COLETNEA 3
CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL:
REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
Coordenadores
VIVIANE COLHO DE SLLOS-KNOERR
ELOETE CAMILLI OLIVEIRA
Organizadores
JOS MARIO TAFURI
SANDRO MANSUR GIBRAN
COLETNEA 3
CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL:
REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
ISBN 978-85-87875-09-9
AENA
2013 | Curitiba
Campus Milton Vianna Filho: Rua Chile, 1.678 - Rebouas - CEP 80220-181
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SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................................11
JUDICIALIZAO DO DIREITO SADE LUZ DA DISCRICIONARIEDADE
ADMINISTRATIVA
AGATHA LOUISIE FREDERICO E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE..................................................17
A REPERCUSSO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DOS
RECURSOS CONSTITUCIONAIS
ALISSON FERNANDO DE ANHAIA RENTZ E ELIZEU LUCIANO DE ALMEIDA FURQUIM.............47
A CRISE DA REPRESENTAO NO BRASIL: UMA ANLISE POLTICA-
PARTIDRIA
ALLAN CAMARGO PRUDLIK E ROOSEVELT ARRAES79
A IMPORTNCIA DO LAICISMO ESTATAL NA DEFESA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
AMANDA CAROLINE BISSONI E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE..................................................111
COLISO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
CAROLINA DIAS MACHADO E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.....................................................135
INELEGIBILIDADE POR DECISO ADMINISTRATIVA PENDENTE DE ANLISE
PELO PODER JUDICIRIO
DANIELLA BONTORIN WALLER E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE...............................................161
LIMITES E DESAFIOS PARA O CONTROLE DA IMPROBIDADE E DO ABUSO DE
PODER POLTICO E ECONMICO NAS ELEIES
ESTAINER BRAGA ADVINCOLA DE OLIVEIRA E ROOSEVELT ARRAES....................................191
A LIBERDADE DE CRENA E O USO DE ANIMAIS EM RITUAIS RELIGIOSOS:
DIREITOS, LIMITES E ANLISE CRTICA NO ORDENAMENTO PTRIO
FABIANA SOARES PRESTES E MARIA DA GLRIA COLUCCI.....................................................221
A TERCEIRIZAO E A RESPONSABILIZAO DA ADMINISTRAO PBLICA
DIRETA E INDIRETA
FELIPE BERRI E MAURO JOSELITO BORDIN................................................................................257
EFICCIA IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAES
JURDICAS PRIVADAS
GABRIEL CARDOSO GALLI E JOSE LEANDRO FARIAS BENITEZ...............................................289
CARL SCHIMITT E O PARADOXO CONSTITUINTE DO 1 ATO INSTITUCIONAL
DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
GIOVANNI AFFORNALLI FELTRIN E HELOISA FERNANDES CAMARA.......................................325
O DIREITO NO MUNDO GLOBALIZADO SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO AO
DESENVOLVIMENTO E O PRINCPIO DO NO RETROCESSO
JOO PAULO MACHADO PIRATELLI E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.......................................357
RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR LEIS INCONSTITUCIONAIS
JUANA CARVALHO E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE....................................................................381
A FLEXIBILIZAO DA GESTO PBLICA E A PROBLEMTICA DA
EFICINCIA
JULIANA HELOISA DRO E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.........................................................409
PROBLEMAS E DEFICINCIAS DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANA
JULIANA SOUSA FAZIO E REGINA MARIA BUENO BACELLAR...................................................433
DIREITO FUNDAMENTAL EDUCAO LUZ DA CONCEPO DO MNIMO
EXISTENCIAL
LETCIA BELTRAMI DE CAMPOS E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.............................................465
LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL NO EXAME DOS CRITRIOS DE
AVALIAO DO CONCURSO PBLICO
MIRELLE RIBAS E LUCIANO ELIAS REIS.......................................................................................493
OS DIREITOS INTIMIDADE E LIBERDADE DE EXPRESSO E
INFORMAO NA INTERNET
MIYUKI MURAKAMI SAMESHIMA FARIAS E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE...............................523
MEDIDAS PROVISRIAS: ANLISE LUZ DO PRINCPIO DA HARMONIA E
INDEPENDNCIA ENTRE OS PODERES
SIMONI ROZENDO DA SILVA E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE...................................................551
REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAES PBLICAS: ANLISE SOBRE A
PUBLICIDADE DO ORAMENTO ESTIMADO
THAMIRIS CRISTINA PEREIRA DOS ANJOS E LUCIANO ELIAS REIS.........................................579
NEOCONSTITUCIONALISMO E POLTICAS PBLICAS: A ATUAO DO
PODER JUDICIRIO
THAMISA RAYANE DE OLIVEIRA E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.............................................613
AS HIPTESES DE CABIMENTO DA ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL LUZ DOS LIMITES DA JURISDIO
CONSTITUCIONAL EM UM ESTADO DEMOCRTICO
VICTOR AUGUSTO MACHADO SANTOS E LUIZ GUSTAVO DE ANDRADE.................................643
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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INTRODUO
A Coletnea Concretizao Constitucional: Reflexes, Desafios e Conquistas,
traz uma compilao de artigos resultantes de pesquisa cientfica realizada por
professores e seus alunos do Centro Universitrio Curitiba UNICURITIBA,
objetivando dar conhecimento comunidade acadmica em geral dos Trabalhos de
Curso, selecionados por banca examinadora composta por professores de
mencionada Instituio de Ensino. Em breve sntese, faz-se referncia aos artigos
constantes desta obra.
Agatha Louisie Frederico e Luiz Gustavo de Andrade iniciam esta Coletnea
com o artigo Judicializao do Direito Sade Luz da Discricionariedade
Administrativa, sob a perspectiva do fornecimento de medicamentos e tratamentos
teraputicos. Tratam da ineficcia ou omisso do Estado ao prestar aos cidados,
mediante politicas pblicas, o direito sade, reconhecido constitucionalmente, e a
busca da sua efetivao na esfera do Poder Judicirio, gerando o fenmeno da
judicializao da sade.
Alisson Fernando de Anhaia Rentz e Elizeu Luciano de Almeida Furquim
apresentam o resultado de sua pesquisa sobre a repercusso geral como requisito
de admissibilidade dos recursos constitucionais, introduzido pela Emenda
Constitucional n 45, como mecanismo de filtragem decorrente do excessivo nmero
de processos submetidos ao exame do Supremo Tribunal Federal.
A crise da representao no Brasil: uma anlise poltico-partidria, exposta
por Allan Camargo Prudlik e Roosevelt Arraes faz uma anlise do atual quadro
brasileiro tendo em vista a crescente insatisfao popular com seus governantes,
causando uma verdadeira crise do modelo representativo.
Amanda Caroline Bissoni e Luiz Gustavo de Andrade com o artigo
apresentado, buscam demonstrar a importncia do laicismo estatal na defesa dos
direitos fundamentais, uma vez que as decises polticas e jurdicas sofrem, ainda,
grande interferncia de diversas concepes religiosas.
Os princpios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de
aplicao da tcnica da ponderao, pesquisado por Carolina Dias Machado e Luiz
Gustavo de Andrade, foram demonstrados como aptos a solucionar colises entre
direitos fundamentais
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
12
As principais mudanas trazidas pela LC 135/2010 Lei da Ficha Limpa foi
objeto de estudo por Daniella Bontorin Waller e Luiz Gustavo de Andrade, e esto
relatados em artigo nesta Coletnea. Entre as mudanas, abordam o aumento do
prazo de inelegibilidade para 8 (oito) anos; a possibilidade de decretao da
inelegibilidade por deciso administrativa proferida por rgo judicial colegiado; e,
por fim, a possibilidade de decretao de inelegibilidade por decises
administrativas,
Estainer Braga Advincola de Oliveira e Roosevelt Arraes no artigo publicado,
analisam de forma sistemtica, com abordagem legislativa, doutrinria e
jurisprudencial, a Lei das Eleies em consonncia com a Lei da Improbidade
Administrativa, em especial as condutas proibidas e a forma de responsabilizao
dos agentes pblicos diante da violao do Princpio Democrtico.
A liberdade de crena e o uso de animais em rituais religiosos, tendo como
parmetro os direitos fundamentais objeto de anlise critica decorrente de
pesquisa feita por Fabiana Soares Prestes e Maria da Glria Colucci
O processo de terceirizao na Administrao Pblica e o conflito entre os
princpios trabalhistas e administrativos, foram estudados por Felipe Berri e Mauro
Joselito Bordin para no artigo publicado nesta coletnea, traar os limites da
responsabilizao da Administrao Pblica Direta e Indireta pelas verbas
trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de servios com o obreiro
terceirizado.
Na sequencia, Gabriel Cardoso Galli e Jos Leandro Benitez discorrem sobre
a eficcia imediata dos direitos fundamentais nas relaes jurdicas privadas,
quando se verifica a presena de equanimidade entre as partes.
Giovanni Affornalli Feltrin e Helosa Fernandes Cmara elaboram um estudo
sobre Carl Schmitt e o Paradoxo Constituinte do 1 Ato Institucional da Ditadura
militar Brasileira demonstrando que, a redao do prembulo do mesmo guarda
relaes com a teoria estudada. Expem ainda, em anlise deste paradoxo, que
juntamente com a situao excepcional da Ditadura Militar, criou um excesso
legislativo, perigoso ao Estado de Direito
Joo Paulo Machado Piratelli e Luiz Gustavo de Andrade no artigo O Direito
no Mundo Globalizado sob a Perspectiva do Direito ao Desenvolvimento e o
Principio do No Retrocesso analisam a relao entre Direito e Economia com base
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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na Constituio de 1988 e no ideal de desenvolvimento, procurando demonstrar a
funo social do jurista frente s mudanas contemporneas.
A responsabilidade do Estado por leis inconstitucionais, apresentada por
Juana Carvalho e Luiz Gustavo de Andrade, os quais discorrem sobre a substancial
e prudente tendncia da doutrina e jurisprudncia para o delineamento de diretrizes
que vm a permitir a responsabilizao do Estado.
Sobre a Flexibilizao da Gesto Pblica e Problemtica da Eficincia,
Juliana Heloisa Dro e Luiz Gustavo de Andrade demonstram que a proposta pelo
gerencialismo, por no ter vinda acompanhada de um controle efetivo permitiu que
prticas patrimonialistas, as quais se almejavam combater, permanecem como
prtica recorrente dentro da Administrao Pblica.
Em artigo que almeja demonstrar os objetivos e efeitos do instrumento
urbanstico denominado como Estudo de Impacto de Vizinhana Juliana Souza
Fazio e Regina Maria Bueno Bacellar, analisam a Lei n. 10.257/2001, mais
especificamente os artigos 36,37 e 38.
Letcia Beltrami de Campos e Luiz Gustavo de Andrade expem as
discusses acerca do direito fundamental educao luz da concepo do mnimo
existencial, e pretendem demonstrar os mecanismos necessrios para tornar efetivo
este mandamento constitucional.
Os limites do controle judicial no exame dos critrios de avaliao do
concurso pblico adotados pela Administrao Pblica so expostos por Mirelle
Ribas e Luciano Elias Reis abordando as constantes violaes dos direitos dos
candidatos, a divergncia jurisprudencial quanto ao tema e a ausncia de uma lei
nacional que regulamente a realizao dos mesmos.
Miyuki Murakami Sameshima Farias e Luiz Gustavo de Andrade trazem
reflexes sobre o exerccio do direito fundamental intimidade na Internet, a qual
um meio de comunicao protegido pelo igualmente fundamental direito liberdade
de expresso, concluindo que o Direito tem a obrigao de inteirar-se das
consequncias e dos efeitos singulares do que praticado no ambiente virtual.
Em estudo interessante e atual, Simoni Rozendo da Silva e Luiz Gustavo de
Andrade demonstram que embora os poderes possuam funes tpicas inerentes
sua natureza, a funo legiferante, tambm atribuda ao Poder Executivo, via
Medida Provisria, desde que atendidos os requisitos fundamentais de relevncia e
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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urgncia. Neste contexto, procedem uma anlise das Medidas Provisrias luz do
princpio da harmonia e independncia dos poderes.
Para a manuteno do Estado Democrtico de Direito se faz necessria
reflexo e anlise crtica do ordenamento jurdico vigente, principalmente no mbito
do Direito Pblico, razo pela qual, a publicidade do oramento questo primordial.
Em decorrncia deste pressuposto, Thamiris Cristina Pereira dos Anjos e Luciano
Elias Reis abordam a questo da publicidade do oramento estimado no Regime
Diferenciado de Contrataes (RDC).
O neoconstitucionalismo como uma corrente que busca a efetividade do texto
constitucional por meio do reconhecimento dos princpios no ordenamento jurdico
foi analisada por Thamisa Rayane de Oliveira e Luiz Gustavo de Andrade, trazendo
a hermenutica jurdica, baseada na normatividade estatal e o posicionamento do
Poder Judicirio frente s novas incumbncias derivadas da inrcia do Poder
Legislativo e do Poder Executivo.
Partindo de uma anlise de Habermas , Dworkin e dos elementos obtidos a
partir da sntese de uma democracia constitucional e dos critrios encontrados para
o exerccio legitimo da jurisdio constitucional em tal modelo, o artigo elaborado por
Victor Augusto Machado Santos e Luiz Gustavo de Andrade pretende demonstrar a
partir dos contornos trazidos pela Lei 9.882/99 a possibilidade de cabimento e o
objeto da Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no sistema
jurdico brasileiro,
A pesquisa realizada no mbito do desenvolvimento do Trabalho de Curso
pelos alunos concluintes do Curso de Graduao em Direito DO Centro Universitrio
Curitiba UNICURITIBA, no pode ter os seus resultados restritos banca
examinadora, devem ser compartilhados e qui estimular outros profissionais a
prosseguir na pesquisa, buscando o aprofundamento das concluses aqui expostas.
ELOETE CAMILLI OLIVEIRA
Doutora pela UFPR. Mestre pela PUCPR. Professora adjunta nvel III da Pontifcia
Universidade Catlica do Paran, representante dos docentes no CEPE -
UNICURITIBA, professor titular UNICURITIBA, Supervisora do setor de Registro
dos Trabalhos de Concluso de Curso do UNICURITIBA.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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JOS MARIO TAFURI
Mestre e Especialista pela PUCPR. Professor Adjunto do UNICURITIBA,
Representante dos Coordenadores no CONSEPE- UNICURITIBA, Coordenador do
Curso de Direito UNICURITIBA
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COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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JUDICIALIZAO DO DIREITO SADE LUZ DA
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
JUDICIALIZATION OF THE RIGHT TO HEALTH IN THE LIGHT OF
ADMINISTRATIVE DISCRETION
Agatha Louisie Frederico1
Luiz Gustavo de Andrade2
1 Agatha Louisie Frederico acadmica do 8 perodo da Faculdade de Direito do Centro Universitrio Curitiba (Unicuritiba). 2 Possui graduao em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2003), ps-graduao pela Universidade Candido Mendes do Rio de Janeiro (2005) e Mestrado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2008). Atualmente professor da Faculdade de Direito de Curitiba do Centro Universitrio Curitiba (UNICURITIBA). Integra a Comisso de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paran (OAB-PR) e a Comisso de Controle da Administrao Pblica da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paran (OAB-PR). advogado militante no Paran.
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SUMRIO
1. Introduo. 2. Direito Fundamental Social Sade. 2.1. Direitos Fundamentais:
Concepo e Caractersticas. 2.2 Direito Social Sade na Constituio de 1988. 3.
Fornecimento de Tratamentos e Medicamentos Teraputicos: Atuao Discricionria
ou Vinculada. 4. Judicializao do Direito Sade. 4.1. Mnimo Existencial e
Reserva do Possvel. 4.2. Interveno Jurisdicional nas Polticas Pblicas de Sade
5. Consideraes Finais.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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RESUMO
Este trabalho visa analisar o contexto da judicializao do direito sade na
perspectiva da discricionariedade administrativa no fornecimento de medicamentos e
tratamentos teraputicos. A Constituio Federal reconheceu o direito sade,
como direito de todos, atribuindo ao Estado o dever de prest-lo, mediante polticas
pblicas. A ineficcia e/ou omisso do poder executivo, vem ocasionando a
crescente busca da populao, por intermdio das vias judiciais, a efetivao deste
direito. Este modelo gera o fenmeno da judicializao da sade, que se refere
transferncia de decises polticas e sociais da funo executiva para a funo
judiciria. Deve ser esclarecida a diferena entre ativismo judicial, que consiste na
aplicao pelo julgador de interpretao extensiva dos preceitos constitucionais, e a
judicializao, que o resultado do sistema constitucional adotado. Neste contexto,
necessrio analisar a existncia de discricionariedade no mbito da sade,
enquanto poltica pblica, bem como os limites a que se submete, conquanto
presentes a reserva do possvel e o mnimo existencial. Na ausncia de prestao
ativa por parte da administrao pblica, mas sem o rompimento do preceito da
tripartio dos poderes, o judicirio poder vir a ser chamado a preencher a lacuna
deixada com vistas satisfao do efetivo direito sade.
Palavras-chave: Direito sade, discricionariedade administrativa, mnimo
existencial, separao dos poderes e judicializao da sade.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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ABSTRACT
This paper aims to analyze the context of the judicialization of the right to health from
the perspective of administrative discretion in providing medications and therapeutic
treatments. The Constitution recognized the right to health as a universal right, giving
the State the duty to provide it, through public policies. The ineffectiveness and / or
omission of executive branch, has caused a growing demand of the population,
through the legal procedures, the realization of this right. This model generates the
phenomenon of judicialization of health, which refers to the transfer of political and
social decisions of executive function for the judicial function. Should be clarified the
difference between judicial activism, which consists of applying the trier of extensive
interpretation of constitutional provisions, and judicialization, which is the result of the
constitutional system adopted. In this context, it is necessary to analyze the
existence of discretion in the context of health as a public policy, as well as the limits
to which it submits, while the present and reserve of possible and the existential
minimum. In the absence of active provision by the government, but without breaking
the precept of the tripartition of powers, the judiciary may be called upon to fill the
gap left with a view to satisfying the effective right to health.
Keywords: Right to health, administrative discretion, existential minimum, separation
of powers and judicialization of health.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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1 INTRODUO
O advento da Constituio Federal de 1988 expandiu significativamente os
direitos fundamentais, dentre estes o direito sade. A redemocratizao do pas,
com vasta participao popular inseriu na populao a conscincia dos direitos
alcanados, gerando uma demanda popular crescente pela efetividade destes
direitos.
Analisar-se- o perodo em que o direito sade foi reconhecido como direito
fundamental, sendo a sade considerada na perspectiva fsica e mental. Sua
previso, na Constituio de 1988, no ttulo Direitos e Garantias Fundamentais,
tonou clara a inteno do constituinte de elenc-lo como direito fundamental.
Faz-se fundamental demonstrar de que forma o texto constitucional
estabeleceu como dever do Estado prestao do direito sade. Neste vis
pertinente verificar quais os limites da discricionariedade administrativa na
formulao dos protocolos clnicos de dispensao de medicamentos e tratamentos
teraputicos pelo Sistema nico de Sade e a vinculao do Poder Executivo
prestao do direito.
Em um ltimo momento, ser verificada a possibilidade da interveno
jurisdicional. Frente necessidade de prestao positiva pelo Estado para o
atendimento do direito sade e a limitao do errio, impe-se o questionamento
de qual o limite do que se pode ser exigido. Para que este questionamento seja
elucidado necessria a anlise da reserva do possvel em relao ao direito
sade.
2 DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL SADE
Os direitos naturais passaram por perodos de negao e de admisso
parcial, esses direitos alcanaram a devida consolidao conhecida atualmente no
campo constitucional, sendo uma premissa para a concretizao de um Estado de
Direito.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
22
2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONCEPO E CARACTERSTICAS.
Embora existam divergncias quanto ao local, forma e objetivo de surgimento
dos direitos fundamentais, a doutrina majoritria, converge quanto poca do seu
reconhecimento, final do sculo XVIII. Anteriormente concepo jus naturalista,
comearam a surgir vertentes ideolgicas que a inspirariam. Embasadas na filosofia
greco-romana e no cristianismo nascem as concepes de dignidade da pessoa
humana, igualdade e liberdade. Da cultura grega extraram-se a ideia de homem
livre e indivduo, requisitos essenciais democracia. Da cultura estoica greco-
romana e do cristianismo advm, tambm, a concepo de igualdade entre todos os
homens em dignidade - igualdade esta ante Deus - neste mesmo perodo surge a
teoria de que a limitao de poder o legitima. Teoria esta que depois foi
desenvolvida e consolidada por Montesquieu. Santo Toms de Aquino afirmava que
a no preservao dos direitos naturais do homem, pelos governantes, legitimaria o
direito de resistncia da populao. O jus naturalismo comea a ter relevncia no
sculo XVI, tendo como premissa o ser humano detentor de direitos naturais e
inalienveis. (SARLET, 2007, p. 44-46)
Ainda, no sculo XVI, os telogos Vitoria y las Casas, Vzquez de Menchaca,
Francisco Surez e Gabriel Vzquez lutaram pelos direitos naturais. Defendiam que
estes so frutos da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Hugo Grcio,
baseado nessas premissas pugnou, em sua obra, pelo reconhecimento dos direitos
naturais sustentando que eles so inerentes a todos os seres humanos, ressalvando
que no poderiam ter relao com qualquer religio. Hugo Donellus e Johannes
Althusius afirmavam que o direito de resistncia poderia ser utilizado para preservar
as garantias legais; bem como, o homem s seria submetido autoridade quando
esta decorresse da sua vontade. (SARLET, 2007, p. 46)
Nos sculos XVII e XVIII, os direitos naturais so desvinculados da religio
tendo como fundamento as teorias do contrato social, alcanando o pice dos
direitos naturais com o iluminismo de fundamento jusracionalista. (SARLET, 2007, p.
46)
A Declarao de Direitos do Povo da Virgnia, de 1776, classificada como o
primeiro marco no reconhecimento dos direitos fundamentais, possui como atributo
marcante sua supremacia normativa, a vinculao dos poderes pblicos, a
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
23
universalidade e a supremacia dos direitos naturais. Foi a primeira a positivar os
direitos naturais, embora ela apenas tenha adquirido o status constitucional de
fundamentalidade aps o reconhecimento de sua supremacia pela Suprema Corte
Americana, o que ocorreu aps a sua incorporao na Constituio, em 1791. A
Declarao dos Direitos dos Homens e do Cidado, 1789, outro marco histrico no
reconhecimento dos direitos fundamentais. considerada mais abrangente que a
Declarao de Direitos do Povo da Virgnia, pois com maior contedo democrtico e
social. (SARLET, 2007, p. 52-53)
O reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais ocorre com a
implementao dos direitos de primeira dimenso que se referem a direitos polticos
e sociais, com o objetivo limitar o poder do Estado o que alterou as diretrizes
constitucionais da poca. Segundo Bobbio O reconhecimento e a proteo dos
direitos do homem esto na base das Constituies democrticas modernas
(BOBBIO, 2004, p. 21), acerca deste novo constitucionalismo doutrina Canotilho:
[...] Numa outra acepo histrica-descritiva fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento poltico, social e cultural que, sobretudo a partir do sculo XVIII, questiona nos planos polticos, filosfico e jurdico os esquemas tradicionais de domnio poltico, sugerindo, ao mesmo tempo, a inveno de uma nova forma de ordenao e fundamentao do poder poltico. (CANOTILHO, 2011, p. 51-52)
A previso constitucional de limitaes ao poder, garantias e liberdades
fundamentais se torna um dos pressupostos bsicos do constitucionalismo ocidental,
havendo trs condies indispensveis a sua composio:
[...] (1) ordenao jurdico-poltica plasmada num documento escrito; (2) declarao nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; organizao do poder poltico segundo esquemas tendentes a torn-los um poder limitado e moderado. (CANOTILHO, 2011, p. 52)
Os direitos fundamentais possuem como principais caractersticas a
universalidade, todos os homens so titulares destes direitos, independentemente
de qualquer outro requisito, apenas por existirem. A historicidade elucida o
nascimento e a mutao dos direitos fundamentais no decorrer da histria. A
inalienabilidade refere-se indisponibilidade de tais direitos. A irrenunciabilidade dos
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direitos pressupe a possibilidade de no utiliz-los, mas nunca renunci-los. A
imprescritibilidade garante que esses direitos no estejam limitados por reservas
temporais. (MENDES, 2011, p. 161-165; LENZA, 2011, p. 864)
Ao longo da histria os direitos fundamentais passaram por diversas
mudanas quanto aos seus detentores, seu contedo, sua efetividade e eficcia.
Essas modificaes so comumente denominadas por grande parte da doutrina de
geraes (SARLET, 2007, p. 54). Bobbio salienta que embora existam diferentes
fases/geraes dos direitos fundamentais, os objetivos so sempre dois: uma
absteno estatal (atuao negativa) ou a prestao de um direito ou sua garantia
(atuao positiva). (BOBBIO, 2004, p. 26).
2.2 DIREITO SOCIAL SADE NA CONSTITUIO DE 1988
Os Direitos Sociais surgiram da necessidade de uma conduta ativa por parte
do Estado para a garantia da efetivao dos direitos fundamentais. Tm como marco
histrico a Revoluo Industrial, sculo XIX. A substituio do homem pela mquina
gerou desemprego acentuado e, consequentemente, misria. Nesse contexto, o
Estado viu-se obrigado a proteger o emprego e outros Direitos Sociais para que o
marxismo e o socialismo revolucionrio no se sobrepusessem ao capitalismo.
(SARLET, 2007, p. 56-57)
Os Direitos Sociais, inicialmente de carter amplamente trabalhista, no foram
reconhecidos somente para que se impedisse a aniquilao do capitalismo, mas
para o seu fortalecimento. Porquanto a preservao da sade do trabalhador, num
sentido amplo, mental e fsica, era necessria para a produo clere e em larga
escalar. O intervalo interjornada era concebido como frmula matemtica para
maximizao da produo e consumo; jornada de trabalho de oitos horas que
possibilitava um descanso noturno de qualidade para o trabalhador, e um perodo
para o consumo, ambos de aproximadamente oito horas. A Constituio Mexicana,
1917, o Tratado de Versalhes, 1919, e a Constituio Alem, 1919, foram os
primeiros a positivar tais direitos, a limitao de jornada, a seguridade social, a
proteo maternidade, limitaes ao trabalho noturno, e o trabalho da mulher.
(OIT, 2012)
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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Os Direitos Sociais foram primeiramente denominados como Direito Industrial
e Direito Operrio, visto que nasceram para solucionar problemas oriundos das
relaes de trabalho (CESARINO JUNIOR, 1963, p. 41). Aps, com a evoluo
legislativa, seu contedo cada vez mais abrangente e a expanso de seus
legitimados, receberam a denominao de Direitos Sociais.
O segundo perodo do Constitucionalismo Social inicia-se na metade do
sculo XX, em pases que passaram por ditaduras totalitrias. Esse perodo tem
como principal caracterstica o objetivo da integrao social, por meio da
Constitucionalizao dos Direitos Sociais. Surge neste perodo o Estado de bem-
estar social, que retira o carter dos direitos sociais de direito prprio de uma
determinada categoria. (HERRERA, 2010, p. 5-24).
A ideia de Direitos sociais universais, que buscam a integrao social,
persiste at a atualidade. A Constituio brasileira de 1934 foi a primeira a ter um
Ttulo destinado ordem econmica e social, porm somente em 1988, a
Constituio reconheceu estes direitos como direitos fundamentais.
Os Direitos Sociais dispostos na Constituio de 1988 so o direito
educao, cultura, sade, alimentao, ao trabalho, moradia, ao lazer,
segurana, previdncia social, ao meio ambiente, proteo maternidade e
infncia e assistncia aos desamparados.
Embora a sade seja o maior bem de um ser humano, o direito a sade, foi
consagrado como direito fundamental apenas na Constituio de 1988. A primeira
Constituio Brasileira, de 1824, trazia em seu texto a previso de socorros pblicos,
art. 179, XXXI. (BRASIL, CONSTITUIO 1824)
Em 1988 promulgada a Constituio Federal vigente, tambm denominada
de Constituio Cidad. Sendo considerada a Carta Constitucional mais democrtica
j vigente no pas. Isso se deve a grande participao popular, cerca de 30.000
eleitores participaram, com a propositura de cerca de 120 emendas populares, o que
culminou em seu contedo extenso e abrangente. A abrangncia tambm
justificada pelo histrico descumprimento da legislao do pas. (SARLET, 2007, p.
75-76)
Seu carter humanitrio evidencia-se com a especial proteo s crianas, s
mulheres e aos incapacitados. A Ditadura Militar amargada durante longo perodo,
com restries aos direitos mais bsicos do ser humano, fez com que fosse disposto
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
26
na Constituio de 1988 um rol extenso de direitos e garantias fundamentais. Com o
objetivo principal de devolver a cidadania e a dignidade ao povo brasileiro.
A Constituio promulgada em 5 de outubro de 1988 restaurou a preeminncia do respeito aos direitos individuais, proclamados juntamente com significativa srie de direitos sociais. O Estado se comprometia a no interferir no que fosse prprio da autonomia das pessoas e a intervir na sociedade civil, no que fosse relevante para a construo de meios materiais afirmao da dignidade de todos. (MENDES, 2011, p. 115)
O Estado s existe para servir seu povo, desse modo, no h razo para
existncia de um Estado se ele no preservar seu bem maior, o cidado. A
Dignidade da Pessoa Humana princpio basilar da Constituio e o direito vida
esto diretamente ligados ao direito sade. A Dignidade Humana no prescinde
somente da manuteno da vida, mas de uma vida saudvel, do atendimento das
necessidades bsicas do ser humano, moradia, sade, educao, trabalho e
alimentao.
O direito sade embora tenha sido mencionado nas Constituies anteriores
a 1988, nenhuma delas lhe concedia o reconhecimento devido. Atravessando
perodos de pequenos avanos e retrocessos. Tendo sido consolidado como direito
fundamental social na Constituio Federal de 1988.
O direito sade est prescrito no artigo 6, da Constituio Federal.
Art. 6 So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio. (BRASIL, CONSTITUIO 1988)
Foi clara a inteno do constituinte em incluir o direito sade como direito
fundamental social, pela sua insero no Ttulo II, da Constituio Federal, Dos
Direitos e Garantias Fundamentais, Captulo II, dos Direitos Sociais. A classificao
utilizada pelo constituinte demonstra sua vontade de conceder a ele as prerrogativas
de direito fundamental. Tais como a aplicao imediata, prevista no 1 do artigo 5
da Constituio Federal, e sua efetivao por meios judiciais como o Mandado de
Injuno.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
27
O Constituinte reservou a seo II, do Captulo referente Seguridade Social,
art. 196 a 200, para dispor diretrizes para a efetivao do direito sade. O artigo
196, que ser objeto de estudo no captulo seguinte, consolida como dever do
Estado a prestao do direito sade. Dispe tambm acerca da forma de sua
prestao.
Os artigos subsequentes ao art. 196, dentre outras providncias, dispem
sobre a criao do sistema nico de sade, seu financiamento, fiscalizao e
competncia e a possibilidade de prestao da sade pela iniciativa privada.
3 FORNECIMENTO DE TRATAMENTOS E MEDICAMENTOS TERAPUTICOS:
ATUAO DISCRICIONRIA OU VINCULADA
Para uma anlise minuciosa acerca do direito sade, previsto no artigo 196
da Constituio Federal, ser utilizada a separao didtica de Gilmar Mendes, para
que possam ser explorados todos os elementos constitutivos desse direito.
(1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante polticas sociais e econmicas (4) que visem reduo do risco de doena e de outros agravos, (5) regido pelo princpio do acesso universal e igualitrio (6) s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao. (MENDES, 2011, p. 685)
A Constituio Federal ao mencionar que o direito a proteo sade um
direito de todos engloba o carter individual e coletivo. dever do Estado a
prestao de sade, sendo de responsabilidade de todos os entes da federao
Municpios, Estados, Distrito Federal e Unio sua prestao. (MENDES, 2011, p.
686)
O direito sade ser prestado mediante polticas sociais e econmicas, essa
afirmao constitucional demonstra a necessidade da elaborao de polticas
pblicas para a efetivao do direito. A formulao de polticas pblicas de forma
alocativa faz-se necessria, visto a escassez de recursos e os avanos cientficos,
que tornam essencial a atualizao frequente das mesmas. (MENDES, 2011, p. 687)
Embora haja a necessidade de elaborao de polticas sociais e econmicas
para a garantia do direito sade, a alegao de que seriam normas de eficcia
limitada, por serem normas programticas, no est correta. O pargrafo primeiro do
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
28
artigo 5 da Constituio Federal garante aplicao imediata aos direitos
fundamentais. Neste sentido o Supremo Tribunal Federal j firmou posio.
[...] A INTERPRETAO DA NORMA PROGRAMTICA NO PODE TRANSFORM-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. - O carter programtico da regra inscrita no art. 196 da Carta Poltica - que tem por destinatrios todos os entes polticos que compem, no plano institucional, a organizao federativa do Estado brasileiro - no pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Pblico, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegtima, o cumprimento de seu impostergvel dever, por um gesto irresponsvel de infidelidade governamental ao que determina a prpria Lei Fundamental do Estado.(BRASIL, STF, RE n 271286)
As polticas pblicas devem visar reduo do risco de doenas e de outros
agravos, e o acesso universal e igualitrio. Um exemplo que demonstra essa
caracterstica a quebra da patente dos remdios para tratamento da AIDS. O Brasil
ao realizar a quebra das patentes conseguiu atender de modo universal e gratuito os
possuidores da sndrome. De acordo com texto constitucional devero ser realizadas
aes e servios para promoo, proteo e recuperao da sade.
O financiamento do sistema nico de sade ser realizado por meio de
recursos da seguridade social, dos Municpios, Estados, Distrito Federal e da Unio,
alm de outras fontes. Relevante responsabilidade solidria no financiamento para
a preservao da descentralizao do sistema nico de sade, garantido um
atendimento de acordo com as peculiaridades de cada local. (MENDES, 2011, p.
689)
Aps oito anos de vcuo legislativo, no ano de 2012, foi aprovada a Lei
Complementar n 141, que regulamenta a Emenda Constitucional 29, estabelecendo
os percentuais a serem investidos, anualmente, em aes e servios de sade. A lei
determina que a Unio aplique, em aes e servios pblicos de sade, no mnimo,
o montante despendido no exerccio financeiro anterior, acrescido do percentual
correspondente variao nominal do Produto Interno Bruto, ocorrida no ano
anterior, estando vedada a reduo de investimentos em caso de variao negativa
do PIB. Os Estados e o Distrito Federal tero que investir, no mnimo, 12% da
arrecadao, com IPVA, ITCMD, ICMS e dos recursos citados no art. 157, na alnea
a do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, deduzidas as parcelas que forem
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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transferidas aos respectivos Municpios. Os Municpios e o Distrito Federal tero que
aplicar em aes e servios pblicos de sade, no mnimo, 15% da arrecadao,
com IPTU, ITBI, ISS e dos recursos referidos no art. 158, na alnea b do inciso I do
caput e o 3 do art. 159, todos previstos no texto constitucional. No sendo
possvel a incluso do imposto em base estadual ou municipal o Distrito Federal
aplicar, no mnimo, 12% da arrecadao destes em aes e servios de sade.
(BRASIL, LEI COMPLEMENTAR n 141/2012)
Tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei n 89/2007, 156/2007 e
11/2012, ambos tm como objetivo fixar percentuais, mnimos, a serem investidos,
pela Unio, na rea sade. Observao pertinente, tendo em vista que a Magna
Carta clara, em seu artigo 198, 2, ao estabelecer que os valores investidos
sero determinados em percentuais, a no observncia deste artigo pode gerar
questionamentos quanto a constitucionalidade do caput artigo 5 da lei n 141/2012.
A Constituio Federal ao prever que o direito sade ser prestado
mediante polticas sociais e econmicas estabeleceu uma obrigao ao Poder
Executivo. A discusso acerca da discricionariedade administrativa na formulao
das polticas pblicas de sade faz-se necessria para que se delimite esta
discricionariedade. Em que pese ser notria a necessidade de se fazer escolhas
alocativas para a formulao de polticas pblicas de sade, tendo em vista a
escassez de recursos, os preceitos constitucionais no devem ser abandonados.
O termo discricionariedade nasceu no antigo Estado Europeu entre os
sculos XVI e XVIII, onde era utilizado para representar a soberania decisria do
monarca. O governo e a administrao pblica eram partes integrantes um do outro
e arbitrariedade era sinnimo de discricionariedade. Apenas no sculo XIX, com as
primeiras noes de Estado de direito e separao de poderes iniciou-se a tentativa
de imposio da legalidade ao Poder Executivo. A discricionariedade administrativa
se torna uma sombra da arbitrariedade monrquica. Neste perodo, comea a ser
concebido o conceito de discricionariedade administrativa como liberdade de
apreciao ou escolha em prol do atendimento do interesse pblico. (BINENBOJM,
2006, p. 193-194)
Celso Antnio Bandeira de Mello diferencia ato vinculado de ato discricionrio:
Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prvia e objetiva tipificao legal do nico possvel comportamento da administrao em face
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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de situao igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administrao, ao expedi-los, no interfere com apreciao subjetiva alguma. Atos discricionrios, pelo contrrio, seriam os que a Administrao pratica com certa margem de liberdade de avaliao ou deciso segundo critrios de convenincia e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita lei reguladora da expedio deles. (MELLO, 2011, p. 430)
A principal diferena entre o ato vinculado e o ato discricionrio que no ato
vinculado o administrador no possui liberdade nenhuma, uma vez que a lei previu a
competncia, forma, finalidade, motivo e objeto do ato; por outra esfera, no ato
discricionrio a lei possibilita que o administrador, frente ao caso concreto, anlise e
decida qual a melhor atitude a ser tomada, para que se atinja a finalidade. (MELLO,
2011, p. 430)
Celso Antonio Bandeira de Mello, em sentido contrrio a doutrina majoritria,
afirma que pode haver discricionariedade quanto finalidade do ato, ainda que a
finalidade precpua seja sempre o interesse pbico, a existncia de grande margem
de subjetividade no conceito de interesse pblico possibilita esta discricionariedade.
Ressalta, Celso Antonio, que discricionariedade no pode ser confundida com
arbitrariedade, porquanto arbitrariedade uma leso ordem jurdica, prtica de ato
ilcito. (MELLO, 2011, p. 431)
Em rigor, no h, realmente, ato algum que possa ser designado, com propriedade, como ato discricionrio, pois nunca o administrador desfruta de liberdade total. O que h exerccio de juzo discricionrio quando ocorrncia ou no de certas situaes que justificam ou no certos comportamentos e opes discricionrias quanto ao comportamento mais indicado para dar cumprimento ao interesse pblico in concreto, dento dos limites que a lei faculta a emisso deste juzo ou desta opo. (MELLO, 2011, p. 433)
Hely Lopes Meirelles, em consonncia com a doutrina majoritria, preceitua
que apenas os meios e modos utilizados para atingir-se a finalidade proposta pela lei
so discricionrios. Devendo sempre ser observada a competncia, a forma e o fim
prescritos na lei. (MEIRELLES, 2011, p. 173-175)
A concepo de discricionariedade administrativa vem sendo alterada com o
decorrer do tempo, na atualidade passa de uma rea de subjetividade para de
fundamentao dos atos e polticas pblicas adotadas, em conformidade com as
previses legais e a Constituio. (BINENBOJM, 2006, p. 40)
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
31
A emergncia da noo de juridicidade administrativa, com a vinculao direta da administrao Constituio, no mais permite falar, tecnicamente, numa autntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionrios, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculao dos atos administrativos juridicidade. A discricionariedade no , destarte, nem uma liberdade decisria externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculao do administrador juridicidade corresponder, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos. (BINENBOJM, 2006, p. 40-41)
Estabelecer parmetros discricionariedade administrativa to essencial ao
Estado do direito quanto a possibilidade de escolha para a implementao de
polticas pblicas. fundamental para a atuao da Administrao Pblica no
atendimento das demandas sociais e na organizao do servio pblico.
Nesta toada, apesar de sua aparente incongruncia intrnseca como arcabouo terico do Estado de direito, generalizou-se uma certa viso de que o poder discricionrio detido pela Administrao Pblica seria: (i) necessrio, para adequar disciplinas de certas matrias aos caso concretos que surgem; (ii) justificvel, ante a impossibilidade de o legislador elaborar normas abarcando todos os mltiplos e complexos aspectos da vida social e econmica em que o Estado chamado a intervir; e (iii) inevitvel, diante da prpria dinmica tecnolgica do mundo moderno, que exige uma atuao rpida e especializada dos gestores pblicos. (BINENBOJM, 2006, p. 197)
Embora seja necessria, desde o sculo XIX, vm sendo estabelecidos
parmetros jurdicos discricionariedade administrativa. As etapas transcorridas
para a juridicizao so descritas por Gustavo Binenbojm:
(I) a teoria dos elementos do ato (competncia, forma, finalidade, motivo e objeto), com a possibilidade de sindicao dos elementos vinculados dos atos ditos discricionrios (competncia, forma e finalidade); (II) o desenvolvimento de teorias de controle a partir de parmetros implcitos na lei (desvio de poder, excesso de poder, motivos determinantes); (III) o desenvolvimento da teoria dos conceitos jurdicos indeterminados; (IV) o desenvolvimento da teoria da vinculao direta dos atos administrativos aos princpios constitucionais. (BINENBOJM, 2006, p. 197)
O ato discricionrio deixa de ser entendido como algo fora do direito,
passando a ser concebido como um poder jurdico e posteriormente como dever de
atender finalidade prevista na lei. Embora parte da doutrina e jurisprudncia
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
32
posicione-se contrariamente interveno jurisdicional no mrito do ato
administrativo, a interveno torna-se cada vez mais crucial, considerando a
possibilidade desvio de poder e excesso de poder, bem como a necessidade de
motivao do ato (BINENBOJM, 2006, p. 201-205). Entendimento abarcado pelo
Superior tribunal de justia:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANA. INDEFERIMENTO DE AUTORIZAO PARA FUNCIONAMENTO DE CURSO SUPERIOR. AUSNCIA DE MOTIVAO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. 1. A margem de liberdade de escolha da convenincia e oportunidade, conferida Administrao Pblica, na prtica de atos discricionrios, no a dispensa do dever de motivao. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explcita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que est fundado (art. 50, I, e 1 da Lei 9.784/99). No atende a tal requisito a simples invocao da clusula do interesse pblico ou a indicao genrica da causa do ato. (BRASIL, STJ, MS n 9.944)
pertinente ressaltar, tambm, que o advento da Constituio de 88 resultou
na constitucionalizao de todas s reas do direito, haja vista a hierarquia superior
da Carta Magna. Estando os atos discricionrios vinculados aos princpios
constitucionais e subordinados a estes.
A ideia de constitucionalizao do direito aqui explorada est associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo contedo material e axiolgico se irradia, com fora normativa, por todo o sistema jurdico. Os valores, os fins pblicos e os comportamentos contemplados nos princpios e regras da Constituio passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Com intuitivo, a constitucionalizao repercute sobre a atuao dos trs poderes, inclusive e notadamente nas suas relaes entre particulares. [...] No tocante Administrao Pblica, alm de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuao, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prtica de atos de aplicao direta e imediata da Constituio, independentemente de interposio do legislador ordinrio. (SARMENTO, 2007, p. 217-218)
Como observado alhures, corrobora com a teoria de inexistncia de atos
propriamente discricionrios, mas atos com menor ou maior grau de vinculao.
A previso constitucional que estabelece que o direito sade ser prestado
mediante polticas pblicas permitiu que administrador buscasse os meios mais
eficazes para concretizao desse direito, mas no concedeu ao Poder Executivo
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
33
possibilidade de escolha de prest-lo ou no. Porquanto, o mesmo legislador
constitucional que previu a necessidade de polticas pblicas para prestao do
direito sade garantiu eficcia imediata ao mesmo, no 1, do artigo 5 da
Constituio federal.
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: 1 - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. (BRASIL, CONSTITUIO 1988)
O Supremo Tribunal Federal neste sentido pacificou entendimento:
[...] Consolidou-se a jurisprudncia desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituio de 1988 traga norma de carter programtico, o Estado no pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessrios ao gozo do direito sade por todos os cidados. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito vida, de medicamento que no esteja na lista daqueles oferecidos gratuitamente pelas farmcias pblicas, dever solidrio da Unio, do estado e do municpio fornec-lo. [...] (BRASIL, STf, AI n 817241)
Deste modo, o administrador estar sempre vinculado obrigao de prestar
o direito sade, devendo propiciar meios eficazes de tratamentos e preveno de
molstias, caso isto no ocorra ele estar violando o objetivo ao qual a norma o
vincula e sujeito a interveno jurisdicional.
4 JUDICIALIZAO DO DIREITO SADE
A falta de atividade do Legislativo acerca das questes que envolvem o
Direito Sade, mormente ao que concerne efetiva prestao por parte do Estado,
atravs do Executivo, na dispensao de medicamentos, faz com que
frequentemente se busque no Judicirio o respaldo necessrio no caso concreto.
Um dos principais questionamentos acerca da interveno jurisdicional no
fornecimento de medicamento e tratamentos teraputicos refere-se violao do
princpio da separao dos poderes. nfase deve ser dada no sentido de que a
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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teoria da separao dos poderes foi concebida no apenas para impossibilitar a
concentrao de poder em um indivduo, mas tambm para que seja possvel
controlar e garantir atuao de todos estes.
Como explica Andreas Krell, de forma magistralmente clara, o enfoque jurdico-funcional (funktionell-rechtliche Betrachtungs-weise) parte da premissa que o princpio da separao dos poderes deve ser entendido, hodiernamente, como uma diviso de funes especializadas, o que enfatiza a necessidade de controle, fiscalizao e coordenao recprocos entre os diferentes rgos do Estado democrtico de direito. (BINENBOJM, 2006, p. 41)
A funo que prepondera em cada Poder no o carter pelo qual se d a
primazia do Princpio da Separao dos Poderes, mas sim o controle recproco ao
qual cada um se submete. (BARROSO, 2007, 580-581)
Contudo, deve-se observar a Reserva da Administrao. A reserva da
administrao visa a limitar a ingerncia do Legislativo e Judicirio no ncleo
funcional essencial da administrao pblica.
A reserva da administrao pblica, aqui entendida em seu sentido objetivo, corresponderia a um espao autnomo e, por isso, insubordinado de exerccio da funo administrativa, normativa e concretizadora da tutela dos direitos fundamentais, infenso sub-rogao legislativa e jurisdicional, vista do princpio da separao dos poderes. (BARROSO, 2007, P. 584-585)
Existem casos em que a competncia normativa exclusiva da administrao
pblica sendo vedada a interferncia do Legislativo. O Poder Executivo, nestas
hipteses, pode regulamentar leis ou inovar na ordem jurdica, mas neste ltimo
deve existir fundamentao Constitucional. (BARROSO, 2007, p. 585-602)
Com relao ao Judicirio, a reserva da administrao no impossibilita o
controle, mas sim veda a sub-rogao de sua funo. O administrador, embora
esteja vinculado ao princpio da legalidade, goza da prerrogativa de escolher qual a
melhor atitude a ser tomada frente ao caso concreto. Para que se opte pela
alternativa pertinente, o administrador deve se pautar por um juzo de
proporcionalidade, devendo verificar a adequao do meio pelo qual busca atingir a
finalidade e a necessidade, que consiste em procurar a opo que minimize ou
exclua danos aos direitos fundamentais; tambm a proporcionalidade, em sentido
estrito, que a ponderao entre princpios constitucionais colidentes. (BARROSO,
2007, p. 603-607)
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
35
A reserva da administrao visa a impedir a usurpao dessa funo sob
pena da violao do princpio da separao dos poderes. Porm, a independncia
destas funes relativizada quando h o descumprimento por parte de algum
desses rgos de suas funes, devendo ocorrer a interveno para que no
incidam prejuzos s outras funes nem aos cidados, tendo como base o sistema
de freios e contrapesos.
De outro lado, cabe assinalar que nem a diviso de funes entre rgos do poder nem sua independncia so absolutas. H interferncias, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, busca do equilbrio necessrio realizao do bem da coletividade indispensvel para evitar o arbtrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA, 2012, p. 110)
Como citado no captulo anterior a Constituio prescreveu um mandamento,
ao qual o Poder Executivo est vinculado, determinando como dever deste a
prestao do direito sade. Nos casos de inobservncia do mandamento
constitucional o Poder Judicirio ser obrigado a intervir, a fim de que no haja
maiores prejuzos populao, realizando o controle judicial dos atos e omisses
administrativas.
ADMINISTRATIVO - CONTROLE JUDICIAL DE POLTICAS PBLICAS -POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO SADE -FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - MANIFESTA NECESSIDADE -OBRIGAO DO PODER PBLICO - AUSNCIA DE VIOLAO DO PRINCPIO DA SEPARAO DOS PODERES - NO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSVEL AO MNIMO EXISTENCIAL. 1. No podem os direitos sociais ficar condicionados boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importncia que o Judicirio atue como rgo controlador da atividade administrativa. Seria uma distoro pensar que o princpio da separao dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como bice realizao dos direitos sociais, igualmente fundamentais. (BRASIL, STJ, RESP n 1136549)
O acrdo supracitado peremptrio ao afirmar que uma distoro o
princpio da separao dos poderes ser utilizado com a finalidade de restringir a
prestao dos direitos fundamentais, haja vista que este foi idealizado para que
houvesse a garantia da preservao dos mesmos.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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A impossibilidade de interferncia judicial, no caso de omisso da funo
administrativa, deixaria a populao merc da vontade do Poder Executivo,
tornando o direito sade, objeto deste estudo, uma promessa constitucional.
Ademais, em um Estado Democrtico de Direito, o Judicirio tem por funo
preservar a aplicao das leis e, principalmente, da Constituio. (CAMBI, 2010, p.
371-372)
4.1 MNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSVEL
Os direitos sociais ao demandarem para a efetiva concretizao de uma
atuao ativa por parte do Estado demonstram possuir dimenso econmica. A
limitao do errio tem imposto a seguinte questo: qual o limite daquilo que se
pode exigir do Estado?
O tema tomou relevncia pela primeira vez na Alemanha, quando alunos que
no conseguiram ingressar em escolas de medicina de Hamburgo e Munique, em
que havia limitao de vagas, propuseram ao judicial, com a finalidade de que no
fosse observado este nmero de vagas. Este caso ficou conhecido como numerus
clausus. O principal fundamento utilizado pelos alunos foi o artigo 12 da Lei
Fundamental da Repblica Federal da Alemanha, este, por sua vez, dispe que
todos os alemes tm o direito de eleger livremente a sua profisso, o lugar de
trabalho e o de aprendizagem (ALEMANHA, LEI FUNDAMENTAL), ao julgar, a
Corte Suprema Alem, afirmou que este direito est limitado a reserva do possvel.
Sendo formulado o primeiro conceito de reserva do possvel, segundo a Corte o
pleito est limitado ao que se pode esperar da sociedade de maneira racional,
mesmo que o Estado possua os recursos apenas ser obrigado a prestar o que for
razovel. (MNICA, 2013; SARLET, 2007, p. 304)
De acordo com Ingo Sarlet, o Estado na efetivao dos pleitos de demandas
relacionadas a direitos fundamentais est vinculado possibilidade financeira,
possibilidade de dispor destes recursos e a razoabilidade da pretenso. pertinente
ressaltar que a reserva do possvel no parte dos direitos fundamentais, mas sim
uma limitao jurdica e ftica a estes. Sendo necessria uma anlise sistemtica e
constitucional dos pressupostos supracitados, para que se possa garantir maior
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
37
efetividade e eficincia aos direitos fundamentais, no para torn-los inacessveis.
(SARLET, 2006, p. 304-305)
Porm, pertinente ressaltar que no se pode levar como nico ou principal
requisito a disponibilidade oramentria, como bem cita Eros Grau.
Essa reserva evidentemente no pode ser reduzida a limite posto pelo oramento, at porque, se fosse assim, um direito social sob reserva dos cofres cheios equivaleria, na prtica como diz Jos Joaquim Gomes Canotilho a nenhuma vinculao jurdica. (GRAU, 2005, p. 125)
Deste modo, a inexistncia de recursos para a prestao de um direito
fundamental, a quem comprovadamente necessite e no possua condies de
prov-lo, deve ser demonstrada, para que a reserva do possvel no seja utilizada
como mera alegao ftil. (FIGUEIREDO, 2013)
No sendo admitidas omisses na prestao do mnimo existencial. Mnimo
existencial o conjunto de direitos indispensveis a uma vida digna, est protegido
de qualquer interveno da sociedade ou do Estado. (FIGUEIREDO, 2013)
Neste contexto, h que enfatizar que o mnimo existencial compreendido como todo o conjunto de prestaes materiais indispensveis para assegurar a cada pessoa uma vida condigna, no sentido de uma vida saudvel (e a vinculao com o direito sade, tomado aqui em seu sentido mais amplo, proposital e ser retomada no ltimo segmento!) tem sido identificado por alguns como constituindo o ncleo essencial dos direitos fundamentais sociais, ncleo este blindado contra toda e qualquer interveno por parte do Estado e da sociedade. (FIGUEIREDO, 2013)
O mnimo existencial no est restrito ao direito vida e a dignidade da
pessoa humana, estes que so o mnimo vital, mas no garantia de uma vida digna.
Sendo o mnimo vital o ncleo do mnimo existencial. Ademais, a vida essencial
para o exerccio de qualquer outro direito. (FIGUEIREDO, 2013). Embora no seja
possvel formular um conceito preciso acerca do mnimo existencial, haja vista que
este est ligado a critrios do detentor, o legislador constituinte, a fim de garantir ao
cidado brasileiro um mnimo de condies para existncia, elencou em seu ttulo II,
os Direitos e Garantias Fundamentais, dentre estes os direitos sociais.
Pertencente aos direitos sociais, positivado pela Constituio Federal, o
direito sade um dos mais relevantes, porquanto necessrio para garantia da
vida. Incontestvel sua classificao como mnimo vital e existencial. Constituindo-se
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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acima de tudo um direito humano, que independe de positivao em uma
determinada ordem constitucional. Sendo impraticvel a oposio da reserva do
possvel a este direito, sem que haja a efetiva comprovao da inexistncia de
recursos.
4.2 A INTERVENO JURISDICIONAL NAS POLTICAS PBLICAS DE SADE
A Constituio Federal em seu art. 5, XXXV, prev o direito de ao ou
inafastabilidade de jurisdio. Sendo este um princpio basilar do Estado de direito.
Possibilitando que na existncia de leso ou ameaa a direito o Poder Judicirio seja
chamado a intervir, aplicando o direito ao caso concreto. Desde que preenchidas as
condies da ao, adquire-se o direito subjetivo sentena, independentemente da
acolhida ou no do pleito. Impedindo que o juiz ao ser invocado decline de sua
funo, cumprindo seu dever constitucional. (MORAES, 2011, p. 89)
Neste contexto cada vez mais se tem buscado no Judicirio a efetivao dos
direitos fundamentais, surgindo o fenmeno da judicializao. Judicializao que
consiste na tomada de decises polticas e sociais pelo Judicirio. Lus Roberto
Barroso aponta trs causas preponderantes para a judicializao. A primeira a
redemocratizao do pas, decorrente do advento da Constituio de 88, que
fortaleceu e ampliou o Poder Judicirio, concedendo a este as condies para
garantir a preservao da Constituio Federal e das leis. O contexto da
redemocratizao introduziu na populao a conscincia dos direitos conquistados.
O contedo abrangente auxiliou, igualmente, na judicializao. Pois, ao conceder a
uma matria poltica status constitucional esta se converte em direito, sendo exigvel
em vias judiciais. Por fim, o ltimo motivo determinante o amplo sistema de
controle de constitucionalidade brasileiro, controle difuso ou concentrado, pela via
incidental ou por ao direta. (BARROSO, 2013)
O ativismo judicial muitas vezes confundido com a judicializao, porm
pertinente ilustrar que se trata de figuras distintas, porquanto a judicializao fruto
do modelo constitucional adotado pelo Brasil. Ao contrrio, o ativismo judicial
decorrente de uma escolha do julgador, este opta por interpretar a Constituio de
forma abrangente. (BARROSO, 2013)
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
39
A ideia de ativismo judicial est associada a uma participao mais ampla e intensa do Judicirio na concretizao dos valores e fins constitucionais, com maior interferncia no espao de atuao dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicao direta da Constituio a situaes no expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestao do legislador ordinrio; (ii) a declarao de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critrios menos rgidos que os de patente e ostensiva violao da Constituio; (iii) a imposio de condutas ou de abstenes ao Poder Pblico, notadamente em matria de polticas pblicas. (BARROSO, 2013)
O ativismo judicial contrape-se ao passivismo judicirio. O positivismo liberal
ao apregoar a aplicao mecnica do direito por parte do intrprete-aplicador, gera o
passivismo judicirio. Insta salientar que o passivismo pode ser to prejudicial
quanto o ativismo, porquanto uma Constituio apenas d guarida aos cidados
quando sobrevive ao transcorrer do tempo valendo-se de uma interpretao
evolutiva. (RAMOS, 2010, p. 129-137)
Deve-se atentar para os riscos do ativismo judicial, embora o ativismo esteja
tendo papel crucial na efetivao das demandas sociais no atendidas pelo
Legislativo, este pode gerar riscos a democracia. Haja vista que no se pode
suprimir a vontade poltica e do legislativo, amparados no voto popular, exceto seja
necessria a preservao da Constituio e dos direitos fundamentais. A politizao
do Judicirio pode tornar-se uma ameaa, devendo as decises estar diretamente
vinculadas ao ordenamento jurdico e no a vontade do julgador. A tomada de
decises, neste contexto, deve sempre analisar os efeitos para o sistema como um
todo, verificando qual rgo possui melhores condies de decidir determinada
matria, salvo quando houver violao de direito fundamental ou de preceito
constitucional, hiptese em que o Judicirio estar obrigado a intervir. (BARROSO,
2013)
Quando o judicirio deixa de preservar a intangibilidade da Constituio fica comprometida a integridade do sistema poltico, a estabilidade do ordenamento jurdico, a proteo dos direitos fundamentais, a segurana das relaes jurdicas e a legitimidade das instituies da Repblica. (CAMBI, 2010, p. 372)
Haja vista a insuficincia de recursos pblicos para a efetivao de todos os
direitos fundamentais o administrador pblico deve priorizar a efetivao do mnimo
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
40
existencial. Eduardo Cambi apregoa que o Judicirio ao vislumbrar a ocorrncia de
disposio de recursos com opes diversas, quando no atendido o mnimo
existencial, poder invalidar a opo oramentria.
Opes oramentrias podem ser invalidadas pelo Poder Judicirio para permitir a concretizao dos direitos fundamentais sociais, ou, ao menos do mnimo existencial. [...] H de ficar comprovado que foi preterido o valor da dignidade humana para se implementar outras alternativas incapazes de promover a tutela do mnimo existencial. (CAMBI, 2010, p. 409-410)
A administrao pblica possui melhores condies para formular polticas
pblicas de sade, sendo dela a competncia privativa. Porm, nas hipteses de
violao na prestao do direito sade, seja por ineficincia dos meios
disponibilizados, havendo meios eficazes, ou por omisso, o Judicirio dever
intervir.
Para que o Judicirio possa avaliar as decises referentes s polticas
pblicas necessrio que este se aprofunde sobre os temas polmicos. Neste
contexto de suma relevncia as audincias pblicas para apreciao das questes
tcnicas e de como aplicar os recursos. Nas audincias pblicas possvel realizar
um debate aberto, permitindo que as partes interessadas e a comunidade cientfica
manifestem-se, por fim estabelecendo critrios para a atuao jurisdicional. (CAMBI,
2010, p. 276-378)
Na Audincia Pblica da Sade realizada pelo Supremo Tribunal Federal
restou claro que a maioria das demandas levadas ao Judicirio no so fruto da
omisso legislativa, mas sim decorrentes do descumprimento das polticas pblicas
existentes. Importa salientar que nesse contexto no h judicializao da sade,
pois o Judicirio est apenas determinando o cumprimento da poltica existente.
(BRASIL, STF, STA n 175)
Concluiu-se nesta audincia pblica que os medicamentos eleitos para
compor os protocolos clnicos de medicamentos e tratamentos teraputicos do SUS
devem ser utilizados para os episdios pares das molstias, porm nos casos em
que for evidente a evoluo clnica diversa o Estado dever prestar assistncia
clnica e farmacutica necessria efetivao do direito sade. Porm,
pertinente salientar que o Ministro Gilmar Mendes no Agravo Regimental supracitado
posicionou-se contrariamente ao fornecimento de tratamentos e medicamentos
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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experimentais, porquanto estes carecem de comprovao cientifica acerca de sua
efetividade, podendo representar risco sade do paciente. (BRASIL, STF, STA n
175)
Na audincia pblica da Sade foi ressaltada, tambm, a necessidade de
atualizao dos protocolos clnicos de dispensao de medicamentos e tratamentos
teraputicos do SUS, visto que constante a evoluo cientifica, e para que no
haja desigualdade entre o tratamento disponvel aos mais abastados e as pessoas
carentes.
[...] Se, por um lado, a elaborao dos Protocolos Clnicos e das Diretrizes Teraputicas privilegia a melhor distribuio de recursos pblicos e a segurana dos pacientes, por outro a aprovao de novas indicaes teraputicas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento h muito prestado pela iniciativa privada. [...] (BRASIL, STF, STA n 175)
As demandas nas quais se pleiteia o fornecimento judicial de medicamentos e
tratamentos teraputicos devero ser analisadas, principalmente, com relao
existncia ou no de omisso pelo Administrador Pblico, em formular polticas
pblicas capazes de prestar com eficincia o direito sade. Pois, o administrador
est sempre vinculado ao fim determinado na Carta Constitucional, estando a cargo
do Judicirio fiscalizar o seu cumprimento.
A funo do Poder Judicirio no deve se restringir apenas subsuno do
fato lei. A responsabilidade finalstica do juiz contempla, tambm, analisar se o
Poder Executivo est concretizando os resultados pretendidos. Resta Claro que tais
atitudes por parte do Judicirio no devem usurpar a funo do administrador
pblico, mas garantir a execuo dos fins dispostos na Carta Magna. (CAMBI, 2010,
p. 196)
5 CONSIDERAES FINAIS
No decorrer do presente estudo verificou-se o caminho percorrido para o
reconhecimento dos direitos fundamentais, dentre estes o direito sade. O
contexto histrico e a luta travada para o reconhecimento dos direitos disposto na
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
42
Constituio Federal de 1988, fez com que a populao brasileira fosse tomada de
um sentimento de redemocratizao e se conscientizasse dos direitos conquistados.
Por meio da anlise do art. 6 e 196, da Constituio Federal, extraiu-se a
concepo de que o direito sade um direito fundamental social, devendo ser
prestado pelo Estado, mediante polticas sociais e econmicas, que busquem a
reduo do risco de doena e de outros agravos, proporcionando acesso universal e
igualitrio populao. Devendo ser prestada assistncia integral ao paciente,
inclusive farmacutica.
A constituio ao prever que o direito sade ser prestado mediante
polticas pblicas imps ao administrador um dever, constatou-se que embora o
administrador deva fazer escolhas alocativas para a formulao dos protocolos
clnicos de dispensao de medicamentos e tratamentos, este estar sempre
vinculado ao fim disposto na Carta Magna, ou seja, a prestao efetiva do direito
sade.
Haja vista a limitao do errio notou-se que para que a reserva do possvel
seja arguida em face do direito fundamental social sade, esta deve ser
comprovada, porquanto o direito sade elemento do mnimo existencial, mais do
que isso, base do mnimo existencial, pois a sade pressuposto para a vida,
sendo a vida imprescindvel para o exerccio de qualquer outro direito.
Neste contexto, cresce drasticamente as aes judiciais que visam
efetivao do direito sade, sendo este fato gerado pela omisso ou ineficcia na
prestao deste direito pelo poder pblico. O Judicirio impossibilitado de omitir-se
frente a sua invocao, com fulcro no princpio da inafastabilidade de jurisdio, v-
se obrigado a aplicar o direito ao caso concreto. Vislumbra-se que a determinao
judicial de fornecimento de frmacos e tratamentos teraputicos no importa na
violao do princpio da separao dos poderes, quando h inrcia do Poder
Executivo, pois este princpio foi concebido no, apenas, para evitar a concentrao
de poder em uma nica pessoa ou funo, mas sim para que uma funo possa
fiscalizar e garantir atuao das outras.
A judicializao da sade deriva do modelo Constitucional adotado, porquanto
se constata que o contedo abrangente, o garantismo e o amplo sistema de controle
de constitucionalidade, previstos na Constituio vigente, impede que o magistrado
omita-se frente a violao ao direito fundamental sade. O ativismo judicial revela-
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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se ser figura distinta da judicializao, haja vista que este resulta da vontade do
julgador, que opta por despender uma interpretao extensiva da Constituio, a fim
de concretizar os princpios constitucionais.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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A REPERCUSSO GERAL COMO REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS CONSTITUCIONAIS
THE GENERAL REPERCUSSION LIKE REQUIREMENT OF
ADMISSIBILIDADE OF THE CONSTITUTIONAL RESOURCES
Alisson Fernando de Anhaia Rentz3
Elizeu Luciano de Almeida Furquim4
3 Graduando do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, em junho/2013. 4 Possui graduao em direito pelo Centro Universitrio Curitiba (1988) e Ps-graduao em Direito Processual Civil pelo IBEJ (1997). Atualmente advogado, procurador municipal de Foz do Iguau e professor de direito processual civil do Centro Universitrio Curitiba.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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SUMRIO
Resumo. 1 Introduo. 2 Os recursos constitucionais e seus requisitos de
admissibilidade. 3. Repercusso geral no recurso extraordinrio. 4. Conceito e
interpretao da repercusso geral. 5. Procedimento de demonstrao e juzo de
admissibilidade. 6. A repercusso geral como futuro pressuposto de admissibilidade
do recurso especial: projeto de alterao da Constituio Federal n 209/2012. 7.
Concluso.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
49
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o instituto da repercusso geral no
recurso extraordinrio, oriundo da Emenda Constitucional n. 45/2004, que inseriu o
3 ao artigo 102 da Constituio Federal. A crise decorrente do nmero excessivo
de processos submetidos ao exame do Supremo Tribunal Federal, originou a criao
de mecanismos de filtragem como a repercusso geral, sob fundamento da
preocupao com a razovel durao do processo. Por encontrar-se no mesmo
cenrio, com viveis sinais de crise estrutural, tal instrumento est prestes a ser
estendido tambm ao recurso especial direcionado ao STJ, de acordo com o projeto
de alterao da Constituio Federal n 209/2012, em tramite no Congresso
Nacional, desde 2012. Apesar de se revelar como uma medida eficaz, operando na
reduo do nmero de processos distribudos ao STF, a imposio de mesmo
requisito de admissibilidade para o recurso especial no se mostra condizente com a
realidade vivenciada pelo pas, na medida em que este se apresenta em ativo
desenvolvimento, exigindo mais do que nunca, uma reformulao nos alicerces e do
sistema recursal processual.
Palavras-chave: sistema recursal - recurso extraordinrio recurso especial
repercusso geral projeto de emenda constitucional n 209/2012.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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ABSTRACT
The present work has by aim analyse the institute of the general repercussion in the
extraordinary resource, arising from of the Constitutional Amendment n. 45/2004,
that inserted the 3 to the article 102 of the Federal Constitution. The crisis resulting
from excessive number of processes subjected to the examination of the Supreme
Federal Court, originated the creation of mechanisms of leak like the general
repercussion, under foundation of the worry with the reasonable length of the
process. For finding in the same stage, with live signals of structural crisis, such
instrument is loan to be extended also to the special resource addressed to the STJ,
in accordance with the project of alteration of the Federal Constitution n 209/2012, in
it transact in the National Congress, from 2012. In spite of revealing like an effective
measure, operating in the reduction of the number of processes distributed to the
STF, imposing the same requirement for admissibility does not seem consistent with
the reality experienced by the country, in the measure in that this presents in active
development, demanding more than the that never, recasting the foundations of the
system and appellate proceedings.
Keywords: appeal system - an extraordinary appeal - special feature - general
repercussion - draft constitutional amendment n. 209/2012.
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1 INTRODUO
A tentativa de proporcionar uma prestao jurisdicional clere e efetiva
recorrente na comunidade jurdica e esperada por toda a sociedade.
Na conformao do sistema processual recursal existente, os tribunais
superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justia, no funcionam como 3 instncia de julgamento das questes levadas ao
crivo do Poder Judicirio, amoldando-se a uma esfera extraordinria de impugnao
de decises judiciais.
Entretanto, apesar da existncia de vrios mecanismos previstos na legislao
processual, atuando como barreira para a utilizao do recurso extraordinrio e
especial, estes no foram suficientes para evitar o sobrecarregando das Cortes
Superiores, diante da cultura protelatria manifestada pela parte sucumbente num
processo judicial.
Assim, a repercusso geral despontou no ordenamento jurdico brasileiro, com
o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o 3 ao art. 102
da CF/88, enquadrando-se como um pressuposto de admissibilidade do recurso
extraordinrio, na ideia de reduzir o nmero de recursos e possibilitar ao Supremo
Tribunal Federal, o desempenho de sua funo de Corte Constitucional.
Diante disto, aps 2004, para que seja possvel a utilizao e conhecimento de
um recurso extraordinrio pelo Supremo Tribunal Federal, preciso a demonstrao
da relevncia jurdica, econmica, social ou poltica da causa, extrapolando o mero
interesse subjetivo das partes envolvidas.
Segundo dados estatsticos divulgados pelo STF, aps a edio da EC
45/2004, ocorreu uma reduo considervel do nmero de recursos remetidos e
analisados pela Corte, demonstrando a efetividade do instituto da repercusso geral,
o qual contribuiu na melhora e qualidade do trabalho e das decises judiciais
proferidas.
Ocorre que, o excesso de recursos para julgamento tambm afetou o trabalho
do Superior Tribunal de Justia, diante da amplitude da matria passvel de
discusso atravs do recurso especial, sendo que no houve, com a reforma do
judicirio, imposio do requisito da repercusso geral para admisso de tal instituto.
COLETNEA 3 CONCRETIZAO CONSTITUCIONAL: REFLEXES, DESAFIOS E CONQUISTAS
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Tal se comprova, atravs da anlise dos relatrios estatsticos divulgados pelo
STJ, onde se denota que, anualmente, so distribudos em mdia 200 mil recursos e
agravos em recursos especiais para julgamentos por seus 33 ministros.
Por tal razo, diante do clamor dos ministros do STJ, a imposio da
repercusso geral como requisito de admissibilidade para o recurso especial,
ganhou forma, desaguando na Proposta de Emenda Constituio n 209/2012, que
tramita junto Cmara dos Deputados, que, se aprovada, ir alterar o artigo 105 da
Constituio Federal, acrescendo-lhe o pargrafo primeiro, para se exigir que a parte
recorrente demonstre a repercusso da matria debatida.
Neste cenrio, analisar a pertinncia e os reflexos que sero experimentados
pela reformulao do procedimento de interposio do recurso especial se mostra
de grande valia, na medida em que se alterar, drasticamente, a tica, a forma de
anlise e nmero de situaes analisadas pelo Superior Tribunal de Justia.
2 OS RECURSOS CONSTITUCIONAIS E SEUS REQUISITOS DE
ADMISSIBILIDADE
Na conformao atual do sistema recursal brasileiro, h a previso
constitucional de dois instrumentos processuais, excluda a competncia das justias
especializadas, figurando como forma excepcional de impugnao de decises: o
recurso extraordinrio e o recurso especial.
De competncia do Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinrio, est
previsto no art. 102, inciso III, da Constituio Federal, abaixo transcrito:
Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinrio, as causas decididas em nica ou ltima instncia, quando a deciso recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituio; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar vlida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituio; d) julgar vlida lei local contestada em face de lei federal.
Por sua vez, o Recurso Especial, cuja anlise incumbe ao Superior Tribunal
de Justia, vem regulado no art. 105, inciso III da Constituio Federal, o qual
dispe:
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Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justia: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em nica ou ltima instncia, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territrios, quando a deciso recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigncia; b) julgar vlido ato de governo local contestado em face de lei fed
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