípio
alfabético, a criança deve reconhecer a relação som-letra e dispor da habilidade
25
de segmentação fonêmica, deve ser capaz de analisar, refletir, sintetizar as
unidades fonêmicas que compõem as palavras faladas (Tunmer, Pratt, Herriman,
1984).
Segundo Yopp (1992), a consciência fonêmica pode ser desenvolvida na
fase pré-escolar mediante uma variedade de atividades de linguagem. Essas
tarefas devem ser oferecidas como suplemento que proporcione à criança um
engajamento em atividades orais, enfatizando o som da linguagem como
estimulação. Para iniciar essa estimulação, alguns fonemas são mais facilitadores
do que outros. Por sua característica continuante, os fonemas fricativos e nasais
em posição inicial são isolados mais prontamente que os plosivos. As fricativas
são as melhores para o trabalho com consciência fonológica devido à maior
facilidade com que são isoladas na corrente acústica (Yopp, 1992). Com relação à
posição, Vandervelden e Siegel (1995) observam que a posição inicial na palavra
é a primeira a ser adquirida, seguida pela consciência de fonemas em posição
final, para depois dar-se a conscientização acerca dos fonemas em posição
medial na palavra. Deve-se ressaltar que não parece necessário ter-se que
trabalhar todos e cada um dos fonemas, pois a habilidade de análise fonológica
também se generaliza aos outros fonemas que não estão sendo abordados.
O desenvolvimento da consciência fonológica nem sempre se dá na ordem
palavras > rimas > aliterações > sílabas > fonemas. Porém, parece ser um
consenso de que a última habilidade a surgir seja a consciência fonêmica,
devendo ser encarada como o nível mais complexo de consciência fonológica.
Pesquisas sobre os níveis de consciência fonológica, assim como a de Liberman
(1974), demonstram que a consciência silábica precede a fonêmica. A sílaba está
no topo da estrutura e é a unidade mais acessível, seguida pelas unidades intra-
silábicas (Ataque – Rima) e finalmente pelos fonemas (Cheung et alii, 2001).
A figura a seguir apresenta exemplos para cada um dos níveis de
consciência fonológica.
NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICANível das sílabas Nível das unidades intra-silábicas Nível dos fonemas
sa – pa – toAtaque: sapato; sujo; cinzaRima: pão; chão
s – a – p – a – t – o
Figura 4 – Exemplos sobre os níveis de consciência fonológica.
26
Após a exposição dos diferentes níveis de consciência fonológica,
constata-se que as exigências das atividades que envolvem consciência
fonológica variam de acordo com os níveis que estão sendo acessados (sílabas,
rimas, aliterações, fonemas). Além disso, deve-se considerar o tipo de tarefa que
está sendo exigida, pois as atividades divergem em termos de maior ou menor
exigência cognitiva, fato que será abordado na seção a seguir.
1.1.2 Tarefas de consciência fonológica
As habilidades em consciência fonológica podem ser testadas através de
diferentes tarefas, que apresentam maior ou menor grau de dificuldade, podendo
ser simples ou complexas (Coimbra, 1997). São tarefas simples aquelas que
exigem somente a realização de uma operação seguida de resposta, como por
exemplo a segmentação de sílabas de uma palavra (pa – lha - ço). As tarefas
complexas, por sua vez, exigem a realização de duas operações: guardar uma
unidade na memória enquanto é feita uma nova operação que requer
manipulação. Dentre as tarefas complexas pode-se citar a substituição de
fonema, que requer a substituição de um fonema específico e a identificação da
palavra resultante (Ex.: Tire o [z] da palavra ‘casa’ e coloque [s]. Que palavra fica?
– ‘caça’).
Para Hulme et alii (2002), as tarefas diferem em termos de consciência
explícita e implícita. As operações cognitivas são diferentes nas tarefas de
apagamento, onde o julgamento é muito mais explícito, e de identificação de sons
diferentes e iguais. A identificação parece requerer mais uma sensibilidade às
similaridades ou às diferenças das palavras, dependendo de uma consciência
implícita ao sujeito.
As tarefas metafonológicas também podem variar segundo
o tipo das unidades (palavras polissilábicas ou monossilábicas);
o contexto no qual as unidades estão inseridas (Ataque simples ou
ramificado2);
a posição que a unidade sonora ocupa na palavra (inicial, medial, final);
a quantidade de operações cognitivas exigidas das crianças;
o tipo de operação – apagamento, reversão, segmentação.
2 Ataque simples= CV; ataque ramificado= CCV
27
Coimbra (1997), baseada nos trabalhos de Catts e Scott (1994) e Yopp
(1988), elenca as tarefas mais utilizadas em testes metafonológicos, que são
expostas no quadro a seguir.
TAREFAS EXEMPLOS
Comparação de sons- Reconhecimento ou produção de
rimas- Emparelhamento palavra-palavra
- Mesmo som
- “Mão” e “pão” rimam? Qual dessas palavras rima com“mão”: “pá” ou “pão”?
- “Casa” e “carro” começam iguais? Qual palavracomeça igual a “carro”: “casa” ou “mala”?
- Quais dessas palavras começam iguais? “pato – garfo– palha – dedo”
Singularidade - Entre 3 ou mais palavras, a criança deve escolher apalavra que não rima, começa, termina oucompartilha do mesmo som que as outras.
Detecção- Emparelhamento som-palavra
- Tem /s/ em “sopa”? (ou perguntar se um som dadoestá no início ou no fim da palavra)
- Responder se as palavras têm erros ou enganos depronúncia.
Elicitação
- Som-palavra
- Dizer uma palavra que rime com a palavra alvo.- Produzir uma palavra curta e uma longa.- Produzir uma palavra que comece com o som alvo ou
com o mesmo som da palavra alvo.Segmentação- Palmas- Contagem- Segmentação silábica- Segmentação ataque-rima
- Isolamento de um som- Segmentação de palavra- Apagamento de sílaba
- Apagamento de fonema
- Adição de fonema
- Reversão fonêmica
- Substituição fonêmica
- Língua do p- Soletração inventada
- Bater palmas para cada sílaba ou cada fonema.- Quantos sons você escuta na palavra “bolo”?- Dizer cada uma das sílabas de uma palavra.- Dizer a palavra de maneira “engraçada”, separando o
ataque da rima.- Qual é o primeiro som em “rosa”?- Dizer pequenos pedaços da palavra.- Diga a palavra “pasta” sem o “ta”, ou diga “rolar” sem
o “ro”.
- Diga a palavra “sai” sem o /s/. Que som você tira de“sai” para ficar “ai”?
- Produzir uma sílaba depois de agrupar com o fonemadado.
- Diga “es” com o 1o som no fim e o som final no início.
- Diga “gata”. Agora diga isso com /l/ no lugar de /g/.
- la-pa-ta-pa (lata)- Soletrar, da melhor maneira possível, uma palavra
falada.Agrupamento (síntese)- Agrupamento de sílabas- Agrupamento ataque-rima
- Agrupamento fonêmico
- Agrupar sílabas para formar uma palavra.- Agrupar ataque-rima ditos separadamente para
formar uma palavra.- Agrupar fonemas que estão sendo ditos
separadamente para formar uma palavraFigura 5 – Quadro sobre as tarefas de consciência fonológica, traduzido de
Coimbra (1997)3.
3 Os exemplos foram adaptados, nesta tese, do inglês para o português.
28
A partir da observação de diferentes tarefas de consciência fonológica,
identifica-se que algumas requerem um maior nível de consciência do que outras.
A performance da criança depende da demanda cognitiva da tarefa e do nível
lingüístico que ela acessa (Treiman e Zukowski, 1996), pois atividades que
aparentemente avaliam a mesma habilidade, em realidade podem exigir
diferentes níveis de consciência fonológica ou podem diferir em suas exigências
cognitivas (Salles, Mota, Cechella e Parente, 1999).
Segundo Domínguez e Clemente (1993), quanto maior o nível de
abstração, maior a dificuldade da tarefa, logo, tarefas que envolvam fonemas são
mais complexas do que as que lidam com sílabas, rimas e aliterações. Além
disso, o tipo de atividade a ser desenvolvida pela criança pode ser mais complexa
e dificultar a realização da tarefa. A identificação fonêmica, por exemplo, é mais
fácil do que a realização de síntese ou transposição fonêmica.
Os autores acima referidos observaram que é mais fácil para as crianças
identificar sílabas e fonemas no começo das palavras do que no final, e as duas
atividades são mais fáceis que a identificação medial. Adição e omissão são
realizadas mais facilmente em posição final de palavra e mais dificilmente no
meio. Esses dados apontam para a existência de diferentes graus de dificuldade
entre as tarefas testadas.
Com relação às diferenças entre as tarefas, Morais (1991) afirma que
tarefas de classificação ou de identificação são mais fáceis que as de
segmentação, pois estas últimas requerem a manipulação das unidades. Há
diferença entre as tarefas que envolvem similaridades, como por exemplo a
identificação de rima, e aquelas que envolvem a consciência segmental, como o
isolamento de fonemas.
Conforme afirmam Schatschneider et alii (1999), os testes podem ser muito
diferentes, variando a unidade lingüística (sílaba, Rima, Ataque, fonema), a
posição da unidade na palavra, ou se a palavra é real ou é uma pseudo-palavra.
Testes metafonológicos diferem em termos de dificuldade e capacidade de
discriminação, e sua utilidade para medir consciência fonológica depende do nível
de habilidade da criança.
Ainda deve-se considerar que a posição do segmento e sua natureza são
importantes para determinar a performance obtida em um teste (Hulme et alii,
2002). Nesse sentido, Scliar-Cabral (2003) critica os testes metafonológicos que
apresentam tarefas impossíveis de serem realizadas, como as atividades que
29
solicitam a realização isolada de fonemas oclusivos. Tais fonemas não podem ser
articulados isoladamente, o que compromete a realização da tarefa.
Devido à existência dessas diferenças entre as tarefas, os pesquisadores
devem estar atentos ao tipo de tarefa que será exigida das crianças,
considerando o nível de dificuldade que ela apresenta. Além disso, os testes de
consciência fonológica devem variar as tarefas e só podem ser comparados
quando apresentam níveis de dificuldade semelhantes. Deve-se ter o cuidado de
perceber se a criança está tendo dificuldade em responder a tarefa porque não é
capaz de lidar com a manipulação das unidades sonoras ou porque é exigido algo
muito complexo. O nível de complexidade da tarefa e a maneira como elas são
explicadas podem mascarar os resultados em consciência fonológica.
1.2 Aquisição da escrita
Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), a escrita é um objeto simbólico, um
substituto (significante) que representa algo. Nenhuma escrita constitui uma
transcrição fonética da fala, mas estabelece uma relação essencialmente
fonêmica, isto é, a escrita procura representar aquilo que é funcionalmente
significativo (Kato, 1986; Ferreiro e Teberosky, 1991). “A escrita constitui, como a
linguagem, um sistema de regras próprias” (Ferreiro e Teberosky, 1991, p.64).
Conforme Abaurre (1991), aprender a escrever é uma atividade sistemática
e estruturada que se desenvolve gradualmente, é um momento particular de um
processo mais geral de aquisição da linguagem. Afirma a autora que
em contato com a representação escrita da língua que fala, osujeito reconstrói a história da sua relação com a linguagem. Acontemplação da forma escrita da língua faz com que ele passe arefletir sobre a própria linguagem, chegando, muitas vezes, amanipulá-la conscientemente, de uma maneira diferente damaneira pela qual manipula a própria fala (Abaurre, 1991, p.39).
Durante a infância e os anos escolares, as crianças adquirem a linguagem
escrita ao lado da linguagem oral, trocando suas relações de forma entrelaçada e
interligada (Sulzby, 1996). As crianças que iniciam o processo de aquisição da
escrita passam a identificar a ligação entre o oral e o escrito, o som e o sinal
gráfico. Elas começam, então, a escrever com sua própria organização,
30
capacidade motora, faculdade de estruturação, orientação, análise, síntese e
representação verbal (Ajuriaguerra e Auzias, 1975).
Inicialmente, a escrita é a tentativa de representar os sons das palavras e
não de recordar formas memorizadas. Como diz Morais (1996, p. 38), a chave da
linguagem escrita encontra-se na relação desta com a linguagem falada. No início
da aquisição da escrita as crianças se utilizam mais da capacidade de analisar e
sintetizar grafemas, relacionando-os com os sons que representam (Treiman,
1978). A escrita inicial das crianças é fonética e criativa, elas criam seu próprio
sistema baseadas no conhecimento (subjacente) da fonologia da língua (Read,
1971; 1986). Esse conhecimento pressupõe a consciência fonológica, ou seja, a
capacidade de refletir sobre os sons da fala. Dessa forma, é estabelecida a
relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita, a qual será tratada
nesta pesquisa.
No momento da aquisição da escrita, a criança deve estar pronta para ligar
o output falado com a forma escrita, através do conhecimento das letras. Há,
então, uma relação entre a linguagem falada e a escrita, mediada pelas
habilidades metafonológicas (Stackhouse, 1997). Conforme assegura Treiman
(1993), parece haver três fatores envolvidos na escrita:
1) análise das palavras faladas em unidades menores;
2) memória;
3) utilização dos conhecimentos estocados na correspondência entre sons
e letras.
Como aponta Vygotsky (1996), a linguagem escrita exige um trabalho
consciente, no qual a criança deve desvincular-se do concreto. Um importante
obstáculo para a maioria das crianças é compreender o princípio alfabético:
palavras escritas contêm combinações de unidades visuais (letras ou
combinações de letras) que são sistematicamente relacionadas às unidades
sonoras das palavras (fonemas). A criança deve ser capaz de prestar atenção em
segmentos sonoros sem significado – os fonemas, desconstruindo a percepção
que o indivíduo tem da cadeia de fala como um contínuo (Scliar-Cabral, 1999). A
aquisição da escrita alfabética é uma atividade que supõe a descoberta do
fonema, e que compreende a memória das correspondências e uma habilidade de
síntese (Morais,1996). A habilidade de aprender a ler e a escrever depende de
mapeamentos entre a representação ortográfica e a organização fonêmica da
representação fonológica (Hulme et alii, 2002).
31
A manipulação da linguagem escrita necessita de um certo grau de
reflexão consciente a respeito das características gerais da escrita, dos grafemas
e dos fonemas. Para a identificação do princípio alfabético a criança deve
reconhecer a relação som-letra e dispor da habilidade de segmentação fonêmica,
deve ser capaz de analisar, refletir, sintetizar as unidades fonêmicas que
compõem as palavras faladas (Tunmer, Pratt, Herriman, 1984). Conforme afirma
Scliar-Cabral (2001)
Refazer, pois, a percepção da fala como um contínuo, cujasunidades fonéticas básicas deixam de ser a sílaba, paradesmembrá-la em unidades menores, a realização dos fonemas, afim de, aos poucos, capturar os princípios do sistema alfabético doportuguês do Brasil, tanto para descodificar os grafemas noprocesso da leitura e, assim, reconhecer a palavra escrita, comopara codificar os fonemas em grafemas e escrever as palavras notexto, é façanha que se irá estruturando pari passu com aapreensão destes mesmos princípios. (Scliar-Cabral, 2001, p. 26)
Observa-se, então, que a aquisição da escrita está intimamente ligada à
consciência fonológica, uma vez que para dominar o código escrito é necessária a
reflexão sobre os sons da fala e sua representação na escrita. No entanto, há
ainda questões sobre essa ligação a serem investigadas, o que é objetivo da
presente pesquisa. Para a realização de tal investigação, faz-se necessário
abordar aspectos relevantes sobre o desenvolvimento da aquisição da escrita, os
quais serão tratados nas duas últimas subseções deste capítulo.
1.2.1 A psicogênese da aquisição da escrita
Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), a aprendizagem da leitura e da
escrita inicia-se muito antes do que a escola o imagina, pois as crianças estão em
contato com a escrita desde cedo. Elas estão expostas a um mundo letrado, onde
vêem constantemente a escrita e o uso que as pessoas fazem dela. Aos 6 anos a
criança possui toda uma série de concepções sobre a escrita, as quais surgem
em idades mais precoces. Essas conceitualizações infantis precedem a
alfabetização convencional e a ela dão lugar (Kato, Moreira e Tarallo, 1998).
Os aspectos fundamentais para a aquisição da escrita são a competência
lingüística da criança e suas capacidades cognoscitivas. O desenvolvimento da
competência para a escrita é um fenômeno de natureza complexa. Além de uma
32
dimensão psico-sócio-lingüística, há uma dimensão que implica o
desenvolvimento da capacidade metalingüística, capacidade de identificar e
manipular unidades como a sílaba e o fonema (Ferreiro e Teberosky, 1991).
O trabalho de Ferreiro e Teberosky (1991) apresenta uma psicogênese das
etapas de aquisição da escrita trilhadas pelas crianças, as quais são
representadas por quatro hipóteses de escrita, quais sejam: hipótese pré-silábica,
hipótese silábica, hipótese silábico-alfabética e hipótese alfabética.
Hipótese pré-silábica - Em um primeiro momento da hipótese pré-silábica,
escrever é reproduzir traços típicos da escrita que a criança conhece, grafismos
separados entre si, compostos por linhas curvas e/ou retas, ou grafismos ligados
entre si com uma linha ondulada, caracterizando a fase chamada de icônica. A
escrita não pode funcionar como veículo de transmissão de informação: cada um
pode interpretar sua escrita, mas não a dos outros. Podem ocorrer tentativas de
correspondência figurativa entre a escrita e o objeto referido, uma tendência de
refletir na escrita algumas características do objeto. A criança espera que a
escrita do nome seja proporcional ao tamanho ou idade da pessoa. Por exemplo,
acredita que a palavra ‘formiguinha’ deva ser escrita com poucas letras, pois
refere-se a um animal muito pequeno, ao passo que ‘leão’ deve apresentar um
maior número de grafemas, pois se trata de um animal grande. O exemplo a
seguir ilustra o primeiro nível da hipótese pré-silábica, quando a criança encontra-
se ainda no nível icônico. Para escrever a palavra ‘esqueleto’, a criança fez traços
verticais.
EXEMPLO4:
Em um segundo nível dentro da hipótese pré-silábica, a criança acredita
que, para ler coisas diferentes, deve haver uma diferença objetiva nas escritas.
Neste momento, duas hipóteses são formuladas: 1) número mínimo (nunca
menos que três) de grafismos para escrever algo; 2) variedade nos grafismos.
4 Os exemplos usados fazem parte dos dados coletados para esta pesquisa.
33
Neste nível, chamado de não-icônico, a forma dos grafismos é mais
definida e mais próxima à das letras. A criança pode adquirir certos modelos
estáveis de escrita, formas fixas que é capaz de reproduzir na ausência do
modelo, sendo o nome próprio a forma mais importante. Porém, a
correspondência entre o nome e a escrita ainda é global.
EXEMPLOS:
castelo – HNMA; AESEDR; IFALAIELN; ESDÓQLAHC
Hipótese silábica – Nesta hipótese observa-se a tentativa da criança de
dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita; cada letra
vale por uma sílaba. O uso das letras pode não apresentar valor sonoro
convencional, mas manter a relação entre o número de sílabas e o número de
letras a serem usadas (Ex.: CAVALO GIF).
Neste momento da evolução da escrita, é superada a etapa de
correspondência global entre a forma escrita e a expressão oral, para passar a
uma correspondência entre partes do texto e partes da expressão oral. Pela
primeira vez a criança trabalha com a hipótese de que a escrita representa partes
sonoras da fala. Os exemplos abaixo mostram escrita silábica com valor sonoro
convencional, ou seja, uso de letras que remetem aos sons contidos nas palavras.
EXEMPLOS:
esqueleto – IQEO; ICQLO; IPEO
fantasma - FAM
Hipótese silábico-alfabética – Nesta hipótese de escrita a criança
começa a abandonar a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma
análise que vá além da sílaba. Há o conflito entre a hipótese silábica e a exigência
da quantidade mínima de grafemas, além do conflito entre as formas gráficas que
o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos silábicos. A hipótese
silábica entra em contradição com o valor sonoro atribuído às letras. Há uma
manifestação alternante do valor silábico ou fonético para as diferentes letras.
EXEMPLOS:
castelo – CASTLO; CATLU
esqueleto - ISQLETO; ISQLEO
34
Hipótese alfabética – Ao chegar a esse nível, a criança já compreendeu
que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores
que a sílaba, realizando uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai
escrever. A partir desse momento a criança se defrontará com as dificuldades
próprias da ortografia, mas não terá problemas com a escrita, no sentido estrito.
EXEMPLOS:
castelo – CASTELU
fantasma – FÃTASMA
esqueleto – ESCELETO; ISQELETO
monstro – MONSTRU
Essa classificação da evolução da escrita da criança, realizada por Ferreiro
e Teberosky (1991), tem servido para descrição de dados de muitas pesquisas
sobre aquisição da escrita. Neste trabalho optou-se por classificar e acompanhar
a escrita dos sujeitos pesquisados com base nessas hipóteses de escrita.
1.2.2 Aquisição da fala e aquisição da escrita
Como afirma Rego (1988), existem semelhanças entre a aquisição da
linguagem oral e a aquisição da escrita, principalmente em relação ao trabalho de
construção e descoberta realizado pela criança. A aquisição da escrita é parte do
desenvolvimento da linguagem (Varella, 1993), é o momento em que a criança
formula hipóteses sobre a escrita e começa a refletir sobre a relação entre a fala e
a escrita. Nesse sentido, Abaurre (1988) afirma que
as crianças de um modo geral recorrem à oralidade para fazervárias hipóteses sobre a escrita, mas usam também a escrita,dinamicamente, para construir uma análise da própria fala(Abaurre, 1988, p. 140)
Nesse processo de reflexão sobre fala e escrita, a criança formula
hipóteses que muitas vezes já foram observadas no momento da aquisição da
linguagem. Os trabalhos de Hofman e Norris (1989) e Varella (1993) mostram que
processos fonológicos ocorridos na aquisição da linguagem aparecem nos erros
de escrita das crianças, indicando um retorno a incorreções que já apareceram na
fala, mas que já foram superadas. Parece que o fato de iniciar a aquisição de uma
35
nova modalidade de linguagem – a escrita – faz com que a criança reapresente
dúvidas que vivenciou no momento de aquisição da fala.
Com relação ao reaparecimento de características da fala na escrita, é
importante citar as pesquisas de Ogliari (1991) e Santos (1995), realizadas com
crianças que apresentam desvios fonológicos. Esses estudos comprovam que
crianças que já superaram seus desvios de fala reapresentam esses desvios na
escrita. No momento em que a criança necessita refletir conscientemente sobre a
fala para produzir a escrita, suas produções aparecem marcadas pelo
reaparecimento de características da fala desviante, das dúvidas que já foram
superadas para a fala, mas reaparecem na escrita. Ainda pode-se citar o trabalho
de Menezes (1999), que mostra que crianças com desvios fonológicos evolutivos
podem ou não reproduzir na escrita seus desvios de fala. Segundo a autora, o
nível de consciência fonológica das crianças auxilia na superação dos desvios,
possibilitando que elas apresentem uma escrita correta.
O reaparecimento de dados observados na aquisição da linguagem, de
características da fala da criança, no momento da aquisição da escrita, reafirma a
ligação entre essas duas aquisições. Observa-se que na aquisição da escrita,
assim como na aquisição da fala, a criança formula hipóteses que vai
comprovando à medida que evolui sua aprendizagem (Barrera, 1999). Essas
hipóteses podem ser observadas através dos erros de escrita, que são indícios
dos julgamentos das crianças e evidenciam conhecimentos básicos que elas
possuem. A abordagem desses erros numa perspectiva fonológica relacionada à
aquisição da fala pode explicá-los e permite estabelecer estratégias para resolver
cada um dos problemas apresentados (Varella, 1993).
Durante um longo período, os estudos e práticas pedagógicasignoraram o fato de que os “erros” cometidos pelos aprendizes deescrita/leitura eram, na verdade, preciosos indícios de umprocesso em curso de aquisição da representação escrita dalinguagem, registros dos momentos em que a criança tornaevidente a manipulação que faz da própria linguagem, história darelação que com ela (re)constrói ao começar a escrever/ler(Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson, 2002, p. 16 – 17)
Como apropriadamente afirmam as autoras citadas anteriormente, os erros
de escrita devem ser vistos como indícios das hipóteses que a criança faz com
relação à escrita no momento da aquisição. Quando uma criança erra porque cria
certas regularizações, ela mostra que elabora suas próprias representações sobre
36
a escrita das palavras, não sendo um mero repetidor das formas que vê ao seu
redor (A. Morais, 2000).
Através desses erros é possível observar a relação que a criança
estabelece entre a fala e a escrita, e a reconstrução dessa relação. Os erros de
escrita, no entanto, devem ser analisados, pois podem apresentar características
distintas. Varella (1993) observa que há três tipos de erros: erro psicogenético,
erro convencional e erro fonológico. O erro psicogenético refere-se à hipótese de
escrita em que a criança se encontra, como por exemplo a escrita silábica (Ex.:
‘cachorro’ CXR). O erro convencional é aquele referente às incorreções quanto
ao sistema ortográfico convencional (Ex.: ‘cachorro’ CAXORO). O erro
fonológico pode ser encontrado no momento em que a criança tenta representar
formas fonológicas das palavras que escreve. Os exemplos de erros fonológicos
diferenciam-se por não apresentarem somente uma incoerência com o sistema
ortográfico convencional, mas também em relação ao sistema fonológico da
língua (Ex.: ‘cachorro’ CASORRO; ‘casa CAJA).
São os erros fonológicos que podem demonstrar as hipóteses da criança
sobre a relação entre o oral e o escrito, evidenciar as dúvidas que surgem no
momento de aquisição da escrita. Além disso, tais erros podem ser encarados
como um indício de consciência fonológica, mostrando que a criança tem
consciência da existência de determinado som e busca o registro desse som na
posição correta (Ex.: ‘prato’ PARTO; ‘morcego’ MOROCEGO). Nesta
pesquisa serão considerados exclusivamente os erros fonológicos apresentados
nos dados coletados.
1.3 Relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita
Os estudos sobre consciência fonológica realizados nas três últimas
décadas apresentam concepções divergentes sobre sua relação com a aquisição
da escrita. Alguns estudos estabelecem uma relação causal importante entre
metafonologia e conseqüente desenvolvimento da aquisição da escrita, como o
de Lundeberg et alii (1988). Outros (Morais, Cary, Alegria e Bertelson,1979; Read
et alii, 1986) favorecem uma conexão contrária, que garante que aprender um
alfabeto ortográfico desenvolve a consciência fonológica. Porém, essas duas
visões não são incompatíveis. Concordam Bertelson, Morais, Alegria e Content
37
(1985), Gathercole e Baddeley (1993) que as habilidades metafonológicas e as
habilidades de leitura e escrita se influenciam reciprocamente durante os
primeiros anos de escola.
Os estudiosos adeptos da idéia de que a consciência fonológica beneficia o
processo de aquisição da escrita acreditam que este pressupõe a capacidade de
prestar atenção às estruturas fonológicas da fala (Cielo, 1996; Cardoso-Martins,
1996). A criança deve dominar a correspondência fonema-grafema para poder
extrair sentido do material escrito. Sendo assim, a consciência fonológica capacita
as crianças em fase de aquisição da escrita a fazerem uma melhor utilização das
pistas grafêmicas, compreendendo as correspondências delas com os fonemas.
“A criança deve recorrer ao seu conhecimento da língua oral para trabalhar com a
língua escrita” (Cielo, 1996, p.35).
Concordam Bryant e Bradley (1987), Ball e Blachman (1991) que quanto
mais desenvolvida a consciência fonológica, mais o sistema alfabético torna-se
um instrumento razoável para representar a língua oral, pois é a metafonologia
que garante a compreensão da relação grafema-fonema. Neste sentido, Treiman
et alii (1994) argumentam que, num sistema alfabético, a primeira capacidade
importante para a criança aprender a escrever é a de segmentação fonêmica, a
compreensão de que as palavras faladas podem ser analisadas como seqüências
de fonemas. A segunda capacidade necessária às crianças é a de saber
estabelecer relações entre os sons das palavras faladas e as letras das palavras
escritas.
Vários estudos demonstraram que as habilidades em consciência
fonológica proporcionam êxito em leitura. O estudo de Cardoso-Martins (1991),
por exemplo, observa uma correlação positiva entre consciência fonológica de
crianças em idade escolar e variações na aprendizagem posterior da leitura e da
escrita. Dessa forma, crianças que têm essas habilidades pouco desenvolvidas,
podem ter afetadas suas capacidades para ler e escrever.
Bryant et alii (1990) mostraram que a sensibilidade inicial à rima apresenta
uma contribuição direta à leitura. Segundo Goswami e Bryant (1990), quanto mais
sensível à rima a criança for, mais rápido irá aprender a ler. Os estudos de Bryant
e Bradley (1983, 1985) acharam uma forte e específica relação entre a
sensibilidade inicial de crianças a rimas e aliterações e o progresso que elas
fazem no aprendizado da leitura e escrita após três anos. Rimas e aliterações
38
podem contribuir não só para a leitura, mas podem influenciar outras formas do
desenvolvimento fonológico, como a sensibilidade aos fonemas.
No entanto, existem estudos que não apoiam a idéia de que a consciência
fonológica auxilia a aquisição da escrita. Segundo esses estudos, as crianças,
antes de serem alfabetizadas, não têm uma compreensão clara de como a fala é
organizada. É o conhecimento das características da escrita que surge
primeiramente, desenvolvendo a consciência fonológica. Ou seja, a consciência
fonológica é vista como conseqüência da aquisição da escrita.
Segundo Gombert (1992), o conhecimento das características da escrita e
a sensibilidade grafêmica parecem emergir antes do surgimento da consciência
fonológica. Em torno dos 5 ou 6 anos surgem o conhecimento da escrita e a
sensibilidade grafêmica; já a consciência fonológica emerge em torno dos 6 ou 7
anos.
Os estudiosos que presumem que a consciência fonológica é
conseqüência da aquisição da escrita sustentam que a consciência fonêmica
somente ocorre em indivíduos que mantêm alguma forma de contato com o
sistema alfabético (Read et alii, 1986). A experiência de aprender a ler pode fazer
as pessoas conhecerem os sons. Garantem Goswami e Bryant (1990) que
As crianças não estão particularmente sensíveis à existência defonemas nas palavras no momento que começam a aprender aescrever, e se elas não aprendem uma escrita alfabética,continuam sendo insensíveis a essas unidades fonológicas poralgum tempo (Goswami e Bryant, 1990, p. 26).
O estudo de Morais, Cary, Alegria e Bertelson (1979) compara, através de
tarefas de adição e apagamento de sons, um grupo de adultos portugueses
iletrados com um grupo de adultos letrados por um programa de alfabetização de
adultos. O grupo de iletrados teve pior desempenho, o que leva à conclusão de
que a consciência fonológica é proporcionada pela aquisição da escrita. No
entanto, os testes envolviam fonemas e palavras sem sentido, o que pode ter
dificultado as tarefas.
Em um estudo posterior, Morais, Bertelson, Cary e Alegria (1986)
compararam adultos portugueses iletrados com letrados através de testes que
envolviam fonemas e sílabas. Os iletrados apresentaram maiores dificuldades
quanto aos fonemas, o que levou Morais e seus colegas à conclusão de que
39
adultos iletrados apresentam dificuldades em testes metafonológicos que
envolvam fonemas.
Em estudo realizado em 1988 por Morais, Content, Bertelson, Cary e
Kolinsky, também com iletrados portugueses, foi constatado que há outras
maneiras de auxiliá-los em tarefas metafonológicas. O desempenho dos sujeitos
em testes metafonológicos foi alto devido à instrução e ao feedback exercidos
pelos pesquisadores. Esse estudo mostrou que a experiência de aprender a ler e
escrever pode tornar as pessoas conscientes quanto aos sons, mas há outras
maneiras de promover essa consciência, sendo uma delas o treinamento.
Read et alii (1986) aplicaram testes de consciência fonológica em dois
grupos de falantes de chinês: um grupo alfabetizado em escrita alfabética e outro
em escrita logográfica. Os resultados mostraram que o grupo de escrita
logográfica saiu-se pior nos testes. Mas deve-se frisar que os testes aplicados
envolviam somente a consciência fonêmica, o que pode ter gerado as
dificuldades.
Mann (1986) realizou uma pesquisa comparando estudantes japoneses
que não aprenderam escrita alfabética, com estudantes americanos. Os
japoneses acharam os testes fonêmicos extremamente difíceis e foram muito pior
neles do que nos testes de sílabas. As crianças americanas se saíram muito
melhor do que as japonesas nos testes de fonemas e não houve muita diferença
nos testes referentes às sílabas. Esse estudo é um suporte para a idéia de que
crianças tornam-se conscientes de fonemas como resultado do aprendizado
alfabético. Mas a mesma autora realizou testes fonêmicos com crianças
japonesas mais velhas (9 – 10 anos) e elas obtiveram mais sucesso. Isso leva à
conclusão de que a experiência de aprender uma escrita alfabética promove a
consciência fonêmica, mas há outras formas de tornar-se consciente de fonemas.
Parece que o argumento dos adeptos da concepção de que consciência
fonológica se desenvolve a partir da aquisição da escrita está baseado somente
na consciência fonêmica, não levando em consideração habilidades
metafonológicas no nível das sílabas e das unidades intra-silábicas, as quais
podem existir antes da exposição à escrita. Ou seja, esses autores não poderiam
afirmar que a consciência fonológica é desenvolvida somente após o contato com
a escrita, pois seus trabalhos testam o nível de consciência fonêmica das
crianças. Além disso, sabe-se que a escrita é o fator que mais contribui para a
consciência fonêmica, mas outras atividades, como o treinamento, podem
40
contribuir para o desenvolvimento dessa consciência. Não é o caso, então, de
dizer que a consciência fonêmica somente é desenvolvida após o contato com a
escrita alfabética, já que ela pode ser treinada em pré-leitores.
O caráter heterogêneo da consciência fonológica é o que leva ao debate
sobre sua relação com a aquisição da escrita. A resposta com relação à direção
dessa relação depende do nível que está sendo considerado: a consciência de
sílabas, ataques e rimas pode desenvolver-se sem o conhecimento da escrita, ao
passo que a consciência fonêmica resulta, em parte, do contato com a escrita
(Treiman e Zukowski, 1996).
Segundo Bertelson, Gelder, Tfouni e Morais (1989), a consciência total
sobre a estrutura segmental da linguagem não emerge espontaneamente como
resultado ou da maturação do mecanismo lingüístico ou da prática em
comunicação de fala, mas requer algumas oportunidades específicas de
aprendizagem. Essas oportunidades podem vir da instrução em leitura, mas
outras experiências podem promovê-las, como, por exemplo, a instrução em
segmentação fonêmica fora do contexto de instrução em leitura. Como afirma
Yopp (1992), a consciência fonêmica pode ser desenvolvida na fase pré-escolar
mediante uma variedade de atividades de linguagem. Essas atividades devem ser
oferecidas como suplemento que proporcione à criança um engajamento em
atividades orais enfatizando o som da linguagem como estimulação.
Adams (1990) pondera que é possível que certos níveis de consciência
fonológica precedam a aprendizagem da leitura, enquanto que outros mais
avançados resultem dessa aprendizagem. Ou seja, há a possibilidade de que a
criança, antes de iniciar o processo de aquisição da escrita, já possua habilidades
metafonológicas e que, através desse contato, desenvolva outras capacidades e
aprimore aquelas que já possui. Essa idéia pressupõe a concepção de que
consciência fonológica e aquisição da escrita são fatores que se relacionam de
forma recíproca.
Vandervelden e Siegel (1995) realizaram um estudo com 120 crianças,
com idades entre 5 e 8 anos, que investigou a inter-relação entre a recodificação
e a consciência fonológica. Foi observada uma forte correlação entre as medidas
de consciência e as fases evolutivas da recodificação fonológica, leitura e escrita.
O estudo sugere que a recodificação e a consciência fonológica são conjuntos de
habilidades que se desenvolvem gradualmente e reciprocamente com o
aprendizado da leitura e da escrita.
41
Para F. Yavas (1989), através da perspectiva interativa é suposto que
aprender a ler ocasiona o desenvolvimento de habilidades metalingüísticas, mas
essas, por sua vez, facilitam o aprendizado da leitura. Nesse sentido conclui
Haase (1990)
Presumimos, então, que a emergência simultânea da consciênciafonêmica e do código alfabético alteram as características deprocessamento do módulo fonológico, modificandoconseqüentemente o nosso modo automático de perceber eproduzir a fala (Haase, 1990, p. 104).
Asseguram Pontecorvo e Orsolini (1996); Morais, Kolinsky, Alegria, Scliar-
Cabral (1998) que, enquanto a segmentação silábica pode se desenvolver na
criança independentemente do desenvolvimento da escrita, o acesso à estrutura
fonêmica é possível somente através da atividade da escrita ou do ensinamento
sistemático. Tunmer, Herriman e Nesdale (1988) e Williams (1980) acreditam que
ao menos um nível mínimo de consciência fonológica é necessário para descobrir
as correspondências sistemáticas entre grafemas e fonemas. Pode-se levantar a
hipótese de esse nível mínimo caracterizar-se pelas habilidades metafonológicas
relacionadas à sílaba e às unidades intra-silábicas, que auxiliarão na aquisição da
escrita e no reconhecimento das unidades fonêmicas. “É possível que a
aprendizagem da correspondência entre a sílaba falada e a sílaba escrita
contribua para a descoberta dos fonemas de uma maneira ainda mais direta”
(Cardoso-Martins, 1991, p.48). A consciência fonológica desenvolve-se
gradualmente a partir de algumas habilidades que já existem antes do início da
aquisição da escrita e são aprimoradas, contribuindo para o surgimento de novas
habilidades metafonológicas.
Morais, Mousky e Kolinsky (1998) concluem que a relação entre a
consciência fonológica e a aquisição da escrita é de causalidade recíproca. Ou
seja, um nível mínimo de consciência fonológica facilita a aquisição da escrita
que, por sua vez, contribui para o desenvolvimento e aprimoramento das
habilidades metafonológicas. A consciência fonológica pode ser vista como um
facilitador (F. Yavas, 1989, Haase, 1990) para a aquisição da escrita, que, por sua
vez, proporciona o aprimoramento das capacidades metafonológicas. Consciência
fonológica e aquisição da escrita estão ligadas entre si e podem facilitar uma a
42
outra. Essa concepção interativa, amplamente aceita atualmente pelos
pesquisadores, é assumida e investigada nesta pesquisa.
1.3.1 Estudos realizados no Brasil
No Brasil, pode-se citar algumas pesquisas realizadas no intuito de
observar a relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita. Nesta
seção serão enumeradas algumas delas, buscando-se mostrar um breve
panorama das pesquisas realizadas no país.
Os resultados de Carraher e Rego (1981; 1984) e Bezerra (1982) apontam
que a consciência dos sons que compõem a fala desempenha um papel
importante na aprendizagem da ortografia do português. Como garante Cardoso-
Martins (1991, p.41), “Variações na consciência fonológica correlacionaram-se
com variações na aprendizagem da leitura e da escrita”.
A pesquisa de Cardoso-Martins (1995) também confirma a afirmação de
que a consciência fonológica desempenha um papel importante na alfabetização.
A autora realizou um estudo sobre a relação entre diferentes níveis de
consciência fonológica e a aquisição da escrita e da leitura em português. Cento e
cinco crianças, com média de idade de 6 anos, participaram da pesquisa. Elas
tiveram o nível de consciência fonológica medido antes do início do ensino formal
da leitura e correlacionado ao progresso do aprendizado da leitura e da escrita,
avaliado na metade e ao final do ano escolar. Os resultados mostraram que a
consciência em relação aos fonemas é de grande importância para o êxito nas
atividades de leitura e escrita.
Cielo (1996) verificou a existência de uma relação positiva entre o grau de
consciência fonológica (chamada pela autora de “sensibilidade fonológica”) e o
desempenho na fase inicial da leitura, além de evidenciar que o treinamento em
consciência fonológica é produtivo para o desenvolvimento das habilidades
metafonológicas e posterior progresso em leitura. Em um estudo posterior, Cielo
(2000) pesquisou a habilidade de crianças de 4 a 8 anos em realizar diferentes
tarefas de consciência fonológica. Os resultados mostraram que há diferenças
estatisticamente significativas entre os 4 e/ou 5 e/ou 6 anos, e os 7 e/ou 8 anos.
Possivelmente essas diferenças se devam ao fato de as crianças mais velhas já
43
terem sido alfabetizadas. A autora ainda observou que crianças desde os 6 anos
de idade apresentam todos os níveis de consciência fonológica.
Coimbra (1997) realizou um estudo com crianças de 5 anos, não
alfabetizadas, o qual demonstrou que essas crianças podem mostrar habilidade
metafonológica no nível do fonema e do traço distintivo a partir de recreação
adaptada a sua realidade lingüística e cognitiva. Segundo a autora, as
investigações devem dar conta dos níveis de consciência fonológica. Ela afirma
que os estudos sobre consciência fonológica apresentam resultados divergentes
devido aos diferentes esforços cognitivos exigidos nos testes aplicados, os quais
podem envolver consciência silábica, fonêmica e/ou intra-silábica. Os testes de
consciência fonológica requerem diversas operações e variam quanto ao nível de
dificuldade, o que pode ser a causa das diferentes idades atribuídas à consciência
fonêmica (Nesdale, Herriman e Tunmer, 1984).
Capovilla e Capovilla (1998) realizaram uma pesquisa que tinha como
objetivo compreender a aquisição da leitura e da escrita e suas relações com o
desenvolvimento da consciência fonológica. Foram sujeitos dessa pesquisa 175
crianças com idades entre 3 e 7 anos, avaliadas em março, agosto e dezembro
através das provas de consciência fonológica, leitura e ditado, elaboradas pelos
pesquisadores. Os autores observaram que o desempenho geral na prova de
consciência fonológica esteve positivamente relacionado ao desempenho nas
atividades de leitura e de ditado. O desenvolvimento da consciência fonológica
parece ocorrer de forma paralela ao desempenho da leitura e da escrita.
Pamplona Morais (1997) pesquisou a relação entre a consciência
fonológica e as dificuldades de leitura. Foram selecionados 36 sujeitos que
freqüentavam a 3a série, classificados em dois grupos – um grupo de leitores
proficientes e outro de leitores não-proficientes. Os resultados obtidos pelos dois
grupos nos testes de consciência fonológica foram comparados, constatando-se
que o grupo de leitores não-proficientes obteve piores resultados nos testes.
A pesquisa de Menezes (1999) observa a consciência fonológica na
relação entre a fala e a escrita de crianças com desvios fonológicos evolutivos.
Dados da fala e da escrita de 20 sujeitos em fase de aquisição da escrita foram
coletados e comparados ao desempenho desses mesmos sujeitos em testes de
consciência fonológica e de consciência do próprio desvio. Os resultados
apontam que a consciência fonológica é necessária, mas não suficiente, para um
44
bom desempenho na escrita, podendo ser tomada como um facilitador para a
aquisição da escrita por crianças com desvios fonológicos evolutivos.
Capellini e Ciasca (1999) testaram 60 crianças de 2a, 3a e 4a séries através
da Prova de Consciência Fonológica (Capovilla e Capovilla, 1998). Essas
crianças foram dividas em dois grupos a partir do desempenho em leitura. Trinta
crianças apresentavam dificuldades de leitura e 30 não apresentavam tal
dificuldade. Os resultados dessa pesquisa mostraram que os sujeitos com
dificuldades de leitura apresentam desempenho inferior em tarefas de consciência
fonológica.
Capovilla e Capovilla (2000) realizaram uma pesquisa que teve como
objetivo verificar se o procedimento para desenvolver consciência fonológica e
ensinar correspondências grafo-fonêmicas, elaborado pelos autores, beneficiaria
crianças com dificuldades em consciência fonológica, e se os benefícios poderiam
estender-se às habilidades de leitura e escrita. Participaram dessa pesquisa 123
crianças de Pré-escola a 2a série do ensino fundamental. Essas crianças foram
testadas em consciência fonológica, leitura e escrita antes e após a aplicação do
procedimento para desenvolver consciência fonológica e ensinar
correspondências grafo-fonêmicas. Os autores concluíram que o procedimento de
intervenção utilizado foi eficiente em melhorar os desempenhos nas provas de
consciência fonológica, leitura e escrita.
A pesquisa de Costa (2002) teve como objetivo investigar a relação entre o
desempenho em consciência fonológica e a escrita em crianças falantes de
português brasileiro. Trinta e quatro crianças foram testadas longitudinalmente
(Jardim B e 1a série) em consciência fonológica e em atividades de escrita,
demonstrando que os sujeitos com altos níveis de consciência fonológica no
Jardim B foram aqueles que apresentaram melhor desempenho na escrita um ano
depois.
Após esse breve levantamento de pesquisas realizadas somente no Brasil,
pode-se constatar que os resultados dos trabalhos mostram que existe relação
entre consciência fonológica e aquisição da escrita. No entanto, ainda é
necessária a realização de um maior número de estudos que aprofundem o
assunto e busquem identificar em que medida consciência fonológica e escrita
estão relacionadas, e em que momento essas habilidades são desenvolvidas.
Além disso, observa-se a escassez de trabalhos longitudinais, que possam
45
observar o desenvolvimento das habilidades metafonológicas em comparação ao
desenvolvimento da aquisição da escrita.
As pesquisas normalmente avaliam a consciência fonológica de crianças
não alfabetizadas e relacionam o desempenho em consciência fonológica ao
desempenho em leitura e escrita após um determinado período de tempo. Não há
estudos para o português brasileiro que acompanhem longitudinalmente o
desenvolvimento da consciência fonológica, comparado à aquisição da escrita. A
pesquisa de Costa (2002) tem um caráter longitudinal, mas examina os dados de
crianças em dois momentos separados por um ano, fato que não possibilita a
observação mais detalhada do desenvolvimento das capacidades das crianças.
Pode-se afirmar, então, que a originalidade da presente pesquisa é o fato de ser
um trabalho verdadeiramente longitudinal que relaciona consciência fonológica à
aquisição da escrita e investiga as habilidades metafonológicas em crianças
falantes de português.
46
2 METODOLOGIA
2.1 Tipo de pesquisa
Este estudo constitui-se de uma pesquisa de campo, longitudinal e
transversal, que investiga a relação entre o desenvolvimento da consciência
fonológica e da aquisição da escrita.
2.2 Amostra
A amostra desta pesquisa é constituída por 33 alunos (n= 33) de uma
escola particular da cidade de Porto Alegre, RS. Esses sujeitos encontravam-se
entre o Nível A da Educação Infantil e a 2a série do ensino fundamental, com
idades entre os 4:5 anos e os 8:1 anos. Essas crianças estão divididas em um
grupo longitudinal e dois transversais. São eles:
Grupo Transversal 1 - 10 crianças no Jardim A da Educação Infantil, o
que corresponde a dois anos antes do ingresso na 1a série do ensino
fundamental.
Grupo Transversal 2 - 10 crianças na 2a série do Ensino Fundamental.
Grupo Longitudinal – 13 crianças acompanhadas desde o Jardim B da
Educação Infantil, ano anterior à 1a série, até o final da 1a série do Ensino
Fundamental.
47
Os critérios para a seleção desses sujeitos foram:
- não apresentar desvios fonológicos evolutivos;
- não apresentar deficiências mentais;
- não apresentar problemas físicos que comprometessem a aplicação do
teste, como surdez e cegueira;
- não apresentar histórico de repetência.
Para a seleção dos sujeitos, a pesquisadora entrou em contato com as
coordenadoras pedagógicas da educação infantil e do ensino fundamental e
solicitou que os grupos fossem formados por crianças da mesma turma. Foram
observadas as fichas escolares individuais das crianças, cedidas pelas
coordenadoras pedagógicas, a fim de evitar a seleção de crianças que não
preenchessem os critérios pré-estabelecidos. A escola se encarregou de enviar
aos pais o termo de consentimento informado, através do qual foi obtida a
permissão para que as crianças participassem da pesquisa.
Os sujeitos da pesquisa não foram emparelhados quanto ao sexo. O fator
classe social foi controlado a partir da escolha de sujeitos freqüentadores de uma
mesma escola, que atende à comunidade de nível sócio-econômico médio. A
escola segue uma concepção construtivista, sócio-interacionista, proporcionando
aos alunos a imersão no mundo letrado e a descoberta da importância da leitura e
da escrita.
Deve-se ressaltar que as crianças que fizeram parte desta pesquisa
convivem em um contexto familiar que estimula o contato com práticas de
letramento, seja através de histórias infantis, músicas, jogos, ou mesmo da
observação de atividades de leitura e escrita realizadas pelos adultos.
O estabelecimento dos três grupos de participantes da pesquisa permite
contemplar as faixas necessárias para a observação da relação entre consciência
fonológica e aquisição da escrita. O levantamento dos dados de crianças
freqüentadoras dos níveis A e B da educação infantil permite a observação do
desempenho em consciência fonológica por crianças que não receberam ensino
sistemático da escrita. Os dados da 1a série do ensino fundamental levam à
observação do desempenho de crianças que estão em processo de alfabetização,
recebendo ensino sistemático da escrita. Por fim, os dados da 2a série do ensino
48
fundamental permitem a observação do desempenho em consciência fonológica
por crianças que já foram expostas ao ensino sistemático da escrita. Dessa forma,
pode-se observar a consciência fonológica em crianças antes, durante e após o
ensino sistemático da escrita.
2.3 Coleta de dados
A coleta de dados desta pesquisa foi realizada nos anos de 2000 e 2001,
em entrevistas realizadas na escola. No primeiro ano de coleta de dados, foram
selecionados 10 sujeitos do Jardim A (Grupo Transversal 1) e 20 sujeitos do
Jardim B (Grupo Longitudinal). Ao longo da pesquisa, um sujeito do grupo
longitudinal foi eliminado pela pesquisadora por suspeita de desvios fonológicos e
seis crianças saíram da escola, reduzindo o grupo longitudinal para 13
informantes. A perda de sujeitos ao longo de uma pesquisa longitudinal era
esperada pela pesquisadora.
Os informantes do grupo Transversal 1 foram testados em junho de 2000,
em entrevistas individuais. Eles responderam ao teste de consciência fonológica
chamado Teste Metafonológico Seqüencial - TMS (veja-se 2.4.1), que foi aplicado
em duas etapas. Na primeira entrevista a criança respondia a parte relativa à
consciência da sílaba e na segunda entrevista era aplicada a parte relativa à
consciência do fonema. Os dados da escrita das crianças foram coletados na
segunda entrevista, através da estimulação com gravuras e brinquedos.
Os informantes longitudinais (Grupo Longitudinal) responderam ao teste de
consciência fonológica e tiveram dados da escrita coletados em entrevistas
individuais realizadas nos meses de abril/maio, agosto e novembro dos anos de
2000 e 2001. Nas seis aplicações do instrumento TMS foram variados os
materiais lúdicos que apresentavam as gravuras do teste, para que despertasse
maior interesse nas crianças. A parte relativa à consciência da sílaba era aplicada
na primeira entrevista e em um segundo momento, normalmente no dia seguinte,
era aplicada a parte relativa à consciência fonêmica e coletados os dados da
escrita, a partir de gravuras e brinquedos.
Para decidir a periodicidade da coleta de dados do grupo longitudinal, foi
realizado um levantamento sobre coleta de dados em pesquisas sobre aquisição
da escrita. Ferreiro e Teberosky (1991) entrevistaram crianças no início, pelo meio
49
e ao final do ano. Rego (1996) coletou a escrita de crianças no início e ao fim da
1a série. Zorzi (1998) observou a escrita das crianças no 2o semestre e ao fim da
1a série. Cardoso-Martins (1991) coletou dados de leitura e escrita na 1a série, ao
final do 1o semestre e ao final do ano letivo.
Com base no levantamento sobre as pesquisas referidas acima, optou-se
por testar as crianças do grupo longitudinal (Grupo 2) três vezes ao ano, ou seja,
no início, pelo meio e ao fim do ano letivo.
A coleta dos dados do grupo Tranversal 2 (2a série) ocorreu em maio de
2001. As dez crianças responderam ao Teste Metafonológico Seqüencial e
tiveram dados da escrita coletados em entrevistas individuais. O teste foi aplicado
em duas etapas e a escrita foi coletada através da estimulação com gravuras.
2.4 Instrumentos
2.4.1 Teste Metafonológico Seqüencial
Para a observação do desempenho dos informantes em consciência
fonológica foi utilizado o Teste Metafonológico Seqüencial (TMS), elaborado pela
pesquisadora juntamente com um grupo5 formado por psicopedagogas,
fonoaudiólogas, lingüistas e uma psicóloga, na busca de um teste fidedigno para
a avaliação da consciência fonológica em crianças brasileiras. As tarefas do TMS
estão organizadas de forma seqüencial, apresentando uma gradação de
dificuldade ao longo do teste.
O Teste Metafonológico Seqüencial (ver anexo 1) é dividido em duas
partes: a primeira relativa à consciência da sílaba e a segunda à consciência do
fonema, devendo ser aplicadas em dois momentos. A ordem das tarefas será
exposta a seguir.
5 Sônia Moojen, Regina Lamprecht, Rosangela Marostega Santos, Gabriela Menezes de Freitas, RaquelBrodacz, Maity Siqueira, Adriana Corrêa Costa, Elisabet Guarda. O TMS foi reformulado e validado,resultando no teste Consciência fonológica: instrumento de avaliação seqüencial – CONFIAS (2003).
50
Nível da sílaba Nível do fonema
SÍNTESE E SEGMENTAÇÃOS1 – Síntese silábicaS2 – Segmentação silábica
IDENTIFICAÇÃOS3 – Palavra que compartilha da mesmasílaba inicialS4 – Palavra que rima com a palavramodeloS5 – Palavra que compartilha da mesmasílaba no meio da palavra
PRODUÇÃOS6 – Palavra que inicia com a mesmasílabaS7 – Rima
EXCLUSÃOS8 – Silábica inicialS9 – Silábica final
TRANSPOSIÇÃOS 10 – Transposição silábica
PRODUÇÃOF 1 – Palavra que inicia com o som dado
IDENTIFICAÇÃOF 2 – Palavra que compartilha do mesmofonema finalF 3 – Palavra que compartilha do mesmofonema inicial
EXCLUSÃOF 4 – Fonema dado
SÍNTESE E SEGMENTAÇÃOF 5 – Síntese fonêmicaF 6 – Segmentação fonêmica
TRANSPOSIÇÃOF 7 – Transposição fonêmica
FIGURA 6 – Estrutura do Teste Metafonológico Seqüencial
Os itens do teste são compostos por dois exemplos iniciais e quatro
palavras-alvo. Nas tarefas de identificação e produção silábica e fonêmica são
apresentados desenhos das palavras-alvo, o que pretende tornar o teste mais
lúdico, auxiliar a memória e não desviar a atenção do sujeito testado.
As palavras devem ser ditas pelo aplicador e repetidas apenas uma vez.
Cada resposta deve ser marcada na Folha de Respostas que acompanha o
instrumento. Nessa folha há espaço para anotações de observações relevantes
realizadas ao longo da aplicação que sirvam de subsídio para posterior análise
qualitativa. As respostas corretas valem um ponto e as incorretas valem zero. Na
parte da sílaba, o máximo de pontuação é 40, e na parte do fonema 30,
totalizando 70 pontos, o que corresponde a 100% de acertos.
2.4.2 Instrumento para a coleta da escrita
A coleta de dados da escrita foi realizada através da escrita de palavras e
frases estimuladas por gravuras, brinquedos e livros selecionados pela
pesquisadora, a partir de um tema sugerido pela psicopedagoga Sônia Moojen.
51
Foram escolhidas palavras que despertassem o interesse das crianças e que não
estivessem presentes no dia-a-dia escolar, para que fosse evitado o fator de
conhecimento visual da grafia das palavras. Para o Grupo Longitudinal, o número
de palavras e frases e a complexidade das mesmas, quanto à extensão e aos
moldes silábicos, aumentaram ao longo das seis coletas realizadas, mantendo-se
algumas palavras fixas. Dessa forma, foi possível observar o desenvolvimento da
escrita dessas crianças, as dificuldades encontradas e os mecanismos utilizados
para a resolução dessas dificuldades. As palavras e frases selecionadas pela
pesquisadora serão expostas a seguir.
Grupo Período Escrita solicitada Estímulo visual
Longitudinal(Jardim B)
abril/maio2000
- castelo- esqueleto- O fantasma abriu a porta.
- maquete- quebra-cabeça- gravura
Longitudinal(Jardim B)
agosto/2000
- esqueleto- bruxa- monstro- O fantasma abriu a porta do castelo.
- maquete- quebra-cabeça- gravura
Longitudinal(Jardim B)
novembro/2000
- esqueleto- monstro- aranha- O castelo é da bruxa.- O fantasma e o morcego abriram a porta.
- livro infantil
Longitudinal(1a série) abril/maio
2001
- O morcego está na porta do castelo.- A bruxa está enfeitiçando a aranha.- O cachorro pisou no fantasma.- O esqueleto está brincando com o monstro.
- livro infantil
Longitudinal(1a série)
agosto/2001
- O fantasma está suando.- Os morcegos moram no castelo.- O vampiro vai sair do caixão.- A aranha entrou no chinelo.- Tiraram a cabeça do monstro e do esqueleto- A porta do armário abriu e a bruxa apareceu
no espelho.
- livro infantil
Longitudinal(1a série)
novembro/2001
- O monstro pendurou o fantasma.- O morcego e a bruxa estão voando.- O vampiro está conversando com a múmia.- O esqueleto esqueceu a perna presa na
corrente.- Tem uma aranha enorme na porta do castelo.- O dragão arrebentou a grade da janela.
- livro infantil
Transversal 1Jardim A
maio/2000
- castelo- esqueleto.- O fantasma abriu a porta.
- maquete- quebra-cabeça- gravura
Transversal 2(2a série) maio/
2001
- O morcego está na porta do castelo.- A bruxa está enfeitiçando a aranha.- O cachorro pisou no fantasma.- O esqueleto está brincando com o monstro.
- livro infantil
FIGURA 7 – Palavras e frases utilizadas na coleta de dados da escrita
A coleta dos dados da escrita das crianças era realizada na segunda
entrevista, após a aplicação da parte do teste referente à consciência do fonema.
52
A entrevistadora mostrava à criança o material lúdico, conversava sobre ele e
solicitava a escrita das palavras e frases. A orientação dada à criança era:
“Escreve como tu achas correto. Escreve do teu jeito.” Dessa forma, as crianças
ficavam livres para demonstrar sua concepção sobre escrita, possibilitando a
observação da hipótese de escrita (Ferreiro e Teberosky, 1996) em que elas se
encontravam.
2.5 Tratamento estatístico dos dados
2.5.1 Consciência fonológica
O desempenho no teste de consciência fonológica foi observado através do
levantamento dos acertos marcados nas folhas de resposta de cada um dos
sujeitos da pesquisa. Foram considerados o desempenho geral no teste e o
desempenho nos níveis da sílaba e do fonema. Ainda foi possível observar o
comportamento dos sujeitos com relação a rimas e aliterações e às diferentes
tarefas do teste: síntese, segmentação, identificação, produção, exclusão e
transposição. Esses dados foram tabulados e, posteriormente, receberam
tratamento estatístico.
O nível da sílaba foi observado a partir do desempenho dos sujeitos nas
tarefas de síntese, segmentação, identificação, produção, exclusão e
transposição silábica (de S1 até S10). A análise do nível do fonema foi realizada a
partir das tarefas de produção, identificação, exclusão, síntese, segmentação e
transposição fonêmica (de F1 até F7).
Para a observação do desempenho dos sujeitos em tarefas de rima, foram
considerados os acertos nos itens de identificação (S4) e produção de rima (S7).
O desempenho em tarefas de aliteração foi observado a partir das tarefas de
identificação de palavra que compartilha da mesma sílaba inicial e produção de
palavra que inicia com a mesma sílaba (S3 e S6).
As diferentes tarefas do teste foram observadas através da soma dos
desempenhos nos níveis da sílaba e do fonema, considerando-se síntese e
segmentação (S1,S2, F5 e F6), identificação (S3, S4, S5, F2 e F3), exclusão (S8,
S9, F4) e transposição (S10 e F7).
53
Para verificar a provável existência de diferença entre o desempenho dos
três grupos (logitudinal e transversais 1 e 2), aplicou-se uma ANOVA (Analysis of
Variance) de um fator, adotando-se um nível de significância de 5%. A partir das
médias observou-se o desempenho dos informantes no teste, nos níveis da sílaba
e do fonema, e nas diferentes tarefas solicitadas.
Com o propósito de constatar as medidas de desempenho em consciência
fonológica para cada um dos treze informantes do Grupo Longitudinal, optou-se
por uma análise descritiva que contém a média percentual de acertos obtidos no
total das aplicações do teste de consciência fonológica. Além disso, ainda foram
descritas as médias e os desvios do Grupo Longitudinal em cada uma das seis
aplicações do teste, possibilitando a observação do desempenho do grupo ao
longo dos dois anos de pesquisa.
Para a observação do desempenho evolutivo de cada informante do Grupo
Longitudinal, adotou-se o procedimento de uma Análise de Série Temporal
através do Software MINITAB, cujo componente de interesse no presente estudo
é o Modelo de Tendência, que foi aplicado às equações lineares e exponencial. A
equação exponencial mostrou-se a mais apropriada por apresentar menor
variabilidade dos dados, além de possibilitar o estabelecimento de uma taxa
percentual teórica de crescimento e uma interpretação mais imediata dos dados.
Nos dados levantados, ainda foram calculadas as diferenças entre as
observações, comparando-se dado período com o período anterior. Esse cálculo
possibilitou a identificação do intervalo em que cada sujeito apresentou maior
crescimento. Para identificar a possível relação entre o desempenho em
consciência fonológica e a escrita das crianças, foram comparadas, através da
correlação de Person, as percentagens de acertos em consciência fonológica e as
hipóteses de escrita de cada um dos informantes longitudinais, atribuindo um
valor numérico para cada uma das hipóteses.
A comparação do desempenho médio dos Grupos Transversais no teste de
consciência fonológica foi realizada através da aplicação de uma Análise de
Variância de um Fator (ANOVA), que possibilitou a comparação do desempenho
dos informantes (descritivamente) nas diferentes tarefas do teste, bem como a
comparação dos resultados nos níveis da sílaba e do fonema, e nas tarefas de
rima e aliteração.
54
Para possibilitar a comparação do desempenho dos sujeitos antes,
durante e após o ensino sistemático da escrita, foram confrontados os dados dos
Grupos Transversais e Longitudinal. O Grupo Transversal 1 (Jardim A) representa
as crianças que não foram expostas ao ensino sistemático da escrita e o Grupo
Transversal 2 (2a série) representa crianças que já foram expostas ao ensino
sistemático da escrita, tendo passado pela alfabetização. O grupo em processo
de alfabetização foi formado a partir da 4a coleta do Grupo Longitudinal, quando
as crianças estavam na 1a série do ensino fundamental.
Para identificar a provável existência de diferença no desempenho médio
dos grupos em consciência fonológica, aplicou-se uma Análise de Variância de
um Fator (ANOVA) que forneceu, para cada grupo, o valor-p e os valores
(individuais) da média e desvio padrão. Posteriormente, com o propósito de
comparar o desempenho dos grupos antes, durante e após o ensino sistemático
da escrita, aplicou-se um intervalo de comparação simultâneo que permitiu
ordenar os intervalos do desempenho dos três grupos.
A comparação dos resultados obtidos pelos Grupos Transversais e
Longitudinal, identificando-se as tarefas do teste e os níveis de consciência
fonológica mais fáceis e mais difíceis para cada um dos grupos, também foi
realizada através da utilização da Análise de Variância de um Fator (ANOVA).
2.5.2 Escrita
Os dados da escrita das crianças foram analisados pela pesquisadora,
tendo como primeiro objetivo identificar as hipóteses de escrita (Ferreiro e
Teberosky, 1991) dos sujeitos da pesquisa, quais sejam: hipótese pré-silábica,
silábica, silábico-alfabética e alfabética. Através da identificação desses níveis
pode-se observar a evolução da escrita das crianças e a relação com o
desempenho em consciência fonológica. Acredita-se que é mais fidedigno falar-se
em hipóteses de escrita do que em idades ou séries escolares, uma vez que
crianças com a mesma idade e freqüentadoras da mesma série escolar podem
apresentar desempenho diverso com relação à escrita. A pesquisa de Moojen e
Santos (2001) demonstrou que as hipóteses de escrita foram as variáveis mais
55
significativas na comparação do desempenho em consciência fonológica por
crianças de Nível B e 1a série.
Para a classificação das hipóteses de escrita das crianças foi estabelecido
o critério de que as amostras de escrita deveriam contar com, no mínimo, duas
palavras características de determinada hipótese para serem consideradas como
tal. Além da pesquisadora, uma psicopedagoga julgou as amostras de escrita.
Caso existisse discordância sobre a classificação da hipótese de escrita, o grupo
que elaborou o teste de consciência fonológica opinava sobre a classificação da
amostra.
Para observar a possível correlação entre consciência fonológica e escrita,
foram atribuídos valores às hipóteses de escrita (pré-silábica=1, silábica=2,
silábico-alfabética=3, alfabética=4), e esses valores foram comparados às
percentagens de acertos em consciência fonológica, utilizando-se a correlação de
Person.
Os sujeitos do Grupo Longitudinal tiveram suas produções escritas
analisadas, levando-se em consideração os erros fonológicos evidenciados.
Dessa forma, pode-se observar se existem exemplos de escrita semelhantes aos
encontrados na aquisição da fala, comparando-se os dados da presente pesquisa
com os apontados nos trabalhos de Varella (1993) e Mezzomo (2004). A análise
desses dados também possibilitou a observação dos recursos utilizados pelas
crianças para grafar sílabas mais complexas (CCV, CVCC), evidenciando a
consciência em relação a tais sílabas.
Após a explicitação da metodologia utilizada neste estudo, pode-se passar
à descrição dos dados e análise dos resultados da pesquisa, que serão
apresentados nos capítulos que seguem.
56
3 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DO GRUPO
LONGITUDINAL
3.1 Descrição dos dados e análise dos resultados individuais
Nesta seção serão descritos os dados e analisados os resultados do Grupo
Longitudinal, coletados ao longo dos dois anos de pesquisa. Será analisado, para
cada um dos informantes, seu desempenho em consciência fonológica e
observadas suas hipóteses de escrita. Ainda será observado o desempenho em
consciência silábica e fonêmica, buscando-se a corroboração ou não das
hipóteses aventadas para esta pesquisa.
A descrição estatística dos dados forneceu a média obtida nas seis
aplicações do teste metafonológico e o desvio padrão de cada informante, os
quais servirão para uma comparação realizada na seção 3.2.
Os dados do Grupo Longitudinal foram analisados através de um Modelo
Estatístico de Tendência, que calcula uma taxa referencial de desempenho em
consciência fonológica e identifica o momento em que há maior crescimento no
desempenho de cada um dos sujeitos.
Os dados serão analisados tento como base as hipóteses elaboradas para
esta pesquisa, quais sejam:
1) As crianças apresentam habilidades metafonológicas antes de
receberem o ensino sistemático da escrita.
2) As habilidades metafonológicas são aprimoradas ao longo do processo
de aquisição da escrita.
3) O nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita
em que a criança se encontra.
57
4) As crianças apresentam maior facilidade em responder às tarefas
referentes ao nível da sílaba do que às do nível do fonema.
5) O desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é beneficiado
pela chegada à hipótese de escrita alfabética.
6) O ensino sistemático da escrita, realizado na 1a série, impulsiona o
aprimoramento das habilidades metafonológicas.
A seguir serão apresentados os dados individuais dos treze informantes do
Grupo Longitudinal.
L1 – Ana
Os dados relativos às aplicações do teste de consciência fonológica e à
escrita de Ana estão registrados na Tabela 1, onde se pode observar seu
desempenho ao longo dos dois anos de pesquisa.
Tabela 1 - Desempenho de L1 no TMSData da
aplicaçãoHipótese de
escritaAcertos (%)
26/4/00 PS 307/8/00 S 32
42,8545,71
6/11/00 S 40 57,142/4/01 SA 41
20/8/01 A 569/11/01 A 55
58,5780
78,57
A descrição estatística dos dados de Ana indica que a média geral obtida
nas seis aplicações do teste foi de 60,48% de acertos e um desvio padrão de
15,82%. Esse desvio padrão representa a variabilidade, em torno da média, no
número de acertos obtidos por Ana nas seis aplicações, os quais aumentam
concomitante ao avanço na escrita.
A partir dos dados da Tabela 1, foi aplicada uma Análise Temporal,
utilizando-se a equação exponencial, que possibilitou o estabelecimento de uma
taxa de crescimento para o desempenho de Ana em consciência fonológica. Esse
crescimento pode ser observado na figura a seguir.
58
LegendaTime – seis aplicações do testeL1 – desempenho do sujeito 1___ crescimento real em CF6
----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 8 – Crescimento em consciência fonológica (L1)
A análise temporal da equação de tendência realizada mostra que Ana teve
uma taxa de crescimento de 14,48% em seu desempenho no teste de consciência
fonológica ao longo dos dois anos da pesquisa. O cálculo das diferenças entre as
observações, comparando o número de acertos de dado período com o período
anterior, permite observar que o salto no desempenho de Ana acontece na
passagem da 4a para a 5a aplicação do teste, quando a hipótese de escrita dela
passou de silábico-alfabética para alfabética. Pode-se supor que o desempenho
em consciência fonológica aprimora-se a medida que a criança vai tendo contato
com a escrita e tem o maior crescimento quando ela torna-se alfabética, fato que
corrobora as hipóteses 2 e 3 desta pesquisa.
O desempenho nos níveis da sílaba e do fonema estão expressos na
Tabela 2, abaixo.
Tabela 2 – Desempenho de L1 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
26/4/00 PS 24 60,00 6 207/8/00 S 23 57,5 9 30
6/11/00 S 32 80 8 26,662/4/01 SA 34 85 7 23,33
6 Nas legendas, a abreviatura CF refere-se à consciência fonológica.
59
20/8/01 A 39 97,5 17 56,669/11/01 A 39 97,5 16 53,33
Observa-se que Ana apresentou um crescimento em seu desempenho nos
níveis da sílaba e do fonema ao longo da pesquisa. O percentual de acertos no
nível da sílaba foi sempre mais alto que o do nível do fonema, fato que ilustra a
concepção de que o nível de consciência da sílaba é acessado mais facilmente
que o de consciência fonêmica, corroborando a hipótese 4 desta pesquisa. Pode-
se observar nos dados de Ana que o salto no desempenho em consciência
fonêmica se dá na passagem da 4a para a 5a aplicação, quando ela torna-se
alfabética. Esse fato corrobora a hipótese 5 desta pesquisa, e pode ser um
indicativo de que a consciência fonêmica está diretamente relacionada ao nível
alfabético, quando a criança descobre o Princípio Alfabético da escrita, sendo
capaz de fazer a conversão fonema – grafema.
L2 – BRUNO
A Tabela 3, exposta a seguir, apresenta os dados do desempenho de
Bruno no teste de consciência fonológica e as hipóteses de escrita demonstradas
por ele nas seis aplicações realizadas.
Tabela 3 – Desempenho de L2 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
16/5/00 PS 33 47,1418/8/00 PS 36 51,4210/11/00 S 39 55,712/4/01 S 51 72,8513/8/01 SA 57 81,429/11/01 A 62 88,57
60
Pode-se observar, na Tabela 3, que Bruno apresentou crescimento no
desempenho em consciência fonológica e progresso com relação às hipóteses de
escrita. A média geral obtida nas seis aplicações foi de 66,19% de acertos, com
um desvio padrão de 17,13%.
A utilização do Modelo Exponencial de Tendência estabelece uma taxa de
crescimento para o desempenho de Bruno, o que pode ser observado na figura a
seguir.
LegendaTime – seis aplicações do testeL2 – desempenho do sujeito 2___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
FIGURA 9 – Crescimento em consciência fonológica (L2)
A análise realizada mostra que Bruno obteve uma taxa de crescimento de
14,69% em consciência fonológica. O cálculo das diferenças das aplicações
demonstrou que o maior crescimento de Bruno em consciência fonológica ocorreu
na passagem da 3a para a 4a aplicação. Nesse momento Bruno encontrava-se na
hipótese silábica, não apresentando alteração em sua hipótese de escrita. No
entanto, a 4a aplicação foi realizada no início da 1a série do ensino fundamental,
quando Bruno estava recebendo ensino sistemático de escrita. Possivelmente
esse ensino tenha contribuído para um aumento no desempenho de Bruno em
consciência fonológica, corroborando a hipótese de que o fato de vivenciar o
ensino formal da escrita propicia o crescimento no desempenho em consciência
fonológica (hipótese 6).
61
A Tabela 4, a seguir, expressa os resultados de Bruno nos níveis da sílaba
e do fonema.
Tabela 4 – Desempenho de L2 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
16/5/00 PS 26 65 10 33,3318/8/00 PS 26 65 10 33,3310/11/00 S 29 72,5 12 402/4/01 S 34 85 17 56,6613/8/01 SA 37 92,5 21 709/11/01 A 39 97,5 23 76,66
Pode-se observar que Bruno demonstrou ter consciência silábica e
fonêmica desde o início da pesquisa, e tanto uma quanto outra apresentaram
crescimento ao longo dos dois anos de investigação. A percentagem de acertos
no nível da sílaba foi sempre mais alta que a do nível do fonema, corroborando a
hipótese 4 desta pesquisa: as crianças apresentam maior facilidade em responder
às tarefas referentes ao nível da sílaba.
L3 – CAROLINA
O desempenho de Carolina no teste de consciência fonológica e suas
hipóteses de escrita estão expostos na Tabela 5, a seguir.
Tabela 5 – Desempenho de L3 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
26/4/00 A 47 67,1415/8/00 A 59 84,286/11/00 A 60 85,7116/4/01 A 62 88,5720/8/01 A 64 91,429/11/01 A 66 94,28
A descrição estatística dos dados referentes ao desempenho de Carolina
em consciência fonológica mostrou que a média da menina nas seis aplicações
do teste foi de 85,24% de acertos, com um desvio padrão de 9,59%. Esse desvio
padrão demonstra que Carolina não apresentou grande variabilidade no número
de acertos do teste, apresentando um pequeno crescimento através das
aplicações.
62
Os dados das seis aplicações do teste de consciência fonológica foram
analisados através de um Modelo de Tendência que possibilitou a observação do
desempenho de Carolina ao longo dos dois anos de pesquisa e o
estabelecimento de uma taxa de crescimento, o que pode ser observado na figura
a seguir.
LegendaTime – seis aplicações do testeL3 – desempenho do sujeito 3___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 10 – Crescimento em consciência fonológica (L3)
A taxa de crescimento apresentada por Carolina foi de 5,8%. Essa taxa é
mais baixa em relação aos sujeitos anteriores, o que pode ser justificado pelo fato
da menina ter apresentado um bom desempenho no teste desde o início da
pesquisa, não possibilitando um grande crescimento em consciência fonológica.
Observa-se, através do cálculo das diferenças entre as aplicações, um
maior crescimento entre a 1a e a 2a aplicação do teste. O desempenho de
Carolina em consciência fonológica aumentou ao longo da pesquisa, no entanto,
foi um aumento mais sutil, uma vez que ela já apresentava um bom nível de
consciência fonológica. Isso também pode estar relacionado ao fato de Carolina
não apresentar alteração em relação à hipótese de escrita, uma vez que ela
apresentou escrita alfabética desde o início da pesquisa, corroborando a hipótese
63
de que o nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita
em que a criança se encontra (hipótese 3).
A Tabela 6, a seguir, apresenta o desempenho de Carolina nos níveis da
sílaba e do fonema.Tabela 6 – Desempenho de L3 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
26/4/00 A 33 82,5 14 46,6615/8/00 A 40 100 19 63,336/11/00 A 37 92,5 23 76,6616/4/01 A 40 100 22 73,3320/8/01 A 40 100 24 809/11/01 A 40 100 26 86,66
Os dados da Tabela 6 mostram que o desempenho de Carolina foi sempre
mais alto no nível da sílaba do que no nível do fonema. Desde a primeira
aplicação ela foi capaz de demonstrar ter consciência de sílabas e fonemas,
apresentando crescimento tanto em um nível, quanto no outro. No entanto,
somente no nível da sílaba a menina foi capaz de responder corretamente a todas
as tarefas, demonstrando 100% de acertos nas três últimas aplicações. Esse fato
vem reforçar a facilidade em lidar com o nível da sílaba em comparação com o do
fonema, uma vez que em nenhuma das aplicações Carolina apresentou 100% de
acertos nas tarefas de consciência fonêmica. Esse comportamento corrobora a
hipótese 4 desta pesquisa, que diz que as crianças apresentam maior facilidade
em responder às tarefas referentes ao nível da sílaba.
L4 – CLARA
Os dados referentes ao desempenho de Clara nos dois anos de pesquisa
estão expressos na Tabela 7, a seguir. Essa tabela apresenta as hipótese de
escrita da criança nos momentos de coleta de dados, o número e o percentual de
acertos obtidos no teste de consciência fonológica.Tabela 7 – Desempenho de L4 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
19/5/00 S 38 54,2814/8/00 S 47 67,14
13/11/00 SA 49 7020/4/01 SA 52 74,2827/8/01 A 61 87,14
16/11/01 A 68 97,14
64
A descrição estatística dos dados de Clara mostra uma média geral de
75% de acertos no teste de consciência fonológica e um desvio padrão de
15,19%. Esse desvio expressa a variabilidade no número de acertos
apresentados pela menina nas seis aplicações.
Para observação do desempenho em consciência fonológica ao longo dos
dois anos de pesquisa, os dados foram analisados através de um Modelo de
Tendência, que possibilitou o estabelecimento de uma taxa de crescimento.
Esses dados podem ser observados na figura a seguir.
LegendaTime – seis aplicações do testeL4 – desempenho do sujeito 4___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 11 – Crescimento em consciência fonológica (L4)
A taxa de crescimento de Clara foi de 11,31%, apresentando um maior
crescimento no intervalo entre a 4a e 5a aplicação. Nesse intervalo, Clara passou
da hipótese de escrita silábico-alfabética para a alfabética, fato que pode ter
contribuído para um melhor desempenho em consciência fonológica,
corroborando a hipótese de que o desempenho em consciência fonológica está
relacionado às hipóteses de escrita (hipótese 3). Observa-se que há um
crescimento gradual no desempenho em consciência fonológica ao longo das seis
aplicações, bem como um progresso relacionado à hipótese de escrita,
corroborando a hipótese 2 desta pesquisa. À medida que Clara vivencia um maior
65
contato com o universo da escrita, são aprimoradas suas habilidades em
consciência fonológica.
Na Tabela 8, a seguir, estão expressos os dados relativos à consciência da
sílaba e do fonema.
Tabela 8 – Desempenho de L4 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
19/5/00 S 27 67,5 11 36,6614/8/00 S 35 87,5 12 40
13/11/00 SA 35 87,5 14 46,6620/4/01 SA 36 90 16 53,3327/8/01 A 40 100 21 70
16/11/01 A 40 100 28 93,33
Pode-se observar, na tabela acima, que Clara apresentou crescimento nos
dois níveis do teste, sendo o desempenho no nível da sílaba sempre superior ao
obtido no nível do fonema, fato já observado nos sujeitos analisados
anteriormente, e que corrobora a hipótese 4. Nas duas últimas aplicações do
teste, Clara alcançou 100% de acertos no nível da sílaba, o que também ilustra a
maior facilidade com relação a esse nível. Com relação à consciência fonêmica, a
menina apresenta um salto no desempenho no momento em que atinge a
hipótese de escrita alfabética, corroborando a hipótese 5 desta pesquisa.
L5 – DIOGO
A tabela que segue apresenta o desempenho de Diogo no teste de
consciência fonológica e as hipóteses de escrita em que ele se encontrava nas
seis aplicações do teste.
Tabela 9 – Desempenho de L5 no testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
9/5/00 PS 26 37,1415/8/00 PS 37 52,85
21/11/00 S 42 609/5/01 SA 52 74,28
27/8/01 A 66 94,2819/11/01 A 58 82,85
A descrição estatística dos dados das seis aplicações revelou uma média
66,90% de acertos em consciência fonológica e um desvio padrão de 20,93%. O
66
desvio padrão apresentado por Diogo representa a variabilidade no número de
acertos obtidos, demonstrando que ele teve um aumento considerável no número
de acertos obtidos em cada aplicação.
Os dados das aplicações do teste de consciência fonológica foram
analisados através de um Modelo Estatístico de Tendência, que demonstrou a
taxa de crescimento do desempenho de Diogo no teste. A evolução do
desempenho em consciência fonológica pode ser melhor observada através da
figura exposta a seguir.
LegendaTime – seis aplicações do testeL5 – desempenho do sujeito 5___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 12 – Crescimento em consciência fonológica (L5)
Conforme a análise estatística, a taxa de crescimento do desempenho de
Diogo no teste foi de 18,56%, demonstrando que houve considerável progresso
em consciência fonológica. O cálculo da diferença das aplicações indica que
Diogo apresentou maior crescimento em consciência fonológica entre a 4a e a 5a
aplicação. Nesse intervalo, o menino passou da hipótese de escrita silábico-
alfabética para a alfabética, podendo ser esse o fator que contribuiu para um
maior desenvolvimento das habilidades metafonológicas, como já foi constatado
em outros informantes analisados, corroborando a hipótese de que o nível de
consciência fonológica está relacionado às hipóteses de escrita (hipótese 3).
A Tabela 10 apresenta o desempenho de Diogo nos níveis do teste.
67
Tabela 10 – Desempenho de L5 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
9/5/00 PS 20 50 6 2015/8/00 PS 30 75 7 23,33
21/11/00 S 31 77,5 11 36,669/5/01 SA 37 92,5 15 50
27/8/01 A 38 95 28 93,3319/11/01 A 34 85 24 80
Com base nos dados expressos na Tabela 10 observa-se que o
desempenho de Diogo no nível da sílaba foi sempre mais alto que no nível do
fonema, corroborando a hipótese 4. Na passagem da 4a para a 5a aplicação, há
um salto no desempenho de Diogo no nível do fonema, evidenciando que o
desempenho nas tarefas referentes a esse nível é beneficiado pela chegada à
hipótese de escrita alfabética (hipótese 5).
L6 – GIOVANA
O desempenho no teste de consciência fonológica e as hipóteses de
escrita de Giovana estão espostos na Tabela 11, a seguir.
Tabela 11 – Desempenho de L6 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
26/04/00 S 37 52,8518/06/00 SA 47 67,1406/11/00 A 54 77,1402/04/01 A 60 85,7113/08/01 A 66 94,2809/11/01 A 64 91,42
A descrição estatística dos dados de Giovana mostra que a menina obteve
uma média de 78,10% de acertos nas aplicações do teste e um desvio padrão de
15,85%, o que representa as variações no desempenho.
Para a análise do crescimento em consciência fonológica, foi utilizado um
Modelo Estatístico de Tendência que permite a observação da taxa de
crescimento obtida por Giovana. Os dados estão expressos na figura abaixo.
68
LegendaTime – seis aplicações do testeL6 – desempenho do sujeito 6___ crescimento real em CF----- curva de tendênciado crescimento em CF
Figura 13 – Crescimento em consciência fonológica (L16)
A taxa de crescimento de Giovana foi de 11,67%, comprovando que houve
um progresso em consciência fonológica, além disso, observa-se progresso
também com relação à hipótese de escrita. O cálculo das diferenças entre as
aplicações demonstrou que o maior crescimento no desempenho de Giovana
deu-se entre a 1a e a 2a aplicação, quando ela tornou-se silábico-alfabética.
Nesse momento a menina estava abandonando a concepção de que cada sílaba
é representada por um grafema, adquirindo a habilidade de identificar que as
letras representam sons. Nessa transição da hipótese silábica para a silábico-
alfabética um elemento necessário é a consciência fonêmica, fato que pode
explicar por que Giovana melhorou seu desempenho no teste consideravelmente.
Os dados de Giovana corroboram o fato de a consciência fonológica estar
relacionada às hipóteses de escrita, uma vez que seu desempenho melhora a
partir do momento em que ela apresenta características alfabéticas, o que
corrobora a hipótese 2 deste estudo.
A seguir são apresentados os resultados nos níveis da sílaba e do fonema.
Tabela 12 – Desempenho de L6 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
26/04/00 S 27 67,5 10 33,3318/06/00 SA 32 80 15 5006/11/00 A 35 87,5 19 63,33
69
02/04/01 A 38 95 22 73,3313/08/01 A 39 97,5 27 9009/11/01 A 39 97,5 25 83,33
Na Tabela 12 pode-se observar que o desempenho de Giovana em tarefas
que envolviam a consciência silábica foi sempre melhor do que em tarefas de
consciência fonêmica, corroborando a hipótese 4. Com relação à consciência
fonêmica, observa-se um maior crescimento quando a criança já se encontra na
hipótese de escrita alfabética, corroborando a hipótese 5.
L7 – GUSTAVO
O desempenho de Gustavo em consciência fonológica e as hipóteses de
escrita serão apresentados na Tabela 13, a seguir.
Tabela 13 – Desempenho de L7 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
11/05/00 A 54 77,1421/08/00 A 59 84,2806/11/00 A 63 9002/04/01 A 64 91,4213/08/01 A 67 95,7109/11/01 A 69 98,57
A descrição estatística dos dados de Gustavo mostra que ele obteve uma
média geral de 89,52% de acertos nas seis testagens realizadas, apresentando
um desvio padrão de 7,81%, o que demonstra uma baixa variabilidade nos
resultados. Novamente encontra-se uma baixa variabilidade em consciência
fonológica relacionada à permanência da hipótese de escrita alfabética. Gustavo,
por já estar no nível alfabético, apresentou um bom desempenho em consciência
fonológica desde a primeira etapa da pesquisa, corroborando a hipótese de que
consciência fonológica está relacionada à hipótese de escrita em que a criança se
encontra (hipótese 3).
A análise estatística realizada através do Modelo de Tendência possibilita a
observação do crescimento do desempenho de Gustavo em consciência
fonológica e fornece a taxa desse crescimento, o que pode ser observado na
figura a seguir.
70
LegendaTime – seis aplicações do testeL7 – desempenho do sujeito 7___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 14 – Crescimento em consciência fonológica (L7)
O Modelo de Tendência utilizado aponta que Gustavo obteve uma taxa de
crescimento de 4,74% ao longo dos dois anos da pesquisa. O cálculo das
diferenças entre as aplicações mostra que o maior acréscimo ocorreu entre a 1a e
a 2a aplicação. Em relação aos demais sujeitos analisados, a taxa de crescimento
de Gustavo é baixa, o que pode se dever ao fato de desde o início da pesquisa o
menino já ter apresentado um bom desempenho em consciência fonológica.
Desde a primeira aplicação Gustavo já se encontrava no nível de escrita
alfabética e demonstrava um bom desempenho no teste, que foi mantido e
aprimorado ao longo dos dois anos de pesquisa. No entanto, este aprimoramento
representa um crescimento sutil quando comparado ao crescimento apresentado
por informantes que iniciam a pesquisa com um desempenho baixo em
consciência fonológica.
Os resultados referentes aos níveis da sílaba e do fonema serão expostos
a seguir, na Tabela 14.
Tabela 14 – Desempenho de L7 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
11/05/00 A 34 85 20 66,6621/08/00 A 39 97,5 20 66,66
71
06/11/00 A 40 100 23 76,6602/04/01 A 40 100 24 8013/08/01 A 40 100 27 9009/11/01 A 40 100 29 96,66
Os dados da Tabela 14 mostram que Gustavo apresentou melhor
desempenho na parte do teste referente à sílaba em todas as aplicações
realizadas, o que corrobora a hipótese 4 desta pesquisa. Além disso, a partir da 3a
aplicação Gustavo obteve 100% de acertos nas tarefas que envolviam
consciência silábica, fato que não ocorreu em relação à consciência fonêmica em
nenhuma das aplicações. Mais uma vez pode-se observar uma facilidade
relacionada à consciência silábica, comparada à consciência fonêmica. Com
relação à consciência fonêmica, observa-se um maior crescimento entre a 4a e a
5a aplicação, quando a criança está exposta ao ensino formal da escrita, fato que
parece propiciar o crescimento da consciência fonológica, conforme aventado na
hipótese 6.
L8 – LUANA
A Tabela 15, a seguir, apresenta os resultados em consciência fonológica e
as hipóteses de escrita de Luana nas seis etapas da pesquisa.
Tabela 15 – Desempenho de L8 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
14/05/00 PS 23 32,8521/08/00 PS 27 38,5713/11/00 PS 27 38,5702/04/01 S 30 42,8513/08/01 A 51 72,85
09/11/01 A 59 84,28A descrição estatística dos dados de Luana mostra que ela obteve uma
média geral de 51,43% de acertos no teste, com um desvio padrão de 20,96%. O
alto índice do desvio padrão justifica-se pelo fato de Luana ter apresentado uma
grande variabilidade no número de acertos do teste da primeira para a sexta
aplicação. Além disso, observa-se que houve progresso com relação às hipóteses
de escrita da criança.
O crescimento no desempenho de Luana ao longo da pesquisa pode ser
melhor observado na figura abaixo, fornecida pela análise do Modelo de
Tendência.
72
LegendaTime – seis aplicações do testeL8 – desempenho do sujeito 8___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 15 – Crescimento em consciência fonológica (L8)
A taxa de crescimento em consciência fonológica obtida por Luana foi de
20,88%. O cálculo das diferenças entre as aplicações mostrou que o maior
crescimento em consciência fonológica se dá entre a 4a e a 5a aplicação, quando
a menina passou da hipótese silábica para a alfabética, corroborando a hipótese
de que o nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita
em que a criança se encontra (hipótese 3). A taxa de crescimento de Luana é
bastante alta, o que pode ser justificado pelo fato de a menina ter obtido
desempenho baixo no início da pesquisa e aumentado significativamente esse
desempenho até o final do acompanhamento longitudinal. Nas três primeiras
aplicações do teste Luana permaneceu na hipótese de escrita pré-silábica, não
apresentando crescimento significativo em consciência fonológica. No entanto, na
5a aplicação, quando a menina tornou-se alfabética, houve um salto no
desempenho. Mais uma vez a hipótese de escrita está diretamente relacionada ao
desempenho em consciência fonológica.
A Tabela 16, a seguir, apresenta o desempenho de Luana nos níveis da
sílaba e do fonema.
Tabela 16 – Desempenho de L8 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
73
aplicação de escrita14/05/00 PS 17 42,5 6 2021/08/00 PS 20 50 7 23,3313/11/00 PS 19 47,5 8 26,6602/04/01 S 23 57,5 7 23,3313/08/01 A 32 80 19 63,3309/11/01 A 36 90 23 76,66
Pode-se observar que Luana obteve crescimento nos dois níveis de
consciência fonológica, apresentando maior facilidade em lidar com a parte
relativa à consciência da sílaba, corroborando a hipótese 4 desta pesquisa. Deve-
se salientar que houve um salto em consciência fonêmica na passagem da 4a
para a 5a aplicação do teste, quando Luana tornou-se alfabética. Ou seja, a
consciência fonêmica é beneficiada pela chegada à hipótese de escrita alfabética,
corroborando a hipótese 5.
L9 – LÚCIO
O desempenho de Lúcio em consciência fonológica e as hipóteses de
escrita estão registrados na Tabela 17, a seguir.
Tabela 17 – Desempenho de L9 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
09/05/00 PS 36 51,4221/08/00 S 44 62,8514/11/00 SA 45 64,2809/04/01 SA 55 78,5720/08/01 SA 61 87,1409/11/01 A 64 91,42
A descrição estatística dos dados de Lúcio mostra que ele obteve uma
média geral de 72,62% de acertos no teste, com um desvio padrão igual a
15,58%, o que evidencia a variabilidade no número de acertos ao longo das seis
aplicações do teste.
A tabela apresentada anteriormente mostra que houve um crescimento no
desempenho em consciência fonológica, o qual foi analisado através de um
Modelo de Tendência. Esse crescimento pode ser melhor observado na Figura
16, a seguir.
74
LegendaTime – seis aplicações do testeL9 – desempenho do sujeito 9___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 16 – Crescimento em consciência fonológica (L9)
A taxa de crescimento em consciência fonológica, expressa através do
modelo estatístico utilizado, foi de12,29%, evidenciando um aprimoramento das
habilidades metafonológicas. O cálculo das diferenças entre as aplicações
mostrou que Lúcio obteve maior crescimento entre a 3a e a 4a aplicação,
momento em que ele se encontrava na hipótese de escrita silábico-alfabética e
estava exposto ao ensino sistemático da escrita, o que pode corroborar as
hipóteses 3 e 6. O fato de vivenciar o ensino formal da escrita e de apresentar
características da hipótese alfabética propicia o crescimento da consciência
fonológica.
O desempenho nos níveis da sílaba e do fonema estão registrados na
Tabela 18, a seguir.
Tabela18 – Desempenho de L9 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
09/05/00 PS 28 70 8 26,6621/08/00 S 34 85 10 33,3314/11/00 SA 31 77,5 14 46,6609/04/01 SA 38 95 17 56,6620/08/01 SA 40 100 21 7009/11/01 A 38 95 26 86,66
75
Os dados da Tabela 18 apontam para uma facilidade do nível da sílaba em
comparação ao nível do fonema, fato que corrobora a hipótese 4 desta pesquisa.
Assim como observado em outros sujeitos analisados, Lúcio apresentou 100% de
acertos no nível da sílaba em uma das aplicações, fato que reafirma a concepção
de que crianças em fase de alfabetização apresentam maior facilidade em
responder tarefas que envolvem consciência silábica. O maior crescimento no
desempenho em consciência fonêmica se dá quando Lúcio chega à hipótese de
escrita alfabética, corroborando a hipótese de que a consciência fonêmica é
beneficiada pela chegada à hipótese alfabética (hipótese 5).
L10 – LUÍZA
A Tabela 19, a seguir, expressa o desempenho de Luíza em consciência
fonológica e as hipóteses de escrita observadas nas seis coletas de dados
realizadas.Tabela 19 – Desempenho de L10 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
19/05/00 PS 23 32,8514/08/00 PS 29 41,4210/11/00 PS 28 4006/04/01 PS 32 45,7120/08/01 SA 41 58,5709/11/01 A 56 80
A descrição estatística dos dados mostrou que Luíza obteve uma média
geral de 50,24% de acertos em consciência fonológica, com um desvio padrão de
16,55%.
Pode-se observar a evolução do desempenho de Luíza em consciência
fonológica no gráfico que segue, obtido através da análise dos dados por um
Modelo Estatístico de Tendência.
76
LegendaTime – seis aplicações do testeL10 – desempenho do sujeito 10___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 17 – Crescimento em consciência fonológica (L10)
O modelo estatístico utilizado forneceu a taxa de crescimento em
consciência fonológica de Luíza, que foi de 16,03% e indica um aprimoramento
significativo de suas capacidades metafonológicas. O cálculo das diferenças entre
os períodos de aplicação do teste mostrou que o maior aumento em consciência
fonológica ocorreu entre a 5a e a 6a aplicação, quando Luíza passou da hipótese
de escrita silábico-alfabética para a alfabética e apresentou um salto no
desempenho das tarefas do teste. Mais uma vez pode-se ligar o aumento no
desempenho em consciência fonológica ao momento em que a criança chega ao
nível alfabético, corroborando a hipótese 3 que diz que consciência fonológica
está relacionada às hipóteses de escrita.
Os dados relativos à consciência de sílabas e fonemas estão expressos na
Tabela 20, a seguir.
Tabela 20 – Desempenho de L10 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
19/05/00 PS 17 42,5 6 2014/08/00 PS 22 55 7 23,3310/11/00 PS 22 55 6 2006/04/01 PS 20 50 12 4020/08/01 SA 28 70 13 43,3309/11/01 A 36 90 20 66,66
77
Os dados da tabela anterior mostram que houve um crescimento tanto no
nível da sílaba, quanto no do fonema. Entre os dois níveis, observa-se uma
facilidade com relação à sílaba, corroborando a hipótese 4 desta pesquisa. Com
relação à consciência fonêmica, observa-se que o maior crescimento ocorre
quando a criança chega ao nível alfabético, corroborando a hipótese 5 deste
estudo.
L11 – MARCELO
O desempenho de Marcelo em consciência fonológica está registrado na
Tabela 21, a seguir, onde estão os números e as percentagens de acertos obtidos
em cada aplicação do teste, bem como as hipóteses de escrita em que o sujeito
se encontrava.
Tabela 21 – Desempenho de L11 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
11/05/00 A 43 61,4218/08/00 A 48 68,5720/11/00 A 50 71,4209/04/01 A 63 9020/08/01 A 62 88,5709/11/01 A 66 94,28
A descrição estatística dos dados de Marcelo mostra que ele obteve uma
média geral de 79,05% e um desvio padrão de 13,57%. Ou seja, o menino
apresenta uma boa média em consciência fonológica e um desvio padrão não
muito alto. Possivelmente o fato de Marcelo ter iniciado a pesquisa já mostrando
uma escrita alfabética justifique o fato de apresentar um bom desempenho em
consciência fonológica e uma variabilidade no número de acertos do teste
relativamente baixa.
A tabela acima mostra que Marcelo apresentou um crescimento em
consciência fonológica ao longo dos dois anos de pesquisa. Esse crescimento
pode ser melhor observado na Figura 18, realizada através da análise estatística
da tendência desse crescimento.
78
LegendaTime – seis aplicações do testeL11 – desempenho do sujeito 11___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
Figura 18 – Crescimento em consciência fonológica (L11)
O modelo estatístico utilizado permitiu calcular o percentual de crescimento
em consciência fonológica alcançado por Marcelo, que foi de 9,39%. Através do
cálculo das diferenças entre os escores obtidos em cada aplicação do teste
metafonológico, observa-se que Marcelo apresentou maior crescimento no
número de acertos do teste entre a 3a e a 4a aplicação. Nesse momento o
informante estava iniciando a 1a série do ensino fundamental, recebendo
efetivamente ensino sistemático da escrita, fato que pode ter propiciado o
crescimento em consciência fonológica, como aventado na hipótese 6 desta
pesquisa.
A seguir será apresentada a Tabela 22, onde aparece o desempenho de
Marcelo nos níveis da sílaba e do fonema.
Tabela 22 – Desempenho de L11 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
11/05/00 A 29 72,5 14 46,6618/08/00 A 33 82,5 15 5020/11/00 A 33 82,5 17 56,6609/04/01 A 39 97,5 24 8020/08/01 A 39 97,5 23 76,6609/11/01 A 39 97,5 27 90
79
Os dados da Tabela 22 mostram que Marcelo, assim como os demais
sujeitos desta pesquisa, demonstrou melhor desempenho na parte do teste
relativa à consciência silábica, corroborando a hipótese 4. Com relação à
consciência fonêmica, observa-se um salto no número de acertos entre a 3a e a 4a
aplicação do teste, quando o percentual de acertos passa de 56,66% para 80%.
Nesse momento da pesquisa Marcelo estava exposto ao ensino sistemático da
escrita, o que pode ser uma explicação para esse aumento significativo no
desempenho em consciência fonêmica.
Pode-se ainda observar na Tabela 22 que houve crescimento tanto no nível
da sílaba quanto no do fonema, no entanto, o maior crescimento se dá em
consciência fonêmica, uma vez que o desempenho de Marcelo nesse nível
começou mais baixo (46,66%) e alcançou 90% de acertos. Esse fato confirma a
concepção de que o contato com a escrita desenvolve em maior grau a
consciência fonêmica, o que pode estar relacionado à hipótese 5 desta pesquisa.
L12 – MARIANA
Os dados referentes à escrita e ao desempenho de Mariana em
consciência fonológica estão registrados na Tabela 23, a seguir.
Tabela 23 – Desempenho de L12 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
28/04/00 A 38 54,2814/08/00 A 45 64,2806/11/00 A 50 71,4230/04/01 A 61 87,1431/08/01 A 64 91,4226/11/01 A 64 91,42
Foi realizada uma descrição estatística dos dados de Mariana, que mostrou
uma média geral em consciência fonológica de 76,67%, e um desvio padrão de
15,67%. Os dados da Tabela 23 evidenciam que Mariana obteve bons resultados
desde o início da pesquisa e foi aprimorando seu desempenho ao longo dos dois
anos. Mesmo já estando no nível de escrita alfabética, Mariana apresentou
crescimento em consciência fonológica, fato que mostra que estar em um nível
alfabético não indica dominar todas as habilidades metafonológicas.
80
Os dados da Tabela 23 foram analisados através de um Modelo Estatístico
de Tendência, que forneceu a taxa de crescimento em consciência fonológica
obtida por Mariana. Pode-se observar esse crescimento, que foi de 11,66%, na
Figura 19, a seguir.
LegendaTime – seis aplicações do testeL12 – desempenho do sujeito 12___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em CF
FIGURA 19 – Crescimento em consciência fonológica (L12)
O cálculo das diferenças entre as aplicações do teste mostrou que o maior
crescimento em consciência fonológica obtido por Mariana ocorreu entre a 3a e a
4a aplicação, momento em que a menina passou para a 1a série do ensino
fundamental, recebendo ensino sistemático da escrita, o que corrobora a 6a
hipótese desta pesquisa.
O desempenho nos níveis da sílaba e do fonema estão expressos na
Tabela 24, a seguir.
Tabela 24 – Desempenho de L12 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
28/04/00 A 22 55 16 53,3314/08/00 A 31 77,5 14 46,6606/11/00 A 31 77,5 19 63,3330/04/01 A 39 97,5 22 73,3331/08/01 A 37 92,5 27 9026/11/01 A 39 97,5 25 83,33
81
Pode-se observar na tabela apresentada anteriormente que Mariana
obteve crescimento nos níveis da sílaba e do fonema, demonstrando maior
facilidade com relação à consciência silábica, fato já observado em outros
informantes e que corrobora a concepção de que crianças apresentam maior
facilidade em responder às tarefas referentes ao nível da sílaba (hipótese 4).
L13 – TIAGO
A Tabela que segue apresenta o desempenho de Tiago no teste
metafonológico e as hipóteses de escrita observadas nas seis aplicações do
teste.
Tabela 25 – Desempenho de L13 no TMSData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Acertos (%)
12/05/00 SA 44 62,8521/08/00 A 55 78,5721/11/00 A 55 78,5709/04/01 A 51 72,8527/08/01 A 65 92,8516/11/01 A 66 94,28
A descrição estatística dos dados de Tiago mostra que ele obteve uma
média geral de 80% de acertos em consciência fonológica, apresentando um
desvio padrão de 11,99%.
Os dados da tabela acima evidenciam a existência de um crescimento em
consciência fonológica, o qual pode ser melhor observado na Figura 20, a seguir,
obtida através da utilização de um Modelo de Tendência.
82
LegendaTime – seis aplicações do testeL13 – desempenho do sujeito 13___ crescimento real em CF----- curva de tendência docrescimento em consciênciafonológica
FIGURA 20 – Crescimento em consciência fonológica (L13)
O modelo de tendência exponencial mostrou a taxa de crescimento em
consciência fonológica alcançada por Tiago, que foi de 7,26%. O cálculo das
diferenças entre as aplicações evidenciou que o maior aumento no desempenho
em consciência fonológica ocorreu entre as aplicações 4 e 5. Nesse momento,
Tiago estava na 1a série do ensino fundamental, vivenciando o ensino formal da
escrita. Essa pode ser a justificativa para o aumento do desempenho em
consciência fonológica, como aventado na hipótese 6 desta pesquisa.
O desempenho nos níveis da sílaba e do fonema estão expressos na
Tabela 26, a seguir.
Tabela 26 – Desempenho de L13 nos níveis do testeData da
aplicaçãoHipótesede escrita
Sílaba (%) Fonema (%)
12/05/00 SA 27 67,5 17 56,6621/08/00 A 36 90 19 63,3321/11/00 A 35 87,5 20 66,6609/04/01 A 34 85 17 56,6627/08/01 A 40 100 25 83,3316/11/01 A 40 100 26 86,66
Os dados da tabela acima mostram que houve crescimento tanto no nível
da sílaba quanto no do fonema. O desempenho em consciência silábica foi
83
sempre mais alto do que em consciência fonêmica, fato que corrobora a hipótese
4. Nas duas últimas aplicações do teste Tiago apresentou 100% de acertos na
parte referente à consciência silábica, demonstrando ter habilidade em lidar com
as sílabas. Com relação à consciência fonêmica, observa-se um salto no
desempenho entre a 4a e a 5a aplicação, momento em que Tiago está vivenciando
o ensino formal da escrita.
3.2 Comparação do desempenho dos sujeitos
Nesta seção será feita uma comparação entre o desempenho dos sujeitos,
observando-se a média geral e o desvio padrão individual obtidos nas aplicações
do teste de consciência fonológica, e as hipóteses de escrita de cada informante.
A Tabela 27 apresenta a descrição estatística de cada informante,
expressa através da média e do desvio padrão das seis aplicações do teste
metafonológico, organizadas em ordem decrescente.
Tabela 27 – Dados estatísticos dos sujeitos longitudinais
Informante Média no TMS (%) Desvio Padrão (%)
L7 – Gustavo 89,52 7,81
L3 – Carolina 85,24 9,59
L13 – Tiago 80 11,99
L11 – Marcelo 79,05 13,57
L6 – Giovana 78,1 15,85
L12 – Mariana 76,67 15,67
L4 – Clara 75 15,19
L9 – Lúcio 72,62 15,58
L5 – Diogo 66,9 20,93
L2 – Bruno 66,19 17,13
L1 – Ana 60,48 15,82
L8 – Luana 51,43 20,96
L10 – Luíza 50,24 16,55
84
A partir dos dados da tabela acima pode-se observar que as médias no
teste estiveram, em sua totalidade, acima de 50% de acertos. Essas médias
evidenciam que as crianças obtiveram bons desempenhos, o que pode indicar
que o teste utilizado foi adequado para crianças em fase de aquisição da escrita.
O Teste Metafonológico Seqüencial não acarretou maiores dificuldades em
termos de sua aplicação ou execução das tarefas propostas, parecendo ser um
instrumento adequado para testar a consciência fonológica em crianças falantes
de português brasileiro.
Os dados da Tabela 27 mostram que as médias mais altas foram as dos
informantes L7 (89,52%) e L3 (85,24%). Essas crianças já se encontravam na
hipótese de escrita alfabética desde o início da pesquisa, fato que pode ser a
justificativa para apresentarem melhor desempenho em consciência fonológica.
Por outro lado, as crianças que apresentaram as médias mais baixas (L8 –
51,43% e L10 – 50,24%) foram as que permaneceram por mais tempo na
hipótese de escrita pré-silábica durante a pesquisa, tendo um desempenho baixo
até a quarta coleta de dados. Esses resultados corroboram a concepção de que a
hipótese de escrita está relacionada ao desempenho em consciência fonológica.
Com relação ao desvio padrão, observa-se que as crianças que obtiveram
os escores mais baixos (L3 e L7) são as que desde o início da pesquisa
mostraram-se alfabéticas. Ou seja, o fato de permanecer na hipótese de escrita
alfabética contribui para a existência de pouca variabilidade nos escores obtidos
no teste de consciência fonológica, uma vez que desde o início da pesquisa esses
sujeitos apresentaram bom percentual de acertos no teste.
3.3 Relação entre o crescimento em consciência fonológica e a evoluçãodas hipóteses de escrita
Considerando-se as taxas de crescimento dos informantes, fornecidas pelo
Modelo de Tendência, pode-se estabelecer uma relação com o desempenho em
escrita, o que será exposto na Tabela 28, a seguir. Nessa tabela os informantes
estão apresentados partindo-se daquele que obteve maior taxa de crescimento,
ou seja, maior ganho em consciência fonológica, para o que obteve menor taxa
de crescimento.
85
Tabela 28 – Relação entre a taxa de crescimento em consciência fonológica e ashipóteses de escritaInformante Taxa de crescimento (%) Hipóteses de escrita
L8 20,88 PS PS PS S A A
L5 18,56 PS PS S SA A A
L 10 16,03 PS PS PS PS SA A
L 2 14,69 PS PS S S SA A
L1 14,48 S S S SA A A
L9 12,29 PS S SA SA SA A
L6 11,67 S SA A A A A
L 12 11,66 A A A A A A
L4 11,31 S S SA SA A A
L 11 9,39 A A A A A A
L 13 7,26 A A A A A A
L3 5,8 A A A A A A
L 7 4,74 A A A A A A
Pode-se observar na Tabela 28 que as taxas de crescimento mais altas
(acima de 12%) estão relacionadas quase que categoricamente aos sujeitos que
iniciaram a pesquisa como PS e levaram mais tempo para tornarem-se alfabéticos
(com exceção de L1).
As taxas de crescimento mais baixas (abaixo de 10%) estão relacionadas
ao desempenho de crianças que sempre foram alfabéticas. No entanto, deve-se
ressaltar que houve crescimento no desempenho em consciência fonológica
mesmo para aquelas crianças que desde o início da pesquisa estavam na
hipótese alfabética. Esse fato evidencia que é produtivo trabalhar a consciência
fonológica com crianças que já descobriram o princípio alfabético, pois esse
trabalho ainda pode oferecer um ganho a essas crianças. Observando os dados
dessas crianças chega-se também à corroboração das hipóteses de que as
habilidades metafonológicas são aprimoradas com a aquisição da escrita e que o
fato de vivenciar o ensino formal da escrita propicia o crescimento do
desempenho em consciência fonológica.
Deve-se ressaltar algumas diferenças individuais que podem ser
observadas na tabela anterior. Os informantes L5 e L2 apresentam
desenvolvimento igual na escrita até a terceira coleta, sendo pré-silábicos nas
duas primeiras coletas e silábicos na terceira. Na quarta etapa da pesquisa L5
86
passa a ser silábico-alfabético e L2 permanece silábico. O informante L5 torna-se
alfabético na quinta etapa e L2 somente na sexta coleta. Ou seja, L5 apresentou
uma evolução mais rápida na escrita a partir da quarta etapa da pesquisa, o que
pode justificar o fato de ele ter apresentado um crescimento em consciência
fonológica maior do que o de L2.
Ainda quanto às diferenças, pode-se observar os informantes L8 e L10,
que permanecem pré-silábicos até a terceira coleta de dados. Na quarta coleta L8
está na hipótese silábica e na quinta etapa da pesquisa ele já se torna alfabético.
O informante L10 continua pré-silábico na quarta etapa, torna-se silábico-
alfabético na quinta coleta e passa a ser alfabético somente na sexta coleta de
dados. Ou seja, L8 apresentou um desenvolvimento mais rápido da escrita e
alcançou a hipótese alfabética antes do que L10, fato que pode justificar a maior
taxa de crescimento de L8 em comparação ao crescimento de L10 em
consciência fonológica.
3.4 Correlação entre o desempenho inicial e a taxa de crescimento emconsciência fonológica
Observou-se a possível existência de uma correlação entre o desempenho
inicial em consciência fonológica e a taxa de crescimento do desempenho
metafonológico de cada informante. Essa análise foi realizada através da
utilização da correlação de Pearson, comparando-se o desempenho inicial em
consciência fonológica de cada sujeito à sua taxa de crescimento, a partir dos
dados apresentados pela equação exponencial. Os dados analisados estão
expressos na tabela 29, onde os sujeitos aparecem por ordem de desempenho
em consciência fonológica, partindo-se do informante que obteve o percentual
mais alto até aquele que apresentou o menor percentual de acertos na primeira
aplicação do teste.
87
Tabela 29 – Desempenho inicial e taxa de crescimento em consciênciafonológica
Sujeitos Desempenho inicial em CF (%) Taxa de crescimento em CF (%)L7 77,14 4,74
L3 67,14 5,8
L13 62,85 7,26
L11 61,42 9,39
L4 54,28 11,31
L12 54,28 11,66
L6 52,85 11,67
L9 51,42 12,29
L2 47,14 14,69
L1 42,85 14,48
L5 37,14 18,56
L10 32,85 16,03
L8 32,85 20,88
Verificou-se que há uma correlação negativa (r = -0,970) estatisticamente
significativa (P = 0,000) entre o ponto de partida e a taxa de crescimento em
consciência fonológica. Ou seja, as crianças que apresentaram um desempenho
inicial alto em consciência fonológica foram as que obtiveram menor taxa de
crescimento (L7, L3, L13 e L11), enquanto que aquelas que apresentaram um
desempenho inicial baixo em consciência fonológica foram as que obtiveram as
taxas de crescimento mais altas (L5, L10, L 8).
As crianças que iniciaram a pesquisa com um desempenho alto em
consciência fonológica permaneceram demonstrando um percentual de acertos
alto no teste e não evidenciaram grande crescimento em consciência fonológica.
No entanto, aquelas que iniciaram a pesquisa com um percentual de acertos mais
baixo no TMS tiveram oportunidade de, ao longo da pesquisa, demonstrar
crescimento considerável no desempenho em consciência fonológica. Mas, cabe
ressaltar que todos os sujeitos testados apresentaram crescimento no
desempenho em consciência fonológica, fato que confirma o aprimoramento das
habilidades metafonológicas.
Ainda é possível observar algumas diferenças individuais entre os sujeitos.
Os informantes L8 e L10 iniciaram a pesquisa apresentando o mesmo
desempenho em consciência fonológica (32,85%), no entanto, a taxa de
crescimento de L8 (20,88) foi maior que a de L10 (16,03). Isso pode estar
88
relacionado ao desenvolvimento da escrita desses informantes, uma vez que L10
permaneceu por mais tempo na hipótese de escrita pré-silábica e demonstrou
menor crescimento em consciência fonológica. A passagem para hipóteses de
escrita mais avançadas parece contribuir para o desempenho em consciência
fonológica.
3.5 Correlação entre consciência fonológica e hipóteses de escrita
Com a finalidade de identificar se existe correlação entre o desempenho
em consciência fonológica e as hipóteses de escrita das crianças, utilizou-se a
correlação de Pearson que considerou esses dados para cada uma das crianças
ao longo das etapas da pesquisa. Para possibilitar a observação dessa
correlação, foram atribuídos valores correspondentes às hipóteses de escrita (pré-
silábica=1; silábica=2; silábico-alfabética=3; alfabética=4).
Não foram considerados os dados dos informantes que apresentaram a
hipótese de escrita alfabética desde o início da pesquisa, não havendo mudança
em relação à hipótese de escrita (informantes L3, L7, L11 e L12). Foram
observados, então, somente as nove crianças que apresentaram variação em
suas hipóteses de escrita, demonstrando uma evolução relacionada aos níveis de
escrita (informantes L1, L2, L4, L5, L6, L8, L9, L10, L13). Os dados podem ser
observados na tabela a seguir.
Tabela 30 - Correlação entre consciência fonológica ehipóteses de escrita
Sujeitos Correlação P Valor*
L1 0,949 0,004
L2 0,937 0,006
L4 0,925 0,008
L5 0,956 0,003
L6 0,927 0,008
L8 0,973 0,001
L9 0,882 0,020
L10 0,963 0,002
L13 0,701 0,121
* P Valor – estatisticamente significativo quando < 0,05.
89
Verificou-se a existência de correlação estatisticamente significativa entre o
desempenho em consciência fonológica e os níveis de escrita para oito dos
informantes observados (L1, L2, L4, L5, L6, L8, L9, L10). As hipóteses de escrita
e o desempenho em consciência fonológica evoluíram ao longo da pesquisa e
apresentaram uma alta correlação (entre 0,882 e 0,973) entre elas, apontando
para a concepção de que consciência fonológica e aquisição da escrita
desenvolvem-se concomitantemente e influenciam-se de forma recíproca.
Como é possível constatar na tabela apresentada, apenas o informante
L13 não apresentou uma correlação estatisticamente significativa entre o
desempenho em consciência fonológica e os níveis de escrita. No entanto, esse
informante já iniciou a pesquisa como silábico-alfabético e, da segunda coleta de
dados até o final da pesquisa, apresentou escrita alfabética, fato que pode
justificar a inexistência de uma correlação entre o desenvolvimento da
consciência fonológica e a passagem pelas hipóteses de escrita, uma vez que ele
demonstrou características alfabéticas desde a primeira entrevista.
Os dados desta pesquisa mostram que as hipóteses de escrita estão
diretamente ligadas ao nível de consciência fonológica de crianças em processo
de aquisição da escrita. O desempenho em consciência fonológica e as
hipóteses de escrita evidenciam uma correlação positiva entre si, reforçando a
idéia de que consciência fonológica e aquisição de escrita desenvolvem-se de
maneira relacionada.
3.6 Comparação dos desempenhos do Grupo Longitudinal
Nesta seção será apresentada a descrição estatística dos dados do Grupo
Longitudinal nas seis aplicações do teste metafonológico, considerando-se o
desempenho geral do grupo em cada uma das aplicações. Serão analisados as
médias e os desvios obtidos pelo grupo nos seis momentos de coleta dos dados.
A Tabela 31, a seguir, apresenta a média e o desvio padrão do Grupo
Longitudinal nas seis aplicações do teste metafonológico. A média refere-se ao
desempenho dos 13 sujeitos longitudinais em cada uma das seis etapas da
pesquisa.
90
Foi observado ainda o coeficiente de variação apresentado pelo grupo,
obtido através da divisão do desvio padrão pela média. Esse coeficiente permite a
observação do grau de variação existente em cada uma das seis etapas da
pesquisa.
Tabela 31 – Descrição estatística dos dados do Grupo Longitudinal
Aplicação Média (%) Desvio Padrão (%) Coeficiente de Variação(%)
1 52,08 13,03 25,02
2 62,08 15,28 24,61
3 66,15 15,74 23,79
4 74,06 16,10 21,74
5 85,82 10,52 12,25
6 89,67 6,57 7,33
Observa-se na tabela apresentada anteriormente que há um crescimento
na média de acertos do teste da primeira para a sexta aplicação, o que expressa
o desenvolvimento do nível de consciência fonológica dos sujeitos ao longo da
pesquisa. Na primeira aplicação do teste os sujeitos já apresentavam habilidades
metafonológicas, demonstrando capacidade de refletir sobre e manipular os sons
da fala mesmo antes do ensino sistemático da escrita. Essa consciência foi sendo
aprimorada ao longo dos dois anos, permitindo o crescimento do desempenho no
teste. Pode-se observar que a consciência fonológica desenvolve-se ao longo do
processo de aquisição da escrita.
Nas quatro primeiras aplicações do teste, o desvio padrão é bastante alto,
mostrando que há uma grande variabilidade no desempenho dos sujeitos. A
variabilidade pode ser relacionada ao fato de o grupo apresentar diferentes
hipóteses de escrita nessas etapas da pesquisa, o que pode justificar as
diferenças no desempenho em consciência fonológica. O desvio padrão
apresentado pelo grupo é mais baixo na última etapa da pesquisa, quando todos
os sujeitos encontravam-se na hipótese de escrita alfabética, demonstrando
menos variabilidade nos resultados do teste e uma maior homogeneidade com
relação às concepções sobre a escrita. Como pode ser visto na tabela anterior, na
primeira aplicação do teste o coeficiente de variação era de 25,02%,
demonstrando uma considerável variabilidade no desempenho das crianças. Essa
variabilidade cai para 7,33% na sexta aplicação, quando as crianças estão todas
já na hipótese de escrita alfabética. À medida que as crianças vão tornando-se
91
mais homogêneas com relação às hipóteses de escrita, vão demonstrando um
comportamento semelhante em consciência fonológica e diminuindo a
variabilidade no desempenho, influenciadas pelo domínio do código escrito. A
chegada à hipótese alfabética faz com que elas comecem a apresentar um
desempenho semelhante em consciência fonológica.
Até o momento apresentou-se a descrição dos dados e a análise estatística
dos resultados do grupo longitudinal, realizadas através de uma análise
quantitativa. A seguir (seções 3.7 e 3.8) serão analisados dados qualitativos
observados pela pesquisadora durante a aplicação do teste, bem como
considerações importantes sobre a escrita dos sujeitos que participaram desta
pesquisa.
3.7 Manifestações dos sujeitos durante a aplicação do teste
Nesta seção serão observados e discutidos dados sobre as manifestações
dos sujeitos durante a aplicação do teste. A partir da escuta das fitas com as
gravações das entrevistas realizadas, foram destacados os comentários
relevantes feitos pelas crianças no momento da aplicação do TMS. Além disso,
serão apresentados os erros mais comuns entre as crianças, que podem
contribuir para o entendimento das dificuldades enfrentadas pelos informantes
testados.
Um primeiro fator que se deve considerar é o tempo de aplicação do TMS,
que pode estar relacionado ao desempenho dos informantes. O tempo de
duração da sessão de coleta de dados de cada criança para o nível da sílaba e do
fonema foi anotado, propiciando um acompanhamento da duração das testagens
desde a primeira até a última coleta de dados. Pode-se observar que o tempo
para a realização das tarefas do teste diminui com o passar das testagens. A
média de tempo do grupo Longitudinal para o nível da sílaba na primeira coleta foi
de vinte e três minutos, e para o nível do fonema foi de dezoito minutos. Essas
médias diminuem nas coletas seguintes e baixam significativamente na última
coleta para nove minutos no nível da sílaba e nove minutos no nível do fonema.
Essa diminuição de tempo pode estar relacionada ao desempenho do grupo, ou
seja, uma vez que o desempenho melhora, as crianças são mais rápidas para
resolver as tarefas do teste. Também não pode ser descartado o fato de as
92
crianças, ao final da pesquisa, já terem maior familiaridade com o teste
metafonológico e com a pesquisadora.
Com relação às manifestações das crianças durante a aplicação do teste,
muitas delas expressam verbalmente a facilidade, a dúvida ou a dificuldade
relacionadas a determinada tarefa. No momento em que estavam realizando a
atividade, muitas crianças fizeram comentários que podem levar a uma pequena
visão do processo mental de avaliação que a criança realiza no momento em que
busca a resposta. Esses comentários permitem observar o que as crianças
estavam pensando em relação às tarefas propostas e inferir quais as dificuldades
enfrentadas, o que será apresentado a seguir.
As manifestações relacionadas à facilidade das tarefas foram observadas,
em sua maioria, no nível da sílaba. Em algumas tarefas as crianças mostraram-se
empolgadas com a atividade e, inclusive, quiseram explicar o que tinham
entendido sobre a tarefa proposta, como pode ser visto nos exemplos a seguir7.
Tarefa S1 – Síntese silábica
“Eu sou esperto!” (Gustavo – 3a coleta)
Tarefa S3 – Palavra que compartilha da mesma sílaba inicial
“Bem legal o joguinho!” (Giovana – 1a coleta)
Tarefa S4 – Palavra que rima com a palavra modelo
“É o que está rimando!” (Giovana – 1a coleta)
Tarefa S8 – Exclusão de sílaba inicial
“Fica uma palavra também quando a gente tira os pedacinhos” (Giovana –
2a coleta).
Tarefa F1 – Palavra que inicia com o som dado
Pesquisadora: “O que começa com...”
“No começo é mais fácil!” (Carolina – 3a coleta)
7 As falas das crianças estão registradas entre aspas e em itálico, enquanto que os comentários dapesquisadora estão destacados entre aspas.
93
Nas tarefas em que as crianças apresentavam dúvidas, pode-se observar
que elas ficavam muito pensativas e demonstravam expressões faciais que
evidenciavam o estranhamento com relação à tarefa proposta. Essas dúvidas
foram manifestadas principalmente nas tarefas de síntese e segmentação
fonêmica e nas tarefas de transposição. Também foi possível observar o
estranhamento das crianças com relação à tarefa de dizer uma palavra que
comece com determinado som e não com determinada letra (Tarefa F1). Os
exemplos estão apresentados a seguir.
Tarefa S10 – Transposição silábica
“Tapor”. (pensativo) “Tapor. Acho que tá pronto” (Gustavo - 1a coleta)
Respondeu “Não sei” para duas palavras e perguntou: “Depois tu vai dizer
como é que fica?” (Giovana – 2a coleta)
Tarefa F1 – Palavra que inicia com o som dado
Pesquisadora: “Diz uma palavra que comece com [a]”: “Essa é fácil!”.
“Diz uma palavra que comece com [f]”: “Não sei!” (Carolina – 1a coleta)
Tarefa F5 – Síntese fonêmica
[‘ e l o] – “Tu tá dizendo de trás para frente?” (Carolina – 2a coleta)
As dificuldades enfrentadas pelas crianças estão evidenciadas em muitos
exemplos em que elas manifestam verbalmente que determinada tarefa é difícil,
se recusam a fazê-la ou mostram desagrado, como pode ser visto nos exemplos
a seguir.
Tarefa S4 – Identificação de rima
Pesquisadora: “O que combina com ‘abelha’?”
“Relógio”. “Este era mais difícil, não tinha muita coisinha para rimar.”
(Giovana – 1a coleta)
Pesquisadora: “Presta atenção no fim.”
“Ih, ai, ai...” (Carolina – 3a coleta)
“Flor – dor. É fácil, não tem começo nem fim.” (Carolina – 1a coleta)
Tarefa S5 – Palavra que compartilha da mesma sílaba no meio dapalavra
94
“Essa é um pouquinho mais difícil.” (Giovana – 3a coleta)
Tarefa S7 – Produção de rima
“Bola rima com... Não, bóia não rima. Essa é difícil!” (Giovana – 5a coleta)
Tarefa S10 – Transposição silábica
Pesquisadora: “Agora eu vou falar ao contrário.”
“Não acredito!” (Giovana – 3a coleta)
Tarefa F5 – Síntese fonêmica
“Acho que é mala. Essa é difícil!” (Carolina – 1a coleta)
Tarefa F7 – Tranposição fonêmica
A criança não queria terminar a tarefa. Na 2a coleta ela não respondeu.
(Giovana – 1a coleta)
Pesquisadora: “Agora eu vou falar as palavras de trás pra frente.”
“Ai!” (Giovana – 3a coleta).
“Ah, não!” (Carolina – 1a e 3a coletas)
“Ih! Não sei!” (Ana – 1a coleta)
Muitas crianças fazem comentários que evidenciam que elas estão
pensando nas letras e não nos sons, causando uma dificuldade para a realização
do teste. Segundo Scliar-Cabral (2003) o nome das letras “obscurece o valor
fonológico que elas representam” (p. 93), o que torna difícil a realização das
tarefas de um teste que envolva a consciência dos sons.
No momento da aplicação do teste observou-se que muitas crianças
tentavam “escrever mentalmente” a palavra para poder realizar a transposição, o
que geralmente vinha acompanhado de movimentos da mão sobre a mesa para
imaginar a palavra escrita. Mesmo após a pesquisadora ter dito que deveriam
pensar nos sons das palavras, algumas crianças apresentam dúvidas e erros por
estarem pensando nas letras, como pode ser visto nos exemplos a seguir.
Tarefa S5 – Identificação de sílaba medial
A criança quer identificar a letra da sílaba medial. (Giovana – 3a coleta)
A criança identifica as letras da sílaba medial. (Carolina – 1a coleta)
95
Tarefa S6 – Produção de palavra que começa com a mesma sílaba
Pesquisadora: “Uma palavra que comece com o mesmo pedacinho de
‘pato’.” “A primeira letra?” (Gustavo – 1a coleta)
Pesquisadora: “O que começa como ‘janela’?” “Aline”.
Pesquisadora: “O que começa como ‘casa’?” “Daí começa com ‘a’?” “Como
sapato?” “A? Cê?” “O que começa como ‘pipoca’?” “Xixi. Pipoca não começa com
‘i’? Xixi também. Eu sei outra: Bibi.” (Giovana – 1a coleta)
Pesquisadora: “O que começa como ‘janela’?” “Gato; Jéssica. Jéssica não
começa com ‘já’, começa com ‘je’. Jéssica não começa com ‘gê’, começa com
‘jota’.” (Giovana, 3a coleta)
“Tem que ser a primeira e a segunda letra?” (Giovana – 4a e 5a coletas)
Pesquisadora: “O que começa que nem ‘bala’?” “Essa é difícil. As primeiras
duas letras ou pode ser só a primeira?” (Giovana – 6a coleta)
“Começa com que letra?” (Gustavo – 1a coleta)
“Começa como ‘sapato’.” “Cobra” (Ana – 4a coleta)
Tarefa S8 – Exclusão silábica inicial
“Se eu tirar o ‘ci’ fica ‘pó’. É só uma letra.” (Gustavo – 1a coleta)
Tarefa S10 – Transposição silábica
Eu sei com que letra começa ‘vaca’. Com ‘vê’.” (Luana – 1a coleta)
Tarefa F1 – Palavra que comece com o som dado
Pesquisadora: “O que começa com []?” Depois de muito pensar disse o
nome da letra: “Com ‘ge’, começa com ‘ge’? (Gustavo – 1a coleta)
Pesquisadora: “Começa com [f].” “É o ‘efe’?” (Gustavo - 2a coleta)
Pesquisadora: “Começa com [s]:” “Cobra” (Ana – 1a, 3a e 4a coletas)
Acertou [a], [f] e [v], mas em [s], [] e [] demorou, teve medo de responder,
disse que não sabia. Este exemplo parece evidenciar a dificuldade em relação
aos sons que podem ser representados por mais de um grafema.
Tarefa F4 – Exclusão do fonema dado
Pesquisadora: “Mar sem o [r].” “É o ‘erre’?” (Gustavo - 2a coleta)
96
Tarefa F5 – Síntese fonêmica
U – v – a. “Uva. (soletra) Essa aí eu já conheço, porque eu já sei escrever.
Ovo, uva, só tem três pra dizer.” (Giovana – 1a coleta)
Pesquisadora: “Que palavra é essa [s] []?” “É o ‘esse’?” (Ana – 3a coleta)
Tarefa F6 – Segmentação fonêmica
“Falar as letras?” (Carolina – 1a coleta)
‘Osso’. A criança diz o nome das letras e admite: “Eu não sei, eu pensava
que podia falar as letras, mas não pode.” (Carolina – 3a coleta)
Os erros mais comuns encontrados nos dados foram divididos em duas
categorias. A primeira refere-se aos exemplos em que as crianças erram a tarefa,
mas respondem usando uma palavra que existe. Normalmente esses exemplos
apresentam palavras semelhantes à palavra alvo, como pode ser visto a seguir. A
segunda categoria de erros mostra aqueles em que a criança realiza outra tarefa,
não efetuando aquilo que lhe é pedido. Os exemplos mais significativos serão
apresentados a seguir.
CATEGORIA 1: Realização errada da tarefa e busca de uma palavra queexiste
Tarefa S10 – Transposição silábica
Cafó – “café.” (Gustavo – 1a coleta)
Chobi – “bico”; valu – “valo”; cafó – “cafuné” (Giovana – 1a coleta)
Cafó – “café” (Giovana – 3a coleta. Gustavo – 2a coleta)
Cafó – “cafuné” (Ana – 3a coleta); cafó – “café” (Ana – 5a coleta)
Tarefa F4 – Exclusão de fonema dado
Viúva – “uva”. (Giovana – 2a , 3a , 4a e 5a coletas; Ana – 3a coleta)
Tarefa F5 – Síntese fonêmica
[m] [a] [l] [a] – “Aula”. (Gustavo – 2a coleta)
[s] [] – “cipó”; [m] [a] [l] [a] – “manga”. (Giovana – 3a coleta)
97
[] [a] – “Giovana” (Ana – 1a coleta)
Tarefa F7 – Transposição fonêmica
Alé – “Éva”. Ola – “Olá” (Gustavo – 1a coleta)
Alé – “Balé.” (Gustavo – 2a coleta)
Ica – “Cai”. Ias – “Sei” (Gustavo – 3a coleta)
Óva – “uva” (Ana – 1a e 2a coletas)
Alé – “Alex”; óva – “ovo”; alé – “alegre” (Ana – 3a e 4a coletas)
Amú – “uva” (Carolina – 3a coleta)
CATEGORIA 2: Realização de outra tarefa
Tarefa S5 – Produção de rima
Não procura uma palavra que rime, mas que comece igual. Balão – “baleia”; bola
– “bóia”. (Giovana – 2a coleta)
Tarefa S10 – Transposição silábica
Repete a última sílaba: cafó – “fó”; valu – “lu”. (Giovana – 2a coleta)
Tarefa F6 – Segmentação fonêmica
Realiza a separação silábica, não a fonêmica:
“[lu] [a]” “[o] [s:o]” (Gustavo – 1a coleta)
“[m] [m] [la] [os] [so] [lu] [u] [a] (Gustavo – 2a e 6a coletas)
“[mo] [l] [a]” “[li] [] [o]” (Giovana – 2a e 5a coletas)
“[a] [a]” “[li] [ o]” (Ana – 1a coleta)
“[a] [a]” (Ana – 5a coleta)
Deve-se salientar que exemplos como o de Gustavo mostram que houve
uma evolução na segmentação, pois na primeira coleta ele segmentava as
sílabas e nas seguintes tenta realizar a segmentação em um nível menor do que
a sílaba. Esse fato mostra que é importante a análise qualitativa do erro, pois ela
pode levar à descoberta do processo pelo qual a criança está passando enquanto
responde ao teste.
A partir dos exemplos apresentados, constata-se que o maior número de
comentários das crianças e observações relevantes quanto aos erros estão
98
relacionados a atividades mais complexas, tais como síntese e segmentação
fonêmica, transposição e exclusão. Essa constatação reafirma a importância de o
pesquisador levar em consideração a tarefa que está sendo exigida durante a
aplicação de um teste metafonológico, uma vez que a dificuldade pode estar
relacionada à tarefa e não ao nível de consciência fonológica que se está
testando. A pesquisa de Freitas e Vidor (2003) mostrou que adultos alfabetizados
apresentam comentários e erros semelhantes aos encontrados nesta tese,
reforçando a concepção de que existem tarefas complexas tanto para crianças
como para adultos.
Ainda é necessário apontar a tendência de as crianças pensarem nas
letras e não nos sons, principalmente quando já se encontram em hipótese de
escrita alfabética. Essa tendência é também muito presente em adultos que
respondem a testes metafonológicos, como é visto no estudo de Freitas e Vidor
(2003). Pode-se sugerir, como diz Moojen (comunicação pessoal), que a
aquisição da escrita torna as pessoas “irremediavelmente alfabetizadas”, fazendo
com que elas tenham mais facilidade em pensar nas letras do que nos sons das
palavras. Dessa forma, as pessoas já alfabetizadas podem estar se apoiando no
conhecimento da escrita para realizarem tarefas que envolvam a consciência de
sons.
Por fim, é necessário dizer que a análise qualitativa dos dados da aplicação
de um teste pode servir para que se entenda um pouco mais sobre os processos
envolvidos na realização do mesmo, muitas vezes contribuindo para o
entendimento do desempenho dos informantes testados, bem como servindo para
que se realize um avaliação do instrumento utilizado.
3.8 Análise da escrita
Nesta seção serão observados os erros fonológicos presentes nas
amostras de escrita das crianças que se encontravam na hipótese alfabética. Não
serão observados os erros ortográficos, tampouco os psicogenéticos. Conforme já
foi explanado na seção 1.2, os erros ortográficos correspondem às incorreções
relacionadas à norma ortográfica (ex.: morcego morsego), enquanto que os
erros psicogenéticos referem-se às reduções dos grafemas relacionadas à
hipótese de escrita em que a criança se encontra (ex.: a palavra ‘morcego’ escrita
99
como ‘OEO’, correspondendo à hipótese silábica). Para que fossem afastados os
erros psicogenéticos, observou-se somente as amostras de escrita de crianças
em hipótese alfabética.
Foram considerados os erros fonológicos relevantes, tais como:
apagamento e substituição – apagamento de um grafema ou
substituição de um determinado grafema por outro.
Exemplos: ‘porta’ ‘prta’ / ‘pendurou’ ‘peldurou’.
apagamento de coda – apagamento do grafema que ocupa a posição
de coda na palavra.
Exemplo: ‘fantasma’ ‘fatasma.
Redução do ataque ramificado – apagamento de um elemento de uma
sílaba CCV.
Exemplo: ‘monstro’ ‘monsto’.
Epênteses – inserção de um grafema.
Exemplo: ‘castelo’ ‘casitelo’
Metáteses – reorganização dos grafemas de uma palavra.
Exemplo: ‘bruxa ‘burxa’.
Através da análise desses exemplos, buscou-se mostrar que erros que
ocorrem na aquisição da fala aparecem na escrita e podem, muitas vezes, ser
encarados como tentativas de representação da fala. Além disso, os erros
fonológicos podem evidenciar se as crianças têm consciência de determinados
sons e tentam representá-los na escrita. Relativamente a esse assunto pode-se
citar os trabalhos de Varella (1993) e Abaurre (1999), que buscam evidenciar a
existência de uma relação entre a aquisição da fala e a aquisição da escrita.
Os exemplos encontrados podem ser observados no Figura 21, a seguir.
Deve-se ressaltar que o número de repetições dos exemplos indica o número de
vezes que a criança grafou uma determinada palavra com a presença de erro
fonológico.
100
SUJEITO TIPO DE ERRO EXEMPLO
L1
apagamento de S na codasubstituição de coda nasalsubstituição de coda nasalsubstituição de coda nasal
MONTRO (monstro)MOUSTRO (monstro)COREIMTE (corrente)AREBEITOU (arrebentou)
L2
apagamento de nasal na codasubstituição de coda nasalsubstituição de coda nasalmetátese/epêntesemetátese
MOSTRO (monstro)COOVERSANDO(conversando)COU (com)DARAGÃO (dragão)GARDE (grade)
L3
epênteseepênteseepênteseapagamento de nasal na coda / substituição devogal / epênteseapagamento de vogal
CASITELO (castelo)ISIQELETO (esqueleto)POROTA (porta)FETASIMA (fantasma)
ABRI (abriu)L4 apagamento de S na coda
apagamento de S na codaMONTRO (monstro)MONTRO (monstro)
L5 apagamento de S na codaapagamento de nasal na coda
FANTAMA (fantasma)CONVERSADO (conversando)
L6
apagamento de nasal na codametáteseapagamento de nasal na codaepênteseapagamento de vogalapagamento de nasal na coda
MOSTRO (monstro)BURXA (bruxa)FÃTASMA (fantasma)MOROSEG (morcego)PRTA (porta)BRICANDO (brincando)
101
apagamento de nasal na coda MOSTRO (monstro)L7 apagamento de vogal
apagamento de vogalFANTSMA (fantasma)MONSTR (monstro)
L8 apagamento de líquida na codaapagamento de nasal na coda
ENOME (enorme)TE (tem)
L9 apagamento de nasal na coda CONVERSADO (conversando)
L10
apagamento de nasal na codaredução de ataque ramificadosubstituição de coda nasalredução de ataque ramificado
MOSTO (monstro)MOSTO (monstro)PELDUROU (pendurou)PEZA (presa)RUSEA (bruxa)
L11
metáteseapagamento de nasal na coda / substituição devogal / epêntesemetáteseapagamento de nasal na codaapagamento de S na codaapagamento de nasal na codaapagamento de nasal na codaapagamento de nasal na codaapagamento de nasal na codaapagamento de nasal na coda
SICELETO (esqueleto)FETASEMA (fantasma)
BURXA (bruxa)FÃTASMA (fantasma)MONTRO (monstro)FÃTASMA (fantasma)FÃTASMA (fantasma)VÃPIRO (vampiro)MOSTRO (monstro)VÃPIRO (vampiro)
L12
apagamento de nasal na codaredução de ataque ramificado / substituição devogalepênteseapagamento de nasal na codaapagamento de S na coda
FÃTASMAABIL (abriu)MOUNSTRU (monstro)IFEITISANDO (enfeitiçando)EQELETO (esqueleto)
L13 apagamento de nasal na codaapagamento de nasal na codaepêntese / metáteseapagamento de nasal na coda
MOSTRU (monstro)MOSTRO (monstro)MOSTORO (monstro)MOSTRO (monstro)
Figura 21 – Erros fonológicos observados em escrita alfabética
A análise dos exemplos permite que se faça um apanhado sobre o número
de ocorrências dos diferentes erros fonológicos, indicando aqueles que foram
mais freqüentes. Esses dados estão expressos na tabela a seguir, partindo-se
dos erros que apresentaram maior número de ocorrências.
Tabela 32 – Número de ocorrências dos erros fonológicos
Tipo de erro Número de ocorrências
Apagamento de nasal 22
Epêntese 9
Metátese 6
Substituição de nasal 6
Apagamento de vogal 4
Redução de ataque ramificado 3
Substituição de vogal 2
Apagamento de líquida 1
102
Como pode-se observar na tabela anterior, o erro fonológico mais
encontrado foi o apagamento de nasal, fato também observado no trabalho de
Varella (1993). Deve-se salientar, no entanto, que há exemplos em que a criança
não utiliza o grafema que representa a nasal, mas dá indícios de que tem
consciência da existência da nasalidade, como em L6 e L11, onde há a utilização
do diacrítico para marcar a nasalidade da vogal ‘a’ (‘fãtasma’). Em L11 esse
recurso é bem consistente, utilizado duas vezes para escrever a palavra
‘fantasma’ e duas vezes para escrever a palavra ‘vampiro’.
Os apagamentos de nasal foram expressivos na palavra ‘monstro’, o que
pode ser justificado pelo fato de a nasal encontrar-se em uma sílaba com coda
complexa (‘ns’). Além disso, observa-se que os apagamentos ocorreram somente
quando a nasal está em posição de coda, não ocorrendo quando o elemento está
no ataque da sílaba. Esse fato pode estar relacionado à concepção de que a
posição inicial da sílaba (ataque) é mais saliente, além de poder indicar que a
criança tem preferência por sílabas CV, evitando o uso de sílabas CVC, como
observa Abaurre (1999) em seu trabalho sobre a ordem de aquisição dos moldes
silábicos na escrita.
Ainda quanto à nasal, observa-se em L3 e L11 que o apagamento é
acompanhado pela substituição da vogal ‘a’ para a vogal ‘e’ (‘fetasima’;
‘fetasema’). Essa substituição pode ser encarada como um indício de que a
criança tem consciência de que há uma marca de nasalidade nesta palavra, que
deve ser grafada de alguma forma. Neste momento, os informantes optaram por
substituir a vogal ‘a’ por outra que tenha mais semelhança com o som que eles
necessitam grafar. Com relação à consciência do som nasal, é interessante
observar que em L12 há a utilização de uma epêntese que parece ser mais um
esforço para marcar a nasalidade existente na palavra (monstro mounstru).
Sobre a dificuldade de as crianças lidarem com as nasais na escrita, A.
Morais (2000) afirma que
A escrita das vogais nasais e dos ditongos nasais constituiuma grande fonte de dificuldade para os aprendizes. Isto écompreensível se levarmos em conta que na escrita do portuguêsexistem cinco modos de marcar a nasalidade: usando o M emposição de sílaba final (“bambu”); usando o N em posição desílaba final (“banda”); usando o til (“amanhã”), usando o dígrafoNH ...; nos casos em que a nasalização se dá “por contigüidade”,sem que se empregue nenhuma das alternativas anteriores, pois asílaba seguinte já começa com uma consoante nasal (porexemplo, “cama”, “cana”). (A. MORAIS 2000, p. 30).
103
Como afirma A. Morais (op cit.), a criança em processo de aquisição da
escrita se depara com muitas alternativas para a representação gráfica da
nasalidade, fato que dificulta a tomada de decisão sobre a maneira correta de
grafar palavras que apresentam consoantes nasais. Na busca da grafia correta,
elas passam por tentativas, utilizando-se de apagamentos e substituições que
podem ser observadas nos dados da escrita dos informantes desta pesquisa.
Segundo Varella (1993), “na expressão escrita da nasalidade pelas crianças, as
relações que apresentam indicam que estão operando a um nível fonológico, com
representações subjacentes que contêm vogais nasais distintas fonologicamente”
(p. 55).
Relativamente aos outros tipos de erros fonológicos encontrados, Varella
(1993) também observou epênteses, metáteses, redução do ataque ramificado,
apagamento de líquidas e substituições de vogais nos dados de sua pesquisa, o
que evidencia que esses são erros comuns ao processo de aquisição da escrita.
Nos dados desta pesquisa, os apagamentos de vogal ocorrem em sílabas mais
complexas (ex.: em L7, as palavras ‘monstr’ e ‘fantsma’), assim como as
epênteses e as metáteses (ex.: ‘burxa’, ‘casitelo’), fato que pode corroborar a
afirmação de Abaurre (1999) de que as crianças apresentam dificuldade em
grafar os elementos de sílabas complexas (CVC, CCV). Esses erros fonológicos
ocorrem influenciados pela consciência fonológica, uma vez que as crianças têm
consciência dos sons das palavras, mas ainda têm dificuldade em organizá-los na
escrita. Exemplos como ‘burxa’, ‘casitelo’, ‘garde’, podem ser encarados como
tentativas de grafia correta de sílabas mais complexas.
Os dados sobre os erros fonológicos encontrados na escrita podem ser
comparados aos “erros” encontrados na fala de crianças pequenas, em fase de
aquisição da linguagem. A pesquisa de Mezzomo (2004), sobre a aquisição da
coda em crianças entre os 1:2 e 3:10 anos, apresenta exemplos semelhantes aos
encontrados neste estudo, que serão apresentados a seguir.
Epêntese
luz [‘luzi] nariz [na’rizi] açúcar [‘sukara] barco [ba’raku]
Metátese
escada [si’kada] açúcar [a’sukra] borboleta [brobo’leta]
Redução de ataque ramificado
104
estrela [in’tela] trator [ta’toli]
Apagamento da nasal
laranja [la’lãza] balanço [ba’lãsu] canta [‘kãta]
Substituição de nasal
presente [pe’zeyti]
Alongamento da vogal para a representação da nasal
rinoceronte [‘o:ti]
Pode-se observar que os dados de Mezzomo (2004) são semelhantes aos
encontrados na escrita dos sujeitos desta pesquisa, principalmente no que se
refere à epêntese, metátese e à redução do ataque ramificado. Além disso, a
estratégia mais encontrada é a epêntese, fato também observado nos dados
desta pesquisa.
Com relação à nasal, na fala, assim como na escrita, as crianças utilizam
recursos para representar esse segmento. Quando ocorre o apagamento da
nasal, é preservada a nasalidade da vogal (canta [‘kãta]), fato que pode ser
comparado às tentativas de representação da nasalidade na escrita (‘vãpiro’,
fãtasma’, ‘fetasima’). Ainda observa-se o alongamento da vogal (rinoceronte
[‘o:ti]), que parece um indício de que a criança tem consciência da nasalidade,
como ocorre no exemplo de escrita da palavra ‘conversando’ ‘cooversando’. O
exemplo de substituição de nasal da palavra ‘presente’ ( [pe’zeyti] ), encontrado
em Mezzomo (2004), pode ser comparado ao exemplo da escrita da palavra
‘arrebentou’ ‘arebeitou’.
Como podemos ver, existem semelhanças entre os “erros” encontrados na
fala e aqueles encontrados na escrita, o que já foi afirmado por Varella (1993). As
crianças repetem na escrita algumas estratégias que já utilizaram durante o
processo de aquisição da linguagem, mas que já foram superadas na modalidade
oral. Possivelmente isso ocorra pelo fato de a aquisição da escrita exigir uma
reflexão constante sobre a fala, principalmente no que tange aos fonemas que
constituem as palavras e as posições que eles ocupam. Essa reflexão traz à tona
algumas dúvidas que já foram vivenciadas, como, por exemplo, a dificuldade em
lidar com sílabas mais complexas. O processo de aquisição da escrita parece
fazer com que a criança repense a fala e construa hipóteses sobre a relação entre
o oral e o escrito, na busca do domínio da modalidade escrita. Nessa busca, a
105
consciência fonológica está constantemente atuando, uma vez que permite a
reflexão sobre os sons e sua organização. Como garante A. Morais (2000), nesse
momento a função do educador é ajudar o aprendiz a analisar fonologicamente as
palavras que está grafando incorretamente. Para isso, no entanto, é necessário
que o professor esteja atento à escrita de seus alunos e saiba identificar as
dificuldades que eles estão enfrentando.
4 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS GRUPOS
TRANSVERSAIS
Neste capítulo serão descritos os dados e analisados os resultados dos
grupos transversais, que compreendem as crianças no Jardim A e na 2a série do
106
ensino fundamental. Também serão analisados os dados de uma etapa do Grupo
Longitudinal, quando as crianças encontravam-se no início da 1a série. Essa
descrição e análise possibilitará a comparação dos grupos, evidenciando as
habilidades metafonológicas em crianças antes, durante e após o ensino
sistemático da escrita.
4.1 Grupo “Antes da Alfabetização”
Nesta seção serão analisados os dados relativos à aplicação do teste
metafonológico seqüencial em 10 crianças que representam o grupo “Antes da
Alfabetização” (Grupo Transversal 1). Essas crianças freqüentavam o Jardim A da
educação infantil, que corresponde a dois anos antes da 1a série, tendo idades
entre os 4:5 e 5:4 anos. Será também considerada a coleta de dados da escrita
dessas crianças que possibilitou a observação da concepção de escrita
apresentada pelos informantes.
4.1.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita
A Tabela 33, a seguir, apresenta o desempenho dos sujeitos no teste
metafonológico seqüencial e as hipóteses de escrita de cada um dos sujeitos.
Tabela 33 – Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” no TMS e na escrita
Informantes TMS (%) Sílaba (%) Fonema (%) Escrita
t1 31 44,28 23 57,5 8 26,66 PS
t2 30 42,85 22 55 8 26,66 PS
t3 34 48,57 24 60 10 33,33 PS
t4 20 28,57 13 32,5 7 23,33 PS
t5 24 34,28 16 40 8 26,66 PS
t6 40 57,14 28 70 12 40 PS
107
t7 19 27,14 12 30 7 23,33 PS
t8 18 25,71 13 32,5 5 16,66 PS
t9 28 40 22 55 6 20 PS
t10 15 21,42 9 22,5 6 20 PS
Legenda: TMS – Teste Metafonológico Seqüencial PS – Pré-silábica
Os dados da tabela 33 mostram que crianças que ainda não iniciaram a
alfabetização são capazes de responder testes metafonológicos, tanto no nível da
sílaba quanto no nível do fonema. Observa-se uma maior dificuldade com relação
à consciência fonêmica, o que é esperado quando se trata de crianças que ainda
não passaram pelo ensino formal da escrita. No entanto, isso não significa que
essas crianças não possuem consciência fonêmica e sim que elas apresentam
um baixo nível de consciência dos fonemas individuais, apresentando melhor
desempenho com relação à unidade silábica. Talvez seja mais correto afirmar que
essas crianças apresentam sensibilidade aos fonemas (Cielo, 2000).
Com relação à escrita, todos os sujeitos mostraram-se pré-silábicos em
suas tentativas de representar palavras graficamente. A grande maioria das
crianças realizou desenhos e rabiscos quando solicitadas a escrever, utilizando-
se raramente de letras. Dessa forma, pode-se constatar que os informantes do
Grupo “Antes da Alfabetização” não apresentavam consciência com relação ao
uso de grafemas e estavam numa fase pré-silábica inicial.
Os dados do desempenho em consciência fonológica podem ser melhor
visualizados no gráfico que segue.
Figura 22 - Desempenho do Grupo “Antes da Alfabetização” no TMS
0
20
40
60
80
100
T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10
Inform antes
D esem penho (% )
108
Conforme pode ser observado na figura acima, o desempenho do Grupo
“Antes da Alfabetização” no Teste Metafonológico Seqüencial esteve entre os
20% e 60% de acertos, aproximadamente. A grande maioria dos informantes
apresentou desempenho inferior a 50%, com exceção de T6. Pode-se concluir
que crianças que ainda não receberam ensino sistemático da escrita apresentam
capacidades metafonológicas, podendo responder a testes de consciência
fonológica.
4.1.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS
Nesta seção será observado o desempenho do grupo em cada uma das
tarefas do teste.
Tabela 34 - Desempenho do grupo Antes da Alfabetização nas tarefas do TMSNível da Sílaba Nível do Fonema
Tarefas Acertos (%) Tarefas Acertos (%)S1 – Síntese 40 100 F1 – Produção inicial 22 55S2 – Segmentação 33 82,5 F2 – Identificação final 19 47,5S3 – Identificação inicial 22 55 F3 – Identificação inicial 16 40S4 – Identificação de rima 20 50 F5 – Síntese 13 32,5S9 – Exclusão inicial 15 37,5 F4 – Exclusão 6 10S7 – Produção de rima 14 35 F6 – Segmentação 1 0,25S5 – Identificação medial 12 30 F7 – Transposição 0 0S6 – Produção inicial 11 27,5S8 – Exclusão inicial 9 22,5S10 – Transposição 6 15
Pode-se observar que, no nível da sílaba, a tarefa de síntese foi a mais
fácil e a de transposição foi a mais difícil. A síntese silábica foi mais fácil que a
segmentação. A identificação silábica inicial foi mais fácil que a identificação de
rima, enquanto que a identificação de sílaba medial foi a mais difícil das tarefas de
identificação. Esse dado corrobora achados de outros trabalhos, como os de
Cardoso - Martins (1994) e Freitas (2003), que afirmam que as crianças falantes
de português brasileiro parecem ser mais sensíveis aos sons iniciais das
palavras.
Dominguez e Clemente (1993), pesquisando crianças falantes de espanhol,
afirmam que para elas é mais fácil identificar sílabas no começo das palavras do
que no final, e as duas atividades são mais fáceis que a identificação medial.
Pode-se ainda relacionar esses fatos à aquisição da linguagem, onde se percebe
maior dificuldade com relação à posição medial. Segundo Mezzomo (2003), para
109
o português, a coda medial é adquirida após a coda final, independente da classe
de som observada.
Ainda com relação ao nível da sílaba, observa-se que a tarefa de exclusão
silábica final foi mais fácil que a exclusão inicial, fato também observado por
Dominguez e Clemente (1993) em falantes de espanhol. Por fim, a tarefa de
produção de rima foi mais fácil que a de produção de palavra com a mesma
sílaba inicial.
Com relação ao nível do fonema, observa-se que a tarefa de produção de
palavra a partir de fonema inicial foi a mais fácil e a de transposição fonêmica foi a
mais difícil. A identificação de fonema final foi mais fácil que a identificação de
fonema inicial e a tarefa de síntese foi mais fácil que a de segmentação fonêmica.
A análise estatística dos resultados através da aplicação de uma ANOVA,
permitiu a comparação do desempenho do Grupo Transversal 1 nas diferentes
tarefas do teste. Com relação aos níveis da sílaba e do fonema, o valor da
diferença entre os grupos (P valor) foi de 0.002, mostrando que há diferença
estatisticamente significativa entre os dois níveis. A média de acertos no nível da
sílaba foi de 45,50% e no nível do fonema foi de 25,65%. A figura abaixo
apresenta os intervalos do desempenho do grupo nos níveis da sílaba e do
fonema.
Figura 23 – Comparação entre o nível da sílaba e do fonema
Pode-se observar na figura acima que os intervalos ocorrem em pontos
diferentes da escala de acertos, não havendo sobreposição de resultados. Os
intervalos pontilhados, expressos entre parênteses, mostram o desempenho nos
níveis da sílaba e do fonema. O Grupo Transversal 1 apresenta maior facilidade
110
em responder tarefas que envolvam a consciência silábica em detrimento da
consciência fonêmica.
Com relação a rimas e aliterações, o P valor obtido através da ANOVA não
foi estatisticamente significativo (P= 0.913), o que indica que para o Grupo
Transversal 1 não há diferença entre tarefas que envolvam rimas ou aliterações.
A média de acertos da rima foi 42,50% e da aliteração foi 41,25%. A figura 21, a
seguir, mostra que há uma sobreposição de resultados, indicando que não há
diferença entre o desempenho do grupo em tarefas que envolvam rimas ou
aliterações.
Figura 24 – Comparação entre rimas e aliterações
A comparação entre os tipos de tarefas do teste evidenciou uma diferença
estatisticamente significativa no desempenho das diferentes tarefas (P=0.000).
Baseando-se nas médias de acertos, a ordem de facilidade das tarefas foi:
síntese e segmentação (54,38%); produção (46,66%); identificação (44,50%);
exclusão (21,42%) e transposição (7,50%). A Figura 22 apresenta os intervalos
fornecido pela ANOVA.
Figura 25 – Comparação entre as tarefas do TMS
111
Pode-se observar na figura acima que há dois grupos de tarefas mais
fáceis e mais difíceis. As mais fáceis são síntese, segmentação, identificação e
produção, representadas nos três intervalos mais acima na figura, enquanto as
mais difíceis são as tarefas de exclusão e transposição, expressas nos dois
intervalos mais abaixo na figura 22. No entanto, deve-se salientar que o escore da
tarefa de exclusão apresenta uma grande queda (7,5% de acertos), evidenciando
a grande dificuldade que essa tarefa representa para os informantes do grupo em
questão.
4.2 Grupo “Durante a Alfabetização”
Para fins de comparação do desempenho em consciência fonológica de
sujeitos antes, durante e após a alfabetização, objetivo desta pesquisa, decidiu-se
por analisar os dados de uma etapa do Grupo Longitudinal. Essa etapa pretendeu
representar o momento em que a criança está efetivamente vivendo a experiência
da alfabetização, optando-se por analisar os dados da 4a coleta de dados do
Grupo Longitudinal, quando os informantes encontravam-se no início da 1a série
do ensino fundamental, apresentando variadas hipóteses de escrita. Nessa etapa
da pesquisa, a análise da escrita do grupo mostrou um informante pré-silábico,
dois silábicos, quatro silábico-alfabéticos e seis alfabéticos.
4.2.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita
A Tabela 35 apresenta o desempenho dos informantes em fase de
alfabetização no teste metafonológico seqüencial, observando-se os níveis da
sílaba e do fonema.
Tabela 35 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” no TMSnformantes TMS (%) Sílaba (%) Fonema (%) Escrita
L1 41 58,57 34 48,57 7 23,33 SA
L2 51 72,85 34 48,57 17 56,66 S
L3 62 88,57 40 57,14 22 73,33 A
L4 52 74,28 36 51,42 16 53,33 SA
112
L5 52 74,28 37 92,5 15 50 SA
L6 60 85,71 38 54,28 22 73,33 A
L7 64 91,42 40 57,14 24 80 A
L8 30 42,85 23 57,5 7 23,33 S
L9 55 78,57 38 95 17 56,66 SA
L10 32 45,71 20 50 12 14 SA
L11 63 90 39 97,5 24 80 A
L12 61 87,14 39 97,5 22 73,33 A
L13 51 72,85 34 48,57 17 56,66 A
Legenda: TMS – Teste Metafonológico SeqüencialS – Silábica / SA – Silábico-alfabética / A – Alfabética
O desempenho do grupo pode ser melhor visualizado através da figura
apresentada a seguir.
Figura 26 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização”no TMS
Conforme pode-se observar, o desempenho em consciência fonológica
obtido pelo grupo não é tão homogêneo quanto o desempenho do Grupo
Transversal 1, os escores vão de 42,85% a 90% de acertos. Essa variedade pode
estar relacionada aos diferentes níveis de escrita em que se encontram os
informantes. No momento desta coleta, cada uma das crianças mostrou uma
performance individual em consciência fonológica, apresentando diferenças
quanto suas habilidades metafonológicas. Porém, pode-se observar a relação
entre as hipóteses de escrita e o desempenho em consciência fonológica, uma
vez que os informantes que estavam na hipótese alfabética foram os que
apresentaram desempenho mais alto em consciência fonológica.
020406080
100
L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 L9 L10
L11
L12
L13
Informantes
Des
empe
nho
113
4.2.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS
Nesta seção será observado o desempenho do grupo nas diferentes
tarefas do teste metafonológico seqüencial.
Tabela 36 - Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” nas tarefas do TMSNível da Sílaba Nível do Fonema
Tarefas Acertos (%) Tarefas Acertos (%)S1 – Síntese 52 100 F1– Produção inicial 43 82,69S2– Segmentação 50 96,15 F3– Identificação inicial 42 80,77S3– Identificação inicial 49 94,23 F2– Identificação final 37 71,15S4– Identificação de rima 49 94,23 F5– Síntese 35 67,3S7– Produção de rima 47 90,38 F4 – Exclusão 33 42,3S8– Exclusão inicial 45 86,54 F6 – Segmentação 16 30,77S5– Identificação medial 43 82,69 F7 – Transposição 16 30,77S9– Exclusão inicial 42 80,77S6– Produção inicial 41 78,85S10– Transposição 34 65,38
Com relação ao nível da sílaba, pode-se observar que a tarefa mais fácil foi
síntese silábica e a mais difícil foi transposição silábica. A tarefa de síntese foi
mais fácil que a de segmentação. As tarefas de identificação inicial e final (rima)
foram mais fáceis do que a de identificação medial, mostrando mais uma vez a
dificuldade de identificar sons na posição medial. A tarefa de produção de rima foi
mais fácil que a de produção de palavra com a mesma sílaba inicial, enquanto
que a exclusão silábica inicial foi mais fácil do que a final.
No nível do fonema, a produção de palavra com o fonema inicial foi a tarefa
mais fácil, enquanto que a transposição fonêmica foi a mais difícil. A identificação
de fonema inicial foi mais fácil do que a final, apontando para uma tendência de
falantes de português apresentarem maior sensibilidade aos sons iniciais
(Cardoso-Martins, 1995). Por fim, a tarefa de síntese fonêmica foi mais fácil do
que a de segmentação.
A análise estatística através da utilização de uma ANOVA foi realizada
com os dados deste grupo, permitindo a observação do desempenho dos sujeitos
nas partes do teste.
A comparação dos escores de consciência silábica e consciência fonêmica
mostrou que não há diferença estatisticamente significativa (P= 0,212). A média
do grupo em consciência silábica foi de 65,82% e em consciência fonêmica foi de
54,92%. No entanto, deve-se observar mais uma vez que a média da parte
relativa aos fonemas é mais baixa que a das sílabas. A análise dos intervalos
114
fornecida pela ANOVA apresenta uma sobreposição no desempenho dos
informantes, conforme pode ser visto na Figura 24, a seguir.
Figura 27 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema
Com relação à rima e aliteração, o grupo em fase de alfabetização não
demonstrou uma diferença estatisticamente significativa no desempenho das
tarefas (P= 0,383). A média de acertos nas tarefas de rima foi de 92,31% e nas
tarefas de aliteração foi de 86,54%. Os intervalos do desempenho do grupo estão
expressos da Figura 25, a seguir.
Figura 28 – Comparação entre rimas e aliterações
A comparação do desempenho do grupo nas diferentes tarefas do teste
mostrou que há diferença estatisticamente significativa entre elas (P= 0,000). A
ordem de dificuldade das tarefas pode ser observada através das médias obtidas,
quais sejam: 85,89% em produção; 85,67% em identificação; 73,56% em síntese
e segmentação; 65,93% em exclusão e 48,08% em transposição. Pode-se
observar que o escore mais baixo está relacionado à tarefa de transposição,
assim como ocorreu com o grupo transversal 1. Os intervalos fornecidos pela
ANOVA podem ser visualizados na figura 26, a seguir.
115
Figura 29 – Comparação entre as tarefas do TMS
4.3 Grupo “Após a Alfabetização”
Nesta seção será analisado o desempenho do Grupo Transversal 2 no
Teste Metafonológico Seqüencial, representando crianças que já receberam o
ensino sistemático da escrita. Esse grupo é formado por 10 crianças
freqüentadoras da 2a série do ensino fundamental, que já passaram pela
experiência da alfabetização.
4.3.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita
A Tabela 37, apresentada a seguir, traz o desempenho dos sujeitos no
TMS e nos níveis da sílaba e do fonema.
Tabela 37 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” no TMS
Informantes TMS (%) Sílaba (%) Fonema (%) Escrita
T1 66 94,28 39 97,5 27 90 A
T2 66 94,28 36 90 30 100 A
T3 54 77,14 35 87,5 19 63,33 A
T4 68 97,14 40 100 28 93,33 A
T5 70 100 40 100 30 100 A
T6 66 94,28 40 100 26 86,66 A
T7 63 90 39 97,5 24 80 A
T8 63 90 36 90 27 90 A
T9 68 97,14 40 100 28 93,33 A
T10 61 87,14 38 95 23 76,66 A
116
Legenda: TMS – Teste Metafonológico Seqüencial A – Alfabética
Pode-se observar na tabela acima que o Grupo “Após a Alfabetização”
obteve um excelente desempenho em consciência fonológica, com escores acima
de 85% de acertos. A grande maioria dos informantes saiu-se melhor na parte do
teste referente ao nível da sílaba do que na parte do fonema. No entanto, os
escores obtidos nos dois níveis não foram muito distantes, mostrando que o nível
do fonema não representa grande dificuldade para este grupo. Possivelmente o
fato de o Grupo Transversal 2 já ter sido alfabetizado tenha contribuído para um
melhor desempenho em consciência fonêmica. Deve-se ressaltar que para a
aquisição da escrita os sujeitos necessitam dominar o princípio alfabético,
identificando que os fonemas são representados por letras. Para isso é
necessário acessar a consciência fonêmica.
Com relação à consciência fonêmica, pode-se observar que o informante
T2 apresentou um escore mais alto nesse nível e T5 e T8 apresentaram o mesmo
escore para os níveis do fonema e da sílaba. Essas crianças demonstraram ter
uma excelente consciência de unidades silábicas e fonêmicas, que pode ter sido
aprimorada pela exposição à escrita.
O desempenho em consciência fonológica do Grupo “Após a Alfabetização”
está representado na Figura 30, a seguir.
Figura 30 - Desempenho do Grupo “Após a Alfabetização” no TMS
0
2 0
4 0
6 0
8 0
1 0 0
T 1 T 2 T 3 T 4 T 5 T 6 T 7 T 8 T 9 T 1 0
In fo rm a n te s
D e s e m p e n h o (% )
117
A figura apresentada permite a observação de que há uma certa
homogeneidade no desempenho dos informantes do Grupo Após a Alfabetização.
Apenas o informante T3 não apresenta desempenho superior a 80%, o que se
deve ao fato de ele ter obtido um escore relativamente baixo no nível do fonema
em comparação com os escores apresentados pelos demais. Esse informante
parece apresentar dificuldade em refletir sobre e manipular unidades fonêmicas.
Pode-se sugerir que o fato de o Grupo “Após a Alfabetização” já ter
recebido ensino sistemático da escrita faz com que os informantes apresentem
um bom desempenho em consciência fonológica, tanto no nível silábico quanto no
nível fonêmico. Ainda é possível concluir que há uma facilidade com relação ao
nível da sílaba, o que já foi observado em diversas pesquisas sobre consciência
fonológica. O fato de o grupo já estar alfabetizado propicia que eles apresentem
um bom desempenho em consciência fonêmica.
4.3.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS
A tabela a seguir mostra o desempenho do grupo nas diferentes tarefas do
Teste Metafonológico Seqüencial.
Tabela 38 - Desempenho do grupo Após a Alfabetização nas tarefas do TMSNível da Sílaba Nível do Fonema
Tarefas Acertos (%) Tarefas Acertos (%)S1 – Síntese 40 100 F1– Produção inicial 40 100S2– Segmentação 40 100 F3– Identificação inicial 40 100S8– Exclusão inicial 40 100 F2– Identificação final 35 87,5S3– Identificação inicial 39 97,5 F5– Síntese 34 85S4– Identificação de rima 39 97,5 F7 – Transposição 34 85S5– Identificação medial 39 97,5 F4 – Exclusão 49 81,67S6– Produção inicial 39 97,5 F6 – Segmentação 30 75S9– Exclusão inicial 39 97,5S10– Transposição 39 97,5S7– Produção de rima 29 72,5
118
Com relação ao nível da sílaba, observa-se que as tarefas mais fáceis
foram síntese, segmentação e exclusão silábica inicial, ao passo que a mais difícil
foi produção de rima. Pode-se supor que a rima para crianças mais velhas já não
é algo presente no cotidiano, assim como foi proposto por Freitas (2003).
A tarefa de exclusão de sílaba inicial foi mais fácil do que a de exclusão
final, enquanto que a produção de palavra com a mesma sílaba inicial foi mais
fácil do que a produção de rima. Pode-se observar novamente a preferência pela
realização de tarefas que envolvem a posição inicial. Com relação à identificação,
não houve diferença entre a realização das tarefas envolvendo as posições inicial,
final e medial.
No nível do fonema, a tarefa de identificação de fonema inicial foi mais fácil
que a de identificação de fonema final, mostrando mais uma vez a preferência
pela posição inicial. A tarefa de síntese fonêmica foi mais fácil que a de
segmentação e, diferentemente dos demais grupos, a tarefa de transposição
fonêmica não foi a mais difícil. Possivelmente isso se deva ao fato de as crianças
deste grupo já estarem alfabetizadas e utilizarem seus conhecimentos da escrita
para realizar a transposição. No momento da aplicação do teste, observou-se que
muitas das crianças tentavam “escrever mentalmente” a palavra para poder
realizar a transposição, o que geralmente vinha acompanhado de movimentos da
mão sobre a mesa para imaginar a escrita da palavra.
A análise estatística realizada permitiu uma observação mais detalhada do
desempenho do grupo no Teste Metafonológico Seqüencial, o que será exposto a
seguir.
A comparação do desempenho nos níveis da sílaba e do fonema através
da utilização de uma ANOVA mostrou que não há uma diferença estatisticamente
significativa nos escores obtidos pelo grupo, sendo o P valor igual a 0,056. A
média do grupo no nível da sílaba foi de 95,75% e no nível do fonema de 87,66%.
Os intervalos fornecidos pela análise estatística podem ser observados na Figura
31, onde há uma sobreposição que indica o desempenho próximo nos dois níveis
testados.
119
Figura 31 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema
A análise estatística do desempenho do grupo nas tarefas de rima e
aliteração mostrou que a diferença entre os escores não foi estatisticamente
significativa (P = 0,054). O grupo demonstrou desempenho semelhante para o
julgamento de rimas e de aliterações, apresentando uma média de 85,00% para a
rima e 97,50% para a aliteração. Há uma sobreposição nos intervalos fornecidos
pela ANOVA, o que pode ser observado na Figura 32, a seguir.
Figura 32 – Comparação entre rimas e aliterações
A análise estatística das tarefas do teste mostrou que não há diferença
estatisticamente significativa entre os escores obtidos nas diferentes tarefas (P=
0,720), as crianças não obtiveram grande variação no desempenho das tarefas.
Pode-se observar na Figura 33 que há sobreposição de resultados, evidenciando
um desempenho semelhante nas tarefas testadas.
Figura 33 – Comparação entre as tarefas do TMS
Por ordem decrescente, as médias obtidas pelo grupo nas diferentes
tarefas foi de 96,00% em identificação; 92,14% em exclusão; 91,25% em
transposição; e 90,00% em síntese e segmentação, e em produção. Essas
120
médias, expressas nos intervalos da Figura 33, mostram que as crianças já
alfabetizadas apresentam desempenho semelhante nas diferentes tarefas do
teste.
4.4 Comparação entre os grupos Antes, Durante e Após a Alfabetização
Para comparar o desempenho dos grupos Antes, Durante e Após a
alfabetização, foi realizada uma análise através de ANOVA, que mostrou
diferença estatisticamente significativa entre os escores dos grupos (P=0,000). As
médias e os desvios apresentados pelos grupos serão expostos na Tabela 39,
abaixo.
Tabela 39 – Comparação do desempenho em consciênciafonológica dos grupos Antes, Durante e Após a AlfabetizaçãoGrupo Média (%) Desvio Padrão (%)
Antes da alfabetização 37,00 11,46
Durante a alfabetização 74,06 16,11
Após a alfabetização 92,14 6,54
Pode-se observar que o desempenho em consciência fonológica é mais
baixo antes da alfabetização, aumentando em direção ao grupo após a
alfabetização. Esse fato comprova que a consciência fonológica aprimora-se a
partir do ensino sistemático da escrita.
No grupo Durante a Alfabetização o desvio padrão é mais alto. Talvez isso
se deva ao fato de os sujeitos estarem em diferentes níveis de escrita e
apresentarem maior variação no número de acertos obtidos no teste. O grupo
após a alfabetização apresenta um desvio padrão mais baixo, demonstrando uma
certa regularidade no desempenho em consciência fonológica.
Os intervalos entre os escores obtidos pelos três grupos podem ser
observados na Figura 34, fornecida pela ANOVA. Nessa figura fica evidente que
não há sobreposição de resultados entre os grupos antes, durante e após a
alfabetização.
121
Figura 34 – Comparação do desempenho dos grupos “Antes, Durante e Após a
Alfabetização”
Pode-se observar que os três grupos apresentaram comportamentos
distintos em consciência fonológica, que pode ser relacionado à experiência de
escrita de cada um dos grupos. Os sujeitos antes da alfabetização, que ainda não
receberam ensino sistemático da escrita, foram os que apresentaram pior
desempenho em consciência fonológica. Porém, deve-se ressaltar que todos eles
demonstraram habilidades metafonológicas, fato que mostra que não se deve
supor que a consciência fonológica surge a partir da aquisição da escrita.
Com base na observação do desempenho obtido pelos três grupos nas
diferentes tarefas do teste (tabelas 34, 36 e 38) foi possível identificar algumas
semelhanças e diferenças entre os grupos, que serão abordadas a seguir.
Com relação às semelhanças entre os três grupos, observa-se que as
tarefas de síntese e segmentação silábica foram tarefas fáceis, ocupando os
primeiros lugares nas tabelas de desempenho. Além disso, observou-se que a
síntese fonêmica foi mais fácil que a segmentação fonêmica para todos os
grupos. Possivelmente isso se deva ao fato de não ser nada comum para as
crianças uma atividade de falar isoladamente os sons das palavras, além de
representar uma tarefa difícil devido ao caráter abstrato do fonema. Como
afirmam Dominguez e Clemente (1993), quanto maior o nível de abstração, maior
dificuldade em realizar a tarefa, o que justifica o fato de tarefas que envolvem
fonemas serem mais difíceis.
No nível do fonema, a produção de palavra a partir do fonema inicial foi a
tarefa mais fácil para todos os grupos, enquanto que a segmentação fonêmica
representou bastante dificuldade para os três grupos pesquisados, sendo uma
das tarefas mais difíceis para o grupo antes da alfabetização (0,25%) e a mais
difícil para os grupos durante (30,77%) e após a alfabetização (75%).
122
Existem algumas semelhanças entre os grupos antes da alfabetização e
durante a alfabetização. A primeira delas é que, no nível da sílaba, a tarefa mais
fácil foi a de síntese e a mais difícil a de transposição. Com relação à tarefa de
identificação, a posição medial foi a mais difícil. A tarefa de produção de rima foi
mais fácil que a de produção de palavra com a mesma sílaba inicial. No nível do
fonema, produção foi a tarefa mais fácil e transposição foi a mais difícil, enquanto
que a síntese fonêmica foi mais fácil que a segmentação.
As semelhanças encontradas nos grupos durante e após a alfabetização
foram que a identificação de fonema inicial foi mais fácil do que de fonema final,
enquanto que a exclusão silábica inicial foi mais fácil do que a final.
Possivelmente as crianças desses grupos estejam mais sensíveis às posições
iniciais, fato que pode ser relacionado à aquisição da escrita. Crianças em fase de
alfabetização preocupam-se muito com as letras que começam as palavras,
observado os sons iniciais e suas letras correspondentes.
Os resultados obtidos através da utilização da ANOVA permitem comparar
o desempenho dos grupos nos níveis do teste e nas diferentes tarefas,
possibilitando a observação daquilo que foi mais fácil e mais difícil para cada um
dos grupos. A tabela que será apresentada compara o desempenho dos três
grupos nos níveis da sílaba e do fonema.
Tabela 40 – Comparação do desempenho referente à consciênciasilábica e fonêmica
Grupo Sílaba (%) Fonema (%) P Valor*
Antes da Alfabetização 45,5 25,65 0,002
Durante a Alfabetização 65,82 54,92 0,212
Após a Alfabetização 95,75 87,66 0,064
* P Valor – estatisticamente significativo quando < 0,05
Os dados da tabela anterior evidenciam que as crianças apresentam maior
facilidade em responder a tarefas que envolvam a consciência silábica,
independente do grupo em que elas se encontram. As médias em consciência
silábica foram mais altas do que as médias em consciência fonêmica nos três
grupos pesquisados. O grupo antes da alfabetização foi o que encontrou maior
dificuldade na parte relativa à consciência fonêmica, demonstrando diferença
estatisticamente significativa entre as tarefas silábicas e fonêmicas. Esse fato
123
reafirma que crianças antes da alfabetização têm dificuldades em manipular
fonemas conscientemente. A consciência fonêmica parece estar mais
intimamente relacionada à experiência em leitura e escrita, uma vez que vai
sendo aprimorada à medida que as crianças recebem o ensino sistemático da
escrita.
A consciência de rimas e aliterações, muito abordada em estudos sobre
consciência fonológica, pode ser comparada nos três grupos a partir dos dados
da tabela a seguir.
Tabela 41 – Comparação do desempenho em tarefas de rimas ealiterações
Grupo Rima (%) Aliteração (%) P Valor*
Antes da Alfabetização 42,50 41,25 0,913
Durante a Alfabetização 92,31 86,54 0,383
Após a Alfabetização 85 97,5 0,054
* P Valor – estatisticamente significativo quando < 0,05
Pode-se observar que nenhum dos grupos demonstrou diferença
estatisticamente significativa entre tarefas que envolviam consciência de rimas e
de aliterações. O grupo antes da alfabetização obteve um desempenho muito
próximo nas tarefas, enquanto que o grupo durante a alfabetização apresentou
um desempenho superior em manipular rimas, e o grupo após a alfabetização
demonstrou maior facilidade em lidar com aliterações.
Com relação à investigação das habilidades de crianças falantes de
português brasileiro em lidar com rimas e aliterações, pode-se citar o trabalho de
Freitas (2003). Essa pesquisa investigou a habilidade de crianças falantes de
português brasileiro em responder a tarefas de identificação e produção de rimas
e aliterações, a partir do teste “Consciência fonológica: instrumento de avaliação
seqüencial - CONFIAS” (Moojen et alii, 2003). Os sujeitos dessa pesquisa foram
40 crianças com idades entre 4 e 8 anos, alunos da educação infantil, 1a e 2a
séries do ensino fundamental, divididas em quatro grupos a partir de suas
hipóteses de escrita: 10 crianças em hipótese pré-silábica, 10 crianças em
hipótese silábica, 10 crianças em hipótese silábico-alfabética e 10 crianças em
hipótese alfabética.
A análise dos dados da pesquisa mostrou que o grupo pré-silábico
apresentou uma média levemente superior nas tarefas de rima, demonstrando
124
maior facilidade em lidar com rimas do que com aliterações. Já os grupos silábico,
silábico-alfabético e alfabético apresentaram uma média superior nas tarefas de
aliteração. Esses resultados corroboram os achados de Cardoso-Martins (1994)
de que as crianças com 4–4:6 anos apresentam capacidade para detectar rimas,
a qual torna-se mais tênue aos 6-6:6 anos.
Os resultados da pesquisa de Freitas (2003) apontaram para uma maior
facilidade das tarefas que envolviam aliterações, mostrando a rima como um
elemento menos significativo para as crianças brasileiras em processo de
aquisição da escrita. Esses resultados reforçam a afirmativa de Cardoso-Martins
(1994) de que crianças falantes de português brasileiro, ao contrário de falantes
de inglês, não apresentam uma grande preferência por resolver tarefas que
envolvam a consciência de rimas, fato também observado no presente trabalho.
Dando continuidade à comparação do desempenho dos grupos Antes,
Durante e Após a alfabetização, pode-se observar o grau de dificuldade das
tarefas do teste para cada um dos grupos. A figura 35 apresenta a ordem de
dificuldade das tarefas, partindo-se da mais fácil para a mais difícil, baseada na
porcentagem de acertos obtida pelos grupos em cada uma das tarefas testadas.
Grupo Ordem de dificuldade
Antes da Alfabetização síntese e segmentação > produção > identificação >
exclusão > transposição
Durante a Alfabetização produção > identificação > síntese e segmentação >
exclusão > transposição
Após a Alfabetização identificação – exclusão – transposição – síntese e
segmentação – produção.
Figura 35 – Comparação da dificuldade das tarefas
Como pode ser visto na figura acima, as tarefas de exclusão e transposição
foram as mais difíceis para os grupos antes e durante a alfabetização. Para esses
grupos, as tarefas mais fáceis foram síntese e segmentação, produção e
identificação. O grupo após a alfabetização apresentou mais de 90% de acertos
em todas as tarefas, o que parece indicar a não existência de tarefas mais fáceis
e mais difíceis para esse grupo. Esses resultados apontam para a influência que o
125
tipo de tarefa exerce sobre o desempenho em consciência fonológica de crianças
que estão em processo de aquisição da escrita.
A partir dessa comparação, pode-se comprovar que a aquisição da escrita
aprimora as habilidades metafonológicas no nível da sílaba e do fonema. As
crianças em fase de alfabetização apresentaram um desempenho superior ao
observado no grupo que não havia recebido ensino sistemático da escrita. O
processo de alfabetização proporciona um aumento da consciência fonológica e
vale-se dessa consciência para alcançar o domínio do código escrito. No entanto,
as crianças em fase de alfabetização ainda demonstram dificuldades com relação
à consciência fonêmica. Essas dificuldades tornam-se mais tênues com o domínio
do código escrito. É possível observar que as crianças já alfabetizadas,
pertencentes ao grupo transversal 2, foram as que obtiveram as médias mais
altas no teste, demonstrando excelentes habilidades metafonológicas. Mais uma
vez pode-se relacionar a aquisição da escrita ao bom desempenho em
consciência fonológica.
5 RETOMADA DOS RESULTADOS
Neste capítulo serão retomados os resultados que foram identificados e
analisados nos capítulos 3 e 4, buscando-se respostas quanto à corroboração ou
126
não das hipóteses desta pesquisa. Serão abordados os resultados relativos ao
desempenho do grupo longitudinal e dos grupos transversais que fazem parte
deste estudo. Pretende-se discutir alguns aspectos levantados na análise dos
resultados (Capítulos 3 e 4) e confrontá-los com concepções e resultados de
outros estudos que foram abordados na fundamentação teórica (Capítulo 1) desta
tese.
Inicialmente será apresentada a seção que trata sobre a comprovação das
hipóteses a partir dos dados individuais do grupo longitudinal, para, em seguida,
passar-se à retomada dos resultados gerais e confronto desses resultados com
os apresentados em outras pesquisas. Neste momento faz-se necessário retomar
as hipóteses aventadas para esta pesquisa, quais sejam:
1) As crianças apresentam habilidades metafonológicas antes de
receberem o ensino sistemático da escrita.
2) As habilidades metafonológicas são aprimoradas ao longo do processo
de aquisição da escrita.
3) O nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita
em que a criança se encontra.
4) As crianças apresentam maior facilidade em responder às tarefas
referentes ao nível da sílaba do que às do nível do fonema.
5) O desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é beneficiado
pela chegada à hipótese de escrita alfabética.
6) O ensino sistemático da escrita, realizado na 1a série, impulsiona o
aprimoramento das habilidades metafonológicas.
5.1 Comprovação das hipóteses a partir dos dados individuais
A análise dos dados individuais dos informantes longitudinais possibilitou a
observação da comprovação ou não das hipóteses aventadas para esta pesquisa.
Nesta seção serão relacionados os resultados do grupo longitudinal às hipóteses
estabelecidas para o presente estudo, buscando-se concluir se houve ou não a
corroboração das mesmas.
A observação dos dados da primeira coleta realizada com o grupo
longitudinal mostra que as crianças já apresentavam habilidades metafonológicas
127
antes de receberem o ensino sistemático da escrita, fato que corrobora a hipótese
1 deste estudo. Nesta etapa da pesquisa os informantes estavam iniciando o
Jardim B, não tendo vivenciado ensino de escrita, mas já eram capazes de
responder corretamente tarefas metafonológicas, demonstrando um certo grau de
consciência silábica e fonêmica.
A hipótese 2 aventada neste estudo foi também corroborada, uma vez que
todos os informantes longitudinais aprimoraram suas habilidades metafonológicas
a partir da aquisição da escrita. Observa-se que todas as crianças demonstraram
crescimento no desempenho em consciência fonológica, tanto no que concerne
ao nível da sílaba quanto ao do fonema.
Os dados dos informantes longitudinais mostraram que o nível de
consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita em que a criança se
encontra, corroborando a hipótese 3. O salto no desempenho em consciência
fonológica coincidiu com a passagem para a hipótese de escrita alfabética em dez
crianças, enquanto outras duas demonstraram esse salto quando passaram para
a hipótese silábico-alfabética. O avanço com relação à hipótese de escrita,
apresentado através de uma escrita com características alfabéticas, coincide com
um aumento significativo das habilidades metafonológicas, demonstrando que há
uma relação entre esses dois fatores.
A hipótese 4 foi corroborada pelo fato de que todas as crianças
apresentaram melhor desempenho nas tarefas referentes à consciência silábica.
Além disso, não é necessário apresentar um determinado nível de escolarização
ou de escrita para apresentar um bom desempenho em consciência silábica. A
observação dos dados das crianças permite concluir que não há um padrão para
o salto no nível da sílaba, variando para cada informante. No entanto, o salto no
nível da sílaba ocorre antes do salto no nível do fonema para nove informantes e
no mesmo momento para quatro crianças. Em nenhum caso o salto no nível do
fonema ocorre antes do salto no nível da sílaba, mostrando a facilidade
relacionada à consciência silábica e corroborando a hipótese 4 desta pesquisa.
Com relação à hipótese 5, observa-se que o salto no nível do fonema
coincide com a hipótese alfabética em doze informantes, reforçando a afirmação
de que o desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é beneficiado
pela chegada à hipótese de escrita alfabética.
Ainda pode-se observar que o desempenho em consciência fonológica foi
aprimorado pelo ensino sistemático da escrita. As crianças demonstraram
128
crescimento em seu desempenho a partir do ingresso na primeira série, quando
iniciaram a vivenciar o ensino formal da escrita, fato que corrobora a hipótese 6
desta pesquisa. O salto no desempenho em consciência fonológica para a maioria
dos informantes ocorre durante a primeira série do ensino fundamental. Além
disso, os informantes L2 e L9, por exemplo, que não apresentaram o salto no
desempenho no teste relacionado ao nível de escrita alfabética, demonstraram tal
salto no momento em que ingressaram na 1a série, o que indica o importante
papel do ensino sistemático da escrita para o aprimoramento das habilidades
metafonológicas.
Pelo que foi apresentado nesta seção, pode-se observar que as seis
hipóteses aventadas na presente pesquisa foram corroboradas a partir dos dados
individuais dos informantes longitudinais.
5. 2 Resultados gerais da pesquisa
Os resultados gerais desta pesquisa mostram que o desempenho em
consciência fonológica é aprimorado durante a aquisição do código escrito, e está
relacionado às hipóteses de escrita, corroborando as hipóteses 2 e 3 deste
estudo. As médias mais altas em consciência fonológica foram obtidas pelos
informantes que se encontravam na hipótese de escrita alfabética, enquanto que
aqueles que apresentavam a hipótese pré-silábica foram os que obtiveram as
médias mais baixas no teste metafonológico. Dessa forma, conclui-se que as
hipóteses de escrita estão diretamente ligadas ao nível de consciência fonológica
de crianças em processo de aquisição da escrita, sendo estabelecida uma relação
entre a psicogênese da escrita e a metafonologia.
Os dados do grupo longitudinal evidenciam que, à medida que o grupo
torna-se mais homogêneo com relação às hipóteses de escrita, demonstra um
comportamento semelhante em consciência fonológica, diminuindo a variabilidade
no desempenho das crianças. A partir do momento em que elas tomam
129
consciência do princípio alfabético da escrita, alcançando a hipótese alfabética,
passam a apresentar um desempenho semelhante em consciência fonológica.
Isso reforça a relação entre o desempenho em consciência fonológica e as
hipóteses de escrita, mostrando que foi produtivo para esta pesquisa ter
considerado tais hipóteses.
Deve-se ressaltar que houve crescimento no desempenho em consciência
fonológica mesmo para aquelas crianças do grupo longitudinal que desde o início
da pesquisa estavam na hipótese alfabética. Esse fato evidencia que é produtivo
trabalhar a consciência fonológica com crianças que já descobriram o princípio
alfabético da escrita, pois esse trabalho ainda pode oferecer um ganho a essas
crianças através do aprimoramento de suas habilidades metafonológicas.
Com relação aos grupos antes, durante e após a alfabetização (seções 4.1,
4.2 e 4.3), observa-se comportamentos distintos em consciência fonológica que
evidenciam o desenvolvimento dessa consciência relacionado à experiência de
escrita. Os três grupos observados demonstraram habilidades metafonológicas,
evidenciando que a consciência fonológica não surge somente a partir da
aquisição da escrita. Como afirma Adams (1990), certos níveis de consciência
fonológica precedem a aquisição da escrita, enquanto outros resultam dela.
O desempenho em consciência fonológica é mais baixo antes da
alfabetização (Jardim A), aumentando em direção ao grupo após a alfabetização
(2a série). Esses resultados corroboram pesquisas anteriormente realizadas que
afirmam que as habilidades metafonológicas estabelecem uma relação de
“causalidade recíproca” (Morais, Mousky e Kolinsky, 1998) com a aquisição da
escrita. Como mostram os dados desta pesquisa, as crianças não alfabetizadas já
apresentam habilidades metafonológicas que evoluem concomitante à aquisição
da escrita. Esses resultados corroboram as hipóteses 1, 2 e 6 deste estudo.
O presente estudo reafirma o que dizem Tunmer, Herriman e Nesdale
(1988), e Williams (1980): a consciência fonológica desenvolve-se gradualmente a
partir de algumas habilidades que já existem antes do início da aquisição da
escrita e são aprimoradas, contribuindo para o surgimento de novas habilidades
metafonológicas.
Nos grupos antes e durante a alfabetização o desvio padrão é mais alto,
evidenciando uma significativa variação no número de acertos obtidos no teste, o
que pode estar relacionado aos diferentes níveis de escrita demonstrados pelos
grupos. O grupo após a alfabetização apresenta um desvio padrão mais baixo,
130
apresentando uma certa regularidade no desempenho em consciência fonológica,
o que pode ser explicado pelo fato de todos os sujeitos já terem alcançado a
escrita alfabética, estando emparelhados quanto à hipótese de escrita. Mais uma
vez o comportamento em consciência fonológica estabelece uma relação com a
escrita dos informantes.
Os resultados desta pesquisa evidenciam que as crianças dos grupos
antes, durante e após a alfabetização apresentam maior facilidade em responder
as tarefas do nível da sílaba. As médias em consciência silábica foram mais altas
do que as médias em consciência fonêmica nos três grupos pesquisados, como
pode ser visto na Tabela 40, apresentada anteriormente. Esse resultado
corrobora as pesquisas que garantem que a consciência silábica é mais acessível
que a fonêmica (Liberman, 1974; Gombert, 1992). O grupo antes da alfabetização
foi o que encontrou maior dificuldade no nível do fonema, demonstrando diferença
estatisticamente significativa entre as tarefas silábicas e fonêmicas, e reafirmando
que crianças antes da alfabetização têm dificuldades em manipular fonemas
conscientemente.
A consciência fonêmica parece estar mais intimamente relacionada à
experiência em leitura e escrita, uma vez que vai sendo aprimorada à medida que
as crianças recebem o ensino sistemático da escrita. O fato de todos os sujeitos
do grupo após a alfabetização já demonstrarem escrita alfabética garante melhor
desempenho em consciência fonêmica, o que corrobora a hipótese 5 desta
pesquisa e reforça os resultados de outros estudos que asseguram que a
consciência fonêmica está fortemente relacionada à descoberta do princípio
alfabético (Scliar-Cabral, 2003; Morais, Mousky e Kolinsky, 1998).
Nenhum dos grupos pesquisados demonstrou diferença estatisticamente
significativa entre tarefas que envolviam consciência de rimas e de aliterações. O
grupo antes da alfabetização obteve um desempenho muito próximo nas tarefas,
enquanto que o grupo durante a alfabetização apresentou um desempenho
superior em manipular rimas e o grupo após a alfabetização demonstrou maior
facilidade em lidar com aliterações. Esse resultado reafirma as pesquisas de
Cardoso-Martins (1994) e Freitas (2003) que asseguram que a rima não é uma
unidade muito significativa para crianças falantes de português brasileiro. Como
pode ser visto na Tabela 41, apresentada anteriormente, o grupo que apresentou
maior diferença entre as tarefas de rima e aliteração foi o grupo após a
alfabetização, que priorizou as tarefas de aliteração. Considerando um valor de
131
significância >0,05, esse grupo está muito próximo de apresentar uma diferença
estatisticamente significativa. Para essas crianças parece mais fácil lidar com os
sons iniciais das palavras.
Com relação às tarefas do TMS, exclusão e transposição foram as mais
difíceis para os grupos antes e durante a alfabetização. Para esses grupos, as
tarefas mais fáceis foram síntese e segmentação, produção e identificação. O
grupo após a alfabetização apresentou mais de 90% de acertos em todas as
tarefas, indicando a inexistência de tarefas mais fáceis e mais difíceis para esse
grupo. Esses resultados apontam para a influência que o tipo de tarefa exerce
sobre o desempenho em consciência fonológica de crianças que estão em
processo de aquisição da escrita. No momento da coleta dos dados, o grupo após
a alfabetização apresentou habilidades suficientes para realizar as tarefas
propostas. Já as crianças antes e durante a alfabetização demonstraram maior
dificuldade relacionada às tarefas mais complexas em termos cognitivos, podendo
ter influenciado o desempenho no teste. Como garantem Dominguez e Clemente
(1993), o tipo de atividade a ser desenvolvida pela criança pode diferir em termos
de abstração e dificultar a realização da tarefa. Essa dificuldade é também
observada no trabalho com adultos alfabetizados como afirmam Freitas e Vidor
(2003). Sendo assim, o pesquisador deve estar atento ao tipo de tarefa que está
utilizando, tendo consciência de que ela pode interferir no desempenho do sujeito.
Como apropriadamente afirmam Gough, Larson e Yopp (1996), a
consciência fonológica é uma constelação de habilidades heterogêneas, cujos
componentes têm diferentes propriedades e se desenvolvem em diferentes
tempos. Ela é uma habilidade cognitiva que envolve níveis lingüísticos (sílabas,
unidades intra-silábicas, fonemas) e pode ser testada através de diversas tarefas.
Os dados desta pesquisa permitiram a observação do desenvolvimento dessas
habilidades em crianças em fase de aquisição da escrita, demonstrando as
dificuldades e facilidades encontradas, e relacionando o desempenho em
consciência fonológica à aquisição da escrita. Os dados deste estudo mostraram
que a aquisição da escrita proporciona um aumento da consciência fonológica,
principalmente no que tange ao nível do fonema, e vale-se dessa consciência
para alcançar o domínio do código escrito, estabelecendo uma relação de
reciprocidade.
132
CONCLUSÃO
Após a realização desta pesquisa, conclui-se que consciência fonológica e
aquisição da escrita estabelecem uma relação de influência recíproca, como já foi
apontado por outros autores (Adams, 1990; Morais, Mousky e Kolinsky, 1998). A
partir da análise dos dados de crianças antes, durante e após a alfabetização foi
possível observar que o desempenho em consciência fonológica está relacionado
à escrita de crianças em fase de aquisição desta modalidade. Os dados
133
longitudinais, por sua vez, garantiram a observação do desenvolvimento e
aprimoramento das habilidades metafonológicas e da evolução da escrita dos
informantes desta pesquisa.
Os objetivos estabelecidos neste estudo foram alcançados através da
observação detalhada dos dados dos 33 sujeitos pesquisados, possibilitando a
constatação da relação existente entre consciência fonológica e aquisição da
escrita. O acompanhamento do grupo longitudinal permitiu a verificação da
existência de crescimento no desempenho em consciência fonológica relacionado
ao desempenho na escrita, bem como a identificação de dificuldades e facilidades
vivenciadas pelas crianças.
As seis hipóteses aventadas para esta pesquisa foram corroboradas,
demonstrando que:
As crianças apresentam habilidades metafonológicas antes de
receberem o ensino sistemático da escrita.
As habilidades metafonológicas são aprimoradas ao longo do
processo de aquisição da escrita.
O nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de
escrita em que a criança se encontra.
As crianças apresentam maior facilidade em responder às tarefas
referentes ao nível da sílaba do que às do nível do fonema.
O desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é
beneficiado pela chegada à hipótese de escrita alfabética.
O ensino sistemático da escrita, realizado na 1a série, impulsiona o
aprimoramento das habilidades metafonológicas.
Os resultados deste estudo evidenciam que há uma ligação entre a
psicogênese da escrita, proposta por Ferreiro e Teberosky (1991), e as
habilidades metafonológicas, abordadas em muitos estudos sobre aquisição da
escrita realizados nas duas últimas décadas (Bryant e Bradley, 1985; Morais et
alii, 1988; Gathercole e Baddeley, 1993). A partir disso, acredita-se que essas
duas linhas de pesquisa sobre a aquisição da escrita podem e devem estabelecer
um diálogo, como sugeriu A. Morais em trabalho apresentado em 2003. O
acompanhamento da evolução da escrita das crianças, juntamente com a
134
abordagem das habilidades metafonológicas, trazem contribuição para a
aquisição da escrita.
Estudos sobre consciência fonológica e aquisição da escrita têm mostrado
a importância de trabalhar com o som em sala de aula, utilizar as capacidades
das crianças quanto à fala, auxiliá-las a pensar sobre os sons das palavras e a
correspondência com a escrita. Como diz Morais (1996), a chave da linguagem
escrita encontra-se na relação desta com a linguagem falada. Dessa forma, o som
deve ser utilizado não como método, mas como apoio para a aquisição da escrita.
O trabalho com as crianças deve valer-se das concepções que elas têm sobre a
escrita e de suas capacidades para analisar conscientemente a fala.
Sugere-se a estimulação do trabalho com os sons e sua relação com a
escrita não como um retorno a métodos ultrapassados, mas como apoio para um
caminho construtivo de aquisição da escrita. As habilidades metafonológicas
devem ser estimuladas através de jogos e brincadeiras não como um
treinamento, mas como uma estimulação com caráter preventivo. Esse trabalho
pode ser mais uma ferramenta para instrumentalizar educadores e terapeutas a
auxiliar as crianças no processo de aquisição da escrita. Como nos diz Scliar-
Cabral (2003), “é nos primeiros anos de escola que se decide fundamentalmente
quem será um bom leitor ou redator” (p. 20). Sendo assim, parece imprescindível
que se dedique cada vez mais atenção à aquisição da escrita, buscando
estratégias que auxiliem essa aquisição.
O presente trabalho contribuiu com dados sobre a consciência fonológica
em crianças falantes de português brasileiro, suprindo principalmente uma lacuna
referente a estudos longitudinais. O caráter longitudinal desta pesquisa permitiu
observar que consciência fonológica e aquisição da escrita estão relacionadas,
desenvolvendo-se lado a lado. Resultados significativos e dados instigantes foram
levantados, abrindo caminho para novas pesquisas, principalmente no que tange
aos níveis de consciência fonológica. Espera-se que este seja um trabalho que
leve a outras investigações sobre consciência fonológica e seus componentes,
aquisição da escrita, relação entre aquisição da fala e aquisição da escrita, além
de outros possíveis temas gerados a partir da investigação aqui realizada.
Por fim, como um trabalho na área de Lingüística Aplicada, almeja-se que
esta tese cumpra o papel de tentar aproximar pesquisa e prática, servindo de
fonte para educadores, fonoaudiólogos, psicólogos e demais pesquisadores que
se interessam pela aquisição da escrita.
135
Acredita-se que para formar bons leitores e escritores precisamos,
inicialmente, formar bons educadores. Dessa forma, é necessário que haja um
diálogo entre pesquisa e ensino, buscando informar cada vez mais os educadores
responsáveis pelo ensino nas séries iniciais. Através de uma sólida formação,
esses educadores poderão auxiliar ainda mais seus alunos, entendendo as
dificuldades e dúvidas por eles enfrentadas durante o processo de aquisição da
escrita.
Os resultados de pesquisas sobre aquisição da escrita podem contribuir
para o investimento em novos recursos que auxiliem o trabalho nas séries iniciais,
tornando-o mais produtivo e proporcionando uma melhora na qualidade do ensino
em nossas escolas.
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142
ANEXO 1
TESTE METAFONOLÓGICO SEQÜENCIAL (TMS)
Autoras: MOOJEN, Sônia (Coord); GUARDA, Elisabet; LAMPRECHT, Regina;MENEZES, Gabriela; SANTOS, Rosângela.Versão preliminar em validação. Não autorizada a reprodução e/ou uso sem consulta prévia.
NÍVEL DA SÍLABA (S)
I – Síntese e segmentação
S 1 – Síntese silábicaEx.: so – pa = sopa pi-ja-ma = pijama
bi – cosor – ve – te
má – gi – coe – le – fan – te
“Eu vou te dizer uma palavra dividida em pedaços. Eu quero que tu juntes ospedaços e digas a palavra.”Pronuncie a palavra ‘sopa’ com um segundo de intervalo entre cada sílaba: so – pa.
“O que tu achas que estou dizendo agora?” (pi – ja – ma)”
143
S 2 – Segmentação silábicaEx.: sala = sa – la urubu = u – ru - bu
gatoescovacachorro
abacaxi
“Eu vou te dizer uma palavra e quero que tu dividas em pedaços.”Se necessário, ajude a criança movendo fichas (correspondentes ao número desílabas) ao mesmo tempo em que pronuncia cada sílaba. “Como falar: ‘ sala’? E‘urubu’?”Ajude a criança, se necessário, mas somente nos exemplos.
II - Identificação
S 3 – Palavra que compartilha da mesma sílaba inicialModelo Alternativas
cobra copo – ninho – lojagarrafa foguete – galinha – cadernofaca fada – vaso – latapeixe noite – peito – fitacabide bandeira– palito – canecacenoura raposa – semana – chinelo
“Que desenho é este? (cobra). Agora eu vou dizer 3palavras. Uma delas começa como ‘cobra’. Prestaatenção e me diz qual é a palavra que começa comocobra.”Caso a criança não entenda, fazê-la identificar a sílabainicial dos exemplos, antes de responder (somente nosexemplos).
S 4 – Palavra que rima com a palavra modeloModelo Alternativas
aranha montanha – umbigo – carrinhoespada quadrado – salada – gaivotaflor pão – dor – tremmartelo morango – tapete - casteloabelha relógio – orelha – vestidocoração carnaval – armazém – injeção
“Que desenho é este? (aranha) Eu voudizer 3 palavras e quero que me digasqual é a palavra que termina (rima)como aranha.”O mesmo com ‘espada’.
S 5 - Palavra que compartilha da mesma sílaba no meio da palavraModelo Alternativas
girafa pirata – panela – dinheirocamelo colega – vermelho – bolachatomate fumaça – lanterna – espetopalhaço gorila – tesoura – telhadocavalo soldado – gravata – vizinhojacaré avental – macarrão – abridor
“Que desenho é este? (girafa) Qual é o pedaço (sílaba)do meio da palavra girafa: ‘ra’. Eu vou dizer 3 palavras.Uma delas tem o pedaço (sílaba) do meio igual aopedaço do meio da palavra ‘girafa’.” O mesmo com apalavra ‘camelo’Aguarde que a criança evoque a sílaba do meio, antes dedizer as 3 palavras. Use as fichas para ajudar a identificar asílaba do meio, caso necessário.
III Produção
S 6 – Palavra que inicia com a mesma sílabaEx: pato = papai, pacote janela = jarra, Japãocasa Que desenho é este? (pato) Me diz outra palavra que comece como ‘pato’.
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balasapato
pipoca
Ajude, se necessário, com “papai, pacote.”O mesmo com a palavra “janela”
S 7 – RimaEx.: chapéu = pastel, hotel golfinho = espinho, sozinhocafébalãobolarato
“Tu conheces a brincadeira: Oi, cara de boi. Tchau cara de pau?”‘Oi’ combina (rima) com ‘’ boi’ e ‘tchau’ combina (rima) com ‘pau’. Chapéucombina com?”O mesmo com a palavra ‘golfinho’.
IV - Exclusão
S 8 - Silábica inicialEx.: cipó = pó socorro = corrosofácolchãoescolapiolho
“Vou dizer uma palavra e tu vais repeti-la tirando o pedaço (sílaba) inicial. Ex.: ‘cipó’
se eu tirar o pedaço inicial ‘ci’ fica ‘pó’ .
E ‘socorro’, se eu tirar a 1a sílaba fica? (corro)”
Use as fichas, se necessário.
S 9 – Silábica finalEx: reza = re parque = par
pelebarcocaracolboneca
“Eu vou dizer uma palavra e agora tu vais tirar o pedaço (sílaba) do fim da palavra.
Ex.: Na palavra ‘reza’ qual é a sílaba do fim? ‘za’. Se eu tirar o ‘za’ fica ‘ré’.” E na
palavra ‘parque’, se eu tirar a última sílaba fica? (par)”
Use as fichas, se necessário.
V – Transposição
S 10 – Transposição silábicaEx.: darró = roda chobí = bichovalúlhomícafótapór
“Eu vou dizer uma palavra que não existe. Esta palavra tem dois pedaços(sílabas) e tu vais trocar os pedaços: vais dizer primeiro o pedaço do fim e depoiso pedaço do começo. Vais descobrir uma palavra que existe. Assim: darró fica?(roda). Chobí fica? (bicho)”.Aguarde a resposta da criança para ter certeza de que ela entendeu a tarefa detransposição. Use as fichas, se necessário.
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NÍVEL DO FONEMA (F)
I - Produção
F 1 – Palavra que inicia com o som dadoEx.: /a/ = amigo, agulha /f/ = feijão, família/s////v///
“Eu vou dizer um som e tu vais me dizer uma palavra que comece com esse som.”Exemplos: /a / (amigo); /s/ (sapo); / / (jóia); /v/ (vaca); / / (chuva).Se a criança usar o som como uma onomatopéia (ex.: “xxx” solicitação de silêncio)informe que deve procurar uma palavra que comece com este som.
II - Identificação
F 2 – Palavra que compartilha do mesmo fonema finalModelo Alternativas
coelho azeite – sorriso – farinhachave tigre – cama – lobolápis pedra – garfo – fériastambor peru – colher – manhãpiano criança – cidade – banheiroescada baleia– parede- morcego
“Que desenho é este? (coelho) Eu vou dizer 3 palavras.
Uma delas tem o som no fim que é igual ao som final de
‘coelho’. Descobre qual é a palavra.”
O mesmo com a palavra “chave’.
F 3 – Palavra que compartilha do mesmo fonema inicial
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Modelo Alternativas
sino sede – chuva – gemabota porco – banco – jóiaurso ovo – bolo – unhadedo doce – sapo– linhafolha vela – figo – colamacaco menino – presente – cabeça
“Que desenho é este? (sino). Agora eu vou dizer 3palavras. Uma delas começa com o mesmo som dapalavra ‘sino’. Me diz qual é a palavra que começacom o mesmo som de sino.”O mesmo com a palavra ‘bota”.
III - Exclusão
F 4 – Fonema dadoEx: som // de chama = ama som /r/ de barba = baba
som // de jaulasom /v/ de vidasom /u/ de viúvasom /s/ de pastasom /a/ de peçasom /r/ de mar
“Se eu tirar o som // de ‘chama’ fica?” (ama)
“Se eu tirar o som /r/ da palavra ‘barba’ fica?”(baba)
OBS.: // representa o som de ‘ch’ e de ‘x’.
IV - Síntese e Segmentação
F 5 – Síntese fonêmicaEx.: E – v – a = Eva g –e - l – o = gelos – ój – áu – v – am – a – l – a
“As palavras tem sons. Por exemplo, a palavra Eva tem estes sons: E – V – A . Eu voudizer uns sons, e tu vais juntá-los para descobrir que palavra eles formam.”Pronuncie os fonemas com intervalo de l (um) segundo entre cada um deles. A pronúncia
dos sons deve ser curta para que não se tornem sílabas. O fonema /s/ deve ser pronunciado
como ‘sss’ e não como ‘sã’. Ajude a criança se ela não conseguir. Apresente os exemplos:
E – v – a; g – e – l – o .
Use as fichas, se necessário.
F 6 – Segmentação fonêmicaEx.: vó = v – ó lua = l – u – acháossolixomola
“Agora é tua vez de falar os sons das palavras que eu vou te dizer.” Pode-se usarfichas. Empurre uma ficha para frente ao mesmo tempo que pronuncia cada som. Se acriança se sentir mais segura e preferir usar as fichas, deixe-a usá-las para o exemploseguinte e para os resto do teste.Ajude a criança, se necessário, mas somente nos exemplos.
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V – Transposição
F 7 – Transposição fonêmicaEx.: amú = uma íca = aquialé (ela)óva (avó)ôla (alô)ias (sai)
Este item, devido a sua complexidade, gera dificuldade tanto na aplicação quanto noentendimento da ordem por parte da criança. Sugere-se o uso de fichas durante todaa aplicação,conforme o seguinte procedimento:1o) diga os logatomos, deslizando o dedo sobre as fichas;2o) diga os sons isoladamente, apontando uma ficha por vez;3o) solicite que a criança diga os sons de trás para diante, juntando-os para formaruma palavra que exista.Agora nós vamos falar de trás para diante. Eu vou dizer uma palavra esquisita como ‘avú’ .Ela tem três sons: a – v – ú . Se tu disseres os sons de trás para diante nós vamos acharuma palavra que existe: ‘uva’.” E a palavra esquisita ‘ica’- se dissermos os sons destapalavra de trás para diante, que palavra formaríamos?” (‘aqui’).
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