CASO CLÍNICO – H. ERASTO GAERTNER
AUGUSTO PASSONI SLOVINSKI – CEPETI 2015
ANAMNESE
03/03/15
ID: ELC, masculino, 58 anos, casado, natural e procedente de Curitiba
QP: lesões hepáticas e pancreática
HDA: encaminhado da UPA com quadro febril de 15 dias de evolução, com hiporexia, emagrecimento NR, sudorese e náuseas. Exame laboratorial externo com leuc 85.000 (22% B/ 4% M/ 3% MM). Relato de uso de rocefin e clindamicina. TC de abdome com lesão sólida em cabeça de pâncreas e imagens nodulares no fígado.
RS: sem especificações
HMP: ex-tabagismo e ex-etilismo, abstinente há 10 anos.
Exame físico
REG, GCS 15, ictérico 1+/4+, depletado, emagrecido
PA: 100x80 FC: 112 Tax: 34,8
AP: sp
Abdome: RHA +, dor em epigástrio e HCD, fígado palpável a 4cm RCD e massa em epigástrio
MMIIs: edema 2+/4+, sem empastamento
Conduta:
Exames laboratoriais
04/03
Plano de internação
Iniciado tazocin
05/03/15
Exame físico
PA: 100x80 FC: 112 afebril
Exame segmentar mesmo padrão
Conduta:
Exames laboratoriais
Tomografias de tórax e abdome/pelve
Sorologias
Tazocin, hidratação, complexo B
Agendar imunofenotipagem de sangue periférico
Biópsia hepática
Hb 12,2
VG 36,6
Leucócitos 190.000
Eosinófilos 119.700 (63%)
Linfócitos 3.800 (2%)
Bastões 28.500 (25%)
Metamielócitos 3.800 (2%)
Mielócitos 3.800 (2%)
Plaquetas 315.000
CA 19.9 29,4 (0 - 33)
CEA 0,72 (0 - 9)
AFP 0,82 (0 – 7,22)
HIV NR
Anti-HBs NR
HBsAg NR
Anti-HCV NR
Ácido úrico 2,9
BT 5,5
BD 5,3
Creatinina 0,8
FA 200 (38 - 126)
TGO 37
TGP 48
LDH 1088
Tomografia de Tórax:
-Derrame pleural à direita com atelectasis restritivas no lobo inferior adjacente
-Restante do parênquima com atenuação preservada
-Ausência de linfonodomegalias mediastinais
-Hilos livres
Tomografia de abdome/pelve:
-Fígado com dimensões preservadas, contornos lobulados e parênquima heterogêneo às custas de imagens nodulares e hipoatenuantes, prováveis implantes secundários
-Nódulo hipoatenuante a mal-definido, no corpo do pâncreas, maior eixo 34 mm, superfície de contato com o tronco celíaco e com a veia esplênica
-Pequena quantidade de líquido livre na cavidade
06/03
EF: mesmo padrão
Conduta:
Tazocin, hidratação
BMO + Mielograma
MIELOGRAMA:
MO: discretamente hipercelular
Eritropoiese: diminuída
Leucopoiese: hipercelular com 45% eosinófilos
Megacariócitos: raros e liberando plaquetas
=> Sem descrição de blastos
07/03
Mesma evolução
Conduta
Aguardando laudo do mielograma
Tazocin, hidratação, complexo B
08/03
Mesma evolução
Conduta
Aguarda laudo do mielograma
Tazocin, hidratação, complexo B
Furosemida
09/03
PA: 100x80 FC: 112 afebril spO2: 94% em aa FR: 28
ACP: sp
Abdome: mesmo padrão
Edema de bolsa escrotal
MMIIs com edema 3+/4+
Conduta
Diureticoterapia
Tazocin, hidratação, complexo B
Albendazol, ivermectina
Prednisona 40mg
10/03
Mesma evolução
Conduta
Prednisona 40mg
Albendazol 400mg
Furosemida 40 mg
Hidratação
Hb 8,7
VG 35,8
Leucócitos 278.000
Eosinófilos 177.920 (64%)
Linfócitos 2780 (1%)
Bastões 47.260 (17%)
Metamielócitos 2780 (1%)
Mielócitos 5560 (2%)
Plaquetas 173.000
Creatinina 3,2
Ureia 169
Potássio 4,7
Sódio 138
PCR 9,1
11/03
Mesma evolução
Conduta
Acresentado lactulona
=> Ao longo do dia paciente encaminhado para UTI por RNC com insuficiência respiratória aguda
Hb 9,2
VG 33,6
Leucócitos 281.000
Eosinófilos 165.790 (59%)
Linfócitos 5620 (2%)
Bastões 30.910 (11%)
Metamielócitos 16.680 (6%)
Mielócitos 5620 (2%)
Plaquetas 97.100
BT 9,1
BD 8,7
Potássio 4,7
Sódio 139
TGO/TGP 48/46
Ureia 201
ADMISSÃO UTI – 11/03
Admitido em sedação com propofol e fentanil, RASS -5 SOFA 18
Pupilas isocóricas e fotorreagentes
Estável hemodinamicamente, sem dva
Em vm PCV 18, PEEP 5 FiO2 0,35, spO2 95% - PaO2/FiO2: 135
Enchimento capilar lentificado, afebril
Abdome globoso, flácido
Conduta
Punção de cvc e PAi
Dexametasona 4mg EV 6/6h
Albendazol 400mg
Sedação com propofol
Hb 10,2
VG 29,7
Leucócitos 222.000
Eosinófilos 146.520 (66%)
Linfócitos 11.100 (5%)
Bastões 33.300 (15%)
Metamielócitos 6.660 (3%)
Lactato 3,8
BT/BD 8,6/8,2
Creatinina 3,7
Ureia 212
Potássio 4,6
Sódio 137
Albumina 1,8
TGO/TGP 27/38
Cai 0,89
RNI 3,45
KPTT 42 (1,4)
Plaquetas 121.000
pH 7,18
pCO2 37,8
pO2 47,5
HCO3 14,1
BE -14,1
satO2 73,9%
12/03 APACHE 36 SOFA 18
Dieta enteral. Sem evidências de sangramento. Afebril
Sedação com propofol 5ml/h, fentanil 10 ml/h, rass -3
Macrohemodinâmica compensada com noradrenalina < 0,1 mcg/kg/min
EC 3 seg
Em vm, PCV 18, PEEP 5, FiO2 0,35, FR 30, spO2 95% - PaO2/FiO2: 128
Anasarca, icterícia 4+/4+
Petéquias em axila esquerda
Sem LNM periférica
Abdome globoso, com edema de parede
AC sp, ritmo sinusal
AP com MV diminuído bibasal
DU 800ml
pH 7,08
pCO2 46
pO2 45
HCO3 13,6
BE -16,3
satO2 65%
Hb 11,3
VG 32,4
Leucócitos 241.000
Eosinófilos 98.810 (41%)
Linfócitos 7.230 (3%)
Bastões 57.840 (24%)
Plaquetas 154.000
PCR 16,7
BT/BD 8,8/8,5
Creatinina 3,8
Ureia 219
Potássio 4,8
Sódio 137
RNI 2,06
KPTT 41,4 (1,39)
Albumina 2,1
Lactato 7
TGO/TGP 48/41
- Leucose aguda hipereosinofílica => S. hipereosinofílica? Leucemia? Linfoma leucemizado?
- Insuficiência Hepática Fulminante => infiltração neoplásica? MELD-Na 39
- IRA não oligúrica, => disfx hepática?
- Dissociação gasometria/spO2 => leucocitose
- Sem evidências de sepse
- Acidose lática grave => disfx hepática e renal
Conduta
Prova expansão volêmica com albumina
Albendazol 400mg => D4/D5
Metilprednisolona 1mg/kg
CVC para HD
Ajuste do vm para acidose, mas faixa segura pela encefalopatia hepática
Enviado amostra de sangue periférico para imunofenotipagem
Sem ATB => D9 tazocin + rocefin/clindamicina UPA
Ecocardiografia transtorácica
Monitorização de HIC, sangramentos
Estimulação de evacuação com Murphy (constipado há 7 dias)
Aferição de PIA
13/03 SOFA 17
Clinicamente mesmo padrão, afebril
Sedação com propofol e fentanil, rass -3; pupilas isofoto
Noradrenalina <0,1 mcg/kg/min, PAM alvo, extremidades quentes
FC 90 – 100, sinusal
Em VM, PCV 18, PEEP 5, FiO2 0,4, spO2 94%
Oligoanúrico => 0,3 ml/kg/h
Restante do exame físico mesmo padrão
Hb 9,9
VG 28,2
Leucócitos 176.000
Eosinófilos 72.160 (41%)
Bastões 33.440 (19%)
Metamielócitos 7.040 (4%)
Mielócitos 7.040 (4%)
Plaquetas 108.000
Lactato 3,8
BT/BD 14,9/14,6
Creatinina 4,9
Ureia 211
Fósforo 9
Magnésio 2,4
Potássio 5,1
Sódio 133
Cai 0,85
LDH 4996
PCR 11,3
TGO/TGP 449/171
RNI 2,23
KPTT >170
pH 7,1
pCO2 37
HCO3 11,3
Deterioração função hepática e renal
Leucose a/e => melhora discreta
Síndrome de Lise Tumoral?
Plaquetopenia
Conduta
Mantida
Vigilância para sepse
HD com plano de UF
Alopurinol 100 mg
14/03 SOFA 20
Sedação mantida, rass -4
Macrohemodinâmica sustentada com noradrenalina <0,1 mcg/kg/min
Em VM, com PEEP 8 e FiO2 0,5 spO2 93%
Anúrico, anasarca
Afebril
pH 7,07
pCO2 47
HCO3 13,5
BT/BD 16,9/16,6
Creatinina 4,2
Ureia 172
Potássio 4,4
Sódio 130
Lactato 4,8
Hb 9,3
VG 26,8
Leucócitos 156.000
Eosinófilos 68.640 (44%)
Bastões 32.760 (21%)
Plaquetas 79.000
PCR 12,2
Ecocardiografia transtorácica
Dimensões de câmaras normais
FEVE 64%
Função sistólica preservada, padrão de relaxamento diminuído
Sem disfunção valvar
Sem evidências de hipertensão pulmonar
Disfunções mantidas
Plaquetopenia progressiva
Conduta
Metilprednisolona 125 mg 6/6h
Vigilância para sepse
Hemodiálise diária
Mantido demais suporte
15/03 SOFA 20
Sedação mantida, rass -4
Suporte hemodinâmico => noradrenalina <0,1 mcg/kg/min
Anúria, afebril
VM PCV 18, FR 28, PEEP 10 FiO2 0,5 spO2 93%
pH 7,18
pCO2 35
HCO3 13,1
Potássio 4,6
Sódio 126
Ácido úrico 6,7
BT/BD 16,2/15,6
LDH 1544
RNI 1,47
Albumina 2,6
TGO/TGP 81/135
PCR 13,5
Creatinina 4,3
Ureia 163
Hb 8,8
VG 25,7
Leucócitos 139.000
Eosinófilos 65.330 (47%)
Bastões 11.120 (8%)
Plaquetas 81.300
Lactato 6,8
Melhora discreta da leucocitose
Sem evidências consistentes de sepse
Diminuição da hiperproliferação celular? => LDH em queda
Conduta
Mantido todo suporte
HD 2000ml UF
16/03 SOFA 20
pH 7,15
pCO2 33,5
HCO3 11,6
Cai 1
BT/BD 15,9/15,6
Creatinina 3,7
Ureia 160
Potássio 4,5
Sódio 122
PCR 6
RNI 1,32
Lactato 5,9
Hb 8,9
VG 26,2
Leucócitos 87.400
Eosinófilos 16.606 (19%)
Bastões 12.236 (14%)
Plaquetas 110.000
Evidências laboratoriais de melhora da disfunção hepática
Leucocitose e eosinofilia em queda
Sem evidências consistentes de sepse
Conduta
Mantida
HD 2000ml UF
17/03 SOFA 19
No início da manhã foi tentado repassar SNG com relato de trauma durante a inserção e sangramento moderado e limitado em orofaringe, sem repercussão hemodinâmica.
Posterior visualização de conteúdo em borra de café não sustentado pela SNG.
Relato de episódio febril isolado (38,6) durante a noite.
Suporte clínico mesmos parâmetros, afebril, oligoanúria
Potássio 4,5
Sódio 122
Cai 0,96
pH 7,35
pCO2 21,9
HCO3 11,7
Lactato 3,6
BT/BD 16,1/15,5
Creatinina 4,1
Ureia 183
PCR 9,2
Hb 9,2
VG 27
Leucócitos 54.400
Eosinófilos 2.176 (4%)
Bastões 10.880 (20%)
Plaquetas 137.000
RNI/KPTT 1,27/0,93
IMUNOFENOTIPAGEM
55,9% de eosinófilos e linfopenia T
Ausência de clones
Síndrome Hipereosinofílica
Melhora gradual da função hepática
Sem novos sangramentos
PCR + bastonetose + BT + episodio febril => nova sepse?
Conduta
Culturas => caso nova disfunção iniciar ATB empírico
EDA => caso sangramento
Pulsoterapia com metilprednisolona 1g/d por 3 dias
HD diária
Biópsia hepática transcutânea
A noite paciente evoluiu com quadro de HDA e choque hemorrágico, com óbito declarado às 6h do dia 18/03
Motivo????
Sangue de cvc de hemodiálise:
KPC
Enterococcus faecalis sensível a ampicilina
Sangue de cvc central:
Acineto MR
Sangue periférico
Acineto MR
Biópsia Hepática:
- Proliferação celular focal atípica
Biópsia de Medula Óssea:
- Medula óssea hipercelular para a idade compatível com leucose mieloide
CONSIDERAÇÕES
1) Se a definição de síndrome hipereosinofílica fosse feita mais precocemente, com pulsoterapia precoce o desfecho seria outro?
2) Houve falha na identificação de quadro séptico na UTI? ATB teria feito diferença no final do quadro?
3) Como havia contra-indicação de tx hepático, houve futilidade na terapêutica em algum momento?
4) Até que ponto pode-se acreditar em acidose metabólica grave, já que a leucose severa altera a interpretação da gasometria
REVISÃO DE LITERATURA
HIPEREOSINOFILIA
E
SÍNDROME HIPEROSINOFÍLICA
HIPEREOSINOFILIA
Céls multifuncionais que residem em tecidos (baço, LNM, TGI, timo, glândulas mamárias e útero)
Imunidade inata, inflamação e resposta homeostática
Tipicamente no sg periférico < 500 céls/mm3
Principal citoquina eosinofilopoietica IL-5
Hipereosinofilia:
1)Primária => clonais
2)Secundária/reacional => mais comum; expansão policlonal com superprodução de IL-5
3)Idiopática
3 graus de severidade:
Leve => 500 – 1500
Moderada => 1500 – 5000
Grave => >5000
Hipereosinofilia => >1500 -> dano tissular independente da causa
Níveis periféricos não são fidedignos em determinar lesão tissular, como os níveis tissulares de eosinófilos (PNM eosinofílica níveis periféricos normais)
Principais órgãos afetados: pele, pulmões, TGI, coração, SNC/SNP
Independente da causa, se pcte apresentar disfunção SNC, cardíaca ou eosinófilos > 100.000 => METILPREDNISOLONA 1mg/kg/d
Lembrar do tratamento empírico de estrongiloidíase => superinfecção
SÍNDROME HIPEROSINOFÍLICA
Prevalência 0,36 a 6,3/100.000
Critérios diagnósticos:
Eosinófilos > 1500 por > 6m
Sem causa 2ª identificada
Evidência de infiltração e dano tissular
Infiltração pele, pulmões, TGI, coração, SNC/SNP
Coração:
3 estágios => podem sobrepor-se
1) Necrose aguda => fase inicial de dano endomiocárdico, formação de microabscessos estéreis. Geralmente silenciosa clinicamente. Eco geralmente normal. Troponina e RNM auxiliam. Bx define
2) Intermediária => formação de trombo no endocárdio lesado. Risco de embolização
3) Fibrosa => miocardiopatia restritiva com IC, lesão de cordoalha com disfx valvar
SNC e SNP:
1)Embolia cerebral => eventos isquêmicos. Embolização cardíaca
2)Encefalopatia => comportamento, marcha, memória, equilíbrio. Podem ter manifestação de 1 º neurônio motor
3)Neuropatia periférica => envolvimento sensitivo, com ou sem motor. Simétrico ou assimétrico
Pele:
1)Eczema
2)Eritrodermia
3)Angioedema, uritcária recorrente
4)Dermografismo
Pulmão:
1)Infiltrado intersticial => vidro-fosco
2)Derrame pleural
3)Linfadenopatia intratorácica
4)Fibrose
TGI:
1) Gastrite
2) Enterite
3) Colite
2 variantes
=> Mieloproliferativa -> mutação FIP1L1/PDGFRA => tirosino quinase de fusão
=> Linfoproliferativa -> linfócitos T clonais
Evolução variável => quadros fulminantes de IC
Tratamento
1) Corticoterapia
2) Imatinib => mutação F/P
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KLION, A. D. Recent Adavances in the Diagnosis and Treatment of Hypereosinophilic Syndromes. Hematology, 2005
KLION, A. D. How I treat Hypereosinophilic Syndromes. Blood, v 114, n 18, oct 2009
ROUFOSSE, F., WELLER, P. F. Practical Approach to the Patient with Hypereosinophilia. J Allergy Clin Immunol, 126 (1): 39-44, jul 2010
Top Related