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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Adoro romances em e-book apresenta!
A Dama e o Rebelde Christine Dorsey
IRLANDA, 1747
DE DIA UM LORDE ... À NOITE, O HOMEM MAIS PROCURADO DA IRLANDA!Padraic Rafferty é forçado a adotar uma segunda personalidade para escapar
da perseguição religiosa na Irlanda. Quando passa a viver como lorde Dunlanoe, supostamente protestante, ele é apresentado ao alto círculo social irlandês frequentado por seu primo, Edwin, um homem superficial e devasso cujas perversões são notórias. É nesse círculo que Padraic põe em ação o Rebelde, contrabandista e ladrão que tira dos ricos para dar aos pobres e burla as leis inglesas para taxar o comércio irlandês. Mas tudo muda quando ele conhece Lilianne, uma mulher ao mesmo tempo doce e forte, que tem o poder tanto para destruí-lo como para transformar sua vida... e a dela própria... com um amor destinado a triunfar sobre o impossível...
TITULO ORIGINAL: THE REBEL AND THE LILY
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Capítulo Um
Junho, 1747,
Próximo da Costa Oeste da Irlanda
Ela ainda estava lá. Agarrado à escorregadia balaustrada, o
capitão Padraic Rafferty observava as velas infladas da nau que
perseguia a The Rebel´s Pride. Fizera de tudo para despistá-la, mas a
embarcação, inglesa, a julgar por sua bandeira, ainda os perseguia.
E os alcançava. Normalmente, já a teriam despistado, mas depois
da tempestade violenta que haviam enfrentado na travessia do canal,
tudo mudara. Uma das velas se rompera, o que representava acentuada
lentidão.
— O que acha disso, Paddy?
Padraic olhou para o amigo, Coyle Burns, co-proprietário do barco
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The Rebel's Pride.
— O que acho é que vamos ter de dar muitas explicações, caso
eles nos abordarem.
— E se não nos abordarem? Eles nos afundarão, sem sombra de
dúvida.
Coyle empalideceu, mas sua voz permaneceu firme.
— A nau traz muitas armas, então?
— Pelo que posso ver daqui, sim. E se esperarmos mais um
quarto de hora, verei não só as armas da embarcação inglesa, mas os
botões da casaca de seu capitão, também.
— Maldição! Não há nada que possamos fazer?
— Não, a menos que tenha um dos seus milagres escondido na
manga.
Padraic arrependeu-se imediatamente do comentário sarcástico.
Não tinha o direito de debochar da fé de um amigo a quem devia tanto,
e por tanto tempo. A dívida de gratidão era antiga, desde os tempos de
seus pais. E se ele queria acreditar em milagres, fadas duendes,
homenzinhos verdes, enfim... Que acreditasse. Desde que não tentasse
convencê-lo de suas crenças malucas...
E por que se preocupava com isso agora? Em breve não estariam
mais ali para discutir crenças e milagres.
Padraic tomou uma decisão.
— Aos postos de batalha, homens! — gritou, para a tripulação. —
E tentem parecer espertos!
— Vai lutar contra eles?
— O que espera que eu faça? Sabe o que nos espera se formos
capturados.
— Sim, eu sei, mas estou pensando em Alison e... Deus, daria
tudo para ser como você agora. Tão destemido...
Padraic sabia que o amigo o julgava inconsequente, um simples
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amante da aventura. Discutiram várias vezes por isso, e a discussão
ganhara intensidade depois de Coyle ter se casado com a bela jovem
irlandesa chamada Alison Regis.
Coyle tornara-se mais cauteloso. Quanto a Padraic, cautela era
uma palavra que não fazia parte de seu vocabulário. Não era amante do
perigo, longe disso, mas, em alguns momentos, era preciso enfrentá-lo
sem pensar nas eventuais consequências.
Infelizmente, dessa vez não tinham escolha.
— Coyle, vamos ter de... Coyle? Coyle!
O amigo estava de costas para ele, olhando para algum ponto no
horizonte.
— O que falávamos há pouco sobre um milagre, Paddy?
— Dizíamos que...— Padraic parou, olhando por cima do sócio.
Um sorriso iluminou seu rosto moreno.
— Baixem as velas e preparem-se para a abordagem — gritou
alguém da outra embarcação.
A escuna britânica estava muito próxima do The Rebel's Pride,
mas Padraic tinha os olhos azuis muito brilhantes.
— Ponha essa sua língua de advogado para funcionar, meu caro.
Comece a falar. Faça-os pensar que vamos nos render, mas tente obter
condições vantajosas para nós.
— De quanto tempo precisa? — Coyle perguntou enquanto
esperava pelo autofalante em forma de cone.
— Todo que puder conseguir — Padraic respondeu correndo para
o outro lado do deque. — Impeça-os de atacar.
— Vamos desistir, capitão? — perguntou aborrecido lan Kelly, que
alé então havia manejado o timão, mas que agora cedia o lugar para
Padraic.
— Quando foi que o The Rebel's Pride se rendeu? Diga aos
homens para estarem preparados. Mande-os içar velas, mas que
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permaneçam no convés. Eles terão de ser rápidos quando eu mandar
baixá-las. E prepare as armas. Quero todos os canos voltados para
aquela nau. Quando eu der a ordem, vamos destruir suas velas. Espero
que o Sr. Burns consiga mantê-los ocupados por tempo suficiente para
que não notem o que estamos fazendo. Quando perceberem... será
tarde demais.
— Eles revidarão, por certo.
— Sim, mas então já teremos nos afastado. — A névoa densa já
começava a descer sobre a superfície da água, entre as duas
embarcações. Mesmo assim, ainda teriam de navegar um pouco antes
de mergulharem na parte mais densa da neblina.
Padraic movia o leme devagar, grau a grau, até tomar o curso da
névoa. A escuna inglesa mantinha as velas içadas para alcançá-los,
mas o piloto não se ajustava às mudanças promovidas por Padraic.
Excelente.
De onde estava, podia ouvir a troca de palavras entre o capitão da
embarcação britânica e Coyle. Pelo tom do perseguidor, o diálogo não
seria muito longo.
As velas estavam preparadas. O capitão da escuna inglesa já
ordenava a seus grumetes para lançarem ganchos, atrelando assim as
duas embarcações. Ele já preparava o momento da abordagem.
Era hora de agir.
— Fogo!
Um estrondo retumbante ecoou sobre o mar. The Rebel's Pride
balançou em consequência do solavanco provocado pelo tiro. Rápido,
ele conduziu a nau para o manto de névoa que seria sua proteção.
Ecos da madeira partida temperavam o ar acre e enfumaçado,
enquanto uma porção do mastro da escuna inglesa caía sobre seu
deque. O tiro de resposta foi imediato. Padraic conteve o fôlego,
esperando para descobrir onde seriam atingidos. Um jato de espuma
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lavou o convés, sinal de que as balas de canhão haviam mergulhado no
mar.
A névoa os envolvia e escondia.
— Graças a Deus pela neblina — Coyle murmurou ao entrar na
cabine de comando. — Deus nos deu uma bênção.
Por mais grato que fosse, Padraic duvidava de que o Senhor
houvesse mesmo enviado a neblina só por eles. A menos que se
importasse mais com ladrões e saqueadores do que se pensava
comumente.
— O Príncipe o está incomodando, Paddy?
Padraic riu e balançou a cabeça. A mão buscou a coxa direita,
exatamente no local onde recebera uma bala de mosquete em batalha
nos pântanos perto de Culloden.
— A maldita bala não me deixa em paz.
— É uma questão de tempo — Coyle opinou, seguindo o caminho
que ligava a enseada protegida ao topo dos penhascos. Padraic ia na
frente e mancava.
— Tempo? Já faz mais de um ano!
— E você não descansou mais de quinze dias desde que foi
ferido, nem mesmo quando foi vencido pela febre.
— Coyle, Alison o transformou em enfermeiro?
— Estou apenas dizendo a verdade. Precisa descansar, Paddy.
Todos nós precisamos.
— Descansar? E quem agitaria o país?
— Ninguém vai esquecer o Rebelde, se ele desaparecer alguns
dias.
— Não estou preocupado com isso.
— Então...? Temos suprimentos de sobra. Amanhã mesmo
tentarei vender o excedente.
— E eu? O que devo fazer? Acha ficar sentado olhando para o
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céu?
— Faça o que quiser. Leia, fique na cama...
— Como uma dama enferma?
— Paddy, só quero ajuda-lo, está bem? É só uma sugestão. Faça
como quiser.
Quando concluíram a subida acidentada e dificil, Coyle estava
ofegante e teve de apoiar as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego.
Os dois homens começaram a rir.
— Talvez tenha me dado uma boa idéia. Ficar na cama
descansando...
— Não brinque. Nada vai mantê-lo na cama por muito tempo.
O Rebelde estará cavalgando pelos pântanos antes de a lua desa-
parecer.
— Não tenha tanta pressa. Gostaria mesmo de me livrar desta
dor...
Numa brincadeira entre amigos, haviam dado ao ferimento o nome
do príncipe Charles, que unira muitos clãs escoceses e alguns
aventureiros irlandeses, também, em torno de seu plano de reclamar o
irono inglês para seu pai. Mas o ferimento em si não era motivo para
riso. Era debilitante, e Padraic não estava habituado a ser incomodado
com tanta frequência.
Mas, apesar do que acabara de dizer a Coyle, sabia que não
ficaria na cama.
Gostava de ser o Rebelde. Nesse momento, ansiava por cobrir o
rosto com sua máscara, vestir suas roupas pretas e fazer uma visita
noturna a algum rico latifundiário inglês. Não era suficiente ter criado
uma fama temível ou levar o dinheiro confiscado aos bolsos dos pobres.
Queria os ingleses fora da Irlanda.
— Tenha cuidado, Paddy — Coyle pediu quando emergiram no
território que cercava Dunlanoe. — Se alguém o vir por aí esta noite, vai
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ser difícil comprovar que é o honrado e correto sir Padraic Rafferty,
décimo segundo barão de Dunlanoe.
—Acha mesmo?—Padraic riu. Estava sujo, barbado e cansado
demais para desfilar como o almofadinha que era. — Dê-me uma boa
noite de sono, um pouco de pó e seda, e o bom e velho lorde Dunlanoe
beberá chá inglês com os melhores membros da nobreza.
— Não duvido disso. Mas, no momento, você está parecido
demais com o Rebelde.
— Nesse caso, é bom que tenhamos voltado para casa sob o
manto da noite.
— Sim. Bem, já vou indo. Mande minhas lembranças a seu pai.
Em um ou dois dias irei prestar meus respeitos pessoalmente.
Os dois se separaram, Coyle para percorrer os cinco quilômetros
até o vilarejo de Kilroyne, onde Alison o esperava, e Padraic para
penetrar sigilosamente em Dunlanoe. Ele parou um instante para
admirar o castelo e suas muralhas de pedra envoltas na densa névoa.
Era como se a fortaleza se erguesse dos penhascos com suas torres
normandas. O lugar pertencia a sua família há séculos.
Seu lar.
Padraic passou os dedos pelos cabelos negros. Tudo ali era dele.
Pelo menos aos olhos da lei britânica.
Porque as Leis Penais comandavam a terra. E não era bom ser
irlandês na Irlanda, especialmente para quem seguia a religião católica,
como ele, seu pai e os pais dele haviam seguido. Homens haviam
perdido terras, fortunas... tudo, simplesmente por seguirem suas
crenças.
Mas Padraic via a Igreja de forma mais cínica e prática. Na sua
opinião, a religião era o martelo que os ingleses empunhavam para pôr
de joelhos os irlandeses. E era a pobreza e a ignorância que os
mantinha assim.
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Era impossível lutar abertamente contra a Inglaterra e vencer. Se
insistisse, tudo lhe seria tomado. A propriedade. O título. Há muito
decidira que era melhor representar seu papel.
Mas só se pudesse jogar à sua maneira.
No interior do castelo, Padraic passou pela porta dos aposentos do
pai na esperança de encontrá-lo acordado, mas o silêncio profundo o
demoveu da idéia de vê-lo àquela hora da noite. Ele já havia dado
alguns passos além da porta, quando o ruído das dobradiças
enferrujadas o deteve.
Padraic virou-se esperando ver o pai, e por isso se assustou com
a imagem da mulher no longo vestido branco. Por um momento, chegou
a acreditar na lenda sobre as almas que assombravam o castelo.
— Quem é você?
— Eu poderia fazer a mesma pergunta. — A desconhecida tinha
um ar cansado, mas firme. Não era tão frágil quanto poderiam sugerir os
finos cabelos loiros e os olhos grandes e vivos.
— Poderia — ele reconheceu embaraçado. Não era comum
encontrar uma mulher na alcova de seu pai. Por outro lado, se ele
encontrava felicidade nos braços da visitante, que a acolhesse em sua
cama quando e como quisesse.
Mas ela parecia jovem demais, e embora não pudesse criticar o
gosto paterno... Bem, quanto menos falasse, melhor.
— Vou me recolher. Diga a meu pai... Não, não se incomode.
Eu o verei pela manhã.
— Por favor, espere! Você é o filho de Oliver?
— Sim, sou eu.
— Meu nome é Lilianne.
— Encantado, senhora. E agora, se me der licença...
— Não, por favor... Parece que ainda não sabe...
— Não sei o quê?
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— Não sei como dizer... Peço que me desculpe, senhor.
Assustado com o tom aflito da mulher, Padraic entrou no quarto
envolto pela penumbra.
— Pai? Pai!
— Ele não esta aí.
— Então onde...?
— Seu pai está morto.
— Morto...? — Padraic a encarou pálido. — Como pode ser? Eu o
deixei há duas semanas, e ele estava bem!
— Sim, eu sei.
— Sabe?
— Sim. Seu pai me contou.
— Quem é você, afinal? O que faz aqui? E o que houve com meu
pai?
— Sei que está muito perturbado, mas...
— Fale de uma vez! O que aconteceu?
— Não sei ao certo. Ele saiu cedo há seis dias e... e um dos
colonos o encontrou naquela mesma noite. Ele havia sido alvejado por
um tiro.
— Quem foi?
— Não sei. O fazendeiro que o encontrou chama-se Regis Kelly,
mas não creio que possa contar muito. Seu pai já estava morto. Não
sabíamos quando voltaria... Quero dizer, não podíamos esperar. Seu pai
foi sepultado ao lado de sua mãe.
Padraic olhou para a janela e tentou se conformar com a cruel-
dade da notícia. Seu pai estava morto. Nunca mais o veria. Nunca! mais
ouviria sua voz.
Seu punho encontrou a vidraça com assustadora violência.
— Maldição! Encontrarei quem fez isso — ele gritou.
— Entendo o que sente. Também perdi minha mãe há pouco
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tempo. Ela adoeceu repentinamente e... Bem, não pude fazer nada.
— Sinto muito. — Padraic a encarou e foi tomado de assalto por
uma onda de ternura, como se a dor daquela mulher tão frágil
amenizasse a sua. Mas não queria esse consolo. Queria a revolta, o
desejo de vingança. — A morte nunca é fácil de ser aceita. Nem é o que
esperamos.
— E, no entanto, é a única coisa de que podemos ter absoluta
certeza.
— Sim, é verdade. Quem é você?
Mais uma pergunta que ela preferia ter evitado. A resposta cer-
tamente o incomodaria.
— Lilianne Rafferty.
— Uma prima distante?
— Não, eu... sou a viúva de seu pai. Um silêncio mortal invadiu o
quarto.
Alguns instantes se passaram antes que Padraic reagisse.
— Eslá dizendo que se casou com meu pai. Oliver Rafferty?
— Sim.
— Francamente, mulher! Se a piada não fosse tão infame a
momento tão impróprio, acho que rira de tamanha tolice. Mas, como não
sinto vontade de rir, peço que se retire.
— Entendo que considere tudo isso estranho, mas asseguro que...
que...
-— Por favor! Estive fora por menos de quinze dias, e quer me
convencer de que meu pai se casou?
—- Foi muito rápido.
— Rápido? Foi fulminante!
— Quero que saiba que gostava muito de seu pai.
— Gostava? É uma maneira estranha de descrever seus
sentimentos mentos por um... marido. E meu pai? Também gostava de
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você?
— Acredito que sim.
— Quantos anos tem?
— Completarei vinte e três no natal.
— Vinte e três! Quatro menos que eu!
— Sim, eu sei. Seu pai falava muito a seu respeito.
— Mas nunca falou de você para mim.
— Ele não me conhecia.
— E você também não devia conhecer meu pai, ou saberia que
seu ato foi inútil. Não há nada a herdar como viúva de meu pai.
Dunlanoe me pertence. E o título também é meu.
— Eu sei disso. E não espero nada.
— Ótimo! Pois é exatamente exatamente isso que vai ter. Nada!
Tem uma casa para onde possa voltar? Um pai?
— Meu pai está... — Lily deteve-se a tempo. Não havia motivo
para falar sobre seu passado com esse homem. — Não precisa se
preocupar. Entrarei em contato com ele amanhã.
— Ótimo. Estava dormindo nos aposentos... que foram de meu
pai?
— Sim, mas posso encontrar outro.
— Não se incomode. Já está quase amanhecendo, mesmo.
— De fato. Notei que está mancando. Feriu sua perna?
— É um velho ferimento.
— Espero que não o incomode muito.
— Quase nada. Bem, até amanhã — Padraic despediu-se.
Lily fechou a porta e, sozinha, deixou cair as lágrimas que ardiam
em seus olhos. Não sabia se chorava por Oliver ou por ela mesma.
— Paddy, pelo amor de Deus! Acorde! Padraic esfregou os olhos.
— Coyle?
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— Sim, sou eu. Levante-se, vamos! Onde está Shamus?
— Na última vez em que o vi, ele dormia. Que horas são? E o que
faz aqui? — Havia passado a noite no divã da biblioteca, e agora sentia
dores pelo corpo todo.
— São quase nove horas, e estou aqui porque minha presença é
necessária, obviamente. Andou bebendo?
Padraic olhou para a garrafa vazia sobre a mesa.
— Meu pai está morto, Coyle.
— Eu sei. Alison me contou. Teria vindo antes, mas achei melhor
não despertá-la ontem à noite, quando chegamos.
— Ela sabe quem o matou?
— Não, mas não conversamos por muito tempo. Vim assim que
soube, e tive de forçar entrada para encontrá-lo. O mordomo insistia em
dizer que você não estava em casa.
— Não acordei ninguém quando cheguei e... Por que está me
puxando pelo braço?
— Você precisa se banhar e vestir roupas limpas. Quem vai
acreditar que é o belo lorde Dunlanoe?
— Não me incomodo com isso.
— Paddy, eu soube de uma outra coisa.
— Sobre a esposa de meu pai?
— Então já sabe. Não disse que entrou sem acordar ninguém?
— E não acordei.
— Então, como sabe sobre a esposa de seu pai? Pensando bem,
como sabe sobre seu pai?
— Eu a conheci ontem à noite, quando me dirigia ao quarto.
— Quer dizer que a viu? E ela também o viu?
— Exatamente.
— Exatamente? Só isso?
Bem, não foi um encontro planejado. Ela saiu do quarto de meu
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pai quando eu passava por lá. Não me dei ao trabalho de perguntar
quem era. Deve ser filha de algum camponês, apesar de sua rara
beleza, e já disse a ela vai ter que deixar o castelo. A jovem viúva vai
entrar em contato com o pai ainda hoje e em breve estará partindo.
— Paddy... Disse que ela vai entrar em contato com o pai?
— Sim, é isso mesmo. E ela também me disse que enterrou meu
pai ao lado do corpo de minha mãe.
— Foi o que Alison me contou. Mas... há algo que você precisa
saber.
— Não pode esperar? Quero me lavar - Sentia dores na perna e
na cabeça, mas a expressão de Coyle sugeria grande urgência. — Vejo
que não. O que é?
— A viúva de seu pai vai mandar noticias para Lorde Robert
Tinsley.
— Por que ela faria tal coisa?
— Bem, foi o que você ordenou que ela fizesse.
— Coyle, pode ser mais claro, por favor?
— Não creio que seja necessário. Você entendeu...
— Está dizendo... que meu pai se casou com a filha do duque de
Westbury?
— Isso mesmo.
— Mas... isso é ridículo! Robert Tinsley é um dos mais ferrenhos
difamadores da Irlanda na Câmara dos Lordes. Ele defendeu a emenda
que taxou nossa lã. Meu jamais se casaria com a filha desse homem.
— Mas ele se casou com ela. Não há nenhum engano nisso.
Alison esteve presente no casamento.
— Mas... por quê? Ele deve ter dado alguma explicação.
— Não para Alison. Seu pai chamou minha esposa para vir até
aqui na última quinta-feira e servir de testemunha.
— E foi morto dois dias depois.
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— Acha que existe alguma ligação entre os dois fatos?
— Não sei, mas vou descobrir.
— O que vai fazer com relação à filha de Tinsley?
— Não sei. Mas não vou mandá-la de volta à casa do pai,
certamente. Não agora.
— E como ela poderia ficar aqui? E se ela quiser ficar?
— Ela não terá escolha. Não posso permitir que volte para a casa
de Tinsley. Não sei se meu pai disse, ou se ela descobriu alguma coisa
nesses dias em que esteve sozinha no castelo.
— E sobre ontem a noite?
— Ela não meu viu em melhor forma, isso é certo.
— Ainda não está em boa forma. Parece... Você sabe quem,
— Sim, eu sei. Mas quando conhecer melhor lorde Dunlanoe, a
jovem viúva esquecerá o que viu ontem à noite.
— Espero que saiba o que está fazendo. Esse seu jogo é
perigoso.
Padraic sabia que o amigo estava certo. Estava habituado ao
perigo, sem dúvida, mas isso era diferente. Lady Lilianne Tinsley vivia
sob seu teto sob o nome de Lilianne Rafferty. E com uma só palavra, ela
poderia mandá-lo para a prisão.
CAPÍTULO II
Lilianne não sabia o que esperar depois da noite anterior, mas não
contava com nada daquilo.
Da noite para o dia, lorde Dunlanoe parecia ter passado por uma
completa metamorfose. O rosto, antes barbudo, agora se apresentava
coberto por um pó quase tão branco quanto o de sua peruca, e
passamanarias douradas adornavam sua cintilante casaca de seda azul.
Ele ainda era alto e forte, mas agora lembrava um poodle, não o
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lobo selvagem em que ela pensara ao vê-lo na noite anterior. Não fosse
pelos olhos azuis e impressionantes, ela teria questionado a identidade
do filho de Oliver.
— Por Deus... — Padraic levou um dedo aos lábios pintados de
carmim. Esperava encontrar a sala de jantar vazia naquela manhã, mas
lá estava ela com seu rosto delicado emoldurado pelos cabelos loiros e
cacheados. Os olhos eram ainda mais verdes à luz do dia, e ela o
estudava como se soubesse seus mais sombrios segredos.
A idéia nao era nada confortável.
Padraic respirou fundo e manteve o sotque britânico afetado e
acentuado.
— Como devo tratá-la, minha querida? Não pode esperar que a
chame de... mãe.
— Não. — Lily deixou a xícara sobre o pires de porcelana. —
Lilianne seria mais apropriado.
— Sim, é claro, Lilianne. — Ele se sentou à mesa. — Soa doce
como uma flor. Lily... lírios!
Qual era o problema com esse homem? Por que mudara tão
radicalmente a forma de tratá-la?
— Não quer morangos, Lilianne?
— Não, obrigada. Estou sem apetite.
— Entendo. Deve ser o luto. — Ele suspirou dramático.
Lilianne bebeu mais um gole do chocolate quente. Ouvira rumores
sobre certos desentendimentos entre pai e filho. Diferenças religiosas,
certamente, agravadas pela decisão do jovem Rafferty de reclamar para
si o título e a propriedade. Tudo perfeitamente legal, mas nada familiar.
Mas Oliver sempre falara bem do filho. E lorde Dunlanoe se
mostrara genuinamente perturbado na noite anterior, ao tomar
conhecimento da morte do pai.
Mas agora era como se estivesse diante de outra pessoa.
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— Quero pedir desculpas por meu comportamento ontem à noite
— ele disse com um sorriso pálido.
— Estávamos muito perturbados, por certo.
— Sim, quando se recebe a notícia da morte do próprio pai... —
Padraic tentou conter as emoções. Não era famoso por seu amor pelo
pai, católico fervoroso. Destituíra o homem de seu título e de sua
propriedade, como bom protestante que era. Mas, é claro, esse homem
era só um mito criado por Padraic e por seu pai para manterem
Dunlanoe na família... e encobrir as nefandas atividades do Rebelde.
Normalmente, Padraic se divertia representando o afetado lorde
Dunlanoe, mas não nesse momento. Tudo que queria era poder chorar
em paz... e descobrir quem tirara a vida de seu pai. Infeliz mente, uma
coisa excluía a outra.
— De qualquer maneira, fui muito rude ontem à noite. Espere que
me desculpe — ele disse.
— Não pense mais nisso. Apenas lamento que tenha retornado de
sua viagem a...
— Londres. Desembarquei do navio em Cork e tomei uma car-
ruagem, mas uma das rodas se partiu no caminho e... Bem, foi horrível.
Tive de caminhar por aquelas estradas sujas e poeirentas, e por isso
cheguei naquele estado lamentável.
— Que horror! E ainda chegou em casa e recebeu a notícia sobre
seu pai...
Padraic viu os olhos de Lilianne se encherem de lágrimas e
admirou-a em silêncio por seu talento dramático.
— Disse a mim mesma que seria forte.
— Por mim? Que maternal!
Maldição! O que estava fazendo? Devia conquistar a confiança da
madrasta, convencê-la a ficar no castelo. Só assim saberia se ela tinha
informações sobre o assassinato de seu pai. Ou sobre o Rebelde. Só
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então a deixaria voltar para casa. Era um jogo, e não podia se esquecer
disso. Lilianne cumpria seu papel, o da viúva enlutada. Ele tinha de ser o
filho afetado, superficial e egoísta. Enfurecê-la não fazia parte de seus
planos.
Lilianne não sabia se o rapaz estava brincando, ou se pretendia
mesmo insultá-la. De qualquer maneira, não tinha interesse em discutir
com ele. Estava cansada e triste, e apesar de ter decidido anteriormente
não pensar em si mesma, não conseguia deixar de se preocupar com o
próprio destino.
Houve um tempo em que chegara a ter esperanças de terminar
sua vida ali, em Dunlanoe. Era tranquilo e seguro, e sentia-se aceita,
contente. Por alguns dias. Mas tudo mudara. O jovem lorde não parecia
ser muito semelhante ao pai.
— Por favor, peço mais uma vez que me desculpe. Estou sendo
rude novamente. Deve ser a dor causada pela irreparável perda... —
Conquistaria a simpatia de Lilianne a qualquer custo. Ela podia ter nas
mãos sua vida e a de muitas outras pessoas, e não queria correr o risco
de desperdiçá-las.
— Nós dois estamos muito abalados. Sendo assim, se me der
licença, creio que vou me retirar para os meus aposentos. Devo redigir
uma carta para meu pai e...
— Não se incomode com isso.
— Como não? Ontem à noite disse...
— Disse muitas coisas, eu sei. Minha jornada foi terrível.
— Sim, eu sei que foi, mas...
— Não é necessário que deixe Dunlanoe.
Era tudo que ela queria. Ficar no castelo. Sabia o que significara
retornar à casa paterna. E, no entanto, não sabia o que pensar do
sorriso gelado que via nos lábios do lorde.
— Pode ficar aqui, certamente, ao menos por algum tempo — ele
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prosseguiu. — Esse teria sido o desejo de meu pai.
Era verdade. Oliver a acolheria em seu lugar, um paraíso seguro e
por isso, provavelmente, perdera a vida. Lilianne tentou não pensar
nisso.
— Como quiser. Obrigada. E agora, se me der licença...
— Fique, por favor. Gostaria de saber mais sobre você. Lilianne
decidiu suportar a incômoda companhia do lorde por mais algum tempo.
— O que deseja saber?
— Como se casou com meu pai, por exemplo.
— Como acontecem todos os casamentos, presumo. Nós nos
conhecemos e decidimos que combinávamos um com o outro.
— Só isso? É essa a bela história de amor?
Lilianne decidiu que não gostava muito do filho de Oliver.
— Nós nos casamos e viemos morar aqui. E então ele foi morto.
O tom de lorde Dunlanoe sugeria uma ligação entre os dois
eventos. Uma relação que ela não podia negar.
— Sim, ele foi morto...
— Ah, isso não importa. Devo dizer que meu pai sempre teve bom
gosto para escolher suas mulheres.
— Muito obrigada, mas duvido que a decisão de Oliver tenha sido
influenciada por esse... bom gosto.
Talvez não, mas ninguém podia negar a beleza de Lilianne.
— Nesse caso, o que promoveu a decisão de meu pai?
— Bondade — ela resumiu. — E era isso que eu mais admirava
nele. E agora, se me der licença, gostaria de me retirar.
Padraic a viu sair da sala e também se levantou para ir à cozinha.
— Ah, então está mesmo em casa, meu lorde. Tenho aqui pão e
presunto para alimentá-lo — disse a sra. Ferguson, sua cozinheira. Ela
colocou um prato sobre a mesa da cozinha.
— Obrigado, Sra. Ferguson, mas acho que não tenho muita fome.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Precisa comer alguma coisa. Deve manter suas forças.
— Há quantos anos diz a mesma coisa, sra. Ferguson?
— Desde que você aprendeu a andar e adquiriu o hábito de vir
visitar minha cozinha, sempre seguido por um ou dois cães. Antes de
partir.
— Meu pai e eu tivemos muita sorte por contarmos com seus
serviços.
— Não. A sorte foi toda minha.
— O que sabe sobre essa mulher que se casou com meu pai?
Estou absolutamente surpreso!
— Sim, também ficamos surpresos. Um belo dia ele a trouxe aqui,
e no dia seguinte eles se casaram diante do padre Samuel.
— Sem nenhuma explicação?
— Não, e não cabia a mim questionar a decisão do patrão.
A sra. Ferguson nunca questionava,as ocorrências em Dunlanoe.
Aceitava as idas e vindas de Padraic, seu comportamento inconsistente,
suas esquisitices, e nunca fazia comentários ou perguntas. Era uma das
poucas pessoas com quem Padraic podia ser autêntico. Seu pai
confiava inteiramente na velha cozinheira, como ele. Mesmo assim,
jamais havia revelado sua identidade secreta. O Rebelde.
A sra. Ferguson serviu chá com mel, e Padraic bebeu um gole da
bebida quente e doce.
— Vou sentir falta dele, sra. Ferguson.
— Todos nós sentiremos, lorde Paddy. Ainda não consigo
acreditar que ele tenha partido.
— Ou que tenha deixado uma viúva.
— Pobrezinha.
— Como ela é?
— Bem, ela me parece bastante doce, para alguém com o toque.
Padraic levantou a cabeça, mas a sra. Ferguson estava de costas
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
para ele, debruçada sobre uma panela.
— Toque?
— Ah, sim... Dizem que ela o tem. E eu acredito nisso.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Mas o que é... o toque?
— A capacidade de cura. Dizem que ela foi tocada por fadas.
Padraic teve de se esforçar para não rir. Respeitava todas a
crenças, mesmo as mais absurdas, mas fadas...
— Ria o quanto quiser, meu lorde, mas ouvi a história.
— Sobre o toque?
— Sobre sua capacidade de curar. A prima de meu marido
Mauve, de Dublin, ouviu dizer que ela ajudou uma mulher no parto.
Todos acreditavam que o bebê havia nascido morto, porque estava
azul como o mar... — Ela ia baixando a voz enquanto falava como
se temesse despertar as fadas e ser castigada por revelai segredos
tão sérios.
— E...?
— E ela o tocou.
— Continue.
— E trouxe o bebê de volta à vida.
— E a prima de seu marido viu tudo isso?
— Não exatamente, senhor.
— Entendo.
— Mas ela ouviu o relato de alguém que viu tudo. E tem de
admitir que lady Lilianne tem a aparência das fadas.
Ela era linda, realmente. Mas nem por isso Padraic acreditava
nessa conversa sobre poder de cura.
Irritado, ele desejou um bom dia à cozinheira e saiu para ir
procurar padre Samuel.
O velho clérigo estava na capela. Construída em uma alcova
em uma das alas do castelo, a pequena capela cheirava a incenso
e sempre despertava nele um sentimento de opressão. Pouco
iluminada e protegida por espessas paredes de pedra, ela havia
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
sido construída para suportar os ataques de bandos de salteadores
e inimigos dos antigos barões de Dunlanoe. O restante do castelo
passara por várias reformulações, mas a capela permanecia como
no início, uma relíquia do passado.
Padraic a visitava raramente.
— Padre Samuel. Gostaria de falar sobre...
O sacerdote o silenciou com um gesto, movendo as mãos
para Instruí-lo quanto às atitudes que devia tomar dentro da igreja.
Era evidente que o homem não percebia que ele havia deixado de
ser católico. Padraic renunciara à Igreja. Sim, tudo era apenas um
disfarce para enganar os ingleses, mas essa era uma parte do
disfarce que não o incomodava em nada. Apesar de ter sido
instruído secretamente na religião católica, sua mente, ou seu
coração, ou qualquer que fosse o órgão responsável pela crença
religiosa de uma pessoa, registrara muito pouco desses
ensinamentos.
Era um protestante declarado, um homem que se empenhava
o máximo, a ponto de arriscar a vida, para ajudar os católicos
perseguidos, mas, pessoalmente, não se sentia inclinado a
nenhuma dessas religiões.
Padraic esperou que o padre concluísse suas orações e se
levantasse.
Os dois se sentaram em um banco perto da porta.
— Veio por seu pai, é claro.
— Sim, padre. Tenho muitas dúvidas.
— Primeiro, deixe-me dizer que ele teve um funeral bastante
adequado.
Católico, certamente.
— onversamos muitas vezes sobre o assunto, e segui todos
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
os desejos de seu pai. Pode ficar tranquilo quanto a isso.
— Eu estou. E também sou muito grato por seu empenho.
Mas esperava que pudesse me dizer alguma coisa sobre como ele
morreu.
— Ora, ele foi alvejado por um tiro. A bala penetrou bem perto
do coração, pelo que ouvi dizer. Não sei quem atirou. Não pude
sequer administrar os últimos sacramentos antes de sua morte.
— Tenho certeza de que suas boas ações o ajudarão a
chegar o Céu.
O padre assentiu e suspirou, e Padraic sentiu uma onda de
ternura pelo religioso. Ele havia sido amigo e confidente de seu pai
por muitos anos, desde que podia se lembrar.
— Há um outro assunto que gostaria de discutir. A esposa de
meu pai...
— Por favor, não posso falar sobre isso.
— Mas deve saber...
— Não devo comentar o que me foi dito no segredo do
confesionário, sir Padraic. Sabe disso.
Bem, por um lado, Padraic se sentia grato por esse dever de
segredo. Tinha certeza de que o padre sabia sobre o Rebelde. Se
pai devia ter confessado.
— Mas se o casamento teve alguma relação com sua morte
então...
— Ele foi encontrado por um de seus colonos. Duvido que a
jovem tenha tido alguma relação com a morte de seu pai.
— Sim, mas por que ele a desposou?
A resposta foi um silêncio gelado.
— Não pode ao menos me dizer o que tem contra ela? É
evidente que não aprecia essa jovem.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Eu mal a conheço. O que me faz lembrar, lorde Dunlanoe
que há muito não ouço sua confissão.
Padraic decidiu que era hora de deixar a capela. Antes disso,
porém, padre Samuel falou mais uma vez sobre o funeral realizado
ao lado do túmulo de sua mãe. A mãe que ele jamais conhecera.
O colono, Regis Kelly, não tinha nada de novo a dizer. Ele
conduzia seu rebanho por um caminho quando se deparou com o
corpo de Oliver Rafferty. Um tiro no peito tirara sua vida.
No final da tarde, sozinho em seu quarto, Padraic removeu a
peruca e a casaca de seda, lavou o rosto e olhou para o espelho
sobre o toucador. Lorde Dunlanoe e o Rebelde o encaravam,
unidos apenas pela dor.
Naquela noite, Coyle e Alison foram visitá-lo. Todos se
sentaram no salão para tomar chá, e o desconforto da reunião fez
Padraic perceber como seria sua vida, caso não se livrasse logo de
Lilianne Tinsley, ou Lilianne Rafferty, como se chamava agora.
Queria conversar com o casal de amigos, mas a formidável
viúva se recusava a deixar o salão. Assim, Coyle e a esposa
anunciaram o momento de partir sem que houvessem trocado uma
única palavra franca.
Depois de acompanhá-los até a porta, Lilianne se retirou para
seus aposentos.
Passava da meia-noite, quando Padraic abriu a passagem
secreta que ligava seu quarto à cozinha, e a cozinha ao estábulo.
Vestido inteiramente de negro e com a cabeça coberta pelo capuz
do manto e o rosto oculto por um lenço de seda negra, ele pôs a
sela em Raven, o garanhão que, de acordo com rumores, não
aceitava ser montado por ninguém. Essa era outra cortina de
fumaça, uma farsa para a afastar eventuais curiosos. Cavaleiro e
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
montaria se entendiam muito bem e, juntos, tomaram a direção do
continente, afastando-se do litoral com seus rochedos escarpados.
A lua iluminava os caminhos. Não era uma noite ideal para o
Rebelde estar vagando por ali, mas pedira a Coyle para ir encontra-
lo, e tinha perguntas demais para ficar em casa esperando por uma
noite sem luar.
Padraic desmontou numa região protegida por árvores
frondosas. Ali, as folhas impediam a penetração da luz da lua.
Coyle já já o esperava no local de costume.
Paddy, quando é que vai me deixar dormir uma noite inteira?
— Oh, entendo... eu o tirei dos braços da mulher amada!
Alison está se queixando?
— Não. Às vezes me pergunto se não devia ser ela a estar
aqui tramando com você. Alison tem fortes sentimentos com relação
aos ingleses.
— E você não?
— Paddy, você sabe que sim. Estou apenas reclamando um
pouco, quando devia estar tentando consolá-lo.
— O que descobriu sobre a morte de meu pai?
— Ouvi rumores de que sir Edwin tenta culpar o Rebelde.
— O quê? E por que o Rebelde mataria meu pai?
— Ele era rico, e talvez o Rebelde quisesse atingir você, não
ele. Quem sabe? Eu não disse que a história fazia sentido. Mas
você conhece o clima. Tudo que acontece por aqui é culpa do
Rebelde. Por que dessa vez seria diferente? Além do mais... de
acordo com Alison, sir Edwin está muito abalado por conta da viúva
Rafferty, e você sabe o que ele pensa sobre o Rebelde.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Por que ele se incomoda tanto com Lilianne?
— Parece que tinha planos de desposá-la, mas seu pai o
superou.
— É difícil acredita nisso. Tão difícil quanto aceitar o que a
sra. Ferguson me contou hoje pela manhã. Dizem que a tal mulher
é... Como foi que ela disse? Ah, sim, ela foi tocada pelas fadas.
— Nunca ouvi nada parecido, mas devo reconhecer que ela
tem uma aparência típica...
— Aparência típica? Por Deus, homem, não me diga que
acredita nisso!
— Não sei se acredito ou não... e não importa. O que vai
fazer? Temos contrabando para vender e...
— Vou deixar esses assuntos com você e os outros, pelo
menos por enquanto.
— E você...?
Boa pergunta. Padraic tinha certeza de que Coyle já
imaginava a resposta.
— Acho que chegou a hora de fazer uma visita a Edwin.
— Talvez esteja certo. Sir Edwin sempre foi um grande amigo
de lorde Dunlanoe. Se souber de alguma coisa, ele certamente lhe
dirá.
— Certamente, e para isso pretendo visitá-lo amanhã
mesmo... como lorde Dunlanoe. Mas eu me referia a uma visita do
Rebelde.
Coyle o encarou como se estivesse diante de uma aparição. A
noite clara, a lua ia alta, e a idéia de se dirigir a winston Hall para
fazer uma visita noturna a sir Edwin White era perigosa, para dizer o
minímo. Mas, no momento, a idéia enchia Padraic de entusiasmo.
Além do mais, por ser tão audaciosa e arriscada, tal visita
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
seria inesperada. E plantaria em Edwin a semente do terror, razão
mais do que suficiente para Padraic levar a idéia adiante. Além do
mais quando lorde Dunlanoe fosse visitá-lo, haveria muito sobre o
que conversar.
Decidido, Padraic montou. O vento agitava seus cabelos e
sua capa negra enquanto ele cavalgava para Winston Hall.
Que descuido de sir Edwin.
Padraic sorriu ao abrir a porta. Sem trancas ou vigias, sem
nenhum tipo de obstáculo a ser superado. Era quase entediante.
Padraic esperou que os olhos se ajustassem à escuridão,
aguçando os ouvidos para identificar qualquer sinal de aproximação
ou perigo. Depois, caminhando com passos silenciosos, afastou um
pouco as cortinas e empunhou a faca que levava no cano da bota.
Era fácil demais.
A cama sobre um pedestal era cercada por cortinas, e ele
levantou-as com cuidado, esperando encontrá-lo sozinho. Não
queria matar de susto uma pobre protistuta no cumprimento de seu
ofício. Felizmente, Edwin estava sozinho.
— Vamos, acorde e veja quem está aqui. — disse,
aproximando a faca do pescoço de Edwin para impedi-lo de gritar
por socorro. Ele abriu os olhos e sufocou um grito. A lâmina fria
pressionava sua pele.
— O que... o que você quer?
— o que eu quero? Isso é jeito de falar com um visitante?
— Você não é meu convidado, Rebelde. Não passa de um...
aiiiiiiiiiiii!
— Ora, ora... Por acaso cortei você? Por Deus, a faca deve
ter escorregado. Isso sempre acontece quando não sou bem-vindo.
Bem, parece que você precisa de um curativo, e eu odeio sujeira.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Talvez deva coletar sua generosa doação e me retirar.
— Doação? Do que está falando? Estou perdendo sangue!
Pelo amor de Deus!
— É só um arranhão. Agora vejamos... Onde acha que posso
encontrar algum ouro por aqui?
— Não guardo moedas em casa. Não há nada...
— sinto meus dedos escorregando novamente. Não tem idéia
de como me sinto cansado quando tenho de empunhar a faca por
muito tempo. E ainda sou forçado a olhar em volta, tentando
identificar um eventual esconderigo... Ah, não há como prever o que
pode acontecer.
— Não, não! Eu digo... Por favor, não me machuque mais!
Padraic virou o rosto para esconder um sorriso. Fácil.
— Muito bem, fale de uma vez, então. Estou perdendo meu
tempo.
Edwin se virou para abrir um baú ao lado da cama. Ele tentou
retirar alguma coisa do baú, mas Padraic o impediu.
— Ei, ei, deixe-me dar uma olhada nisso. O que temos aqui'
Uma pistola? Estava pensando em usá-la contra mim?
Edwin encolheu-se ao ver o cano da arma apontado em sua
direção.
— Está engatilhada e carregada! Muito astuto. Todo cuidado é
pouco quando o Rebelde está à solta.
— Não estará por muito tempo, juro! Cuidarei para que seja
enforcado por isso!
— Palavras corajosas para quem está diante do cano de uma
pistola. Bem, você nunca foi muito esperto. Agora, vou aliviá-lo do
excesso de ouro. — Padraic guardou dois sacos nos bolsos —
Pensando bem, creio que vou levar tudo. O povo da Irlanda saberá
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
apreciar a devolução de dinheiro ganho com tanto trabalho e
esforço.
— Não vai escapar ileso. Por que não mostra o rosto,
covarde?
— Ah, é meu rosto que desperta seu interesse. — Padraic
aproximou-se dele. — Não creio que gostaria realmente de vê-lo,
por que, nesse caso, eu seria forçado a matá-lo. Por favor, sente-se
ali e fique quieto. Isso, assim mesmo.
Padraic colocou-se atrás da cadeira e, usando um lenço que
retirou do cinto, amordaçou Edwin.
— Como pode ver, não sou completamente egoísta. Vou lhe
deixar algo em troca de tudo que fez por mim. Suas mãos, por
favor. Atrás da cadeira.
Depois de amarrá-lo, Padraic partiu. Era difícil conter o riso
diante da imagem patética de Edwin se retorcendo e gemendo, seu
rosto vermelho como se fosse explodir. Mal podia esperar para
retornar como lorde Dunlanoe e ouvir o que sir Edwin White teria a
dizer sobre o visitante noturno.
Lilianne olhava para o mar e para a lua. Erguendo os braços,
encheu os pulmões com o ar salgado do litoral. A noite era suave, e
a escuridão a envolvia como um casulo protetor. Não havia olhares
curiosos, perguntas inoportunas, dedos acusadores ou súplicas por
sua ajuda.
Às vezes, não sabia o que era pior: os que criticavam seu
dom, chamando-a de estranha ou coisas piores, ou os que
acreditavam, demais nele, os que esperavam demais dessa sua
habilidade.
Porque nem sempre podia dar a eles aquilo que esperavam
dela.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Não pudera ajudar Oliver, e havia tentado, embora já o
houvesse visto morto. Pusera suas mãos sobre o corpo inerte e
clamara pela ajuda dos seres preciosos para salvá-lo. Fechara os
olhos, e quando uno sentira nenhum poder inundando sua alma,
havia tentado curá-lo por conta própria.
Mas nada acontecera. Porque não era ela quem curava. Há
anos entendera que era apenas um instrumento para a atuação dos
poderes curadores. Não tinha controle. Era como um recipiente que
se enchia e esvaziava. Mais nada. E às vezes tinha de ver seus
rules queridos, aqueles que não eram escolhidos, morrerem.
E depois via a acusação nos olhos daqueles que haviam
pedido sua ajuda.
Pelo menos com Oliver fora poupada disso. Ninguém
testemunhara seu fracasso. Seu filho não estivera presente. Lorde
Dunlanoe. Lilianne não o entendia, mas podia jurar que ele não
gostava dela. E sabia que suas razões não eram as da maioria.
Porque ele parecia desconhecer o dom, ou a maldição que a
distinguia de outros seres humanos.
Lilianne caminhou ao longo do precipício. Estava descalça, e
de vez em quando pisava em um pedregulho e lamentava a própria
impetuosidade.
Mas quando despertara do pesadelo, sua única vontade havia
sido a de escapar do confinamento de seu quarto no castelo. Tivera
tempo para pegar um xale, e sentia-se confortável caminhando livre
pela noite morna e clara. Ela se voltou para o mar e ergueu os
braços novamente, deixando-se abraçar pela brisa.
Tão envolvida estava com a natureza, que nem ouviu o som
de cascos contra o solo. Quando percebeu a aproximação, o
garanhão negro já estava atrás dela.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Sobre o animal, sombrio a ponto de misturar-se com a noite
havia um homem... ou um demônio, não saberia dizer com certeza
Inteiramente vestido de negro, ele desmontou e deu alguns passos
em sua direção. Seu rosto estava coberto por uma máscara, e uma
capa longa disfarçava os contornos de seu corpo atlético. A ima
gem era assustadora.
Ouvira falar sobre o Rebelde. Ele era temido ou reverenciado
dependendo da posição financeira e política do indivíduo em
questão. Sua fama, antes restrita à Irlanda, já havia invadido a
Câmara dos Lordes. Seu pai, por exemplo, era obcecado pela idéia
de leva] o patife à justiça e, por consequência, à ponta de uma
corda.
— O que faz aqui em uma noite como esta?
O receio que sentira ao vê-la ali com os braços erguidos dava
um tom furioso à voz de Padraic. Quem não teria pensado em
fantasmas diante de uma visão tão etérea? De sua parte, acreditava
apenas naquilo que podia ver. Nunca acreditara em fadas ou fan-
tasmas, ou em quaisquer outros vestígios dos antigos celtas. Mas a
visão da mulher loira e esguia com os braços erguidos para as
brumas chegara a abalar sua convicção. As palavras da sra.
Ferguson ecoaram em sua mente. Mas não... Essa mulher não era
tocada pelas fadas. Porque não existiam fadas. Ela era uma mulher
como qualquer outra.
E o que fazia ali no meio da madrugada?
Espionava-o, possivelmente? A farsa daquela manhã não a
enganara? Era como se os olhos profundos pudessem ler sua alma.
— Repito minha pergunta, senhora. O que faz aqui a esta
hora?
— Eu poderia perguntar a mesma coisa. — Por que se
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
portava com tamanha ousadia, justamente agora, quando precisava
parecer passiva para sobreviver?
— Senhora, as regras sociais exigem que eu responda com
cortesia a todas as perguntas de uma dama, mas não sigo regras
sociais. Sendo assim, tenho todas as vantagens. Sou maior, mais
veloz, e estou armado. — E sabia que ela não estava, porque podia
ver nitidamente os contornos de seu corpo através do tecido
transparente de sua camisola clara. A reação de seu corpo foi
previsível, mas lembrar que ela era a viúva de seu pai ajudou-a a
recompor-se. Repito: o que faz aqui no meio da noite?
— Eu... não conseguia dormir. — E agora mal conseguia res-
pirar. — Gosto de caminhar nas noites de lua cheia. A hospedaria
estava muito cheia... — Por que falava em hospedarias? Porque o
Rebelde era amigo dos pobres e desfavorecidos? Sim. Não era
essa a essência da lenda sobre o moderno Robin Hood?
Ele odiava os ricos. Roubava-os e, em algumas situações, até
os assassinava. Por isso mentia. Temia pela própria vida.
— Vive em uma hospedaria? — Padraic insistiu admirado.
Como alguém podia mentir com tanta naturalidade?
— Sim, com sete irmãos. Todos roncam muito! Tanto, que às
vozes não consigo ouvir meus próprios pensamentos.
— Então, saiu para caminhar e veio até aqui, nos
penhascos... descalça...
— Não tenho sapatos.
— Ah, entendo...
— Os penhascos me acalmam. — Era impossível parar de
falar, Interromper o conto mentiroso. — Aqui, não penso tanto na
fome que me atormenta.
— Também não tem alimento? — Muito pouco.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Mentirosa! Padraic não acreditava nos absurdos que ouvia.
— Não parece estar mal alimentada. Quem é esse pai que
não alimenta a própria filha? Talvez eu deva ir visitá-lo. Imagino que
ele tenha um estômago muito grande, como o de seus nove irmãos.
— Não faça isso!
— Por que não?
— Bem... meu pai é tão magro quanto eu... e meus irmãos.
— Seus nove irmãos?
— São sete.
— Ah, sim. Foi isso que disse.
— Somos muito pobres. Não se incomode conosco.
— Sabe quem sou eu? Já ouviu falar no Rebelde?
— Sim, ouvi falar em você.
— Então, deve saber que os pobres são minha causa. Devo
ajudar sua família.
— É muito bondoso, mas...
— Não, não, eu insisto. Onde mora? Na hospedaria, mas
qual? Quero conversar com seu pai.
— Não será possível.
— Não? Por quê?
— Ele é surdo. — Por Deus, de onde tirava tantas mentiras?
— Surdo? — Padraic sentia vontade de rir.
— E é mudo, também.
— Mudo? Quanto infortúnio!
— De fato, é muito triste.
— Triste... Fico me perguntando como ele consegue vesti-la.
Mas seus irmãos podem se comunicar comigo, não? Ou é a única
em sua família capaz de falar e ouvir?
Lilianne suspirou. Em que confusão se metera!
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não. Meus irmãos falam.
— Mas não com a mesma graça exibida por você, presumo.
Lilianne calou-se. O Rebelde a segurava pelo braço e a conduzia
para o sul, na direção de Dunlanoe. Tentar resistir seria inútil
perigoso, por isso ela se deixou levar. Temia que ele descobrisse
sua identidade, especialmente depois de tantas mentiras. Precisava
fazer uma última tentativa.
— Agora devo voltar, antes que sintam minha falta.
— É claro. Não queremos que seu pai grite com você.
— Ele não poderia gritar.
— É verdade. Eu havia esquecido... Seu pai é mudo. Bem,
talvez eu deva levá-la para casa. Afinal, sou um cavalheiro.
— Pensei que não seguisse regras sociais.
— Foi o que eu disse, não? — ele sorriu.
— Sim, foi o que disse. Mas não preciso de companhia para
voltar para casa.
— Nesse caso, talvez aceite isto.
Ele retirou uma bolsa de um bolso interno da capa e colocou-a
na mão de Lilianne.
— O que é isto?
— Dinheiro. Vai servir para manter sua família. Poderá
comprar comida e, com sorte, talvez até encontre um bom médico
para seu pai.
— Não posso aceitar. — Pelo peso da bolsa, devia haver
muito dinheiro dentro dela. Que inglês havia sido saqueado dessa
vez?
— É claro que pode. Eu é que não poderia dormir sabendo de
suas dificuldades e de minha incapacidade para ajudá-la.
— É muita generosidade, mas...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Por favor, não diga mais nada. A expressão em seu rosto é
prova da sua gratidão. Por outro lado... Bem, talvez possa me dar
algo em troca.
— O quê? — Lilianne sentiu um arrepio de medo. — Não
tenho nada!
Ele sorriu, fazendo seu coração bater mais depressa.
— Não é verdade. Tudo que desejo é um beijo, senhora...
— Lily.
— Senhora Lily. Não estou pedindo demais.
— Senhor, eu... — Queria dizer alguma coisa que o detivesse,
mas não tinha palavras. O calor do hálito úmido em seu rosto a
desorientava.
Ele se aproximou ainda mais, e a escuridão a envolveu. Os
lábios sobre os dela eram quentes, firmes, e pareciam ter o poder
de roubar-lhe o fôlego. Sentia-se tonta, sem ar, e tentou retê-lo ao
sentir que ele se afastava, uma reação que gostaria de poder
atribuir ao receio de cair, mas que, sabia, era apenas a expressão
do desejo de prolongar o beijo.
Ele a estava deixando. Sem descobrir sua identidade. E a
deixava com uma pequena fortuna em ouro. O Rebelde montou e
desapareceu na noite.
Lilianne ficou onde estava, incapaz de acreditar que estava
salva. De repente, ela começou a correr. Quando chegou ao
castelo, linha os pés cansados e doloridos, mas não dava atenção
ao incômodo. Sozinha em seus aposentos, ela acendeu uma vela e
respirou fundo, tentando acalmar as batidas do coração. Não sabia
se estava arfante pela corrida ou pelo encontro com o Rebelde. Ou
pelo beijo que haviam trocado.
Lilianne abriu a bolsa e a esvaziou sobre o toucador.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Conforme havia imaginado, havia ali uma pequena fortuna em
moedas de ouro.
Mas não eram as moedas que a enchiam de espanto. O couro
da bolsa exibia uma marca. Um selo.
O selo de sir Edwin White.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
CAPÍTULO III
A mosca caíra na teia. Padraic sorriu e disse ao lacaio que
anunciara a presença de sir Edwin para conduzi-lo ao salão, onde
iria recebê-lo.
— Oh, e peça a lady Lilianne para ir se juntar a nós —
acrescentou.
Na verdade, queria vê-la. Havia decidido tratá-la com mais
cordialidade, e começaria no dia seguinte, depois da visita de
Edwin.
Padraic terminou de comer o pão doce em seu prato, divertin-
do se com a idéia de fazer Edwin esperar. Depois bebeu o chá,
limpou os lábios com o guardanapo de linho, e só então se levantou
para ir receber o visitante. No corredor, olhou-se no espelho e
decidiu que sua imagem era suficientemente revoltante e, satisfeito,
seguiu em frente, praguejando contra o maldito Príncipe enquanto
caminhava mancando.
— Ah, aí está você, Edwin. E Lilianne, também. Conheceram-
se agora?
— Onde estava, Padraic? Estou aqui há quase meia hora!
— De fato? Que horror! Vou ter de conversar com a criada-
gem. Mas vejo que teve o prazer da companhia de minha querida
madrasta.
Edwin não disse nada. Apenas bebeu um gole da bebida
contida no cálice em sua mão. E sua mão tremia.
— Não acha que é um pouco cedo para conhaque, Edwin?
— Veja quem fala! — Ele deixou o cálice sobre a mesa e
levantou. — Podemos conversar, Padraic? Em particular?
— O que quer que tenha para dizer pode ser dito...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Com licença, cavalheiros. Prefiro me retirar — Lilianne
interrompeu.
Padraic notou a palidez da jovem viúva. Mesmo sem entender
o que a levara a se casar com seu pai, tinha de reconhecer que
Edwin era um depravado. Não desejaria a má sorte de tê-lo com
marido nem mesmo para a filha de lorde Robert Tinsley.
— Se prefere sair... — disse.
— Obrigada. — Lilianne inclinou a cabeça e repetiu o gesto
para Edwin.
Assim que ficaram sozinhos, Padraic encarou-o.
— Parece um pouco aborrecido.
— Aborrecido? Não imagina o que aconteceu comigo! E
quando souber... — Ele pegou o cálice sobre a mesa e foi se servir
de mais conhaque da garrafa sobre o console da lareira. — Estou
certo de que ficará tão perturbado quanto eu estou.
— O que pode ser tão terrível? Que notícias tão excitantes o
tiraram da cama tão cedo?
Edwin bebeu mais conhaque e voltou a se sentar no divã
onde Lilianne estivera até pouco antes.
— Já ouviu falar no Rebelde?
— Quem não ouviu? Pensar nele me põe nervoso a ponto de
me deixar à beira de uma apoplexia! Mas o que fez o vilão? Oh, não
me diga! Ele roubou suas ovelhas!
— Pior. O bastardo esteve em meus aposentos ontem à noite.
— Em seus aposentos? Mas... como sabe disso?
— Eu estava lá, idiota!
— Não! — Padraic arregalou os olhos. — Como pode ser? Já
sei! Alguém deteve o facínora antes que ele invadisse seu quarto.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Acabei de dizer que ele esteve em meus aposentos.
Ninguém o deteve ou soube que ele estava lá. Eu lhe digo, Padraic,
o sujeito é como um fantasma atravessando paredes.
— Acha que ele é capaz disso?
— É claro que não! Falamos de um homem como outro
qualquer.
— Mas você parece estar muito perturbado. Mais uma dose?
— Por favor... Ouça, temos de fazer alguma coisa contra esse
homem. Caso não tenha percebido, você pode ser o próximo.
— Eu? O que esse homem horrível poderia querer comigo?
— O mesmo que queria comigo. Roubar. Matar.
— Ora, francamente, Edwin! Você está vivo!
— Isso não quer dizer que ele não seja capaz de matar... ou
que já não tenha matado.
— Edwin, agora está me assustando.
— Melhor assim. Há rumores de que o Rebelde matou seu
pai.
— Realmente?
Edwin continuou falando, embriagado ou assustado demais
pura perceber a mudança no tom de Padraic.
— Sim, é o que estão dizendo. Eu ofereceria minhas
condolências, mas sei que não nutria grande carinho pelo homem.
— Entendo. — Nunca havia sido tão difícil manter a farsa.
Estava tão furioso, que desejava arrancar a peruca, erguer os om-
bros e avançar contra Edwin, Mas, sob a fúria, ainda havia uma
medida de razão. Para encontrar o assassino do pai, tinha de
continuar personificando o Rebelde, e para isso devia sustentar a
farsa.
— Quem são essas pessoas que acusam o Rebelde pela
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
morte de meu pai?
— O quê? Oh, não sei... É só um boato.
— Entendo.
— Não pode estar pensando em vingança. Você o
desprezava!
— Eu? Deve estar brincando! Falar sobre o Rebelde é
suficiente pura me deixar apavorado!
— Hum. Mesmo assim, não podemos deixá-lo impune.
— Por ter matado meu pai, ou por ter ido visitá-lo?
— Isso importa? Ele nos causou grandes problemas. O
Rebelde deve ser detido! — Edwin esvaziou o cálice.
Padraic assentiu, encheu novamente seu copo e sentou-se.
Sua Intenção havia sido amedrontar Edwin para... para quê?
Arrancar dele uma confissão pela morte de seu pai? Improvável, ao
menos por enquanto.
Mas havia outras áreas de interesse. A adorável Lilianne.
Padraic suspirou.
— Por mais que desprezasse meu pai, ainda acho que sua
morte é lamentável. Ele havia acabado de se casar com uma
mulher jovem, atraente...
— Bah!
— Não a considera atraente? Ela é um pouco pálida, mas...
— A mulher é uma bruxa.
— Uma bruxa? Deve estar brincando.
— Não brinco com essas questões tão sérias. Ela é possuída,
em seu lugar eu ficaria atento.
— Hoje você está realmente assustador. Mas, por favor, satis
faça minha curiosidade. O que fez a pobre Lilianne para merece tal
condenação... ou lisonja, dependendo do ponto de vista?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Está debochando de mim, Padraic! Acha que estou
embriagado demais para perceber? Ouça o que eu digo: ela vai
usar seu encantamentos contra você.
— Sei que é sincero comigo, mas... Ora, Edwin, acaba de
conhecer essa mulher! Como pode saber tais coisas?
— Você faz perguntas demais. Use-a, se for preciso, mas não
espere favores dessa mulher.
— Depois de ouvir o que disse, prefiro ficar bem longe da
jovem viúva.
Eram amigos. O filho de Oliver e Edwin. E por que estava
surpresa com isso? Talvez fosse desapontamento. Ela olhou pels
janela. Com o auxílio do cocheiro, lorde Dunlanoe acomodou Ed win
em sua carruagem. O visitante partia visivelmente embriagado,
estado em que, infelizmente, já o vira antes.
Lilianne afastou-se da janela. Não queria ver mais nada. Er;
suficiente saber que não teria de voltar com ele para Winston Hall.
pelo menos por enquanto. Não suportaria tal destino. E quando
entrara no salão e o vira sentado esperando por Padraic, chegara a
acreditar que esse seria o desfecho da inesperada visita.
Não que ele ainda a quisesse como esposa. Por outro lado,
matrimônio nunca havia sido seu primeiro interesse. Edwin tinha
apenas um interesse nela. Ou dois, Lilianne reconheceu com
desgosto. E o maior deles era ser curado.
E isso era algo que não podia fazer.
E agora, o que devia fazer? Escrever para o pai pedindo
permissão para voltar para casa? E ele a aceitaria, se assim
agisse? Ou Insistiria para que cumprisse a promessa de se casar
com Edwin?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Uma hora mais tarde, ainda sem ter encontrado a resposta,
Lilianne foi informada de que lorde Dunlanoe solicitava sua
presença no salão.
Ele estava ao lado da janela, de costas para a porta. A luz do
sol iluminava sua silhueta. Não era possível ver a peruca, o rosto
empoado ou as roupas exuberantes e, por um breve instante, ele
pareceu ser muito diferente do homem que ela tanto detestava.
Lilianne piscou.
Padraic virou-se, levou o lenço de renda ao nariz e piscou.
Voltou a ser quem realmente era.
— Ah, aí está você, Lilianne. Sente-se aqui.
Ela o assustara entrando sem se anunciar. Estivera olhando
para as colinas, onde seus pais jaziam no descanso eterno.
Refletia sobre o dia em que fora enviado de Dunlanoe para a
Inglaterra, onde havia sido educado. Pouco antes de partir, ele e o
pai haviam visitado o túmulo de sua mãe.
— Não deve nunca esquecer que Dunlanoe é sua herança —
seu pai dissera.
Então, por que precisava partir? Aos oito anos de idade, a
questão parecera simples. Não compreendia por que tinha de
abandonar o lugar que mais amava no mundo, a única família que
tinha. E seu pai não pudera dar explicações. Anos depois,
compreendera que a única maneira de preservar tudo que tinha era
fingir ser alguém que não era.
Sonhar acordado era um luxo a que não podia se entregar.
Não com lady Lilianne morando na casa.
— Queria me ver por alguma razão específica? — Se Edwin a
queria de volta, precisava saber.
— Apenas para ver seu belo rosto.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
A resposta rápida era muito próxima da realidade, mas
também estava curioso. Ela havia encontrado o Rebelde na noite
anterior. E não dissera nada. Interessante. Ficara apavorada o
bastante para mentir e tremer. Sentira os ecos de seus arrepios
quando a beijara.
Um beijo que não passara de uma grande tolice.
— O que está achando de seus aposentos?
— Confortáveis. Tem certeza de que não prefere ocupá-los?
— Não, não. Deve ficar onde foi acomodada quando meu pai
era vivo. Meus aposentos são muito satisfatórios. — Sem falar que
precisava do túnel secreto.
— Bem, na verdade, estava pensando se... Se poderia ser de
alguma serventia, já que planeja manter-me aqui.
— Serventia? Não entendo...
Ele não questionou sua afirmação quanto a mantê-la no
castelo. Lilianne quase deixou escapar um suspiro de alívio.
— Bem, durante o tempo em que minha mãe esteve doente,
eu cuidei da casa e de meu pai.
— Ocupou o lugar da senhora da casa, então?
— Exatamente. Sei que sou pouco mais que uma hóspede
aqui, mas como não tem esposa, pensei que poderia...
— Era a senhora da casa de meu pai?
— Estive aqui por pouco tempo antes de ele morrer.
— Entendo.
— Se não gostou da idéia...
— Não, não... Seria ótimo. Isto é, se você quiser, é claro.
— Eu quero. E também pensei que poderia ajudar com o
jardim. Plantar ervas, se não se incomodar.
— Ervas? Sim, sim, é claro. Como quiser.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ela se manteria ocupada e fora de seus assuntos.
— Minha conversa com sir Edwin foi muito interessante. Ele
estava... agitado.
— Realmente? E ele disse por quê?
— Oh, sim! Parece que recebeu um visitante ontem à noite.
Lilianne relaxou.
— O Rebelde.
— Quem?
— Deve ter ouvido falar no lendário mascarado. Ele vaga pela
noite, roubando dos ricos para dar aos pobres.
— Ouvi histórias — ela conseguiu murmurar.
— Bem, de acordo com nosso bom amigo sir Edwin, essas
histórias são verdadeiras. Ele jura que o homem esteve em seu
quarto ontem à noite.
— De fato? E o que mais disse sobre o Rebelde?
— O que mais? — Ele fingiu desinteresse. — Bem, várias
coisas.
— Ele foi roubado?
— Sim. E deve ter sido uma grande soma.
Lilianne podia imaginar. Parte dessa fortuna estava escondida
em seus aposentos, sob o colchão.
— É claro que ele jurou vingança.
— É claro.— Precisava pensar em um meio de esconder
melhor aquela bolsa.
— Ele jura que terá a cabeça do Rebelde e de qualquer
pessoa que o ajude em suas façanhas. Planeja trazer tropas
britânicas para ajudá-lo na captura. Está se sentindo mal, Lilianne?
— Sim, mas...
A resposta foi interrompida por batidas na porta. Coyle entrou
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
antes que o lacaio pudesse anunciá-lo. Ele parecia surpreso por ver
Lilianne.
— Ah, Coyle, chegou bem a tempo de participar da nossa
conversar sobre aquele horrível vilão, o Rebelde.
— Falavam sobre o Rebelde? — Coyle sentou-se.
— Sim. Ele esteve na casa de sir Edwin ontem à noite. E
roubou muito dinheiro.
— Que... infelicidade para ele.
— Realmente. Receio ter assustado a querida Lilianne com
essa conversa.
— Não se incomode — ela disse.
— Bem, pelo que Edwin disse, acho que eu devia estar
apavodo — Padraic suspirou.
Coyle sugeriu que Padraic o acompanhasse em um passeio
pelos penhascos, e os dois se despediram de Lilianne.
— Perdeu o juízo? — Coyle começou agitado assim que
passaram pela porta. — Tem idéia do perigo que está correndo?
— Acalme-se, por favor. Lilianne pode estar nos observando
pela janela.
— Bobagem! Ninguém pode nos ver aqui. E, mais importante
é impossível ouvir o que estamos dizendo.
Ele estava certo, ou Padraic jamais teria escolhido esse
momento para falar sobre as aventuras do Rebelde na noite
anterior.
— Você sabia que eu pretendia ir à casa de Edwin, Coyle.
— Sim, e nunca concordei com essa idéia absurda. De que
adiantou se expor a tão grande risco? Você já havia reconhecido
que ele não diria nada sobre a morte de seu pai.
— Isso era o que eu pensava. Mas ele teve a audácia de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
acusar o Rebelde.
— Ora, o Rebelde é acusado por tudo, de donzelas deflorada
a dias chuvosos. Sabe disso, não?
— Sim, e... não tive nada a ver com o bebê de Nora Blaney.
— Oh, mas poderá dizer o mesmo de Lilianne Rafferty?
— Lilianne? Do que está falando?
— Não me contou que a encontrou no penhasco ontem à
noite
— Mas não aconteceu nada que possa resultar em um bebê,
eu garanto. Além do mais, a mulher já se casou. — Com seu pai...
— Mas não foi casada por tempo suficiente para ter um bebê.
— E daí? Isso não muda os fatos.
— Que fatos?
— Está brincando com fogo, Paddy. Acha que não percebo?
— Não percebe o quê? Coyle, está agindo como uma velho
outra vez.
— Diga o que quiser, Paddy, mas eu vi como olhava para ela
— Quem?
Coyle não respondeu. Padraic sabia bem de quem estava
falando.
— Ela é linda, Paddy, e sei que mulheres bonitas são seu
fraco Mas deve lembrar quem ela é.
— Sei bem quem ela é e quem é o pai dela.
— Não pode se expor ao risco de ser reconhecido.
— Edwin estava preocupado demais com algumas gotas de
sangue para me reconhecer.
— E Lilianne?
Lilianne.
Naquela noite, Padraic sentou-se diante dela na sala de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
música e pensou se teria sido reconhecido. Diria que não. Mas não
apostaria sua vida nisso.
Além do mais, não era apenas sua vida que estava em jogo
ali. Tinha de pensar em Shamus, Alison, Coyle, e na tripulação do
The Rebel's Pride. Embora participassem apenas do contrabando,
se Padraic caísse... Bem, não havia como saber quais seriam as
ramificações.
Lilianne havia sido enviada para espioná-lo? Coyle
considerava a possibilidade, e até Padraic a julgava possível. Por
que mais ela estaria ali?
Precisava ser cuidadoso. Não dissera nada a Coyle, mas ela
o atría. E a idéia não era das melhores. Não mesmo.
— Sabe tocar? — Padraic apontou para a arca em um canto
da sala. — É muito aborrecido ficar sentado aqui sem nenhum
entretenimento.
— Não sou grande musicista. O tutor contratado por meu pai
nunca escondeu seu desapontamento comigo.
— Não pode ser tão ruim! Por favor, toque. E cante, também.
Preciso me distrair.
Resignada, Lily levantou-se e caminhou até o instrumento.
Padraic também se levantou, mas não a acompanhou. Em vez
disso, sentou-se ao lado da janela, cercando-se pela escuridão.
Lilianne preferia assim. Não apreciava o código de vestuário
do filho de seu falecido marido, e quanto menos tivesse de vê-lo,
melhor. Ela começou a tocar.
Padraic pensou que já ouvira coisas bem piores. E melhores,
também. A verdade era que não havia nada de inspirador na
música. Não tinha importância. Normalmente, não passava suas
noites ouvindo melodias harmoniosas. Raramente passava a noite
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
como lorde Dunlanoe.
Antes de Lilianne, quando o pai era vivo, costumavam
dispensar os criados, retendo apenas Shamus, que sempre os
acompanhava à biblioteca. No aposento privado, jogavam xadrez,
falavam sobre o clima político ou liam.
Sentia falta dessas noites ao pé da lareira.
De repente, as notas extraídas da harpa soaram mais
harmoniosas e delicadas.
— Recebeu alguma instrução especial para tocar instrument"
de corda?
— Não. Na verdade, sempre tive um interesse especial pela
harpa.
O novo som o atraiu para o canto da sala onde ficava o
instrumento.
— A harpa...
— É linda! — ela suspirou.
— Foi de minha mãe.
— Oh... Desculpe-me. Não devia ter sido tão presunçosa.
— Não, por favor! Ela gostaria de saber que alguém aprecia
sua harpa.
— Sua mãe tocava bem?
— Não sei. Ela morreu quando eu era um bebê. Mas meu pai
sempre elogiava seu talento musical. Mesmo depois de tantos ano
sempre manteve a harpa afinada.
— Ele a amava muito.
Padraic encarou-a, e por um momento esqueceu que ela
também havia sido esposa de seu pai. A força daqueles olhos o
hipnotizava. Seria capaz de fitá-los para sempre. E poderia...
Padraic desviou o olhar, percebendo que o coração batia d
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
pressa e a respiração era arfante. O que estava acontecendo? No
malmente, não se deixava abalar por olhos luminosos e rosto
delicados. De que estavam falando? Oh, sim, de amor.
— Suponho que sim — respondeu, voltando à cadeira. Estava
quase chegando, quando se lembrou do olhar afetado de lorde
Dunlanoe.
Maldição! Acabaria se traindo.
— Lilianne, acho que vou... — Planejava se retirar, mas o so
envolvente da harpa o interrompeu. Ele se sentou e calou.
Ela começou a cantar. Era uma história de amantes, um
inglês e uma irlandesa. Tristão e Isolda. Ouvira a história antes,
mas nunca cantada com tanta sensibilidade. Invejava a harpa pelas
carícias daquelas mãos delicadas.
A música chegou ao fim. O aplauso quebrou o encanto.
Surpreso, lorde Dunlanoe olhou para a porta e viu quase toda
a criadagem reunida, fascinada e emocionada.
Até Shamus tinha o rosto molhado, embora, mais tarde,
negasse as lágrimas.
— Afirmo que ela é do mundo das fadas — ele disse
enquanto pendurava a jaqueta amarela no cabide.
— Esteve conversando com a sra. Ferguson?
— E se estive? Tem de admitir...
— Só porque ela sabe tocar harpa?
— Ela não tocou a harpa. Ela a enfeitiçou! Você viu.
— Vi uma bela mulher executando uma melodia...
— Uma canção irlandesa.
— Que seja. Uma canção irlandesa.
— Por que insiste em negar o que viu com seus próprios
olhos? É teimoso demais para confessar um erro? Ela pertence ao
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
mundo das fadas, ou meu nome não é Shamus 0'Hare.
— Ele morrerá sem você, e só tem cinco anos de idade!
— Sra. Ferguson, por favor! E claro que farei tudo que puder
por seu neto. Se me disser onde ele está, mandarei vir um médico
da cidade. — Talvez houvesse encontrado um bom uso para o
dinheiro escondido em seu quarto.
— Nenhum médico poderá salvá-lo. Ele precisa da sua ajuda,
milady. Do seu poder de cura.
— Sra. Ferguson...
— É dinheiro que quer? Ou o meu trabalho?
— Não! Eu só... Não posso fazer o que me pede.
— Não pode... ou não quer?
Lilianne caminhou pela sala onde ficavam guardados os
lençóis, as toalhas e outros tecidos do castelo. A sra. Ferguson a
chamara ali para fazer seu pedido.
— Não posso. Essa idéia de que tenho o poder...
— Vai me dizer que nunca curou ninguém?
— Não é isso. Mas... Isso foi há muito tempo. — Antes de
tentar curar a própria mãe. E ter fracassado.
— Não estamos falando de uma habilidade que se pode
esquecer, mas de um dom. Ouvi você tocar ontem à noite.
— Foi só uma canção. E se algum dia tive um dom, ele me foi
tirado. Escute, já tentei... Tentei, e foi em um momento em qua
nada era mais importante no mundo do que poder curar alguém. E
não consegui. Não tenho esse poder. Não mais.
— Mas...
— Deixe-me providenciar um médico. E remédios. Deve have
algum no castelo. Mostre-me onde estão, e iremos juntas visits seu
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
neto.
— É inútil. O menino morrerá.
— Podemos dar a ele algum conforto.
No final, ela praticamente ordenou à governanta que abrisse
armário dos remédios. Depois, Lilianne enviou um criado à cidade e
ordenou que uma carruagem fosse preparada. Durante todo esse
tempo, pensou que lorde Dunlanoe poderia considerar suas
atividades um pouco ortodoxas. Mas ele saíra para passar o dia
todo fora, talvez mais tempo, e não deixara nenhum recado ou
aviso. Não que tivesse de dar satisfações, é claro. Não a ela.
Naquela manhã, quando fora fazer seu desjejum, Shamus a
informara sobre a saída de seu senhor. Só isso.
Melhor assim. Ele não era uma companhia agradável. E,
felizmente, obtivera sua autorização para atuar como senhora da
casa e agora se sentia à vontade para tomar decisões.
A carruagem seguia pela estrada de terra. Lilianne olhou pela
janela e viu, pela primeira vez, o território além do parque d castelo.
Os campos eram produtivos, e os agricultores pareciam mais
prósperos do que ela havia imaginado.
— Nosso senhor nos trata bem — comentou a sra. Ferguson
como se pudesse ler seus pensamentos. — Há sempre alimento um
lugar confortável para repousar a cabeça.
— É bom saber disso.
— Alguns não gostam dele por conta de seu relacionamento
com o antigo senhor.
— Por quê? - Ele tomou do pai a terra e o título. Não sabia?
— Sim, acho que sabia. — Oliver mencionou que o castelo
pertencia ao filho, como o título, mas nunca acusara lorde Dunlanoe
de nada.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Mas ele tem sido bom para nós. E também foi bom para
seu pai, que Deus o abençoe.
Isso parecia ser suficiente para a sra. Ferguson, Lilianne
decidiu Abster-se de qualquer julgamento.
A casa de colonos diante da qual a carruagem parou era feita
de pedra e telhado de sapé. Dentro dela, o ar cheirava a palha e
nulidade. A filha da sra. Ferguson caiu de joelhos diante de Lilianne,
segurando suas mãos e agradecendo emocionada por sua
presença.
A sra. Ferguson segurou a filha pelos ombros e a pôs em pé,
levando-a para o outro lado da cabana. Lá, em voz baixa, elas
conversaram, ambas olhando na direção da visitante.
Desconfortável, ela olhou em volta e viu o menino.
Ele estava deitado em uma cama estreita ao lado do fogo, seu
rosto pálido e os olhos fundos e apagados. Tocada pela cena de
dor e sofrimento, ela se aproximou dele e, ajoelhada no chão, sentiu
um desejo incontrolável de tocar a face magra. Os dedos tocaram a
pele seca e prolongaram o toque.
De repente, sua mão ficou quente. Palavras estranhas, quase
sons incompreensíveis, brotavam de seus lábios.
— Shawn. O nome dele é Shawn. Lilianne ouviu as palavras
muito distantes, mas incorporou-as à ladainha.
— Shawn, você precisa melhorar. Você vai melhorar.
Enquanto falava, sentia a energia fluir por seu corpo até as mãos,
por onde era transmitida para o corpo do menino.
— Não tenho medo, Shawn. Quero ajudá-lo. Deus quer ajudá-
lo.
O fluxo tinha mão dupla. A energia curadora fluía de seu
corpo para o dele. A enfermidade fluía do corpo da criança para o
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
dela.
Muito tempo depois, ela abriu os olhos e viu o sorriso aliviado
do menino.
— Agora descanse. Virei vê-lo novamente quando acordar. —
Lilianne disse enquanto se levantava.
Seus joelhos cederam, e um homem que ela não havia visto
antes correu a ampará-la. Tudo que Lilianne queria era se deitar e
dormir.
— É lady Lilianne Rafferty?
— Sim, sou eu.
— Sou o dr. Rufus Maxwell. Vim a pedido seu.
— Oh, sim... O menino... Shawn... Está muito doente.
— E o que fazia com essa criança?
— Eu... — O que poderia dizer?
— Como homem da ciência, não acredito em bruxaria.
— Nem eu, doutor. — Quantas vezes vivera essa mesma
situação antes? Velhas lembranças tentavam invadir sua mente. —
Talvez deva examiná-lo.
Sozinha, ela deixou a choupana e enxugou uma lágrima
furtiva Havia acontecido novamente. Como?
Depois da tentativa com a mãe, passara a ter certeza de que
havia perdido o dom, ou o que quer que fosse.. Naquela época,
havia implorado a Deus pela realização do milagre... pela salvação
de sua mãe. Mas nada acontecera.
Sua mãe morrera. E, com ela, morrera também todo o amor
que seu pai um dia havia sentido pelo fruto daquela união.
— Lady Lilianne.
Ela se virou e viu o médico correndo em sua direção. Seu
rosto estava vermelho.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— O que foi? Shawn piorou?
— Piorou? Francamente, não entendo por que me chamou
aqui.
— Porque... O menino está doente.
— Para mim ele parece ótimo. Para comprovar suas palavras,
Shawn apareceu na porta da casa e correu na direção de Lilianne.
Quando o menino a alcançou, ela estava de joelhos para recebê-lo
entre os braços.
— Mamãe disse que só estou em pé graças a você.
— Pois eu acho que é graças a você mesmo. Venha, vamos
falar com sua mãe e sua avó.
Em pouco tempo a notícia se espalhou por Dunlanoe. Lilianne
era assunto de todas as conversas, alvo de de todos olhares. Os
criados a tratavam com reverência, temor e, sim curiosidade.
Todos, exceto Shamus, um homem direto que, em sua
opinião, não combinava com o temperamento de seu senhor,
alguém que não tolerava familiaridades, especialmente seus
subalternos. Mas Shamus não parecia se incomodar com isso.
Falava sem pedir licença, expressava suas opiniões sem mede de
retaliação e parecia ser o orador da criadagem.
Naquele dia Lilianne o encontrou perto do estabulo, quando
se preparava para cavalgar numa tentativa angustiada de encontrar
paz.
— vai cavalgar, senhora?
— Sim, eu vou.
— Ouvi dizer que curou o jovem Shawn O'Mally
— A sra Fergunson adora aquele neto. Não imagina o bem
que fez a ela. Não me surpreenderia se sua refeição fosse especial
esta noite. Curar os enfermos é um gesto de nobreza, senhora. Não
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
devia envergonhar disso.
— Não me envergonho.
— Ah, é bom saber disso! Dons como o seu devem ser
celebrados.
— O que sabe sobre mim?
— Sei mais do que pode imaginar.
Nesse momento, lorde Dunlanoe saiu do estábulo puxando
um animal pela rédea.
— Decidi acompanha-la, embora deteste cavalgar. Não
suporto O cheiro dos cavalos, sabe?
— Senhor, não se incomode por mim. Cavalguei todos os
desde que cheguei e não tive problemas.
— E o Rebelde?
— Não creio que deva temê-lo.
— Pois minha opinião é outra, senhora.
— Lorde Dunlanoe, nada possuo de valor. Nada que o
Rebelde possa roubar.
— Não se subestime, Lilianne.
Havia algo em seu tom, algo diferente que a fez interromper o
gesto de montar. Os olhos azuis tinham um brilho diferente, uma
luminosidade que...
Não. Devia estar imaginando coisas. Os olhos de lorde
Dunlanoe eram frios e superficiais como sempre.
Ele se aproximou para ajudá-la a montar e, sem hesitação ou
esforço, segurou-a pela cintura e a pôs sobre o cavalo. O homem
era mesmo surpreendente. Mesmo depois de acenar e partir num
trote lento, ela ainda levava a impressão das mãos em sua cintura e
sentia o calor de um rubor intenso no rosto.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic esperou alguns instantes. Depois chamou um
cavalariço e ordenou que a seguisse.
— O que está tentando fazer, Paddy?
— Ela precisa de um acompanhante. Só isso.
— Para mantê-la a salvo do Rebelde? — Shamus continha o
riso.
— Não se esqueça de que meu pai foi morto perto daqui. É
óbvio que há mais alguém a temer além do Rebelde.
— Sim, mas não era sobre isso que eu falava.
— Sobre o que falava, então?
— Você sabe. Para começar, teve sorte por ela ainda não o
ter surpreendido num momento de guarda baixa. Ela poderia ter
entrado no estábulo a tempo de vê-lo vestindo um de seus belos
casacos.
— Sim, mas não entrou.
Graças a mim, que a detive. E não foi fácil. A mulher é
determinada.
—Talvez ela tenha adivinhado que eu estava lá dentro
mudando de roupa.
— Gosta de pensar nessa possibilidade, não é?
— Do que está falando agora?
— Acha que a idade me fez cego? Ainda tenho bons olhos
para certas coisas.
— Que coisas?
— O que está pensando sobre essa mulher não é certo,
Paddy, Você sabe disso.
— O que estou pensando sobre ela? Ficou maluco? —
Padraic forçou uma gargalhada. — Oh, eu já devia esperar essa
atitude de alguém que disse tantas tolices sobre o neto da sra.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ferguson. Pensou que eu não estivesse ouvindo?
— Mais cedo ou mais tarde vai ter de aceitar o que todos nós
sabemos. Essa mulher tem o toque.
— Oh, por Deus, essa tolice de fadas novamente? Não! Ela é
só uma mulher.
— Hum... Ela curou o neto da sra. Ferguson.
— Que devia estar apenas resfriado e melhorou com o tempo.
O que mais ela fez? Ah, sim, a harpa. Admito que ela toca o
instmmcnto como ninguém, mas isso só sugere que a mulher teve
um bom tutor.
— Ela não tocava tão bem no início da audição. De repente
adiquiriu essa habilidade?
— Shamus...
— Muito bem, se prefere acreditar nisso...
— Prefiro.
— Em seu lugar, eu ficaria mais atento, porque ela já o
enfeitiçou.
— O quê?
— Está dominado por um encantamento de amor.
Encantamento de amor. Francamente!
Padraic cavalgava sem pressa, protegido pelo manto escuro
da noite.
Uma noite perfeita para o Rebelde.
Ele se aproximou da bifurcação da estrada e esperou. Edwin
e seus convidados logo estariam passando por ali a caminho de
casa, de volta das tavernas de Kilroyne. O próprio Edwin enviara
um mensageiro convidando-o a integrar o grupo.
Padraic declinara pretextando cansaço.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Já podia ouvir o som de cascos se aproximando. A
antecipação o dominava. O momento da ação havia chegado.
Padraic sacou pistola e cravou os calcanhares nos flancos de
Raven.
— Quietos. Entreguem tudo que têm—ordenou, saltando com
uma aparição do meio das árvores.
Aparentemente, o cocheiro não tinha nenhuma intenção de
morrer defendendo seu senhor e o grupo de convidados, porque
deteve o veículo imediatamente. Ele e seu ajudante ergueram as
mãos.
— Desçam daí. E abram as portas. Os dois homens
obedeceram.
— E mesmo o Rebelde? — indagou o cocheiro com um mist
de temor e admiração.
— Sim, eu sou. Não é verdade, sir Edwin?
— Maldição! O que quer agora? Não basta ter ido à minha
casa.
— É evidente que não. Agora desçam. Todos vocês.
Três homens saltaram da carruagem com grande dificuldade
embriagados como estavam, e só então Edwin saltou.
— Cocheiro, recolha as armas desses cavalheiros —
determinou Padraic.
Um minuto depois, havia três pistolas e uma espada no chão.
— O que quer de nós, afinal? — indagou um dos integrante
do grupo, um cavalheiro cuja peruca insistia em cair para o lado
esquerdo de sua cabeça.
— Seu dinheiro, senhor. Por favor, comecem a se desfazer de
todos os bens que possuem.
— Isso é um ultraje! — protestou um dos nobres.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Chame do que quiser, cavalheiro, mas entregue o que tem
i ou, além de ultrajado, em breve estará morto.
— Não vai escapar ileso — Edwin o ameaçou.
— Não conte com isso. Agora, voltem todos para o coche. E
agradeçam a todos os santos por eu não estar com disposição para
derramar sangue. E você!
— Eu?
— Sim, você. Ponha essa peruca na pilha de objetos no chão.
Gostei dela.
O homem arrancou-a tão depressa, que causou uma nuvem
de pó. Depois de jogá-la ao chão, ele correu para dentro do veículo.
Padraic esperou até o grupo desaparecer além de uma curva
na estrada, e só então desmontou para recolher todos os bens
roubados e as armas. Queria concluir o episódio rapidamente.
Estava cansado, pois havia passado a manhã toda ajudando a
descarregar um contrabando de seu navio, e mal podia esperar
para ir para a cama.
Mas seus planos foram alterados pela imagem da mulher
sobre o penhasco.
Lilianne sabia que corria grande risco. Na última vez, quase
não conseguira escapar sem que o Rebelde descobrisse sua
verdadeira identidade. Então, por que desafiava a sorte?
Quando ouviu o ruído de cascos batendo contra o chão, ela
sentiu o coração bater mais depressa. Lá estava ele, desmontando
e caminhando em sua direção. Sentia medo, é claro. Mas não
conseguira apagar da memória a lembrança do beijo...
— Então, Lily, vejo que voltou a idolatrar a noite...
— Como você.
— E ainda está descalça. As moedas que lhe dei não foram
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
suficientes?
— Não gastei o dinheiro. — Lilianne ofereceu a bolsa que le-
vava sob o xale. — Não posso aceitá-lo.
— Por que não?
— Meu... pai não permitiria.
— O homem mudo?
— Sim. Não... Quero dizer, há meios de comunicação pelos
quais ele me faria saber sua opinião. Não que não seja grato, é
claro.
— É claro.
— Ele apenas... sente que não é correto ficar com o dinheiro.
— Por gostar de ver os filhos descalços?
— Não está sendo justo, senhor. Meu pai não tem culpa pelas
pelas diculdades que castigam nossa família.
— Não culpei ninguém.
— Além do mais, a relva é macia e morna, agora que a
primavera chegou.
— Estamos sobre as rochas, doce Lily. Ela se virou para
esconder um sorriso, tocada pela forma de tratamento.
— Talvez, se eu lhe der mais dinheiro...
— Por Deus, não! Por favor! — Havia sido difícil abrir daquela
quantia. Se tivesse mais... Já havia deixado algumas moedas com a
família de Shawn.
— Só queria que ficasse com uma pequena quantia para uso
pessoal.
— Não. Obrigada. Deve entender meu orgulho.
— Orgulho não alimenta nem veste crianças, não salva o que
resta da colheita de um homem depois de um longo período de
seca, não... — O Rebelde calou ao sentir o olhar intenso cravado
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
em seu rosto.
Ela parecia fascinada. Normalmente, não manifestava sua
opinião sobre a pobreza que o cercava. Era Coyle quem filosofava.
Ele buscava aventuras.
— Diga a seu pai para ficar com o dinheiro, doce Lily.
— Então, preocupa-se realmente com eles, não é?
— É claro que sim. Já lhe dei dinheiro, não? Para seu pai
mudo e seus nove irmãos.
— Sete.
— Ah, sim, sete.
— Não vamos falar deles.
— Como quiser. Sobre o que falaremos, então?
— Não sei. Sobre a terra, talvez. Há uma beleza selvagem
nela não acha?
— Confesso que a paisagem que vejo agora me encanta.
Lilianne o encarou. Ele a fitava com uma intensidade que a
fez esquecer o vento frio. Foi impossível conter um sorriso.
Vivia uma fantasia. Esse homem não conhecia sua verdadeira
identidade. Podia ser quem quisesse. E era apenas Lily, filha < um
agricultor pobre. O sentimento de liberdade era inebriante.
Mesmo assim, não podia esquecer quem realmente era.
— Não devia estar dizendo tais coisas, senhor.
— Mesmo que sejam verdadeiras?
— Especialmente nesse caso.
— Bem, vejamos... Não podemos falar sobre seu pai. Nem
sobre seus sete irmãos. Não posso elogiar sua beleza. O que me
resta?
— Você?
— Um assunto interessante, sem dúvida, mas que não
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
devemos explorar.
— Tem razão. Não que eu tenha tentado...
— Descobrir quem sou?
— Sim. Quero dizer, não. Não estava.
— Não a acusei de nada.
— Então... sobre o que falaremos?
— Sobre a lua. As estrelas. O sol.
— Assuntos superficiais.
— Certamente. Mas você parece sentir frio, Lily. Não devia
retê-la aqui.
— Não, eu... estou bem. Realmente.
Mesmo assim, ele a abraçou e envolveu com sua capa. Devia
protestar, mas não se sentia capaz disso. Não conseguia
pronunciar as palavras. Estava tremendo, abalada, e precisou
segurar-se nos ombros fortes para não cair.
O gesto foi o incentivo de que ele precisava.
— Pensei muito em você, Lily. E não me diga que eu não
devia dizer isso. — Sabia que não devia nem estar ali, mas tudo era
mais forte que ele.
Sem tentar resistir ao impulso, Padraic beijou-a.
Lilianne correspondia ao beijo e queria mais. Muito mais.
Nada em seu passado a preparara para a experiência inebriante, e
ela nem pensava em resistir.
E de repente, tudo acabou. O Rebelde recuou um passo,
segurando-a pelos ombros. Impedindo uma reaproximação.
Estava perdendo o juízo? Padraic respirou fundo, tentando re-
cuperar a razão. A mulher diante dele não era filha de um colono,
nem uma criada da taverna. Aquela era a viúva de seu pai! Uma
inglesa cujo pai havia jurado levá-lo à forca. Beijá-la... tocá-la era a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
última coisa que devia estar fazendo. Mas a tentação era grande.
Muito grande.
— Devo estar louco. E você também.
— Sim, sim, é claro. Tem razão. Eu não... — Uma mistura de
choque, temor e vergonha a impediram de prosseguir.
Padraic não tentou detê-la quando ela se afastou correndo.
Perturbado, aproveitou esse momento para desaparecer na noite
escura.
Lilianne parou depois de alguns instantes, tentando recuperar
o fôlego. O que estava fazendo?
O primeiro encontro com o Rebelde fora acidental, mas hoje...
Soubera exatamente o que esperava quando deixara sua cama
para ir ao penhasco. A esperança de revê-lo a levara para fora do
castelo na calada da noite. E ansiara pelo beijo, pelo toque
daquelas mãos.
Não podia mais se expor dessa maneira. Nunca mais. E essa
certeza fazia pesar seu coração encantado.
Temia estar apaixonada por aquele que todos chamavam de
Rebelde.
— O amor o transformou numa velha.
— Não me venha com essa, Paddy. É você quem está em
discussão aqui. Alison não tem nada a ver com isso — Coyle
protestou com firmeza.
Havia entrado no quarto do amigo cerca de quinze minutos
antes usando o túnel secreto. Padraic lamentou ter ensinado esse
caminho ao companheiro de aventuras. Desde esse dia, nunca
mais conseguira dormir em paz.
— Tem razão, não sei mais o que estou pensando —
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
confessou resignado. — Não quis desrespeitar sua esposa. Longe
disso.
— Eu sei disso. Caso contrário, já o teria esmurrado.
Os dois riram. Sabiam que jamais haveria qualquer tipo de
embate entre eles.
Padraic reconhecia que Coyle estava certo em chamá-lo à
razão. Era um idiota por arriscar tudo por um encontro clandestino
no penhasco. Sabia disso, e em nenhum momento planejara
informar o amigo sobre sua aventura, mas... Coyle era astuto e
observador. E sabia como arrancar as informações que julgava
necessárias.
O dinheiro roubado de Edwin havia sido a primeira pista. O
que fora feito dele? Padraic entregara as duas bolsas que deveriam
ser repartidas entre os pobres. E, sem pensar, mencionara a
terceira como Lilianne havia tentado devolvê-la na noite anterior.
— Ontem à noite? Você a viu novamente ontem à noite?
Padraic revelara tudo sobre o encontro, provavelmente por
estar acordando de um sonho muito doce e quente. Não tivera
nenhuma chance de defesa.
— Tem certeza de que ela não o reconheceu?
— Sim, eu tenho. — Padraic prendeu os cabelos com uma tira
de couro e colocou a horrível peruca empoada. A metamorfose
começava. Sabia o que Lilianne pensava sobre lorde Dunlanoe. I la
nunca o confundiria com o ousado Rebelde. — Ela jamais vai
imaginar que o Rebelde e lorde Dunlanoe são o mesmo homem.
— Ótimo. Não...?
— Sim, é claro. Não tenho intenções de me deixar arrastar
para a forca. Deve ser muito... desconfortável.
— Mas...?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Mas o quê? Do que está falando?
— É você quem deve me dizer. Sinto uma certa hesitação de
sua parte.
— Não tenho idéia do que pode significar esse seu
comentário.
— Não? Paddy, está sentindo alguma coisa por essa mulher?
— Você perdeu o juízo? Ela é viúva de meu pai! E é filha de
um lorde inglês, um homem que jurou capturar-me e enforcar-me.
— Padraic sentou-se ao toucador para empoar o rosto. A nuvem de
pó provocou um ataque de tosse que atraiu a presença de Shamus
ao quarto.
— O que está acontecendo aqui?
— Maldição! Um homem não tem privacidade em seus
aposentos?
— Ei, não tenho culpa se ficou até tarde sobre o penhasco
cortejando uma mulher — Coyle respondeu ofendido.
Shamus olhou para os dois com surpresa e curiosidade.
Padraic decidiu que, se tivesse dois ou três anos, talvez
pudesse lembrar por que Coyle era seu melhor amigo.
Shamus arrancou da mão de seu senhor a esponja com pó.
— O que está tentando fazer? Sufocar-se? Por favor, deixe
isso comigo, sim? E que história é essa sobre ter ido encontrar uma
mulher ontem à noite?
— Pelo amor de Deus, parem de me interrogar como se eu
fosse um garoto! E você, Coyle, o que veio fazer aqui?
— Esse seu mau humor, Paddy... — Shamus interferiu.—
Deve ser a dor na perna. Por que não pede a lady Lilianne que dê
uma olhada no ferimento?
— Ninguém vai me submeter a encantamentos.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— A menos que ela já o tenha encantado.
— Pare com isso!
— Parar com o quê?
— Ah, esqueça... — Lilianne, ou Lily... Enfim, ninguém havia
lançado encantamento algum sobre ele. Primeiro, porque ela não
era bruxa ou fada, nem tinha qualquer poder mágico como suge-
riam todas as pessoas por ali. E segundo, porque... Ah, porque não
estava apaixonado. — E então, não vai me dizer por que veio?
Coyle balançou a cabeça.
— Não trago boas notícias. Estão dizendo no vilarejo que sir
Edwin enviou um mensageiro a Dublin.
— E daí?
— Ele solicita a presença de tropas britânicas na área.
— Já aconteceu antes — Padraic respondeu, apesar da
evidência preocupação em seus olhos.
— Sim, mas parece que, dessa vez, sir Edwin solicita alguém
especial no comando das tropas.
— Quem?
— Não ouvi nenhum homem, mas parece que o homem esta
confiante demais. Bem... Acho que devemos recuar.
— Está sugerindo que o Rebelde saia de cena? Não podemos
fugir assustados cada vez que alguém ameaça capturar-nos!
— E também não podemos andar por aí correndo riscos
inúteis.
— Ah... E a escuna? Já foi descarregada?
— Sim, conseguimos levar toda a mercadoria para as
cavernas. Paddy, não quero que pense que sou ingrato ou...
— Não precisa se justificar, Coyle.
— Mas é você quem arrisca a vida e... vive essa mentira.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic levantou-se para vestir a casaca coberta de rendas e
passamanarias. Sentia-se ridículo. Antes até apreciava personificar
o lorde ultrajante e exagerado. Era uma diversão. Mas depois da
morte do pai e da chegada de Lilianne ao castelo, tudo perderá a
graça. Não gostava de ver a repulsa no olhar dela.
De qualquer maneira, não podia simplesmente interromper as
atividades do Rebelde. Ainda havia muito a ser feito. Muitos
irlandeses mal conseguiam alimentar e vestir seus filhos.
— O Rebelde vai continuar agindo, mas creio que deva ir
buscar suas vítimas em locais mais distantes.
— Vai deixar sir Edwin em paz? — quis saber Coyle.
— Não sei se será possível.
— Mas...
— Acredito que ele está ligado à morte de meu pai. E
pretendo descobrir se minhas suspeitas são verdadeiras.
— Como?
— Não sei. Mas, se confirmar minha desconfiança, pretendo
matá-lo. E agora, se me dão licença, ofereci-me para conduzir
minha querida madrasta a Kilroyne.
Um dia inteiro com lorde Dunlanoe. Lilianne não sabia se
poderia suportar. Mas era preciso. Havia sido gentileza dele sugerir
a excursão ao vilarejo, embora, francamente, não pudesse entender
suas razões para tal feito.
Ele não parecia apreciar sua companhia. Não aceitara com
alegria seu casamento com Oliver. Por outro lado, também não a
expulsara do castelo. Não a obrigara a voltar à casa do pai. E, mais
importante, nunca comentara a cura que realizara em sua
propriedade.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ainda não.
Em resumo, seria capaz de sobreviver ao dia na companhia
do enteado. E se alguma coisa a aborrecesse, deixaria as
lembranças distraírem seus pensamentos. Recordaria o calor dos
braços Rebelde, a paixão de seus beijos, e assim tornaria o dia
muito m agradável.
— Ah, aí está você, Lilianne, querida. Ela forçou um sorriso e
virou-se para cumprimentar lorde Dunlanoe. Mas, em sua
imaginação, pensava estar diante do Rebel
— Não vejo nada de interessante aqui. Lilianne olhou pela
janela da carruagem.
— Não mesmo, lorde Dunlanoe? Considero o vilarejo mui
charmoso.
— Charmoso? — Precisava disfarçar sua satisfação. Sempre
havia apreciado Kilroyne com suas casas simples de pescadores
suas ruas movimentadas, mas não podia revelar suas verdadeira
preferências. — Não se compara a Londres. — Um lugar sujo
enfumaçado e barulhento que detestava.
— Não gosto muito de Londres.
— Por quê?
— Bem, talvez porque Londres também não gostou muito
mim.
O cocheiro parou a carruagem na principal rua de Kilroyne.
Padraic esperou que a escada fosse baixada e desceu, estendendo
a mão para ajudá-la, esquecendo-se de que lorde Dunlanoe jamais
faria tal coisa. Para compensar o deslize, ele se afastou assim que
a viu segura em solo firme, levando ao rosto um lenço de renda
perfumada.
— Peixe... — A palavra sugeria desdém.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— É assim que os habitantes ganham a vida?
— Atualmente, sim. Kilroyne já foi um porto importante.
— O que aconteceu?
Padraic quase disse que os ingleses é que haviam
acontecido, mas deteve-se a tempo. O comentário não seria bem
recebido. Não que não fosse verdade. As Leis Penais haviam
estrangulado a indústria da lã, antes tão lucrativa. Agora, os
vilarejos tinham de tirar o sustento do mar.
— Não sei ao certo — mentiu. — E isto nem é uma cidade,
como pode ver.
Lilianne não concordava com o lorde. O lugar não era
luxuoso, certamente, mas tinha seus encantos. Crianças brincavam,
mulheres com as cabeças cobertas por lenços vendiam o peixe
pescado por seus maridos, e havia lojas, uma cafeteria e uma
hospedaria.
A área onde estavam abrigava casas espaçosas, embora
menores que as de seu pai. Mesmo assim, não podia dizer que o
vilarejo fosse miserável. O que faltava em indústria sobrava em
belezas naturais.
Encantador.
Lilianne lamentava que lorde Dunlanoe não pudesse ver o vi-
larejo dessa maneira. Eles caminhavam pela rua principal, quando
Lilianne notou um grupo de habitantes reunidos alguns passos à
frente deles. Todos olhavam na direção dos dois, e alguns falavam
com certa veemência.
— Lorde Dunlanoe...
— Sim? — Ele a encarou e estranhou sua palidez. O que
poderia incomodá-la tanto? — Lily?
— Senhor, aquelas pessoas... — Estava muito perturbada,
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
mas não sabia explicar o motivo de sua agitação.
— O que foi? Está preocupada com aquela gente? Ora, são
só pescadores e pastores inofensivos. Veja... — Ele se adiantou um
passo. — Vão cuidar de seus assuntos! — ordenou. — Agora!
Era como se nem o vissem. Todos olhavam para Lilianne, e
de um jeito que despertava nele o impulso de protegê-la.
— É verdade o que estão dizendo? — indagou uma das
mulheres do grupo, Moyia Dooley.
— Estou dizendo que vi tudo com meus próprios olhos! O
menino morria, e ela o curou — afirmou um homem.
Padraic reconheceu o genro da sra. Ferguson.
—É verdade?—Moyia insistiu. — Devolveu a vida ao menino?
— Sim — os outros confirmaram em uníssono.
— Queremos a verdade.
— Sim, desejamos saber se tem o poder de curar, como
dizem.
Havia escárnio nos olhares daquela gente. Lilianne vira o sen-
timento no rosto do pai. Jamais o esqueceria.
Por um momento, pensou em negar o que havia feito. Afinal
de contas, era uma lady, e estava diante de meros colonos, pesca-
dores, pastores e comerciantes. Refugiaria-se no castelo e lá per-
maneceria, enquanto lorde Dunlanoe assim permitisse. Conside-
rando seus sentimentos por ela, não teria muito tempo de paz e
proteção.
Mas não se sentia capaz de mentir, apesar do que a história
lhe havia ensinado. Curar o pequeno Shawn havia sido bom. Se
queriam chamá-la de bruxa ou herege, teriam de fazê-lo
abertamente, não por suas costas.
— É verdade. Eu o curei. Mas não fui eu, realmente. Foi algo
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
que fluía por mim, algo que me usou como um instrumento.
Lorde Dunlanoe estava a seu lado. Sua expressão parecia
dizer seja forte. Era ridículo, sabia, mas ela se sentia mais forte.
Erguendo os ombros, olhou para o grupo que parecia crescer.
Já havia passado pela experiência antes. Sabia o que esperar.
Mas, por mais que olhasse para aqueles rostos, não via a
censura ou a revolta de antes. Tudo que via era... aceitação.
— Tínhamos a esperança de que fosse verdade — disse a
mulher que primeiro a questionara. Ela caiu de joelhos, as mãos
estendidas para Lilianne. — Tenho uma filha de quinze anos. Ela
acorda no meio da noite com terríveis dores de cabeça, gritando
como quisesse despertar os mortos. Todos aqui já ouviram seus
gritos.
Houve um murmúrio geral de concordância, e ela olhou nova-
mente para Lilianne.
— Por favor, cure-a.
— Não sei se posso.
— Por favor! — A mulher agarrou suas mãos, um gesto que
provocou uma imediata reação de lorde Dunlanoe. Ele se aproxi-
mou em guarda.
Lilianne não precisava de um defensor, mas, se assim fosse,
não seria o efeminado lorde Dunlanoe a salvá-la de algum perigo.
— Creio que não entenda — ela disse à mulher aflita. — Não
sou capaz de controlar esse... o que quer que seja. Existem
momentos em que tento... Tento realmente curar alguém, e nada
acontece. —Ela piscou várias vezes para conter as lágrimas,
lembrando como se esforçara pela mãe. — Não tenho poder algum.
— Mas... minha pobre menina! Ninguém irá se casar com ela
por conta de sua aflição. O que vou fazer?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Leve-me até ela. Quem sabe...?
— Oh, é um anjo que o Céu mandou para nós!
— Não, nada disso. — Não queria ser chamada de bruxa,
mas também não desejava ser tratada como santa.
Como se não a ouvisse, a mulher seguia com sua ladainha.
— É uma Dádiva Divina, um presente dos Céus...
— Escute, talvez eu nem possa fazer nada.
Lorde Dunlanoe assumiu o controle da situação, calando
aquelas pessoas e impondo uma autoridade da qual Lilianne nunca
suspeitara.
— A mulher que tanto admiram fará o que puder para ajudá-
los, mas devem manter a calma e lembrar que o dom de lady
Lilianne, seja ele qual for, é só isso. Um dom que ela não pode
controlar. Devem respeitá-la sempre.
Por que seu pai nunca havia tentado uma ação tão simples?
Era eficiente, sem dúvida. Não havia naquela gente escárnio,
acusação ou ameaça. E tudo que lorde Dunlanoe havia feito fora
silenciá-los com palavras firmes e sensatas.
— Para onde devemos ir, sra. Dooley? Onde está sua filha?
Todos seguiram em procissão para a área mais pobre da
cidade.
A sra. Dooley ia na frente, seguida por Lilianne e lorde
Dunlanoe, e atrás do trio caminhavam dezenas de cidadãos de
Kilroyne. A atmosfera era festiva.
Quando chegaram a uma cabana perto do cais, a sra. Doyle
parou e apontou para a porta.
— É aqui.
Lilianne se aproximou da porta.
— Quer que eu a acompanhe?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ela sorriu para o lorde, tentando demonstrar mais confiança
do que sentia.
— Não é necessário, obrigada.
— Não devia ir com ela, Moyia? — sugeriu uma voz no grupo.
— Sim, vá com ela — reforçaram outras vozes.
Mas Moyia balançou a cabeça e ficou onde estava, deixando
Lilianne entrar sozinha na cabana.
— Se é verdade o que dizem sobre a mulher do mundo das
fadas, não devo incomodá-la.
Padraic conteve um suspiro irritado. Mundo das fadas.
Francamente.
Lilianne viu a jovem sentada ao lado do fogo no interior da
choupana pobre e escura. Ela tinha as costas inclinadas sobre tricô
que mantinha bem perto dos olhos.
Sem saber o que fazer, Lilianne ficou quieta. Não queria
assustar a menina. Ela olhou em sua direção com ar sério.
— Sua mãe me pediu para vir... por causa da dor em sua
cabeça
— É a mulher das fadas, então?
— Bem, não. Quero dizer, não realmente.
— Não dança ao luar?
— Dançar? Não!
As agulhas voltaram a se mover entre os dedos habilidosos.
— O que está fazendo?
— Um xale.
— Ah... Sua cabeça dói agora?
— Um pouco. Ela sempre dói um pouco. Mas, mais tarde... —
Ela fez uma careta que expressava mais do que muitas palavra.
— Importa-se...? Posso tocar sua cabeça? Não vou feri-la.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— É assim que faz?
— Não sei ao certo se alguma coisa pode ser feita, mas estou
aqui para tentar.
A jovem encolheu os ombros, e Lilianne tocou-a na testa,
esperando os conhecidos sentimentos.
Nada.
Ela abriu os dedos e usou a outra mão para amparar a cabeça
da menina.
— Como é seu nome?
— Sarah.
— Sarah... Um nome tão doce! Sou Lilianne, e desejo muito
que se livre da dor. — Mas não estava funcionando. Qualquer que
tosse a mágica, ela não se fazia presente agora. Lilianne tentou se
concentrar mais, implorando aos poderes superiores que a
usassem como instrumento para a cura de Sarah.
Era horrível. Não conseguia apagar da memória a lembrança
da noite em que entrara no quarto da mãe e a vira desfalecida.
Ouvia a voz furiosa do pai ordenando que ela fizesse alguma
coisa...
A energia não estava ali. Gostaria de senti-la, mas seu
esforço era inútil.
— Lamento... — Lilianne correu para a porta e saiu. O
contraste entre o sol radiante e a penumbra no interior da cabana a
fez proteger os olhos.
— E então? — Várias pessoas perguntaram. Estavam ali
esperando, olhando...
— Curou minha Sarah?
— Eu... Eu fiz o que pude, mas, às vezes, por alguma razão,
não acontece...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Lilianne parou de falar, percebendo que ninguém olhava para
ela. Nem mesmo lorde Dunlanoe. Seus olhos azuis pareciam fixos
em alguma coisa atrás e acima dela. Lilianne virou-se e, boquia-
berta, viu Sarah Dooley parada à porta.
— Acho... que a dor se foi, mamãe — ela anunciou hesitante.
— Não pode ser. Eu não...
Mas as pessoas não a ouviam. Todos se aglomeravam em
torno de Sarah, perguntando como ela se sentia e como havia sido
a cura.
— Não se sente bem?
A voz de lorde Dunlanoe a arrancou do estado de
perplexidade.
— Não, eu... estou bem. — Não sentia a fadiga que
normalmente seguia uma cura, mas estava muito abalada com os
acontecimentos. — Podemos retornar a Dunlanoe?
— É claro. A carruagem está na rua. Quer que eu mande
buscá-la?
— Não, obrigada. A caminhada me fará bem.
— Está muito pálida. Não vai desmaiar, vai?
Lilianne parou para encará-lo. O tom de voz brincalhão e o
sorriso genuíno e radiante não combinavam com o afetado lorde
Dunlanoe.
Maldição. Por um momento, esquecera de representar o
personagem. Podia quase ver sua mente funcionando em
velocidade acelerada, imaginando-o sem a peruca e sem o pó.
Era a mesma expressão que ela exibia quando olhava para o
Rebelde. Tinha de fazer alguma coisa para mantê-la ocupada e
apagar de sua mente o que ela pensava ter ouvido e visto.
E Padraic via a resposta se aproximando deles nesse exato
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
instante.
Alison corria pela rua e acenava.
— Ah, aí está você, lorde Dunlanoe. Quando soube de sua
presença tratei de apressar-me. Temia não chegar a tempo.
— Alison. — Ele conteve o impulso de abraçá-la. Eram amigo
há anos, uma amizade que precedera sua partida para a Inglaterra
Poucas pessoas eram mais queridas que sua antiga companheira
de infância.
Alison colocou-se entre ele e Lilianne e, segurando-os pelo
braço, disse:
— Venham tomar chá comigo.
— Ah, bem... Seu convite é irrecusável. Isto é, a menos que
minha madrasta não se sinta bem.
— Não, não, sinto-me bem melhor agora.
— Esteve enferma?
— Apenas cansada. — Lilianne conhecera Alison no dia de se
casamento com Oliver Rafferty. A jovem havia sido a única con
vidada, e simpatizara com ela desde o início. Jamais imaginar que
Alison também era amiga de lorde Dunlanoe. Pai e filho eram muito
diferentes.
— Uma xícara de chá a deixará mais forte. Não acha que elal
vai ficar mais corada, Paddy?
— Sim. — Padraic tentou adotar um tom frio e um olhar
penetrante, única forma de prevenir a doce Alison sobre seu deslize
Por que ela o tratava dessa maneira em público? Coyle não havia
contado quem era Lilianne?
O chá foi servido pelo mordomo no jardim da casa de Coyle e
Alison, em um adorável caramanchão. Coyle juntou-se ao grupo
minutos depois de terem chegado.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Tommy me contou que estava aqui, Padraic. Espero que
isso signifique...
Lilianne não pôde ouvir o que a visita significava, pois Coyle
entrou no caramanchão e, ao vê-la, silenciou-se, absolutamente
surpreso. Recuperando-se rapidamente, ele a cumprimentou com
uma mesura e agradeceu a honra de recebê-la em sua casa.
Era evidente que os dois homens eram grandes amigos. Um
relacionamento que podia ser classificado como curioso, no mínimo,
levando em conta as imensas diferenças entre eles.
E, no entanto, o laço profundo e forte era evidente. Tão
evidente quanto o amor de Coyle pela esposa, Alison, que também
parecia apreciar muito a companhia de lorde Dunlanoe.
— Há quanto tempo conhece lorde Dunlanoe? — Lilianne per-
guntou quando as duas ficaram sozinhas.
— Desde sempre, praticamente. E Coyle também.
Brincávamos juntos na infância.
O que explicava a amizade. Mesmo assim...
— Eles parecem tão diferentes!
— Não realmente. Paddy é um pouco... colorido demais,
mas... — Ela parou e balançou a cabeça. — Já mencionei como
lamento por Oliver? Todos nós o amávamos muito.
— Sim, foi uma tragédia.
— E logo depois do casamento!
— De fato.
— Lady Lilianne, sei que está muito longe de casa e conhece
poucas pessoas aqui, e quero que saiba que pode contar com a
minha amizade. — Jamais errara ao julgar um caráter. Assim,
apesar dos avisos do marido, ela decidiu tentar uma aproximação
com a viúva de Oliver Rafferty. — Sempre que precisar de alguma
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
coisa, conte comigo. Se quiser conversar... sobre qualquer coisa...
Bem, estarei aqui.
— Você fez o quê?
Alison ajeitou os travesseiros e acomodou-se melhor, olhando
para o marido com expressão perplexa.
— Não sei por que está tão incomodado. Eu não disse nada!
Acha que sou alguma estúpida?
— Não, não, é claro que não. Apenas penso que devemos
manter uma certa distância dessa mulher. Quanto mais próxima
estiver, maior será a probabilidade de ver... ou pensar que viu
alguma coisa.
— Sei que a julga uma espiã ou coisa parecida...
— Nada disso. Nunca suspeitei de que ela tenha sido
mandada para cá com esse propósito. — Essa era a idéia de
Paddy. — Mas não creio que ela seja capaz de guardar segredo,
caso descubra sobre nossas atividades.
— Mas... ela mora com Paddy!
— Uma circunstância inevitável... ou é o que pensa nosso
amigo. — Estou certa de que ela não tem nenhuma relação com a
morte de Oliver. E Paddy deve pensar como eu.
— De onde tirou toda essa certeza?
— Oh, penso que ele está apaixonado por ela. É isso.
— Apaixonado? Ficou maluca? Não sabe o que está dizendo.
— Talvez seja você o maluco, meu marido? Não notou como
ele olha para Lilianne?
— Oh, meu Deus... — Coyle sentou-se na cama e passou a
mão na cabeça.
— Isso é tão terrível assim? Quero dizer, sei que para Paddy
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
a situação é delicada, pois o amor não correspondido é
desagradável, embora romântico, e ele sabe que não pode tê-la,
mas...
— Ele sabe que lorde Dunlanoe não pode tê-la.
— Não foi o que eu disse?
— Alison, escute. Creio que fez uma boa coisa oferecendo
sua amizade a lady Lilianne. Ela precisa de ajuda. Precisa de
alguém que a aconselhe.
— Sobre Paddy?
— Sobre o Rebelde.
— O Rebelde. Por que ela precisa de mim para falar sobre
ele?
Acho melhor nem mencionarmos esse assunto, Coyle. Sei
que já decidimos que ela não é uma espiã, mas...
— Ele a encontra à noite... no penhasco.
— Quem a encontra? Não entendo... — Alison cobriu a boca
com uma das mãos. — O Rebelde!
Coyle fechou os olhos e deitou-se lentamente.
— Sim — confirmou.
— Deus nos ajude!
Ele respirou fundo e assentiu.
3
CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
CAPÍTULO IV
— Você não curou aquela menina... curou? Lilianne olhou
para lorde Dunlanoe, tentando decidir como responderia à pergunta.
Era noite, e estavam no salão do castelo depois da agradável
visita à casa de Alison. O silêncio na viagem de volta a deixara
nervosa. Mesmo assim, cada instante sem nenhuma menção à
cena no vilarejo a enchera de esperança sobre uma eventual saída
fácil sem nenhum questionamento.
Devia saber que tal esperança era vã.
— Vi sua expressão quando ela surgiu na rua. Ficou surpresa
com as palavras da jovem — Padraic continuou.
Ela se levantou para ir até a janela. Por que se sentia tão
atraída pela lua, afinal? Não... Não era a lua que a encantava. Não
era por ela que olhava para a noite. Para o penhasco.
— De fato, fiquei surpresa.
— Devia tentar esconder melhor suas emoções.
— O quê? — Ela o encarou e foi invadida pelo pânico. Por
que ele a fitava como se pudesse ler seus pensamentos, como se já
soubesse sobre seu interesse pelo Rebelde?
Resignada, ela foi se sentar diante do lorde. Essas noites
eram insuportáveis, mas sentia que sua presença era necessária, e
temia tomar qualquer atitude que pudesse levá-lo a reconsiderar
sua decisão de deixá-la ficar.
Devia ter pensando nisso antes de ir à casa de Moyia Dooley.
— Certamente, deve entender por que é imperativo que de-
monstre confiança em seus poderes de cura.
— Eu... não entendo o que quer dizer.
— Ilusão, minha cara Lilianne. Muito do que fazemos depende
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
disso. Como vai convencer as pessoas de sua capacidade de curar,
se nem você mesma acredita nela?
— Lorde Dunlanoe, não é minha intenção induzir as pessoas
a acreditarem nisso.
— Não?
— Pelo contrário. Nunca afirmei ter poderes além do que é
considerado normal.
— Mas eu estava lá quando todos elogiavam sua habilidade.
— Não ouvi nenhum elogio.
— Então, não estava prestando atenção.
— Peço desculpas, lorde Dunlanoe, por qualquer embaraço
que possa ter sofrido com os eventos de hoje à tarde.
Compreendo...
— Embaraço? Engana-se quanto aos motivos que me levam
a abordar esse assunto.
— E que motivos são esses?
— Entretenimento. Esclarecimento. Simples conversa.
— Entretenimento... seu ou meu?
Ele sorriu, e pela segunda vez naquele dia, Lilianne se
espantou com a beleza daquela boca. Por que ele a escondia sob
tanto rouge?
— Creio que nós dois podemos ser beneficiados por essa dis-
cussão.
— Não entendo como. — No passado, sempre que seu pai
tentava discutir o assunto com ela, era para enfatizar o constrangi-
mento e o prejuízo que a família sofria por conta dessas suas
ações.
— Não precisa se mostrar tão devastada, lady Lilianne.
Saberei guardar seu pequeno segredo.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Duvido que seja possível. Muitas pessoas viram o que
aconteceu hoje.
— Ah, mas aquelas pessoas acreditam no que viram. Não
está preocupada com elas.
— Ah, sim... entendo. Mas você não crê no que viu.
— Nem você.
O homem era cínico. Mesmo assim, depois de anos de
silêncio, era intrigante poder discutir essa questão com alguém que
a deixava falar e ouvia o que tinha para dizer.
— Tem razão, certamente. Não curei aquela menina.
— Admiro sua honestidade. Mesmo assim, insisto na necessi-
dade de ser mais convincente. Por sorte, todos estavam tão admi-
rados com o "milagre", que não notaram sua incredulidade.
— Mas isso nunca aconteceu antes. Sim, houve momentos...
— Ela respirou fundo. — Infelizmente, houve ocasiões em que
fracassei. Mas foi sempre muito óbvio. Quero dizer, ou a pessoa é
curada, ou não é. E dessa vez...
— Espere um minuto. O que está dizendo, lady Lilianne?
— Apenas concordo com você. Não fiz nada com aquela
jovem. Não houve cura... não que eu tenha precipitado, pelo menos.
Talvez tenha acontecido algo diferente, mas não sei dizer o quê.
— E a criança? O neto da sra. Ferguson? Admite que aquilo
também foi uma farsa?
— Oh, não! Aquilo foi diferente.
—- Uma cura?
Era bom poder dizer:
— Sim.
— Lady...
— Não acredita, não é? Sua perna, por exemplo.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— O que tem ela?
— Como a feriu?
— Foi um acidente. Quando eu era jovem... na Inglaterra.
— E a dor é grande, mesmo depois de tanto tempo.
— Não, milady. Praticamente nem a percebo mais — Padraic
mentiu, censurando-se por não ter sido capaz de esconder seu
desconforto.
— Acho que posso curá-la.
A gargalhada incrédula cortou o ar.
— Como curou aquela jovem hoje, presumo. Vai pôr a idéia
na minha cabeça e esperar que eu proclame o milagre?
— Não. Acredito realmente que posso ajudá-lo, se me deixar
tentar. Preciso... tocá-lo.
Padraic levantou-se de um salto e quase derrubou o divã. Não
sabia o que o impelira a agir de tal maneira, mas era evidente que o
gesto a assustara... e insultara.
— Escute, não é que eu não... Não há nada errado com
minha perna. Não desperdice seus talentos comigo.
Em resumo, ele não queria que o tocasse. Ou queria muito
que ela o tocasse. Porque, nesse momento, vendo a dignidade
ofendida no olhar cintilante de lady Lilianne, Padraic sentiu um
imenso desejo de abraçá-la.
E esse seria um grande erro.
— Que desculpa patética! — Lilianne protestou em voz alta,
ajeitando o xale sobre os ombros.
Incapaz de resistir ao chamado da noite, voltara ao alto do pe-
nhasco, de onde sentia o ar salgado do mar trazendo o aroma de
lugares distantes.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Era sempre assim. Jurava nunca mais voltar ao rochedo, mas
era despertada no meio da noite e não podia se conter.
Dessa vez nem podia culpar o pesadelo, porque estivera dor-
mindo profundamente. Mas lá estava ela. Acordada, atenta à es-
curidão, ouvidos aguçados, tentando identificar o som de cascos
contra o solo.
Para tentar convencer-se de que não esperava pelo Rebelde,
ela recordou sua conversa com lorde Dunlanoe. Estranho. Na maior
parte do tempo, ele era uma pessoa difícil de se apreciar. A
amizade com sir Edwin, suas maneiras e sua aparência... Mas, em
outros momentos, suas idéias eram inovadoras, refrescantes.
O fato de ele não acreditar em suas curas não a incomodava.
Ela mesma teria recusado a idéia, se não fizesse parte dela. O que
a surpreendia era sua prontidão para aceitar que ela fingia curar as
pessoas. Quase como se tudo não passasse de uma grande piada.
Lily balançou a cabeça e olhou em volta. O céu parecia
clarear. Com um suspiro resignado e a promessa de nunca mais
voltar ao penhasco, Lilianne retornou ao castelo.
Padraic a vira sair. Só com grande esforço havia contido o
impulso de realizar a metamorfose e segui-la. Podia fechar os olhos
e imaginá-la em pé, com os cabelos ao vento, esperando por ele,
Lilianne sorriria ao vê-lo chegar, o rosto iluminado por uma re-
pentina alegria. E ele a beijaria.
Padraic esmurrou a janela. Em que estava pensando? Tinha
de tirar Lilianne Rafferty da cabeça. Ela era a viúva de seu pai. Filha
de um inimigo jurado. E uma ameaça para ele mesmo e todos a
quem amava. Por que não conseguia se lembrar disso? Por que se
sentia tão fascinado por aqueles olhos verdes?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Maldição! Se fosse menos sensato, acreditaria no que
Shamus dissera sobre ela pertencer ao mundo das fadas. Nesse
caso, julgaria estar enfeitiçado.
— Ridículo — ele resmungou. O relógio sobre a lareira
marcava cinco horas. Sua perna doía, e ele se sentia cansado.
Mesmo assim, esperou até ver Lilianne retornando ao castelo,
e só então foi para a cama.
— Ajude-me! Ajude-me, por favor!
Lilianne ergueu os olhos da linda rosa amarela que acabara
de colher e viu a menina correndo em sua direção. Com doze anos,
mais ou menos, cabelos vermelhos e pele muito pálida, ela se apro-
ximava arfante.
— Por favor, ajude-me! Minha mãe está dando à luz, mas o
bebê não nasce. Cullie pede sua ajuda.
— Quem é Cullie?
— A parteira. — A voz de lorde Dunlanoe anunciou sua pre-
sença. — Se Cullie já está com sua mãe, tudo vai ficar bem. É
melhor voltar para casa.
— Não! Não! Cullie disse que o bebê não virá. Os dois
morrerão. Foi o que ela disse. Sua ajuda é necessária, milady!
— Onde está sua mãe?
— Em nossa choupana. Fica perto daqui, senhora. Venha
comigo.
— Lily... Não creio que deva sair correndo dessa maneira.
— É necessário, milorde. Ouviu o que disse a menina. A mãe
dela pode morrer.
Dedos fortes seguraram seu braço. Sem pensar no que fazia,
ele a conduziu para um canto mais afastado do jardim e baixou a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
voz.
— Dessa vez não vai poder fingir, Lilianne.
— Eu sei disso. Solte meu braço, por favor.
— Em um minuto. Antes quero que pense no que vai fazer.
— Já pensei.
— Lilianne, escute, não vai conseguir curar pela sugestão.
Não dessa vez. E se essa mulher morrer... Por favor, deixe Cullie
cuidar disso.
— Está me proibindo de ir? Porque, nesse caso...
— Não estou impondo nenhuma proibição. Estou apenas
tentando protegê-la.
— Lamento, mas não posso pensar em mim agora, porque
estou pensando naquela pobre mulher... uma de suas colonas. Não
se preocupa com essa gente? São sua responsabilidade, e parece
que... — Ela se deteve. Correr para ajudar alguém era uma coisa.
Criticar o homem que garantia um teto sobre sua cabeça era outra.
Especialmente porque, em sã consciência, sabia que ele não
merecia essa crítica. Pelo que vira até então, lorde Dunlanoe
tratava seus colonos melhor do que muitos latifundiários que
conhecia.
Ele a soltou, e Lilianne voltou para perto da menina que ainda
a esperava. Padraic virou-se para Shamus, que assistira à cena de
seu esconderijo entre as árvores.
— Mande uma carruagem à casa dos Healy. Essa menina é
filha de Connor Healy. Não é?
— Sim, Paddy.
— Mande levar toalhas, lençóis... Tudo que pode ser
necessário em um parto.
— Não acha que eu devia mandar um médico, também?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não sei... Sim, mande chamá-lo. Essa mulher vai se meter
numa confusão dos diabos!
— Não tenha tanta certeza, Paddy.
— O que está dizendo?
— Talvez ela cure a sra. Healy. Sabe-se que já fez outras
curas antes.
Padraic balançou a cabeça e afastou-se. Shamus chamou-o.
— Devia deixá-la tentar alguma coisa com sua perna, Paddy.
Anda mancando demais, ultimamente.
— Ela não vai tocar em meu Príncipe. Isso é certo, Shamus.
Estou muito bem. Agora vá providenciar o coche.
A choupana era parecida com a primeira que Lilianne visitara.
Simples, feita de barro e sapé, era cercada por flores coloridas e
cabras que pastavam no terreno fértil. Tudo ali era verde, calmo,
pacato... A única nota dissonante vinha dos gritos angustiados no
interior da cabana.
Lilianne sugeriu que a menina ficasse do lado de fora. Preferia
poupá-la da cena que antecipava do outro lado da porta.
No interior dominado pela penumbra, uma mulher gemia e se
contorcia na cama, o ventre distendido coberto por um lençol. Havia
outra mulher debruçada sobre ela, mas esta se virou ao ouvir a voz
da recém-chegada.
— Ela está... melhor?
— Não há mais nada que eu possa fazer — lamentou a
parteira, mostrando as mãos cobertas de sangue.
Havia sangue no lençol, também. Lorde Dunlanoe estava
certo. Só havia duas alternativas ali a cura... ou a morte.
— O que está havendo?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Ela está sangrando. Vai morrer.
— Como ela se chama? — Ela pousou as duas mãos sobre o
ventre arredondado, rígido, e sentiu as contrações violentas.
— Mary — disse a parteira.
—Mary... Vim ajudá-la. — E esperava estar dizendo a
verdade. Os dedos abertos pareciam mais quentes. Lágrimas de
alegria inundaram seus olhos, pois sabia qual era o significado
desse calor.
Cullie a observava com atenção, os olhos treinados fixos nas
mãos da recém-chegada que, de olhos fechados, rezava para servir
de instrumento para um milagre de Deus.
Padraic tentava concentrar-se na tarefa de inventariar os bens
contrabandeados, mas mal podia ouvir a voz de Coyle recitando a
relação que ele devia redigir. Não conseguia esquecer Lilianne e o
que ela estava fazendo nesse momento. Depois de sua partida, ele
se obrigou a seguir os planos originais. Em seu quarto, removera a
horrível pintura do rosto, tirara a peruca e descera pelo túnel
secreto até a caverna onde ficavam as mercadorias. Tinha de con-
cluir o inventário para distribuí-las entre os comerciantes.
Normalmente, essa era uma tarefa que ele apreciava. Era
bom saber que estava fazendo algo de bom à população da região.
— Dezessete barris de carne salgada. Está ouvindo, Paddy?
— Sim, estou! Dezessete barris. Não precisa gritar.
— Não parece estar muito concentrado no trabalho.
— Tem idéia de onde ela está agora?
— Ela? Refere-se a lady Lilianne, por certo?
— É claro que sim! Quem mais?
— Não imagino onde ela está. Mas Alison gosta dela.
— Lilianne foi ajudar num parto.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Mary já está dando à luz?
— Sim, e parece que as coisas não vão nada bem por lá. De
acordo com Cullie, mãe e filho estão bem perto da morte.
— E Lilianne foi salvá-la.
— Sim. E não se atreva a rir.
— É claro que não vou rir! A pobre mulher está morrendo!
Mas, com Lilianne a caminho, talvez ela ainda tenha uma chance...
— Pelo amor de Deus, Coyle! Ela não pode fazer nada.
— As pessoas do vilarejo acreditam que pode. Todos estão
comentando como ela curou Sarah. Eu mesmo fiquei impres-
sionado.
— Não fique. Isso não aconteceu.
Coyle riu.
— Não vai conseguir convencer Sarah ou a mãe dela disso,
meu caro. Elas estavam lá. E viram...
— Viram o que queriam ver.
— Paddy, não pode desmentir que a jovem esteja curada.
— Lilianne me contou que não houve cura.
— Ela disse isso? É difícil de acreditar...
Padraic pensava diferente, mas não disse nada. Irritado,
levantou-se e caminhou até a escada estreita que ligava a caverna
ao túnel e a seu quarto. Nem respondeu quando, intrigado, Coyle
perguntou para onde ele ia.
Não queria confessar seu destino.
Aborrecido por ter enviado Shamus com a carruagem,
colocou-se diante do espelho e tentou repetir tudo que ele fazia com
pó e rouge. O resultado parecia grotesco, mas sua imagem de lorde
Dunlanoe não estava muito distante daquela caricatura colorida.
Vestido como o lorde, ele saiu sem olhar para trás, usando a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
escada principal.
A bordo de uma carruagem de aluguel, Padraic reconheceu
que não tinha um plano. Pretendia apenas tirá-la de lá, levá-la de
volta ao castelo, salvá-la da ira das pessoas que ela estava
tentando ajudar... ou que fingia ajudar.
A porta da choupana estava aberta, e ele entrou sem bater. Já
estava no interior da humilde casa quando, intrigado, ouviu um som
fraco, hesitante...
Um choro!
Ele não parecia nada bem.
Padraic ergueu a taça de vinho e imaginou se o estilo de vida
de Edwin finalmente começara a debilitá-lo.
O homem perdera peso, o que não devia acontecer com
alguém tão magro, e apesar da elegante jaqueta, parecia emaciado.
— Aonde vai?
O tom angustiado deteve Padraic. Edwin chegava em sua
casa vindo diretamente de uma noite de devassidão e álcool? As
sombras escuras em torno de seus olhos sugeriam que sim.
Padraic chamou um serviçal valendo-se da corda do sino.
— Pensei que poderia estar com fome — disse.
— Não, não... Não consigo manter a comida no estômago...
Devo estar com algum problema digestivo.
— Se tem certeza... —Padraic sentou-se, decidindo não
chamar Lilianne para juntar-se a eles no salão. Preferia não expor a
doce dama aos vícios de Edwin.
O que era irônico, considerando a razão para a visita de
Edwin... ou uma das razões.
— Recebi uma mensagem do pai de Lilianne.
— Lorde Tinsley?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Sim — Edwin sorriu. — Naturalmente, ele deseja saber o
que aconteceu.
— Era de se esperar. Sobre o que ele quer saber,
exatamente?
— Como deve saber, lady Lilianne Tinsley veio a Winston Hall
para ser minha noiva.
— Mas como...?
— Como ela acabou casada com seu pai? Devia ir fazer essa
pergunta à querida lady.
— Não tem nenhuma idéia?
— Conjecturas, apenas. E não tem importância.
— Mesmo assim, conte-me. O que acha que aconteceu?
— Creio que ela foi raptada.
— Está sugerindo que meu pai...?
Edwin encolheu os ombros magros.
— Não acha que a dama em questão teria dito alguma coisa,
nesse caso?
— Não sei. Está afirmando que ela não disse nada?
— Nem uma única palavra — Padraic confirmou. — Podemos
chamá-la, se quiser. E interrogá-la.
— Não.
— Não?
— Não precisamos envolvê-la nisso. Trata-se de um assunto
entre homens. Seu pai, você e eu.
Padraic examinou as unhas, ajeitou os punhos de renda e
forçou um suspiro.
— Receio não ter captado em que parte dessa história eu me
enquadro.
— Ela está morando em sua casa. Sob sua proteção, em
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
última análise.
— Não por minha escolha.
— Exatamente. A megera foi imposta ao seu castelo.
— O que não quer dizer que eu não tenha responsabilidades
por ela.
— É claro que não — Edwin concordou apressado. — Afinal,
ela é uma dama, e como tal merece respeito de todos nós. No
entanto...
— No entanto?
— Ela é só uma mulher. Por isso não pode saber o que é
melhor para si mesma.
— E é aí que entramos? O pai dela, você e minha humilde
pessoa?
— Exatamente. — Edwin serviu mais vinho em sua taça, der-
rubando um pouco da bebida sobre a mesa.
— Ela parece contente aqui.
— O quê...? Oh... Contente, talvez. Ninguém questiona sua
exemplar hospitalidade. Mas é isso que o pai dela deseja?
— Imagino que você não acredite nisso.
— Eu sei que não. Tenho a mensagem para provar o que
digo. Lady Lilianne deveria ter se casado comigo.
— Sim, mas desposou meu pai.
— Foi um engano. Uma pequena confusão que não devia ter
ocorrido. Certamente pode entender...
— Sim, sim, eu posso. Uma tolice que não pode ser
explicada. Algo que você gostaria de poder modificar.
— Exatamente. E posso, por sorte.
— Ah, sim? — Padraic forçou um sorriso cordial. Afinal, eram
amigos tentando ajudar um ao outro.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Certamente.
— Conte com meu apoio.
— Otimo! Quando posso esperar Lilianne em Winston Hall?
— Não a reterei um momento além do necessário.
— Sabia que seria compreensivo. Quando devo esperá-la?
— Vejamos... Maio, talvez.
— Maio. Excelente. Terei um quarto... Maio? — Edwin ficou
sério. — Mas já estamos em junho!
— Oh, sim! Vê como o tempo passa depressa?
— Mas...
— Não pode estar esperando que ela parta imediatamente!
— Bem, eu...
— Ela está de luto, Edwin.
— Sim, mas certamente... Bem, o casamento foi tão breve!
Seu pai mal teve tempo para... Escute, não posso esperar tanto
tempo para tê-la.
—Edwin, controle-se. Sei que lady Lilianne é encantadora,
mas pode ter a mulher que desejar. — Uma terrível mentira, nas cir-
cunstâncias em que se encontravam. Padraic não conseguia ima-
ginar uma única mulher capaz de desejar um homem com a
aparência que Edwin exibia agora. Mas ele tinha dinheiro... e
posição.
— Mas eu quero Lilianne.
— E a terá. Só precisa esperar um pouco.
Sabia que a história ainda não havia chegado ao fim, mas foi
com um sorriso satisfeito que ele viu a carruagem de sir Edwin
desaparecer na estrada de terra. O sorriso ainda iluminava seu
rosto quando ele se virou... e viu Lilianne.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Receio que tenha perdido a visita de sir Edwin, milady.
— Lástima...
— Ele a quer de volta.
— Não sei o que quer dizer. — Não podia demonstrar pânico.
— Não? Edwin se mostrou aborrecido por ter sido preterido.
— A culpa é unicamente dele.
— Ah, então foram mesmo noivos. O que aconteceu? Uma
discussão entre amantes?
Padraic odiava causar tão grande desconforto a Lilianne, mas,
para descobrir se Edwin estava ou não envolvido na morte de seu
pai, precisava de respostas.
— Ele pode ser... desagradável.
— Não, o senhor que é desagradável. Quanto a sir Edwin, ele
é um verme da pior espécie.
— Julga-me desagradável?
— Às vezes — Lilianne admitiu, surpresa com o brilho de seu
sorriso.
— Suponho que não possa esperar mais do que isso.
— O que me surpreende é que minha opinião seja tão
importante.
— Agora me insulta, senhora. Por que não me importaria com
a opinião de minha madrasta?
— Senhor, francamente! — ela riu. — Se até questionou meu
casamento com seu pai quando nos conhecemos!
— Mas acreditei em você.
— De fato...
— E me neguei a atender ao pedido de Edwin.
Lilianne encarou-o surpresa.
— Cometi um erro, milady? Talvez prefira ir para Winston
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Hall...
— Não! Prefiro ficar aqui.
— Ele tem uma mensagem enviada por seu pai.
— Ah, uma mensagem... Milorde a viu?
— Não. Duvida da existência desse papel?
— Suponho que seja possível. Não escreveu para meu pai,
também?
— Não. Milady disse que não seria necessário, lembra?
Lado a lado, eles deixaram a casa para caminharem pelo
jardim, mas Padraic se perguntava se ela tinha consciência da
direção adorada por seus passos.
Devia voltar, mas a mesma força o mantinha em movimento.
Caminhavam em silêncio, aspirando o perfume das rosas e do ar
salgado.
A subida do penhasco tornou-se mais íngreme, e a perna dele
reclamou do esforço. Lorde Dunlanoe não devia estar ali. Não com
lady Lilianne.
Ela ergueu o rosto para o céu e respirou fundo.
— Foi mesmo noiva de Edwin, então?
— Isso importa?
— Imagino que tenha sido importante para meu pai.
— Não foi. O que mais sir Edwin disse em sua visita?
— Ele afirma que seu pai deseja seu retorno a Winston Hall.
— E você disse não? Por que não? — Era surpreendente.
— Eu disse que você podia ficar. E sou um homem de
palavra. Mas...
— Mas?
— Você é uma mulher de mistérios, Lilianne.
— Não. — De repente, sentia-se perturbada na presença de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
lorde Dunlanoe. Ele parecia diferente, como se... Era estranho.
Havia algo de familiar nele. E atraente. Como, se seus
maneirismos efeminados a repeliam? — Sim, fomos noivos —
disse, optando pela honestidade. — Nosso casamento deveria ter
acontecido em... — Que dia é hoje?
— Doze de junho.
— Há quinze dias.
— Mas você se casou com meu pai. Um homem que nem
conhecia.
— Sim, mas eu conhecia o sr. Edwin... seu amigo.
O tom de repugnância não o surpreendia. Sabia que Edwin
era um homem de excessos e perversões. Muitas de suas atitudes
o enojavam, mas Edwin sempre encontrava mulheres que
partilhavam de suas preferências. Padraic imaginava-o controlado o
bastante para manter sua devassidão restrita a outras mulheres,
longe daquela que teria sido sua esposa.
Padraic fitou-a e viu a inocência em seu rosto. E ansiou pela
noite que escondia pensamentos feios, que protegia mistérios...
Desejou a lua e a capa preta sob a qual podia agir como quisesse.
Desejou poder tocá-la.
Só mais tarde, já no final da noite, Padraic perguntou sobre
Mary Healy e seu bebê. Estavam no salão de música, e Lilianne
ocupava o assento diante da harpa. Ela se preparava para começar
a tocar, quando ouviu a pergunta:
— O que aconteceu ontem na choupana?
Lilianne já esperava pela pergunta. Recordando-se que após
o nascimento do bebê, ela olhou para a porta e surpreendeu-se
com a presença de Padraic na humilde cabana. O olhar dele era de
3
CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
surpresa ao ver que a criança que acabara de nascer estava bem.
Se Mary não houvesse interrompido o silêncio perplexo,
estariam lá até agora, olhando um para o outro.
— Já viu meu bebê, milorde? O menino é saudável e forte!
Impelida pela voz da mãe orgulhosa, Lily exibiu o bebê aninhado
em seus braços.
Padraic se retirara pouco depois, não antes de dizer à colona
que seu filho era mesmo forte, saudável e belo, e colocar uma
moeda em sua mão.
Durante todo o tempo, Cullie assentira como se conhecesse
um segredo mágico. Depois da partida de lorde Dunlanoe, ela
recordara o dia do nascimento de Padraic, declarando que nunca
vira, em toda a sua experiência, um bebê mais forte.
— Lembro-me do dia em que ele nasceu e do dia em que foi
enviado para a Inglaterra, pobre menino. Sofreu muito por ter de
deixar Dunlanoe. Ele ama a terra e sua herança.
— Por que ele teve de partir? — Lilianne perguntara curiosa.
— Por conta da Igreja.
— Da Igreja?
— Sim. O jovem lorde não poderia ser criado na Igreja, por
isso foi mandado para ir viver com o sr. Burns e sua família. Então,
quando chegou o momento de começar a estudar, ele foi para a
Inglaterra.
— E há quanto tempo voltou?
— Não muito. Menos de cinco anos, acho.
Lilianne pensava em sua conversa com Cullie, por isso não
percebia que lorde Dunlanoe se levantava e caminhava em sua
direção.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Recusa-se a responder?
— O quê? Não, não! Só não sei ao certo o que deseja saber.
— A mulher estava fadada à morte. E o bebê também.
— Foi o que disse a filha daquela pobre mulher.
— Mas eles sobreviveram. Não só isso, mas gozam de
excelente saúde.
— O que quer ouvir, milorde?
— A verdade.
— Não creio que queira ouvir o que tenho para dizer.
— Está insinuando que curou mãe e filho?
— Está dizendo que acredita em mim?
Padraic balançou a cabeça, tentando dissipar o estranho
sentimento que o invadia. Ela ainda nem tocava, apenas verificava
a afinação do instrumento, mas era como se a música o envolvesse
como uma teia invisível.
— Você mesma admitiu que a menina do vilarejo não foi
realmente curada.
— Não por minha mão.
— Mas essas duas pessoas foram?
— Não sei por que precisa ouvir as palavras de mim, mas...
sim, é verdade.
— Que outros encantos sabe criar, Lily?
Queria explicar que não lançava encantamentos, que apenas
servia de instrumento para a cura de enfermos necessitados. Mas
não podia dizer nada.
Porque, assim que formulou a pergunta, ele se virou e saiu.
Lilianne baixou as mãos. Perdera o desejo de tocar.
— Vá embora!
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic bebeu o conhaque do copo e tentou ignorar as
batidas na porta. O que Shamus queria àquela hora? Padraic serviu
mais uma dose no copo e decidiu que não tinha importância.
Shamus, por outro lado, julgava seus motivos mais do que im-
portantes. Ele bateu novamente, chamando pelo nome de Padraic.
— Lorde Paddy, trago uma mensagem.
— Jogue-a por baixo da porta.
Shamus ignorou a ordem e entrou no quarto portando uma
bandeja de chá.
— Mas o quê...?
O criado olhou em volta, estranhando a confusão de roupas,
peruca e acessórios espalhados pelo quarto.
— Agora que já entrou, entregue-me a mensagem e saia.
— Vinho é agradável, desagradável é o preço.
Mais uma gota de sabedoria. Padraic balançou a cabeça
devagar, porque começava a pagar o preço da noite de
embriaguez.
— Não é vinho.
Shamus serviu o chá em uma delicada xícara de porcelana,
adoçou a bebida e entregou-a ao seu senhor, que a aceitou
resignado e sorveu um pequeno gole.
— Sente-se melhor?
— Eu já me sentia bem antes. Não devia estar dormindo? Não
vou precisar de seus serviços esta noite.
— Já notei.
— Onde está a mensagem?
— Aqui. — Shamus pegou o pergaminho na bandeja. — Sir
Edwin vai oferecer um baile.
— Mais alguma coisa que eu deva saber? — Padraic
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
perguntou com ironia antes de remover o lacre da mensagem.
— O baile vai acontecer na próxima sexta-feira. Ele convidou
todos os seus conhecidos. Oh, e lady Lilianne, também.
— Todas essas informações estão aqui?
— Falei com o mensageiro. Um certo Billy O'Brian. Talvez se
lembre dele.
— Billy O'Brian? Ah, o mesmo Billy cuja mãe foi expulsa de
sua choupana depois da morte do marido.
— Exatamente. Ele ainda é grato por tê-la acomodado em
outra casa.
— Não fui eu.
— O que está dizendo? É claro que foi você!
— Foi o Rebelde.
— E quem é ele?
Padraic bebeu um gole de chá.
Não este frangalho de homem, pensou Padraic, ignorando a
pergunta de Shamus. Suspirou e olhou para o espelho que exibia
uma imagem lamentável. Começara a beber antes de limpar-se, e
por isso o resultado era tão terrível. A água removera apenas parte
do pó, e lábios e faces ainda ostentavam traços visíveis de rouge.
Parecia realmente a farsa em que se transformara.
De olhos fechados, deixou cair a cabeça contra o encosto da
cadeira
— Devia deixar lady Lilianne tentar, lorde Paddy.
— Tentar... o que?
— Sua perna. Ela tem mesmo o poder de curar. Devia tentar
Não seria ótimo livrar-se da dor e de todo o desconforto?
— Receio que não seja possível. — A dor parecia pior a cada
dia. E antes que Shamus pudesse argumentar, como era evidente
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
que pretendia fazer, Padraic encerrou a conversa. - Agora quero ir
me deitar.
— Quer que eu arrume o quarto antes?
— Não. Amanhã você poderá cuidar disso.
— É claro. Então, até amanhã, milorde.
— Até amanhã, Shamus.
— Oh, há algo que já ia esquecendo. Algo que Billy
comentou...
— O que é?
— Os reforços estão a caminho. Mais um destacamento com
a missão de capturar o Rebelde.
— Não é nenhuma novidade. Coyle já me disse o mesmo há
quinze dias.
— Ah, e ele também disse que o homem no comando é seu
amigo?
— De quem está falando?
— Do coronel Foxworth Morgan.
Shamus se retirou. Antes de fechar a porta, ainda olhou uma
última vez por cima do ombro. Ele adorava fazer isso. Dizia alguma
coisa profunda, divertida ou importante, depois se retirava. Padraic
sempre havia pensado que tanta vocação para o palco não podia
ser desperdiçada.
Então, Fox Morgan comandava a captura do Rebelde. Notícia
interessante... E possivelmente letal.
Maldição.
Padraic apagou todas as velas, disposto a ir para a cama,
mas, na escuridão do quarto, o luar chamou sua aten çã o para fora,
al é m da janela.
Não saberia dizer com certeza quanto tempo passou ali,
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
parado diante da janela, olhando para o jardim. Mas sabia precisar
o momento exato em que a viu. E apesar da necessidade de
preservar a razão, soube o que faria.
Lilianne disse a si mesma que só estava ali pela paz, pelo
sossego. Mentiras, sempre mais agradáveis que a verdade. E não
queria admitir o que realmente buscava. Mas, no instante em que
ouviu o som de uma montaria se aproximando, seu coração bateu
mais forte.
Ele estava ali.
Como um predador da noite, ele desmontou e caminhou em
sua direção.
Devia estar com medo. Era o que ditava a razão. Mas, antes
que pudesse raciocinar, Lilianne atirou-se nos braços do lendário
herói mascarado.
Quando o beijo chegou ao fim, ele sorriu.
— Esperava encontrá-la aqui — disse. Ao vê-la deixar o
castelo, não pudera conter o ímpeto de tocá-la, tê-la em seus
braços. Lavara-se rapidamente para remover todos os vestígios de
lorde Dunlanoe, lamentando ter de esconder-se, e saíra para ir
encontrá-la.
Havia sido a primeira vez que vestira as roupas do Rebelde
sem ter em mente algum saque. Dessa vez havia apenas o desejo,
a paixão.
— Temi que houvesse partido — ela respondeu, sem
mencionar as inúmeras noites em que fora esperá-lo em vão, ou as
outras em que tivera de fazer grande esforço para conter-se.
— Estive afastado. — Era muito fácil mentir com uma
máscara cobrindo sua identidade. — Nunca consigo passar muito
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
tempo no mesmo lugar.
— E claro... Eu devia ter pensado nisso. E não quero que
corra riscos por minha causa.
— Aqui é seguro — Padraic argumentou, rezando a Deus
para estar certo. — Mesmo assim, vamos caminhar. Oh, espere.
Antes, tenho algo para você.
— Para mim?
Ele retirou de sob a capa um par de finíssimos calçados de
damasco.
Lilianne notou que ele sorria.
— São... lindos.
— O estilo é um pouco antiquado.
— Não, não, eu... aprecio muito o estilo.
— Pensei em você caminhando sobre as rochas e achei que...
— Não se justifique. Nunca calcei nada mais fino.
Sabia que ela mentia, mas mesmo assim, sentia-se
gratificado. Ela não era de fato a filha de um colono forçada a andar
descalça. Era filha de um lorde que devia gastar uma fortuna
comprando vestidos de baile e sapatos delicados para a filha. Mas,
estranhamente, parecia estar feliz com os calçados que Padraic
encontrara no velho baú que pertencera a sua mãe.
— Posso calçá-los em seus pés?
— Por favor.
Lilianne sorriu ao vê-lo abaixado e ergueu a barra do vestido,
apenas o suficiente para expor um pé. O contato dos dedos mornos
com a pele fria produziu um forte tremor. O desejo carnal era tão
forte quanto a ternura que a inundava.
De repente, ele se levantou e a tomou nos braços,
acariciando-a com ousadia e fervor.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Lily... — A voz soou rouca. — Desejo-a tanto, que sinto
esse desejo como uma dor física.
Ela reconhecia o sentimento, porque também o
experimentava.
As mãos dele acariciavam suas pernas sob o vestido,
arrancando gemidos de seu peito arfante. A boca encobria a dela,
sufocando qualquer eventual protesto que pudesse surgir.
— Vamos sair daqui — ele sugeriu, assobiando para chamar
o cavalo. — Aqui está ele. Dócil e obediente. Pronto para levar-nos
para onde quisermos.
Lilianne sabia que o acompanharia ao fim do mundo, se ele
quisesse levá-la. E era isso que mais a amedrontava. A disposição
para acompanhá-lo sem restrições ou perguntas.
— Aonde vamos? — ela indagou quando partiram num trote
lento.
— A um lugar especial. Um lugar que será apenas nosso.
Seguiram para o norte, afastando-se do castelo ao longo da linha
litorânea. Era noite. Apesar da escuridão, ela sabia que estavam
mais afastados do que jamais havia estado antes. Mas não tinha
importância.
O Rebelde deteve sua montaria no alto de um penhasco e,
diante deles, estava a mais bela paisagem que Lilianne jamais
poderia ter imaginado. Uma catarata poderosa despencava das
rochas banhada pelo luar, e era como se milhões de diamantes
fossem transportados pela água. O estrondo era impressionante.
Padraic estava intrigado. Jamais havia levado nenhuma outra
pessoa àquele local. Nem mesmo Coyle, seu fiel amigo. Sabia que
outros conheciam a região, apesar do difícil acesso, mas desde que
ali estivera pela primeira vez, antes de ser enviado para a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Inglaterra, convencera-se de ter encontrado a entrada para o
Paraíso.
Eles desmontaram e caminharam de mãos dadas até o lago
ao pé da catarata. Lilianne sentiu os respingos gelados.
— Devia ver quando a lua está cheia — disse Padraic.
— Não consigo imaginar beleza maior do que a que vejo
agora.
— Nos dias claros, o lago reflete o sol. Nos dias nublados, é
como se as nuvens e a névoa impedissem o acesso à região.
— Já esteve aqui à luz do dia?
— Sim. Crê que nunca vejo o sol? Como os morcegos que
vivem em cavernas?
— Não sei... Não sei nada sobre você.
— E isso é muito ruim?
— Suponho que não. Há momentos...
— Continue.
— Há momentos em que gostaria de poder ver seu rosto. Sei
que é tolice, mas...
—Não é tolice. Mas é impossível. Entende o que estou
dizendo, não é?
— Sim, certamente. Não quero insinuar que deve remover sua
máscara.
— Mas ficaria satisfeita se eu assim fizesse.
— Sim, ficaria.
— Por outro lado, correria o risco de sofrer um
desapontamento
— Não acredito nessa hipótese.
Ela o beijou. Padraic correspondeu, mas pensamentos
obscuros invadiam sua mente. A mulher que tinha nos braços era
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
filha de lorde Westbury, viúva de seu pai.
Não podia prosseguir com a farsa.
Tinha de desistir dela. Não podia ir além do ponto em que
estavam agora. Haviam trocado beijos e carícias, algumas bem
intimas, mas, além disso, nada mais seria possível.
Por isso, ele a afastou com gentileza.
— Dizem que pessoas de muita sorte podem ver o arco da lua
do ponto onde estamos.
— Arco da lua? Nunca ouvi falar nisso.
— Talvez não exista, mesmo. É só uma lenda, e não acredito
muito em tais tolices.
— Mesmo assim, fale-me sobre isto.
— Bem, dizem que quando a lua está cheia, baixa no céu, e a
névoa encobre o lago, forma-se um arco prateado sobre a
superfície da água.
— Mas você nunca o viu?
— Não, e duvido que realmente exista.
— Mas seria uma visão maravilhosa. Como um milagre.
— Sim, um milagre... — Padraic suspirou.
Lilianne e lorde Dunlanoe viajavam em silêncio na carruagem.
Ela sabia que era a falta de sono que a deixava naquele estado de
confusão e torpor.
O céu já se tingia de rosa quando finalmente se deixara
envolver pelo calor das cobertas em sua cama no castelo. E mal
pudera piscar antes de uma criada ter entrado com uma caneca
contendo chocolate quente. A jovem lembrara que ela deveria ir
visitar Alison Burns naquela manhã. Com lorde Dunlanoe.
Teria sido maravilhoso renunciar a visita e continuar
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
dormindo, mas gostava de Alison. Por isso resignara-se com o
compromisso e a companhia de lorde Dunlanoe.
— Parece cansada — ele comentou.
Lilianne respirou fundo. Não queria conversar.
— Não dormiu bem?
— Dormi, obrigada.
— O colchão é macio demais?
— Não. É perfeito.
— Duvido que tenha tido pesadelos.
— E como pode ter tanta certeza?
— Você tem a expressão de quem teve sonhos doces.
Lilianne sentiu um rubor aquecer seu rosto. Era quase como se ele
soubesse...
— Já disse que dormi muito bem, obrigada. E não tive
sonhos, bons ou maus. Milorde também parece abatido. Teve
pesadelos?
Se ela soubesse...
Padraic ergueu os ombros, afetou um suspiro entediado e
disse estar bem. O que o incomodava era a umidade.
Depois disso, ambos seguiram em silêncio.
Padraic censurava-se por tê-la provocado. Tinha de parar com
isso. Precisava se lembrar de quem era, e por que jamais poderia
admitir ser o homem de seus sonhos.
Ela dormia. Profundamente.
Cansado, lorde Dunlanoe também adormeceu, e só se deu
conta disso quando acordou sobressaltado.
— O que foi isso?
Lilianne também havia despertado. Ela o fitava apavorada
enquanto a carruagem balançava, pendendo para um lado e para o
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
outro. Houve um rangido e um estrondo. Depois disso, o veículo
ganhou velocidade, obrigando-os a se agarrarem ao assento para
não serem lançados para a frente.
Padraic agarrou a maçaneta da porta, preparando-se para
abri-la.
— O que está acontecendo? Por que estamos indo tão
depressa? Estamos desgovernados!
— O cocheiro deve ter caído. Estamos sem condutor —
Padraic imaginou. — Fique aqui e segure-se.
Segurar-se? Segurar-se! Era evidente que permaneceria ali,
agarrada ao banco. E ele devia fazer o mesmo, embora se
mostrasse disposto a saltar.
— Vai se matar!
Era tarde demais. O tolo e efeminado lorde Dunlanoe já
escalava a lateral da carruagem pelo lado de fora, tentando chegar
ao posto de condutor sem quebrar o pescoço.
— Padraic! Pare!
Como ele esperava poder fazer alguma coisa? A carruagem
seguia em sua frenética viagem, sacudindo e ameaçando tombar,
até que, de repente, o veículo começou a perder velocidade. Quan-
do finalmente pararam, ela saltou apressada. Lorde Dunlanoe es-
tava lá para ampará-la.
— Oh, meu Deus! — ela o abraçou aflita.
— Está ferida?
— Não, não. Mas você...
— Estou bem.
Sim, agora podia ver que ele não sofrera nenhum ferimento.
Apenas a peruca pendia torta sobre sua cabeça. A jaqueta de seda
azul se rasgara em uma costura do ombro, mas era só isso.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Incrível, considerando o que o homem acabara de fazer. Lilianne
estava perplexa.
— Temos de voltar e encontrar o cocheiro.
Padraic foi o primeiro a vê-lo. O homem jazia inerte à beira da
estrada, entre alguns arbustos. Aparentemente, caíra sobre a pró-
pria cabeça.
— Fique aqui — Padraic decretou ao descer da carruagem. —
Não há nada mais a ser feito.
Devia ter imaginado que ela não acataria sua ordem.
— O pobre-coitado está morto? — ela perguntou, parando ao
lado do lorde na beira da estrada.
— Se não está, logo estará. Agora volte à carruagem. Ou vá
esperar à sombra das árvores. Longe daqui.
— Ele ainda está vivo. — Ajoelhada ao lado do cocheiro, Li-
lianne abriu as duas mãos sobre o corpo inerte.
O cocheiro abriu os olhos quando ela o tocou.
— Lilianne, pelo amor de Deus! — Padraic protestou.
Mas ela não o ouvia. Estava dominada pela forte energia que
fluía por seu corpo, penetrando pelo alto da cabeça e saindo pelos
dedos.
Lilianne cantava, ou murmurava alguma coisa. Estavam próxi-
mos, separados apenas pelo cocheiro ferido, mas era impossível
ouvir que palavras saíam de seus lábios.
E não tinha importância. O que quer que ela estivesse
dizendo, não faria diferença. O pobre homem morreria de qualquer
maneira. Ficaria ali para consolá-la depois do fracasso.
Padraic esperou, imaginando quando ela reconheceria a
derrota e desistiria do estranho procedimento. Intrigado, mudou de
posição para poder ver seu rosto... e quase desfaleceu de espanto.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ela parecia brilhar!
Ele olhou para cima, para o céu.
Lilianne suspirou.
— Como se sente agora? — perguntou sorridente ao
cocheiro.
— Como se o ar voltasse lentamente ao meu corpo, milady.
— Você vai ficar bem.
— Estou certo disso, milady. — O cocheiro sentou-se.
— Talvez lorde Dunlanoe possa ajudá-lo a se levantar —
Lilianne sugeriu.
Mas, ao olhar para Padraic, ela constatou que o lorde não
estava em condições de ajudar ninguém. Perplexo e pálido, ele a
fitava com a boca aberta e os olhos arregalados.
Centenas de velas iluminavam o opulento salão de baile de
Winston Hall. Padraic e Lilianne esperavam ser anunciados.
Enquanto aguardavam, ele identificou vários conhecidos de Londres
e Dublin, gente superficial que vivia para ir a festas e buscar pra-
zeres dos mais variados.
Lilianne tentara se recusar a acompanhá-lo. Havia sido
necessário um grande empenho para convencê-la, e agora não
sabia por que se esforçara tanto. Tinha um plano... Talvez ali
pudesse descobrir a verdade sobre Lilianne e sir Edwin. Sobre a
morte de seu pai. Ou, talvez, seu único objetivo fosse vê-la vestida
como uma princesa, pronta para o baile. Podia ser egoísta, às
vezes.
Queria abraçá-la. Beijá-la.
Impossível.
Sir Edwin aproximou-se para recebê-los.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Lorde Dunlanoe, lady Lilianne, é um prazer tê-los aqui esta
noite.
Seu traje de seda rosa ostentava pesado bordado, mas o
caimento deixava a desejar, resultado da súbita perda de peso. O
rouge e o pó não escondiam a palidez de seu rosto, nem
amenizavam a vermelhidão em seus olhos excessivamente
brilhantes.
Mas seus passos pareciam firmes quando, equilibrado sob os
saltos, ele conduziu Lilianne ao centro do salão para a primeira
quadrilha. Lilianne olhou para Padraic, e a aflição em seu rosto o
fez sentir-se um bastardo. Ela não queria dançar com Edwin. Não
queria estar perto dele. E quem poderia criticá-la por isso? Edwin
sempre fora repulsivo, e agora, emaciado como estava, portador de
uma enfermidade desconhecida... Bem, ele prometeu a si mesmo
que a levaria para casa o quanto antes, antes que a devassidão que
tornava famosos os bailes de Edwin se fizesse muito evidente.
Todos se comportavam bem, pelo menos por enquanto. As
mulheres estavam vestidas, embora rissem alto demais. Uma dama
que ele conhecera por meio de Edwin se aproximava, reforçando a
idéia de que não devia ter levado Lilianne àquele lugar. Ele mesmo
não devia ter ido.
— Lorde Dunlanoe, que encantador vê-lo!
— Lady Grey, o prazer é todo meu.
Lady Monique Grey era uma viúva entediada que dedicava
seu tempo e a considerável fortuna deixada pelo marido aos
prazeres da carne. Na última vez em que a vira, ambos estavam
nus e deitados sob um teto de espelhos. A lembrança não era
agradável.
— Esperava que viesse — ela disse, inclinando os seios em
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
sua direção. — Apesar de Edwin ter comentado que, ultimamente,
tem preferido a solidão.
Razão pela qual decidira aparecer essa noite. Sua reputação
de almofadinha devasso tinha de ser alimentada. Se os poderosos
começassem a questionar a futilidade de sua existência, poderiam
se perguntar de que forma empregava seu tempo.
— Preferi, até recentemente. Deve ter ouvido a notícia sobre a
morte de meu pai. Mas, encontrá-la aqui hoje me faz ter certeza de
que fiz bem em abandonar o luto.
— Esteve de luto... por seu pai? Como é deliciosamente
esperto! Senti sua falta, Padraic.
— Digo o mesmo. — Padraic traçou o contorno do decote ge-
neroso com a ponta de um dedo.
— Então, talvez possamos fazer alguma coisa para aliviar
qualquer... desconforto que possa ter experimentado em minha
ausência.
Padraic notou que Lilianne olhava em sua direção.
— Agora não, Monique.
— Ora, ora, noto que esteve fazendo experiências nesse
período. Sempre reconheci sua habilidade como amante, mas
agora sinto um certo... fervor em sua atitude. Talvez esteja pronto
para ser introduzido nos prazeres da dor. Não imagina como ela
pode tornar o sexo mais delicioso.
Padraic sempre tivera conhecimento de algumas das
perversões praticadas por Edwin e seus amigos. E sempre se
sentirá repelido por elas.
Monique prosseguia.
— Ora, aquela com Edwin não é a viúva de seu pai? A filha
do duque de Westbury... Ela é linda! Não é de estranhar que Edwin
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
esteja tão interessado pela jovem.
— Nesse momento Lilianne se encontra sob minha proteção.
— Oh, Padraic, é tão divertido quando você fala como se
realmente tivesse fibra! Não quero ofendê-lo. Considero-o perfeita-
mente delicioso como você é. De qualquer forma, deve saber que
Edwin tem planos para sua doce Lilianne.
Padraic não sabia como conseguira se livrar de lady Grey,
mas foi com enorme prazer que encheu os pulmões com o ar fresco
da noite. No jardim da mansão de Edwin, ele respirava fundo e
sentia-se... maculado.
Uma mácula que nem toda a água do mundo poderia lavar.
Por quase cinco anos, desde que retornara da Inglaterra,
levava uma vida dupla. Repugnava-o o grupo formado por Edwin e
seus amigos... amigos de lorde Dunlanoe. No entanto, sempre se
divertira enganando-os. Era um intruso no meio daquelas horrendas
pessoas, e nenhuma delas jamais suspeitara de nada.
Mas tudo isso mudara. Já não se divertia mais com a farsa. E
não tinha como encerrá-la.
Havia mais gente envolvida. O pai estava morto, mas
precisava pensar em Coyle e Alison, em Shamus, na tripulação do
barco, nos colonos de sua propriedade... em Lily.
Padraic olhou para os dançarinos no salão. Lilianne dançava
com Henry Wicklow, um indivíduo aparentemente inofensivo no
panorama geral. Ele o encontrou no salão de jogos.
Edwin estava reclinado sobre um divã, com a cabeça apoiada
em uma almofada de veludo, enquanto lady Grey distribuía as
fichas. Ele sorriu ao vê-lo entrar, um sorriso quase cadavérico.
— Aí está você, Padraic. Já me perguntava por onde poderia
andar. Sei que não aprecia muito a dança.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic aceitou uma taça de vinho do Porto, notando que
Edwin já estava embriagado.
— Estamos apostando algumas horas na cama com lady
Grey. Quer entrar no jogo?
Padraic balançou a cabeça.
— Não preciso desses artifícios para ter os favores de
Monique. Não é mesmo, minha cara?
Todos riram.
— Falta de esportividade, Padraic! Todos aqui sabemos que é
o preferido de lady Grey — Edwin comentou com voz pastosa. —
De minha parte, nem aceitaria o prêmio, se o conquistasse. Tenho
coisas mais importantes para fazer no momento.
— De fato? — Padraic indagou.
— Querido amigo, pretendo livrá-lo de um fardo esta noite.
— Oh... De que fardo estamos falando?
— Sua querida madrasta, é claro. Ela me pertence, como
sabe. E depois de hoje, pretendo tê-la de volta.
— Já discutimos isso antes, Edwin.
— Sim, sim, e você se comportou como o perfeito filho res-
ponsável. Muito astuto. Mas desnecessário.
— Não entendi.
— Lorde Westbury cedeu a mão da filha a mim, e agora ele
quer que eu a tome de volta.
— Ele disse isso a Lilianne?
— Não sei. Mas, depois de hoje, não terá importância.
— Por que não?
— Porque planejo... Ah, não. Antes, jure que não dirá nada a
ninguém.
Padraic jurou, sabendo que todos os presentes poderiam
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ouvir a declaração de Edwin, se assim desejassem.
— Vou levá-la para o meu quarto. E vou cuidar para que ela
perca a virgindade de uma vez por todas. Não fique tão chocado!
Não acredita que seu pai foi capaz de penetrá-la, não é?
Padraic obrigou-se a relaxar lentamente. Seus dedos tremiam
em torno dos braços da cadeira, um artifício para conter o impulso
de agarrar o pescoço de Edwin. Ele ergueu as sobrancelhas de
forma a se mostrar indiferente.
— Por que se incomodar tanto com aquela mulher?
Francamente, prefiro me deitar com lady Grey. Ela tem mais...
disposição, se é que me entende.
— Ora, ora... Não está pensando em tê-la, está?
— Lilianne? — Padraic gargalhou. — Prefiro me deitar com
uma ovelha. O que me surpreende é que não sinta o mesmo.
— Digamos que algo nela me atrai.
— A fortuna do pai dela, por exemplo? — Sir Anthony
arriscou, provocando uma gargalhada de Edwin.
— Há isso, também. Prometi me casar com ela, e já a teria
deflorado e a deixado grávida de um herdeiro meu, não fosse por
aquele seu pai papista. E ela também poderia cuidar de mim. Mas
ela fugiu, e agora... — Edwin tocou o próprio rosto, puxando a pele
flácida. — Veja só como estou.
— Parece um pouco pálido.
— Amanhã terei uma aparência bem melhor.
— Não creio que deva levar esse seu plano adiante.
— Não crê... Ouviu isso, Anthony? Nosso amigo Padraic nos
aconselha a desistir do plano para esta noite.
— É mais provável que ele queira participar, só isso —
Anthony respondeu, a voz abafada pela boca de lady Grey. — E
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não espere que eu esteja indisposto por ter vencido a aposta aqui.
Terei terminado antes que seja hora de pôr nosso plano em prática.
— Como vê, Padraic, você foi vencido pela maioria. E quanto
à sugestão de Anthony... Pode juntar-se a nós se quiser.
— Por mais delicioso que pareça, tenho de declinar.
— Ah, Padraic, perdeu mesmo o espírito esportivo! Mas sei de
algo que vai animá-lo. Recebi noticias de Kilroyne. O coronel
Morgan chegou. Logo aquele maldito Rebelde vai estar fora do
nosso caminho para sempre.
— Ah, essa é uma boa notícia.
— Sabia que a apreciaria. Não está contente por ter vindo ao
baile? Não vai arruinar minha surpresa para a bela Lilianne, vai?
— É claro que não.
Padraic mantinha o papel com grande dificuldade. E agora, o
que faria?
Lilianne atravessou o salão na direção da porta do hall. A
multidão parecia crescer com o com o passar o tempo. Havia
barulho, risadas, música... Queria ir embora. Devia ser quase meia-
noite, bora não pudesse encontrar um relógio para certificar-se
disso.
E não conseguia encontrar lorde Dunlanoe. Temia abrir as
meras portas alinhadas no corredor, porque já vira coisas horríveis
no salão, no hall e em outros cantos da casa.
Na verdade, a casa era um covil de más recordações.
Lembrava nitidamente a noite de sua fuga. Sim, a situação era
diferente. Para começar, estivera sozinha com sir Edwin, e agora
havia muita gente. Não se sentia tão vulnerável.
Mesmo assim, precisava encontrar Padraic. Queria ir embora
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daquele lugar o quanto antes,
Depois de visitar quatro ou cinco cômodos, todos ocupados
por casais em situações mais do que repreensíveis, ela chegou a
um aposento bem iluminado onde várias mesas de bilhar e
carteado. Havia muita gente ali. Inclusive sir Edwin.
— Ora, ora, se não é nossa adorável Lilianne!
—- Eu... procuro por lorde Dunlanoe. Sabe onde ele está?
— Padraic? Não o vejo há algum tempo. Vejamos, em nosso
último encontro ele se retirava para... deliciar-se com os encantos
de lady Grey. Alguém o viu depois disso?
Ninguém respondeu. Todos olhavam para ela.
Lilianne tentou não demonstrar desconforto.
— Bem, talvez ele tenha voltado ao salão de baile. Vou ver
se...
— Não nos deixe, doce Lilianne. Não vê como estamos ávidos
por sua companhia?
— Preciso encontrar lorde Dunlanoe.
— E eu, cara Lilianne, devo insistir para que permaneça
conosco.
Um homem aproximou-se dela. Lilianne engoliu em seco. Não
se deixaria intimidar.
— Bem, talvez eu fique... até lorde Dunlanoe retornar.
Com toda a dignidade que podia reunir, ela caminhou até a
cadeira indicada por sir Edwin. Estavam próximos demais para seu
conforto.
— É tão ruim assim, minha cara?
— Francamente, sir Edwin, não creio que tenhamos alguma
coisa a conversar. — Estava farta desses jogos. Era hora de parar.
O homem queria intimidá-la, e já havia decidido que tal coisa não
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
ocorreria. Então, restava a ela se impor.
— Está enganada, Lilianne. E vamos... fazer muito mais do
que conversar.
— Vou me retirar e...
Edwin segurou-a pelo braço, impedindo-a de deixar o assento.
Desesperada, Lilianne olhou em volta, certa de que alguém a
ajudaria. Mas, embora todos ali acompanhassem a cena com aten-
ção e interesse, ninguém se mostrava disposto a interrompê-la.
— Falarei a lorde Dunlanoe sobre esse tratamento mais do
que reprovável — ela o ameaçou.
Edwin riu. E tossiu. Quando conseguiu recuperar o fôlego, ele
balançou a cabeça.
—Pobre Lilianne! Ilude-se pensando que o filho de seu
falecido marido se importa com seu destino... — Ele se inclinou, e o
hálito fétido a atingiu em cheio. — Ele não se importa.
Lilianne virou a cabeça, olhando em volta mais uma vez.
— Ninguém se importa, Lilianne.
Antes que Edwin pudesse reagir, ela se levantou de um salto
e correu. Tentou sair, mas um criado bloqueava a porta.
— Agora chega — decretou sir Edwin. - Leve-a para meus
aposentos. — Aos outros, ele acrescentou— É evidente que
Lilianne precisa acalmar-se.
— Não, não permitam que ele faça isso - Lilianne suplicou aos
gritos, enquanto dois outros criados agarravam seus braços. — Ele
já tentou me violentar antes. Vai repetir a tentativa!
Suas palavras não causavam nenhuma diferença. Lilianne
gritava, mas ninguém a ouvia. Sua única esperança era que, a
caminho dos aposentos de sir Edwin, encontrassem alguém que a
defendesse. Mas isso não ocorreu.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ela foi levada para um quarto, um aposento que reconheceu
de imediato, e foi deixada lá dentro. A porta trancada por fora.
Não se deixaria vencer pelo medo. Preferia a fúria, a revolta, a
indignação...
Impelida a agir em defesa da própria integridade, ela acendeu
várias velas que encontrou na mesa da saleta e vasculhou o lugar
procurando alguma coisa que pudesse servir de arma. Não havia
nada. Ela ainda procurava, quando a porta se abriu.
— Agora somos só nós dois, doce Lilianne. Como devia ter
sido desde o início.
— Já disse que não posso fazer o que quer.
— Não pode... mas vai fazer. Sei que poderei persuadi-la.
temos todo o tempo do mundo.
— Nada que faça poderá me convencer. É mais forte do que
eu.
— Pensa que não ouvi falar em seus milagres? Colonos
MIseráveis e jovens vadias... Você os cura, mas prefere me deixar
afogado no sofrimento! Tem alguma idéia da agonia em que me
encontro?
— Solte-me!
Ele a segurava pelos braços com força imprecionante para um
enfermo.
— Oh, você terá sua liberdade... depois de me curar. Depois
de estarmos casados!
— Não posso... — Edwin torceu seu braço, e a dor a
silenciou.
— Não pode o quê? Casar-se comigo? Acha que me
incomodo com aquele falso casamento com o velho? Com seu luto?
Seu casamento poderia ser anulado! O velho era um papista!
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Mesmo que não estivesse morto, eu a teria tomado para mim, e
ninguém poderia ter impedido.
— Meu pai o fará...
— Não seja tola! Lorde Westbury encarregou-me de desposá-
la, e cumprirei meu dever. — Ele a jogou sobre a cama.
Lilianne levantou-se com a agilidade conferida pelo pavor.
Arfante, ela o encarou:
— Se me fizer algum mal, jamais o curarei!
A bofetada foi tão rápida, que ela nem teve tempo para
levantar a mão e defender-se. A violência do golpe a derrubou
sobre a cama. A dor alimentou a fúria que a enchia de coragem.
— Está morrendo, Edwin! Nós dois sabemos disso. E será
uma morte lenta e dolorosa...
— Sim, eu sei, mas se não me tocar com suas mãos
encantadas. .. se não me curar... seu sofrimento será ainda maior
que o meu. Serei o instrumento de sua dor, doce Lilianne. Farei
com que sofra enquanto estiver vivo, e depois de minha morte, por
meio do meu legado. Quanto tempo acha que terá até que as
pústulas marquem sua pele alva e imaculada?
CAPÍTULO V
— Você enlouqueceu! —Lilianne tentava controlar a res-
piração... e o medo. Uma coisa era imaginar a maldade de Edwin,
outra era conhecê-la de perto. Podia ver a loucura em seus olhos.
Ele já havia implorado por uma cura. Alegara uma
enfermidade digestiva. Não conseguia reter os alimentos no
estômago, e temia continuar perdendo peso até perecer. Lilianne
havia tentado, mas, como ocorrera com sua mãe e com outras
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
pessoas, não obtivera êxito. A fúria do lorde a assustara... mesmo
depois de ter lidado com pessoas como seu pai.
E agora entendia a razão do próprio medo.
— Louco, eu? — Ele riu. — Mesmo que esteja, a culpa é sua!
— Já disse que não posso fazer nada para curá-lo.
— Não quer fazer nada!
— Não! Não é verdade. — Ela olhou para a porta. — mas,
talvez... Talvez eu deva tentar novamente. Pode não ter funcionado
na primeira vez, mas agora... Agora devemos...
— Faça logo o que tem de fazer.
— Não posso. Não enquanto estiver segurando meu braço. —
Ele a soltou. — Agora deve deitar-se. Não posso curá-lo como está,
em pé e tenso.
Ele se deitou, atento aos movimentos de Lilianne.
— Feche os olhos. — Esperava poder fugir, mas, ao fechar os
olhos, ele a segurou por um braço.
Resignada, ela respirou fundo e estendeu as mãos, inclusive
aquela que ele segurava, sobre seu corpo. E esperou pela
sensação da energia fluindo. Nada. Rezando, pediu a Deus para
socorrê-la com mais um milagre. Os dedos de Edwin soltaram seu
pulso, mas agarraram seu vestido. Permanecia cativa.
De repente, sentiu que Edwin respirava mais lentamente. Os
dedos no cetim de sua saia pareciam flácidos, relaxados.
Ela decidiu aproveitar o momento. E correu.
Ainda estava longe da porta, quando ouviu o grito furioso e
som dos sapatos tocando o chão. Segundos depois, os braços a
enlaçaram pela cintura.
— Sua... prostituta mentirosa! Deus amaldiçoe sua alma
traiçoeira!
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não, não! Eu tentei! É impossível! Solte-me!
— Vai aprender uma lição. Uma lição que já devia ter
aprendido há muito tempo. — Edwin a jogou sobre a cama. Lilianne
tentou escapar, mas ele a imobilizou com o peso do corpo. Mesmo
sabendo que ninguém a ajudaria, ela gritou. Não podia mais
controlar o pânico.
— Por favor, não. Não!
— Ah, agora está suplicando — ele riu, tocando seu corpo
como o devasso libertino que era. — Por que não experimenta
continuar implorando?
— Talvez você deva começar a suplicar por misericórdia.
Lilianne pensou ter ouvido a voz baixa, mas devia ser sua
imaginação, apenas. Ou não? Por que Edwin se virava com aquela
atitude sobressaltada? Por que estava tão pálido?
— Muito bem, levante-se devagar. Ei, ei, não tão depressa.
Não quer me assustar, quer? Posso escorregar, e então...
— O que faz aqui?
— Creio que a resposta é óbvia. Vim resgatar a dama. — A
ponta de sua adaga encontrou a pele de Edwin.
— Ela não precisa de resgate. — Edwin recuou, tentando se
esquivar do metal frio. Uma gota de sangue manchou a renda da
frente de sua camisa. — Ela será minha esposa.
— Sua esposa, é? E o que a dama tem a dizer sobre isso? —
Padraic acenou com a adaga indicando que Edwin devia se afastar
da cama. Lilianne levantou-se de um salto, empurrando os cabelos
para trás.
— Não me casarei com esse homem. Nunca!
— Veremos o que seu pai tem a dizer sobre isso. — Foi então
que Edwin cometeu o terrível erro de investir contra Lilianne.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic pressionou a ponta da adaga contra seu peito,
rasgando seda, renda... e carne. Um rastro vermelho surgiu onde
antes estivera o metal.
Edwin gritou, baixando a cabeça para examinar o ferimento.
Quando ergueu o olhar novamente, ele estava ainda mais pálido
que antes.
— Não se engane comigo — Padraic avisou por entre os
dentes. — Não vou admitir que volte a tocar nesta mulher. — Ele se
aproximou, apoiando a arma em seu peito mais uma vez. — Ou
terei de voltar para mais uma visita... e com uma espada ainda
maior e mais afiada. Entendeu bem?
— Edwin assentiu, tentando limpar o sangue que molhava sua
camisa.
— Agora sente-se. — Padraic apontou a cadeira ao lado da
escrivaninha.
— Mas eu estou sangrando.
— E perderá ainda mais sangue, se não fizer o que digo.
Ponha os braços para trás. — Padraic retirou do bolso da jaqueta
uma tira de couro. Entregando a adaga a Lilianne, ele amarrou os
pulsos de Edwin. Depois usou um pedaço de renda da própria
roupa do lorde para amordaçá-lo. Concluído o trabalho, ele
recuperou a adaga. — Vamos — disse, segurando a mão de
Lilianne. — Abra a porta, Lily, por favor. E verifique o corredor.
— Não há ninguém aqui — ela disse depois de olhar para a
porta.
— Que bom. Nesse caso, só nos resta dizer adeus.
— A casa está cheia de gente — Lilianne lembrou enquanto
ele praticamente a arrastava para a escada.
No andar de baixo, o primeiro, um homem visivelmente
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
embriagado os viu e, chocado, começou a gritar.
— O Rebelde! O Rebelde!
Portas se abriram. Cabeças surgiram. Dezenas de olhos
curiosos os estudavam.
Padraic segurou Lilianne bem perto do corpo e, empunhando
a adaga, sacou também a pistola que levava presa ao cinto. A sur-
presa a fez gritar, o que acrescentou um certo tom realista à cena.
— Um passo de qualquer um de vocês, e eu a mato!
Lentamente, ele a empurrava pelo corredor para a porta,
esperando poder alcançá-la antes de alguém resolver tomar uma
atitude heróica. A música parou. Uma pequena multidão se
aglomerava na porta de ligação entre o salão de baile e o corredor.
Em pouco tempo alguém lembraria que Lily não era
exatamente a convidada de honra, e que a morte do Rebelde
justificaria qualquer sacrifício que pudesse advir dela.
Padraic sussurrou:
— Ao meu sinal, grite. Depois, corra para a porta.
— Sim, mas...
O Rebelde começou a gritar ameaças, jurando matá-la se al-
guém se movesse. Enquanto isso, ela tentava adivinhar que sinal
seria esse.
Uma explosão ecoou em seus ouvidos.
Um tiro.
Ele nem precisava ter mandado. O grito foi uma reação
espontânea. Lilianne correu para a porta. O Rebelde a seguiu, e
ainda disparou mais um tiro antes de sair. Na varanda, ele segurou
sua mão e assobiou.
A aproximação de Raven provocou um arrepio que ela não
conseguiu conter. O Rebelde montou e, enlaçando-a pela cintura,
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
colocou-a sobre o cavalo.
Ainda estavam próximos de Winston Hall, quando Lilianne
perguntou:
— Como soube...? Desde quando sabe que menti? Em algum
momento acreditou que eu fosse mesmo a filha de um colono
miserável?
Padraic reduziu o galope de Raven a um trote.
— Sabia quem você era.
— Desde o início? Desde a primeira vez em que me viu no
penhasco?
— Sim.
— Então... por quê? Não entendo.
— Por que permiti que a farsa prosseguisse?
— Sim.
— Sou um homem que sabe sobre farsas, Lily. Não tenho o
direito de desmascarar ninguém.
Prosseguiram em silêncio. Quem quer que fosse esse
homem, ele tinha razões de sobra para esconder sua identidade.
Mas agora sabia quem ela era. Sabia e aceitava. Mas o Rebelde
ainda era um enigma para ela.
Padraic a levou novamente ao local onde havia a catarata.
— Acha que esta noite veremos o arco da lua?
— Não sei, mas... Bem, sempre há uma chance — ele
respondeu sorrindo.
— Uma chance... — O Rebelde desmontou e ajudou-a a
descer do cavalo. No chão, ela se afastou alguns passos. Era hora
de falar com seriedade. — Conhece Oliver Rafferty? Ou lorde
Dunlanoe? Ou meu pai, lorde Westbury?
— Conheço você, Lily. E já ouvi falar neles.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Seus inimigos.
— Alguns, sim, mas não todos.
— Julga-me tola?
— Lily, eu...
— Não, por favor, não me toque.
— Olhe para mim, Lily. — Ele esperou que Lilianne o enca-
rasse. — Como pode pensar que eu, um homem que usa uma
máscara, tem o direito de questioná-la ou julgá-la? Acha que não
quero me mostrar como realmente sou? Acredita que não desejo
revelar minha verdadeira identidade? A você, minha doce Lily?
— Eu... tive medo. Por isso menti.
— Lily...
— Não, escute. Só queria explicar, dizer que não tem nada a
temer comigo. Eu nunca o trairia. Por favor, acredite em mim.
— Lily. Não é esse o meu medo, minha querida.
— Então, qual é? Por que não permite que o veja?
— Temo por você, minha doce Lily. Só isso.
— Não entendo.
— Vivemos tempos perigosos.— Ele a tomou nos braços.
Chegava a desejar que ela resistisse, mas não foi o que aconteceu.
Lilianne estava tão entregue àquela paixão quanto ele mesmo. —
Não devia ter trazido você aqui.
— Salvou-me de Edwin.
— Sim, mas o simples fato de me conhecer é um risco.
— Um risco que estou disposta a correr.
Padraic não conseguiu conter-se. Beijou-a.
Pretendia parar no primeiro beijo, mas um levava a outro, e a
outro... As carícias ganhavam ardor, o desejo atingia um patamar
surpreendente, incontrolável...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Lily... — Devia desistir dela, mandá-la para algum lugar
bem distante da Irlanda, mas sabia que não faria tal coisa. Porque
não era capaz disso.
Sem deixar de beijá-la, ele removeu a capa de sobre seus
ombros e a estendeu sobre a relva. Juntos, se sentaram. E se
deitaram. E se beijaram, e se tocaram...
Era inútil negar. Estava apaixonado por ela. Pela viúva de seu
pai. E a queria como jamais desejara outra mulher.
Por Deus, se Lilianne não resistisse, fariam amor ali mesmo,
sobre a relva, a céu aberto...
Ela nem tentou resistir. Pelo contrário, suas mãos hesitantes o
convidavam ao prazer. Um convite doce, quente, irresistível...
Lilianne entregava sua inocência ao Rebelde. Um homem que
não conhecia, alguém cujo rosto jamais vira. Mesmo tendo sido
casada, jamais havia estado com um homem. Ele seria o primeiro.
A experiência foi marcante. Inesquecível. Doce, apesar da dor
inicial.
— Espero que não se arrependa disso quando o dia chegar,
Lily.
— Não. Jamais lamentarei o que vivemos aqui esta noite.
Nem esquecerei um só momento desse nosso encontro.
— Então, devemos preencher todo o nosso tempo com
recordações significativas.
O sorriso que iluminou o rosto de Lilianne era tão cintilante
quanto a luz da lua. Jamais alguém depositara tão grande confiança
nele. Sem ver seu rosto, sem conhecer sua identidade, ela se
entregava por completo, sem reservas e sem condições. Sabia que
nunca mais a esqueceria. Nem poderia arrancá-la de seu coração.
— Antes de voltarmos à vida real, minha doce Lily, quero que
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
me prometa algo importante.
— O que é?
— Deve confiar em lorde Dunlanoe.
— Confiar...? Impossível! Edwin disse que ele sabia sobre
seus planos, e mesmo assim não tentou me proteger daquele
devasso insano.
— Não acredite em tudo que Edwin diz. Ou melhor, não
acredite em nada do que ele diz. Lorde Dunlanoe fará o que for
melhor para você, Lily.
— Mas...
— Prometa-me que vai fazer o que ele disser.
— Como posso fazer tal promessa. Não sei o que ele vai
dizer.
— Ele cuidará para que nada de mal aconteça com você. —
Estava falando demais. — Vamos, prometa que vai seguir todas as
orientações de lorde Dunlanoe. Não quero que sofra nenhum mal,
doce Lily.
— Está bem. Farei como está sugerindo.
— Ótimo. — Ele a abraçou aliviado. Depois se levantou e
anunciou o momento da partida.
Era hora de retornarem à realidade.
Mais tarde, sozinha em seu quarto, Lilianne lembrou-se de um
detalhe que havia ficado gravado em sua memória.
Azuis...
Os olhos do Rebelde eram azuis.
— Vai passar o dia todo na cama?
Padraic pôs o travesseiro sobre a cabeça. Shamus insistiu em
permanecer no quarto, abrindo e fechando gavetas e armários.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic explodiu.
— O que pensa que está fazendo? Estou dormindo! Ou
estava, até você chegar! Que horas são?
— Dez e meia.
— Dez e meia? — Voltara para casa perto do amanhecer. —
Preciso dormir mais.
— Lady Lilianne já está em pé.
— Ela é mais forte que eu, obviamente. E deve ter ido dormir
mais cedo do que eu fui — acrescentou, fingindo não entender a
insinuação do velho pajem.
— Realmente? Seria capaz de jurar que a vi entrando no
castelo pouco antes do amanhecer.
O homem tinha o instinto de um perdigueiro!
— Saia daqui. Mandarei chamá-lo quando quiser me levantar.
— Se continuar na cama, deixará de ver o cavalheiro que
agora se encontra com lady Lilianne no salão.
—Maldição! Edwin novamente? Dessa vez vou arrancar
seus...
— Eu disse que era Edwin? Sente-se. Precisamos cuidar
dessa barba. E onde pensa que vai vestido dessa maneira?
Não estava pensando. Essa era a verdade. Furioso, Padraic
sentou-se na banqueta diante do toucador, enquanto Shamus o
transformava em lorde Dunlanoe.
— Ainda não me disse quem está no salão com lady Lilianne.
Quando ouviu a resposta, ele se levantou de um salto.
— Por que não disse antes que ele estava aqui?
— Eu disse.
— Trate de se apressar. Preciso descer o quanto antes.
Quando Shamus terminou de ajeitar a peruca sobre sua cabeça e
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
retocou o pó e o rouge, Padraic estava a um passo de uma ex-
plosão temperamental.
— Maldição! O que Foxworth Morgan está fazendo aqui? —
Sabia que o coronel planejava capturar o Rebelde, mas... Por que
ali, em Dunlanoe. — Disse que ele perguntou por Lilianne? Não por
mim?
— Foi o que me disseram. O homem nem mencionou seu
nome.
Resignado, Padraic deixou o quarto caminhando tão depressa
quanto os sapatos altos e o ferimento na perna permitiam. Quando
se aproximou da porta do salão, a risada de Lily o fez parar.
Ela se inclinava para o coronel, a mão tocando delicadamente
a manga de sua jaqueta, um lindo sorriso iluminando seu rosto. Ao
ver lorde Padraic entrando no aposento, ela deixou de sorrir.
— Lorde Dunlanoe.
— Espero não estar interrompendo nada.
— Não, não, de jeito nenhum.
Morgan se pôs em pé, e Lilianne fez as apresentações.
— O coronel Morgan é meu primo — concluiu.
— Seu primo? — Temia ser reconhecido como o homem que
havia caído ferido no campo de batalha em Culloden, mas... Não.
Com a peruca, o pó e o rouge, isso seria impossível. Em alguns
momentos, nem ele mesmo se reconhecia. Mas não havia como
negar o intenso escrutínio de Morgan.
— Sim, nós nos víamos raramente, mas lembro-me de uma
visita que minha mãe e eu fizemos à casa dele em Londres. Foi um
momento delicioso.
— Principalmente por causa de minha querida irmã, se bem
me lembro.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Sim, lady Zoe. Espero que sua saúde tenha melhorado. Ela
era uma criatura muito delicada.
— Não a reconheceria agora. Na última vez em que a vi, Zoe
era a imagem da saúde. Ela se preparava para fazer uma viagem
por mar. Ela e o marido embarcaram para o Novo Mundo.
— Que aventura!
— Recebi uma mensagem pouco antes de deixar Londres.
Zoe agora é mãe, e eu sou tio. De um menino. Pretendo
empreender a mesma viagem para ir conhecer essa criança assim
que for possível. Assim que capturar o Rebelde. Então, pretendo
me demitir do cargo e ir viver uma vida pacata na América.
— Veio para capturar o Rebelde? — Lilianne empalideceu, e
Padraic decidiu que ela não era capaz de esconder as emoções.
— Excelente — disse, interferindo na conversa e capturando a
atenção de Morgan, desviando-a de Lilianne. — O infeliz anda por
aqui à vontade, assediando cidadãos honestos como... bem, como
sir Edwin.
— Sim, lorde Dunlanoe. Se bem me lembro, foi ele quem
solicitou nossa presença. Ou melhor, exigiu.
— E fez muito bem. Não concorda comigo, Lilianne?
— O quê? Oh, sim, é claro... Não podemos...— Estava
confusa, lenta. Dormira pouco, e agora pagava o preço da noite de
aventura e paixão. — Aceita mais chá, Foxworth?
— Não, obrigado. Na verdade, preciso ir. Tenho deveres a
cumprir. E agora que já entreguei a mensagem de seu pai, devo me
retirar.
O coronel retirou-se e, sonolenta, Lilianne seguiu para seus
aposentos levando a carta do pai.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ele exigia que se casasse com Edwin.
Imediatamente.
Acusando-a de insanidade por ter deixado Winston Hall, ele
exigia saber por que ousava desobedecer a uma ordem sua, se a
enviara para lá com uma única finalidade, justamente a de se casar
com Edwin.
O casamento com Oliver Rafferty não parecia ter importância.
Seu único interesse parecia ser Edwin e o casamento.
Lilianne sabia que não poderia se casar com Edwin.
Especialmente depois da noite anterior. Sabia com certeza que o
homem era capaz de atos violentos, um homem enlouquecido por
uma enfermidade que ela, por mais que tentasse, não podia curar.
Odiava lembrar o olhar acusador do pai quando, derrotada,
confessara a incapacidade de salvar a vida da própria mãe. Por
que, em alguns momentos, detinha o poder de curar as pessoas, e
em outros nada acontecia?
Sabia que era só isso que Edwin esperava dela: a cura. E isso
era justamente o que não podia dar a ele.
— O que pode ser tão urgente a ponto de me tirar da mesa do
desjejum e da companhia de minha esposa?
Padraic viu Coyle entrar na caverna munido de uma lanterna.
Havia retirado a peruca, mas ainda tinha o rosto coberto de pó
e tingido pelo rouge.
— Fico feliz por ter vindo, embora não tenha ordenado a
Shamus para interromper seu desjejum. E por que estava tomando
café tão tarde?
— Nós, ah... dormimos até mais tarde. Não tinha nenhum
compromisso importante.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Bem, confesso que tudo isso também me surpreendeu,
embora já devesse saber...
— Saber o quê? O que faz aqui? Havíamos combinado que a
limpeza do lugar esperaria até a semana que vem, e só então
voltaríamos ao continente.
Padraic deixou os papéis que examinava sobre uma mesa
improvisada e encarou o amigo.
— Recebi um visitante hoje. O coronel Foxworth Morgan.
— O coronel esteve aqui?
— Em minha casa, sim. E é primo de Lilianne. Trouxe uma
mensagem do pai dela.
—Bem... presumo que ele não o tenha visto vestido de
Rebelde.
— É claro que não.
— Então, por que está tão preocupado? Já enganou pessoas
mais astutas do que esse oficial britânico.
— Não aposte nisso.
— Por quê? Acha que ele desconfia de você? De seu
disfarce?
— Não sei o que ele pensa... ou imagina saber. O que sei é
que já nos encontramos antes.
— Você e o coronel?
— Sim. Devia ter contado antes, mas não pensei que fosse
importante. Ou pensei... Não sei. Ele estava em Culloden.
— Como muitos ingleses.
— Sim, mas ele... Ele teve um papel diferente.
— Como?
— Bem, o combinado era que, caso a batalha parecesse ir
mal para os escoceses, e, francamente, nunca pensei que pudesse
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
ser diferente, eu deveria encontrar o príncipe na estrada para Inver-
ness, e de lá levá-lo para o The Rebel's Pride. A bordo do navio, ele
seria levado para a França, ou mais ao norte, para as Terras Altas.
— Um plano bem sensato.
— Sim. Mas ninguém contava com todo aquele pânico e com
a confusão. Ninguém esperava que eu fosse ferido logo no início da
batalha. Eu vestia uma túnica escarlate, um disfarce sem nenhuma
originalidade, mas que despertaria a ira de um terço dos homens ali
presentes. E isso fazia parte do plano.
— Ainda não entendo o que tudo isso tem a ver com o coronel
Morgan. Ou com o Rebelde.
— Cheguei à estrada para Inverness, e fui longe o bastante
para acreditar que poderia encontrar o príncipe. Mas a batalha era
uma incógnita... sempre mudando de direção... vindo na minha
direção. E eu perdia muito sangue. Finalmente, tive de me apoiar
em uma rocha. No estado delirante em que me encontrava,
imaginava que o príncipe iria até ali e me encontraria. Ou... talvez
tivesse simplesmente desistido do plano. Não sei. O fato é que fui
encontrado por um escocês. Ele carregava um homem idoso, seu
pai, e... Bem, quando nos encaramos, foi como se nos
conhecêssemos havia muito tempo.
— Talvez o conhecesse, mesmo. Já viajou muito, meu caro.
— Não. Como posso explicar? Não pensei tê-lo encontrado
nesta vida.
— Quando, então?
— Em outra vida, talvez? Não sei.
— Paddy, não existe outra vida.
— Eu teria concordado com você... antes de Culloden.
— Ah, bem... E o que aconteceu depois da chegada do
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
escocês?
— Tropas britânicas o seguiram. Houve uma luta feroz. Um
soldado o teria matado, mas eu o vi... e atirei contra ele.
— Uma aliança natural, considerando que o homem era um
escocês e partilhava de seus ideais.
— Sim, eu também acreditava nisso, até hoje... Mas agora sei
que foi mais do que isso.
— O que aconteceu depois de você ter atirado contra o
soldado inglês?
— Mais tropas chegaram. O escocês foi cercado, e era
evidente que estava fadado à morte. Então... Morgan apareceu.
— Ah, chegamos ao centro da questão!
— Tive o mesmo sentimento por ele.
— O de que já o conhecia?
— Exatamente. Todos nós sentíamos o mesmo. Era possível
perceber. Os escoceses se renderam ao coronel.
— Você disse que não havia esperança para eles.
— Sim, mas não foi esse o motivo. Sei que tudo soa muito
estranho, e nem eu mesmo consigo entender, mas... sei que foi
assim. E hoje de manhã, quando o coronel Morgan esteve em mi-
nha casa, tive o mesmo sentimento. E ele também. Reconheceu-
me. Ele sabe quem sou.
— Ele disse alguma coisa?
— Não.
— Então... Paddy, não acha que pode estar imaginando tudo
isso? Uma batalha como aquela de Culloden pode causar grandes
prejuízos ao equilíbrio mental de um homem. Não quero dizer que
esteja louco, mas...
— Não, Coyle. Morgan vai voltar. E não quero que vocês
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
caiam comigo. Acho que devemos remover nossos suprimentos
daqui. E estou pensando em me afastar por um tempo.
— Para onde vai? Por quanto tempo?
— Para o continente. Inglaterra, talvez. Não sei. Com o fim
das atividades do Rebelde, Morgan também partirá. Se eu ficar, o
Rebelde será capturado e desmascarado, e todos vocês correrão
riscos incalculáveis.
Há muito Padraic aceitara que a prisão seria seu fim. Não que
desejasse esse fim, mas tinha de conformar-se com o inevitável. O
que não admitia era a idéia de pôr em risco aqueles a quem mais
amava. Por isso, a farsa de lorde Dunlanoe deixara de ser um
disfarce seguro.
Lilianne olhou para a janela, esquecendo a bandeja com o
jantar intocado. A noite se aproximava, trazendo ânimo e
esperança. Em breve deixaria as paredes sufocantes do castelo
para ir ao penhasco. O dia havia sido longo...
Tinha dores na cabeça e nas pernas. Devia comer alguma
coisa, repousar... Devia ter descido para jantar com lorde Dunlanoe,
agido como se nada houvesse acontecido.
A preocupação dele havia sido evidente.
Um criado fora indagar sobre sua saúde. Não era sensato
despertar as suspeitas do lorde. Não com o plano que tinha em
mente.
Horas mais tarde, encoberta pela escuridão, Lilianne buscou a
saída dos criados levando um fardo oculto sob o manto. Meias, um
lençol, saiotes e um xale. Levava apenas o necessário e as moedas
que restavam da pequena fortuna que o Rebelde lhe havia dado no
primeiro encontro.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Se tudo acontecesse de acordo com seus planos, se pudesse
convencer o Rebelde a levá-la, ambos desapareceriam na noite.
Não retornaria a Dunlanoe. O bilhete para o lorde ficara sobre a
mesa. Pedia a ele para conter qualquer impulso de procurá-la. E
pedia também seu perdão por estar sendo tão ingrata.
Padraic a viu deixando o castelo. A nota ficou caída no chão,
esquecida por um momento, enquanto ele a seguia com os olhos.
Lily ficaria desapontada e magoada com a ausência do
Rebelde. Ele também sofria. Mas não havia nada que pudesse
fazer. Vê-la novamente só tornaria maior a dor quando tivesse de
partir. Lilianne precisava aceitar seu destino. E ele aceitaria o que a
vida lhe reservava.
Padraic permaneceu parado diante da janela, vendo o céu
mudar de cor até se tingir de rosa pouco antes do amanhecer. Dali
a viu retornar com os ombros caídos, decepcionada e triste. Só
então ele se abaixou para recolher a mensagem do chão,
devolvendo-a ao local onde a encontrara, na mesa ao lado da cama
dela. Depois, massageando a perna que doía sem parar, ele deixou
o quarto de sua amada Lilianne.
— Lorde Dunlanoe, não sabia que estava aqui.
Padraic levantou-se ao ver Lilianne entrar na sala de
desjejum, um aposento claro e ensolarado. Eram pouco mais de
nove da manhã e, embora houvesse dormido pouco, ela continuava
linda.
— Não quero ser inconveniente. Vejo que está ocupado.
— Não, não vá! — O que estava fazendo? Precisava lembrar
que estava ali representando um papel! Queria pôr tudo a perder?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Quero dizer... — Ele retomou com o tom agudo de lorde
Dunlanoe —, não estou fazendo nada importante. — E recolheu a
papelada espalhada sobre a mesa, entre os pratos com alimentos,
como se não tivessem nenhum significado. — Lidar com colonos 6
sempre um grande aborrecimento. Mas é o preço que se paga por
ser proprietário de terras.
— Seus colonos parecem muito satisfeitos, lorde Dunlanoe.
— É mesmo? — Não era essa a imagem que desejava
cultivar. A do senhor benevolente e justo. — Bem, quanto menos
reclamam, mais eles produzem, suponho.
— É uma maneira de tratar o assunto, suponho.
— Bem, devo me desculpar por tê-la abandonado no baile.
Devia ter conversado com você ontem, mas não a encontrei e... Ah,
o que importa é que conseguiu voltar para casa sem mim. Feliz-
mente, deixou a festa antes da chegada daquele maldito Rebelde.
— O Rebelde esteve lá... em Winston Hall? — E ele não sabia
que havia deixado a festa com o Rebelde? Ou que sir Edwin havia
tentado violentá-la?
— Foi o que ouvi por lá. Na verdade, eu estava... Bem,
digamos que eu estava indisposto naquele momento. Por isso não o
vi. Mas, pelo que entendi, o homem criou uma tremenda confusão.
Exibiu armas, inclusive, e fez ameaças horríveis. Vários cavalheiros
que tentaram se defender acabaram feridos. Felizmente, seu primo
chegou e se apresentou para capturá-lo.
— Oh... sim. E foi só isso que aconteceu?
— Só isso? O que esperava, minha cara? Cadáveres?
— Não, é claro que não. É que...
— Suponho que possa tentar curá-los, se quiser. Não foram
ferimentos mortais. Se achar conveniente, podemos ir à casa de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Edwin e...
— Não! Por favor, eu... não desejo ver sir Edwin.
— É compreensível, considerando que Winston Hall é pratica-
mente um ímã para o Rebelde. Duvido que queira voltar lá.
Pode confiar em lorde Dunlanoe.
Lílianne fitou os olhos azuis. Lorde Dunlanoe estava
oferecendo uma desculpa para ela se manter afastada de Winston
Hall para sempre. E era isso que queria. Mas como lorde Dunlanoe
podia saber disso? Ele nem parecia ter conhecimento sobre o que
de fato acontecera no baile. Sobre o que sir Edwin havia tentado
fazer.
Lilianne aceitou a xícara de chocolate servida por um criado e
sorveu um pequeno gole.
— Sim — respondeu finalmente.— A idéia de voltar a Winston
Hall me amedronta. Não pretendo retornar.
— Excelente. Então, está acertado.
Sim, acertado. Era um alívio não ter de explicar aquela noite a
lorde Dunlanoe. Ele jamais acreditaria que seu amigo Edwin era
capaz de estupro, ou coisa pior. De qualquer maneira, Lilianne não
desejava insistir nesse assunto. Desde que estivesse protegida
contra Edwin e bem longe dele... Mas sabia que não estava. Não
depois da mensagem enviada por seu pai. Só se sentia segura na
companhia do Rebelde. Talvez o encontrasse mais tarde, sob o
manto da noite.
Quando terminou de beber o chocolate e deixou a xícara
vazia sobre a mesa, Lilianne descobriu que lorde Dunlanoe a
estudava com seus profundos olhos azuis.
— Há mais alguma coisa que queira dizer, milorde?
— Ah, sim. Ainda há uma coisa. — Padraic respirou fundo,
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
tentando formar as palavras em sua mente. No final, tudo que
conseguiu foi sugerir uma caminhada pelo jardim.
— Seu canteiro de ervas parece estar indo bem.
— De fato. Perdoe-me por perguntar, lorde Dunlanoe, mas
sua perna o está incomodando hoje?
Fazia um grande esforço para não mancar, mas era inútil.
— Bobagem. Não é nada. — E era melhor dizer logo o que
devia ser resolvido. — Ontem seu primo mencionou uma carta
enviada por seu pai. Tomei a liberdade de enviar uma mensagem a
ele, também.
— Escreveu para meu pai?
— Sim. — Sabia que ela não desejava voltar à Inglaterra, mas
era o melhor que podia fazer. O Rebelde não estaria por perto na
próxima vez em que Edwin decidisse importuná-la. — Deve
compreender que, quando acertamos sua estadia aqui em
Dunlanbe, fizemos apenas um arranjo temporário. Até se recuperar
do choque causado pela morte de meu... de seu marido.
— O que fiz para ofendê-lo?
— Ofender? Não, não, não é nada disso. Apenas penso que
estaria mais feliz com sua família.
— Entendo.
— É claro que não precisa partir imediatamente... Mas creio
que seria benéfico e vantajoso começar uma correspondência. As
passagens precisam ser providenciadas. Enviarei criados para
acompanhá-la, é claro.
— Não precisa se incomodar com uma viagem marítima. Meu
pai insiste em que me case com Edwin.
— Mas isso... maldição! — Padraic tocou a perna depois de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
dar um passo mais largo. A dor era insuportável.
— O que foi? Oh, sua perna! Venha, sente-se aqui — Lilianne
o fez descansar em um banco.
— Não é nada. Lilianne, não...
— Não vou machucá-lo, Padraic.
— Mas... — Outra onda de dor o fez calar.
— Fique quieto.
— Pelo amor de Deus, Lily!
O olhar chocado da lady o fez silenciar. Esquecera-se de usar
o tom agudo de lorde Dunlanoe, o que a intrigava, certamente.
Precisava sair dali.
— Por favor, chame Shamus. Ele me ajudará a voltar para
casa.
— E então, tentará afogar a dor em uísque. Não olhe para
mim como se não soubesse do que estou falando, milorde. Tenho
visto como a bebida é sua companhia de todas as noites.
— Talvez eu seja apenas um homem que aprecia o torpor
proporcionado pelo álcool.
— Não acredito nisso.
— Isso prova que pouco sabe a meu respeito. Escute, não
quero que me cure. Não quero...
Mas era tarde demais. Lilianne deslizava as mãos por seus
joelhos, tocando levemente a seda fria. Se aquilo era um feitiço,
começou assim que se fez o contato. Era difícil conter os gemidos
de prazer.
Padraic respirou fundo, rezando para que o desejo não se
fizesse evidente demais.
De olhos fechados, ela entoava cânticos e orações, como os
que entoara com o cocheiro acidentado. Padraic não podia fazer
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
nada além de esperar. Sentia o calor que emanava daquelas mãos
delicadas, via a luminosidade em seu rosto... Não. Era melhor
pensar na batalha. Nos pântanos perto de Culloden. No frio, na
névoa e na confusão. Por Deus, como pudera acreditar que
encontraria o príncipe Charles naquele caos?
Mas havia tentado. Porque os que suportavam o príncipe
acreditavam no pior. E o pior acontecera.
Então, Padraic levara o The Rebel's Pride para a Escócia e
escondera a embarcação em uma enseada perto de Culloden.
Vestindo uma túnica escarlate do exército britânico,
desembarcara... e logo fora alvejado por uma bala de mosquete.
Não havia sido um desempenho brilhante. Não para alguém cuja
missão era salvar um príncipe. Ele mesmo necessitara de resgate.
E havia sido assim que conhecera Fox Morgan.
Por que pensava nisso agora? Não saberia dizer. Sua mente
não lhe pertencia. Seu corpo não estava mais sob seu comando.
Ele tentou concentrar-se no que acontecia. Lily estava
ajoelhada a sua frente. Seu rosto parecia brilhar. Padraic abriu a
boca para falar... mas nenhum som brotou de seus lábios. Estavam
no jardim. Tudo parecia estranho, fora de foco... Ou era ele? Não
sabia. A única certeza em seu mundo era Lily.
Lily e seu rosto radiante. Lily e sua pele acetinada.
Incapaz de conter-se, estendeu um braço para tocá-la. Ela o
encarou e sorriu. Nesse momento, Padraic esqueceu a realidade.
Fascinado, dominado pela paixão, tomou-a nos braços e beijou-a.
Foi um beijo longo, ardente e cheio de promessas. Um beijo que
chegou ao fim quando ela abriu os olhos e viu a peruca, o rosto
empoado.
— Oh...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Lorde Dunlanoe também abriu os olhos... e empalideceu.
— Eu... eu...
— Por favor, lorde Dunlanoe, não se aborreça — ela o
interrompeu com voz calma. — Não foi... importante.
Absurdo! Como podia dizer que um beijo entre ela e o filho de
seu falecido marido não era importante? Era difícil resistir ao im-
pulso de tocá-lo, beijá-lo novamente.
Mas não podia. Considerando seus afetos por outro homem...
Era ela quem devia estar se desculpando.
Lily se levantou.
— Lorde Dunlanoe... Padraic... devemos esquecer o que
aconteceu aqui. Acha que é possível?
Ele se negava a encará-la.
— Por favor, entenda... Às vezes, quando a energia me
invade... a energia da cura, eu perco o controle.
— A culpa não foi sua, minha cara Lilianne. — Finalmente,
conseguia recompor-se. Ou melhor, recompor lorde Dunlanoe. —
Como disse antes, não teve importância. Foi... nada.
Lilianne piscou, espantada com a transformação, mas
satisfeita com a atitude do lorde. Era melhor assim.
— É bom saber que estamos de acordo. E agora, se me der
licença... Devo me retirar. Já tomei muito sol.
Padraic a viu se afastar com ar indiferente, até que, certo de
sua solidão, explodiu numa crise de revolta.
— Maldição! Mil vezes maldição!
Qual era o problema com ele? Teria perdido o juízo? Lorde
Dunlanoe jamais a beijaria.
Não. Essa era uma atitude do Rebelde. Não sabia mais onde
terminava lorde Dunlanoe e onde começava o Rebelde. Era apenas
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic. Um homem perdido de amor por Lily.
E Padraic não existia. Não podia existir. Não havia o suficiente
nele para preencher outra personalidade.
A situação, que já era difícil antes, agora se tornara
impossível. Como se manteria longe de Lily, amando-a como a
amava?
De volta ao castelo, Padraic notou duas coisas. Primeiro, os
dedos de seu pé direito doíam. Em seu acesso de revolta, chutara
uma pedra e os ferira. Segundo, o ferimento na perna não o
incomodava. A cicatriz ainda estava ali, mas, quando a tocava,
mesmo com força, não sentia nada. Nenhuma dor. Nenhum
incômodo.
Seria possível?
Sim. Lilianne devolvera sua perna ao estado original.
Removera toda a dor deixada pelo ferimento sofrido em Culloden.
Sorrindo, ele retomou a caminhada para o castelo.
Infelizmente, seu bom humor teve vida breve, porque Shamus o
recebeu na entrada com a testa franzida.
— Aquele coronel inglês voltou e deseja vê-lo. Eu o deixei no
estúdio.
— Há quanto tempo ele está esperando?
— Uma hora, mais ou menos.
— Por que não mandou alguém me avisar sobre a presença
do coronel?
— E arruinar seus momentos com lady Lilianne. Não julguei
conveniente.
Shamus o vira com Lilianne?
Não. Estava imaginando coisas.
— Na próxima vez em que recebermos visitas, informe-me
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
imediatamente — ele disse, preparando-se para ir ao estúdio.
— Lorde Dunlanoe, é melhor retocar o rouge em seus lábios.
Não quer se apresentar ao coronel todo... borrado, quer?
Padraic precisou de dez minutos para consertar o estrago
causado pelo beijo ardente. Nesse período, perguntou-se se ela
também não havia entrado em casa exibindo as evidências de um
encontro mais íntimo.
Pensaria nisso mais tarde. Agora, precisava ir receber o
coronel Morgan. Ele o encontrou no estúdio, sentado em uma
poltrona de couro e bebendo conhaque.
— Ah, aí está você, lorde Dunlanoe. Já começava a me
perguntar se não desejava me receber.
— Estava fora, mas devia ter sido chamado imediatamente
após sua chegada. Por favor, aceite minhas desculpas.
— Não precisa dizer mais nada. Aproveitei o tempo para
analisar sua biblioteca. Notei que tem uma impressionante
variedade de livros aqui.
— Eram de meu falecido pai. Ler nunca foi uma de minhas
paixões — ele mentiu, levando o lenço de renda ao nariz.
— Realmente? Lamento. É possível aprender muito com os
livros.
— Devo mandar chamar sua prima Lilianne?
— Não foi ela que vim procurar.
— Não? — Experimentava novamente aquele sentimento
desagradável. O homem o reconhecia? E, caso o reconhecesse,
por que não enviara um regimento britânico para cercar o castelo?
— Tenho pensado em você desde o nosso último encontro —
Morgan comentou depois de sorver mais um gole de conhaque. —
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Sua fisionomia me é familiar. Quero dizer, não é sua aparência. É...
um sentimento, acho. Um sentimento de reconhecimento, entende?
— Bem, é possível que nos tenhamos encontrado antes.
Londres é...
— Não foi em Londres. Esteve na Escócia. Nos pântanos
perto de Culloden.
Não eram perguntas, mas Padraic se sentia obrigado a tratar
os comentários como tal.
— Receio não ter tido esse prazer.
— Não foi nenhum prazer, como bem sabe. Homens
morreram atingidos por artilharia ou cortados por baionetas.
— Bem, noto que você sobreviveu.
— Certamente. Mas alguns ferimentos são mais difíceis de
notar. O seu, por exemplo. Sua perna. Como vai?
— Não há nada errado com minha perna.
— Havia outro homem. Deve se lembrar dele. Um escocês.
Keegan MacLeod. Ele me culpou pela morte do pai. Ainda me
culpa, possivelmente.
— Duvido.
—Exatamente. Você o viu desde então. E minha irmã,
também. Fui eu quem providenciou para que você os levasse ao
Novo Mundo. Já sabia que era digno de minha confiança.
— Insisto em dizer, senhor, que está me confundindo com
outra pessoa.
— Não. Posso esquecer um nome, um rosto, quase tudo...
Mas não isso.
— Fala sobre coisas que não entendo.
— E acha que eu as entendo? Desde aquela manhã, tenho
sido assombrado por... Não sei. Mas existe uma ligação. Entre você
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
e eu. Entre Keegan MacLeod e eu. Vai afirmar que não sente esse
elo?
Um desafio. Como negar? Padraic sabia exatamente o que
Morgan queria dizer. Naquela manhã em Culloden, arriscara a
própria vida para salvar a de MacLeod por causa disso. O escocês
compartilhara do sentimento. Jamais o haviam discutido, não tão
abertamente, mas quando Padraic o levara em sua embarcação
para as Carolinas, passaram uma noite toda acordados,
conversando, girando em torno da idéia. Nenhum dos dois se
dispusera a admitir o elo. Uma amizade que parecia ir além do
tempo. E a ligação não era menos forte com esse homem. Ele
salvara sua vida e a de MacLeod em Culloden, e lutavam em lados
opostos do campo. Mas Padraic não podia se dar ao luxo de
confiar.
— Não o conheço, coronel — ele disse, empregando uma
finalidade que, esperava, encerraria a discussão.
O coronel Morgan terminou de beber o conhaque, pôs o copo
sobre a mesa e encarou-o.
— Desliguei-me de minhas funções depois de Culloden, mas
ainda assim continuo me apresentando num uniforme. E nem sei
dizer por quê. Ou, talvez, eu saiba. Devo preveni-lo. Vim para
capturar o Rebelde. E posso reportar que ele deixou a área.
— O que significaria?
— Que teria realmente de partir — Morgan explicou sem
rodeios.
Padraic percebeu a referência a lorde Dunlanoe, mas fingiu
não ter notado nada ao responder:
— E se o Rebelde preferir não desaparecer?
— Nesse caso, não me deixará escolha.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Lilianne estava aturdida.
Não havia mais dúvida alguma.
Lorde Dunlanoe. O Rebelde.
Impossível?
Não. Reconhecia as inúmeras diferenças entre as aparências
de um e outro, mas ambos beijavam com o mesmo ardor. Sim, o
mesmo beijo. E provocavam nela os mesmos arrepios. Se fossem
dois homens distintos, não exerceriam o mesmo efeito sobre suas
emoções e seu corpo. E ela não os teria afetado da mesma
maneira. E sentira a mesma reação em ambos.
Os olhos azuis... O Rebelde tinha olhos azuis. Pudera vê-los
algumas vezes por trás da máscara. A máscara... Por isso ele
nunca a tirava. Sabia que ela o reconheceria.
Os encontros no penhasco, tão perto do castelo... Ele devia
estar voltando para casa naquele primeiro encontro. Os olhares de
lorde Dunlanoe...
O Rebelde sabia quem era ela. Sempre soubera. Afinal,
nunca escondera seu rosto atrás de uma máscara.
Era... revoltante, para dizer o mínimo. O Rebelde a salvara de
Edwin, sim, mas quem a levara ao baile? E a deixara sozinha
naquele covil de loucos devassos?
Muitas falhas o delataram. Um esquecimento, uma palavra
impensada... As pistas sempre haviam estado ali, visíveis. Ela havia
sido inocente demais, ou estivera tão cega de amor pelo Rebelde
que não pudera perceber nenhuma delas.
Como pudera ser tão... estúpida?
E o que devia fazer agora?
Fugir com o Rebelde deixara de ser uma opção. Passara as
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
últimas duas noites esperando em vão no penhasco, enquanto ele
dormia em sua cama no castelo.
Como havia feito tal coisa com a mulher que dizia amar?
A resposta chegou lenta... dolorosa.
Ele não a amava. Nem como lorde Dunlanoe, nem como o
Rebelde.
Tudo havia sido uma farsa. Mais uma.
Depois de passar mais uma noite em claro, ela chamou a
criada para banhar-se, vestir-se e tomar o desjejum em seu quarto.
Fortalecida pelo alimento, dirigiu-se aos aposentos de lorde
Dunlanoe enquanto o sol ainda se erguia no horizonte.
Dormira pouco. E mal.
Por que Shamus espancava sua porta?
— Desapareça.
As batidas persistiram, mas cessaram bruscamente um
instante antes de a porta ser aberta.
— Lily? O que faz aqui? — E ele, o que faria? Estava sem
peruca, sem pó, sem rouge e sem roupas! — Não devia... Não
devia estar aqui.
— Eu sei.
— Lilianne, pelo amor de Deus! Ainda estou recolhido!
— Eu sei, mas não pude esperar até que se levantasse.
Precisava vê-lo.
— Não é um bom momento. — Onde estava Shamus? Por
que não aparecia quando era necessário?
Lilianne se aproximava da cama.
— Deve saber por que estou aqui. Tentei esconder, mas deve
ser mais do que evidente para você.
— Esconder... o quê? Minha cara menina, não sei do que está
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
falando. Mas poderemos discutir qualquer assunto que a esteja
incomodando, desde que me dê um instante para recompor-me.
Shamus! — Padraic gritou para a porta.
— Ele não está aqui. Na última vez em que o vi, comentou
alguma coisa sobre ir fazer o desjejum na cozinha. Sabia que você
estava dormindo, e tinha certeza de que ainda passaria muito
tempo na cama.
— E ainda assim, decidiu invadir minha privacidade.
— Não está feliz por me ver?
— Ah, sim, é claro que é sempre um prazer vê-la... Mas isso
não vem ao caso. Não devia estar em meus aposentos.
— Não considera apropriado? — Sua expressão era
absolutamente inocente.
— Não. Uma jovem dama não deve entrar nos aposentos de
um homem.
— Mas eu sou sua madrasta. Você mesmo disse.
— Não importa.
— O que não importa? Ter sido casada com seu pai? —- Ela
riu. — Tenho uma confissão a fazer.
— Talvez deva procurar um padre.
Lilianne ignorou o comentário.
— Nunca amei seu pai. Gostava dele, admirava-o, mas nunca
senti por ele o que sinto por você.
— Por mim?
— Deve ter percebido... especialmente depois de ontem.
O beijo. Maldição.
— Aquele beijo não significou...
— Para mim representou tudo. — Lilianne se inclinou sobre a
cama. Sobre ele. — Nunca senti nada parecido antes.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Nunca? E o Rebelde? E eu? Padraic sentia vontade de gritar.
E a noite que ela passara em seus braços? Não havia significado
nada? Ela esquecera?
Não podia dizer nada. Afinal, lorde Dunlanoe também era ele.
Ou não? Nesse momento, nada fazia sentido. Não conseguia pen-
sar com clareza.
— Lily, francamente, não...
— Diga-me que não sentiu o mesmo que eu.
— Sentir?
Lilianne fechou os olhos e sentou-se na cama.
— A terra se moveu...
— Sim, foi um beijo delicioso, mas...
— Ah! Sabia que concordaria comigo!
— Lily! Lilianne. Deve sair imediatamente, ou não serei
responsável por meus atos. — Pronto. Um certo temor a afugentaria
dali. Ameaçaria transformar-se em lorde Dunlanoe.
— Atos? Do que está falando?
— Ora, deve saber o que acontece entre um homem e uma
mulher... na cama.
— Já fui casada, lembra?
— Então, deve saber a que me refiro.
— Ohhhhh... — Lilianne passou a língua pelos lábios. —
Refere-se a nós dois? Juntos? Sob as cobertas?
Padraic fechou os olhos e respirou fundo. Era um tormento.
Um castigo. Só podia ser isso.
— Se continuar aqui com esse ar sonhador, serei levado a
pensar que espera que eu tire proveito de sua presença em meus
aposentos e...
— E? O que vai fazer comigo, lorde Dunlanoe?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
O que estava acontecendo, afinal? Lily sempre havia sido
doce, inocente... E agora tentava remover a coberta que cobria seu
corpo nu?
— Lily!
— Como está o ferimento? Consegui curá-lo?
— Sim. Não senti mais nenhuma dor. Muito obrigado, Lilianne.
— Por que não demonstra sua gratidão? — Ela se debruçou
sobre seu corpo até quase beijá-lo nos lábios. Depois de um ins-
tante, ergueu o corpo com um movimento brusco. — Oh, o que
estou fazendo? — gritou, levantando-se da cama e correndo para o
outro lado do quarto.
— Lilianne! Lily! O que houve? Volte...
Ela saiu e bateu a porta.
Mas o quê...?
Padraic pulou da cama e gritou por Shamus. Sabendo que
não obteria resposta, começou a se vestir sozinho, preparando-se
para compor o odioso personagem de lorde Dunlanoe.
Lilianne o reconhecera como o Rebelde? Não. Nesse caso,
teria dito alguma coisa. Teria ficado zangada, não... amorosa como
estivera.
E por que ela havia mencionado o beijo? Acreditaria em sua
paixão pelo Rebelde. Ela se dissera apaixonada. E agora, só
porque deixara de ir encontrá-la por duas noites, ela enchia a
própria cabebeça com noções românticas sobre lorde Dunlanoe
E se o Rebelde tivesse de se afastar em uma missão
qualquer? Salvar vidas. Roubar os ricos. Defender os oprimidos. E
ela ali, se atirando nos braços de outro homem! O fato de não ser
outro homem, mas o mesmo em outros trajes, não diminuís a
impotância de sua transgressão.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
O que fazia dele um perfeito idiota. Estava perdendo o juízo.
Era melhor que o Rebelde desaparecesse por um tempo. Afinal,
Padraic não podia mais manter os personagens.
Mas, antes de partir, tinha de fazer alguma coisa em relação a
Lily. E não sabia bem o que faria. Desceria ao salão de desjejum e,
quando a encontrasse, descobriria o que causra tão grande e
assustadora mudança.
Mas, ao descer, Padraic não teve tempo de procurar po
Lilianne, porque Edwin entrava pela porta principal, ainda pálido,
mas com uma aparência um pouco melhor do que na noite do baile.
— Ah, aí está você, lorde Dunlanoe. Gostaria de ir à cidade
comigo? Pretendo ir visitar o coronel Morgan e saber sobre o
progresso de sua investigação.
— Investigação?
— O Rebelde. Soube que o coronel tem uma pista. E, caso
não seja verdade, eu tenho.
— Interessante. Talvez devamos tomar uma taça de vinho
enquanto conversamos.
— Não posso ficar por muito tempo. Vai comigo à cidade?
— Lamento, mas estou cansado. Fui dormir muito tarde.
— De fato? — Edwin sentou-se e aceitou o vinho. — Alguém
que eu conheça? Ou agora convida as criadas para sua cama? Não
me diga... que lady Lilianne tem aquecido seus lençóis!
— Lilianne? Você enlouqueceu? Ela ainda está de luto por
meu pai! Além do mais, não me sinto atraído por seu tipo físico.
— Talvez por não ter provado de seus encantos ainda.
— E você já os experimentou, suponho. — Padraic forçou-se
a manter a calma.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Oh, sim. Em muitas ocasiões. A mulher não é tão virginal
quanto finge ser.
Padraic pôs as mãos nos bolsos da jaqueta para não apertar
o pescoço magro de Edwin.
— Aparentemente, não sou o único que a considera deliciosa.
Não quer saber quem mais a deseja? Lorde Dunlanoe, está
sentindo alguma coisa?
— Não, eu... estou bem. — Um dia o bastardo pagaria caro
pelas mentiras que estava contando. Estava tão distraído, que
quase não ouviu o que o infeliz dizia.
— O Rebelde...
— O que tem ele?
— Está muito interessado em Lilianne. Foi o que eu disse.
— Não seja ridículo.
— Ridículo? Não ouviu sobre o que aconteceu no baile? Oh,
sim... Já ia me esquecendo! Esteve ausente naquele momento de
crise. Muito... suspeito.
— Confesso que já havia encontrado meios para me entreter i
quando tudo isso aconteceu.
— Bem, o Rebelde invadiu o aposento e interrompeu um
interlúdio muito agradável... com lady Lilianne.
— Lástima.
— Sim, uma pena. Para ela, pelo menos. O sujeito a arrastou
gritando pelo corredor, e não se pode imaginar o que tenha feito
com a pobre dama antes de trazê-la para cá. Quero dizer... Ela
voltou para cá, não?
— Sim.
— Traumatizada?
— Lilianne nem mencionou o evento. Mais vinho?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não — Edwin respondeu.
Mas Padraic já havia enchido sua taça.
O que foi inútil, porque ele não bebeu. Sóbrio, Edwin não re-
velava nada sobre os planos do coronel e as pistas relativas ao
Rebelde. Tudo que disse foi que, em breve, a população da região
saberia como o Rebelde havia sido levado à forca.
A lua se escondia atrás de nuvens baixas. Lilianne não
ousava portar uma tocha. Assim, montando uma égua que ela
mesma retirou do estábulo, seguia cautelosa pelo caminho para o
penhasco.
Por que havia invadido o quarto de Padraic naquela manhã?
Não teria sido mais simples revelar tudo que sabia?
Teria... se tivesse certeza de suas suposições.
Todas as evidências apontavam para Padraic e o Rebelde
serem a mesma pessoa. Eram muitas as indicações, mas só as
percebera depois daquele beijo. E agora estava ali, novamente no
penhasco, esperando, ouvindo...
Mas esta noite era diferente. Não estava ali para encontrar o
Rebelde, mas para segui-lo. Por isso se escondera entre as
árvores. Se sua teoria estivesse correta e ele fosse mesmo Padraic,
acabariam chegando ao castelo.
Lá ela o confrontaria e... O quê?
Não sabia o que ia fazer. O que diria. Certamente o acusaria
de ler mentido para ela. Mas poderia realmente culpá-lo? Esperava
que ele andasse pelo mundo revelando sua secreta identidade a
todos que encontrasse?
Mas ela não era como todos os outros. Era a mulher que o
amava. Que se havia entregado a ele. Que se dispunha a deixar
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
tudo para segui-lo.
A mulher que ele deixou no penhasco... esperando.
Era um idiota!
Padraic soube disso no instante em que invadiu o quarto de
Edwin e cutucou o corpo adormecido com o cano de sua pistola. Ou
Edwin se transformara em penas, ou estava cutucando uma
coleção de travesseiros.
A porta se abriu, e três soldados vestindo casacas escarlates
entraram no quarto. Edwin os seguia.
— Muito bem, Rebelde. Finalmente o peguei — Edwin anun-
ciou com um misto de triunfo e sarcasmo. — Agora vamos saber
quem você é realmente.
Padraic constatou que a porta principal estava bloqueada
pelos soldados, mas a outra, a que levava ao corredor, estava livre.
A chave pesava em seu bolso. Não poderia saltar sobre a cama,
correr até a porta, destrancá-la e fugir sem ser alvejado por uma
bala de mosquete.
Estava encurralado.
Mesmo assim, sorriu tentando parecer despreocupado.
— É, parece que dessa vez você conseguiu.
— Vamos ver se manterá esse sorriso quando estiver
balançando na ponta de uma corda.
— Uma forca? É isso que planeja para mim? Seria um evento
extraordinário. Espero que nesse dia esteja suficientemente
protegido. Porque receio que vá precisar de proteção.
— Ah! Palavras corajosas de alguém sob a mira de três
mosquetes. Deve estar imaginando que os camponeses
promoverão um levante para libertá-lo. Mas tenho a impressão de
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
que eles pensarão apenas na própria pele. Esquecerão a suposta
lealdade que podem ter por você.
— Talvez. Mas, em seu lugar, eu permaneceria atento, sir
Edwin. Ou a morte já está tão perto, que não se preocupa mais com
ela?
O comentário enfureceu Edwin. Tanto, que ele se tornou
menos cauteloso.
Infelizmente, os três soldados não se abalaram com a
provocação. Todos continuavam apontando suas armas para o
peito de Padraic.
— Chega — Edwin gritou. — Chegou a hora de desmascará-
lo. Remova sua máscara.
— Não pode estar imaginando que divulgarei minha
verdadeira identidade. Isso removeria todo o mistério da lenda!
— Tire a máscara. — Ele apontava uma pistola para o peito
do Rebelde.
Padraic notou a própria arma esquecida sobre a cama. Não
poderia escapar dali atirando. As portas não serviriam de nada.
Havia uma janela atrás dele, mas os soldados não esperariam até
que saltasse para a liberdade. A menos...
Ele tomou uma decisão rápida.
Padraic agarrou a beirada do colchão e o jogou contra os
quatro oponentes. Depois pegou a mesa-de-cabeceira e a
arremessou contra a vidraça. Com um movimento da capa, saltou
para a noite.
Quando o primeiro tiro ecoou, ele já havia montado em Ràven
e galopava freneticamente para longe de Winston Hall.
Ela dormia sobre a relva quando ouviu o som de um animal se
aproximando. Lilianne se levantou depressa. Tentou montar, mas a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
égua, assustada, não se deixava dominar. Quando finalmente
conseguiu sentar-se sobre a sela, o som de cascos se perdera no
silêncio.
Seria difícil alcançá-lo. Mas, como estava quase certa de que
o Rebelde havia passado por ali a caminho do castelo, ela seguiu
na direção de Dunlanoe.
Quando deixou o esconderijo, um grupo de cavaleiros surgiu
no alto do penhasco. Lily tentou recuar, voltar ao esconderijo, mas
era tarde demais. Fora notada, e rapidamente cercada. Mas só
sentiu medo ao ouvir uma voz familiar.
CAPÍTULO VI
Quando Coyle invadiu o quarto, Paddy ainda dormia.
— Não pensei que o encontraria na cama com as coisas
como estão.
Padraic esfregou os olhos sonolentos e vermelhos.
— Bem, em algum momento eu tenho de dormir, não é? E de
que coisas está falando?
— Então não sabe?
— Não sei o quê?
— Lilianne está em Winston Hall.
— O quê? — Ele se levantou de um salto. — Isso é ridículo!
Ela está aqui!
— Não está. Sally, a jovem que ajuda Alison com o serviço da
casa, comentou que sua sobrinha viu Lilianne em Winston Hall.
— Ah, e você acreditou em fofocas de criadas? — Padraic
lavou o rosto para despertar.
— Paddy, lady Lily não está em seus aposentos, e ninguém a
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
viu no castelo hoje — anunciou Shamus ao entrar.
— E ontem? Ela não desceu para jantar — Lorde Dunlanoe
começava a surgiu em suas vestes coloridas.
— Comeu em seus aposentos. Falei com uma das criadas e
soube que ela esteve no castelo até ontem à noite.
— O que mais essa tal sobrinha de Sally contou?
— Foi Alison quem conversou com ela. Imagino que tenha
sido só isso. Apenas que Lilianne estava lá.
— Ele... a feriu?
— Ninguém disse nada.
— E Alison não perguntou? Tem idéia do que Edwin pode
fazer com Lilianne?
— Paddy, ninguém sabe se ela está lá contra vontade. Você
mesmo confessou ter dúvidas sobre essa mulher. Acha que esta-
mos indo longe demais presumindo que voltou a Winston Hall por
vontade própria, ou para cumprir o desejo do pai?
— Ela não faria tal coisa. Shamus, o pó e o rouge, por favor.
— Vai sair?
— Vou visitar Edwin.
Edwin o fez esperar cerca de vinte minutos antes de
apresentar-se. Quando chegou ao salão, estava acompanhado pelo
coronel Morgan.
— Sua visita é inesperada, meu caro. A que devo a honra?
— Vim falar com lady Lilianne.
— Receio que ela esteja indisposta no momento.
— Então, ela está mesmo aqui.
— Oh, sim. Ela não o informou? Que falta de boas maneiras!
Deve ter sido a ansiedade para voltar a Winston Hall.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— E por que ela estaria tão ansiosa?
Edwin serviu vinho em uma taça.
— Para voltar para mim, suponho. Foi o que ela alegou. Por
outro lado, quem pode entender as mulheres?
— Gostaria de falar com ela por um momento.
— Já disse que não é possível, mas direi a ela que esteve
aqui. Fique descansado.
Muito bem. Se não podia ver Lilianne, faria com que Edwin se
mantivesse bem longe dela até pensar em um plano. Até poder
retornar... como lorde Dunlanoe, ou como o Rebelde.
— Estou a caminho da cidade. Quer me acompanhar, Edwin?
Coronel?
Edwin não desejava sair de sua casa, por isso Padraic decidiu
ficar. O coronel Morgan se retirou, mas Paddy fingia ignorar as
insinuações sobre ser hora de se despedir. Depois de um tempo,
Edwin anunciou que estava se retirando para vestir-se para a
refeição. Como não foi convidado para ficar e comer com o grupo,
Padraic não teve alternativa se não ir embora.
Em sua casa, ele despiu o disfarce de lorde Dunlanoe e, com
o cair da noite, transformou-se mais uma vez no Rebelde. Já se
preparava para montar quando, sentindo uma certa agitação no
animal, ele olhou em volta. A mão buscou o cabo da pistola sob a
capa, mas uma voz o deteve.
— Não vai conseguir sacar e atirar antes de levar um tiro,
lorde Dunlanoe.
Sabia que esse momento chegaria.
— O que faz aqui?
— Vim salvá-lo de cometer um terrível erro — respondeu
Morgan, que dessa vez não usava o uniforme militar. — Presumo
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
que pretenda resgatar Lilianne?
— E sua intenção é me impedir de sair?
— Se for necessário... Mas prefiro não ser forçado a tomar
medidas drásticas.
— Somos dois, então.
— Ele o espera. Sabe disso, não?
— Havia considerado essa possibilidade.
— E dessa vez não poderá escapar.
— O que sugere? Devo simplesmente desistir?
— Se eu quisesse realmente capturá-lo, você já estaria
amarrado.
— Não acredito que Lilianne esteja lá por vontade própria.
Acha que devo simplesmente fingir que não sei de nada?
— É o que o pai dela deseja.
— Lorde Westbury...
— O fato de terem visões políticas diferentes não significa que
o homem não tenha seus direitos.
— Vou buscar Lily. Se pretende mesmo impedir-me, vai ter de
usar sua pistola.
— Está sendo tolo.
— Não é a primeira vez.
— Se insiste mesmo em ir, espere ao menos até eu chegar
em Winston Hall. Manterei Edwin ocupado. Mas saiba que o lugar
está cheio de soldados.
— Sim, eu sei. Já os encontrei.
— Ah, então esteve em Winston Hall ontem à noite. Eu já
imaginava, embora Edwin não me tenha contado nada.
— Ele não deve ter ficado muito contente. Consegui escapar
do comitê de boas vindas que ele organizou para me receber.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Talvez hoje não tenha a mesma sorte.
— Veremos. Por que está fazendo tudo isso? Morgan
encolheu os ombros.
— Também tenho grande carinho por Lilianne.
Mas Padraic sabia que era mais do que isso. Não entendia a
que devia tão grande lealdade, mas, nesse momento em particular,
não desejava especular.
Talvez fosse um erro confiar em Morgan, mas... O que mais
poderia fazer?
Padraic cavalgou e esperou por Morgan em um recanto
escuro do jardim de Winston Hall. Quando o viu chegar, esperou
que o coronel batesse na porta e fosse atendido por um lacaio. Só
então ele saltou das sombras e, com uma pistola apontada para as
costas do coronel, ordenou:
— Leve-nos imediatamente a sir Edwin.
Mas isso não foi necessário. Quando atravessavam o hall de
entrada sob a mira da pistola de Padraic, Edwin abriu a porta do
salão e, com uma taça de vinho na mão, surgiu pálido e
cambaleante.
— O que está acontecendo aqui?
— Não acha que é óbvio? O coronel e eu viemos visitá-lo.
— Não vai conseguir escapar, Rebelde. Não permitirei!
— Realmente? Caso não tenha notado, está a um dedo da
eternidade. O meu dedo... sobre o gatilho! Traga lady Lilianne até
aqui — ordenou ao criado, os olhos fixos em Edwin.
— É melhor fazer o que ele diz — sugeriu Morgan com tom
nervoso.
O que não era compreensível. Não depois de tê-lo visto no
campo de batalha.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não posso simplesmente entregá-la a esse... bandoleiro!
— Não há alternativa.
— Ouviu o coronel. Não creio que ele queira desistir da vida
por conta de sua obsessão.
— Isso não acaba aqui, Rebelde. Vamos capturá-lo.
— Ah, sim, estou certo disse.
— Duvida?
— Tenho certeza de que tentarão — Padraic riu, mais calmo
ao ver o sinal com que Edwin ordenou ao criado para ir buscar
Lilianne.
Minutos depois, ainda usando o coronel como escudo, ele
deixava Winston Hall levando Lilianne na garupa do cavalo.
— Faça alguma coisa — Edwin gritou. — Morgan, ele está
fugindo!
— O que quer que eu faça? Se atirar, correrei o risco de ferir
minha prima! Além do mais, sei que o pegaremos na próxima vez.
— Esteja certo disso, coronel. Nós o pegaremos, porque
agora sei quem está por trás da máscara.
Não podia ir para o castelo. E se alguém os estivesse
seguindo? Padraic deteve a montaria em um bosque e, protegido
por árvores frondosas, desmontou. Queria saber por que Lily estava
tão silenciosa. Por que o tratava com rancor, como se o acusasse
de algo terrível.
— Lilianne, eu... — Ao ver seu rosto pálido e abatido, ele não
resistiu ao impulso de beijá-la.
Foi um beijo ardente, apaixonado, mas que terminou de
maneira brusca quando ela o empurrou.
— Essa é sua solução para todos os problemas, lorde
Dunlanoe? Um beijo?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Lorde Dunlanoe?
— Desde quando...?
— Desde quando sei quem você é? Há tempo suficiente.
Padraic passou a mão pela cabeça, sem saber como reagir.
— Maldição! — explodiu. — Lily, eu... não queria que fosse
assim. Nunca tive a intenção de magoá-la...
— Eu sei. Mas eu... — Ela respirou fundo para conter uma
lágrima. — Ah, não sei mais nada! Sabia que havia decidido fugir
com você, com o Rebelde, e nunca mais voltar? Sabia disso?
— Sim, eu sabia.
— Estava disposta até a permanecer no castelo com lorde
Dunlanoe.
— Esse homem não sou eu!
— Não inteiramente, mas há pedaços seus nele. A bondade,
por exemplo.
— Por isso esteve no quarto dele naquela manhã?
— Não. Fui ao seu quarto para castigá-lo, para provar que
não poderia me fazer de idiota. Mas... foi tolice minha.
— Muitas vezes desejei contar toda a verdade, Lily.
— Mas não disse nada. Como eu também não fugi com o
Rebelde. Mais cedo ou mais tarde, a luz do sol nos teria alcançado,
e então... O que nos teria acontecido?
— Escute, devo deixar a Irlanda. Por um tempo, pelo menos.
O coronel Morgan sabe quem sou.
— Como?
— Não tenho certeza. Já o conhecia de outros tempos, desde
a Escócia, e... há um estranho elo entre nós. É algo que não
consigo descrever, como um sentimento de reconhecimento... Mas
eu não o conhecia antes daquele encontro. E também nunca havia
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
encontrado Keegan MacLeod. Ele também estava lá. Mas Morgan
me reconheceu assim que chegou em Dunlanoe.
— E não o capturou? Mas... ele foi enviado para prender o
Rebelde!
— Sim, mas está me dando uma chance de partir.
— E voltar depois?
— Não sei. Oh, Lily, não posso lhe oferecer um futuro. Sou
um ladrão, um contrabandista! Mantenho uma embarcação
escondida em uma enseada sob o penhasco. Ao amanhecer,
partirei nela para... Nem sei para onde vou, ou se um dia poderei
voltar. Não posso deixá-la sozinha em Dunlanoe. Não com Edwin
por perto. Não há como imaginar o que ele é capaz de fazer.
— Por que não me leva com você?
— Não, Lily. Por mais que a queria a meu lado, seria egoísmo
levá-la. A vida a bordo de um navio não é para mulheres. Combinei
um encontro com Morgan para mais tarde. Ele cuidará de sua
segurança.
— Mas...
— Lily, sou um homem atormentado. Vivo uma mentira, uma
vida dupla na qual minha alma não cabe mais. Na verdade, não tive
vida até conhecer você. E não causarei nenhum mal à pessoa que
mais amo no mundo.
Ele a amava. E a estava abandonando. Lilianne sentia que
seu coração poderia explodir de dor. Mas recusava-se a exibir seu
sofrimento. Seria forte por ele. Como ele era forte por ela.
— Quando vai encontrar Morgan?
— Pouco antes do amanhecer.
— Então, ainda temos esta noite. A última.
Sem dizer nada, eles montaram e cavalgaram para o refúgio
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
secreto perto da catarata.
Depois de um encontro apaixonado sob o céu estrelado, Lily
falou um pouco sobre seu passado. Padraic a ouvia interessado.
— Então, nasceu na Irlanda? E foi criada aqui?
— Não. Algo estranho aconteceu quando eu era um bebê. Fui
retirada do berço...
— Paddy lembrou as palavras da sra. Ferguson.
— Quem fez isso?
— Ninguém sabe ao certo. Meu pai culpou os colonos
irlandeses que trabalhavam em suas terras. No dia seguinte fui
encontrada, sã e salva, mas depois deixamos a Irlanda para nunca
mais voltar.
— No entanto, ele a mandou de volta para o casamento.
— Porque não teve escolha. Não havia nenhum pretendente
na Inglaterra. As pessoas em Londres me julgavam... estranha.
— Por causa das curas?
— Sim. Meu pai odiava quando uma delas acontecia. Eu
tentava evitar, mas era como se não tivesse nenhum controle sobre
o processo. Com o tempo, os rumores começaram.
— E os homens tolos da Inglaterra, obviamente cegos a sua
beleza, passaram a desprezá-la.
— Exatamente. Um dia, meu pai recebeu uma mensagem de
sir Edwin White. Eles eram conhecidos, embora distantes, e sir
Edwin pedia minha mão em casamento.
— Seu pai concordou?
— Não no início. Mas, depois da doença de minha mãe... e de
sua morte... Sim, creio que ele passou a ver os méritos desse
enlace.
— Não permitirei que ele a tenha, Lily.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não quero falar sobre isso agora.
— Mais tarde, então.
— Sim, mais tarde. Agora, quero que me ame mais uma vez.
Mais tarde, ainda no cenário idílico composto pela catarata e
pela paisagem que a cercava, Padraic indagou:
— Lily, preciso saber: Edwin a feriu de alguma maneira?
— Não. Ele fez ameaças, e mesmo assim, poucas. Mas não
tentou cumpri-las.
— Ah... Fiquei preocupado quando o deixei furioso como
estava. Lorde Dunlanoe se recusava a partir, forçando-o a discutir
política e outras questões do mundo, ocupando-o até que, ao
anoitecer, o Rebelde pudesse ir resgatá-la. Mas houve um intervalo
entre a saída de um e a chegada de outro, e pensei que...
— Ah, então foi isso. Por isso ele não retornou.
— Suponho que sim.
— Como começou essa sua vida dupla?
— Quer ouvir a história do Rebelde e de lorde Dunlanoe?
— Sim, eu quero.
— Não é tão excitante quanto imagina. E não acredito que
meu pai e eu tenhamos imaginado que a farsa se estenderia por
tanto tempo. Não quando tivemos a idéia, pelo menos. Foi um plano
simples para mantermos Dunlanoe em nossa família. Edwin insistia
em tirar as terras de meu pai. Como parente protestante de um
proprietário católico, ele tinha esse direito. Na época, eu estava na
Inglaterra estudando e me divertindo, como muitos outros jovens.
Meu pai havia me mandado para lá sob a tutela do pai de Coyle
Burns, mais um truque para burlar as Leis Penais. A família de
Coyle é protestante, mas seu pai e o meu eram grandes amigos.
Enfim, quando meu pai entrou em contato comigo, voltei para casa
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
tomado por uma indignação típica da juventude, pronto para ir bater
na porta de Edwin e dizer tudo que eu pensava dele e de seu plano
para roubar minha herança.
— E você fez isso?
— Não. Meu pai me convenceu de que seria inútil. Edwin era
amparado pela lei inglesa. Para manter Dunlanoe em nossa família,
teríamos de encontrar outro caminho.
— E foi assim que nasceu lorde Dunlanoe.
— Exatamente. No início, ele era apenas um almofadinha
superficial. Simplesmente um protestante. E um protestante da pior
espécie, alguém disposto a tomar a propriedade e o título que
pertenciam ao próprio pai.
— As pessoas não desconfiaram qual era seu verdadeiro
objetivo?
— Imagino que sim. Algumas, pelo menos.
— E o Rebelde? Surgiu na mesma época?
— Um pouco depois. Quando compreendi qual era a situação
na Irlanda, como não podíamos importar ou exportar sem esbarrar
na Inglaterra, como os ingleses arruinavam nossa economia... Bem,
decidi passar por cima das regras.
— Tornou-se um contrabandista.
— Sim, foi isso. A progressão desse estágio para o Rebelde
foi natural. Meu pai não gostou muito da idéia, é verdade...
— Ele temia por sua segurança.
— Sim, e por isso lorde Dunlanoe ganhou cores mais fortes e
o temperamento de um idiota. Ninguém imaginava que um homem
como ele poderia cavalgar pelo país criando confusão, seduzindo
belas mulheres...|
— Ah, e o Rebelde teve muitas delas?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Você será a última. Para sempre...
— Gostaria de acreditar em você, Padraic. Realmente...
— Lily... — ele murmurou, o rosto pálido e a voz embargada
pela emoção. — Olhe só para aquilo!
Lilianne seguiu a direção apontada por Padraic e ficou
fascinada pela imagem única, mágica.
Sobre a superfície do lago, pairando na névoa e brilhando
intensamente, um arco de prata emoldurava toda a paisagem.
— Oh, meu Deus — ele murmurou. — Então... é real! Não é
só uma lenda!
— Oh, Padraic, o arco existe de fato! E é nosso. Veio para
abençoar nosso amor, para nos mostrar que ainda podemos ter
esperança!
O arco da lua.
Um conto, um mito criado por crenças muito antigas, uma his-
tória de druidas e sonhos. Luna, a deusa da lua, já havia sido ado-
rada na Irlanda de seus ancestrais. A Irlanda que pulsava em seu
sangue, em seu coração. Padraic podia vê-la claramente naquele
arco. Era um sinal.
— Venha, minha doce Lily, vamos sair daqui antes que o arco
desapareça. Ele nos guiará e protegerá, seja qual for o caminho
que seguirmos.
A fantasia chegava ao fim. A noite logo se desmancharia em
mais um dia, e era hora de dizer adeus.
No penhasco sobre Dunlanoe, Padraic deteve o cavalo para
despedir-se de sua amada. Ali se separariam.
— Encontrarei Morgan em Dunlanoe, Lily. Procure-o, e ele a
protegerá.
— Padraic...
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Por favor, não diga nada. Não torne esse momento ainda
mais difícil. Se eu partir agora, Dunlanoe será poupada. Lorde
Dunlanoe será um senhor ausente. Como muitos outros. Meu povo
seguirá vivendo da terra. Não posso permitir que Edwin acabe com
tudo. Já viu do que ele é capaz.
— Mas... não voltarei a vê-lo? Não creio que possa suportar...
— Pode, porque é forte e sabe que a amo. Sempre a amarei.
E precisa pensar em algo maior do que nós dois.
Ele a beijou, e depois partiu sem olhar para trás. Desapareceu
na penumbra que precede o amanhecer.
Lily aproximou-se do penhasco e olhou para baixo. Em algum
lugar da enseada estava a nau que o levaria para longe dali. Para
sempre, possivelmente. Ela olhou para o abismo, sentiu o coração
oprimido... e aos poucos caiu de joelhos sobre a terra dura.
O castelo ainda estava escuro quando Padraic chegou.
Subindo pela escada da frente, ele removeu a capa enquanto
caminhava, e em seus aposentos trocou a vestimenta negra do
Rebelde por roupas comuns. Com os cabelos escuros presos por
uma tira de couro e botas nos pés, ele não lembrava em nada a
lendária figura misteriosa que assombrava protestantes ricos.
Também não havia em sua figura nenhum traço do detestável lorde
Dunlanoe.
Estava descendo a escada a caminho do salão, quando ouviu
as batidas na porta. Morgan não devia fazer tanto barulho. Mesmo
assim, ele foi abrir a porta, e recuou alguns passos ao se deparar
com inúmeras túnicas vermelhas que, uma a uma, foram invadindo
sua casa. Dois soldados o imobilizaram.
— O que significa isso? — ele indagou indignado.
— Padraic Rafferty, lorde Dunlanoe, está preso por traição —
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
anunciou um terceiro guarda.
— Traição? Mas o quê...? Exijo ver o coronel Morgan!
— E bom que queira vê-lo, senhor, porque ele espera por nós.
CAPÍTULO VII
Morgan acordou assustado e se vestiu a caminho da porta.
Por que alguém o acordava tão cedo? E por que tinha a impressão
de que as batidas na porta traduziam desespero?
— Já vou, já vou!
Empunhando uma pistola, ele abriu e se surpreendeu com o
rosto pálido do outro lado.
— Lilianne? O que faz aqui? Aconteceu alguma coisa?
Ela se virou, removeu o capuz com que cobria a cabeça e
virou-se para encará-lo. O sentinela sonolento foi deixado do lado
de fora.
— Como teve coragem? Não havia um acordo entre vocês?
Ele acreditava que sim.
— Lilianne, do que está falando?
— Não finja que não sabe!
— Eu não sei! Está me acusando de alguma coisa?
— Vai negar que fez um acordo com Padraic... com o
Rebelde?
— Você sabe...?
— Sim, eu sei, e também sei que haviam combinado um
encontro. Ele o esperava antes do amanhecer.
— Bem, se sabe disso, deve saber que compareci ao local do
encontro. E ele não estava lá.
— Mentira! Ele estava lá. Chegou antes da hora marcada,
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
como seus soldados.
— Do que está falando? Não levei nenhum soldado. O acordo
era que nos encontraríamos sem testemunhas.
— Você não cumpriu o combinado.
— Lilianne, fale de uma vez! O que aconteceu?
Eu estava lá. No penhasco. Vi seus soldados levando Padraic.
Prisioneiro. Tentei segui-los, mas eles já iam longe. Por isso vim
para cá.
— Eu... voltei para cá há menos de uma hora, certo de que
Padraic havia faltado ao encontro... Então... Ele foi preso!
— Quer me convencer de que não sabia?
— Eu não sabia!
— Eu estava lá! Vi os soldados com suas túnicas vermelhas!
— Podem ter sido soldados britânicos, mas não estavam sob
o meu comando. Disse que os seguiu?
— Tentei, mas foi impossível. Eles seguiam para o sul, na
direção de Kilroyne.
— Ou Winston Hall. — Fox vestiu a jaqueta e terminou de
ajeitar-se em menos de um minuto.
— Winston Hall? O que sir Edwin pode ter a ver com isso?
— Ele sabe quem é o Rebelde. E não fui eu quem o informou,
esteja certa. Essa era uma das coisas que eu pretendia dizer a
Padraic no nosso encontro. Maldição, ele já devia estar em mar
aberto!
— O que vai fazer?—Lily perguntou ao vê-lo guardar a
espada na bainha.
— Vou cuidar do assunto. Havia tropas na cidade antes da
minha chegada. Devo começar por elas, mas sei onde essa busca
vai me levar. Fique aqui. Mandarei notícias assim que descobrir o
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
que está acontecendo. E, se quer um conselho, é melhor esquecer
esse homem.
— Ah, sim? E você conseguiria?
Morgan suspirou e balançou a cabeça. Nunca esqueceria
aquela maldita batalha?
Lily o viu sair e fechar a porta. Sozinha, encolheu-se sob o
manto e puxou o capuz para cobrir os cabelos claros. Depois se
aproximou da janela e, com a testa apoiada contra o vidro frio,
esperou. Esperou até vê-lo cavalgar para longe dali, e só então
correu para a porta.
— Ora, ora, finalmente! — Edwin exclamou satisfeito ao entrar
na cela.
Padraic tentou agredi-lo, mas guardas armados o contiveram.
— Então, esse é o Rebelde em sua verdadeira pele! Não
parece tão formidável agora com essas correntes impedindo seus
gestos heróicos. O que houve? Esgotou seu sortimento de truques?
Não vai tentar me convencer de que é lorde Dunlanoe, o covarde
efeminado?
— Sou Padraic Rafferty, barão de Dunlanoe.
— Só até eu tirar de você título e terra. A corte decidirá a meu
favor, uma vez que você já terá sido levado à forca quando eu fizer
minha petição.
— Jamais terá Dunlanoe.
— Engana-se, meu caro.
— De fato? Acha que ninguém percebeu os olhos fundos, a
pele pálida. Você está doente, Edwin. E está no estágio final da
doença. Não viverá para reclamar Dunlanoe. Deve ter o corpo
coberto por pústulas.
— Isso não muda nada! — Edwin respondeu furioso. — Nada!
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
E ainda nem sei se o enviarei para a forca. Talvez o mantenha aqui,
trancado nesta masmorra. Sabia que ela existia? Não. Poucos sa-
bem. Sim, creio que o farei meu hóspede. Assim, poderá estar
sempre bem informado sobre os progressos de Dunlanoe... e da
doce Lilianne.
— Você nunca a terá.
— Acha que não? Pois saiba que a dama espera por mim lá
em cima. Na sala.
— Mentira!
— Se prefere pensar assim...
Edwin se virou para sair, acenando para que os guardas o
seguissem.
— Se encostar um dedo nela...
— O que vai fazer? Nada. Oh, sim, tê-lo aqui começa a me
entreter muito. Essa sua ira impotente é hilária. Em seu lugar, eu
não desperdiçaria tanta energia em vão.
— Que surpresa!
Lilianne removeu o capuz ao ouvir a voz conhecida. Ela en-
goliu em seco, tentando esconder a reação provocada por sua
aparência. Edwin estava pior do que na última vez em que o vira,
alguns dias atrás.
— A que devo a honra de tão inesperada visita?
— Você o tem, não é?
— De quem está falando?
— Não brinque comigo. Sei que Padraic está aqui. — Era um
blefe, mas Lilianne estava disposta a jogar e arriscar tudo pela vida
do homem que amava.
— Ah, refere-se ao Rebelde, presumo.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Quero que o liberte.
— Enlouqueceu, milady?
— Não, milorde. — Lilianne sentou-se no divã de frente para
ele, sentindo o peso da pistola que levava sob o manto. Sabia que
não poderia usá-la, mas era bom saber que a tinha ali, ao alcance
da mão. Ou melhor, não poderia usá-la... ainda. — Estou apenas
propondo uma barganha. A vida dele... pela sua. Solte-o. Permita
que ele deixe a Irlanda, e eu o curarei de sua enfermidade. Simples,
não?
— Não foi capaz de curar-me antes. Por que acha que poderá
fazê-lo agora?
— Porque agora tenho uma motivação que antes não existia.
— Padraic Rafferty?
— Sua vida pela dele, sir Edwin. Estas mãos — ela as exibiu
com movimentos graciosos—podem realizar milagres e mágicas.
Por elas flui a energia que cura. Já deve ter ouvido comentários
sobre o que fiz. O jovem O'Mally, o cocheiro, a mulher e seu bebê...
O que faria antes de tudo, sir Edwin, se não tivesse mais o medo de
morrer? Se sua carne revivesse e seu corpo se libertasse da dor, da
fadiga e fraqueza?
— Não posso libertá-lo.
— Nesse caso, não haverá acordo. — Lily ocultou as mãos
sob o manto.
— Posso obrigá-la a fazer o que eu mandar. — Edwin sacou a
pistola que levava no bolso e apontou-a na direção de Lilianne. —
Eu a forçarei a curar-me.
— Já tentou isso antes, Edwin. E não funcionou. Não vai
funcionar. Se me matar, não terá mais nenhuma esperança.
Morrerá.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Ele baixou a arma, deixando-a cair sobre a almofada a seu
lado. Depois se reclinou e fechou os olhos.
— Cure-me, e eu o libertarei. Lily riu.
— Não pode acreditar que sou tão ingênua! Só o curarei
quando Padraic estiver longe daqui, em segurança. Ele está aqui,
não é?
— Sim, está. Maldição, mulher, como poderei ter certeza de
que cumprirá sua parte no acordo? E se, depois de libertar o
condenado, você se recusar a agir em meu favor?
— Eu não seria tão tola. Conheço seu gosto pela tortura. Farei
o que estou dizendo. — Ou tentaria, pelo menos.
— Farei como diz. Eu o libertarei.
— Preciso vê-lo. Tenho de saber que está mesmo fazendo o
que diz.
— Acabe com isso e... cure-me.
— Deixe-me ver Padraic. Edwin chamou um criado.
— Traga o Rebelde até aqui — ordenou. Ele esperou que o
lacaio se retirasse para voltar a falar com Lilianne. — Percebe, é
claro, que ele não partirá, se pensar que está aqui contra sua
vontade.
— Farei o possível para convencê-lo de que não é esse o
caso. — Para isso, permaneceria impassível quando ele surgisse
na sala.
Ao vê-lo entre os dois soldados, Lilianne logo compreendeu
que Padraic havia sido espancado. Havia sangue seco sobre
diversos ferimentos, e seu olho esquerdo estava inchado e escuro.
Sentia as mãos quentes, prontas para tocá-lo. Podia sentir o fluxo
da energia. Mas conteve-se, fitando-o como se não tivesse nenhum
interesse pessoal em sua integridade física.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
Padraic empalideceu ao vê-la ali.
— O que está tramando, Edwin?
— Ei, ei, acalme-se, meu caro. Estou considerando a hipótese
de salvar sua vida.
— Por quê?
— Por quê? Digo que pode ser poupado, e você me pergunta
por quê? Sempre o julguei um tolo.
— E você sempre foi um idiota, mas isso não faz nenhuma
diferença agora. A pergunta permanece. Por quê?
— Porque tomei essa decisão. Mas não pense que o deixarei
ficar na Irlanda, ou que ainda terá Dunlanoe. Terá sua vida, apenas,
por mais imprestável que seja.
— O que tem a ver com isso, lady Lilianne?
— Não sei do que está falando.
— Lily, se ele a está obrigando...
— Ele não me está forçando a nada que eu não queira fazer.
Winston Hall é meu lugar. É aqui que devo ficar.
— Maldição!
— Modere sua linguagem diante de minha noiva — Edwin o
censurou sorrindo. — Decidi libertá-lo, desde que deixe a Irlanda
ainda hoje. E nunca mais volte.
— Vá para o inferno, Edwin. Não quero...
— Lamento se dei a impressão de que pode escolher. Não é
esse o caso. Guardas, levem-no para o navio. E cuidem para que
zarpe imediatamente.
Lily não olhou para Padraic quando os guardas o levaram da
sala. Não tinha forças para isso. Ela nem percebeu que Edwin
também havia saído, até ouvir o som da chave girando na fecha-
dura. Emocionalmente abalada, tanto que nem se importava por ter
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
sido trancada no salão, Lily sentou-se em uma cadeira e, de olhos
fechados, tentou não chorar.
O esforço foi inútil.
Estavam atrás do estábulo de Winston Hall. Os guardas o
jogaram no chão, e um deles apoiou o pé em suas costas,
imobilizando-o. Pálido pelo esforço da caminhada, Edwin parou a
seu lado e, empunhando uma pistola, riu.
— Não pensou que teria mesmo sua liberdade, não é,
Padraic? O que acabamos de ver lá dentro foi só uma
representação... para acalmar lady Lilianne.
— Seu... seu...
— Não devia ofender quem tem uma arma apontada para sua
cabeça. Na verdade, não tem importância. Morrerá de qualquer
maneira. Sua adorada Lilianne veio aqui barganhar por sua vida,
suplicar por você, oferecer-se em sacrifício para libertá-lo. E até se
ofereceu para curar-me, a doce dama. Deve entender que não pude
resistir a tão tentadora proposta.
— Bastardo.
— Sendo assim, enquanto você empreende a grande viagem
rumo ao desconhecido, eu estarei recuperando minha saúde e
saboreando as delícias de sua adorada Lily. Fico imaginando se ela
saberá apreciar os prazeres da dor... E para completar a agonia da
sua morte, quero que saiba de um último e importante detalhe.
Pense nisso, Padraic. O homem que matou seu pai encontrará
grande prazer em torturar a mulher que você ama. Sim, porque eu
matei Oliver. O que mais poderia fazer? Ele tinha Lilianne e se
negava a devolvê-la. Depois de ouvir rumores sobre seus poderes
de cura, não medi esforços para convencer lorde Westbury a ceder
a filha em casamento. E quando consegui o valioso prêmio, ele me
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
foi roubado.
— Edwin, você merece a pior de todas as mortes.
— Por ter matado seu pai? Tolice! Nunca suportei aquele tolo
papista. Sempre tentando proteger os oprimidos, os fracos... Ele
encontrou Lilianne, que havia fugido de Winston Hall, e aceitou sem
reservas o relato de ameaças e cativeiro. O homem teve a ousadia
de vir até aqui me interrogar por causa dela. Entende agora o que
acontece com quem se opõe a mim?
Edwin virou-se, dando a última ordem por cima do ombro.
— Levem-no para o bosque e matem-no. Tragam o corpo
para que eu o veja.
Padraic foi tomado por uma fúria cega e até então
desconhecida quando, violentos, os guardas o levantaram do chão.
Sem pensar nas consequências, abriu os braços e, com toda a
força que ainda restava, golpeou o nariz dos dois ao mesmo tempo.
Depois, rápido como um raio, agarrou-os pelos cabelos e bateu a
cabeça de um contra a do outro.
Os guardas, pegos de surpresa, nem tiveram tempo para
tenta reagir ou impedir a ação. Desarmados, caídos, eles viram
Padraic empunhar suas pistolas sem poder contê-lo.
Mas, antes que pudesse se levantar, ele foi retido por uma
bota sobre seu punho direito. Um terceiro guarda, vindo não sabia
de onde, apontava a pistola para seu corpo. O disparo provocou um
estrondo que sacudiu a calma do campo.
— O que foi isso? — Lily desviou os olhos da xícara de chá
Havia convencido Edwin de sua fadiga, e solicitara um tempo para
recompor-se e alimentar-se antes de dedicar-se à dura tarefa de
curá-lo. Difícil era conseguir engolir o alimento. O pão caseiro
coberto por uma generosa camada de geléia de frutas jazia
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intocado no prato de porcelana.
Ela se levantou.
— Você ordenou sua morte! — Por que não pensara nessa
possibilidade?
— É um caçador, mais nada.
— Está mentindo! — Lily correu para a porta, mas ela estava
trancada. — Abra-a! Se quiser ver o próximo verão, abra a porta
agora!
— É inútil. — Edwin levantou-se com dificuldade. — Ele já
deve estar morto. E você terá o mesmo destino, se não cumprir o
que prometeu.
— Não farei nada para curá-lo. Recuso-me a tocá-lo. Você
acabou de matar sua última chance de recuperar a saúde.
— Então, você também morrerá. — Lily saltou para o lado
quando ele correu em sua direção.
Padraic só conseguiu entender o que havia acontecido
quando a fumaça se dissipou. Ele tossiu, surpreso por ainda estar
vivo.
— Mas o que...?
O guarda que pouco antes o ameaçara estava caído a seu
lado. Morto.
Morgan estava em pé ao lado do corpo. Havia uma pistola
fumegante em sua mão. Na outra, uma segunda pistola mantinha
imóvel os outros dois guardas.
— Parece que precisa de ajuda. Pegue a arma —
acrescentou, apontando para uma pistola caída bem perto dele.
Padraic recuperou a pistola, levantou-se e correu de volta
para a casa.
— Aonde vai?
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— Ele mantém Lily cativa! — gritou Paddy sem se deter.
— Maldição! — Morgan não se dera ao trabalho de retornar à
hospedaria para certificar-se de que a prima ainda estava lá. Devia
ter lembrado que uma mulher apaixonada é capaz de tudo. Rápido,
sem encontrar nada que pudesse usar para imobilizar os supostos
guardas, que apesar do uniforme escarlate não eram realmente
militares, ele atingiu a cabeça de cada um dos dois com o cabo da
pistola antes de deixar o local. Padraic precisava de ajuda.
Felizmente, Morgan conseguiu alcançá-lo ainda do lado de
fora, já diante da porta da casa.
— Não tente me impedir...
— Deixe-me cuidar disso, Padraic. Ele confia em mim.
— Sou eu quem não deve confiar.
— Pense em Lily! Quer que ela seja ferida? Ou morta? Só
preciso de cinco minutos para tirá-la da linha de fogo.
— Terá apenas três — Padraic concedeu contrariado. — Vá
de uma vez.
Morgan entrou. Da varanda, colado à parede ao lado da porta,
Paddy ouviu o coronel perguntar ao mordomo que o recebeu:
— Onde está Edwin? — Ele se dirigiu ao salão e, encontrando
a porta trancada, esmurrou-a. — Edwin, ordeno que abra!
O coração de Lily saltou. Precisava reagir! Ela mordeu a mão
que cobria sua boca e, aproveitando o momento de surpresa de
Edwin, gritou.
— Lily? Edwin, abra a porta! Tenho soldados aqui em número
suficiente para arrombá-la, se não atender à minha exigência. Trago
boas notícias. O Rebelde está morto. Nós o encontramos no
bosque. Abra...
A porta se abriu. Edwin surgiu desfigurado, pálido e arfante.
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Ele empunhava uma pistola que mantinha apontada para o peito de
Morgan.
— Ele está morto?
— Sim, sim, nós o encontramos... Onde está Lilianne? —
Morgan parou ao entrar na sala. Lily investia contra Edwin com uma
pistola na mão.
— Não quero mais esperar para vê-lo morrer enfermo —
gritou.
Edwin se virou com a arma na mão.
— Não! — Morgan se jogou entre os dois.
Nesse momento, alguém empurrou a porta e invadiu o salão.
O eco do grito de Lilianne se misturou ao estampido do tiro.
Ela correu para o primo e o amparou em seus braços, caindo com
ele. Mal teve tempo para perceber que Morgan havia sido alvejado,
quando viu Padraic surgir no salão. Vivo.
— Padraic!
Ele olhou em sua direção.
E esse foi seu maior erro. Edwin apontou a segunda pistola
para o Rebelde. Lilianne não teve tempo para pensar. Apenas
empunhou a pistola e apertou o gatilho. A explosão sacudiu seu
mundo.
— Lily! Lily! Abra os olhos, por favor.
— Padraic..?
— Oh, meu Deus! Você está bem?
— Sim, sim, estou... Pensei que... Morgan!
— Sim. Tentei escutar seu coração, mas...
— Deixe-me tocá-lo.
— Faça o que puder para salvá-lo, doce Lily. Ele salvou minha
vida.
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— E a minha, também. — Lily fechou os olhos e abriu as
mãos sobre o corpo inerte do primo. — Por favor... Por favor...
Ela murmurava palavras num idioma estranho. Uma língua
que nem ela mesma podia compreender. E essas palavras se
uniam numa ladainha pela vida.
Padraic assistia a tudo com ar fascinado. A luz... A luminosi-
dade em seu rosto...
Estava acontecendo. Lilianne salvava mais uma vida. Lily
caiu, enfraquecida pelo esforço.
— O que aconteceu? — Morgan abria os olhos devagar. —
Lilianne? — Ele a viu nos braços de Padraic. — Oh, não! Eu tentei...
— Lily está apenas cansada. E você, como se sente?
— Eu... não sei. Tonto.
— Descanse.
— Onde está Edwin?
— Morto — Lily respondeu, recuperando os sentidos e a
força.
— Eu o matei.
— Você não teve escolha.
— Eu sei, mas...
— Ele matou meu pai. Edwin confessou o crime quando dava
minha morte como certa. E, não fosse por você, Lily, eu estaria
mesmo morto.
Fox sentou-se.
— Precisam sair daqui. Agora.
— Mas eu não posso...
— Edwin não guardou segredo sobre sua identidade, Padraic.
Ele escreveu para lorde Westbury contando tudo.
— Meu pai?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Sim. E não poderei fazer nada para impedir o que
acontecerá em breve. Devem deixar a Irlanda o quanto antes.
— Ele tem razão, Padraic. E eu vou com você.
— Não posso pedir...
— Não está me pedindo nada. Não vou deixar que saia daqui
sem mim.
— Lily, sou um proscrito, um fora-da-lei... Nunca mais poderei
voltar à Irlanda. E não poderei ir para a Inglaterra, também.
— Não tem importância.
— Padraic, por que não segue os passos de Keegan
MacLeod? — Morgan sugeriu. — Vá para a América. Esqueça o
Rebelde. Comece uma nova vida.
— E Dunlanoe? Meus colonos? Quem cuidará deles?
— Leve os que quiser com você. Os outros...
— Você vai ficar com Dunlanoe.
— O quê? Padraic, nunca...
— A propriedade terá um senhor inglês, seja como for. Agora
as coisas são assim. E eu confio em você. Sei que vai cuidar do
que teria sido meu legado... e de meu povo.
— Saberei honrar sua confiança... amigo.
Mais que amigo. Você tem em mim um irmão, Morgan. Nunca
se esqueça disso.
— Um dia você a verá novamente.
Padraic olhou para Lilianne, sua esposa, e sorriu com tristeza.
A costa da Irlanda se distanciava, envolta pela névoa densa da
manhã.
Um dia inteiro transcorrera desde os eventos em Winston Hall,
desde que planejara partir sozinho. Nesse tempo, Padraic informara
os colonos e reunira as famílias que desejavam acompanhá-lo na
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aventura marítima. A sra. Ferguson estava a bordo, acompanhada
pela família, e Shamus, certamente. Alison e Coyle também haviam
concluído que a fuga era a melhor solução para eles.
No geral, quase todas as pessoas que apreciavam estavam a
bordo. A seu lado, Padraic tinha a criatura mais especial que jamais
conhecera. Seu grande amor.
— Não sei se vou querer voltar — ele confessou. — Acho que
já tenho comigo tudo de que preciso para ser feliz.
Lily sorriu.
— Padraic, há algo que me preocupa.
— O que é?
— Ainda estou pensando... O que seu primo deve ter pensado
ontem à noite, quando tirou a jaqueta e a viu furada pela bala da
pistola de Edwin?
— Não sei. Deve ter sido estranho, para dizer o mínimo.
— Devíamos ter contado a ele.
— E acha que ele teria acreditado? Morgan não parece ser o
tipo de homem que aceita coisas que não pode ver ou entender.
— Pode se surpreender com ele, meu querido Paddy. Certa
vez ele me contou que se sentia unido a você por um elo... Algo que
não podia explicar, mas também não conseguia ignorar. Ele disse
ter o mesmo sentimento pelo escocês de quem falaram no último
encontro.
— Keegan MacLeod? Sim, eu sei. Experimento sentimentos
idênticos aos dele. De qualquer maneira, devemos muito a Morgan.
— Acha que vão acreditar em seu relato?
— Se ele afirmar que matou o Rebelde, ninguém duvidará de
sua palavra.
— Sente-se triste pelo desaparecimento do Rebelde?
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CHRISTINE DORSEY A DAMA E O REBELDE
— Não. Prefiro ser Padraic Rafferty, marido de Lily Rafferty.
— Haviam se casado na noite anterior, na capela de Dunlanoe,
numa cerimônia realizada pelo padre Samuel. E passaram a noite
de núpcias nos aposentos da torre. Concebendo um herdeiro, Pa-
draic tinha certeza disso.
— Um herdeiro concebido no coração e no solo da Irlanda —
ele murmurara ao despejar a semente da vida no ventre de sua
amada. — Nascido no Novo Mundo. Esse será nosso legado ao
nosso primeiro filho.
Ele recordava as palavras agora. Segurando a mão de Lily,
virou-a para a proa, para o futuro que os esperava. O Novo Mundo.
Uma nova vida. Juntos.