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GUSTAVO DA FROTA SIMES
TURBULNCIA POLTICA INTERNA E POLTICA
EXTERNA DURANTE O GOVERNO CASTELLO
BRANCO (1964-1967)
BRASLIA
2010
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAOEM RELAES INTERNACIONAIS
TURBULNCIA POLTICA INTERNA E POLTICA
EXTERNA DURANTE O GOVERNO CASTELLO
BRANCO (1964-1967)
Dissertao de Mestrado apresentada comorequisito parcial para a obteno do ttulode Mestre em Relaes Internacionais, reade concentrao Histria das RelaesInternacionais, pelo Instituto de RelaesInternacionais da Universidade de Braslia,elaborada por Gustavo da Frota Simes, sob
orientao do Professor-Doutor EstevoChaves de Rezende Martins.
BRASLIA
2010
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GUSTAVO DA FROTA SIMES
Comisso Examinadora
___________________________________________________
Prof. Dr. Estevo Chaves de Rezende Martins
(IREL-UnB Orientador)
___________________________________________________
Prof. Dra. Elizabete Sanches Rocha (Unesp)
___________________________________________________
Prof. Dr. Antnio Jos Barbosa (IH-UnB)
___________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Lessa (IREL-UnB Suplente)
Braslia, 11 de Maro de 2010.
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O historiador e o poeta no se distinguem um do outro pelo
fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso.
Diferem entre si porque um escreveu o que aconteceu e o outro
o que poderia ter acontecido.
Aristteles
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DEDICATRIA
A minha me pelo incentivo e carinho demonstrados por
toda a minha vida. A Bernardo Simes pelo apoio nosmomentos difceis e por me ensinar o valor da palavra
irmo, e ao meu pai, que nunca poupou esforos no
sentido de me conceder a melhor educao possvel.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Estevo Chaves de Rezende Martins, cujos comentrios e correes
permitiram que este trabalho pudesse ser concludo da melhor forma possvel. Sempre
gentil e atencioso em nossos encontros, permitiu-me trabalhar da maneira que desejei.
Ademais, agradeo a presteza com que sempre devolveu o trabalho corrigido e
comentado, nos mnimos detalhes, de maneira rpida e eficiente. Minha escolha de
orientador no poderia ter sido melhor.
Aos professores e funcionrios do Instituto de Relaes Internacionais, que sempre me
trataram de forma cordial e deram inmeros conselhos para que este trabalho fosse
realizado de forma exemplar. Em especial, agradeo a Odalva, funcionria da Ps-
Graduao de Relaes Internacionais, pelo excelente trabalho e simpatia com que
sempre me tratou.
Aos funcionrios da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pela presteza nas
informaes e cordial atendimento durante minha pesquisa. Aos funcionrios da
Biblioteca do Senado, pelo eficiente atendimento.
Aos amigos que tive a oportunidade de fazer desde a chegada a Braslia. Em especial,
aos colegas da Ps-Graduao Juliano Cortinhas, Tas Julio, Leandro Couto, Diego
Trindade, Helio Maciel, Vicente Costa e Renata Humann pelos comentrios acerca de
trabalhos acadmicos ou pela participao sempre entusiasmada nos churrascos da
turma.
A meu colega de casa Eduardo Pareja, companheiro nas tardes futebolsticas pelo Brasil
afora; mais que um simples roommate, foi um amigo. Agradeo por seus conselhos
sempre carregados de maturidade.
A meus amigos do Rio de Janeiro Eduardo Morais, Marcus Roriz, Gabriel Areal,
Ricardo Treu, Pedro Derbli, Joo Rua, Paulo Mostardeiro e Rafael Feijo, pela
oportunidade de a cada dois meses reencontr-los. Nossas sadas me deram o nimo
necessrio para continuar nesta rdua jornada.
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RESUMO
O objetivo desta dissertao compreender a poltica externa exercida pelo governoCastello Branco nos anos de 1964-1967. Ainda muito pouco estudado no campo das
relaes internacionais, o perodo importante por se tratar do primeiro governo militar
aps o golpe de 1964. So poucas as pesquisas que abordam de forma imparcial e sem
preconceitos esse perodo. Foi analisada a poltica interna do pas para compreender de
que modo ela repercutiu na esfera externa. Nesse sentido, adotou-se o modelo terico de
Robert Putnam, que estuda a conexo entre poltica domstica e poltica externa. Foi
realizada uma pesquisa em peridicos da poca, assim como na documentao
encontrada no acervo histrico do Itamaraty em Braslia.
Palavras-chave: Relaes Internacionais do Brasil. Governo Castello Branco. Histria
da Poltica Externa Brasileira.
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ABSTRACT
The objective of this thesis is to understand the foreign policy adopted by the CastelloBrancos Administration during the years 1964-1967. This period is scarcely studied in
the field of international relations and it is important because it is the first government
after the military coup. There are only a few researches that characterizes this
government in a neutral and impartially way. The domestic politics were analyzed in
order to see how it affected the foreign policy. Therefore, was adopted the theoretical
model created by Robert Putnam, that analyzes how domestic politics affects the foreign
policy. A research was made in the periodicals of that period, as well as the
documentation found in the Itamaraty Palace (Ministry of Foreign Affairs) historical
collection in Braslia.
Keywords: Brazilian international relations; Castello Brancos administration; history
of Brazilian foreign policy.
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LISTA DE SIGLAS
ADEP Ao Democrtica Popular
AG Assemblia-Geral (AG)CGT Central Geral de Trabalhadores
CIE Conferncia Interamericana Extraordinria
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea (CPDOC)
CPI Comisso Parlamentar de Inqurito
ESG Escola Superior de Guerra
FIP Fora Interamericana de Paz Permanente
IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos SociaisJK Juscelino Kubitscheck
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
OEA Organizao dos Estados Americanos
OIC Organizao Internacional do Comrcio
ONU Organizao das Naes Unidas
PSD Partido Social Democrtico
PLE Partido Liberal Evolucionista
PEI Poltica Externa Independente
PR Partido da RepblicaPRP Partido Republicano Progressista
RFA Repblica Federal da Alemanha
RPC Repblica Popular da China
SNI Servio Nacional de Inteligncia
SUPRA Superintendncia para a Reforma Agrria
UCN Partido da Unio Cvica Nacional
UDN Unio Democrtica Nacional
UnB Universidade de BrasliaUNCTAD Conferncia da ONU sobre Comrcio e Desenvolvimento
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SUMRIO
Resumo
Abstract
Lista de Siglas
INTRODUO 11
CAP TULO I. TURBUL NCIA POL TICA INTERNA 15
1.1. Introduo 15
1.2. Um Pas Beira do Caos 17
1.3. A Aliana Civil-Militar 24
1.4. A Queda de Goulart 29
CAPTULO II. A POLTICA EXTERNA DO GOVERNO CASTELLO
BRANCO NO CONTINENTE AMERICANO
36
2.1. Introduo 36
2.2. EUA: de Aliado Entusiasmado a Parceiro Cauteloso 37
2.3. Amrica do Sul: Anos turbulentos 47
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2.4. Amrica Latina e OEA: Preocupao com o Comunismo 55
2.5. A Misso na Repblica Dominicana: Preocupao com o Comunismo ou
Busca por Prestgio Poltico?
62
CAPTULO III. A POLTICA EXTERNA EXTRACONTINENTAL 69
3.1. Europa: a Cordialidade Distante 69
3.2. sia: o Distanciamento 75
3.3. frica: o Retrocesso 78
3.4. ONU: Preferncia pelo Comrcio 81
CONCLUSO 86
REFERNCIAS 88
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INTRODUO
O objetivo desta dissertao compreender a poltica externa exercida pelo governo
Castello Branco nos anos de 1964-1967. Para tanto, analisou-se a poltica interna do perodo
que compreende o primeiro governo militar.
O Brasil acabara de sofrer um golpe, e os praticantes desse ato o justificaram, alm de
motivos de ordem interna, pela m atuao, de seu ponto de vista, da chamada Poltica Externa
Independente (PEI) durante o governo de Joo Goulart, que assume aps a renncia de JnioQuadros. Alguns fatos importantes contriburam para isso, tanto do ponto de vista dos militares
como dos civis que praticaram a troca de governo.
Alm do detrimento em relao aos EUA, os militares da Escola Superior de Guerra
viam na PEI uma quebra na tradio diplomtica, por privilegiar Estados e governos que no
tinham as mesmas orientaes que o Brasil, como pases comunistas e do Terceiro Mundo. De
fato, Castello Branco criticou a PEI por consider-la neutralista e terceiro-mundista.
Ainda muito pouco estudado no campo das Relaes Internacionais, o perodo importante por se tratar do primeiro governo militar proveniente de um golpe de Estado. So
poucos os estudos que abordam de forma imparcial e sem preconceitos esse perodo.
Foi analisada a poltica interna do pas no perodo para compreender de que modo ela
repercutiu na esfera externa. Nesse sentido, adotou-se o modelo terico de Robert Putnam, que
estuda a conexo entre poltica domstica e poltica externa. Foi realizada uma pesquisa em
peridicos da poca, assim como na documentao encontrada no acervo histrico do
Itamaraty, sede do Ministrio das Relaes Exteriores, em Braslia.
Com base na documentao e nos dados obtidos, que foram o esteio deste estudo, serviu
de guia para a elaborao da dissertao a Teoria Crtica, que de fundamental importncia
para o perodo, justamente por procurar desvincular-se dos estudos da poca, marcados pelo
antagonismo mundial LesteOeste, a chamada Guerra Fria.
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A Teoria Crtica uma abordagem metodolgica proveniente do pensamento marxista, e
alguns autores a classificam como neomarxista1
A Teoria Crtica rejeita os trs postulados bsicos do positivismo, ou seja: uma realidade
externa objetiva; a distino entre sujeito e objeto; e a cincia social como cincia livre de
valores. De acordo com os tericos crticos, no existe uma poltica mundial ou uma economia
global operando segundo leis imutveis. Para eles, o mundo social uma construo de tempo e
espao e, nesse sentido, o sistema internacional uma construo feita pelos Estados mais
poderosos. Tudo o que social, inclusive as Relaes Internacionais, varivel, por isso
histrico. Cox afirma que no existe teoria pura e propriamente dita, no existe teoria em si,
enfim, tudo conectado com a histria
. Foi elaborada por um seleto grupo de
pensadores alemes, muitos dos quais exilados nos Estados Unidos. Na rea de Relaes
Internacionais, a Teoria Crtica est muito ligada Economia Poltica Internacional marxista.
Entre os fundadores da Teoria Crtica esto autores conhecidos Robert Cox e Andrew Linklater.
2
Essa vertente da Teoria Crtica ficou conhecida pelo nome de Escola de Frankfurt. Em
verdade, esse termo surgiu posteriormente aos trabalhos de Horkheimer, Adorno, Marcuse,
Benjamin e Habermas, sugerindo uma unidade local que no mais existia. Segundo Barbara
Freitag, com o termo Escola de Frankfurt, procura-se designar a institucionalizao dos
trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, no-ortodoxos, que na dcada de 20
.
A Teoria Crtica no analisa apenas os Estados e o sistema de Estados, mas enfoca de
forma mais geral o poder e a dominao no mundo. Esse, outro aspecto de importncia capital
para o campo de Relaes Internacionais. No o tema em si, j que amplamente estudado, mas
a maneira como os tericos crticos analisam tais questes.
Tericos crticos buscam o conhecimento com uma finalidade poltica clara: liberar a
humanidade da estrutura da poltica e da economia mundial, que so controladas por poderes
hegemnicos, em particular pelos Estados Unidos capitalista. Assim como os acadmicos
marxistas, os seguidores da Teoria Crtica buscavam desmascarar a dominao global do Norte
rico sobre o Sul pobre.
1JACKSON, Robert, SORENSEN, Georg.Introduo s Relaes Internacionais.Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
2COX, Robert.International political economy understanding global disorder. Canada: Fernwood Books, 1995.
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permaneceram margem de um marxismo-leninismo clssico, seja em sua verso terico-
ideolgica, seja em sua linha militante e partidria.3
Alguns desses grupos so formados com o objetivo formal de estudar o governo, porm
com o objetivo obscuro de tomar o poder. O complexo Ipes/Ibad, formado pelo Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e pelo Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (Ibad) um
dos atores mais influentes do perodo, e o estudo de sua atuao se torna imprescindvel para
avaliar como foi arquitetado o golpe. No se procura no captulo fazer uma anlise acerca dos
motivos que levaram ao golpe, mas sim analisar a esfera domstica (tensa e turbulenta) e
apontar os atores importantes que foram pea-chave para a execuo do mesmo. Alguns deles
configuraro elementos importantes nas decises de poltica externa aps a tomada do poder.
Ao utilizar esse marco terico amplo, procura-se manter distncia segura de discursos
polticos dominantes na poca. Assim, a maior contribuio da Teoria Crtica para estadissertao afastar quaisquer teorias que visem amarrar as concluses aqui alcanadas. A
pesquisa em Histria deve se apoiar em teoria, mas nunca a teoria deve ser um fim em si
mesma. No se pode partir para a pesquisa com as respostas para as perguntas j devidamente
prontas, e muitos dos marcos tericos em Relaes Internacionais poderiam limitar as
concluses.
Por isso, a escolha da Teoria Crtica, que basicamente rejeita as demais teorias. Para um
instrumental terico de anlise, ser usada a Teoria de Putnam acerca dos jogos de dois nveis.
O autor est completamente compatvel com o marco terico da Teoria Crtica, simplesmente
por levar em conta diversos fatores exgenos na formulao da poltica externa. Putnam no se
resume a enfocar uma poltica de poder, como muitos analistas realistas o fazem.
A dissertao est dividida em trs captulos, alm desta Introduo e da Concluso. O
primeiro captulo versar sobre a ordem poltica interna. Buscar-se- fazer uma anlise da
poltica domstica do Brasil no perodo. Desde os meses finais do governo Joo Goulart at o
Golpe de 31 de maro de 1964, em que a situao brasileira era bastante turbulenta, tendo em
vista os diversos grupos que desejavam exercer maior influncia nas decises do governo.
3 FREITAG, Barbara.A Teoria Crtica ontem e hoje.4 ed. Braslia: Ed. Brasiliense, 1993. P. 10.
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O segundo captulo discutir a poltica externa exercida dentro do continente americano:
o mais importante na viso dos formuladores de poltica externa do perodo. Alm do fato de
ser regio vizinha do Brasil, o conceito de fronteiras ideolgicas 4
4Castello Branco alterou o conceito de soberania, que deixava de fundar-se sobre os limites e as fronteirasgeogrficas dos Estados e passava a fundar-se no carter poltico e ideolgico dos regimes, a partir do conceitoconhecido com fronteiras ideolgicas. Foi aplicado, sobretudo, na tentativa brasileira de criao de uma ForaInteramericana de Paz Permanente (FIP).
aplicado aqui por
polticos e diplomatas brasileiros. Ser estudada a relao brasileira com os EUA, alm da que o
Brasil manteve com os pases vizinhos. Ponto importante para o continente como um todo foi a
interveno na Repblica Dominicana, na qual o Brasil exerceu liderana militar e contribuiu
consideravelmente com tropas e apoio poltico.
O terceiro captulo versar sobre a poltica externa exercida extracontinente, ou seja,
com aqueles blocos de pases que no fazem parte das Amricas. Afastados do Brasil, portanto
de pequena importncia para a segurana do pas, Europa, sia e frica foram os locais em que
o Brasil mais teve continuidade na poltica externa se comparada ao governo anterior. O foco
nessas regies foi sobretudo comercial e econmico.
Essa outra face da poltica externa brasileira parece ser pouco lembrada quando tericos
de Relaes Internacionais classificam o governo Castello Branco de totalmente alinhado aos
interesses dos EUA e como sendo um governo de ruptura da tradio diplomtica, to cara
aos seguidores do Baro do Rio Branco.
Por fim, a Concluso tenta explorar as possveis conexes entre o grupo que chegou ao
poder e a poltica externa adotada. Se, por um lado, houve grande diferena nas questes
hemisfricas, por outro o Brasil pareceu dar continuidade s relaes com os pases fora do
continente americano.
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CAPTULO I TURBULNCIA POLTICA INTERNA
1.1. Introduo
Do final de 1963 at maro de 1964, diversos fatores polticos internos levaram o pas a
entrar em uma poca de forte turbulncia poltica. Alm de inmeras manifestaes contrrias
ao regime, o pas encontrava-se fortemente endividado5
Robert Putnam, no artigo Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level
games,
e com problemas no balano de
pagamentos. Referir esses condicionantes internos torna-se essencial para analisar a poltica
externa do perodo. O exame da situao interna crucial para a compreenso do modelo
terico conforme proposto por Robert Putnam.
6apresenta a teoria de como a poltica domstica est relacionada poltica externa. O
autor diz que estudos anteriores j buscavam essa conexo, sem entretanto caracteriz-la numa
teoria propriamente dita7
5Apesar de o foco deste captulo ser a turbulncia poltica, inegvel a associao entre crise econmica e crisepoltica. Ver: DULLES, John W. F. Castelo Branco:o presidente reformador.Braslia: UnB, 1983.6 A teoria dos jogos de dois nveis utilizada ser baseada inteiramente no artigo de PUTNAM, Robert D.Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games, in EVANS, Peter B., HAROLD K. Jacobson,PUTNAM, Robert D. Double-edged diplomacy: international bargaining and domestic politics. Los Angeles:
University of California Press, 1993. H outros trabalhos acerca de como a poltica interna influencia a polticaexterna, tais como a obra de MILZA, Pierre. Poltica interna e poltica externa. RMOND, Ren (Org.). Por umahistria poltica.Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.7 ROSEMAU, James. Toward the study of national-international linkages. Linkage Politics: Essays on theConvergence of National and International Systems (New York: Free Press, 1969), assim como Theorizing acrosssystems: linkage politics revisited. In WILKENFELD, Jonathan, Conflict behavior and linkage politics (NewYork: David McKay, 1973), p. 49. DEUTSCH, Karl W. et al., Political community in the North Atlantic area:international organization in the light of historical experience (Princeton: Princeton University Press, 1957); eHAAS, Ernst B. The uniting of Europe: political, social, and economic forces, 1950-1957 (Stanford: StanfordUniversity Press, 1958).
. Para iniciar a reflexo, Putnam cita as negociaes da Cpula de
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Bonn em 19788
A poltica externa e especialmente as negociaes internacionais podem ser descritas
como um jogo de dois nveis. Essa metfora a que guia o trabalho de Putnam. Ressalta o
autor, entretanto, que uma metfora no uma teoria, logo, sua descrio se dar nos mnimos
detalhes. Putnam cita Max Black: toda cincia deveria comear com uma metfora, para passar
para a lgebra, e, sem essa fase de metfora, nenhuma chegaria a lgebra.
, que tinha como objetivo principal a recuperao econmica das potncias
ocidentais aps o primeiro choque do petrleo. Durante a conferncia, os pases tinham
objetivos diversos, porm puderam chegar a um acordo. ao examinar como se deu esse
acordo que Putnam comea a desenhar a teoria.
9
O perodo estudado do agravamento da atmosfera poltica, quando de fato o Brasil
vivia forte tenso, em que ambos os lados se acusavam de golpes e contragolpes
Nenhum dos dois
nveis (interno e externo) pode ser ignorado pelos decisores enquanto seus pases sejam
interdependentes, embora soberanos. Os lderes polticos aparecem nos dois nveis do jogo,
embora a retrica possa ser diferente em cada um deles. Algumas vezes para conseguir apoio
domstico, o discurso do lder poltico diferente daquele adotado no plano externo.
O papel desse lder fazer um pacote que seja aceito tanto interna quanto externamente,
por isso, ele deve levar em conta os grupos de presso domsticos e os internacionais. As
discusses se do em dois planos. No nvel I, o que corresponde ao das negociaes externas,
elas no necessariamente se do antes das discusses do nvel II, o que seria a deciso interna
de ratificar ou no determinado acordo internacional. Para conseguir viabilizar o acordo, o lder
poltico deve consultar as bases no nvel II e ver at que ponto uma negociao vivel.
Munido de tais informaes, o negociador vai ao nvel I e discute com os congneres o acordo
internacional, para ento voltar ao nvel II mais seguro e conseguir a ratificao de tal acordo.
10
8A Cpula de Bonn de 1978 foi realizada por iniciativa dos EUA para recuperao da economia mundial aps ochoque do petrleo. Para Putnam, ela um modelo de como diplomacia e poltica interna podem se misturar, pois,na cpula, diversos interesses internos prevaleceram sobre o interesse externo dos pases.9BLACK, Max. Models and metaphors. ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1962, p.242, in SNIDAL, Duncan.The game theory of international politics,World Politics, 38, 1985, p. 36.
10Ver SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getlio a Castelo. 13 edio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Almdisso, tambm SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1995.
. O perodo
de agravamento da situao interna do Governo Joo Goulart vai do final de 1963 at as
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vsperas do golpe militar de 31 de maro de 196411
A conspirao contra Joo Goulart comeou ainda antes da posse
. A discusso do plano interno crucial em
um primeiro momento para avaliar quais os grupos tomaram o poder e com quais perspectivas,
para, em um momento posterior, analisar como esse grupo agiu ao tomar decises no nvel I
(externo, de Putnam).
1.2. Um Pas Beira do Caos
12
Desconfiana que s fez aumentar quando, aps o plebiscito de 6 de Janeiro de 1963, o
Ato Adicional n 4, o foi revogado, restituindo a Jango os poderes plenos de presidente da
Repblica em regime presidencialista. Com isso, Jango recebeu, em mos, a autoridade e as
competncias que haviam sido consideradas como fatores de risco em 1961. A soluo
parlamentarista durou pouco tempo, porm pode ser percebida como tendo, na prtica,
produzido apenas o que se no passou de uma espcie de adiamento do golpe militar.
. De fato, desde a
renncia, em 25 de agosto de 1961, de Jnio Quadros que fora eleito por voto popular ,
diversos crculos militares e civis ficaram descontentes com a posse automtica do vice-
presidente. A soluo adotada foi a aprovao em 02 de setembro de 1961 do Ato Adicional n
4, que criava um parlamentarismo que diminuiria, aos olhos dos descontentes, os riscos de
eventual ditadura sindicalista ao mesmo tempo em que uma aparncia de legalidade seria
mantida. A soluo parlamentarista acalmou os nimos poca, porm no afastou de completoa desconfiana desses setores da sociedade.
13
11Em 31 de Maro de 1964 tem incio a movimentao de tropas do general Olympio Mouro Filho, comandanteda IV Regio Militar, que partia de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro na chamada Operao Popeye, nome dado
pelo fato de o general sempre andar com cachimbo.12SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1995, p. 199.13Idem, p. 91.
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Tendo recobrado os poderes amplos, Jango procedeu nomeao de um novo
ministrio, empossado em 25 de janeiro do mesmo ano. O presidente agora estava investido do
que queria, ou seja: o que entendia como capacidade para governar o pas, j que considerava o
Parlamentarismo como regime instvel.14Pode-se dizer que, apesar de problemas, ele governou
efetivamente durante pouco mais um ano, embora houvesse resistncias e reclamaes de certos
setores que no viam as demandas ser atendidas. Empresrios e capitalistas haviam feito uma
unio com a gesto de Juscelino Kubitschek, ao compartilhar o poder com o governo que
atendia s demandas populares. No perodo iniciado j com a eleio de Jnio Quadros e do
subsequente agravamento da crise, essa unio desparecera 15
Para a Teoria Crtica, isso ia de encontro ao Estado capitalista, por um simples motivo:
A interveno do Estado em todos os nveis desde o econmico at o superestrutural no se
d no interesse de um certo grupo de capitalistas nacionais ou estrangeiros, mas sim no
interesse do capital global
.
16
Em janeiro de 1964, Jango regulamenta a Lei n 1.131, que dispe sobre o capital
estrangeiro
. Isto , o Estado capitalista no diferenciava bom capital e mau
capital, apenas dava importncia ao capital, em seu estado puro.
17. Buscando assim distinguir o que chamava de bom capital estrangeiro, ou seja
aquele que deitou razes em nosso pas, e o mau capital, definido por ele como aquele que
busca o lucro incessantemente e deixa nossa nao estagnada e atrasada18
Pode-se perceber que, alm do tom defensivo do presidente na necessidade de
justificar as polticas, a proposta de Goulart era alterar diversas estruturas de poder no Brasil.
Jango tinha por objetivo, nas reformas de base, a realizao de reforma agrria, alm de
resolver problemas de infraestrutura e de refinarias ineficientes, que provocavam escassez
. Goulart salientava
que no haveria golpe de sua parte e que medidas como a adotada eram necessrias e justas.
14SKIDMORE, op. cit., p. 270.15
DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado ao poltica e golpe de classe. 2 ed. Petrpolis:Vozes, 1981. Ren Armand Dreifuss uruguaio, formado em Cincias Polticas e Histria pela Universidade deHaifa, Israel, obteve em 1974 o mestrado em Poltica na Leeds University, Gr-Bretanha. Em 1980, obteve PhDem Cincia Poltica na Universidade de Glasgow, tambm Gr-Bretanha. Desta pesquisa resultou o livro. NoBrasil, realizou estudos sobre Foras Armadas, empresariado, formao de diretrizes e sistema de poder no Brasil.
Na data de publicao do livro tinha 36 anos. A edio brasileira teve traduo pelo Laboratrio de Traduo daFaculdade de Letras da UFMG, p. 125
16FREITAG, op. cit. p. 126.17JORNAL DO BRASIL. Goulart assina a Lei de Remessa e elogia o capital estrangeiro. 18.01.1964, 1 cad., p. 3.
18Idem.
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energtica em diversas cidades do pas. H ainda que lembrar do papel cada vez maior dos
sindicatos, alm da indisciplina incitada por Jango e aliados em relao aos membros do
Exrcito. Esses fatores, aqui apenas lembrados, apontam para a turbulncia poltica que vive o
Brasil, internamente, na fase que se seguiu ao plebiscito de janeiro de 1963 at o golpe civil-
militar de maro de 1964, que deps Joo Goulart.
Alm de graves preocupaes com a ordem econmica e a restrio imposta ao capital
estrangeiro evidenciada pela regulamentao da lei acima comentada, o pas vivia forte escassez
de abastecimento. Funcionrios da Companhia Energtica da Guanabara (Light) entraram em
greve em janeiro de 1964 e provocaram um caos no abastecimento de combustveis, em geral,
entre eles o gs. O governo federal precisou ameaar com interveno para que o abastecimento
fosse normalizado19
Outro problema grave que abalava o pas era a reforma agrria. Segundo o compromisso
de Jango com relao s reformas de base, a reforma agrria tornara-se uma das mais
importantes
. A escassez tambm foi sentida em outros produtos, como carvo e
querosene. Para conseguir quaisquer desses produtos, o cidado da Guanabara enfrentava
enormes filas e sofria com o racionamento. Essa escassez de insumos bsicos o que Habermas
chama de crise econmica do Estado. O autor destaca que o Estado Moderno poderia sofrer de
quatro crises: econmica, de racionalidade, de legitimao e de motivao.
O ento governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, ferrenho adversrio de
Goulart, aproveitou-se dos recorrentes racionamentos e disse temer que um golpe fosse
realizado. Lacerda atribuiu a greve aos comunistas e disse que esse seria o primeiro passo na
tentativa de um golpe a ser executado no pas. A greve foi solucionada com intermediao do
governo federal e promessas de reajustes aos funcionrios. Alm da crise no abastecimento,
moradores da antiga capital federal (Rio de Janeiro) conviviam com seguidos apages de luz, e
por meses o racionamento de gua fora adotado como mal necessrio.
20
19JORNAL DO BRASIL Governo Federal ameaa intervir no gs. 17.01.1964, p. 3.20SKIDMORE, op. cit., p. 300.
. Em maro de 1963, Jango apresentou ao Congresso um projeto de lei de reforma
agrria que propunha a indenizao em aplices do governo e no em moeda corrente.
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Esse projeto foi amplamente criticado por parlamentares de centro e de direita,
especialmente membros da Unio Democrtica Nacional (UDN) e do Partido Social
Democrtico (PSD). Jango foi acusado de praticar gestos demagogos destinados a suscitar a
opinio em apoio de um projeto insuficientemente estruturado. O que h de novo aqui que o
PSD se alia UDN, de modo que Jango conseguiu criar desconfianas no s na direita, mas
tambm no centro.
Tal projeto provocou estremecimentos dentro dos dois partidos, que formavam uma
antiga aliana: PSD-PTB. De olho na sucesso presidencial, at mesmo o antigo presidente
Juscelino Kubitschek se ops lei. As eleies presidenciais estavam marcadas para 1965,
embora a expectativa que viessem a ocorrer normalmente fosse duvidosa.21
A crise somente arrefeceu um pouco quando o governo prometeu que as
desapropriaes seriam feitas sob superviso do Exrcito
JK estava em plena campanha desde o incio de 1964 e preparava para breve um
pronunciamento acerca das principais propostas e o lanamento oficial da candidatura. O clima
poltico estava substancialmente dividido e tenso. Alm do antagonismo ferrenho da direita
conservadora, opositora de Joo Goulart desde a posse, agora o PSD com candidato
praticamente oficializado tambm procurava afastar-se do PTB a fim de concorrer com o antigo
aliado em situao mais forte.
22
Apesar dessa atitude mediadora, Goulart assinara em 13 de maro de 1964 um decreto
que segundo ele seria o primeiro passo para a reforma agrria completa.
. O PSD emitiu nota oficial dizendo
que se encontrava mais tranquilo com a medida adotada pelo presidente Joo Goulart. O
convnio foi assinado entre a Superintendncia para a Reforma Agrria (Supra), criada em 1962
com o objetivo de elaborar uma poltica agrria e planejar, regional e nacionalmente, sua
execuo e o Exrcito. A cooperao se daria nas terras s margens de rodovias federais. Os
crculos agrrios dentro do PSD viram com bons olhos a ao do governo, que consideravam
como medida conciliadora.
23
21JORNAL DO BRASIL. Ningum acredita que eleies de 1965 sejam com tranqilidade. 21.01.1964, p.522JORNAL DO BRASIL. Reforma Agrria com militares tranqiliza PSD. 29.01.1964, p. 1.23JORNAL DO BRASIL. JG surpreende o pas: refinarias encampadas. 14.03. 1964, p. 1.
O anncio foi feito
no comcio Central do Brasil, que reuniu multides e contou com um esquema de segurana
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nunca antes visto. Alm de assinar o decreto da Supra, como ficou conhecido o decreto da
reforma agrria, Goulart tambm anunciou que encamparia as refinarias particulares de
petrleo. Uma das refinarias encampadas foi ocupada por tropas militares no mesmo momento
em que discursava o presidente da Repblica. Jango tambm pediu nova Constituio.
Isso se deve ao fato de a crise da reforma agrria ter chegado a um impasse e que
somente poderia ser solucionada com a modificao constitucional24
Para os opositores dentro da UDN, a tentativa de criar uma Constituinte ou de apenas
modificar a Constituio vigente era sinal claro de que Goulart estava procurando atropelar o
Congresso e com isso modificar as regras para a sucesso presidencial
. O principal problema era,
entretanto, a diviso definitiva entre PSD e PTB. A ciso inviabilizava a possibilidade de que
qualquer projeto de lei fosse aprovado no Congresso, pois o governo perdia a base de apoio
principal. A maioria pessedista era contrria a Goulart, o que impedia a realizao de qualquer
plano de modificao constitucional no Parlamento.
25
Goulart carecia de apoio parlamentar e poltico, mas ainda tentava influenciar as
chamadas massas populares, e esse era o principal receio das elites civis e militares do pas
. Para os golpistas de
1964, Goulart pretendia dar um golpe nas instituies democrticas e implantar uma ditadura de
cunho sindicalista, sua maior base de apoio. A justificativa da UDN para apoiar o golpe militar
de 1964 seria, portanto, reprimir um possvel golpe iniciado pelo presidente em exerccio.
26
Um dos maiores colunistas da poca, Carlos Castello Branco, publicava diariamente a
Coluna do Castello no Jornal do Brasil.Apesar do nome, no havia parentesco entre ele e o
futuro presidente do Brasil. Os artigos refletiam bem o que se passava nos bastidores da
poltica. No dia 08 de maro de 1964, o colunista escrevia que Goulart procurava uma ditadura
consentida
.
Jango procurava, desse modo, influenciar os crculos baixos do Exrcito, os sargentos, e a
massa de trabalhadores, os sindicatos.
27
24SILVA, op. cit., p. 178.25GASPARI, Elio.A ditadura envergonhada. So Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 49.26DREIFUSS, Ren Armand. op cit, p. 135.27JORNAL DO BRASIL. Goulart iria para uma ditadura consentida. 08.03.1964, p. 4.
.
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Castello Branco descreve no jornal como o presidente procurava influenciar a populao
com chamadas emocionais e que caminharia para uma ditadura ao estilo de Sukarno na
Indonsia. Tais preocupaes aumentavam pelo fato de que decises importantes seriam
anunciadas e o comcio na Central do Brasil se aproximava.
No comcio, Goulart discursou para milhares de brasileiros. Ao lado estavam Leonel
Brizola e Miguel Arraes. O primeiro sugeriu a criao de uma constituinte popular, onde se
achariam membros do povo, trabalhadores e camponeses, muitos sargentos e oficiais
nacionalistas28
O discurso foi ouvido em todo o pas, retransmitido pela rdio Mayrink Veiga, e ocorria
no mesmo momento em que os ofendidos por Brizola jantavam no palcio do governo do Rio
Grande do Norte. No mesmo discurso, o deputado gacho conclamava os soldados a se rebelar
e defender as reformas de base. O general Muricy voltou a sua residncia e ps-se de
sobreaviso, comunicando o fato a todos os quartis da regio. A situao porm correu sem
. Traduo clara do que buscava Goulart na poca. Em reao ao discurso
inflamado, lderes oposicionistas como Pedro Aleixo e Bilac Pinto queixaram-se do tom
subversivo e violador da lei. Lamentaram tambm que os lderes militares presentes ao
comcio no houvessem prendido o ex-governador do Rio Grande do Sul e ento deputado
federal pelo Rio de Janeiro em flagrante, em razo de um discurso considerado ofensivo que
Brizola proferira no Nordeste do pas.
Cada vez mais isolado, Goulart buscava apoio em determinados polticos de expresso
nacional, como os j citados Brizola, e Arraes, ento governador do Estado de Pernambuco.
Estes, todavia, provocavam reao da oposio, ainda mais fortes que as trazidas pelo
presidente da Repblica.
Em maio de 1963, Brizola havia estado em Natal, no Rio Grande do Norte, para um
comcio poltico em que defendeu as reformas de base. Discursou por mais de uma hora e
ofendeu o ento embaixador americano Lincoln Gordon, a quem chamou de autntico inspetor
de colnias. Alm disso, Brizola hostilizou o comandante da guarnio local, o general
Antnio Carlos Muricy, chamando-o de gorila.
28JORNAL DO BRASIL. Constituinte. 14.03.1964., p. 1.
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maiores transtornos, e Brizola partiu para o Recife com o objetivo de continuar a peregrinao
poltica pelo Nordeste.
Por outro lado, o comandante da guarnio de Natal tambm foi a Recife com outros
objetivos. Sua inteno era conferenciar com o general Humberto Castello Branco, comandantedo IV Exrcito. O general Muricy fez um relatrio verbal dos acontecimentos.29
notrio o esforo desse deputado para dividir o Exrcito, agora em brizolistas egorilas, em desmoralizar seus chefes, generais e coronis, e voltar- se para ossargentos como seus adeptos. J se vislumbra que tal processo de difamao e insdiasse reproduz no meio de estudantes, sindicatos e na imprensa, ofendendo as instituies
militares numa quadra dificlima da nao. Primeiramente, desejei responder aodeputado Leonel Brizola para mostrar ao acusador intempestivo que a sua injria
parece fazer parte de um propsito de solapamento das instituies armadas do pas. SeVossa Excelncia, no entanto, achar que se trata de uma questo local e restrita aelementos do IV Exrcito, estou pronto, para, dentro da disciplina, revidar os
provocantes ataques do deputado Leonel Brizola ao general Muricy.
Castello enviou
as reclamaes ao ministro da Guerra, general Amaury Kruel:
30
A situao poltica e econmica do pas era instvel e turbulenta. A seguir se ver como
essa instabilidade tornou as elites civis e militares mais prximas e como se deu a aproximao.
Para Dreifuss, o golpe somente foi possvel com a juno desses grupos
31
29SILVA, Hlio.Histria da repblica brasileira.O golpe de 64. So Paulo: Trs, 1998, p. 75.30SILVA, op. cit., p. 77.31Idem, p. 485.
.
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1.3. A Aliana Civil-Militar
O golpe de 31 de maro de 1964, embora chamado de militar, foi um golpe civil-
militar32. Futuro ministro do Interior do governo de Castello Branco, o general Cordeiro de
Farias reconheceu que o golpe foi altamente poltico e civil em sua formao e execuo.
Procura-se aqui identificar quem eram esses dois grupos e quais os seus anseios aps a tomada
do poder. Para o modelo terico de Putnam, a avaliao da composio dos grupos de presso
internos um dos fatores que explicam a poltica externa adotada 33
O 31 de maro foi um movimento de tropas que se iniciou com atividades secretas
muito antes do desfecho
.
34. As atividades conspiratrias se intensificaram nos idos de maro e
envolviam oficiais militares, empresrios e polticos. Muitos deles vinham participando de
prolongada campanha de desestabilizao do governo Joo Goulart, sobretudo por meio de
atividades de propaganda poltica variada, capitaneadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (Ipes) e pelo Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (Ibad) 35
Chamado por Dreifuss de complexo poltico-militar, o Ipes/Ibad tinha por objetivo agir
contra o governo nacional-reformista de Joo Goulart e contra o alinhamento de foras sociais
que lhe apoiavam a administrao
, que afirmavam a
incompetncia do governo e sua tendncia esquerdista.
36
As sementes do Ipes, como tambm do Ibad, foram lanadas ao final da administrao
de JK e durante a presidncia de Jnio Quadros, em cujo zelo moralista os dois institutos
depositavam grandes esperanas. Os fundadores do Ipes do Rio de Janeiro e de So Paulo, o
ncleo duro do que se tornaria uma rede nacional de grupos de ao, vieram de diferentes
passados ideolgicos. O que os unificava, no entanto, eram relaes econmicas multinacionais
.
32Ibidem, p. 397.33PUTNAM, op. cit., p. 432.34FICO, Carlos. Alm do golpe.Verses e controvrsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record,2004, p. 15.35O complexo Ipes/Ibad representava a fase poltica dos interesses empresariais, embora houvesse se disseminadoentre os militares. A evoluo do Ipes/Ibad mostra como se passou de um grupo de presso para uma organizaode classe capaz de uma ao poltica sofisticada.36DREIFUSS, op. cit., p. 161.
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e associadas, o posicionamento anticomunista e a ambio de readequar e reformular o
Estado37
O Ipes passou a existir oficialmente no dia 29 de novembro de 1961. Antes, faziam-se
reunies informais em residncias de empresrios de destaque do Rio de Janeiro e So Paulo,como Antnio Galotti, Glycon de Paiva e Jos Garrido Torres. Alm de recrutar outros
empresrios, buscou-se a insero de diversos oficiais da reserva, como o coronel Golbery do
Couto e Silva e o general Heitor Herrera. O lanamento do Ipes foi recebido favoravelmente
por diversos peridicos, tais como oJornal do Brasil, O Globo eo Correio da Manh
.
38
Alm disso, os membros concordavam em fazer operaes encobertas, tendo chegado a
se cogitar dentro do grupo a atuao inteiramente clandestina
. Desde
a criao, o instituto desenvolveu dupla vida poltica.
De um lado, os simpatizantes e defensores encaravam-no como uma organizao de
respeitveis homens de negcio e intelectuais, com um nmero de tcnicos de destaque, que
advogavam participao nos acontecimentos polticos e sociais e que apoiavam a reforma
moderada das instituies polticas e econmicas existentes. O objetivo declarado do Ipes era
estudar as reformas liberais e a esquerda durante o governo de Joo Goulart do ponto de vista
do empresariado.
O lado encoberto coordenava uma sofisticada e multifacetada campanha poltica,
ideolgica e militar. Os fundadores do Ipes, avidamente dedicados manipulao de opinies e
guerra psicolgica, organizavam e recrutavam membros por meio de um esquema estilo
pirmide. Cada novo membro era obrigado a trazer mais cinco novos membros, at que a
organizao aumentasse satisfatoriamente.
39
37Idem, p. 163.38Edies respectivamente de 02.02, 04.02 e 05.02.39DREIFUSS, op. cit., p. 164.
. As operaes secretas e
discretas da burguesia insurrecional eram executadas por foras-tarefa especializadas e com
grupos com codinomes e outros mtodos usados pela clandestinidade. justamente a que entra
o Ibad. O instituto agia como unidade ttica; e o Ipes operava como centro estratgico, sendo
que o Ibad e outras subsidirias clamavam para si a maior parte do insucesso (ou glria) das
atividades secretas, expondo-se bem mais que a contraparte, o Ipes.
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O Ibad foi fundado em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, recebendo contribuies de
empresrios brasileiros e estrangeiros que, descontentes com a disparada da inflao e o estilo
populista de JK, julgaram necessrio organizarem-se com o objetivo de combater o comunismo
no Brasil e influir nos rumos do debate econmico, poltico e social do pas. O papel designado
para o Ibad era a ao poltica. Dessa forma, Hasslocher fundou mais ou menos no mesmo
perodo a agncia de propaganda Incrementadora de Vendas Promotion, subsidiria daquele
instituto.
A posse de Joo Goulart na Presidncia da Repblica, em setembro de 1961, acirrou os
nimos dos ibadianos. O pice da atuao do instituto foi na campanha eleitoral de 1962. Para
isso, foi criada, com fins explicitamente eleitorais, a Ao Democrtica Popular (Adep). Sua
funo era canalizar recursos para os candidatos contrrios a Goulart que concorreriam s
eleies legislativas e para o governo de onze Estados. Ao mesmo tempo, o Ibad engendrou
ferrenha campanha contra o governo Goulart e os candidatos ao Legislativo identificados como
comunistas. Alm disso, produziu e difundiu grande nmero de programas de rdio e de
televiso e matrias em jornais com contedo anticomunista.
A medida de maior impacto do Ibad foi o aluguel, durante a campanha eleitoral, do
vespertino carioca A Noite. Por noventa dias, a linha poltica do jornal foi radicalmente
modificada passando de defensora de candidatos do PTB e de posies nacionalistas
promoo dos candidatos apoiados pela Adep e identificados ao anticomunismo. Outra
iniciativa do Instituto foi a traduo e a divulgao do livroAssalto aoParlamento, do escritor
tcheco Jan Kosak. A obra, publicada pelo jornal OGlobo, descrevia a tomada do poder pelos
comunistas na Checoslovquia e o papel central que o controle do Congresso desempenhara
nesse processo.
A participao do Ibad-Adep na campanha eleitoral de 1962 foi to ostensiva que levou
parte considervel do Congresso a suspeitar da origem dos recursos utilizados. Assim, ainda em
1962, foi sugerida a criao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) para investigar as
atividades do Ibad e subsidirias. A iniciativa no prosperou em virtude de mudanas dos
mandatrios da Cmara dos Deputados.
Com o incio da nova legislatura em fevereiro de 1963, foi renovada a proposta de
investigar o instituto e suas subsidirias. Em maio, a CPI foi instalada. Foi eleito presidente da
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Comisso o deputado Ulysses Guimares, e foram ouvidas inmeras pessoas apurando a
participao de empresas no emprstimo ao Ibad, tais como: Texaco, Coca-Cola, Esso, Bayer e
IBM40. Os trabalhos da CPI resultaram em centenas de depoimentos, denncias e comprovantes
de despesas e de doaes.Um dos pontos que a CPI conseguiu apurar foi que os papis do Ibad
haviam sido queimados quando suas atividades comearam a ser investigadas. Mesmo assim,
foi possvel reconstruir parte da histria do Ibad e demonstrar com base em abundante
documentao que o dinheiro do instituto provinha de vrias firmas estrangeiras, na maioria
norte-americanas41
Finalmente, em 20 de dezembro, o IBAD e a Adep foram dissolvidos por determinao
do Poder Judicirio por ser considerado culpado de corrupo poltica nas eleies legislativas
de 1962
.
Baseado parcialmente em informaes reveladas pela CPI, no final de agosto, o
presidente Joo Goulart determinou a suspenso por trs meses das atividades do Ibad e da
Adep. O decreto presidencial previa que os rgos do Poder Judicirio examinassem a atuao
da entidade e tomassem as medidas cabveis. No final de novembro, Goulart prorrogou por
mais trs meses a suspenso, levando em conta o fato de que as investigaes sobre as
atividades ilcitas das duas organizaes ainda se encontravam em curso.
42
Segundo Dreifuss
.
43
Essa desestabilizao, a exemplo do que ocorreu no Chile em 1973, empreendeu, noBrasil, uma campanha ideolgica e poltico-militar em frentes diversas. Atravs docomplexo Ipes/Ibad (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/Instituto Brasileiro deAo Democrtica) liderada pelo bloco de poder multinacional e associado que
penetrou com eficcia entre os militares, entre os membros das burocracias polticas,entre os sindicalistas pelegos (como o MSD e o MSR). A estratgia era acirrar a luta
, o golpe de 19664 foi resultado de interesses classistas articulado
por foras multinacionais e associados que agiram no sentido de desestabilizar o governo
nacional reformista de Joo Goulart. Defensor da tese de conspirao internacional e/ou
direitista, ele escreve:
40Disponvel em . Acesso em 14.12.2009.41DREIFUSS, op. cit., p. 166.42Idem, p. 207.43Ibidem, p. 483.
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poltica das classes dominantes e elevar a luta de classes ao estgio de confrontomilitar, para o qual as classes trabalhadoras e seus aliados no estavam preparados?
A conexo entre a poltica exterior do Brasil de 1964 e do Chile de 1973 analisada
tambm por Fernandes44. A autora compara os dois regimes polticos e como os golpes em cada
pas afetaram a poltica externa de governos autoritrios. No Brasil, Fernandes cita que a
poltica externa adotada pelo governo de Castello Branco a busca da implantao do
liberalismo econmico e a associao ao bloco ocidental 45
A influncia dos militares no perodo evidenciada tambm j antes de Dreifuss, pela
obra de Stepan, para quem a instituio militar no um fator autnomo, mas deve ser
pensada como um subsistema que reage a mudanas no conjunto do sistema poltico
.
46
Segundo o autor, as razes principais do que ele chama de revoluo derivavam da
incapacidade de Goulart em reequilibrar
.
47o sistema poltico. At 1964, teria havido no Brasil
um padro de relacionamento entre militares e civis caracterizado como moderador, isto , os
militares somente eram chamados para depor um governo e transferi-lo para outro grupo de
polticos civis, no assumindo efetivamente o poder48
44FERNANDES, Fernanda de Moura. De golpe a golpe:poltica externa e o regime poltico no Brasil e no Chile(1964-1973).Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais), Universidade de Braslia, 2007.45Idem,p. 120.
46STEPAN, A.C. Os militares na poltica:as mudanas de padres na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova,1975, p. 140.47 Ibidem.
48Idem, p. 50.
.
A diferena principal de 1964 estaria na capacidade que teve de transformar tal
padro, pois, alm da percepo de que as instituies civis estavam falhando, os militares
tambm se sentiram diretamente ameaados em funo da propalada quebra da disciplina e da
hierarquia, suposto passo inicial para a dissoluo das prprias Foras Armadas, j que Goulart
poderia dar um golpe com o apoio dos comunistas e, depois, no control-los mais.
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Alm disso, critrios polticos para promoes no Exrcito sugeriam aos militares que
Goulart teria a inteno de constituir, para fins golpistas, uma fora militar que lhe prestasse
lealdade. Goulart e aliados estariam incitando sargentos soldados, vistos como os proletrios
do Exrcito, a se rebelar.
Pode-se perceber que a insatisfao de setores civis e militares concorreu para a queda
do governo de Joo Goulart. Os militares insatisfeitos com a suposta quebra de hierarquia e as
constantes incitaes de Goulart aos sargentos e soldados e o empresariado descontente com as
novas regras econmicas e os rumos da economia se aliaram, sobretudo no complexo Ipes/Ibad,
e articularam a queda do presidente em exerccio. A seo seguinte expe como os eventos
foram se desdobrando no ms de maro de 1964 e culminaram com o golpe impetrado no dia 31.
1.4. A Queda de Goulart
Cada vez mais isolado, Joo Goulart tentou prosseguir com o governo e sobretudolanar as reformas de base por meio de intimidao 49
O Globopublicou no dia 12 de maro de 1964, isto , vspera do dito comcio, uma
reportagem classificando o ato como comunista
. Para o dia 13 de maro de 1964, Goulart
marcou um comcio destinado aos trabalhadores e preparava-se para lanar s reformas e dizer
que estava disposto a permanecer no poder, independentemente do custo poltico. Assinou dois
decretos, o da reforma agrria e o da encampao de duas refinarias de petrleo privadas.
50
49GASPARI, op. cit., p. 48.50O GLOBO. Milhes de cruzeiros para levar operrios ao Comcio da Central.12.03.1964, p. 14.
. Segundo o jornal, Goulart teria gasto uma
quantia considervel para levar Central do Brasil inmeros partidrios e defensores, a maioriaprovenientes de centrais sindicais. Ainda na mesma reportagem, o jornal entrevistou
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sindicalistas que diziam que Goulart poderia ser denominado revolucionrio na terminologia
marxista, j que incutiu aos latifundirios um enorme medo.
O comcio levou a discursos contrrios muito violentos. O deputado fluminense Freire
de Morais do Partido da Repblica (PR) classificou como comcio comunista disposto atransformar o Brasil em um satlite de Cuba e Moscou51
O deputado da UDN Adolfo de Oliveira criticou o modo como Goulart iria se dirigir
nao: comcio arma de agitador ou candidato, e o presidente da Repblica, que eu saiba, no
uma coisa nem outra.
. De fato, o comcio mexeu com o
imaginrio dos opositores, que encaravam o comcio como incio de uma revoluo orquestrada
por Goulart.
52Alm dos polticos oposicionistas, tambm o Exrcito se encontrava
em prontido para eventuais tumultos. Responsvel pela segurana do presidente e pelo bem
caminhar do comcio, o comandante da Polcia do Exrcito, coronel Domingos Ventura, pediu
ao pblico que no reagisse a quaisquer provocaes no dia, pois o Exrcito iria manter a ordem
e prender quem causasse tumulto. Temia-se que partidrios contrrios a Goulart pudessem ir
Central do Brasil para protestar contra o discurso presidencial53
O evento gerou forte preocupao com segurana. Composta por 3.000 homens da
Polcia do Exrcito, contava com quatro tipos de segurana: aproximada, afastada, perifrica e
vertical. A segurana vertical era um dispositivo novo que visava patrulhar os prdios
circunvizinhos, criado aps o assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy, em
1963
.
54
Alm da chamada aliana civil-militar, composta por membros da elite civil, do
empresariado e militares da reserva no complexo Ipes/Ibad segundo Dreifuss
.
55
51O GLOBO. Comcio comunista. 12.03.1964, p. 14.52JORNAL DO BRASIL. Meio para agitao. 03.03.1964, p. 3.53JORNAL DO BRASIL. Exrcito reagir a provocaes. 03.03.1964, p. 3.54JORNAL DO BRASIL. Segurana de Goulart dia 13 ter o que faltou a Kennedy. 05.03.1964, p. 355DREIFUSS, op. cit., p. 162.
, contrria ao
presidente Joo Goulart, alguns jornais publicaram em editorial e colunas teor contrrio ao
comcio. No Jornal do Brasil saiu dias antes um editorial intitulado Sexta-Feira 13 que
condenava o comcio e a iniciativa de Goulart. Tal editorial foi inclusive lido por deputados
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oposicionistas em plenrio da Cmara dos Deputados, provavelmente para que constasse nos
Anais do Congresso.
Tambm noJornal do Brasil,o colunista Carlos Castello Branco afirmou na coluna de
29 de fevereiro de 1964 que o comcio e a assinatura do decreto da Supra estariam sendo vistospor membros opositores ao governo e at mesmo por governistas como senha para invaso de
terras pelos camponeses.
Horas antes do comcio, foi realizada a assinatura de dois decretos importantes para a
poltica nacional. O ato gerou um sentimento de que o presidente, para conservar o poder,
estaria arregimentando partidrios para dar um golpe. Setores que se sentiram ameaados
procuraram demonstrar toda a insatisfao por meio de passeatas contra o governo e
manifestando adeso ao modo capitalista e maneira como Jango conduzia os rumos da poltica
nacional.
As passeatas foram chamadas de Marcha da Famlia, com Deus, pela Liberdade56. A
primeira aconteceu menos de uma semana depois do comcio da Central do Brasil, isto , no dia
13 de maro de 1964, na cidade de So Paulo 57
Famlia porque era composta por pessoas da classe mdia, havia inclusive muitasmulheres de respeito. As marchas mostravam que o aparato da legalidade estava pronto
para quaisquer tentativas do presidente Joo Goulart de reformar a Carta Constitucional. As
marchas foram uma clara resposta ao comcio e logo se espalharam pelo Brasil. Grupos da elite
da sociedade, como as senhoras do Jardim Botnico no Rio de Janeiro, angariavam fundos e se
reuniam em grupos para pedir que o pas fosse afastado do comunismo
. Apelidada de maior manifestao popular j
ocorrida na capital paulista, tinha como objetivo defender a Constituio e mostrar o repdio
ao comunismo.
58
O nome Deus nas marchas tambm no foi por acaso. A participao de setores
conservadores catlicos de classe mdia foi considervel, alm de amplo apoio da hierarquia da
.
56FICO, op. cit., p. 208.57JORNAL DO BRASIL. 20.03. 1964. Passeata de 500 mil em So Paulo defende o regime, p. 1. Apesar de essenmero ser a manchete da capa do jornal no dia seguinte passeata, Elio Gaspari em seu livro relata que foram200.000 que marcharam em So Paulo, op. cit., p. 49.58O GLOBO. Senhoras do Jardim Botnico pedem ao Exrcito que salve o pas do perigo vermelho, 19.03.1964, p.3.
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Igreja Catlica. Era comum nas manifestaes padres e bispos importantes fazer discursos
criticando o rumo que o governo tomava e que, na viso deles, descambaria para o comunismo.
O cardeal do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Cmara, chegou a benzer a marcha da vitria
realizada na capital aps o golpe militar. Todas as marchas contavam, tal qual uma escola de
samba, com alas separadas por categorias. Havia a ala dos artistas, a dos padres, a dos
deputados.
Alm disso, nas marchas entoavam-se oraes catlicas como o Pai-nosso,
primeiramente em So Paulo. L houve tambm a orao da mulher paulista ao Padre Jos de
Anchieta. Ainda em maro, antes da queda de Goulart, as marchas ocorreram em diversas
cidades do interior paulista, tais como: Araraquara (21/03), Assis (21/03), Santos (25/03),
Itapetininga (28/03), Atibaia (29/03), Ipauu (29/03) e Tatu (29/03). Posteriormente elas foram
feitas no interior do Paran e na cidade do Rio de Janeiro, j aps o golpe, em 2 de abril.
Uma semana aps o golpe, as marchas constituram uma espcie de legitimao do
mesmo e foram realizadas em diversas cidades de So Paulo, Rio de Janeiro, Paran e Minas
Gerais. Ocorreram tambm em Teresina, Recife, Goinia e Braslia. Passaram ento a ser
chamadas de marchas da vitria.
Alm da classe mdia e do setor conservador da Igreja Catlica, o Exrcito brasileiro
tambm se preparava. O chefe do Estado-Maior, general Castello Branco, divulga no dia 20 de
maro circular destinada aos subordinados contra Joo Goulart 59. Na circular, o general
lembrava que os meios militares no so para defender programas de governo, muito menos a
sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a
aplicao da lei.60
59FICO, op. cit., p. 208.60NETO, Lira. Castelo: a marcha para a ditadura. So Paulo: Contexto, 2004, p. 238.
A mensagem foi lida no auditrio da Escola de Comando do Estado-Maior do Exrcito
pelo comandante, o coronel Jurandir Bizarria Mamede. O tom adotado por Castello seguia uma
estratgia traada h muito: defender a legalidade, conferindo aos defensores das reformas de
base e de Goulart o rtulo de antidemocrticos. Era claramente um comandante convocando
soldados, conforme reza o trecho a seguir:
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preciso perseverar, sempre dentro dos limites da lei. Estar pronto para a defesa dalegalidade, a saber, pelo funcionamento integral dos trs poderes constitucionais e pelaaplicao das leis, inclusive as que asseguram o processo eleitoral, e contra a revoluo
para a ditadura e a Constituinte, contra a calamidade pblica a ser promovida pelo CGT
e contra o desvirtuamento do papel histrico das Foras Armadas.
Todos os grupos contrrios ao governo de Joo Goulart estavam inquietos e prontos para
desferir o golpe final. Faltava-lhes, entretanto, um pretexto maior do que os discursos do
presidente e aliados. O que veio com a insubordinao na Marinha.61
Goulart s aumentou a sensao de quebra de hierarquia ao conceder perdo aos
revoltosos e nomear o almirante reformado Paulo Rodrigues para o Ministrio da Marinha. Os
revoltosos fizeram uma passeata na Candelria dias depois de ter sidos soltos. Solidrio a Mota
e Marinha, o Exrcito se colocou ao lado daqueles que defendiam maior seriedade na
hierarquia
Em um grupo de
marinheiros, Anselmo, conhecido e promovido a cabo pela imprensa, afirmou que, aps o
suicdio de um presidente, a renncia de outro, os subversivos da ordem no conseguiriam fazer
o mesmo com Goulart. Comeava assim a Revolta dos Marinheiros. Pressionado pelos outrosministros militares, Silvio Mota, ento ministro da Marinha, enviou um destacamento de
fuzileiros navais ao local para pr fim rebelio.
Os fuzileiros se juntaram aos rebelados, aumentando ainda mais o impasse. Foram
incentivados pelo vice-almirante Cndido Arago, comandante-geral do corpos de fuzileiros e
conhecidamente janguista. Tinha inclusive o apelido de almirante vermelho. Dias depois, a
foto de Arago nos braos de marinheiros era o pretexto necessrio para que o golpe fosse
iniciado. A quebra da hierarquia prosseguia dentro das Foras Armadas. Silvio Mota afrontado
por Arago e sem o apoio de Joo Goulart apresentou carta de renncia do Ministrio.
62
Pouco adiantou a exonerao do almirante Arago alguns dias depois da inusitada foto.Os militares, assim como a sociedade civil, parte da hierarquia da Igreja, setores do
.
61Idem, p. 242.62JORNAL DO BRASIL. Clube militar d apoio ao Clube Naval, 31.03.1964, p. 1.
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empresariado, sobretudo ligados ao capital multinacional e associado63, estavam em ritmo de
golpe h alguns meses e o pretexto estava lanado. Para Putnam, o Estado no unificado, e a
poltica domstica no s enquadra um Executivo com diferentes opinies sobre o interesse
nacional, mas tambm o Poder Legislativo, a opinio pblica, eleies e grupos de interesse.
Em mbito nacional, grupos de presso domsticos buscam interesses pressionando o governo a
adotar polticas favorveis e polticos buscam poder construindo coalizes com tais grupos64
Em 31 de maro, o dispositivo golpista foi colocado em marcha. Tropas ligadas ao
general Olympio Mouro Filho saram do quartel em Juiz de Fora e dispositivos estrangeiros
foram colocados em prontido, conforme demonstram as obras de Marcos S Crrea e Carlos
Fico
.
No caso do Brasil de 1964, os grupos de presso no mais se sentiam representados pelo
governo em questo, e a soluo adotada foi o golpe militar.
65
Ao saber da movimentao das tropas do general Olympio Mouro, Castello teria
reagido dizendo que no era possvel, ainda no era a hora. Castello telefonou para alguns
generais e para o governador de Minas Gerais, Magalhes Pinto, para que as tropas voltassem
ao quartel, mas as iniciativas foram infrutferas. Os militares acreditavam que a hora era aquela,
e o governador mineiro achava que as reticncias de Castello eram para impedir que Minas
estivesse na vanguarda do movimento
por meio de documentos nunca antes utilizados. A operao Brother Sam, que no
chegou a ser lanada, foi preparada com os dois lados: americano e brasileiro.
66
Apesar de ter sido saudada como uma revoluo sem tiros, houve incidentes como o
da Base Area de Canoas, no Rio Grande do Sul. Logo aps o afastamento de Goulart, o
brigadeiro Nlson Freire Lavanre-Wanderley tomou o comando da 5 Zona Area das mos do
ento comandante, o tenente-coronel Alfeu de Alcntara Monteiro. Dias depois, ao oficializar a
situao de fato, Wanderley desferiu tiros em Alcntara Monteiro, em um episdio que contou
. Goulart ainda se encontrava em territrio nacional,
mas j voltava para a casa no Rio Grande do Sul para se reunir com polticos e aliados e
orquestrar uma possvel reao.
63DREIFUSS, op. cit., p. 49.64PUTNAM, op. cit.65FICO, Carlos, op. cit., CRREA, Marcos S. 1964 visto e comentado pela Casa Branca. Os documentosliberados pela biblioteca Lindon Johnson. Universidade do Texas. Porto Alegre: L&PM, 1977.66NETO, Lira, op. cit., p. 247.
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com a ajuda do coronel Roberto Hiplito da Costa, sobrinho de Castello Branco. O tenente-
coronel no resistiu aos ferimentos e faleceu alguns dias depois. O caso foi abafado pelo novo
presidente da Repblica67. O enterro de Alcntara Monteiro teve nota curta no jornal gacho
Correio do Povo, e a causa da morte no fora mencionada 68
No dia 1 de Abril, em editorial claramente escrito por golpistas, o Jornal do Brasil
anunciava que Goulart estava fora da lei e que a nova legalidade chegara ao pas desde
ontem
.
Ainda em solo brasileiro, o presidente Joo Goulart foi afastado do poder. O presidente
do Congresso, Senador Auro de Moura Andrade, declarou a vacncia do cargo; e o presidente
da Cmara, deputado Ranieri Mazzilli, assumiu, interinamente, a Presidncia da Repblica, at
a eleio indireta de Castello Branco pelo Congresso Nacional.
69
67. Idem, p. 255.68Ibidem.
69JORNAL DO BRASIL.Fora da lei. 01.04.1964.
. Goulart viajara para o Rio Grande do Sul, e um dia aps sua deposio disse que
dispensava o sacrifcio gacho numa clara tentativa de no incitar contragolpes.
O golpe foi saudado por outro jornal carioca, O Globo,na capa do dia 02 de abril, em
que diz que ressurge a democracia ao anunciar Mazzilli empossado como novo presidente da
Repblica. Em 04 de abril, o nome do general Castello Branco indicado para a Presidncia da
Repblica. No dia 15 do mesmo ms, Castello assume como o primeiro presidente-general da
ditadura militar.
Os prximos captulos analisaro a poltica externa do novo governo e as medidastomadas por Castello Branco para satisfazer os grupos de presso que o levaram ao poder, a
saber: os militares, o empresariado e a sociedade civil, sobretudo a de classe mdia e
conservadora. Esse foi o meio encontrado pelo novo governo para solucionar as duas crises que
sofria o Estado brasileiro: a saber, a econmica, tendo em vista que no garantia os insumos
bsicos para a populao e para o setor industrial e a de legitimidade, j que Joo Goulart havia
perdido apoio de grande parte da populao brasileira.
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CAPTULO II A POLTICA EXTERNA DO GOVERNO CASTELLO
BRANCO NO CONTINENTE AMERICANO
2.1. Introduo
Meses aps o golpe de 31 de maro, Castello Branco dirigiu-se aos formandos do
Instituto Rio Branco, futuros diplomatas, em discurso que pode ser considerado o primeiro
resumo do que a poltica externa viria a ser. Castello faz crticas fortes PEI e diz que o Brasil
adotaria agora uma poltica externa in(ter)dependente70
Essas regies correspondem s que Golbery do Couto e Silva, no livro Geopoltica doBrasil
. O presidente da Repblica apresenta
a teoria dos crculos concntricos, dividindo o mundo em trs regies: Amrica Latina,
hemisfrio americano e mundo alm-mar.
71, criou. Fica claro que a preocupao brasileira na duas primeiras reas com a
segurana continental e consequentemente em afastar o fantasma do comunismo na nossa
regio. Castello Branco em outro discurso alguns anos mais tarde confia que somente os laos
que se pautarem por meio da ao multilateral vo evitar ideologias estranhas formao crist
do continente72
As regies mais afastadas do Brasil e que no ameaavam a segurana nacional
poderiam ser tratadas com mais pragmatismo, evitando a o discurso maniquesta da Guerra
.
70CASTELLO BRANCO, Humberto de Alencar.Discursos. Secretaria de Imprensa. 1964, p. 107.71COUTO E SILVA, Golbery do. Geopoltica do Brasil.Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.72Idem, p. 109.
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Fria73
No comeo da dcada de 1960, o mundo assistia a uma verdadeira escalada do conflito
bipolar. A Guerra Fria entre as superpotncias e respectivos blocos constitui o marco de
referncia obrigatrio para o estudo e a compreenso das relaes econmicas e polticas
internacionais da poca
. Foi o caso das relaes Brasil-URSS e outros pases do bloco socialista. A lgica das
trocas comerciais prevaleceu aqui.
No entanto, a segurana continental era vista como preocupao da poltica externa do
governo militar no perodo. Num primeiro momento, a atuao brasileira na regio se mostroudifcil, e os primeiros meses do novo governo foram de tentativas de reconhecimento da nova
situao poltica interna. Alguns pases, como a Venezuela, por exemplo, romperam relaes
diplomticas com o Brasil; e muitos outros viam com desconfiana o discurso brasileiro de
aliado preferencial dos EUA.
2.2. EUA: de Aliado Entusiasmado a Parceiro Cauteloso
As relaes do Brasil com os Estados Unidos suscitam interesse especial, tanto pela
importncia econmica e militar dos EUA no mundo, como pela forma como esta nao trata a
Amrica Latina, considerada rea de influncia natural. No perodo da Guerra Fria, os EUA
procuraram estreitar os laos com os pases latino-americanos, sobretudo aps a Revoluo
Cubana de 1959.
74
73SILVA, Andr.A diplomacia brasileira entre a segurana e o desenvolvimento: a poltica externa do governoCastelo Branco (1964-1967). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 107.74RAPPOPORT, Mario & LAUFER, Ruben. Os Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpesmilitares da dcada de 1960. In Revista Brasileira de Poltica Internacional, n. 43, p. 69-98.
.
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Com a generalizao do conflito LesteOeste, nenhum lugar do mundo estava fora da
disputa pela primazia mundial, que opunha Washington e Moscou. Manteve-se a poltica de
blocos rivais, particularmente pela interveno militar norte-americana no Sudeste Asitico e
pelo processo de profundas mudanas ocorridas a partir da morte de Stlin na URSS; processo
que, desembocando no golpe de estado que em 1964 substituiu o premi Khruchov pela troika
Brezhnev-Kosygyn-Podgorny, resultaria em acelerado movimento expansionista do gigante
sovitico. Debaixo da cobertura retrica da dissuaso por um lado, e da competio
pacfica por outro, ambos os pases deram impulso corrida armamentista e nuclear. Durante
as duas dcadas seguintes, o mundo seria posto vrias vezes na extremidade de nova guerra
mundial, cujo ponto mais alto se manifestou na crise dos msseis cubanos, em 1962 75
A Amrica Latina constitua campo particular da rivalidade bipolar. A persistncia de
estruturas econmicas atrasadas e a assimetria das relaes econmicas com as grandes
potncias explicam a emergncia em vrios pases da regio, j durante a dcada anterior, de
vasta mobilizao social e propostas polticas contendo maior ou menor vis nacionalista e
populista que questionavam o atraso e a dependncia e ofereciam caminhos alternativos na
procura do desenvolvimento econmico e social
.
Outras tendncias favoreceram essa caracterstica decisiva do mundo bipolar. Por um
lado, verificava-se o crescente papel dos pases do Terceiro Mundo por meio do vasto
movimento anticolonialista e anti-imperialista e pela conformao do Movimento dos Pases
No-Alinhados. Por outro, ambos os blocos estavam experimentando fissuras srias. A China se
separou do bloco sovitico. Europa e Japo, completada a reconstruo da economia dos
estragos da Segunda Guerra Mundial, transformavam-se aceleradamente em novos centros
mundiais do poder econmico e financeiro, dependentes ainda do guarda-chuva militar dos
Estados Unidos e, ao mesmo tempo, aspirantes a uma margem cada vez maior de autonomia
poltica. Os pases da Europa Ocidental consolidavam a fora econmica pela integraocomunitria.
76
75HOBSBAWM, Eric. Aera dos extremos: o breve sculo XX. 2 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.227.
76idem, p. 344.
.
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O triunfo da Revoluo Cubana de 1959 causou comoo profunda em todo o ambiente
latino-americano. A preocupao principal de Washington na regio passou a ser impedir que
novos movimentos como o cubano surgissem em outros lugares do continente. O tema das
ameaas extracontinentais dominou, em agosto de 1960, a conferncia da Organizao dos
Estados Americanos (OEA) na Costa Rica.
A dimenso continental da poltica norte-americanas para os pases do Cone Sul se
traduziu em generalizada adoo de suas Foras Armadas da doutrina militar propugnada a
partir do National War College, centrada no combate ao inimigo interno77
A nova estratgia norte-americana procurava impedir que qualquer potncia estrangeira
(isto , a URSS) pudesse colocar militarmente o p no Hemisfrio e buscava combater tanto o
estado de crescente insatisfao das massas populares como as tendncias nacionalistas e
antiamericanas latentes em setores que gravitavam em torno das classes dirigentes e das Foras
Armadas. Esse clima poderia abrir uma brecha favorvel ao que a poltica externa norte-
americana entendia como explorao comunista da crise econmica e do descontentamento
social.
Esse era o ambiente externo da poca, e preciso conhec-lo para compreender o
porqu de o interesse norte-americano no Brasil ter sido to alto. sabido hoje que a
participao americana no golpe foi intensa.
.
Desde o final da dcada de 1970, com o livro do jornalista Marcos S Crrea78
Alm do livro de Crrea, as obras de Carlos Fico apresentam mais documentos inditos
que comprovam que a chamada operao Brother Sam foi realizada com ampla participao dogoverno americano, sobretudo na figura do embaixador Lincoln Gordon. claro que um
governo no pode ser resumido figura de uma s pessoa e que o prprio Gordon sofreu
, a tese de
que o golpe militar fora 100% brasileiro veio por terra. O embaixador americano Lincoln
Gordon chegou a declarar textualmente isso ao afirmar que o governo dos EUA no teve
nenhuma participao no acontecido. Tais declaraes no se sustentaram quando a
documentao veio tona.
77RAPPOPORT, op. cit., p. 73.78CRREA, op. cit.
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inmeras crticas dentro dos EUA, pois havia setores da sociedade e do governo americano que
foram contrrios ao golpe e protestaram durante todos os anos contra a ditadura militar
brasileira79
No s permaneciam inalteradas como foi comemorada nos EUA, sobretudo pelo
Executivo norte-americano, a derrubada de Joo Goulart. Por insistente recomendao do
embaixador, o presidente Johnson confirmou prontamente que reconhecia o novo governo
brasileiro, mesmo que outros pases ainda tivessem dificuldade em compreender o que
acontecia no pas
.
Com extensa documentao e densas obras, prova-se que se encontra ultrapassada taldiscusso; e incorpora-se neste texto a tese de que o governo norte-americano no s sabia,
como participou ativamente do golpe militar de 1964. De fato, os EUA foram os primeiros a
reconhecer o novo governo militar recm-instalado no Brasil.
Em 03 de abril de 1964, apenas trs dias aps o golpe, um porta-voz do Departamento
de Estado norte-americano declarou que as relaes diplomticas com o Brasil permaneciam
inalteradas. Ao ser perguntado se os EUA iriam chamar o embaixador Gordon para consultas, o
mesmo porta-voz rechaou a medida prontamente, dizendo que os canais diplomticos com o
Brasil operavam dentro da normalidade e que Washington recebia informaes regulares da
Embaixada no Brasil.
80. O ministro das Relaes Exteriores do Peru era um desses e afirmou que
no entendia o que se passava no Brasil, mas que, se havia o apoio dos EUA na operao,
porque deveria haver um bom motivo para tanto.81
No mesmo dia 03, o presidente norte-americano Lyndon Johnson garantiu ao presidente
da Cmara, deputado Ranieri Mazzilli, que aumentaria a ajuda econmica ao Brasil. Johnson
parabeniza Mazzilli pela posse como presidente do Brasil e oferece amplo apoio financeiro na
79Lanado no Brasil em 2009, o livroApesar de vocs: oposio ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985, do professor de histria e estudos brasileiros na Brown University James N. Green, descreve como algunssetores da sociedade e mesmo do governo norte-americano foram desde o princpio, seja por motivos religiosos,filosficos, polticos, seja de foro ntimo, contrrios ditadura militar brasileira e que, apesar da poucarepercusso, quer l, quer c, se fizeram ouvir e inspiraram anos mais tarde a poltica condenatria dos direitoshumanos orquestrada pelo presidente Jimmy Carter.
80FICO, op. cit., p. 12881Idem, p. 127.
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busca pelo desenvolvimento econmico e social do pas. E afirma ainda que o Brasil um
grande aliado na busca pela paz e segurana do continente americano.
Complementando a ajuda econmica, os EUA aumentam tambm o envio de recursos
para gastos militares a todos os pases da Amrica Latina, incluindo como grande aliado agora oBrasil82
opinies do Embaixador esto fadadas a ampla repercusso na opinio pblica norte-americana e, contrastando com a reserva at agora mantida pelo governo deste pas,representaro pesado golpe de crdito de compreenso para com a orientao dogoverno brasileiro, a qual, como tenho informado Vossa Excelncia vem sendodestorcida (sic) na imprensa deste pas
.
Embora houvesse grande alegria e at mesmo pressa em reconhecer o governo brasileiro
que acabara de dar o golpe, os americanos se dividiam quanto aos rumos que poderia o Brasil
tomar se o novo governo continuasse recebendo apoio irrestrito dos EUA.
O New York Times publicou uma matria criticando o embaixador Gordon aps uma
palestra que este havia dado na Escola Superior de Guerra. Segundo telegrama enviado pela
embaixada brasileira em Washington, as
83
No mesmo telegrama, a Embaixada do Brasil em Washington busca orientao do
presidente brasileiro no sentido de enviar a jornais e revistas um comunicado relatando o ponto
.
Gordon havia proferido dias antes um discurso na Escola Superior de Guerra em que
exaltava o novo governo brasileiro e concedia amplo apoio dos EUA s polticas brasileiras de
estabilizao econmica. Afirmou tambm que a ao do Exrcito no Brasil poder tomar seu
lugar como um dos pontos crticos de mudana da Histria no meado do sculo XX, ao lado do
incio do Plano Marshall, do fim do bloqueio de Berlim, da derrota da agresso comunista na
Cor ia e da soluo da crise da base de msseis em Cuba.
82O GLOBO. Maior ajuda dos EUA s Foras Armadas da Amrica Latina. 15.04.1964, p. 8.83Telegrama confidencial da Embaixada em Washington. SG/DAS/DI/500. 06.05.1964.
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de vista do governo acerca da situao no Brasil, evitando assim reportagens crticas como a do
New York Timese a do Washington Post, esta intitulada Military dictatorship grips Brazil,
endereadas nova ditadura e discutindo o rumo que o Brasil poderia tomar com o apoio
irrestrito do governo norte-americano na figura do embaixador Lincoln Gordon.
Alguns setores dos EUA aumentaram ainda mais as reticncias com relao ditadura
brasileira aps a promulgao de um Ato Institucional. Redigido por Francisco Campos, foi
editado em 09 de abril de 1964 pela junta militar e passou a ser designado como Ato
Institucional n 1 (ou AI-1, mas somente aps a divulgao do AI-2). Com onze artigos, o AI-1
dava ao governo militar o poder de alterar a Constituio, cassar mandatos legislativos,
suspender direitos polticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar
compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurana do pas, o regime
democrtico e a probidade da administrao pblica.
Marcavam-se eleies indiretas para a Presidncia da Repblica no dia 11 de abril de
1964, mantida a previso de trmino do mandato presidencial em 31 de janeiro de 1966, quando
expiraria a vigncia do ato. De fato, os principais temores de parte dos americanos se
concretizavam: cassao de direitos polticos, eleies indiretas e prises arbitrrias. A situao
se agravou com a edio do Ato Institucional n 2, de 27 de outubro de 1965.
Em 1965, com a vigncia do AI-1 prestes a vencer, o poder estabelecido com o golpe
militar procurou uma maneira de continuar no poder sem as eleies que estavam marcadas
para janeiro do ano seguinte. Com o AI-2, postergou-se a data para 3 de outubro de 1966. Nesta
eleio, no poderia o presidente Castello Branco reeleger-se.
Castello mostrava-se em dvida com relao a tais medidas, porm precisava abrandar a
chamada linha dura do Exrcito84. Por conter prorrogao de mandato presidencial, alm da
cassao de inmeros polticos, as relaes do Brasil com os EUA sofreram um primeiro abalo
com a edio do segundo Ato Institucional, e Castello e os moderados pareciam saber disso 85
84VIANA FILHO, Lus. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1976, p. 335.85GREEN, op. cit., p. 10.
,
da a resistncia ao documento. Os americanos, sobretudo do Poder Legislativo, pareciam
demonstrar preocupao com o nmero de prises e cassaes de mandatos no Brasil.
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Alm da manuteno no poder e de eleies indiretas, o AI-2 dissolveu todos os partidos
polticos, fato que desagradou enormemente alguns polticos em Washington86
Embora houvesse problemas e desconfianas de ambos os lados, EUA e Brasil, sem
dvida alguma, melhoraram as relaes desde os dias finais do governo Joo Goulart. Visto
com desconfiana pelos americanos, Goulart foi perdendo apoio considervel do pas do Norte.
Ao chegar ao poder, uma das primeiras declaraes dadas por Castello Branco foi de total
solidariedade com o sistema ocidental e americano
. Wayne Morse,
senador democrata pelo Estado de Oregon, criticou duramente o governo brasileiro aps a
edio do AI-2.
Green mostra que, embora o Executivo norte-americano tenha sempre prestigiado o
regime militar e endossado a represso, parte do Congresso no partilhava essa avaliao. A
reao comeou com o senador Robert Kennedy e ganhou mais consistncia com outro senador,
W. Morse, que j se destacara pela oposio Guerra do Vietn.
Em um primeiro momento, Morse foi quase uma voz solitria, contestando as sucessivas
rupturas constitucionais. Criticou em especial a represso na Universidade de Braslia (UnB).
S dois outros senadores o respaldaram. Mais tarde, porm, ganharia mais apoio. Morse foi
inicialmente favorvel ao governo brasileiro, mas se desiludiu quando da edio do Ato
Institucional n. 2. Para alguns setores norte-americanos, o Ato foi o fim do que consideravam
como um governo a ser seguido. O pragmatismo de evitar nova revoluo comunista na
Amrica Latina no valeria a pena, aos olhos desses setores, se fosse implementada uma
ditadura militar nos pases abaixo do Rio Grande.
87
Por essas declaraes e aes no campo hemisfrico, alguns autores classificaram o
perodo do primeiro governo militar como sendo de alinhamento automtico com os EUA. A
literatura especializada conceituou o conceito de interregno
.
88
86Idem, p.117.87CASTELLO BRANCO, op. cit, p. 109.88CERVO, Amado. Luiz; BUENO, Clodoaldo.. Histria da poltica exterior do Brasil.3. ed. Braslia: EdUnB,2008. Os autores nomeiam o captulo que trata da poltica externa do governo Castello Branco como O Interregnode Castello Branco.
para classificar o perodo.
Interregno porque a tendncia natural da diplomacia brasileira seria de busca por mltiplos
parceiros, em detrimento do alinhamento com um s. A poltica externa independente teria sido
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a expresso maior dessa tendncia. Outro ponto de crtica seriam as enormes ajudas
econmicas recebidas pelo pas dos EUA.
Esses emprstimos vieram para salvaguardar o novo governo. Em junho de 1964, os
EUA enviaram 50 milhes de dlares (cerca de 60 bilhes de cruzeiros) para que o pasestabilizasse as contas. O embaixador Lincoln Gordon, presente assinatura do emprstimo,
afirmou que novos auxlios estariam previstos para o Brasil por meio da Aliana para o
Progresso89
Meu caro Senhor presidente. Recebi, por intermdio de seu Embaixador, a mensagem de VossaExcelncia relativa aos ataques armados do Vietname do Norte contra navios de guerra norte-americanos em alto-mar. Vossa Excelncia tem razo ao imaginar que sua profunda preocupaoante esse ataque por mim compartilhada. Considero esse recurso a fora contrria a Carta das
Naes Unidas. Entendo que ele justifica plenamente o exerccio do direito de legtima defesa,como praticado pelos Estados Unidos da Amrica. Dei instrues ao representante do Brasil noConselho de Segurana para que ali atue de acordo com o que precede, manifestando nossaesperana de que as autoridades do Vietname do Norte modifiquem sua atitude e de que todos osgovernos se esforcem no sentido de impedir o agravamento das tenses no Sudeste da sia. Aomanifestar a Vossa Excelncia minha solidariedade, fao-o no mesmo desejo de paz e no mesmo
. De fato, a ajuda chegou alguns meses mais tarde, em setembro do mesmo ano.
A ajuda econmica era apenas o pretexto para o Brasil se aliar de fato com os EUA em
assuntos considerados prioritrios para o governo norte-americano. Entre os quais o combate ao
comunismo no continente e no mundo, alm da disposio do Brasil em ajudar com tropas em
alguns conflitos. De fato, a liderana brasileira na Misso de Paz na Repblica Dominicana,
ocorrida no mbito da OEA, vem nesse sentido, assim como a proposta de criao de uma
Fora Internacional Permanente no continente americano, frustrada pelos pases latino-
americanos.
Durante todo o governo Castello Branco, os Estados Unidos colocaram em pauta a
participao do Brasil na Guerra do Vietn. Diferentemente da Repblica Dominicana, pas no
qual o Brasil tinha interesse, o Vietn parecia extremamente distante e longe dos interesses
brasileiros. O Brasil, no entanto, sempre se comportou de forma solidria aos EUA, conforme
atesta carta de agosto de 1964 do presidente Castello Branco enviada aps ataques a lanchas
americanas no Vietn:
89JORNAL DO BRASIL. EUA do Cr$ 60 bilhes para estabilizar o Brasil. 25.06.1964, p. 1.
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