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Centro de Educação Aberta e à Distância
REVISTA LYALOSHO
Identificação
A Revista Lyalosho, é uma publicação independente dedicada à temática de Educação Aberta e à Distância. A
Lyalosho será editada em formato digital e impressa.
A revista tenciona tornar-se um importante meio de divulgação científica de pesquisas sobre Educação Aberta
e à distância em Moçambique e no exterior, incentivando reflexões sobre a implementação de EAD em
contextos formais e informais.
Rúbricas da Revista Serão aceites os seguintes textos para publicação na Lyalosho:
Artigos de revisão e original; Resumos; Resenhas.
Coordenação da Revista
Profa. Doutora Suzete Lourenço Buque
Conselho Editorial
Mestre Cristina Loforte, Universidade Pegagógica, Moçambique
Profa. Doutora Alice Castigo Freia, Universidade Pedagógica, Moçambique
Profa. Doutora Suzete Lourenço Buque, Universidade Pedagógica, Moçambique, Moçambique
Mestre Oreste Preti, Universidade Federal do Mato Grosso, Brasil
Comissão Científica
Prof. Doutor Boaventura Aleixo, Universidade Pedagógica Profa. Doutora Elsa Morales, Espanha
Profa. Doutora Rosa Maenza, Argentina Profa. Doutora Cláudia Verónica Pérez Lezama, México
Prof. Doutor Jacinto Cipriano Banze, Universidade Pedagógica, Moçambique
Mestre Domingos Franque, Instituto Nacional de Educação à Distância, Moçambique
Profa. Doutora Rita Maria de Lino Tarcia, Universidade Federal de São Paulo, Brasil
Mestre Gregorio Jorge Gonçalves, Universidade Pedagógica, Moçambique
Prof. Doutor Bento Silva, Universidade de Aveiro, Portugal
Mestre Lurdes Nakala, Instituto Nacional de Educação à Distância, Moçambique
Profa. Doutora Nilsa Cherinda, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique
Mestre Dionisio Tumbo, Universidade Pedagógica, Moçambique
Profa. Doutora Maria Luisa L. Aires, Portugal Mestre Marcos Luis, Angola
Profa. Doutora Darlinda Moreira, Universidade Aberta de Portugal, Portugal
Mestre Manuel Madeira Macandza, Universidade Pedagógica, Moçambique
Equipa Téncica
Lic. Valdinácio Florêncio Paulo, Universidade Pedagogica, Moçambique
Lic. Aurélio A. Pires Ribeiro, Universidade Pedagógica, Moçambique
Capa: Valdinácio Florêncio Paulo
Tradução: Anastácio Ariel Macuácua
Impressão: Imprensa Universitária
Periodicidade: Semestral
Contactos
Telefone: (+258) 84 900 18 04
Página na Internet: https://cead.up.ac.mz | https://revista.up.ac.mz
E-mail: [email protected] | [email protected]
Propriedade
Centro de Educação Aberta e à Distância (CEAD) da Universidade Pedagógica
DISP. REGº/GABINFO-DEC/2015
ÍNDICE
NOTA EDITORIAL ......................................................................................................................................................... 4
MODELO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA – PASSADO,
PRESENTE E FUTURO ................................................................................................................................................. 6
Cristina Ribeiro Loforte
BUSCANDO UM OLHAR DIALÓGICO EM EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NA UNIVERSIDADE
PEDAGÓGICA ............................................................................................................................................................... 23
Rodolfo C. J. Salgado
Margarete Axt
COMUNIDADE DE INQUIRIÇÃO - CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS PARA PROCESSOS
EDUCATIVOS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA. ......................................................................................... 33
Jane Garcia de Carvalho
Rita Maria Lino Tarcia
Carlos Fernando de Araújo Júnior
USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA: ENTENDENDO AS POSSIBILIDADES E DESAFIOS DOS TUTORES NA
UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA DE MOÇAMBIQUE ................................................................................... 45
Dionísio Luís Tumbo
Bento Duarte Silva
ESTUDO RELATIVO AO DOCUMENTO VÍDEO, COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO NO
PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DAS CIÊNCIAS .................................................................. 58
Marco Luís
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Revista Lyalosho
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NOTA EDITORIAL
Estimado (a) Leitor (a),
Colocamos à sua disposição a Revista LYALOSHO-Revista cientifica de Educação à Distância (EaD)
publicada pelo Centro de Educação Aberta e à Distância (CEAD) da Universidade Pedagógica (UP).
Este segundo número é composto por cinco artigos que apresentam estudos e reflexões sobre
temáticas fundamentais no desenvolvimento da Educação à Distância como sejam a conceptualização da EaD
aplicada a contextos práticos (discutida no primeiro artigo), os vários tipos de interacçcões em educação à
distância (apresentados no segundo e terceiro artigos) e o uso de tecnologia de informação e comunicação
(explorados no quarto e quinto artigo).
Assim, no primeiro artigo “Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – passado, presente e
futuro”, Cristina Loforte, apoiando-se na sua experiência de trabalho no CEAD e no referencial teórico sobre
Educação à Distância, procura responder se a Universidade Pedagógica tem ou não um modelo de educação à
distância estabelecido. Para o efeito explorou os vários elementos que compõem a definição do termo
“educação à distância” e os modelos de organização institucional possíveis em educação à distância. Concluiu
que, considerando os aspectos determinantes na identificação de um modelo como o tipo de organização
institucional, a organização pedagógico-didática e o tipo de tecnologia usada, a Universidade Pedagógica teve e
tem um modelo de educação à distância comparável aos modelos indicados na literatura, o que permite
perspectivar o modelo organizacional administrativo, pedagógico e tecnológico do futuro.
Rodolfo C. J. Salgado e Margarete Axt apresentam, no segundo artigo intitulado “Buscando um Olhar
Dialógico em Educação à Distância na Universidade Pedagógica”, um recorte sobre a pesquisa de doutoramento do
primeiro autor que procura analisar a produção de sentido que emerge dos contextos enunciativos decorrentes
da interlocução entre os tutores e os estudantes, propondo condições para o desenvolvimento de uma
interacção dialógica em ambiente virtual de aprendizagem tendo em vista a perspectiva ética e estética. A
metodologia e o pressuposto teórico são fundamentados pelo pensamento filosófico-linguístico de Mikhail
Bakhtin. Os autores esperam que a pesquisa abra possibilidades criadoras para a leitura do mundo, o agir ético
e estético na formação e na docência do formado, assim como pensar na potência criativa da plenitude do ser
humano.
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No terceiro artigo intitulado “Comunidade de Inquirição – Contribuições pedagógicas para processos educativos na
modalidade à distância”, Jane Garcia de Carvalho, Rita Maria Lino Tarcia e Carlos Fernando de Araújo Júnior,
apresentam uma discussão teórica sobre a Comunidade de Inquirição como um referencial didático-pedagógico
especificamente voltado para os processos educativos na virtualidade. Os autores desenvolvem o artigo tendo
como base os trabalhos de Garrison, Anderson e Archer (2010), considerando que as presenças de ensino,
cognitiva e social são elementos essenciais para a aprendizagem em cursos a distância e orientam a prática de
professores ou tutores, trazendo aspectos relacionados aos ambientes virtuais e definindo o papel que eles
assumem para a interação, na construção de vínculos, nas orientações acerca dos conteúdos e dos saberes e na
formação dos alunos na perspectiva da contemporaneidade.
No quarto artigo “Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distância: entendendo
as possibilidades e desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique, Dionísio Luís Tumbo e Bento Duarte
Silva apresentam e discutem algumas possibilidades e entraves do uso das Tecnologias Digitais de Informação
e Comunicação (TDIC) em Educação à Distância (EaD) na Universidade Pedagógica, no contexto da
cibercultura. Concluem que no campo da educação nota-se que, desde as escolas até algumas universidades, os
seus actores ainda não estão preparados para a imersão cibercultural. Consideram ainda que a resposta a este
desafio passa por uma migração do mundo analógico para o digital, pelo desenho de cursos para serem
oferecidos à distância enriquecidos pelas TDIC e mudança de pedagogia transmissiva para colaborativa.
No quinto artigo intitulado “Estudo relativo ao documento vídeo, como instrumento de trabalho no processo de ensino
e aprendizagem das ciências” Marco Luís procura mostrar a relevância do documento vídeo, como instrumento
de trabalho no processo de ensino e aprendizagem das ciências, nomeadamente na modalidade de Ensino à
Distância (EaD), num estudo de caso experimental na Escola Superior Politécnica de Malanje (ESPM). O
estudo em questão permitiu comparar os resultados académicos de três turmas: a) Turma Presencial; b) Turma
Semi-Presencial e c) Turma à Distância. Os resultados obtidos indicam uma dificuldade, da Turma à Distância,
pois apresentou poucas dispensas em comparação com os estudantes de outras modalidades que serviram de
objeto de estudo. Os mesmos resultados também fazem crer que, apesar das dificuldades, é possível obter-se
sucesso através da EaD, eventualmente melhorando os materiais colocados à disposição dos alunos e
incrementando nestes uma nova mentalidade ou filosofia de trabalho, uma vez que esta modalidade de ensino
é substancialmente mais exigente para o aluno, levando-o a um maior esforço de procura e conjugação da
informação, por vias de visitas a bibliotecas, reuniões com especialistas e outras formas de busca de informação
para o estudo.
A CORDENAÇÃO
MODELO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE
PEDAGÓGICA – PASSADO, PRESENTE E FUTURO1
Cristina Ribeiro Loforte2
Resumo
A existência ou não de um programa de formação à distância, e o modelo seguido pela Universidade Pedagógica, têm sido questionados desde que a instituição iniciou, em 2007, a oferta de cursos à distância. A identificação do modelo de educação à distância depende, em parte, da forma como é definido o termo “educação à distância”. Este é um termo complexo que inclui vários componentes. A ênfase que é colocada em algum dos componentes da definição influencia a identificação do modelo de educação à distância institucionalmente seguido. Consequentemente, comparando com os modelos formalmente pré estabelecidos, poder-se-á colocar em questão se a Universidade Pedagógica tem ou não um modelo de educação à distância estabelecido. Usando a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, explorei os vários elementos que compõem a definição do termo “educação à distância” e os modelos de organização institucional possíveis em educação à distância. A partir deles concluí que, considerando os aspectos determinantes na identificação de um modelo como o tipo de organização institucional, a organização pedagógico-didáctica e o tipo de tecnologia usada, a Universidade Pedagógica teve e tem um modelo de educação à distância comparável aos modelos indicados na literatura, o que nos permite perspectivar o modelo organizacional administrativo, pedagógico e tecnológico do futuro.
Palavras-chave: Modelo, Educação à Distância, Tecnologias, Organização Institucional.
Abstract
Since Pedagogical University begun to offer distance education courses in 2007, the existence or not of a distance training program, and the model followed have been questioned. The identification of the distance education model depends, in part, on how the term "distance education" is defined. This is a complex term that includes several components. The emphasis placed on one of the definition components influences the identification of the distance education model followed by the institution. Thus, comparing with the formally pre-established models, it may be questioned whether or not the Pedagogical University has an established distance education model. Using the bibliographical and documentary research technique, I explored the various elements that constitute the definition of "distance education". I also explored models of institutional organization that can be used in distance education. As a result, I concluded that, considering the determining aspects to identify a model such as the institutional organization, the pedagogical-didactic organization and the type of technology used, the Pedagogical University has always had distance education model comparable to the ones indicated in the literature, which allows us to visualize the administrative, pedagogical and technological organizational model of the future.
Key words: Model, Distance Education, Technologies, Institutional Organization
1 A versão inicial desta reflexão foi apresentada no 1º Colóquio sobre a Universidade Pedagógica organizado pelo CEPE, realizado
em Maputo em Outubro de 2015. 2 Docente da Universidade Pedagógica afecta ao CEAD. Mestre em Ciências de Educação, Universidade de Nantes e Especialista
em Educação à Distância pela Commonwealth of Learning. [email protected]
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Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
1. Introdução
O meu envolvimento com o desenho e implementação da modalidade de educação à distância
na Universidade Pedagógica (UP) iniciou em 2001, ano em que passei a integrar a equipa que
constituiria, formalmente, em 2005, o Centro de Educação Aberta e à Distância (CEAD) da UP.
Presentemente, trabalho no Departamento de Desenho e Produção de Materiais Instrucionais do
CEAD. Este estudo surgiu de algumas reflexões que fui fazendo em resultado da minha imersão em
ambientes em que se discute, desenha, questiona, implementa e se avalia a educação à distância. Para
conduzí-lo, considerei que a modalidade de educação à distância foi implementada na UP em 1999
com o curso de formação de professores de Língua Francesa3.
Em 2003, com a colaboração do British Council, iniciou mais um curso à distância na UP, o curso
de licenciatura em ensino de Língua Inglesa. O curso foi reeditado em 2007, altura em que passou a
estar sob responsabilidade total da UP. Nesse mesmo ano, e como resultado de um estudo que
indicava um grande défice de professores de ciências naturais para o nível de ensino secundário (MEC,
2005), a Universidade iniciou a formação de professores de Física à distância. Em 2010, em parceria
com a Universidade Aberta do Brasil (UAB), ampliou a oferta de cursos de formação de professores
à distância para as áreas de Biologia, Matemática e Ensino Básico. Em 2012 iniciou os cursos de
formação de professores, à distância, de Química e de Administração e Gestão da Educação.
Presentemente, a UP oferece sete cursos à distância. De referir que em finais de 2016, 12.399
estudantes frequentavam seis cursos à distância, de um total de 53.130 estudantes (GABINETE DE
PLANIFICAÇÃO E ESTUDOS, 2017).
Com base nas características do programa de formação de professores à distância que é
oferecido pela UP, em várias ocasiões e em diferentes fóruns de discussão, tem se questionado se
“temos educação à distância na UP” e “que modelo de educação à distância existe na UP”. A
necessidade de responder a estas questões, e a outras a elas subjacentes, conduziu à realização deste
estudo. Na minha perspectiva, estes questionamentos deixam transparecer que quando discutimos
educação à distância podemos não estar todos a falar da mesma coisa. Assim, recorrendo à minha
experiência como colaboradora no CEAD da UP e, usando a técnica de pesquisa bibliográfica e
documental, este estudo foi conduzido com o objectivo de diferenciar os vários componentes da
definição do termo “educação à distância”, identificar o modelo de educação à distância da UP,
tipificá-lo, de acordo com a literatura especializada, e perspectivar a evolução desse mesmo modelo.
A argumentação teórica foi organizada de acordo com os dois questionamentos que orientaram
a pesquisa. Na primeira parte da argumentação apresento o quadro teórico que me permite concluir
se há ou não EaD na UP. Para tal, baseando-me em difinições de Educação à distância, identifico seis
3 Curso foi oferecido em regime semi-presencial, mas por ter sido concebido e desenhado para ser oferecido à distância (BOCA,
2014) e apresentando os materiais instrucionais as características exigidas para serem estudados à distância, considerei como a
primeira experiência de educação à distância na Universidade Pedagógica.
Revista Lyalosho
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elementos sustentadores da existência de um sistema de EaD. Na segunda parte da argumentação
teórica exploro os possíveis modelos de educação à distância de forma a encontrar resposta para a
segunda questão, relacionada com o modelo de educação à distância seguido pela UP. Inicio com uma
descrição dos modelos de organização administrativo-pedagógica, terminando com os modelos de
organização da aprendizagem, de acordo com o tipo de tecnologia usada.
Segue-se a secção dedicada à apresentação e discussão dos resultados, terminando o artigo com
as conclusões.
2. Metodologia
Como descrito acima, este estudo foi conduzido com a finalidade de encontrar respostas para
as seguintes questões:
a) Temos educação à distância na UP?
b) Qual é o modelo de educação à distância na UP?
Para atingir este fim foram formulados os seguintes objectivos:
i. Identificar o modelo de educação à distância seguido pela UP;
ii. tipificar o modelo, de acordo com a literatura especializada, com base na organização
institucional e no tipo de tecnologia usada;
iii. perspectivar a evolução futura desse mesmo modelo.
A informação foi recolhida de bibliografia especializada da àrea assim como de documentos
normativos da instituição e foi analisada indutivamente. Portanto, quanto à forma como o problema
foi abordado considero a pesquisa qualitativa. Pretendi, através do estudo aprimorar as ideias sobre a
prática da educação à distância na UP, e recolher informação para um melhor esclarecimento do
questionamento de partida, considerando-a quanto aos seus objectivos, uma pesquisa de carácter
exploratório (GIL 2002, MARCONI & LAKATOS 2003).
Usei a técnica de pesquisa bibliográfica para a análise de bibliografia especializada e artigos da
àrea de educação à distância e a técnica de análise documental, consultando documentos normativos
da UP, documentos normativos e orientadores produzidos pelo CEAD da UP, de 2000 a 2015, e
documentos normativos do organismo regulador da actividade de formação à distância em
Moçambique, o Instituto Nacional de Educação à Distância (INED).
Recorri a autores incontornáveis, na àrea da educação à distância como Otto Peters (1994, 2001),
Michael Moore (2012), Michael Moore & Greg Kearsley (2005), Joseph Levine (2005) e Lee Shlosser
& Michael Simonson (2010) pela sua contribuição para a criação de um corpo de conhecimento e de
teorias numa àrea da educação que se considera relativamente recente e em construção.
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Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
3. Argumentação teórica
Relativamente à questão sobre a existência ou não de um programa de Educação à
Distância na Universidade Pedagógica:
Ao longo do tempo em que tenho estado envolvida em ambientes académicos em que se planeia,
implementa, discute e debate vários elementos e características do sistema de educação à distância,
tenho notado que tanto em discursos orais como escritos é frequente usarem-se, como sinónimos,
termos e expressões que são relacionados mas que nem por isso são sinónimos, como é o caso de
“educação à distância, “educação aberta”, “aprendizagem electrónica ou e-learning” e “aprendizagem
em linha ou online learning”.
O uso intermutável de vários termos relacionados com a educação à distância é comum e pode
ser uma das razões para proeminentes autores como MOORE & KEARSLEY (2012), ROVAI,
PONTON & BAKER (2008), LITTO & FORMIGA (2009) e muitos outros iniciarem as suas
discussões sobre educação à distância com uma secção ou um capítulo dedicado à explicação da
terminologia usada nesta área do conhecimento.
Começarei por diferenciar o termo “educação à distância” de outros com ele relacionados como
“educação aberta”, “aprendizagem em linha”, e “aprendizagem electrónica”. Analiso também as
possíveis implicações do uso de cada uma das expressões. Descrevo, de seguida, o sistema de educação
à distância na UP, terminando com a identificação dos principais elementos que um sistema de
educação à distância deverá conter para ser, efectivamente, considerado à distância.
3.1 O que é Educação à Distância (EaD)?
O termo “Educação à Distância” é por si só um termo complexo ao aglutinar a complexidade
da “educação” e as variadas dimensões da “distância”. Neste estudo, ao discutir a definição do termo
“educação à distância” não abordei os dois conceitos em separado mas como uma única expressão.
Procurei identificar aspectos marcantes da evolução do conceito, e a definição mais integradora dos
vários elementos que identificam um sistema de educação à distância.
Desde que o termo “educação à distância” foi introduzido, em 1972, para descrever não só a
instrução por correspondência mas todo um conjunto de arranjos no ensino e aprendizagem
(MOORE, 1990 apud Joseph LEVINE, 2005), tem havido várias tendências de definição do termo.
As várias definições se distinguem pelo aspecto que é enfatizado em diferentes eras do
desenvolvimento da educação à distância.
Distinguem-se três principias eras: a era do ensino por correspondência, a era da explosão das
novas tecnologias de informação e comunicação e a era da centralização no papel do estudante
(SCHLOSSER e SIMONSON, 2010). Estas eras, por sua vez, subdividem-se em gerações de EaD,
Revista Lyalosho
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assunto que é discutido em detalhe mais adiante, na secção dedicada aos “Modelos de organização da
aprendizagem”.
Na era do ensino por correspondência, considerada primeira geração da educação à distância,
as definições de EaD enfatizavam a produção industrial dos materiais instrucionais e a distância física
entre os estudantes e o professor.
Nos fins dos anos 80 e início dos anos 90, que corresponde à era de explosão das novas
tecnologias de informação e comunicação, a definição de educação à distância era mais centrada no
tipo de tecnologia usada.
Nos anos 90 e início dos anos 2000 notou-se, no mundo da educação, uma maior preocupação
com o papel do estudante, uma maior concentração na aprendizagem do que no ensino. Teve-se assim,
definições de educação à distância mais integradoras e uma ideia mais holística que permite a inclusão
de vários elementos definidores da educação à distância.
Defendendo uma definição holística, do termo educação à distância, apoiei-me na definição
proposta por MOORE & KEARSLEY (2005). Os autores definem educação à distância como
“uma aprendizagem planeada que ocorre em lugar diferente da instrução, requerendo
um desenho especial do curso, técnicas instrucionais adequadas, comunicação usando
uma ou várias tecnologias e arranjos específicos organizacionais e administrativos”
(MOORE & KEARSLEY, 2005, tradução da autora).
A definição de Simonson (2003, apud SCHLOSSER & SIMONSON 2010) enriquece a
definição anterior ao considerar a educação à distância como “uma forma de educação formal,
institucionalizada, onde o grupo de aprendentes é separado dos instrutores e onde um sistema
interactivo de telecomunicações é usado para ligar os aprendentes, os recursos e os instrutores”
(tradução da autora).
Identificam-se, nestas definições, seis elementos: a “institucionalização e formalização de um
programa4 à distância” que é um aspecto que distingue a EaD do estudo independente que ocorre em
casa (SCHLOSSER & SIMONSON 2010); a “aprendizagem planeada que ocorre em lugar diferente
da instrução”; o “desenho especial do curso”; as “técnicas instrucionais adequadas”; a “comunicação
usando uma ou várias tecnologias”; e os “arranjos específicos organizacionais e administrativos”.
Considerei-os critérios determinantes na descrição de “educação à distância”. Os seis elementos destas
definições foram usados para analisar, discutir e concluir se existe ou não educação à distância na UP.
4 Considera-se programa como um conjunto de cursos oferecidos por uma instituição (MOORE and KEARSLEY, 2005) usando
uma determinada modalidade ou com um determinado fim. No caso da UP poderemos considerar todos os cursos de formação de
professores à distância como o programa de formação de professores à distância.
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Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
3.2 O que é Educação Aberta e à Distância (EAD)?
Visto que na UP a unidade que coordena as iniciativas e actividades de educação à distância se
denomina “Centro de Educação Aberta e à Distância”, considerei relevante diferenciar a “Educação
Aberta” da “Educação à Distância”.
O termo “Educação Aberta e à Distância” é um termo genérico e dependendo da ênfâse que é
colocada em cada um dos aspectos que compõem a definição, como por exemplo, a filosofia ou a
tecnologia usada, pode subordinar outros termos como os de “aprendizagem electrónica”,
aprendizagem em linha”, “aprendizagem virtual” e “aprendizagem móvel”. De seguida exploro as
definições de termos subordinados ao termo “Educação Aberta e à Distância”, agrupando-os de
acordo com o aspecto que é enfatizado.
Quando o aspecto enfatizado é a liberdade dos estudantes escolherem onde, como e quando
querem estudar, removendo assim algumas das barreiras à educação, fala-se em “educação aberta”. A
educação à distância é frequentemente usada para promover a educação aberta, uma forma de
educação que implica uma grande abertura para a aprendizagem. A “educação aberta” promove a
liberdade dos estudantes exercerem mais controle sobre a sua aprendizagem (ROVAI, 2008),
característica que frequentemente falta nos programas tradicionais de formação. Entretanto, esta
filosofia de abertura não precisa de fazer parte de um sistema de EaD, podendo ser parte
complementar (GLEN, 2003).
Quando se enfatiza o uso de uma determinada tecnologia pode-se ainda distinguir, subordinado
ao conceito de EAD, a “aprendizagem electrónica (ou e-learning)”, a “aprendizagem em linha (ou online
learning)” e a “aprendizagem móvel (ou mobile learning)”. A “aprendizagem electrónica” é aquela que é
oferecida num computador através de um CD-ROM, internet ou intranet.
Quando se baseia na internet a aprendizagem electrónica é considerada “aprendizagem em
linha”. Embora seja denominada em linha ou online, nem sempre é completamente online, é comum
incluir num sistema de aprendizagem online uma mistura de meios e tecnologias (textos impressos e
online, gráficos de apresentações, vídeos e áudio, videoconferências, simulações etc). A
“aprendizagem electrónica” pode também ser providenciada usando dispositivos sem fio (ou wireless)
denominando-se por isso “aprendizagem móvel (mobile learning ou m-learning)”. Estes dispositivos
móveis podem ser palmtops, tablets e telefones móveis (KEEGAN, 2005).
3.3 A Tecnologia e os Meios (ou Media) em Educação à Distância
Como as definições dos termos usados em educação à distância e a própria evolução desta área
de conhecimento têm as suas bases em conceitos como “tecnologia” e “meios ou media”, diferencio
Revista Lyalosho
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os dois conceitos. Esta diferenciação é também relevante ao se discutir, mais adiante, o sistema de
educação à distância da UP.
Usando a distinção apresentada por MOORE & KEARSLEY (2012), “tecnologia” é o veículo
físico que transporta a mensagem, e as mensagem são apresentadas usando um “meio”. Existem
quatro tipos de “meios”: O texto; as imagens (estáticas e em movimento); o som; e artefactos. O texto
é distribuído em forma de livros, guias de estudo impressos, e electrónicamente em DVD’s ou online.
O som é distribuído em discos compactos (CD’s), casseste áudio, telefone e também online. Assim,
cada tecnologia (livros, guias de estudo, DVD’s, CD’s, computadores, plataformas electrónicas de
ensino-aprendizagem, telefones móveis) suporta pelo menos um meio podendo algumas suportar mais
meios.
Em seguida apresento a génese do sistema de EaD da UP e as suas características como base
para a discussão da existência ou não de educação à distância na UP.
3.4 O sistema de Educação à Distância na Universidade Pedagógica
Um sistema de EaD consiste de todos os processos que operam quando o ensino-aprendizagem
ocorre à distância. Inclui a aprendizagem, o ensino, a comunicação, o desenho dos cursos e dos
materiais, a gestão e a avaliação (SAMS, 2005, LEVINE, 2005). Assim, passo a descrever o processo
de montagem do sistema de EaD na UP.
O sistema de educação à distância da UP começou a ser montado quando, em Março de 2001,
foi criada a Comissão Instaladora do Centro de Educação à Distância da UP (CEAD, 2003). Em
Março de 2005 por despacho do Magnifico Reitor da UP foi formalizado o Centro de Educação
Aberta e à Distância da UP.
Desde a sua criação, como se pode constatar no documento de trabalho produzido pelo CEAD
em 2003, denominado “Plano de Implementação da Modalidade de Educação à Distância na
Universidade Pedagógica”, evidenciou-se a preocupação com uma organização administrativa do
trabalho de acordo com alguns dos elementos identificadores de um sistema de EaD: A gestão da
EaD, o desenho instrucional e a produção dos materiais instrucionais, o apoio ao estudante à distância
e as tecnologias de informação e comunicação. Actualmente o Centro de Educação Aberta e à
Distância da UP é o organismo que tem o papel de coordenar todas as iniciativas de EaD na instituição.
O Centro está organizado, desde 2014, em departamentos de gestão e administração, desenho e
produção de materiais instrucionais, tutoria e apoio ao estudante, monitoria e avaliação e
departamento de tecnologias de informação e comunicação, baseados na UP-Sede. Cada uma das
delegações da UP tem um departamento de EaD (CEAD, 2015a).
O sistema de EaD na UP tem a seguinte organização pedagógico- didáctica e administrativa:
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Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
O desenho dos cursos e dos materiais instrucionais é da responsabilidade das Faculdades,
Escolas e Cursos. Para os cursos oferecidos à distância que já existem na modalidade presencial
adoptou-se a estratégia de adaptação dos currículos para esta modalidade e pela elaboração de materiais
auto-instrucionais de raiz. Os meios usados para veicular esses materiais são basicamente o texto e,
nos casos de cursos de línguas, também o som. As tecnologias utilizadas para a distribuição dos
materiais são os livros (módulos auto-instrucionais) e guias de estudo e, a partir de 2010 a plataforma
electrónica de ensino-aprendizagem moodle.
O sub-sistema de tutoria e apoio ao estudante tem duas componentes: a tutoria presencial (nos
Centros de Recurso) e tutoria à distância (usando meios electrónicos). Os testes e exames finais são
realizados, presencialmente, no Centros de Recurso e delegações da UP e online, na plataforma moodle.
As sessões laboratoriais, dos cursos de ciências naturais, são realizadas usando kits laboratoriais, nos
laboratórios dos Centros de Recurso, das Delegações e das Escolas Secundárias. O estágio pedagógico
é organizado em escolas o mais próximo possível do local de residência ou de trabalho dos estudantes.
A gestão administrativa é realizada pelo departamento de gestão e administração em
coordenação com os orgão centrais administrativos da UP e as actividades de monitoria e avaliação de
todo o sistema são realizadas pelo departamento de monitoria e avaliação.
Relativamente à questão sobre o modelo de Educação à Distância implementado e seguido
pela Universidade Pedagógica:
A UP, instituição de ensino superior, iniciou as suas actividades como instituição
tradicionalmente de ensino presencial em 1985 (CEPE, 2010). Para cumprir a sua missão de formar
professores e outros técnicos da educação desenvolveu uma estrutura organizacional e pedagógica de
acordo com a sua natureza de instituição primariamente presencial. A oferta de cursos à distância
exige que as instituições adoptem novas práticas organizacionais ou mudem as práticas existentes
através do desenvolvimento de novos modelos estruturais, pedagógicos e tecnológicos (HANNA,
2003, PASSERINE & GRANGER, 2000). Apresenta-se de seguida uma caracterização resumida de
modelos de organização administrativa, pedagógica e tecnológica com vista a identificar, com base nas
suas características, o modelo de EaD seguido pela UP.
3.5 Modelos de organização administrativa
Este tipo de classificação, segundo HANNA (2003) tem como base a forma como as
universidades lidam com as necessidades de mercado. Assim, este autor descreve cinco tipos de
instituições de ensino superior:
Universidades tradicionais alargadas – um modelo em que as universidades
tradicionalmente presenciais desenvolvem unidades específicas para responder às necessidades da
Revista Lyalosho
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educação à distância como a provisão dos cursos, formatos dos cursos e outras necessidades do
mercado. Exemplos deste tipo de modelo organizacional são a “Escola Superior Aberta” da
Universidade Politécnica, em Moçambique e a unidade de educação à distância da Faculdade de
Educação da Universidade de Pretória na África do Sul.
Universidades baseadas na tecnologia – este modelo organizacional emergiu em resposta à
crescente procura por universidades à distância. É um modelo em que as instituições de ensino
superior variam de pequenas universidades nacionais a mega-universidades com mais de cem mil
estudantes matriculados em cursos à distância. O “Instituto Superior Monitor” em Moçambique e a
“University of South Africa” (UNISA), na Àfrica do Sul, são exemplos deste tipo de modelo de
organização.
Universidade com fins lucrativos – este modelo de universidade surgiu a fim de tirar
vantagem dos mercados lucrativos no mundo de educação que surgiram devido ao ritmo acelerado de
mudança da economia global.
Alianças estratégicas – este é um modelo onde são estabelecidas alianças estratégicas para
criar parcerias entre duas ou mais universidades aumentando assim a competitividade de universidades
já existentes. Na maioria dos casos este tipo de alianças forma-se para aumentar a capacidade
organizacional de oferecer novos serviços e programas para alcançar novas audiências.
3.6 Modelos de organização pedagógica
Para a identificação deste tipo de modelo usa-se a forma como as instituições oferecem os
programas de formação à distância. Assim, são usados, nesta classificação, os termos instituição
unimodal (single mode), bimodal (dual mode) e instituição mista (mixed mode).
Universidades unimodais ou autónomas – são aquelas que se dedicam apenas a cursos à
distância. Usam uma variedade de meios e normalmente têm um número elevado de estudantes. As
maiores são a “Radio and Television University of China” e a “Anadolu Open University of Turkey”,
ambas com mais de 500.000 estudantes matriculados por ano (BATES, 2005). A “University of South
Africa”, “Open University of Tanzania” e “Indira Gandhi Open University” são outros exemplos de
universidades unimodais (PETERS 1994, 2001).
Universidades bimodais – são aquelas que usam tanto métodos de ensino e aprendizagem
tradicionais (face a face) como à distância. São instituições convencionais, com estudantes na
modalidade presencial, baseada no campus, e que também oferecem cursos completos à distância
(PETERS 1994, 2001). Neste tipo de instituição os requisitos de admissão são idênticos tanto para os
estudantes da modalidade presencial como da modalidade à distância. O mesmo currículo pode ser
oferecido a ambos grupos de estudantes pelos meios de comunicação apropriados (GURI-
15
Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
ROSENBLIT, 2009). Algumas instituições bimodais típicas pelo mundo são a “University of Pretoria”
na Àfrica do Sul, a “ University of Guelp” no Canadá e a “Makarere University” no Uganda.
Universidades mistas – O modelo de universidades mistas iniciou quando estudantes da
modalidade presencial, de instituições bimodais, escolheram estudar algumas disciplinas à distância.
São universidades que oferecem os mesmo cursos presencialmente e à distância e os estudante têm a
liberdade de escolher as disciplinas a fazer presencialmente e aquelas que serão feitas na modalidade à
distância (GURI-ROSENBLIT, 2009).
3.7 Modelos de organização da aprendizagem com base na tecnologia
A educação à distância nasceu do desenvolvimento de tecnologias associadas à revolução
industrial no fim do século dezoito e início do século dezanove. Assim, como resultado do
desenvolvimento tecnológico, encontra-se, na história da EaD, o uso de diferentes tecnologias para
disponibilizar o ensino e possibilitar a aprendizagem. Dependendo do uso de diferentes tecnologias
ao longo do tempo, cinco diferentes gerações ou modelos de educação à distância podem ser
identificados (KEEGAN, 2002).
Primeira geração – O principal meio de comunicação era o texto enviado, sob a forma de
livros e manuais, pelo correio. A interacção entre estudantes e professores era também via correio. O
texto, veiculado de forma impressa, continua a ser uma das tecnologias mais usadas em programas de
educação à distância.
Segunda geração – Inclui cursos que integram transmissões de rádio, televisão, cassetes vídeo
e cassetes áudio com os livros e guias de estudo.
Terceira geração – Caracterizada pela emergência de redes de comunicações, esta geração
baseia-se na articulação de várias tecnologias (material impresso, tutoria por correspondência,
transmissão de programas via rádio e televisão cassetes de áudio, conferências telefónicas, kits de
experiências para realizar em casa e outros recursos disponíveis nas bibliotecas).
Quarta geração – Caracterizada pelas áudio-conferências o que permitiu uma interacção entre
estudantes e professores em tempo real em diferentes lugares. Caracteriza-se também pelo uso de
satélites para disponibilizar os cursos.
Quinta geração – Caracterizada pela comunicação mediada pelo computador e uso de internet
para propósitos educacionais.
4. Apresentação e Discussão dos resultados
Para responder à questão “Temos Educação à Distância na UP?” analiso o sistema de EaD da
UP considerando os seis elementos da definição de MOORE & KEARSLEY (2005) e de
SIMONSON (2003) acima apresentados: a “institucionalização e formalização de um programa à
Revista Lyalosho
16
distância”, a “aprendizagem planeada que ocorre em lugar diferente da instrução”, o “desenho especial
do curso”, as “técnicas instrucionais adequadas”, a “comunicação usando uma ou várias tecnologias”,
e os “arranjos específicos organizacionais e administrativos”. Assim, discutindo cada um dos
elementos da definição foi possível constatar que:
Quanto ao requisito de “institucionalização e formalização de um programa à distância”
verifica-se que a UP é uma instituição de ensino superior formal e que a modalidade de EaD na UP é
institucionalizada. Analisando os documentos regulamentadores da UP, verifica-se que o artigo 23 das
Bases e Directrizes Curriculares (BDC) da instituição, indica que “a educação aberta e à distância é
uma das modalidades de formação ao nível da graduação” (CEPE 2010). Além disso, o artigo 11 do
capítulo IV do Regulamento Académico para os cursos de Graduação e Pós-graduação indica que “a
UP oferece três modalidades de formação: ensino presencial, educação aberta e à distância e ensino
semi-presencial” (UP 2017). Assim, considera-se o primeiro requisito satisfeito.
Quanto ao requisito “aprendizagem planeada que ocorre em lugar diferente da
instrução”, uma das exigências para a abertura de um curso à distância na instituição é a apresentação
do currículo, adaptado ou desenhado para ser oferecido à distância, e de material auto-instrucional
para os estudantes até ao segundo ano. Este requisito está em consonância com o requisito de
acreditação de um curso à distância pelo Instituto Nacional de Educação à Distância (INED, 2014).
A aprendizagem ocorre principalmente através dos materiais auto-instrucionais, portanto a instrução
ocorre quando os autores escrevem os materiais e a aprendizagem ocorre em qualquer lugar, quando
o estudante aprende através destes materiais ou através da interacção, à distância, com o docente. A
interacção docente-estudante ocorre nas tutorias presenciais e através dos meios electrónicos
disponíveis. Portanto claramente a aprendizagem é planeada e ocorre em lugar diferente da instrução,
estando portanto o segundo requisito satisfeito.
Quanto aos requisitos “desenho especial dos cursos” e “técnicas instrucionais
adequadas”, note-se que a cientificidade do material instrucional usado nos cursos é garantida pelos
especialistas das áreas científicas que trabalham nas faculdades, departamentos e escolas da UP. O
rigor de aspectos específicos da área de educação à distância é garantido pelos especialistas em EAD
afectos ao CEAD que colaboram com os cursos e departamentos na adaptação e no desenho dos
cursos e dos materiais de aprendizagem. Note-se ainda que o CEAD produziu documentos
orientadores para a adaptação de um currículo da modalidade presencial para a modalidade à distância.
Em 2006 elaborou o documento “Princípios e normas para adequação do currículo presencial aos
cursos à distância”, em 2010, criou, com base no documento normativo da UP denominado “Guia
para a apresentação do Plano Curricular de cursos”, o documento “Aspectos a considerar para a
abertura de cursos à distância na Universidade Pedagógica”. Em 2015 actualizou esse documento de
acordo com as BDC da UP de 2010, que resultou no “Guia para apresentação do Plano Curricular
17
Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
dos cursos à distância”. Esse documento apresenta as indicações dos aspectos específicos de EaD a
ter em consideração ao desenhar um curso à distância (CEAD, 2015b).
Constata-se que existe um desenho especial dos cursos, mesmo quando eles são adaptações de
cursos que são oferecidos na modalidade presencial, e que são usadas técnicas instrucionais adequadas
ao desenho e oferta de cursos à distância. Assim, o terceiro e quarto requisitos foram satisfeitos.
Relativamente ao quinto requisito, o “uso de uma ou várias tecnologias para a
comunicação”, e remetendo à distinção entre tecnologias e meios, o livro, os guias de estudo (em
forma de módulos auto-instrucionais ou em outra forma) são também tecnologias. Então, no caso do
curso de formação de professores de Francês (oferecido de 1999 a 2007) fez-se uso de mais de uma
tecnologia – os livros, os CD’s, e a plataforma de ensino-aprendizagem Moodle (só foi usada para este
curso). Em cursos oferecidos de 2003 a 2009 usou-se predominantemente uma tecnologia - o livro e
os guias de estudo. A partir de 2010 até ao presente foi-se introduzindo outras tecnologias como a
plataforma electrónica de ensino-aprendizagem Moodle.
Portanto, o quinto requisito para se considerar a existência de um empreendimento de formação
à distância também foi satisfeito.
Quanto ao sexto requisito, “arranjos organizacionais e administrativos específicos”, a
existência de um centro coordenador das actividades à distância que a instituição empreende, a
existência de um sistema de EaD com os seus vários sub-sistemas é prova de que este requisito foi
satisfeito.
Para a questão “Temos Educação à distância na UP?”a resposta é: “sim”!
A segunda questão “Que modelo de educação à distância na UP?” pode ser respondida usando
a tipologia de modelos de organização de instituições de ensino superior, que providenciam cursos à
distância, descrita acima. Assim, pode-se tipificar a UP, quanto à organização administrativa, como
uma universidade tradicional alargada que possui uma unidade orgânica específica para coordenar as
actividades à distância que a instituição providencia – O Centro de Educação Aberta e à Distância
(CEAD).
Relativamente ao modelo de organização pedagógica a UP é uma universidade bimodal (dual
mode) com dois sistemas de organização distintos: o sistema de organização da modalidade presencial
e o sistema de organização da modalidade à distância. Quanto à forma de organização da aprendizagem
de acordo com a tecnologia em uso, a UP oferece cursos usando principalmente a tecnologia de
primeira geração de educação à distância, combinada com tecnologias de quinta geração.
Revista Lyalosho
18
A resposta à questão “Que modelo de educação á distância na UP?” é: A UP é uma
universidade tradicional alargada, bimodal que faz uso de tecnologias de primeira e quinta
geração.
Sobre as origens dos questionamentos que serviram de base para este estudo, pressuponho que
possam dever-se a várias razões. Para a discussão dos resultados usei três possíveis razões: o uso das
siglas EaD e EAD como sinónimas ou intermutáveis, a inclusão de sessões presenciais no programa
à distância da UP e o uso de material impresso como a principal tecnologia para veicular os meios de
ensino e aprendizagem.
Em referência ao uso das siglas EaD e EAD como sinónimas (que, como discutido acima, não
o são), a resposta à primeira questão deste estudo poderia ser “sim” ou “não” dependendo do termo
e da sigla usada. Se a pergunta for “Temos EaD (Educação à Distância) na UP?” como resultado da
análise dos elementos que definem a educação à distância, e em resultado da análise do sistema de
EaD em vigor na UP, a resposta é “sim”.
Se a pergunta for “Temos EAD (Educação Aberta e à Distância) na UP” a resposta é: “não
temos educação aberta, temos apenas educação à distância. Existe sim um Centro de Educação Aberta
e à Distância que foi criado com a perspectiva de, num futuro próximo, aumentar a liberdade dos
estudantes escolherem o que, como e quando estudar, tornando assim os cursos à distância mais
abertos”.
Em referência à segunda possivel razão para os questionamentos - a inclusão de sessões
presenciais em programas à distância - possivelmente o facto de, no sistema de EaD da UP, o sub-
sistema de tutoria incluir sessões presenciais, pode conduzir a um equívoco com a modalidade semi-
presencial e com a modalidade de b-learning. Como KEEGAN (1996 apud SCHLOSSER &
SIMONSON, 2010) refere, ao analisar várias definições do termo “educação à distância”, existe, em
programas de EaD, a possibilidade de encontros presenciais ocasionais com propósitos didácticos e
de socialização. Então, a simples inclusão de sessões presenciais em programas à distância não é razão
para considerá-los programas semi-presenciais. Educação à distância e ensino presencial são duas
modalidades diferentes que não se distinguem apenas pelo elemento da presencialidade.
A inclusão de sessões de tutoria presenciais também não é razão para se considerar o sistema
de EaD da UP como um sistema de aprendizagem híbrido, misto ou blended learning (b-learning).
Aprendizagem mista ou blended learning é definida como a combinação da aprendizagem mediada pelo
computador, aprendizagem online e virtual com a aprendizagem presencial (TORI 2009; GRAHAM
2006). Ou seja, é uma modalidade de ensino formal onde se aprende, por um lado, por meio de ensino
online e, por outro, em uma localidade física supervisionada (CHRISTENSEN, HORN, SLAKER,
2013).
19
Modelo de Educação à Distância da Universidade Pedagógica – Passado, Presente e Futuro
O modelo de organização institucional na UP pode ser considerado misto (bimodal), o uso de
tecnologias pode ser considerado misto (primeira e quinta geração) mas a aprendizagem, nos cursos à
distância, não pode ser considerada mista (blended learning).
Previsão de modelo futuro
Os modelos de organização institucional e pedagógica actual deverão evoluir para modelos
mistos. Quanto à organização institucional, passaremos de uma universidade bimodal (dual mode
university) para uma univesidade mista (mixed mode university) em que o estudante tenha a liberdade de
escolher que disciplinas deseja fazer presencialmente e que disciplinas deseja fazer à distância. Este
modelo exige que a instituição ofereça, nas duas modalidades, os mesmos cursos. Em termos de
organização pedagógica prevê-se num futuro imediato, por um lado, a potencialização do modelo de
aprendizagem mista (blended learning ou aprendizagem semi-presencial) em que os cursos presenciais
oferecem disciplinas em linha (online) usando a plataforma electrónica de ensino e aprendizagem já
disponível. Este modelo já é implementado na instituição, o que prevê-se é o aumento das disciplinas
oferecidas em linha que poderá ser uma forma de resolver os défices de instalações físicas para oferecer
os cursos presenciais.
Por outro lado, a organização da aprendizagem com base na tecnologia nos cursos à distância
deverá privilegiar o uso do ambiente virtual de aprendizagem e utilizar os momentos de
presencialidade para aquilo para os quais foram concebidos: criar momentos de socialização e de
tutoria em vez da instrução.
Esta evolução impõe desafios típicos de uma instituição bimodal: por um lado, repensar a
organização pedagógica dos cursos presenciais e, por outro, nos cursos à distância, produzir recursos
de ensino e aprendizagem digitais interactivos que explorem as potencialidades dos meios digitais
proporcionando assim oportunidades de ensino e aprendizagem mais criativas.
5. Conclusões
Este estudo permitiu não só confirmar que existe educação à distância na UP, como também
identificar e tipificar o modelo de educação à distância seguido. Assim, para a questão “Temos
Educação à Distância na UP?”a resposta é afirmativa e para a questão “Que modelo de educação à
distância na UP?” conclui-se que, segundo os modelos propostos para tipificar as instituições de
ensino superior que oferecem programas à distância, a UP teve no passado e tem no presente um
modelo de EaD estabelecido.
Quanto ao modelo de organização administrativa, a Universidade Pedagógica é uma
universidade tradicional alargada (com um centro coordenador das actividades dos cursos à distância).
Revista Lyalosho
20
Considerando que, quanto ao modelo de organização pedagógica, uma instituição oferecendo
somente a modalidade presencial, pode também ser denominada unimodal, a UP foi, no passado, uma
universidade unimodal (presencial), é actualmente uma universidade bimodal (com uma filosofia de
ensino presencial e de educação à distância) e poderá evoluir para um modelo de universidade mista.
Quanto ao modelo de organização da aprendizagem com base na tecnologia, conclui-se que
se baseia na tecnologia de primeira geração (uso de livros e textos auto-instrucionais), tendo vindo a
introduzir, desde 2010 o uso de tecnologia de quinta geração de EaD (plataforma electrónica de ensino
e aprendizagem). A tendência futura não é de abandonar a tecnologia de primeira geração pois os
livros e guias de estudo continuam a ser uma tecnologia bastante usada em cursos à distância, mas
oferecer esta tecnologia na forma digital. O importante é continuar a apostar na combinação com
outras tecnologias (imagem em movimento, som e artefactos como, por exemplo, simulações) que
aumentem a interactividade, explorem o potencial educativo das novas tecnologias de informação e
comunicação, em prol de uma aprendizagem significativa.
O meu agradecimento especial aos colegas, Professores Doutores:
Suzete Buque, pela insistência e incentivo para que eu escrevesse este artigo, Boaventura Aleixo pela revisão e
sugestões iniciais, Stela Duarte pelas correcções e observações e Emília Nhalevilo pelas sugestões de melhoria da versão
final.
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BUSCANDO UM OLHAR DIALÓGICO EM EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
NA UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA
Rodolfo C. J. Salgado1
Margarete Axt2 Resumo
Este artigo é um recorte do projeto de tese de doutoramento intitulado: A Interacção Dialógica em Educação à Distância: a Produção de Sentido na Perspectiva (Est)ética, no Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. A investigação será em Maputo, no Centro de Educação Aberta e à Distância da Universidade Pedagógica. A pesquisa pretende analisar a produção de sentido que emerge dos contextos enunciativos decorrentes da interlocução entre os tutores e os alunos (que são professores em exercício em formação via educação à distância), propondo condições para o desenvolvimento de uma interacção dialógica em ambiente virtual de aprendizagem tendo em vista a perspectiva ética e estética. A metodologia e o pressuposto teórico são fundamentados pelo pensamento filosófico-linguístico de Mikhail Bakhtin. Espera-se que a pesquisa abra possibilidades criadoras para a leitura do mundo, o agir ético e estético na formação e na docência do formado assim como pensar na potência criativa da plenitude do ser humano.
Palavras-chave: Dialogismo, Educação à Distância, Produção de Sentido e Agir Ético-estético.
Abstract
This article is an excerpt from the doctoral thesis project entitled: Dialogic Interaction in Distance Education: the Production of Sense in an Ethical and Aesthetical Perspective, submitted as a requirement to the Post-Graduate Program in Informatics in Education at the Federal University of Rio Grande do Sul , Brazil. The research will be conducted in Maputo, Mozambique at the Open and Distance Education Center of the Pedagogical University. The research aims to analyze the production of sense that emerges from the articulated contexts resulting from the interlocution between tutors and students (who are in-service teachers studying via distance education), proposing conditions for the development of a dialogic interaction in virtual learning environments taking into account the ethical and aesthetic perspective. The methodology and the theoretical assumption are based on Mikhail Bakhtin's philosophical-linguistic thinking. We hope that the research offers creative possibilities for the reading of the world, for the ethical and aesthetic action in students and prospective teachers, and for thinking of the creative power of the fullness of the human being.
Key words: Dialogism, Distance Education, Production of Meaning and Ethical-Aesthetic Action.
1 Mestre em Informática na Educação pela Universidade Pedagógica – Moçambique. Doutorando no Programa de Pós-Graduação
em Informática na Educação (PPGIE), Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação (CINTED), Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista do CNPq-MCT-Moz e vinculado ao grupo de pesquisa LELIC. E-mail:
[email protected] ou [email protected] 2 Doutora em Linguística – Aquisição da Linguagem pela PUCRS, atua como professora, orientadora e pesquisadora no Programa
de Pós-Graduação em Informática na Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil; e coordena o
grupo de pesquisa Laboratório de Estudos em Linguagem, Interação e Cognição/Criação (LELIC) – Brasil. E-mail: [email protected]
Revista Lyalosho
24
1. Introdução
O pensamento filosófico-linguístico, dialogismo, de Bakhtin faz-me (o primeiro de nós)
reflectir, por um lado, sobre a experiência da minha prática docente, tanto em educação presencial
como em educação à distância (EAD), desprovida de dialogismo e, por outro, sobre a grade imposta
pela ciência e pela cientificidade no processo de ensino e aprendizagem e de formação na educação.
Aliás, com base em um olhar exotópico, vejo-me no processo da minha formação, na graduação, em
que as vozes e a produção de sentidos sofriam um apagamento pela imposição do dualismo ‘certo’ ou
‘errado’, pela ausência de empatia e de um encontro de singularidade do sujeito em sua unicidade, pela
indiferença da alteridade na relação com o outro na sala de aula.
Entretanto, essa reflexão sobre a minha prática pedagógica e essa busca de um olhar dialógico
para a prática docente sob a égide da perspectiva ético-estética bakhtiniana, enquanto prática docente,
tem amarras científicas, e, ao mesmo tempo, o olhar exotópico quanto à minha formação, são
afetações de eu-para-mim advindas do encontro do grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos de
Linguagem, Interação e Cognição/Criação (LELIC). Este grupo desenvolve trabalhos que se
fundamentam no dialogismo para a área da educação, na linha de pesquisa designada Interfaces
Digitais em Educação, Arte, Linguagem e Cognição.
Segundo SCORSOLINI-COMIN (2014), Bakhtin contribuiu para os estudos acerca do diálogo
e sustentou como o diálogo pode ocupar uma posição de centralidade na vida humana. Entretanto,
mais que isso, o seu pensamento possibilita discussões para a prática da interacção mediada por
ferramentas tecnológicas, como o fórum e o Chat, de modo que trazer as suas contribuições para a
EAD pode oferecer uma compreensão sobre o que é interacção e de como a linguagem pode expressar
e revelar com base no uso da palavra. Neste sentido, o diálogo que se propõe pode contribuir para a
interação em AVA e ir mais além da troca de mensagens entre os sujeitos, por meio da linguagem
visando a construção de conhecimento, para incorporar a voz do outro, reconhecendo-o como
legítimo enquanto voz que activamente participa da manutenção da corrente dialógica. Portanto, a
concepcção de diálogo em Bakhtin envolve
as tendências básicas e constantes da recepção ativa do discurso de outrem, o que se
mostra fundamental para a construção do diálogo. Essa recepção ativa não se trata
apenas da compreensão da mensagem, mas também da incorporação do outro no
diálogo, de modo que o outro passe a constituir o sujeito-emissor. A presença das
palavras do outro nas palavras do eu é um dos primeiros elementos que caracterizam
o conceito de dialogismo, que pressupõe o relativismo da autoria individual.
(SCORSOLINI-COMIN, 2014, p. 250).
É essa interacção dialógica que se pretende em AVAs, pelo fato de respeitar a diferença pela
alteridade, incorporando o outro no diálogo e este outro tornando-se um sujeito que intervém
25
Buscando um Olhar Dialógico em Educação à Distância na Universidade Pedagógica
ativamente pela responsividade e pela escuta dialógica, manifestando a sua autoria (relativa) através do
seu posicionamento como efeito da compreensão da mensagem no seu contexto de produção virtual.
As tutorias da EAD podem-se munir dessa perspectiva dialógica para que o formando tenha
uma oportunidade de ressingularização do seu posicionamento, sem que este reposicionar e diferir
sejam tratados com indiferença, mas antes integrando o outro no diálogo e ampliando-o. Para que haja
tal posicionamento e produção de sentidos na perspectiva dialógica, os tutores podem recorrer a
possibilidades como as que SCORSOLINI-COMIN (2014) sugere ao usarmos as ferramentas
tecnológicas, fórum e chat como “espaços privilegiados de interacção nos ambientes virtuais”, por
exemplo:
A formulação da proposição disparadora não só pode convidar o sujeito “a se posicionar, a
emitir uma resposta”, como também “permitir a assunção de diferentes posicionamentos e
vozes acerca do assunto”;
A proposição disparadora não apenas pode recuperar os aspectos individuais e coletivos de
um conteúdo ou de uma dada produção, mas também “as diversas interacções sociais e
culturais em um dado contexto histórico que se cravam nos discursos, permitindo a circulação
de determinados sentidos e a construção de determinadas significações”;
A proposição disparadora pode “assumir diferentes possibilidades de resposta ou diferentes
saídas para o problema” para que os alunos reflitam juntos;
O fórum e o chat não podem ser um espaço de concorrência ou competição (quem tem o
melhor procedimento de solução ou um espaço com única saída para a solução), mas de
embate (que pode produzir sentidos e “deflagrar diferentes modos de resolução de um dado
problema), de colaboração, de construção conjunta”;
“[…] os discursos não pertencem a um ou outro aluno, mas estão disponíveis a todos, de
modo que o que cada um opera é, na verdade, um posicionamento diante da discussão”;
O fórum ou chat seja um espaço em que os alunos não encontrem nem busquem nem
apresentem as respostas corretas, no contexto do dualismo ‘certo’ ou ‘errado’, mas um espaço
que oportuniza o “amadurecimento de posicionamentos” porque, assim, pode ser “uma
forma de incentivar a formação de sujeitos que possam dialogar com as diferenças,
considerando a importância do contexto e a necessidade do outro para a construção de
sentidos e do próprio posicionamento individual”;
O fórum é, pois, um espaço “de diálogo entre pessoas diferentes para a construção de
conhecimentos e de posicionamentos que reflitam um trabalho coletivo, contextualizado e
atento aos aspectos sociais, culturais e históricos envolvidos” (SCORSOLINI-COMIN, 2014,
p. 256-257).
Revista Lyalosho
26
Portanto, esse procedimento discursivo a que SCORSOLINI-COMIN (2014) refere como
possibilidades de interação dialógica mediante o uso de ferramentas tecnológicas na EAD, encontram
fundamentação teórica no dialogismo, aliás, para BAKHTIN (2014, p. 127), o diálogo constitui por
um lado, uma das formas “mais importantes da interacção verbal” e, por outro, compreende a
“comunicação em voz alta” frente a frente e “toda comunicação verbal”, o que se pode depreender
como uma comunicação escrita ou virtual (enunciado escrito ou enunciado escrito on-line).
Constatei uma propensão em trabalhar-se com a linguagem científica a priori, própria do tutor,
contudo estranha para o aluno, que não consegue fazer uma leitura que lhe possibilite interpretar a sua
compreensão e contextualizar para que o outro possa compreender e participar activamente.
A linguagem científica acaba impondo-se de forma autoritária porque se presume que expressa
a “verdade” (verdade única). E, em relação à verdade única, BAKHTIN (2012) recusa a visão simplista,
muito enraizada e aceite, da verdade como constituída de tempos gerais, universais, como uma coisa
que não se muda, desunida e oposta ao singular e ao subjetivo.
Para BAKHTIN (2012), a verdade única (istina), que é a universal, só se pode alcançar a partir
da verdade particular, (pravda), por isso é que ela não deve ser vista como um conteúdo permanente
de um princípio do direito e da lei, porque a verdade universal emerge em decorrência da necessidade
de verdades particulares pelo facto de elas interagirem entre si. Assim, a verdade única exige uma
multiplicidade de consciências e, por sua vez, pode-se, também, admitir que a pluralidade de
consciências não exige a renúncia à verdade única. Por isso é que “os homens são diferentes, o que
implica que são necessariamente vários: a multiplicidade dos homens é a verdade do próprio ser do
homem”. (BAKHTIN, 2011, p. XXVI).
É justamente essa multiplicidade e pluralidade de consciências da natureza humana que
oportuniza a interpretação apoiando-a na compreensão de que toda a enunciação serve de expressão
de um em relação ao outro; e não podemos nos eximir desse pensamento filosófico-linguístico de
Bakhtin ao usarmos da palavra, porque o uso da linguagem científica na docência, sem ter presente
esse pensamento, propicia um discurso monológico que não respeita o horizonte social de cada aluno,
pela imposição de um só discurso do professor, “em que a diversidade de linhas de criação e sentido
é bloqueada em sua produção e a dimensão responsiva sofre apagamento [...] [pois] somente explica,
e não interpreta, e que, ao não exercitar a escuta, produz o apagamento da polissemia e da polifonia
constituintes da palavra” (AXT, 2006a, p. 265).
Todavia, essa não pode ser a pretensão de uso da linguagem científica no contexto pedagógico,
considerem-se, por exemplo, as ideias de PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA (2002, p 20) e que
são defendidas por ROCHA (sd, p.3): “a escola, para se constituir num sistema organizado, do ponto
de vista semiótico [signo], deve atentar para os desentendimentos entre alunos e professores no que
diz respeito à linguagem” e libertar-se “[...] da ilusão, muito difundida em certos meios racionalistas e
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Buscando um Olhar Dialógico em Educação à Distância na Universidade Pedagógica
científicos, de que os factos falam por si sós e imprimem uma marca indelével em todo espírito
humano.”
Nesse sentido, podemos recorrer à enunciação que faz referência às relações que se formam
entre sujeitos, em que existe o eu e o outro, nos processos discursivos estabelecidos pelos sujeitos
através da história, os quais por sua vez, se instauram e são organizados por esses discursos. Também,
como forma de suscitar a importância do outro – e, em consequência, dos conflitos e
desentendimentos que se estabelecem nas relações entre professor e alunos nas relações de ensino-
aprendizagem – torna-se relevante, ao usarmos a linguagem, que nos dirijamos ao aluno como
interlocutor; pois a palavra do professor é em função dele, aluno, e reciprocamente, pelo fato de
comportar, simultaneamente, as duas faces: do locutor e ouvinte, que podem remeter a professor-
aluno ou a aluno-professor ou a aluno-aluno. Aliás, a palavra sempre procede de alguém e dirige-se
para alguém (BAKHTIN, 2014).
É nesse contexto do dispositivo dialógico, na pesquisa-formação, que remete ao professor em
formação continuada na EAD, na graduação, que focamos a pesquisa e nos perguntamos: Quais
seriam as condições a propor na interacção, para torná-la dialógica no ambiente virtual de
aprendizagem, produzindo sentido, na perspectiva ética e estética, na EAD? Frente a esse
questionamento, a pesquisa propõe-se a intervir na formação do professor em serviço, ao nível do
ensino superior na EAD, numa disciplina curricular, propondo a interacção dialógica no ambiente
virtual de aprendizagem.
Para a educação como um todo e, sobretudo, a modalidade de EAD, toda e qualquer intenção
de intervenção passa necessariamente por procedimentos metodológicos, envolvendo práticas
docentes, seus pressupostos, o suporte tecnológico e decorrentes abordagens relacionais; todos os
elementos que compõem a cena da formação são importantes para o aluno que se almeja ter.
Neste diapasão, podemos destacar, com base em AXT (2006),
que a interação, em relação ao corpo, sofre um processo de desterritorialização: o corpo
ainda está presente, seja através da linguagem não verbal dos gestos, seja através da
voz (como efeito da ressonância das cordas vocais de um corpo); mas a interação
torna-se preponderantemente dia-lógica, com foco nos conteúdos discursivos, em que
a materialidade deixa de ser corporal orgânica, para se tornar uma materialidade
discursiva ou do discurso. O sentido, o que era sentido através do corpo orgânico, pode
agora ser sentido em outro plano, no plano incorporal, abstrato, da discursividade oral,
embora ainda referido ao corpo. (AXT, 2006, p. 260-261; grifos da autora).
A autora mostra uma perspectiva a que se deve prestar a devida atenção em relacção à produção
de sentidos no ambiente virtual, pelo fato desse espaço virtual também ter possibilidades de produzir
sentidos, a partir da materialidade discursiva, ou do discurso, com base nos conteúdos discursivos, no
plano incorporal.
Para a autora, o sentido leva consigo, para o campo do “diá-logo”, diferentes possibilidades de
interpretação: o diálogo carrega consigo o sentido, enquanto dimensão da ordem do intensivo, visto
Revista Lyalosho
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que a intensidade é o que faz sentido, podendo desde logo ser respondido pelo alter (outro) interlocutor:
“é o que é respon-s/dível, é um respon-d/sável (na dupla acepção de poder ser respondido e de carregar
consigo a responsabilidade de um sentido que pode instaurar uma resposta, de um sentido
“responsável”)” (AXT, 2006, p. 261).
Para a interpretação de “respon-s/dível, respon-d/sável”, AXT (2006) busca sustentabilidade teórica
em BAKHTIN (1997), quando este remete à noção de “responsividade” como sendo o princípio
fundamental do dialogismo, sobre o qual Bakhtin edifica toda a sua arquitetônica. Assim,
a arquitetônica da responsividade está profundamente implicada, tanto numa estética
da criação do sentido na linguagem, quanto ainda numa ética do sentido para o outro, eu
diria uma (est)ética dialógica e amorosa, fundada nos fluxos afectivos das relações
interacionais. (AXT, 2006, p. 261).
A autora considera que Bakhtin funde, de forma sábia, a um só e mesmo tempo: a estética e a
ética. Uma “estética da expressividade”, com o pressuposto de investir em um sentido
“respond/sável” que provoque uma “resposta”, tentando estabelecer então uma relação de
“responsabilidade” entre o si e o outro. E uma “ética da escuta”, com o pressuposto de investir em
um “cuidado” com o sentido, garantindo-lhe “respons/dibilidade” na ordem das intensidades,
fazendo sentido para o corpo, para a vida, para o outro. É, portanto, na articulação entre esses dois
modos de conceber sentido –
o de que ele sendo um incorporal é, ao mesmo tempo, um expresso na linguagem,
circulando através e entre os discursos (mas enquanto atribuído aos corpos, como
enfatiza Deleuze); e de que ele se instaura primordialmente segundo uma arquitetônica
da responsividade, como propõe Bakhtin, cuja natureza é ao mesmo tempo estética e
ética (AXT, 2006, p. 261)
–, que se constitui o entendimento da interacção dialógica. (AXT, 2006).
Para nortear a pesquisa pretendemos analisar a produção de sentidos, na perspectiva ética e
estética, a partir da interação virtual dialógica na EAD.
A realização da pesquisa deve-se ao facto do dialogismo, como dispositivo de in(ter)venção, não
estar sendo investido de importância, ao que parece, na formação do professor em serviço; nem estar
sendo devidamente explorado no sistema, e subsistemas, de educação, em Moçambique: o dialogismo
parece não ser usado como filosofia de aprendizagem para a produção de sentidos e a construção de
conhecimento. E a realização de uma pesquisa-formação, de caráter dialógico, na EAD - porque
ressingulariza o sujeito no processo de ensino e aprendizagem, assim como valoriza e considera o
aluno como co-autor de sua aprendizagem -, deve-se também ao desafio do quanto, ao formar na
EAD, estar-se-á a difundir a interacção dialógica como dispositivo de in(ter)venção, junto aos
professores em formação continuada, os quais, consequentemente, poderão servir-se dele como forma
de estar e ser no exercício da sua profissão.
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Buscando um Olhar Dialógico em Educação à Distância na Universidade Pedagógica
Com o recurso tecnológico de moodle e whatsapp, a interação dialógica poderá ocorrer em um
processo de interlocução constante entre o professor, tutor e o aluno, (professor em formação
continuada), já que a interatividade e a realimentação imediata são factores que mais impactam a
aprendizagem e não existem fronteiras para isso. Nessas duas modalidades online, a interacção ocorre
em qualquer lugar e a qualquer hora, pelos intervenientes da comunidade virtual de aprendizagem.
Também, implico-me com a pesquisa-formação, pelo facto de ser docente, trabalhando no
ensino superior e formando professores na graduação, e, nesta acepção, a minha postura é de
pesquisador “observador [que] está implicado na sua própria observação, fazendo parte, portanto, do
observado”, porque tenho a consciência de que vou interagir com sujeitos da pesquisa (professor e
aluno), portanto, existe “um professor-sujeito-singular; numa relação singular professor-aluno”, num
ambiente virtual singular (AXT & MARASCHIN, 1997, p. 58).
Por um lado, ao professor, é-lhe atribuído o papel de promotor da cultura, formador de opiniões
e gerador de desenvolvimento humano, tecnológico e social, o que confere a ele uma posição de
destaque no concernente à construção do espírito crítico da sociedade. Por outro, o professor é
responsabilizado pela situação da educação, quando os problemas de qualidade do sistema de ensino
são entendidos como decorrentes da má actuação docente.
Por último, esta proposta traz à reflexão, através da pesquisa-formação, uma prática docente,
que se sustenta como um dispositivo de in(ter)venção (AXT, 2011a), que: exercita a docência enquanto
experimentação de processos criativos-inventivos, em contexto dialógico (de ambiente virtual, no caso
da EAD); e assim, pode levar à produção expressiva de sentidos, ao mesmo tempo em que agencia a
construção coletiva de conhecimento. Portanto, é neste contexto que se pretende que a pesquisa-
formação se desenvolva, tendo o dialogismo de Bakhtin como o eixo norteador da fundamentação
teórica e da abordagem metodológica no campo empírico.
2. Procedimento Metodológico
O campo empírico da pesquisa será em Moçambique, na província de Maputo, na UP, na
unidade orgânica designada Centro de Educação Aberta e à Distância (CEAD), no curso de física, na
disciplina de introdução à Informática (e/ou outros cursos que têm a disciplina de introdução à
Informática no plano de estudo). Os sujeitos cognoscíveis da pesquisa são professores em formação
em EAD no ensino superior. O CEAD tem as suas próprias salas virtuais para dar suporte aos
estudantes que frequentam os cursos à distância. Essas salas virtuais apresentam um design responsivo
que permite acessá-las através de tablets ou celulares, permitindo que os estudantes interajam entre si
e com os seus tutores.
O plano de pesquisa é caracterizado pela entrada do pesquisador no campo empírico, tendo em
conta o seu agir implicado com o alter das ciências humanas. Em outras palavras, o plano de formação
Revista Lyalosho
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consiste no envolvimento do pesquisador na pesquisa. O desafio maior como eu-pesquisador, no
encontro com o outro-professor em formação, é o de assumir o agir ético e estético na produção de
sentidos, dialogicizando, tanto a pesquisa, quanto a formação: assim, antes de esboçar o plano que
articula o centro dos meus valores e o centro de valores dos professores em formação em EAD, devo-
me revestir de empatia e aproximar-me do mundo real do professor na escola, ao mesmo tempo
munido de um entendimento de não posso me perder nesse mundo, confundir-me com o professor
e viver a vida dele; para tanto, ao mesmo tempo em que exercito a escuta ética, na aproximação ao
outro, preciso ser capaz de voltar ao meu lugar, ao meu ponto de vista, por um movimento de
afastamento exotópico, como propõe Bakhtin, para poder, desde esse lugar, proceder a um
acabamento provisório (estetizante) do mundo do outro, atribuindo-lhe sentido (AXT, 2011b).
As ferramentas com que posso contar para a produção de dados são o computador, celular e
tablet ligados a internet e através deles vou aceder ao Moodle do CEAD. A plataforma Moodle pode ser
acedida no seguinte endereço: http://www.cead.up.ac.mz/elearning ou http://www.cead.up.ac.mz.
Nesta pesquisa-formação, utilizaremos o ambiente virtual de aprendizagem do moodle e o ambiente
virtual do WhatsApp. No ambiente virtual de aprendizagem do Moodle, eu-pesquisador e outros-
professores (em formação) vamos utilizar os recursos e atividades Trabalho e Fórum. E no ambiente
virtual do WhatsApp, usaremos o recurso Chat. Portanto, usaremos de forma ubíqua os dois ambientes.
Na produção de dados, eu-pesquisador e outro-professores produziremos enunciados fruto da
nossa interacção, em que cada sujeito da pesquisa, ao interagir com o outro, também recebe muitos
adendos à personalidade e à sua consciência de valores, na medida em que cada um estará sempre em
convívio, no colectivo, em um processo de interação dialógica.
Na análise qualitativa de dados, analisaremos os enunciados, fruto da interacção em contexto,
através do desmembramento da compreensão em actos particulares: na compreensão efetiva, real e
concreta, eles (os atos particulares) se fundem indissoluvelmente em um processo único de
compreensão, porém cada acto particular tem uma autonomia semântica (de conteúdo) ideal e pode
ser destacado do acto empírico concreto. O elemento valorativo na compreensão (e seu grau de
profundidade e de universalidade) reside na compreensão ativo-dialógica, que pressupõe discussão-
concordância inserida no contexto dialógico-interpretativo (BAKHTIN, 2011).
Uma interpretação dos sentidos valorada cognitivamente, na análise dos enunciados, concebe
que cada palavra (cada signo) do texto leva para além dos seus limites textuais, toda a interpretação
consistindo no correlacionamento de dado texto com outros textos (contextos) e sua reapreciação em
um novo contexto. Assim, o filósofo apresenta um procedimento analítico (sem pretensão, nem
possibilidade, de fundar uma designação fechada sobre um texto único, preso a uma verdade única
universal) antes caracterizando-o como “movimento dialógico da interpretação” em três tempos:
apreciação do ponto de partida – um dado texto; apreciação do movimento retrospectivo – contextos
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Buscando um Olhar Dialógico em Educação à Distância na Universidade Pedagógica
do passado; apreciação do movimento prospectivo – antecipação (e início) do futuro contexto”
(BAKHTIN, 2011, p. 401).
3. Considerações
Esta pesquisa-formação ainda não apresenta resultados por ser um recorte do projeto de tese,
em andamento, cujo trabalho de campo está por ser realizado. No entanto, a possibilidade de
compartilhar este percurso inicial constitui-se em abertura para a socialização de um modo de pensar
a pesquisa e a formação com outros pesquisadores em EAD; e, também, para saber se existem
pesquisas sobre a interacção dialógica em EAD na UP e em Moçambique.
Esse conhecimento de pesquisas, com a temática do dialogismo em EAD, em Moçambique,
possibilitará ver o que já foi pesquisado no âmbito da mesma temática e o que ainda não foi,
permitindo mapear o respectivo estado da arte da mesma, em Moçambique.
Além disso, ficamos na expectativa de que esta proposta faça emergir reflexões sobre diferentes
possibilidades criadoras para a interacção, na formação e na docência do formando, para uma leitura
do mundo profícua de sentidos, e também para pensar a potência criativa do ser humano em sua
plenitude.
4. Referências Bibliográficas
AXT, Margarete & MARASCHIN, Cleci. Prática Pedagógica pensada na indissociabilidade
conhecimento-subjetividade. Educação & Realidade. 22(1): p. 57 – 80. Jan/Jun. 1997.
AXT et al. Interação dialógica: Uma proposta teórico-metodológica em ambientes virtuais de
aprendizagem. Novas Tecnologias na Educação. CINTED-UFRGS. V.4 Nº1, Julho, 2006.
AXT, Margarete. Comunidades virtuais de aprendizagem e interação dialógica: do corpo, do rosto e
do olhar. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v. 7, n. 3, p. 256-268, set./dez. 2006.
AXT, Margarete. Mundo da Vida e Pesquisa em Educação: Ressonâncias, Implicações, Replicações.
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 46, n. 1, p. 46-54, jan./mar. 2011a.
AXT, Margarete. “Trajetos- Imagens: Por uma Cronotopia dos Sentidos na Pesquisa”. In, ZANELLA,
Andrea Vieira; TITTONI, Jaqueline (orgs.). Imagens no Pesquisar: experimentações. Porto Alegre: Ed.
Dom Quixote, 2011b.
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov;
introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
2011.
BAKHTIN, Mikhail M. Para uma Filosofia do Ato Responsável. 2ª ed. São Paulo: Pedro & João
Editores, 2012
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32
BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 16ª ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
ROCHA, Aldeir António Neto. Ideologia e dialogismo: o que de Bakhtin cabe na sala de aula?
Disponível em:
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Acesso (03/06/16).
SCORSOLINI-COMIN, Fabio. Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire:
contribuições para a educação a distância. Educação em Revista | Belo
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UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA. Guião de Utilização da Plataforma Moodle para Professor.
Centro de Educação Aberta e à Distância. Maputo, 2013.
COMUNIDADE DE INQUIRIÇÃO - CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS
PARA PROCESSOS EDUCATIVOS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA.
Jane Garcia de Carvalho1
Rita Maria Lino Tarcia2
Carlos Fernando de Araújo Júnior3
Resumo
O artigo que ora se apresenta tem como base teórica os trabalhos de Garrison, Anderson e Archer (2010), considerando a Comunidade de Inquirição como um referencial didático-pedagógico especificamente voltado para os processos educativos na virtualidade. As presenças de ensino, cognitiva e social são como elementos essenciais para a aprendizagem em cursos a distância e orientam a prática de professores ou tutores, trazendo aspectos relacionados aos ambientes virtuais e definindo o papel que eles assumem para a interação, na construção de vínculos, nas orientações acerca dos conteúdos e dos saberes e na formação dos alunos na perspectiva da contemporaneidade.
Palavras-chave: educação à distância, comunidade de inquirição, presença de ensino, presença cognitiva e presença social.
Abstract
The present article is based on the works of Garrison, Anderson and Archer (2010) work, considering the Community of Inquiry as a didactic-pedagogical reference focused specifically for virtual education. Teaching, cognitive and social presences are essential elements for learning at a distance and guide teachers’ or tutors’ practices, bringing aspects related to virtual environments and defining the role they play in interaction, in the building of links, in the knowledge and content orientation and also in the students training in a contemporaneity perspective.
Key words: distance education, community of inquiry, teaching presence, cognitive presence and social presence.
1 Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul. Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do
Sul. Responsável pelo Planejamento e Orientações Pedagógicas para elaboração de material EaD da Universidade Cidade de São
Paulo - UNICID e Universidade Cruzeiro do Sul. 2 Doutora e Mestre em Letras, Semiótica e Linguística Geral pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP); graduada em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professora
Adjunta do Departamento de Informática em Saúde da Universidade Federal de São Paulo (DIS/UNIFESP); Coordenadora
Pedagógica da Pró-Reitoria de Educação a Distância da Cruzeiro do Sul Educacional; Directora Administrativa Financeira da
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) . 3 Doutor e Mestre em Física Teórica pelo Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT/UNESP). Pró-reitor
de - E da Cruzeiro do Sul Educacional. Atua como Professor pesquisador do programa de Mestrado e Doutorado em Ensino de
Ciências e Matemática na linha de pesquisa em tecnologia e ambientes virtuais de aprendizagem aplicados à Educação. Atua há 20
anos no ensino superior na área de gestão de cursos e programas, como Coordenador de Curso,Diretor Acadêmico,
Revista Lyalosho
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1. Introdução
Não é novidade que as novas tecnologias provocaram grande impacto sobre a vida na sociedade
contemporânea. A revolução trazida pela rede mundial de computadores possibilita que a informação
produzida em qualquer lugar do mundo esteja rapidamente disponível a qualquer indivíduo. A
globalização do conhecimento e a simultaneidade da informação são ganhos inestimáveis para a
humanidade.
A Internet tem colaborado intensamente para uma total alteração nas práticas de comunicação
e, consequentemente, a educação não poderia ficar à parte de toda essa revolução. Na leitura, na forma
de escrever, na pesquisa e até como instrumento complementar em sala de aula ou como estratégia de
divulgação da informação, as novas tecnologias estão presentes. A educação desenvolvida nesse novo
cenário cria novas formas de aprendizado, disseminação do conhecimento e, especialmente, novas
relações entre professor e aluno.
A inclusão da universidade no mundo das tecnologias conectadas é uma abertura importante para
preparar a comunidade acadêmica, como um todo, para o mundo actual, para uma sociedade complexa,
que exige domínio das linguagens e recursos digitais.
A incorporação das tecnologias à educação traz oportunidades e dinamismo aos actos de ensinar e
de aprender. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) possibilitam maior interacção entre os
alunos e entre esses e seus professores ou tutores. Esses recursos contribuem para o desenvolvimento dos
relacionamentos e para a construção de vínculos, colaborando também, para com a aprendizagem.
Com o interesse despertado por esse cenário, o presente artigo discute, com fundamento nos
estudos desenvolvidos por Garrison, Anderson e Archer (2010), Rourke et al. (2003), Aragon (2003),
Sérgio (2007), Tu (1999), Bonici (2013) e Carvalho (2014) caminhos para a intensificação da presença
social em ambientes de aprendizagem virtual que podem contribuir para uma experiência educacional
efectiva. Segundo os pressupostos dos autores, a presença social em Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA) acontece em um emaranhado de ações e reacções que podem provocar a
expressão de emoções, comunicação aberta e coesão do grupo.
Este artigo contempla a pesquisa Bibliográfica, que segundo Gil (2007) é desenvolvido com
base em material já elaborado, constituído principalmente pelo resultado de pesquisas realizadas a
respeito do tema. Trata-se de um recorte de uma pesquisa-acção que segundo o mesmo autor é um
tipo de pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma acção
ou com a resolução de um problema colectivo e no qual os pesquisadores e participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo .
Pesquisas realizadas por Garrison, Anderson e Archer (2010) indicam que a aprendizagem em
ambientes virtuais ocorre mediante a interacção entre três elementos: a presença cognitiva, a presença
de ensino e a presença social. A experiência educativa, segundo os autores, só ocorre plenamente a
35
Comunidade de Inquirição - Contribuições Pedagógicas para Processos Educativos na Modalidade a Distância
partir da interação dos três elementos, uma vez que esses se constituem como eixos básicos e essenciais
de uma comunidade de aprendizagem apresentados pela Comunidade de Interação (COI).
2. Conhecendo a COI
A Comunidade de Inquirição proposta por Garrison, Anderson e Archer (2000), que, ao
tratarem da Educação a Distância (EaD) mediada por computador, sugerem a participação abundante
de todos os integrantes da comunidade, alunos, professores ou tutores. O modelo supõe que, nessa
comunidade, o aprendizado ocorra através da interacção de três componentes: presença cognitiva,
presença de ensino e presença social.
A relação entre a presença social, a presença de ensino e a presença cognictiva é a responsável
pela aprendizagem dos alunos em uma comunidade de aprendizagem, conforme demonstra a
representação a seguir (figura 13):
Figura 13 - Elementos da experiência educacional
Fonte - Garrison, Anderson e Archer (2000, p. 88,tradução própria).
De acordo com Garrison, Anderson e Archer (2000), somente na relação entre a presença social,
presença de ensino e presença cognitiva acontece a aprendizagem efetiva.
Revista Lyalosho
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2.1 A presença cognitiva
A presença cognitiva, um dos componentes da Comunidade de Inquirição apontados por
Garrison, Anderson e Archer (2000), é definida como “a extensão a qual os participantes, em qualquer
configuração específica de uma comunidade de inquirição, são capazes de construir o significado
através de comunicação constante”. Esse componente ajuda o indivíduo a desenvolver seu
pensamento crítico sobre determinado assunto estudado. Segundo os autores, algumas características
presentes na EaD são essenciais para a geração da presença cognitiva: “Evento Gerador”, que suscita
a sensação de curiosidade; “Exploração e Integração”, ou seja, a troca de informações e a conexão de
ideias; e “Resolução”, que é responsável pelas aplicações das novas ideias.
A presença cognitiva, segundo Garrison, Anderson e Archer (2004), acontece em consequência
de um pensamento crítico, resultado de um contexto educacional. Segundo os autores, as ferramentas
de uma comunidade de aprendizagem mediada pelo computador poderão facilitar a reflexão e, por
conseguinte, a aprendizagem.
A problematização da situação pedagógica é essencial para o desenrolar do processo cognitivo.
Os autores têm como base a teoria de Dewey (1959), que valoriza a experiência do indivíduo através
de situações significativas. A reflexão, neste contexto, acontece entre o pessoal e o compartilhado.
Garrison, Anderson e Archer (2004) apresentam um “Modelo Prático de Investigação” (Figura
14).
Figura 14 - Modelo Prático de Investigação
Fonte - Garrison, Anderson e Archer (2004, p. 22)
Como se pode observar, no quadrante inferior esquerdo dessa representação, está o “Evento de
Ação” ou Evento Desencadeador, que é a primeira etapa para que a presença cognitiva aconteça de
facto. Esse evento é motivador e mobiliza o sujeito dentro de uma problematização. Essa motivação
37
Comunidade de Inquirição - Contribuições Pedagógicas para Processos Educativos na Modalidade a Distância
deve estar ligada a situações do contexto do estudante, ou seja, a conhecimentos prévios que ele tenha
sobre o assunto.
No quadrante superior esquerdo, encontra-se o que os autores chamam de “Exploração”. É o
momento em que o aluno, utilizando-se ainda de conhecimentos que já possui, explora o problema
de maneira individual e colaborativa. Essa situação favorece a troca de ideias sobre o assunto em
questão.
O quadrante superior direito apresenta o que os teóricos nomeiam de “Interacção”. Essa é a fase
em que o aluno constrói significados a partir das ideias advindas da exploração; é essencial que, neste
momento, exista, dentro da situação, uma forte presença de ensino, criando, assim, possibilidades para
o desenvolvimento de processos cognitivos mais complexos.
A “Resolução” apresentada no quadrante inferior direito é o momento em que o aluno consegue
resolver a situação proposta, ou seja, chegar ao resultado final da situação apresentada no evento
desencadeador.
2.2. A presença de ensino
Outro componente apresentado por Garrison, Anderson e Archer (2004) é a presença de
ensino, que consiste no gerenciamento da sequência de aprendizado, facilitando, assim, o aprendizado
activo do aluno. Nos cursos a distância mediados por computadores, a presença de ensino começa
antes do início do curso, quando o material é elaborado, e continua quando o professor ou o tutor
traz as orientações sobre o conteúdo, facilitando, assim, o aprendizado. Normalmente, um curso
oferecido na modalidade a distância consiste em ações educativas que vão além do diálogo entre
professor ou tutor e alunos, incluindo leituras de textos e artigos, pesquisas na web, exercícios e
projectos individuais e colaborativos. Anderson et al. (2001) apresentam três categorias para a
presença de ensino:
i. Design e Organização: como em muitos formatos de educação à distância, o processo de
concepção e planeamento de um curso ou de uma disciplina on-line é, geralmente, mais extenso
e demorado do que é o mesmo processo do ensino presencial. Construir um curso em formato
digital obriga os professores e demais envolvidos no processo a reflectirem sobre
componentes como estrutura, avaliação e interacção do curso. A tarefa do professor é criar
caminhos através da instrução mediada e da actividade definida de tal forma que os alunos
estejam conscientes dos objectivos e das actividades explícitas e implícitas de aprendizagem
de que participam.
ii. Facilitação do Discurso: o discurso em um curso ou disciplina on-line é fundamental para manter
o interesse e a motivação dos alunos. No entanto, o papel do professor ou tutor é mais exigente
do que o de outros participantes e traz consigo níveis mais elevados de responsabilidade, pois
é ele que vai estabelecer e manter o discurso que cria e sustenta a presença social. O professor
ou tutor, nesse sentido, apoia e incentiva a participação dos alunos, comentando as respostas,
Revista Lyalosho
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reforçando conceitos, concordando e discordando das discussões e alertando para relações
entre diferentes opiniões. Da mesma forma, ajuda os alunos a articularem o consenso e o
entendimento compartilhado.
iii. Instrução Directa: o professor ou tutor, como conhecedor do conteúdo, deve partilhar seus
conhecimentos com os alunos. O papel do professor ou tuto, envolve a orientação directa
com base nos conhecimentos e na experiência pedagógica. O especialista no assunto deve
fornecer instruções por meio de comentários ou mesmo organizando actividades que
permitam que os alunos construam conhecimento a partir do próprio entendimento sobre
determinado assunto. Cabe ao professor ou tutor, também, indicar o foco para a discussão,
dirigindo a atenção para determinados conceitos ou informações que são necessárias para a
aprendizagem do aluno. A orientação directa também assume a forma de declarações que
confirmam o entendimento por meio de avaliação e feedback explicativo aos alunos.
Diagnóstico de equívocos é outra tarefa importante do professor ou tutor. Muitas vezes, os
estudantes realizam enganos que prejudicam sua capacidade de construir concepções mais
correctas e esquemas mentais. O design de actividades eficazes de aprendizagem cria
oportunidades para que os próprios estudantes descubram esses lapsos, mas os comentários e
perguntas feitas pelo professor ou tutor são insubstituíveis.
2.3 A presença social
O último componente definido por Garrison, Anderson e Archer (2004) é a presença social,
que é “a habilidade dos aprendizes em projetar-se socialmente e emocinalmente em uma comunidade
de inquirição”. Rourke et al. (2003, p.1) apontam que esse elemento dá suporte a objectivos afectivos,
fazendo com que a interacção entre os sujeitos da aprendizagem (alunos e professor ou tutor) se torne
atraente e interessante. São apresentadas categorias como: “Expressão Emocional”, quando o sujeito
expressa suas emoções a respeito de determinado assunto; “Comunicação Aberta”, o sujeito se
comunica com o grupo de forma espontânea; “Coesão do grupo”, compartilha-se com os demais
participantes um significado pessoal sobre o assunto em questão, promovendo, assim, a colaboração.
Segundo Tu (1999), estudos da Psicologia Social demonstram que factores, como a expressão
facial, a entonação de voz e gestos, podem gerar a presença social entre os participantes de
determinada conversa ou aula presencial. Nesse sentido, para comunicações que mediadas pelo
computador e pela internet, pode-se indicar a utilização de emoticons, a fim de expressar sinais não
verbais, recurso bastante comum em discussões síncronas e assíncronas. Essa forma de linguagem
simbólica facilita a proximidade entre envolvidos em uma comunicação mediada por computador.
A expressão das emoções, dos sentimentos e do humor é característica que define a presença
social, como descrito por Garrison, Anderson e Archer (2000). Alguns atributos, como proximidade,
cordialidade, filiação, atração, abertura, são atribuídos tanto à presença social como ao imediatismo
do professor tutor.
De acordo com Garrison, Anderson e Archer (2000), o humor é um convite para interacção
entre os participantes de uma comunidade de aprendizagem, tornando os sujeitos mais próximos.
39
Comunidade de Inquirição - Contribuições Pedagógicas para Processos Educativos na Modalidade a Distância
Quanto mais o indivíduo se apresenta, maior a probabilidade de estabelecer vínculos de confiança,
reduzindo a sensação de isolamento social.
Expressões de apreço também são um ponto importante. O professor ou tutor é visto como
mais um integrante do colectivo, podendo, assim, intermediar as situações, comentando e
incentivando os alunos a interagirem, prolongando, dessa forma, os contactos e mediando situações.
Para análise e codificação da presença social em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA)
mediado por computadores, Rourke et al. (2003) apresentam três categorias e 12 indicadores.
Categorias Indicadores
Afectivo Expressa emoções, usa o humor, faz autorevelações.
Interactivo
Continua a mensagem de outro, cita mensagens de outros, refere-se
explicitamente a mensagens de outros, faz perguntas aos outros participantes,
expressa concordância com outros, expressa apreço aos outros.
Coeso Dirige-se ao outro pelo nome, dirige-se ao grupo como “nós” ou “nosso”,
saúda os demais participantes antes de se colocar.
Quadro 5 – Categorias e indicadores da presença social
Fonte – Rourke et al. (2003, tradução própria)
Segundo Sérgio (2007), a colaboração é imprescindível no AVA, o fórum de discussão é uma
das ferramentas pedagógicas que propicia um ambiente colaborativo entre os participantes do curso.
A autora afirma que a percepção da presença social está relacionada à satisfação dos alunos em
relação a aspectos como: sentimento de inclusão; relações estabelecidas entre os participantes e
percepção do aluno sobre o envolvimento do professor ou tutor. Tal envolvimento fica evidenciado
pela participação do professor ou tutor nas discussões, pelo incentivo a participação dos alunos nas
actividades propostas e pelos feedbacks dados às dúvidas apresentadas.
Na comunidade do modelo de inquirição, professores ou tutores e alunos participam de
situações de aprendizagem que envolvem reflexão e criticidade, o que remete a teorias construtivistas
de aprendizagem. Por isso, nessa comunidade, a presença social é considerada uma função de ambos:
alunos e professores.
Os quadros a seguir apresentam categorias, indicadores, definições e exemplos para avaliação
da presença social.
Revista Lyalosho
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Categoria Indicador Definição Exemplo
Afectivo
Expressão de
emoções
Expressões convencionais de emoção
ou expressões não-convencionais de
emoções; pontuação repetida; letra
maiúscula óbvia; emoticons.
“eu não aguento
quando...”
NINGUÉM LÁ!
Uso do humor
Provocação; bajulação; ironia; narrações
incompletas; sarcasmo.
A plantação de
bananas em
Edmonton parece
boa este ano.
Autorevelação
Apresentação de detalhes da vida fora da
classe, ou expressão de vulnerabilidade
“Onde eu trabalho, é
isto que fazemos...”
não entendo esta
pergunta.
Quadro 6 – Avaliação da Presença Social – Categoria Afetivo
Fonte: - Rourke et al. ( 2003, p. 10, tradução própria)
Como descrito por Garrison, Anderson e Archer (2000), situações que envolvem afectividade
suscitam a presença social. Em um AVA, a proximidade, a cordialidade, a filiação, a atração e a
abertura favorecem a interacção afectiva. Os autores recomendam a troca de informações pessoais
para reduzir a sensação de isolamento social e, assim, contribuir para a formação de impressões
individualizadas entre os interlocutores.
Categoria Indicador Definição Exemplo
Interactivo
Continuação de uma
ameaça.
Características de
resposta de um
software, em vez de
começar uma nova
ameaça.
Software
dependente, ex.:
“assunto: Re” ou
“filial de”
Citação de
mensagens de
outros.
Características de
software para citar
uma mensagem
inteira ou cortar e
colar seleções de
mensagens de
outros.
Software
dependente: Marta
escreve ou envia uma
mensagem que inicia
com o símbolo de
“menor que”.
41
Comunidade de Inquirição - Contribuições Pedagógicas para Processos Educativos na Modalidade a Distância
Referência explicita
a mensagens de
outros.
Referências diretas
aos conteúdos das
postagens de outros.
“na sua mensagem
você falou sobre a
distinção de Moore
entre...”
Perguntas Perguntas de outros
participantes ou do
moderador.
“mais alguém teve
experiência com
WEBCT?”
Quadro 7 – Avaliação da Presença Social – Categoria Interactivo
Fonte: Rourke et al. (2003, p. 10)
A categoria interactivo apresenta indicadores como: continuidade de assunto, citação e
refêrencias a mensagens de outros alunos ou professores ou tutores e, ainda, os questionamentos que
ocorrem entre os participantes de determinada situação dentro do AVA.
Categoria Indicador Definição Exemplo
Coeso
Cumprimento,
expressão de apreço,
expressão de
concordância.
Cumprimentos e uso
de conteúdos de
outras mensagens.
“eu realmente gosto
da sua interpretação
da leitura”.
Vocativos. Dirigir-se ou referir-
se ao aluno pelo
nome.
“acho que John fez
uma grande coisa”;
”John, o que você
acha?”
Pronomes inclusivos
ao dirigir-se ou
referir-se ao grupo.
Dirigir-se ao grupo
como “nós”,
“nosso”, “nos”
“nosso livro texto
refere-se a...”; “eu
acho que desviamos
do caminho”.
Fáticos e saudações.
Comunicação que
serve a uma função
puramente social;
cumprimentos,
fechamentos.
“Olá para todos”;
“isto é para agora”;
“está o clima mais
lindo aqui”.
Quadro 8 – Avaliação da Presença Social – Categoria Coeso
Fonte: Rourke et al. ( 2003, p. 10)
A coesão do grupo pode ser percebida pela forma como uns se dirigem aos outros. São
indicadores importantes: a saudação antes de iniciar a participação em uma discussão de fórum; dirigir-
se ao outro participante pelo nome; colocar-se como participante efectivo do grupo utilizando
Revista Lyalosho
42
expressões como “nós” e “nosso”. O uso de vocativos, chamar os participantes pelo nome, também
é uma importante expressão de coesão.
Aragon (2003) trata da importância da interacção social para que o sujeito se integre em
determinado contexto social. Para exemplificar, quando um indivíduo se insere em um grupo que não
conhece, procura semelhanças que o aproximem das pessoas, como a profissão, a maneira de vestir,
o cargo que ocupa ou o nível sociocultural. Essas relações facilitam o entrosamento social que os
sujeitos estabelecem. O desafio em um ambiente virtual é facilitar o contacto interpessoal que é
estabelecido entre os participantes. Quando se pensa em uma situação de aprendizagem presencial, o
contacto que se estabelece com o outro impulsiona o indivíduo e motiva-o a continuar; as relações
estabelecidas estão intimamente ligadas à motivação para o envolvimento em determinada situação de
aprendizagem. O objectivo da presença social em qualquer ambiente de aprendizagem é o nível de
conforto que ela proporciona às pessoas.
Aragon (2003) apresenta estratégias para estabelecer a presença social no AVA, envolvendo três
dimensões: design, professores ou tutores e alunos. Quanto ao design do curso, segundo o autor, o
desenvolvimento de mensagens de boas vindas, vídeos gravados pelo professor ou tutor ou mesmo a
imagem do professor através de uma foto facilitam a criação da presença social. Ele afirma ainda, que
incluir perfis dos estudantes, com experiências profissionais e culturais também proporciona o
envolvimento dos participantes.
A participação do professor ou tutor é fundamental, podendo, durante o desenvolvimento do
fórum, estabelecer níveis de auxílio aos estudantes.
A resposta aos e-mails dos alunos é de fundamental importância para estabelecer a presença
social. O feedback é necessário em um curso na modalidade a distância; utilizar o nome do aluno
favorece a sensação de reconhecimento do outro; o humor também ajuda a estabelecer vínculo entre
os participantes, pois reduz a distância social; o uso de emoticons é uma estratégia que permite recriar,
por meio de pontuação e\ou do desenho, as expressões faciais que não estão presentes em um curso
a distância. Hoje as redes sociais utilizam amplamente essa forma de linguagem.
A pesquisa de Carvalho (2014) analisou dados colectados em dois fóruns de discussão de um
curso oferecido a distância. Para isso, foi utilizado o método de análise do conteúdo proposto por
Bardin (2011). O estudo levou em consideração as categorias de presença social apontadas por Rourke
et al. (2003): coesão, interatividade e afetividade e suas subcategorias.
Segundo os resultados da pesquisa de Carvalho (2014), o incentivo do professor ou tutor aos
alunos e a potencialização de determinadas acções podem provocar o aumento da presença social no
decorrer do processo educativo. Contudo é importante registar que as acções desencadeadas pelo
professor ou tutor não deixaram de fomentar, também, o aumento da presença de ensino e da presença
cognitiva. Garrison, Anderson e Archer (2010) afirmam que a presença social é elemento indispensável
ao processo de ensino e aprendizagem e, junto das presenças de ensino e cognitiva, contribui para
43
Comunidade de Inquirição - Contribuições Pedagógicas para Processos Educativos na Modalidade a Distância
uma experiência de aprendizagem virtual significativa. Podemos, assim, afirmar que tais elementos são
indissociáveis, ou seja, ao promover situações que procuram aumentar a presença social,
indirectamente promovemos situações que fomentam a presença de ensino e a presença cognitiva.
3. Considerações Finais
O conhecimento advindo das pesquisas realizadas sobre a COI demostram que a colaboração
é imprescindível nos AVAs.
Garrison, Anderson e Archer (2010) afirmam que a presença social é elemento indispensável
ao processo de ensino e aprendizagem e, junto das presenças de ensino e cognitiva, contribui para
uma experiência de aprendizagem verdadeira em cursos à distância. Podemos, assim, afirmar que esses
elementos são indissociáveis, ou seja, ao promover situações que procuram aumentar a presença social,
indirectamente promovemos situações que fomentam a presença de ensino e a presença cognitiva.
Na comunidade do modelo de inquirição, professores e alunos participam de situações de
aprendizagem que envolvem reflexão e criticidade, o que remete a teorias construtivistas de
aprendizagem.
4. Referências bibliográficas
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USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO EM EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: ENTENDENDO AS
POSSIBILIDADES E DESAFIOS DOS TUTORES NA UNIVERSIDADE
PEDAGÓGICA DE MOÇAMBIQUE
Dionísio Luís Tumbo1
Bento Duarte Silva2
Resumo
O presente artigo apresenta e discute algumas possibilidades e entraves do uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) em Educação à Distância (EaD) na Universidade Pedagógica de Moçambique. Em tempos da cibercultura, em que a sociedade está em rede, verifica-se uma sofisticação de transações de mensagens e informações usando várias máquinas ligadas às páginas World Wide Web. No campo da educação nota-se que, desde as escolas até algumas universidades, os seus actores ainda não estão preparados para a imersão cibercultural. A resposta a este desafio passa por uma migração do mundo analógico para o digital, pelo desenho de cursos para serem oferecidos à distância enriquecidos pelas TDIC, mudança de pedagogia transmissiva para colaborativa. O trilho metodológico desta comunicação consistiu em abordagem qualitativa e exploratória de cunho bibliográfico e documental.
Palavras-Chave: Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Educação à Distância. Cibercultura.
Abstract
This article presents and discusses some possibilities and obstacles regarding the use of Digital Information and Communication Technologies (DICT’s) in Distance Education (DE) at Pedagogical University in Mozambique. In times of cyberculture, where society is networked, there is a sophistication of message and information transactions using various machines linked to the World Wide Web pages. In the field of education it is noted that, from schools to some universities, the actors are not ready yet for cyber-cultural immersion. The answer to this challenge is a migration from the analogue to the digital world, the design of courses to be offered at a distance enriched by DICT’s, and also a shift from the expositive pedagogies to a collaborative pedagogical model. The methodological path of this communication was rooted in a qualitative and exploratory approach using bibliographic techniques.
Key words: Digital Information and Communication Technologies. Distance Education. Cyber culture.
1 Universidade Pedagógica de Moçambique - Delegação de Niassa, Doutorando em Ciências da Educação, especialidade em
Tecnologia Educativa pelo Instituto de Educação Universidade do Minho 2 Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho (Braga/Portugal). Doutorado em Ciências da Educação
– Tecnologia Educativa.
Revista Lyalosho
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Introdução
Os avanços tecnológicos que se vêm operando na sociedade, desde finais do século XX até
aos nossos dias, já em pleno século XXI, com a descoberta da possibilidade de eliminação da distância
transacional através do ciberespaço, provocaram múltiplas mudanças nas vidas das pessoas e
instituições. O desenvolvimento das páginas www (World Wide Web) aliado ao adentramento de
novas máquinas, nomeadamente das tecnologias móveis, como computadores portáteis, smartphones
e tabletes, de rápida conexão à internet (re)estruturou as esferas políticas, económicas, culturais, e, por
conseguinte, também as educativas. As formas, os métodos, as técnicas e os meios de ensino-
aprendizagem tendem a mudar assumindo uma nova pedagogia, agora caraterizada pela conectividade
e um ensino que privilegia a partilha e a colaboração.
Assim, instala-se para a educação e seus colaboradores um desafio, orientado para o desenho
de cursos, sobretudo os lecionados à distância, com capacidade de atender a este fenómeno da
comunicação em ambiente virtual. A Educação à Distância (EaD) sempre foi uma alternativa para
oferecer cursos, formações diversas a uma gama de indivíduos que não conseguem ter acesso em
instituições de ensino, sobretudo nas universidades, mas agora a frequência desses cursos pode
acontecer sem as barreias de ordem espácio-temporais.
Com este artigo pretendemos apresentar e discutir algumas possibilidades e entraves no uso das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distância na Universidade
Pedagógica de Moçambique (UP), tomando como referência as Tecnologias Móveis e seu impacto na
aprendizagem.
Metodologia
No “trilho” metodológico optou-se por uma abordagem qualitativa e exploratória de cunho
bibliográfico e documental, contemplando a consulta de artigos científicos, verificação de relatórios e
documentos alojados em repositórios eletrônicos oficiais da UP.
Para balizarmos o nosso estudo definimos itens desde a criação e história da UP, passando pelo
elenco de cursos oferecidos, quantitativo de alunos e sua localização geográfica no solo pátrio
moçambicano, condições de acesso, tecnologia de comunicação educacional até às possibilidades e
desafios ciberculturais dos atores de EaD na UP.
A Experiência de EAD na Universidade Pedagógica de Moçambique (UP)
A UP foi criada em 1985, pelo Diploma Ministerial nº 73/85 de 4 de Dezembro, como Instituto
Superior Pedagógico e transformada em 1995 em Universidade Pedagógica. Em 2015, completando
três décadas de sua existência, a UP tornou-se a maior instituição de ensino superior em Moçambique,
comparando com outras instituições públicas (17) e privadas (31) entre universidades, academias,
escolas e institutos superiores.
47
Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
Actulmente, a UP possui cerca de 52.000 estudantes, distribuídos pela sua sede em Maputo e
pelas suas 10 delegações espalhadas em todas as províncias do país. Tem um total de sete Faculdades
e duas Escolas Superiores que oferecem um vasto leque de cursos nas áreas das ciências da educação
e psicologia, ciências naturais e matemáticas, ciências da linguagem, comunicação e artes, ciências
sociais e filosóficas, ciências económicas, jurídicas e de gestão, ciências da saúde, ciências da terra e
ambiente, desporto e tecnologias.
Em 2001, como descrevem NEELEMAN E NHAVOTO (2003) e BUQUE (2010), a criação
do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD) permitiu a preparação de condições para a
oferta de cursos a distância.
Em outubro de 2007, o CEAD, financiado pela Intermon Oxfam3, implementa um projeto-
piloto de formação de professores em exercício para o ESG4 em parceria com as Faculdades de
Ciências Naturais e Matemática, Faculdade de Línguas e a Direção Provincial de Educação e Cultura
de Cabo Delgado. Foram introduzidos cursos de Bacharelato em Ensino de Física e Ensino de Inglês,
no norte do país, concretamente na província de Cabo Delegado, com 100 estudantes, sendo 49 de
Inglês e 51 de Física.
Em 2011, segundo informações de DE JESUS (2013) e PRETI (2014), o CEAD introduz em
regime de cooperação com a Universidade Aberta do Brasil os cursos de Licenciatura em Biologia,
Ensino Básico e Matemática com 180 estudantes matriculados nos Pólos de Maputo, Beira e Lichinga,
mediante a Portaria Normativa do MEC de nº 22, de 26 de outubro de 2010 (PRETI, 2014), que
retrata os moldes de cooperação entre as instituições moçambicanas e brasileiras participantes.
O CEAD no seu quadro geral de implementação da modalidade de educação à distância na UP,
persegue os seguintes objetivos:
▪ Proporcionar maior equidade na área de formação de professores no território nacional;
▪ Promover cursos de formação inicial e em serviço aos professores do Ensino Secundário
Geral (ESG) e a outros quadros, tais como, professores primários, formadores dos Institutos
de Formação de Professores (IFP), Institutos do Magistério Primário (IMAP), diretores de
escolas, diretores distritais e inspetores da educação;
▪ Contribuir com a melhoria da qualidade de ensino através da formação inicial e em serviço
de professores sem retirá-los das suas zonas de origem ou de trabalho;
▪ Reduzir progressivamente os custos de formação de quadros da educação; Responder à
crescente demanda de acesso ao ensino superior no país;
▪ Aumentar o número de graduados nos cursos oferecidos pela instituição. (CEAD, 2010,
s/p)
3 A Intermon Oxfam é uma organização não-governamental a operar em Moçambique.
4 O Ensino Secundário Geral, segundo a lei 6/92 de 6 de Maio, compreende cinco classes e está subdividido
em dois ciclos, sendo o primeiro da 8ª à 10ª classes e o segundo da 11ª e 12ª classes.
Revista Lyalosho
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A educação a distância na UP vem passando por diversas transformações e inovações, embora
lentas, tendo como foco alargar o acesso a um maior número de pessoas que buscam uma série de
capacidade e habilidades como utensílios referenciais para uma sociedade cada vez mais exigente. Esta
tem sido uma das alternativas para difusão do conhecimento para pessoas que não dispõem do tempo
convencional das instituições de ensino na modalidade presencial (DUGGLEBY, 2002).
Actualmente, o CEAD está presente em todas as províncias, sendo Maputo, Gaza, Inhambane,
Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula, Cabo Delegado e Niassa, representado pelos
Departamentos de Educação Aberta e à Distância (DEADs). E oferece um total de sete cursos do
primeiro ciclo, designadamente: Curso de Licenciatura em Ensino de Inglês (com Habilitação em
Ensino de Português ou Francês); Curso de Licenciatura em Administração e Gestão de Educação
(com Habilitação em Educação e Desenvolvimento Comunitário ou Psicologia das Organizações);
Curso de Licenciatura em Ensino Básico (com Habilitação em Administração e Gestão da Educação
ou Educação de Infância); Curso de Licenciatura em Ensino de Química (com Habilitação em Ensino
de Biologia ou Gestão de Laboratório); Curso de Licenciatura em Ensino de Matemática; Curso de
Licenciatura em Ensino de Biologia (com Habilitação em Ensino de Química e Gestão de
Laboratórios); e Curso de Licenciatura em Ensino de Física (com Habilitação em Ensino de
Matemática ou Ensino de Eletrónica). No geral, nestes cursos estão matriculados 9500 estudantes,
em todo o país, conforme pode ser verificado na Tabela 1.
Tabela 1: Cursos e número de estudantes por Unidade Territorial
Unidade
Territorial
Inglês AGE Ensino
Básico
Matemática Biologia Física Química Total
por UT
UP-Sede 131 163 343 70 142 71 70 990
Gaza 215 - 284 - - 256 70 825
Maxixe 231 255 696 - - - - 1182
Massinga - 283 162 72 153 - 74 744
Manica 136 67 - 95 223 106 29 656
Beira 145 143 300 92 288 53 61 1082
Tete - 66 317 - 176 189 - 748
Quelimane 178 134 268 - 231 169 126 1106
Nampula 220 - 310 249 207 - - 986
Niassa 37 397 127 33 34 - - 628
Montepuez - 131 289 - 181 - 12 613
Total por
curso
1293 1639 3096 611 1635 844 442 9560
Fonte: CEAD (2015, pp. 9-61)
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Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
Condições de acesso aos cursos
Para o ingresso aos cursos do primeiro ciclo oferecidos pela UP em seus três regimes,
nomeadamente presencial, pós-laboral e à distância, os candidatos são selecionados por meio de
exames de admissão, nos termos do estabelecido pela Lei n° 5/2003, de 21 de Janeiro, que regula a
actividade do ensino superior, devendo preencher os requisitos mencionados a seguir na tabela 2:
Tabela 2: Requisitos gerais e específicos para a admissão aos cursos
Gerais Especificas
▪ Graduados do ensino
secundário geral que
tenham concluído a 12ª
classe do Sistema Nacional
de Educação (SNE);
▪ Graduados habilitados com
nível equivalente à 12ª
classe do SNE, para
continuação dos estudos;
▪ Ter habilidades no uso do computador e facilidade com
internet;
▪ Estar disponível para realizar o estudo das disciplinas
programadas;
▪ Estar disponível a participar em sessões presenciais e outras
realizações de agrupamento aos sábados e domingos;
▪ Procurar ajuda do tutor sempre que tiver problemas;
▪ Reportar as dificuldades encontradas durante o processo de
aprendizagem ao tutor;
▪ Planificar suas horas do estudo;
▪ Gerir de forma eficaz o seu tempo para cumprir prazos.
Fonte: Adaptado de CEAD (2010)
Assumir comportamentos, atitudes e disciplina própria de alunos adultos, seriam marcas de
características presentes em alunos que frequentam cursos superiores, sobretudo o de cariz
profissional orientado para a formação de professores. Os estudantes deste nível, como faz referência
a tabela acima, são jovens adultos, pois quem termina oficialmente o ESG em Moçambique deverá
ter18 anos, pelo menos, ou seja, deve já possuir capacidade de assumir juridicamente e responder pelos
seus atos. Entre as capacidades, deve saber planificar, gerir e administrar o seu tempo e conciliar as
suas atividades diárias. Contudo, como refere Maria João Gomes, em
muitos programas de ensino convencional ou à distância, não se estimula a
independência dos aprendizes (…), mesmo sendo adultos, não se encontram
capacitados para assumirem um processo de autonomia na definição dos seus
percursos de aprendizagem o tutor de especialidade em curso a distância ainda assume
a posição do centro das decisões e das atividades de ensino (GOMES, 2004, p. 96).
A EaD, em nossa Universidade Pedagógica (UP), ainda assume um carácter assíncrono e
assimétrico, em que o tutor é o único emissor activo que transmite os conteúdos aos alunos que os
recebem passivamente, resumindo o ensino “a transferência de conhecimentos”, postura tão criticada
em Paulo Freire pois deste modo não se educa para a autonomia (FREIRE,1996, p. 25). SANTOS
(2014) entende que nestes moldes a EaD é mediada por média de massas (impressos e audiovisuais)
em que os aprendentes não se liberam do polo da emissão. Estes interagem com os materiais didáticos
sem (co)criar com os seus colegas e os professores o conhecimento.
Esta precariedade da EaD pode ser superada pela comunicação em rede, por meio da internet
que transforma valores e instituições sociais (CASTELLS, 2004), amplia o ciberespaço onde os
Revista Lyalosho
50
internautas desenvolvem conjuntamente as suas práticas, as atitudes e as maneiras de pensar (LÉVY,
2000).
O sentido da Educação a Distância em tempos da cibercultura
A EaD não é algo novo, pois vem sendo realizada já há bastante tempo utilizando como meios
e tecnologias de comunicação e informação o correio postal, rádio, TV (…) até a era de internet. A
EaD passou por várias etapas, como sintetiza GOMES (2008, p. 198) e apresentamos na tabela 3.
Tabela 3: Gerações da EaD
Caraterísticas
Gerações da EAD no mundo
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
Correspo
ndência
Tele-ensino Multiméd
ia
E-learning M-learning Mundos
virtuais
Representação e
mediatização dos
conteúdos
Mono-
média
Múltiplos
média
Multiméd
ia
interativo
Multimédia
colaborativ
o
Multimédia
conectivo e
contextual
Multimédi
a imersivo
Suportes
tecnológicos e
distribuição dos
conteúdos
Imprensa Emissões
radiofónicas
e televisivas
CDs e
DVDs
Internet
Web
PDAs,
telemóveis,
leitores e
portáteis de MP3
e MP4,
smartphones,…
Virtuais na
web
Frequência e
relevância dos
momentos
comunicacionais
Quase
inexistent
e
Muito
reduzida
Muito
reduzida
Significativa
e relevante
Significativa e
relevante
Significati
va e
relevante
Fonte: adaptado do texto de GOMES (2008, p. 198)
Em algumas instituições moçambicanas que oferecem cursos em regime de EaD, incluindo a
UP, ainda são visíveis vestígios e marcas de comunicação unidirecional, típica da primeira geração.
A interação entre o tutor e aluno é, ainda, suportada pelo material escrito impresso em forma
de módulos auto-instrucionais, produzidos e “empacotados” na capital do país, enviados às delegações
da universidade nas províncias e posteriormente (re)distribuídos pelos Centros de Recursos da EAD
espalhados pelo país. Michael Moore (referido por GOMES, 2004) entende que em projetos
curriculares oferecidos em EaD, em que a “distância transacional” é demasiada longa, marcada pela
51
Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
extensiva assincronidade (tempos de interação desfasados), os alunos são chamados a autogovernar
os destinos da sua formação.
Nestes contextos de formação, o “timing” de recepção, leitura do material e retorno aos
docentes é demasiado longo. GOMES (2004, p.150), em situações similares, entende que “nesta
geração tecnológica, devido à dependência dos serviços postais para a comunicação entre tutores e
alunos, esta é escassa e com um tempo de resposta muito grande”. Este estágio significa o renascer
do ensino e comunicação por correspondência, que começou com descoberta da possibilidade de aliar
o texto impresso a um meio de transporte bidirecional. Assim, a EaD assume o carácter assíncrono,
transformando-se em um processo assimétrico em que o tutor é único emissor ativo o qual, como já
fizemos referência, transmite os conteúdos a alunos que recebem as informações passivamente,
considerando ainda que ensinar resume-se a transferência de conhecimentos. Como também já
referimos, Edméa Santos considera que, assim perspetivada, a EaD
é uma modalidade educacional historicamente mediada por média de massas
(impressos, audiovisuais em geral). Estas, por sua vez não liberam o polo da emissão.
Assim, os aprendentes interagem com o desenho e materiais didáticos sem cocriar,
juntamente com os seus colegas e professores, o conhecimento. As médias das massas
não permitem interatividade no sentido mais comunicacional, de cocriar juntos a
imagem. Por conta do limite da média de massa, a modalidade a distância privilegia
pedagogicamente conceitos de autoaprendizagem e autoestudo (SANTOS (2014, p.67)
Em nossa era civilizacional, da “sociedade em rede” (CASTELLS, 2004), a separação física entre
o professor e os alunos faz já menor sentido, chegando a não interferir no processo de aprendizagem.
Os conteúdos e informações multimédia são transacionados em ciberespaço através de tecnologias
digitais de comunicação e informação. O desenvolvimento do ciberespaço permite aos internautas,
como refere SANTOS (2014), a sua transição de meros consumidores da informação através da
visualização de vídeos, leitura e cópia de textos alojados na web 1.0 para (co)autoria, exportação,
partilha da informação media através de blogs e redes sociais, como facebook, youtube, twitter, wiki,
WhatsApp no contexto da web 2.0. O ciberespaço já não se resume a um modesto e exclusivo
repositório de dados e informações acessíveis ao indivíduo por meio de motores de buscas, mas, como
esclarecem SILVA E PEREIRA (2015, p. 41), transformou-se numa “rede de conversação, onde se
trocam reclamações e compromissos, ofertas e promessas, aceitações e recusas (…). Pela internet não
transita simplesmente informação mas actos de comunicação onde o mundo privado de experiência
pessoal daqueles que os praticam é projectado no interior do mundo interpessoal e grupal das
interações”.
Em estudo recente, SILVA e FALAVIGNA (2016, p. 13) constatam que no campo da web
registou-se uma grande evolução:
Revista Lyalosho
52
A primeira fase da web (1990-2000) esteve muito focalizada no software e em
dispositivos da pesquisa de informação e correio eletrónico. A partir da viragem do
milénio (ano 2000), foram desenvolvidos um conjunto alargado de programas mais
focalizados na possibilidade de interatividade do usuário e entre usuários, tais como o
blogger (1999), wikipédia (2001), Moodle (2001), Delicious (2003), Facebook (2004),
Flickr (2004), aplicativos que permitem um maior desenvolvimento do relacionamento
social entre os usuários da internet” (…) estando neste momento (2010-2020) em
pleno desenvolvimento da web semântica (web 3.0), prevendo, para a década de 2020-
2030, o pleno desenvolvimento de uma web ubíqua que designa de web 4.0.
A proliferação de tecnologias móveis, com maior destaque para os self media (computadores
portáteis, smartphones e tablets), muitas pessoas passaram de consumidores passivos a produtores e
distribuidores da informação em forma de material multimédia. Deste modo, a escola é desafiada pelos
seus actores e pela sociedade digital a introduzir um conjunto de reformas em seus modelos educativos
no sentido de aproveitar as potencialidades das tecnologias digitais de informação e comunicação, as
quais permitem maior interatividade e aprendizagem colaborativa mesmo em mobilidade.
Em tempos de cibercultura, conceito entendido por Pierre Lévy como “conjunto de técnicas
(materiais e intelectuais), das práticas, das atitudes, das maneiras de pensar e dos valores que se
desenvolvem conjuntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 2000, p. 17), os professores
devem ser dinamizadores da inteligência coletiva, passando, como considera RAMAL (2002), pelo
gerenciamento de processos de construção cooperativa do saber, transformador de
grupos escolares heterogéneos em comunidades inteligentes, flexíveis, autónomos e
felizes, integrador de múltiplas competências dos estudantes com base em diagnósticos
permanentes, promotor de espaços e tempos de aprendizagem para além de sala de
aulas e estimular a comunicação interpessoal por meio da pluralidade de linguagens e
sinais (p.215).
A ecologia emergente testemunha um novo paradigma na escola, baseado na aparição de novas
configurações de relação de poder. Nestas relações, os alunos, que antes eram dominados pelo
professor que trazia o conhecimento e sabiam tudo, passam a ter um maior protagonismo pois os
jovens nativos digitais desenvolverem um verdadeiro caso de amor com as tecnologias digitais, e em
especial com as tecnologias digitais (PEREIRA, 2009).
Imersão cibercultural dos tutores
Uma das conquistas registadas dos últimos anos é a entrada de artefactos de comunicação,
utilizados e dominados pelos intervenientes da escola, desde alunos até aos gestores da escola passando
pelos professores. Alguns meninos e jovens, até do ensino primário, já possuem um nível de literacia
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Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
digital muito alto, pois passam muitas horas em jogos interactivos digitais, manipulam diversas
máquinas bastante inteligentes, fazem buscas de diversos conteúdos nas páginas da internet,
comunicam-se usando diversas plataformas interativas, entre as quais, o facebook e WhatsApp. São
potenciais ou utilizadores frequentes da internet. PRENSKY (2001) apelidou-os de “nativos digitais”
e os professores e demais educadores de “imigrantes digitais” por demostrarem imensas necessidades
de alfabetização em tecnologias para a comunicação e sua usabilidade pedagógica.
Na sociedade de informação os alunos e os professores não escapam à fronteira já delimitada
pelo acesso e uso das tecnologias. A fronteira a que nos referimos põe em um extremo (em muitos
casos longo) os professores em relação aos alunos, caraterísticas de falta ou insuficiência de habilidade,
conhecimentos e competências no uso de tecnologias.
No estudo realizado por Bento Silva e Gladis Falavigna sobre Temas Educacionais: Tecnologias,
Sustentabilidade, Docência e Recursos, analisam o fenómeno da cibercultura partido do pensamento de
Harasim.
Imaginem aprender com colegas, peritos e material didático que estão à sua disposição
sempre que queiram ou necessitem. Esses “colegas de classe” estão em Moscovo, na
Cidade do México, em Nova York, Hong Kong, Vancouver e Sidney. Procedem de
centros urbanos e de áreas rurais. E como vocês, nunca têm que sair de suas casas.
Estão todos aprendendo juntos não num lugar no sentido habitual, mas num espaço
comum, num ciberespaço, fazendo uso de sistemas de redes que conectam a gente de
todo o globo. Sua “aula” de aprendizagem em rede é em qualquer parte onde tenha
um computador pessoal, um modem e uma linha telefónica, antena parabólica ou
estação de rádio. Ligar se à rede converte o seu ecrã de computador numa janela ao
mundo da aprendizagem (HARASIM, 1996, citado em SILVA e FALAVIGNA, 2016,
p.12).
Nas escolas, o número de alunos usuários de dispositivos móveis digitais de informação e
comunicação subiu consideravelmente. Os artefactos comunicacionais digitais, como computador
portátil, smartphone e tablet com maior capacidade de conexão às redes WI-FI, que os alunos já usam,
são bastante inteligentes. Estes artefactos permitiram o aumento exponencial do fluxo transacional da
informação e mensagens entre os interlocutores por ser “substrato ideal para desenvolver sistemas de
interação hipermédia” (BIDARRA, 2009, p. 353).
No campo da educação, a escola é penetrada por dinâmicas comunicacionais acentuadas dos
seus atores que, concomitantemente, pertencem a uma teia de relações presentes numa sociedade de
informação. Em tempos de comunicação e mobilidade ubíqua, característicos da cibercultura, a escola
não pode estar em movimento contrário, precisa sim de perceber que se trata de um novo fenómeno
que se constitui como novo desafio à comunidade educativa.
Revista Lyalosho
54
As “barricadas” da imersão cibercultural dos docentes
O crescimento do ciberespaço, devido à descoberta da possibilidade de ligar demais pessoas em
tempo e espaços indefinidos com a descoberta da Internet e suas múltiplas funções por Tim Bernes
Lee, galvanizou um conjunto de transformações em muitos domínios, nomeadamente política, cultura,
economia, incluindo também a educação.
Os avanços da cibercultura e a vulgarização das TDIC rompem os “muros” da escola,
condicionando a reformar os seus modelos pedagógicos, onde os meios e estratégias de aprendizagem
são suportados em ambientes virtuais. BIDARRA (2009, p. 354). considera que “a aquisição de
conhecimento é hoje em dia sustentada em meios tecnológicos (…) multimédia ou hipermédia
caracterizados pela capacidade de integrar múltiplos media (…) e por permitirem comunicação em
rede.”
A evolução exponencial de artefactos de comunicação que interconectam e interrelacionam os
indivíduos na sociedade de informação ou em rede leva-nos a perceber que os conteúdos escolares já
deixaram de ser da pertença do professor transmissor, pois já estão acessíveis na rede mundial de
computadores.
As escolas e os professores precisam, com urgência, de desenhar e implementar um novo
modelo em substituição do modelo pedagógico baseado em paradigma epistemológico caracterizado
pela acumulação de conhecimentos, em que a pedagogia dominante se centra na transmissão de saber
do professor para um aluno receptor passivo, com aplicação de métodos passivos baseados na
reprodução. Essa nova pedagogia deve estar orientada para um paradigma em que os aprendentes
constroem os conhecimentos com a tutoria do professor, sendo que as competências requeridas sejam
de consciência crítica, capacidade de raciocinar e de transferência de conhecimentos de forma
independente para situações novas impostas pela vida quotidiana (OLIVEIRA, 2004). Este paradigma
mostra certo nível de desprendimento da dependência em relação à figura do professor. LÉVY (2000,
p. 168), testemunhando a necessidade de mudança de estilo de pedagogia de ensino e aprendizagem,
considera que o essencial reside num novo estilo de pedagogia que favorece ao mesmo tempo as
aprendizagens personalizadas e a aprendizagem cooperativa em rede em que o docente é chamado a
ser mais animador da inteligência coletiva dos seus grupos de alunos do que um distribuidor de
conhecimento.
Entretanto, estas mudanças bastante rápidas, típicas da comunicação no ambiente virtual,
surpreendem a escola e os seus atores, sobretudo os professores. Este fenómeno trazido pela
cibercultura “significa um novo desafio à educação, pelas suas potencialidades flexíveis e de
interconexão em escalas locais, regionais, nacionais e mundiais” (SILVA e PEREIRA, 2015, p.35).
Os obstáculos de adopção de práticas de ensino-aprendizagem em cursos EaD enriquecidas
pelas tecnologias em instituições educativas têm vindo a alimentar o interesse em pesquisas sobre as
novas abordagens para a Educação à Distância, em tempos de cibercultura e da mobilidade ubíqua.
55
Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
A imersão cibercultural dos docentes, referida em SILVA e PEREIRA (2015), tem importunado
pela falta de disponibilidade ou eficácia de recursos em contextos educativos, à rigidez da estrutura
organizativa escolar, de modelos curriculares e práticas enraizadas num paradigma da escola
transmissivo, à ausência de apoio às competências tecnológicas dos docentes, à falta de sensibilidade
e formação para uma pedagogia colaborativa, à rapidez de desatualização dos recursos e à evolução
tecnológica que exige uma formação contínua. Também GOMES (2005), por seu turno, enumera a
exigência de infraestruturas e suporte técnicos, a complexidade dos processos administrativos, a
necessidade de desenvolvimento de novas competências profissionais e do consequente
reconhecimento das mesmas como uma mais-valia do professor e da instituição de ensino/formação,
bem como a necessidade de disponibilizar online recursos e conteúdos pedagógicas como possíveis
estratégias de combate à exclusão digital.
Considerações Finais
A intenção de discutir e apresentar as possibilidades e obstáculos do uso das tecnologias digitais
de informação e comunicação em educação, em especial, na educação à distância dominaram a nossa
reflexão neste artigo, onde constatamos que:
O adentramento na área das telecomunicações de artefactos comunicacionais, nomeadamente,
computador portátil, smartphone e tablet, com maior possibilidade de conexão ao sistema de rede sem
fio (WI-FI), projetado por Tim Berners Lee com intenção de criar uma rede universal por meio da
tecnologia e a linguagem hipertextual, abre-se uma oportunidade de exploração da internet e seus
serviços, os quais permitem o acesso, criação conjunta e partilha de conteúdos média no ciberespaço,
que os internautas dispoêm quer na ubiquidade quer na mobilidade.
Os horizontes educacionais, com a descobertas de aplicações das tecnologias emergentes, da
informação e da comunicação, podem facilitar uma imersão cibercultural dos tutores,
proporcionando desta forma uma aprendizagem mais colaborativa e partilhada em substituição de
uma pedagogia centrada na comunicação de “um para muitos”, em que o tutor é quem decide o
ambiente, as estratégicas e os resultados de ensino e aprendizagem.
A estrutura curricular dos cursos leccionadados à distância deve-se enriquecer das descobertas
tecnológicas, típicas da nossa era civilizacional, para a redução das tamanhas distâncias transacionais,
típicas dos factores de ordem de espaço e tempo, passando para o efeito, pela flexibilização da
estrutura organizativa dos cursos, de modelos curriculares e práticas orientadas para uma pedagogia
mais colaborativa, acompanhada de treinamento dos recursos humanos para acompanhar as dinâmicas
tecnológicas.
Revista Lyalosho
56
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57
Uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação em Educação à Distân-cia: entendendo as possibilidades e
desafios dos tutores na Universidade Pedagógica de Moçambique
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http://www.portaldogoverno.gov.mz/docs_gov.
ESTUDO RELATIVO AO DOCUMENTO VÍDEO, COMO
INSTRUMENTO DE TRABALHO NO PROCESSO DE ENSINO E
APRENDIZAGEM DAS CIÊNCIAS
Marco Luís1
Resumo
Aborda-se a relevância do documento vídeo, como instrumento de trabalho no processo de ensino e aprendizagem das ciências, nomeadamente na modalidade de Ensino à Distância (EaD), a partir dos conceitos de Pedagogia, Bibliotecologia e Comunicação, sendo que este último insere-se num dos cinco grandes domínios de competências atinentes ao profissional bibliotecário, segundo o Euro-Referencial I-D (Informação- Documentação). Atende-se, ainda, ao estado da arte, no que a este aspecto diz respeito e ao contexto da República de Angola e das suas províncias, tendo sido desenvolvido um estudo de caso experimental na Escola Superior Politécnica de Malanje (ESPM), Instituição de Ensino Superior (IES) afecta à IV Região Académica e que se debate com a falta de salas de aula para alojar todos os seus alunos. O estudo em questão permitiu comparar os resultados académicos de três turmas: a) Turma Presencial; b) Turma Semi-Presencial e c) Turma à Distância.
Palavras-chave: Ensino Presencial; Ensino Semi-Presencial; Ensino à Distância.
Abstract
The study focuses on the relevance of video document as a teaching-learning tool for science education, particularly for distance learning, from concepts such as Teaching, Bibliotechology and Communication, the latter is part of one of the five main areas of expertise pertaining to the librarian, according to Euroguide ID (Information-Documentation). Attention was also paid to the state of the art distance learning concerning the Angolan and its provinces. An experimental case study was conducted at the Escola Superior Politécnica de Malanje (ESPM), Institution affected to the Academic Region IV. This academic region struggles with the lack of classrooms to accommodate all students. The present study helped compare the academic performance of three classes: a) Face-to-face Classroom; b) Blended Learning Classroom and c) Distance Learning Classroom.
Key Words: Face-to-face teaching; Blended Learning; Distance learning.
1 Doutorando do último ano do curso de Comunicação, Cultura e Artes, na Universidade do Algarve
(Portugal). Mestre em Ciências Documentais – Opção em Biblioteca e Documentação, pela Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais – Universidade do Algarve (Portugal). Técnico Superior de Documentação e
Informação, na Câmara Municipal de Torres Novas (Portugal). E-mail: [email protected]
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Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
1. INTRODUÇÃO
A última crise vivida pela República de Angola data de, há cerca de, uma década, quando se
assistiu, então, a um fenómeno de descontentamento popular, quase generalizado, pelas fracas
condições de vida da população. Em 2015, e desde meados do ano de 2014, uma nova crise foi
despoletada, pois que os produtos petrolíferos constituem, maioritariamente, a grande moeda de troca
de Angola, para com o Mundo.
No início do mês de Agosto de 2015, o País vivenciou um período de indefinição, uma vez que
havia a perspectiva dos quadros estrangeiros abandonarem, em massa, a República, numa “fuga” de
cérebros apenas comparável à, então, verificada nos idos de 1974/76 do século passado, aquando da
independência angolana. A situação de agora verificou-se devido à escassez de dólares no mercado
nacional, fruto exactamente da queda generalizada do preço do barril de petróleo. É de referir que
Angola vem necessitando, desde há já bastantes décadas, do apoio muito substancial de quadros
cubanos, os quais permitem o funcionamento de hospitais, escolas (de todos os níveis de ensino),
ministérios, centros de investigação, fazendas, algum comércio mais especializado, etc. Assim, houve
a necessidade de se publicar o Decreto Presidencial n.º 158/15, de 17 de Agosto, o qual aprovou a
abertura de um crédito adicional no valor de 6.679.490.366,00 Kwanzas para o pagamento de despesas
relativas a contratos assinados com a empresa cubana ANTEX que gere a contratação de quadros
daquele país centro-americano, ao largo do Golfo do México.
Dir-se-á que Angola atravessará uma crise económica, financeira e cambial – portanto de
números –, consoante o preço do barril de petróleo atinja valores maiores ou menores na praça de
Londres, a qual serve de referência à matéria-prima angolana. Deve, contudo, realçar-se que
praticamente desde meados de Março de 2016, o País tornou-se o principal produtor de petróleo em
África, ultrapassando a Nigéria; situação que ainda se verifica, amiúde. Ainda assim, esta crise é,
igualmente, de crescimento. De um crescimento que já foi muito significativo no continente e, quiçá,
no próprio contexto mundial, pese embora o seu claro desaceleramento actual, até à recessão.
Reclama-se, deste modo, uma mais eficaz e eficiente racionalização dos seus recursos (naturais,
financeiros, materiais, logísticos e humanos), bem como a recalendarização das principais obras do
Estado Angolano, numa perspectiva de melhores dias da Economia Mundial e de novas
apostas/oportunidades de relançamento da própria Economia Nacional, a qual, todavia, vem dando
alguns sinais – embora muito ténues – de alguma melhoria.
Como é, também, de uma crise de crescimento que se trata, a esmagadora maioria dos
angolanos, independentemente do seu género, idade, credo religioso, ideologia política ou outra forma
de distinção julga realizar um curso superior, como via – praticamente única – de melhorar a sua
delicada condição sócio-económica e, assim, poder “fugir” a uma pobreza que afecta milhares de
angolanos pouco alfabetizados, num País onde o salário mínimo nacional ronda os 15 mil kwanzas e
a inflação é galopante, a cada mês. Neste sentido, as Instituições de Ensino Superior (IES) são, uma
Revista Lyalosho
60
vez mais, chamadas à resolução dos principais problemas da sociedade, como agentes educativos de
base empreendedora e matriz de inovação, desenvolvimento e extensão, na busca de soluções
mitigadoras desta crise, nos desafios inerentes a uma Universidade moderna, actual e actuante.
A formação de quadros de nível superior constitui um alto desígnio da Nação, estando inscrita
em diversos documentos orientadores, tais como o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
2013/17 ou a própria Estratégia Angola 2025, por exemplo, como instrumentos macro mais
significativos, nas suas quatro dimensões do fenómeno educativo: (1) Dimensão Pedagógica; (2) D.
Tecnológico-Científica; (3) D. Ética e (4) D. Social, tal como refere Figueiredo (2009). No entanto, a
“equação” afigura-se como sendo de difícil resolução, uma vez que o número de candidatos ao Ensino
Superior é – ano após ano –, invariavelmente, muito superior ao número de vagas, num claro
desequilíbrio entre oferta educativa e procura, por parte dos candidatos aos cursos ministrados pelas
IES em Angola. Assim, no sentido de se obstar a esta situação problemática decorreu, desde 2014, um
estudo de caso pioneiro em Angola, concretamente na Escola Superior Politécnica de Malanje
(ESPM), cuja questão investigativa de partida foi entroncar naquela problemática e que se traduziu na
seguinte questão:
Poderá existir, em Angola, um Ensino Superior de qualidade, através do recurso à modalidade
de Ensino à Distância (EaD)?
As muitas dúvidas prendem-se com a qualidade do próprio Ensino Presencial em Angola.
Repare-se que, na lista das 100 melhores IES africanas, não consta qualquer uma de Angola,
contrariamente ao que sucede com Moçambique e Cabo Verde, por exemplo; países que se tornaram
independentes no mesmo ano e que parecem estar um pouco mais avançados nesta importante área
da sociedade e do desenvolvimento.
A resposta àquela questão não é fácil de ser dada, conforme o atestam os comunicados do
Ministério do Ensino Superior (MES), através do seu Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e
Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES) e também do Gabinete da Secretaria
de Estado do Ensino Superior para a Inovação, com datas de 22 de Julho e de 24 do mesmo mês do
ano de 2015, respectivamente, corroborando o mesmo teor e informando todos os cidadãos da
ilegalidade de funcionamento da, denominada, “Faculdade Angolana Online”, alertando-se que todos os
actos, benefícios e títulos decorrentes do funcionamento desta serão nulos e sem qualquer validade
para efeitos académicos. De facto, em Angola, apenas o Ensino Presencial (EP) era reconhecido e
aceite, até ao dia 07 de Outubro de 2016, altura em que foi publicada a nova Lei de Bases do Sistema
de Educação e Ensino (Lei n.º 17/16, de 07 de Outubro), a qual faz apelo explícito, como modalidades
diferenciadas de ensino, à Educação à Distância, ao Ensino Semi-Presencial e, ainda, ao Ensino
Especial e à Educação Extra-Escolar.
61
Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
O estudo de caso que decorreu na ESPM e que foi apresentado publicamente, nos seus
resultados preliminares, na I Conferência Internacional sobre o Papel da Universidade em Tempo de Crise que
decorreu na Faculdade de Medicina de Malanje, no dia 16/10/2015, assim como, em 2016, e numa
fase ainda mais adiantada da pesquisa, de 25 a 27 de janeiro, na Conferência da Sociedade Portuguesa de
Ciências da Educação, no Centro Cultural de Belém e na Universidade Lusófona, em Lisboa. Para, de 04
a 05 de fevereiro de 2016, ser apresentado nas X Jornadas do Centro de Investigação em Artes e Comunicação
(CIAC), da Universidade do Algarve, antes da sua defesa final – em sede do cumprimento de prova
doutoral – teve como objectivos gerais os seguintes:
1) Compreender a importância do EaD, por comparação com o EP, no sucesso escolar dos
alunos;
2) Avaliar quais os melhores protocolos, em termos de eficácia e eficiência, a serem
implementados no EaD.
Como objectivos específicos houve que distinguir os seguintes:
1.a) Ilustrar o que se entende por EaD e EP;
1.b) Reconhecer o(s) mérito(s) da sala de aula;
1.c) Traduzir o efeito “sala de aula”;
1.d) Expressar as relações existentes entre professor/aluno, no processo de ensino-
aprendizagem;
1.e) Representar ambos os ensinos (EaD e EP).
2.a) Desenvolver um projecto de documentação visual dos conteúdos;
2.b) Formular hipóteses investigativas;
2.c) Argumentar teorias;
2.d) Validar estudos que se apliquem ao contexto angolano;
2.e) Verificar a especificidade do contexto angolano;
2.f) Propor relações entre “sala de aula real” e “sala de aula virtual”;
2.g) Contrastar método de ensino tradicional, com método de ensino à distância;
2.h) Comparar os resultados do EaD, com os do EP.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
O Ensino Superior na província de Malanje iniciou-se no ano de 2009, através do Decreto n.º
05/09, de 07 de Abril que permitiu a deslocalização e descentralização da Universidade Agostinho
Neto (UAN), até então única IES pública da República de Angola, criando-se sete Regiões Académicas
– actualmente são oito – (Luís, 2013; Kose, 2015). Com a entrada em vigor desta importante legislação,
nesse mesmo ano (2009), entrou em funcionamento, na IV Região Académica – que engloba as
províncias da Lunda Norte, Lunda Sul e Malanje – a Faculdade de Medicina de Malanje, como Unidade
Revista Lyalosho
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Orgânica afecta à Universidade Lueji A’Nkonde (ULAN). Dois anos mais tarde, já em 2011, surgiu
no panorama da extensa província malanjina a, então, denominada Coordenação dos Cursos de
Licenciatura em Ciências da Educação que deu origem à actual ESPM, com os cursos bi-etápicos
(Bacharelato + Licenciatura) de Pedagogia e de Ensino da Matemática, inicialmente. A ESPM
começou por funcionar no antigo Liceu Sagrada Esperança, numa coabitação com a Faculdade de
Medicina, detentora do espaço. Cerca de dois anos passados, tornou a partilhar instalações, desta vez
do outro lado da rua, com a Escola Amílcar Cabral, Instituição de Ensino Secundário. Novamente,
cerca de dois anos decorridos, a ESPM torna a mudar de instalações, desta vez ocupando duas escolas
primárias construídas de raiz e colocadas à sua disposição pelo Governo Provincial de Malanje, agora
já sem partilha de instalações com qualquer outra instituição. Esta nova “casa” da ESPM possui
dezasseis salas de aula, com uma lotação máxima de quarenta e cinco estudantes, cada, mas a
Instituição entretanto cresceu e, em dois períodos (laboral e pós-laboral), alberga já cinco cursos e
mais de dois mil alunos, pelo que as insuficiências constituem um facto que, a cada ano, é agravado.
No entanto, se se quiser falar em EaD, como forma de ajudar a resolver o problema do elevado
número de estudantes versus baixo número de salas de aula deve entender-se primeiramente que, na
actualidade, alguns alunos já o praticam, embora inconscientemente, pois que, por motivos
profissionais e mesmo pessoais, vêem-se muitas vezes privados da frequência às aulas, solicitando
justificação de faltas e, consequentemente, acesso às provas de frequência (parcelares) e de exame.
Sucede que todo o EaD é concebido como uma forma autodidáctica e individual do aluno obter
informação e, mais tarde, conhecimento, assente numa determinada lógica ou estratégia
comunicacional, entendendo-se por comunicação a «[…] passagem do individual ao comum. A palavra
latina que lhe deu origem, communis (que significa “ comum”), sugere-nos […] que só há comunicação
quando a informação tem um significado comum para […] emissor e recetor.» (PARAFITA, 2012:
22). Se por “emissor” se designar o professor e por “receptor” o aluno, Sangrà Morer (2004) exorta
aqueles a explorarem mais o potencial pedagógico das novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC), nomeadamente no processo de ensino-aprendizagem, até porque como
constatou Morgado (2004), apoiada nos estudos de Keegan (1996) o EaD baseia-se na separação de
dois actos: o de ensinar, por um lado, e o de aprender, por outro, mediados ambos pela componente
tecnológica. E é precisamente aqui, na tecnologia, que o acto se torna mais fragmentado, podendo
encarecer financeiramente todo o processo, uma vez que se distribui por diversos actores, desde logo
o consultor científico (como o criador dos conteúdos), mas igualmente os tecnólogos educativos, os
designers dos sistemas (plataformas) e, ainda, o(s) tutor(es). Porém, Manuel (2014: 13), baseado em Lima
& Capitão (2003), Singh (2003) e Marques (2011) alerta que «Apesar do crescimento vertiginoso dos
cursos em regime de e-learning, tem-se verificado que grande parte deles consiste na transposição para
o ensino a distância online dos conteúdos preparados para o ensino presencial», o que poderá desvirtuar
esta modalidade de ensino.
63
Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
Dentro da modalidade de EaD existem diversas outras sub-modalidades, sendo que, hoje em
dia, a mais utilizada em todo o mundo, beneficiando dos avanços frequentes das TIC, será
precisamente o e-learning que pode apresentar os conteúdos de modo visual, sonoro ou ambos,
combinando-os, normalmente com recurso a uma boa ligação à Internet, pressupondo desde logo
adequadas condições (tecnológicas, financeiras e educacionais). Ainda assim, segundo Sangrà Morer
(2004) devem distinguir-se três tipos de modelos pedagógicos: (1) Centrado no Professor; (2) Centrado
no Aluno e (3) Centrado nos Recursos.
Portanto, o “poder absoluto”, atribuído à sala de aula, enquanto ambiente propiciador de novas
aprendizagens e conhecimentos pode e deve ser (re)pensado e, mesmo, questionado, como o fez, por
exemplo, Libâneo (1994), ao valorizar a sala de aula, sim, como meio educativo, mas com a estrita
finalidade de formar e enformar as qualidades positivas e de personalidade dos alunos. Numa outra
linha de pensamento, quiçá aprofundando um pouco mais a questão, Piletti (2010: 242) afirma que
«[…] a sala de aula é somente um “quartel-general para a aprendizagem”, e quanto mais entrarem nela
experiências da vida […], tanto melhor para a aprendizagem.», o mesmo acrescentando na mesma
página e fonte que «a sala de aula é o lugar em que a aprendizagem é apenas organizada de modo a
tornar-se livre em outros ambientes.» Então, poderá inferir-se do atrás enunciado que a sala de aula
constitui um lugar de excepção. Contudo, o simples facto de aí se estar, fisicamente, poderá ter o
mesmo valor, para a aprendizagem, do inverso; ou seja, de não se estar. O documento-vídeo (vulgo
documentário) da sala de aula deverá enformar a segunda questão com que o investigador deverá
preocupar-se, entrando-se na discussão do “presencial” e do “não presencial” ou, ainda, do “semi-
presencial”. Para Amante, Mendes, Morgado & Pereira (2008), citando Morgado (2004), a sala de aula
virtual possui um espaço, tempo e contornos sociais muito diferenciados da sala de aula presencial,
ganhando esta na sua dimensão sócio-morfológica, mas perdendo para aquela, em larga escala, no
binómio espácio-temporal. Por outro lado, Levy (1999) explica, citado pelos mesmos autores e na
mesma obra, que:
[…] nas comunidades virtuais de aprendizagem o vínculo social é construído através
da relação com o conhecimento. Se um aluno não participar nas aulas presenciais, isso
pode ser notado, mas não é por isso que deixa de se sentir aceite ou pertencente àquele
grupo/turma, já que existem outros contextos de interacção extra-aula. Numa
comunidade virtual de aprendizagem, não participar ou participar pouco nas
actividades significa não se tornar visível, ou seja significa não se integrar naquela
comunidade de aprendizagem. E é através da participação nos foruns, nos chats, etc.,
que o estudante virtual assume uma identidade dentro daquele grupo e adquire o
sentimento de pertença ao mesmo. (Amante, Mendes, Morgado & Pereira, 2008: 107-
108)
Entretanto, «Cada vez mais tomamos consciência que ensinar e aprender, hoje, é algo que não
se circunscreve a um espaço e a um tempo determinados.» (AMANTE, MENDES, MORGADO &
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PEREIRA, 2008: 106). Quererá isto significar que, no passado, num tempo já bastante mais remoto e
completamente ausente das novas TIC privilegiavam-se, porventura em demasia, duas variáveis
(tempo e espaço), assumindo-se que eram dependentes da sala de aula física, enquanto esta seria a
variável independente.
Marconi & Lakatos (2010) definem uma “variável independente” como a “antecedente” e a
“variável dependente” como a “consequente”, consistindo esta nos fenómenos, factores ou
comportamentos a serem explicados por aquela, em virtude da sua influência. Estas variáveis, umas e
outras, adquirem valor próprio para a investigação, quando se cruzam, relacionando-se entre si, ao
fazerem parte de uma hipótese ou teoria que o investigador pretende validar como proposição
verdadeira. Ainda assim, Libâneo (1994) atribui à sala de aula convencional, física, a via indirecta de
percepção do conhecimento, por oposição à via directa da observação/experimentação in loco, variada
e, obviamente, também mais rica, mas igualmente menos frequente, por variadíssimas razões, de que
são exemplos os recursos financeiros, os objectivos do docente, as condições e os meios didácticos
disponíveis, a natureza do assunto a abordar ou, ainda, a especificidade de cada matéria do programa
ou dos curricula. Entra-se, aqui, naquilo a que a Lei n.º 17/16, de 07 de Outubro designa por “Educação
Extra-Escolar”, como outra modalidade de ensino, transversal a todos os subsistemas de ensino
angolano. No mesmo sentido, também Freire (2011: 75) alertava:
Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a
impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se
misteriosamente, de repente, nada tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e
distante mundo, alheado de nós e nós dele.
Assim sendo, o papel do professor jamais poderá ou deverá ser alienado ou negligenciado,
contudo poderá vir a ser potenciado, através do conceito de uma Pedagogia dos Media, atinente às
novas TIC, conforme o refere Reia-Baptista (2008, 2009). Esta Pedagogia dos Media, segundo este
autor, inclui imprensa, rádio, cinema e televisão e pressupõe 3 Dimensões-chave, naquilo a que se
designa pelos 3Cs: (1) Dimensão Cultural; (2) Dimensão Crítica e (3) Dimensão Criativa, em
detrimento da «[…] recepção meramente perceptiva, consumista e alienatória, assente em mecanismos
de referenciação automática […].» (REIA-BAPTISTA, 2009: 389), tão comum no ensino presencial.
Deste modo, as pessoas tornam-se mais activas na apropriação que farão dos conteúdos pedagógicos
ou didácticos e menos passivas.
Este conceito de Pedagogia dos Media liga-se a um outro: o de Literacia dos Media que, como
identifica o mesmo Reia-Baptista (2009: 386) «um dos principais problemas neste contexto [referindo-
se o autor aos fenómenos de ensino e aprendizagem] de explicitação informativa é o da credibilidade
dos conteúdos e das suas fontes, designadamente […] na Internet.» Então, nesse caso, muitos
estudantes já hoje em dia assumem a sua aprendizagem como centrada em si mesmos, numa espécie
de auto-ensino, muito próximo da heutagogia, quando realizam aleatoriamente as suas pesquisas nos
motores de busca da Internet, desconhecendo a credibilidade, assim como as motivações dos autores
65
Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
de tais conteúdos, numa forma – também ela – de EaD, apesar de muito involuntário. Convirá ainda
acrescentar, como subsídio para a questão, o que se entende por Bibliotecologia, numa relação com a
Biblioteconomia similar à da Pedagogia com a Didáctica. Deste modo, por Bibliotecologia deve
entender-se não apenas uma difusora de conteúdos, mas igualmente uma sua produtora, cabendo aqui
a produção do documento-vídeo das aulas dos docentes. Como lastro para tal pensamento está o Euro-
Referencial I-D (2005), o qual preconiza para a carreira do profissional bibliotecário cinco ramos: 1)
Informação; 2) Tecnologias; 3) Comunicação; 4) Gestão e 5) Outros saberes. De referir também que,
por sua vez, estes cinco ramos-base sub-dividem-se, depois, por mais 33 áreas de especialização.
3. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Fez-se referência ao estudo que foi realizado, desde 2014, na ESPM, culminando já em
Novembro de 2015 e cujos resultados foram os seguintes:
Revista Lyalosho
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Pelo exposto, infere-se imediatamente que a procura tem sido largamente superior à oferta,
sendo que em 2012 – segundo ano de actividade da ESPM – houve uma aproximação entre
“Candidatos” e “Admitidos”, com a Taxa de Sucesso na Admissão (TSA) à ESPM a ser de 58,91%.
Já em 2013 verificou-se que esta Taxa tinha decrescido, abruptamente, para 17,29%. Em 2014 a TSA
voltou a subir para o dobro, ficando-se pelos 32,52%. E em 2015, a TSA tornou a diminuir
drasticamente, para o mínimo histórico de 11,07%. Curiosamente, em 2015, a ESPM abandonou –
embora não totalmente – as antigas instalações que partilhava com a Escola Amílcar Cabral, de Ensino
Médio, ocupando novas instalações, as quais já possuem a sua capacidade de ocupação, como se pode
observar, esgotada. Neste momento, a ESPM possui cinco cursos de Licenciatura, tendo no ano de
2015 concorrido aos bancos da Instituição um total de 2.575 candidatos, tendo ingressado no 1.º ano
apenas 285 estudantes, conforme a Tabela n.º 1 o ilustra; ou seja, cerca de 11% do total de candidatos,
o que constitui uma taxa muito baixa de ingresso no Ensino Superior, defraudando-se assim as naturais
expectativas de todos quantos vêm terminando o Ensino Médio e pretendem prosseguir estudos a
nível superior, tendo de o fazer, provavelmente, em outras províncias, onde o panorama será, no
entanto, muito semelhante. Também o Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ), decorrente
do pLano Nacional de Desenvolvimento 2013/17 e da “Estratégia Angola 2025” ficam
comprometidos com tão baixas taxas de admissão.
Para esta situação concorre, em muito, o escasso número de salas de aula de que dispõe a ESPM,
com um total de apenas dezasseis salas de aula, funcionando a mesma nos regimes diurno ou laboral
67
Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
(horário das 07h00 às 12h25) e nocturno ou pós-laboral (horário das 17h30 às 22h25), de 2.ª feira a
sábado (aqui o horário é apenas das 07h00 às 12h25), rendibilizando-se assim, e ao máximo, os parcos
recursos existentes. Igualmente a obrigatoriedade do Ensino Presencial até ao Ano Académico de
2016 não beneficiava os candidatos.
Ainda assim, Figueiredo (2009) classifica os modelos pedagógicos em três grandes categorias:
(1) Modelo Presencial; (2) Modelo Combinado e (3) Modelo à Distância, prevendo Sangrà Morer
(2004) que o modelo do futuro será o Combinado; ou seja, o Semi-Presencial que combina as virtudes
da presença na sala de aulas, com a dinâmica de um espaço e tempo à medida do aluno.
A sala de aula virtual – que se deve caracterizar pela comodidade, distância e partilha e, da qual,
diversos autores abordam, com maior ou menor entusiasmo – não pode, porém, ser implementada
(ainda) no actual contexto da República de Angola; pelo menos, ao nível das províncias do interior,
onde os serviços de Internet para além de serem bastante onerosos são, igualmente, de muito difícil
acesso. O que fazer, então, nestas circunstâncias?
O investigador procedeu, então, a um inquérito preliminar, na sua forma escrita de questionário,
a uma amostra de 49 estudantes da Instituição em causa (ESPM), tanto do período laboral, como do
pós-laboral, com idades compreendidas entre os 19 e os 45 anos e dos cinco cursos aí leccionados e
descobriu que todos (100,00%) possuem pelo menos um telemóvel, sendo que destes cerca de metade
(44,90%) possui a funcionalidade de “correr” vídeos. Por outro lado, cerca de 1/3 (mais precisamente
27,66%) ainda não têm acesso a um computador pessoal. A este respeito, o estudo de Manuel (2014),
realizado no sul de Angola (Huíla), indica que a maioria dos estudantes daquela província (67,00%)
não dispõe, ainda, de Internet própria, recorrendo aos serviços dispendiosos de cibercafés. Munido
daqueles dados, o investigador registou em 3 vídeos, passíveis de serem lidos em telemóveis, os
conteúdos de uma das disciplinas que lecciona (Cadeira semestral de Documentação e Informação),
utilizando-os na formação de três grupos de análise: (1) Turmas de Intervenção (TI) e (2) Turma de
Controlo (TC). Dentro destas, as duas TI foram subdividas entre aquelas que apenas tiveram acesso
aos vídeos das aulas e ao Power Point (TI1: correspondendo à Turma à Distância) e as que, para além
destes materiais tiveram também acesso às aulas presenciais (TI2: correspondendo à Turma Semi-
Presencial). A TC (Turma Presencial) teve acesso unicamente às aulas, sem qualquer outro tipo de
intervenção. Para além dos 3 vídeos, o Docente/Investigador elaborou também um documento Power
Point com 78 slides de apoio que colocou à disposição daquelas duas turmas de intervenção. Assim
sendo, considerou-se a seguinte hipótese:
H1 – Se alunos sensivelmente com a mesma idade (faixa etária entre os 19-54 anos de idade);
mesmo nível habilitacional (12.ª Classe); mesmo conteúdo programático e meio familiar semelhante
forem submetidos a um método de ensino não convencional (EaD), então apresentarão resultados
académicos inferiores aos submetidos ao ensino tradicional (EP).
Revista Lyalosho
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Os instrumentos de pesquisa a considerar foram cinco: a) fontes documentais; b) produção do
documentário vídeo produzido nas salas de aula, sua respectiva utilização e Power Point; c) observação
directa e participante; d) entrevistas semi-estruturadas a focus groups e aos intervenientes na experiência
e e) inquirição por questionário directo.
Os resultados na Turma Presencial foram, então, os seguintes:
N.º de Alunos na 1.ª Avaliação: 56
N.º de Alunos na 2.ª Avaliação: 56
N.º de Alunos Dispensados ao fim de 2 avaliações (média igual ou superior a 14
valores): 19
N.º de Alunos Reprovados ao fim de 2 avaliações: 0
Média da 1.ª avaliação: 13,13 Valores
Média da 2.ª avaliação: 10,28 Valores
Os resultados na Turma Semi-Presencial foram os seguintes:
N.º de Alunos na 1.ª Avaliação: 60
N.º de Alunos na 2.ª Avaliação: 58
N.º de Alunos Dispensados ao fim de 2 avaliações (média igual ou superior a 14
valores): 30
N.º de Alunos Reprovados ao fim de 2 avaliações: 1
Média da 1.ª avaliação: 10,42 Valores
Média da 2.ª avaliação: 15,88 Valores
Os resultados da Turma à Distância foram os seguintes:
N.º de Alunos na 1.ª Avaliação: 41
N.º de Alunos na 2.ª Avaliação: 38
N.º de Alunos Dispensados ao fim de 2 avaliações (média igual ou superior a 14
valores): 9
N.º de Alunos Reprovados ao fim de 2 avaliações: 3
Média da 1.ª avaliação: 9,95 Valores
Média da 2.ª avaliação: 12,90 Valores
Os resultados obtidos traduzem uma dificuldade, já esperada, da Turma à Distância,
confirmando-se a hipótese entretanto elencada, com apenas 23,68% (isto é,cerca de 1/4) dos alunos
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Estudo Relativo ao Documento Vídeo, como Instrumento de Trabalho no Processo de Ensino e Aprendizagem das Ciências
a dispensarem à Cadeira, enquanto na Turma Semi-Presencial um pouco mais de metade dos alunos
(51,72%) atingiu esse desiderato. Pelo meio, a Turma Presencial atingiu os 33,93% (cerca de 1/3) de
dispensados, ao fim de duas provas de avaliação de conhecimentos. Todavia, os mesmos resultados
também fazem crer que, apesar das dificuldades, é possível obter-se sucesso através do EaD,
eventualmente melhorando os materiais colocados à disposição dos alunos e incrementando nestes
uma nova mentalidade ou filosofia de trabalho, uma vez que esta modalidade de ensino é
substancialmente mais exigente para o aluno, levando-o a um maior esforço de procura e conjugação
da informação, por vias de visitas a bibliotecas, reuniões com especialistas, etc.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS/CONCLUSÕES
Nenhum Sistema Educativo é perfeito, conseguindo responder, a cem por cento, a questões tão
pertinentes quanto as do sucesso escolar ou a outras, como as da aptidão ou inaptidão de certos
agentes educativos (docentes, alunos, famílias, …); ou, ainda, ao abandono precoce ou desistência
escolar; ou, ainda, mesmo ao rácio entre o número de vagas disponíveis em cada IES e o número de
candidatos.
No final da experimentação que decorreu em Malanje, contribuiu-se para a abertura do debate
em torno do EaD, o qual (no passado) foi sendo, invariavelmente, “diabolizado” em Angola, até se
chegar à Lei n.º 17/16, de 07 de Outubro que advoga o EaD, tal como o Semi-Presencial, podendo
desta forma contrariarem-se as expectativas mais pessimistas que fazem supor que a TSA na ESPM
seja cada vez mais reduzida, com o decorrer dos anos e, mesmo, já nula ou muito próximo disso no
final da década, pois que, em 2016, houve 1.935 candidatos para 320 vagas, o que levou a que apenas
16,54% dos candidatos conseguisse entrar para o 1.º ano na ESPM.
Por outro lado, para que a metodologia de EaD possa constituir-se como uma boa ou eficaz e
eficiente solução e possa ser implementada sem quaisquer preconceitos, na Província e no País, terá
sempre de se impor a vigilância apertada desta modalidade de ensino, até porque o objectivo final será
sempre o de alcançar uma superior qualidade na formação de quadros superiores da Nação Angolana;
afinal, a exemplo do que já sucede em diversos países do mundo, como o Brasil, Argentina, Espanha,
Canadá, Portugal e um pouco por todo o mundo, com equipas pluridisciplinares que incluem
professores, informáticos e bibliotecários, como mediadores de todo o processo de ensino e
aprendizagem. Ainda assim, parece ter “pesado” na equação a crise para que o MES possa ter apostado
no EaD, em detrimento do inicialmente cogitado, como a construção de salas de aula pré-fabricadas,
em detrimento das tradicionais, para obstar à necessidade de estruturas das IES, o que rompia com
argumentos como a “dignidade” do mesmo Ensino Superior, numa mudança de paradigma,
aparentemente conjuntural, mas que só o futuro poderá confirmar ou rejeitar.
Revista Lyalosho
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