CENTRO DE ESTUDOS GEOGRÁFICOS
CONTRIBUIÇÕES PARA A GEOMORFOLOGIA
E DINÂMICAS LITORAIS EM PORTUGAL
ANA RAMOS PEREIRA HERVE REGNAULD JOÃO ALVEIRINHO DIAS MARIA MANUELA LARANJEIRA
LINHA DE ACÇÃO DE GEOGRAFIA FÍSICA Relatório nº. 35
LISBOA 1994
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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LITORAIS QUATERNÁRIOS (EMERSOS E SUBMERSO) NA EXTREMIDADE SUDOESTE
DA ARRÁBIDA (PORTUGAL)1
Ana RAMOS PEREIRA Hervé REGNAULD
Centro de Estudos Geográficos Univ. Haute-Bretagne, Rennes
Universidade de Lisboa C. N. R. S., URA 141 e Costel
Resumé
Le littoral de l´Arrábida (Portugal central) est composé de falaise, de fausses falaises,
de versants côtiers precédés ou non de plate-formes d´abrasion. Ces formes sont actuelles
mais des littoraux anciens ont été repèrés à +50m, +7m et à 7m. Ils correspondent à des
épisodes interglaciaires, avec des fluctuations locales, et à une étape de la remontée post
glaciaire (7m). Les niveaux interglaciaires sont inégalement déformés par une tectonique de
basculement et de fracture; on peut identifier trois compartiments sucessifs d´Ouest en Est.
Le niveau 7m n´est pas déformé, ce qui permet de placer le basculement dans un crénau de
100 000 à 6 000 ans (environ).
Portugal possui duas fachadas litorais de orientação aproximadamente normal. A
ocidental, pouco recortada, tem uma orientação aproximadamente meridiana e está aberta
aos fluxos aerológicos dominantes bem como à agitação marítima atlântica. Nesse contexto,
a cadeia da Arrábida, que atinge 501m, constitui um acidente costeiro particular: um
promontório de orientação E-W, que cria um obstáculo à normal progressão dos fluxos,
originando um troço costeiro alcantilado (fig.1), virado a sul e abrigado. Deve, contudo,
salientar-se que este conjunto, amplamente aberto a sul, é uma área exposta aos temporais
1 Comunicação apresentada à II Reunião do Quaternário Ibérico, Coimbra, em Setembro de 1993.
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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de sudoeste que assolam o litoral português e que, apesar de pouco frequentes, têm uma
importante capacidade morfogenética e são responsáveis por consideráveis danos
materiais.
O litoral da Arrábida revela um claro défice de sedimentos, dominando as vertentes
costeiras escarpadas e as arribas, talhadas nas rochas calcárias, com raras praias, apenas
nas pequenas reentrâncias da linha de costa.
Apesar de se encontrar a escassos 30km de Lisboa, o litoral da Arrábida está ainda
pouco degradado e é parcialmente protegido por lei (Decreto-Lei 622/76), exceptuando-se
justamente a parte sudoeste, objecto da presente comunicação.
O trabalho, iniciado em 1991, e que tem vindo desde então a ser desenvolvido, tem
por objectivo estudar as arribas da Arrábida e a influência que a cadeia cortada em arriba
imprime no sistema ambiental atmosfera-oceano. O estudo dos sistemas de arriba (emersa
e submersa) da Arrábida, incluindo os trânsitos sedimentares, actuais e passados, constitui
o objectivo do trabalho dos autores e integra-se no projecto JNICT, nº PEAM/C/CNT/28/91,
consubstanciado pelo CNRS, IFREMER e Ministério dos Negócios Estrangeiros de França,
e visa o conhecimento ambiental do conjunto do litoral da Estremadura. Para o efeito, os
autores recorreram ao levantamento geomorfológico de campo de pormenor, em terra,
visitas por mar, e a um conjunto de mergulhos, que permitiram reconhecer formas e
depósitos actuais e herdados, emersos e submersos, e que constituem um conjunto novo de
informações sobre a dinâmica ambiental. A geometria das formas bem como a sua posição
relativa, a diferenciação dos depósitos, a que se associou o estudo das fotografias aéreas
de escala 1:8 000, de 1992, permitem apresentar desde já algumas conclusões
preliminares.
1. Tipos de sistemas costeiros
Na Arrábida estão presentes os seguintes tipos de sistemas costeiros:
- Arriba (viva), com comandos até 70m, praticamente verticais, talhadas em rochas
calcárias do Jurássico ao Miocénico, com alternância de fácies de resistência diversa, de
disposição concordante e estrutura monoclinal de pendor para norte. Nelas são frequentes
os valeiros e barrancos suspensos, de fundo colmatado por depósitos. No sopé, podem
também estar protegidas por escolhos e ilhéus de rocha resistente.
- Vertente costeira – arriba, com comando igual ou superior a 100m, este sistema
é, no geral, encimado por uma cornija ou um conjunto complexo de escarpados,
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Fig.1 – O litoral da Arrábida e o seu extremo sudoeste (A).
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correspondentes a afloramentos de calcários mais resistentes, que dominam um troço
rectilíneo, correspondente a uma vertente regularizada por depósitos cascalhentos, cujos
elementos se filiam nas cornijas supra citadas. Este troço regularizado pode ser
interrompido por rechãs com ou sem depósito (cascalhento ou arenoso), e contacta com o
mar por intermédio de uma arriba de comando em geral superior ou igual a 20m, salvo junto
à Chã dos Navegantes, onde não atinge 10m.
- Vertente costeira – arriba – plataforma rochosa, idêntico ao sistema anterior,
apenas difere pela presença de uma plataforma rochosa, no contacto com o mar, e que é
sempre de reduzidas dimensões, só submersa por ocasião das tempestades, tendo apenas
sido reconhecida entre a Chã dos Navegantes e o Forte da Baralha e imediatamente a
ocidente do porto de Sesimbra.
- Vertente costeira, em geral de comando elevado, podendo atingir 300m em Cabo
de Ares, corresponde a uma vertente com cornija ou um conjunto complexo de escarpados,
que dominam uma vertente regularizada por depósito cascalhento, consolidado, salvo
superficialmente, parcialmente colonizado por vegetação e que forma um plano inclinado
que mergulha abaixo do nível actual.
- Vertente costeira – praia, melhor representado na parte oriental da Arrábida (no
Portinho e entre Galápagos e Setúbal), este sistema é composto por uma vertente muito
complexa, com numerosos escarpados intercalados por troços com uma película de
depósitos cascalhentos, muito grosseiros, colonizados por vegetação, dominando praias
estreitas.
Estes sistemas costeiros possuem retalhos planos (as rechãs costeiras) a altitudes
diversas.
Desta sintética sistematização dos sistemas costeiros presentes na Arrábida pode
deduzir-se desde já a existência de formas e depósitos herdados, uns de características
litorais e marinhas (presentes nas rechãs costeiras) e outros continentais (que regularizam
as vertentes), cuja posição relativa permite pormenorizar parte da evolução quaternária
desta área. Pareceu-nos particularmente interessante o troço entre o Cabo Espichel e o
Forte da Baralha, por ser o que encerra o maior número de informações sobre os níveis
marinhos emersos e submerso (reconhecido em todos os mergulhos efectuados), e
caracteriza-se por possuir dois tipos de sistemas costeiros, vertente costeira – arriba e
vertente costeira – arriba – plataforma rochosa.
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2. Os níveis marinhos
É no extremo sudoeste da Arrábida que os níveis marinhos estão melhor
conservados (fig.2).
O nível somital, designado por plataforma do Cabo, corresponde a uma superfície de
aplanamento, balançada para W, onde está a 130m, e arrebitada a S (O. RIBEIRO, 1968).
Esta superfície está desprovida de depósito e nela apenas subsistem raros seixos rolados,
de quartztito ferruginizados, referenciados por O. RIBEIRO (1968) e ainda hoje observáveis.
Este autor atribui-lhe uma génese marinha. Desprovida de elementos de datação, tem-lhe
sido atribuída uma idade pliocénica pela sua posição geomorfológica, i.e., por dominar o
nível do conglomerado de Belverde, que se situa a NW, e que será já Quaternário (S.
DAVEAU; T. MIRA DE AZEVÊDO, 1980-81).
Entre o alto da vertente costeira e a arriba pode existir um ou mais patamares, as
rechãs costeiras, horizontais umas, outras inclinadas (fig.2). Podem encontrar-se a altitudes
variadas, embora de uma maneira geral a altitude aumente para oriente, acompanhando a
tendência geral da região (O. RIBEIRO, 1968; A. RAMOS PEREIRA, 1988).
Estas rechãs são consideradas antigos níveis marinhos quaternários. Em algumas
delas foram reconhecidos depósitos de praia, areias soltas ou consolidadas, com calhaus
rolados (C. RIBEIRO, 1867; P. CHOFFAT e DOLLFUS, 1904-1907; H. BREUIL e G.
ZBYSZEWKI, 1945; G. ZBYSZEWKI e O. VEIGA FERREIRA, 1965).
As rechãs mais altas exibem uma deformação tectónica idêntica à da plataforma do
Cabo mas de menor amplitude (O. RIBEIRO, 1968). Desconhece-se em que medida a
sucessão de rechãs foi condicionada pela variação eustática do nível do mar e/ou pela
deformação tectónica.
O testemunho do nível mais alto que interrompe a vertente costeira está
praticamente desprovido de depósitos ou contêm depósitos de leques aluvio-torrenciais,
resultantes da sua evolução posterior. São, sobretudo, os níveis abaixo de 50m, aqueles
que encerram maior número de informações.
O nível da Chã dos Navegantes
Na Chã dos Navegantes, desenvolve-se um retalho aplanado, entre 50m e 15m,
relativamente extenso, dominado por uma vertente costeira em anfiteatro, apenas retalhada
por quatro barrancos.
A Chã não é regular, mas acidentada por diversas rupturas de declive (fig.3). Está
atapetada por um depósito arenoso, em geral solto, que chega a atingir 2m de espessura
observável, nas extremidades ocidental e oriental. Pode apresentar-se com fácies variada:
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Fig.2 – Principais traços geomorfológicos do sudoeste da Arrábida (extraído de A. RAMOS PEREIRA, 1988).
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- areia grosseira, na parte ocidental, que passa lateralmente a areia média a
grosseira com seixos de quartzito ferruginizado, na parte central da Chã, próximo da
desembocadura dos barrancos. Estas areias junto à vertente costeira podem conter blocos
de calcário dela provenientes;
- verticalmente, estas areias podem passar a areias finas, como sucede na
extremidade ocidental.
Estes materiais, quando estão junto à vertente costeira, podem estar fossilizadas por:
- depósitos coluviais, de espessura variável, e nesse caso, a película de areias em
contacto com o depósito suprajacente está consolidada;
- por depósitos aluvio-coluviais, junto à desembocadura dos barrancos. Aí, as areias
estão remexidas, ou mais frequentemente, foram completamente erodidas.
Estes depósitos podem coroar a arriba viva, como sucede no extremo ocidental, ou
dominar, por um ressalto de cerca de 2-3m, um outro nível, muito pouco extenso, e
desprovido de depósito – o nível baixo da Chã dos Navegantes.
O estudo da estrutura e textura dos depósitos mostra tratarem-se de depósitos
litorais, onde se combinam areias marinhas (médias a grosseiras), areias eólicas (areias
mais finas e com estratificação entrecruzada) e depósitos da desembocadura de cursos de
água (areia e seixos de quartzito ferruginizado).
Parece, assim, que a Chã constituía uma baía onde afluiam os referidos barrancos,
que lhe faziam chegar seixos ferruginizados presentes na plataforma do Cabo, como ainda
hoje sucede após episódios de chuva intensa e concentrada. A areia aí existente era
mobilizada por ventos do quadrante S e empurrada contra à vertente costeira, que à época
funcionaria como arriba, onde formava um talude de areias eólicas (A. RAMOS PEREIRA,
1987).
A fonte das areias é, de algum modo, enigmática. Todo o troço costeiro SW da
Arrábida revela um claro défice de sedimentos. As praias são escassas, de reduzidas
dimensões e por vezes desprovidas de areia, contendo apenas calhaus resultantes da
evolução da arriba. A rede hidrográfica é também incipiente, pelo que o afluxo de aluviões é
muito reduzido. Hoje a deriva continental, muito pouco conhecida, tem uma dominância W-
E. Por outro lado, a plataforma continental revela um claro défice sedimentar, a que não
deve ser alheio o seu forte declive. É possível que as areias, relativamente abundantes,
presentes na Chã, bem como em pequenas enseadas hoje existentes2, proviesse em parte
de depósitos existentes na plataforma do Cabo. À semelhança do que ainda hoje sucede
aos seixos de quartzito ferruginizado, as areias com mais facilidade poderiam afluir à
2 Exceptua-se o caso da Praia do Cavalo, onde a alimentação parece ser recente e, em boa parte, proveniente da pedreira
próxima.
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enseada por via fluvial. As características da baía, relativamente recuada e certamente
abrigada explicariam a permanência e sua modelação pelo mar.
Este nível estende-se para ocidente através de pequenos retalhos, bem visíveis do
mar e facilmente reconhecíveis na fotografia aérea. Estes retalhos estão compreendidos
entre a vertente costeira e a arriba, ambas escarpadas, sendo por isso inacessíveis. Essa
razão impediu o seu reconhecimento de campo, desconhecendo-se se possuem ainda
depósitos conservados.
Sobre o nível baixo da Chã possui-se muito pouca informação, salvo que a sua
paleoarriba descreve uma forma semicircular semelhante à vertente costeira da Chã.
O nível do Forte da Baralha
Considerado na bibliografia do Quaternário português como o nível de 15m, foi
pormenorizadamente descrito por H. BREUIL e G. ZBYSZEWSKI (1945) e é talvez o melhor
estudado da região. De grande regularidade, este nível é bastante mais extenso do que tem
sido descrito, pois estende-se até ao Cabo Espichel (fig.3). Também a sua altitude é variável
entre 7m e 2m, como adiante se refere. Corresponde a um retalho erosivo de largura
variável, sempre inferior a 12m, com marmitas de erosão mecânica, dominado por uma
arriba, com numerosas grutas e uma sapa na base, que chega a atingir 1m de profundidade.
Conserva também o depósito correlativo como o descrito por H. BREUIL e G. ZBYSZEWKI
(1945). No extremo W do retalho do forte, foram reconhecidos dois níveis conglomeráticos,
cobertos por níveis arenosos, interpretados como correlativos de dois estacionamentos
marinhos com 0,5m de intervalo.
Lateralmente, para oriente, estes sedimentos passam a areia média a fina, com clara
estrutura de praia e/ou talude eólico. Estão aí parcialmente fossilizados por coluvião
consolidado.
A maior parte dos restantes testemunhos deste nível são inacessíveis quer por terra
quer por mar. Contudo, onde foi possível atingi-los, verificou-se serem desprovidos de
depósito, reconhecendo-se apenas marmitas de erosão mecânica, algumas ainda com
seixos e calhaus rolados no seu interior.
O nível submerso de 7m
O nível submerso de 7m está bem documentado, no SW da Arrábida, por vários
retalhos aplanados a W e E da Chã, desprovidos de depósito, mas com marmitas de erosão
mecânica. Foi reconhecido em todos os mergulhos efectuados.
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Fig.3 – Litorais quaternários no sudoeste da Arrábida. 1 – plataforma do Cabo; 2 – nível da Chã dos Navegantes, bem conservado e degradado; 3 – nível baixo da Chã dos Navegantes; 4 – nível do Forte da Baralha; 5 – plataforma rochosa; 6 – alto de vertente costeira; 7 – crista; 8 – cornija; 9 – ruptura de declive; 10 – escarpa de falha, bem e mal definida; 11 – arriba morta; 12 – arriba viva; 13 – leque aluvio-coluvial; 14 – valeiros e barrancos; 15 – ruptura de declive no perfil longitudinal; 16 – garganta; 17 – falha; 18 – falha provável; 19 – faixa de esmagamento. Esboço elaborado sobre a fotografia aérea de escala aproximada 1: 8000.
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3. A tectónica e a dinâmica marinha quaternários
O reconhecimento dos vários testemunhos dos níveis da Chã dos Navegantes
e do Forte da Baralha só foi possível após a detecção dos acidentes activos no
extremo SW da Arrábida. A Arrábida é cortada por numerosas fracturas, facilmente
identificáveis em fotografia aérea e no campo, onde a abundância de milonitos é
surpreendente. A tectónica quaternária na Arrábida era já conhecida por afectar os
níveis mais altos.
O trabalho agora em curso demonstra que a tectónica tem perdurado e afecta o
nível do Forte da Baralha. Com efeito, verificou-se que o nível do Forte da Baralha
estava deformado, variando entre cerca de 2m e 7m, no Cabo Espichel e junto ao
forte, respectivamente. Apresenta, por isso, o mesmo tipo de deformação da Arrábida,
com levantamento para oriente. O levantamento de campo permitiu precisar que, para
além deste balançamento, o nível da Baralha tinha sido sujeito a uma tectónica de
fractura. Foi possível identificar entre o Cabo Espichel e o Forte da Baralha, três
compartimentos tectónicos distintos: o do Cabo Espichel, o do Forte da Baralha e
outro entre eles (fig.3). As falhas que individualizam os vários compartimentos têm
uma orientação meridiana. A mais ocidental situa-se junto ao “pesqueiro da corda” e
individualiza os dois compartimentos ocidentais. O compartimento do forte é
individualizado pela falha do extremo sul da Chã, a ocidente, e pela da Praia da
Tranca3.
No compartimento ocidental, o do Espichel, o nível do forte da Baralha situa-se
entre 2m e 4m e está claramente balançado para W. O compartimento central está
praticamente horizontal e a cerca de 3-4m. No compartimento do forte, o nível situa-se
entre 5m e 7m e está claramente balançado para W.
O movimento tectónico referido não afectou o nível de -7m, pelo que terá
ocorrido após a elaboração do nível do Forte da Baralha e antes do estacionamento
marinho que talhou o de -7m.
Remate O nível da Chã dos Navegantes não possui nenhum elemento de datação,
salvo o seu enquadramento geomorfológico.
O enquadramento geomorfológico do nível da Baralha e a fauna de águas
temperadas no depósito correlativo permitem pôr a hipótese de correlação com o
Eeiano (120 000 a 100 000 anos), o que concorda com o que tem sido aceite. Os
3 Embora exista um outro acidente no Porto da Baleeira, este não parece ter jogado após a elaboração do nível da baralha, pois o próprio nível da Chã dos Navegantes prolonga-se para oriente em clara continuidade altimétrica.
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testemunhos deste nível, pressupõem um estacionamento relativamente prolongado
do nível do mar, capaz de talhar não só a plataforma de abrasão, mas também de
modelar a arriba. As pequenas variações de fácies, nomeadamente os dois leitos
conglomeráticos parecem poder ser atribuíveis a pequenas variações do nível do mar
no último interglaciar. Estes testemunhos constituíram abrigo, há cerca de 30 000 anos
(M. TELLES ANTUNES, 1991), quando a fauna era de clima fresco a frio e poderão
ser dessa altura os taludes de clastos que fossilizam localmente o nível. Sem
pretender sugerir que o clima era frio, pensamos poder afirmar que o abaixamento de
temperatura foi suficiente para acelerar a fragmentação das rochas, já por si muito
fragilizadas pela tectónica.
Contudo, esta aproximação cronológica deve ser considerada com muita
prudência, uma vez que os indícios de neotectónica são evidentes. Só a prossecução
dos estudos de pormenor e o recurso, sempre que possível, a datações
radiocronológicas poderá esclarecer este problema.
Não se possui até ao momento qualquer elemento de datação para o nível de -
7m. A título de hipótese sugerimos a idade de cerca de 6 000 anos por correlação com
os dados recentes obtidos para o estuário do Sado (informação oral de PSUTY e
MOREIRA).
A deformação tectónica que afecta o nível da Baralha situar-se-á então entre o
último interglaciar e cerca de 6 000 anos.
BIBLIOGRAFIA
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Explic. da folha 38-B, Serv. Geol. Port., Lisboa, 134p.
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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Foto 1 – O nível do Forte da Baralha, dominado por uma vertente costeira
regularizada. Vista tomada do nível da Chã dos Navegantes para oriente.
Foto 2 – Pormenor do nível do Forte da Baralha e paleoarriba correlativa, onde
estão ainda conservadas grutas e a sapa.
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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Ana Ramos Pereira e Hervé Regnauld (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida (Portugal). In Ana Ramos Pereira, Hervé Regnauld, João Alveirinho Dias e Maria Manuela Laranjeira (Eds.) – Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Linha de Acção de Geografia Física, Centro de Estudos Geográficos, 35: 55-73.
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Foto 3 – Testemunhos do nível do Forte da Baralha a oriente do Forte, no
compartimento central. São sempre retalhos pouco extensos, dominados por uma arriba que conserva a morfologia original.
Foto 4 – Testemunhos do nível do
Forte da Baralha, a oriente do Forte, nos compartimentos central e oriental. Os testemunhos mais ocidentais, no sopé da vertente costeira do Cabo Espichel, estão mais baixos do que os do compartimento central.
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