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O mosaicismo é mais comum que o quimerismoe talvez seja responsável por um número muitomaior de doenças do que se imagina. Alguns autoreso consideram a principal causa de malformações naespécie humana, e dados mais recentes sugerem queem alguns indivíduos a predisposição à doença deAlzheimer se deve a uma cópia extra do cromossomo21 em algumas células do cérebro, uma vez que al-guns portadores da doença apresentaram raras cé-lulas no sangue com um cromossomo 21 extra. Alémdisso, os portadores da síndrome de Down, causadapela presença de um cromossomo 21 extra em todasas células do corpo, apresentam precocemente al-guns sintomas de Alzheimer.

Na espécie humana, são raros os exemplos dequimeras verdadeiras resultantes da fusão de cé-

lulas de dois embriões. Esse tipo dequimera quase sempre é descoberto

quando o portador resultou da fu-são de zigotos de sexos opostos, oque permite uma gama variadade alterações no desenvolvimen-to sexual.

Quando o percentual de umtipo de célula é muito pequeno,

tem-se o que se chama microqui-merismo. Durante a tipagem de

células sangüíneas, alguns indiví-duos revelaram pertencer a mais de um

grupo; alguns estudos mostraram que muitassão quimeras sangüíneas. A maioria dos casos demicroquimerismo envolve transferência de células

rismo e mosaicismo na espécie humana. Embora bre-ve, o artigo não é lido sem causar certa inquietação.Na mitologia grega, a quimera representa um serconstituído por partes de diferentes animais; hoje,em biologia, o termo é empregado para descreverindivíduos formados a partir da fusão de células depelo menos dois embriões diferentes. Nos estágiosiniciais do desenvolvimento, células de dois em-briões distintos se fundem para dar origem a umúnico indivíduo, que terá então algumas áreas for-madas por um tipo de células e outras por células deoutro tipo, como uma colcha de retalhos (ver esque-ma). Já o mosaicismo é um fenômeno em que, ape-sar de a pessoa também possuir duas ou mais linha-gens celulares, estas são derivadas de modificaçõesem células de um único embrião, quase sempre emdecorrência da perda ou duplicação de cromossomos.Assim, no mosaico, algumas células são genetica-mente iguais às iniciais e outras são modificaçõesdestas. Portanto, a origem de quimeras e mosaicos écompletamente diferente.

A autora do artigo publicado naNature , Helen Pearson, explica queo mosaicismo pode estar presenteem todos os tecidos do corpo ouem apenas um tecido, assim co-mo a proporção de células nor-mais e alteradas pode variar detecido para tecido, a depender dafase do desenvolvimento embrio-nário em que ocorreu. As conse-qüências podem ser dramáticas,quando há abortos espontâneos, ou atépassar desapercebidas, quando a proporçãode células normais for suficientemente alta para di-luir o efeito das defeituosas.

m maio, a revista britânica Nature (v. 417, p.10,2002) trouxe um curioso artigo sobre quime-E

Alguns autores

consideram o

mosaicismo a principal

causa de malformações

na espécie humana

Marisa Bianco BonjardimMarisa Bianco BonjardimMarisa Bianco BonjardimMarisa Bianco BonjardimMarisa Bianco BonjardimInstituto de Ciências Biológicas,

Universidade Federal de Minas Gerais

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Representaçãodo monstromíticoQuimera,cujo corpoé formadopor partesde diferentesanimais

Quimerismo e mosaicismoem seres humanos

GENÉTICA Fertilização in vitro favorece o surgimento de anomalias raras

Quimerismo e mosaicismoem seres humanos

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s e t e m b r o d e 2 0 0 2 • C I Ê N C I A H O J E • 6 7

cimento de gêmeos não idênticos em tais casos. Es-se aumento implica pelo menos um risco propor-cional de anomalias raras associadas à gestação degêmeos, entre as quais o quimerismo. Em 1998 foidescrito um menino que era uma quimera, poisresultara da fusão de dois óvulos fecundados pordois espermatozóides distintos. Trata-se de um dosraros casos de quimerismo já descritos, e a criançaresultou de fertilização in vitro.

Diante dos resultados que começam a surgir,deve-se dar cada vez mais atenção para o significa-do clínico do quimerismo e do mosaicismo. Emboraa fertilização in vitro contribua para a solução deum número bastante grande de casos de infertilida-de, é importante considerar os riscos que corre umcasal que opta por esse procedimento. São necessá-rias mais pesquisas sobre o tema para que se tenhauma real dimensão dos riscos que oferece, seja nasdoenças que pode causar – as de etiologia ainda nãoconhecidas inclusive – ou mesmo no transplante decélulas-tronco, que em futuro próximo deverá fun-cionar como terapia eficaz no combate a algumasdoenças.

Nas primeiras descobertas da engenharia genéti-ca, a ciência adquiriu ares de ficção científica. Masa natureza já realizava vários daqueles procedimen-tos há milhares de anos. A imaginação humana criacoisas que, a princípio, parecem fantasias impossí-veis, mas desde Ícaro e Julio Verne muito sonho setornou realidade. Compete a nós aproveitar o conhe-cimento de forma responsável, sem perder de vistaas implicações éticas de sua aplicação. !

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Na quimera,dois ovócitosdistintosfecundadoscada umpor umespermatozóideindependenteformam doiszigotos quese fundem.Os diferentestecidos doindivíduoformadoterãoproporçõesvariadasde cada tipode célula.No mosaico,uma célula doembrião sofrealterações que,por divisõessucessivas,formará umindivíduocom algumascélulasoriginaise outrasalteradas.Ambas, porém,têm a mesmaorigem

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sangüíneas e podem surgir, de forma induzida, notratamento de certas leucemias em pacientes quesofreram transplante de medula. Naturalmente podeocorrer entre gêmeos não idênticos ou dizigóticos eentre filho e mãe. Mesmo durante uma gestação nor-mal, algumas células do feto passam para a circula-ção materna, assim como da mãe para o filho. Nasduas situações foi relatada a permanência dessascélulas vários anos após o parto.

O microquimerismo pode ocorrer também nagestação de gêmeos dizigóticos. É possível haverum intercâmbio entre as células que irão dar ori-gem às células sangüíneas no adulto e, como conse-qüência, esses gêmeos terão células sangüíneas ge-neticamente de dois tipos. Esse fato por si só nãoparece causar problemas de saúde aos indivíduos.Recentemente, no entanto, alguns estudos come-çam a correlacioná-lo a doenças auto-imunes, es-pecialmente em mulheres que têm células de seusfilhos na circulação. As pesquisas devem ajudar acompreender esse intrigante fenômeno biológico eesclarecer seu real significado na origem de algumasdoenças.

Embora não saibamos exatamente quão fre-qüentes são o quimerismo e o mosaicismo na espé-cie humana nem o que pode causá-los, é possívelque o fenômeno tenha abrangência maior do que sepensa.

O artigo da Nature lembra que, na fertilizaçãoin vitro, normalmente, se transfere mais de um em-brião para ser implantado na mãe. Aliás, é justa-mente isso que explica a elevada incidência de nas-

FORMAÇÃO DE QUIMERA E MOSAICO