Casal de Quintanelascria vaca mais rentávePoucas vacarias serão tão limpas e tranquilas como a do Casal de Quintanelas,situada em Sabugo, às portas da cidade de Lisboa. A empresa, fundada há 56 anos,desde 1968 que não compra uma vaca e atualmente desenvolve a criação dum tipode animal só seu.
Texto . João Barbosa
Fotos . Gil Garcia
A verdade é que ninguém está nos negócios
para perder dinheiro, embora a esperançaprolongue o tempo. Com quase 6o anos, o
Casal de Quintanelas tem de adotar uma
apertada política de custos e esforço de ren-
tabilidade, por forma a singrar. Tem-no con-
seguido, e a gestão diária não aponta para
um desaire. Todavia, o trabalho c muito.
O preço do leite em Portugal coloca os
produtores portugueses no fio da navalha,
obrigando-os a um grande esforço para con-
seguir a rentabilidade necessária. O valordo litro ronda os 0,33 €/litro. O leite é maisbarato do que a água, ironiza Alexandre de
Arriaga e Cunha, proprietário e gestor do
Casal de Quintanelas."O que nós queríamos era 40 cêntimos porlitro" - diz. Esse valor permitia que a em-
presa vivesse confortavelmente. Como talestá longe, é na eficiência que se centra o
trabalho diário.
O Casal de Quintanelas emprega atualmen-
te dez pessoas, a que se junta o proprietário.Todos têm de assumir várias funções, e o
gestor não fica de fora: ajuda nos partos, a
carregar animais, a alimentá-los.
Inovação genéticaA inovação genética começou também em
2007, considerado como o ano da viragemdo Casal de Quintanelas. "Com a infertili-dade e a fragilidade dos animais a torna-
rem-se incomportáveis, decidimos recorrera touros de outras raças leiteiras para cru-
zar com as nossas vacas com o objetivo de
tirar partido do vigor híbrido daí resultan-
te" - adianta Alexandre de Arriaga e Cunha.
"Os critérios de escolha dos reprodutorescontinuam a ser os mesmos, só que os genesvêm de raças diferentes daquela a que te-
mos recorrido nos últimos 50 anos". Assim,
cruzam-se as IJolstein Frísia com as raçasMontbcliarde e Swedish Red.
"Depois de cinco anos com este projeto em
curso e já com 60% de vacas cruzadas no
efetivo leiteiro, está confirmada uma gran-de redução do 'intervalo entre partos' e dos
'dias em aberto', entre outros parâmetrosestatísticos, assim como um incremento na
saúde e resistência geral dos animais. Esta-
mos motivados na prossecução do nosso ob-
jetivo de obter uma manada de vacas 'fun-
cionais', que nos permita fazer apenas duas
ordenhas diárias e chegar a um maneio de
tal forma eficiente que torne possível uma
seleção mais apertada, a venda de novilhas
e um aumento na produtividade".
Solos e alimentaçãoNa propriedade não existe disponibilidade
para rega e o solo com pouca produtivida-de. "Nalguns casos têm menos de uma mão
travessa de espessura. Esses solos delgadosnão têm qualquer outra hipótese de apro-veitamento além do prado permanente", dizAlexandre de Arriaga e Cunha, proprietá-rio da exploração. Todavia, adianta, quena área Norte existem terrenos basálticos
'bastante bons', que eslão reservados paraforragens anuais.
No total, são cerca 260 de território: 100
hectares de exploração por conta própria,onde estão os prados permanentes parapastoreio direto; perto de 20 hectares de
prado permanente em terras arrendadas; 40hectares por conta própria para forragensanuais para ensilar e outros 100 arrendados
para o mesmo fim."Os prados permanentes são constituídos
por consociações de gramíneas e legumino-sas, variando a sua composição conforme a
topografia e a capacidade do solo para reter
a água. Como forragens para ensilar é cul-
tivado azevém anual", afirma Alexandre de
Arriaga e Cunha.
"Habitualmente utilizamos a pré-secagemda erva, pois isso oferece maiores garan-tias de uma boa fermentação no silo. Essa
pré-secagem varia em tempo, conforme as
condições climatéricas, mas queremo-la re-duzida ao mínimo para evitar uma exage-rada lenhificação da forragem", prossegueo criador.De acordo com Alexandre de Arriaga e
Cunha, a pré-secagem permite poupar em
aditivos, sendo utilizado apenas ácido fór-
mico na última camada de erva, imediata-
mente antes do fecho do silo. "Procura-se,embora nem sempre se consiga, ensilar er-
va com 30% de matéria seca. Em anos ex-
cecionais conseguimos fazer um primeirocorte entre janeiro c fevereiro, para fazerfardos enrolados, em plástico, sob a forma
de fenossilagem, com 50% de matéria seca,
que ministramos às vacas em produção,com excelentes resultados, outro corte para
silagem entre março e abril e um terceiro
corte em maio. Em anos de baixa pluviosi-
dade conseguimos assim fazer três cortes
duma mesma forragem, todos antes do es-
pigamento, sendo, no entanto, mais vulgarfazer dois cortes para ensilar e um terceiro
para fenar".
"Os vitelos bebem a primeira refeição de
colostro das mães logo após o nascimento,ainda na sala de partos. A segunda refeiçãotambém se procura que seja de leite da mãe,
a menos que tenha havido outro parto en-
tretanto em que tenha sobrado colostro. No
viteleiro, o leite é ministrado por uma ama-mentadora automática programável quefornece as quantidades que considerarmosmais adequadas à fase e ao estado de saúde
de cada vitelo" - explica Alexandre de Ar-
riaga e Cunha.
Depois do desmame, "a dieta sofre umabrusca alteração e passa a ser igual à das va-
cas adultas em fim de lactação, que consiste
numa mistura tipo Unifeed. Com este tipode alimentação temos assistido a um cresci-mento muito bom dos animais".
Após os seis meses, as vitelas passam parauma alimentação composta por três quilosde concentrado, feno à discrição e, quando o
tempo o permite, pastagem. "Tem-se o cui-
dado de evitar que a quantidade de concen-trado ultrapasse os três quilos diários, para
que as fêmeas não engordem em excesso o
que prejudicaria a sua produtividade futura".Ate cerca do sexto mês de gestação, as vi-telas andam na pastagem. "Por essa alturavêm para casa, para um estábulo com cubí-culos semelhantes aos das vacas em lacta-
ção, para se adaptarem a esse tipo de esta-
bulação. Perto dos dois anos dá-se o primei-ro parto e, a partir daí, não voltam a pastar.Mesmo durante o período seco, as vacasficam estabuladas, embora com espaço pa-ra recreio nesta fase importante da sua vida
produtiva".As vacas ficam secas durante 56 dias, no
caso de todas as primeiras barrigas e vacas
magras, e 36 dias no caso de vacas com con-
dição corporal maior ou igual a quatro, "em
que comem uma dieta completa que equiva-le a 30% da das vacas em lactação, mas maisfibrosa pois têm feno à discrição"."As vacas em fim de lactação, com produ-ções inferiores a 25 litros por dia comemuma dieta menos concentrada em energiae mais forrageira, com 60% de forragem e
40% de concentrado".
Efetivo animalA manada é hoje de 280 vacas adultas, "io-das as crias fêmeas permanecem na explo-ração até ao parto. Não tem havido animaisa eliminar por baixa produtividade nos últi-mos anos". A infertilidade, as mamites e os
problemas dos cascos têm sido as principaiscausas de refugo.Nos dois primeiros anos, o Casal de Quin-tanclas dispunha apenas de cerca de 20 va-cas leiteiras, número que foi aumentando
gradualmente. "Eram todas vacas turmas
compradas em quintas nacionais. Em 1968foram importadas 19 fêmeas Holstein Frísiado Canadá. A partir de então todas as nossas
vacas leiteiras são nascidas na exploração".Em 19Ó2, o total do efetivo era de 90 cabe-
ças. "Não existe atualmente qualquer inte-resse económico em animais pouco produ-tivos. No ano de 2005, pela primeira vez navida do Casal de Quintanelas, vendemos 20
novilhas, com cerca de sete meses de gesta-ção, a um outro produtor de leite, venda essa
que nos veio mostrar que, com um maneio
melhor, teremos mais animais e talvez pos-samos, no futuro, repetir este tipo de negó-cio que representa uma mais-valia e promo-ve a circulação de animais de elevado valor
genético entre explorações em Portugal"."O melhoramento genético da manada inci-diu inicialmente sobretudo na seleção das
fêmeas, eliminando as de baixas produçõese as que exibiam defeitos de conformação,principalmente no respeitante à suspensãoe ligamentos do úbere, pois sempre se consi-
deraram estas características, bem como os
deficientes aprumos e maus cascos, os prin-cipais defeitos das nossas vacas leiteiras. Os
primeiros touros utilizados foram tourosholandeses importados pelo Estado, usados
em inseminação artificial com sémen refri-gerado; eram touros não testados" - explicaAlexandre de Arriaga e Cunha."Todas as novilhas são também insemina-das artificialmente o que representa ummaneio apertado e muito tempo dedicado à
observação dos cios. Tem sido muito benéfi-co ter a pessoa responsável pela reproduçãoa habitar na exploração. Os touros que uti-lizamos são de três categorias: Para todos
os animais à primeira inseminação, e paratodas as novilhas também à segunda, usa-mos sémen dos melhores touros que temos
em stocJí. Para vacas à segunda e terceira e
novilhas à terceira, usamos sémen de tourosde segunda categoria, menos caro".
De acordo com este produtor, inseminando
as vitelas todas com touros do melhor quehouver no mercado acelera-se o melhora-mento e rentabiliza-se mais eficientemente
o investimento, pois têm taxas de conceção
mais elevadas que as vacas e maior inflaçãogenética, pois estão uma geração à frenteem termos de melhoramento animal. "Nesteambiente de seleção constante, quanto maisjovem for o animal, em média, maior é o seunível genético".A seleção dos animais para procriação faz--se com auxílio de tecnologias fotográficae de vídeo. O big brothcr bovino permi-te rastrear o comportamento das vacas e
identifica-las.A produção de leite está estável desde 2003,com 11 500 litros em 305 dias. Portanto, bem
longe da produção, por vaca, de menos de
3800 litros num mesmo período, cm 1970.
O crescimento da empresaManuel Street de Arriaga e Cunha formou--se em Agronomia e, para lançamento de
vida, o pai comprou-lhe esta propriedadesituada no concelho de Sintra. Com a pas-sagem do tempo, foi passando as rédeas do
negócio para o seu filho, Alexandre de Ar-riaga e Cunha. Durante a transição, "o meupai dizia, com uma certa graça, que erameu empregado".Nesse ano de 1956, as vacas eram mantidasem instalações antigas, com os animais pre-sos à manjedoura. Essa situação manteve-seaté 1963. "Pouco tempo depois as vacas fo-
ram transferidas para uma estabulação livrecom cubículos. Foi uma instalação das pri-meiras do género em Portugal".Aliás, o caráter inovador do Casal de Quin-tanelas valeu-lhe aparições regulares no
programa de televisão TV Rural, apresenta-do por Sousa Veloso.
Em 1968 foram compradas as últimas va-cas. Desde então, todos os animais nascemna propriedade e são filhos da manada.Embora tenham um semental, o recurso é
normalmente feito com recurso à insemi-nação artificial.Um salto maior deu-se nas vésperas da en-trada de Portugal na então ComunidadeEconómica Europeia. "Em 1985 construiu--se uma sala de ordenha triespinha com ió
pontos de ordenha, que veio substituir o
anterior carrossel de oito. Com o passar do
tempo fomos tomando consciência de quehavia vários melhoramentos a fazer e semos quais a exploração dificilmente sobrevi-veria no futuro"."O estábulo das vacas em produção eralimpo a trator com pá de arrasto, operaçãoque, para manter as vacas relativamentelimpas, implicava a remoção dos dejetosduas vezes ao dia, o que representava se-te horas diárias de trator com operador só
para fazer limpeza, prejudicando enorme-mente o bem-estar dos animais e a saúde
financeira da empresa, pois tinha que terum funcionário exclusivamente dedicado a
esse serviço".
Hoje tudo é diferente, reconhece o produ-tor. "O novo estábulo dispensa também a
limpeza manual das manjedouras e dispõede cornadis, que permitem vacinar e colher
sangue aos animais em pouco tempo". Ouseja, as vacas encontram-se maioritaria-mente deitadas a ruminar, em camas queevitam que as fezes e urina as sujem. Todos
os dejetos caem assim para o solo, onde jánão se deitam. "Neste estábulo a remoçãodos dejetos já é feita por pás mecânicas, mo-vidas por três motores elétricos, de cavaloe meio de potência, o que proporciona umagrande economia. A higiene e o bem-estardos animais é incomparavelmente superioraos do estábulo antigo".
Em meados da década de 80, "a distri-buição dos alimentos às vacas, apesardas modificações introduzidas, tambémobrigava a muitas voltas e muito trabalhomanual. A limpeza diária das manjedou-ras para remover os restos do dia anteriortambém era muito trabalhosa e impossívelde mecanizar".Outra grande limitação da empresa erasó dispor de uma fossa em terra para re-colha dos dejetos, que no inverno trans-bordava, perdendo-se fertilizante naturale poluindo a ribeira local. "Resolvemos
por isso, em 1989, construir uma nitreiraem cimento com capacidade para mais de
3000 metros cúbicos e um novo estábulo
para as vacas em produção, com capaci-dade para 250 animais". Em 2003 foi cons-truída uma nova nitreira para recolher os
dejetos dos animais jovens que não estãoem produção.No que respeita à ordenha houve tambémuma natural evolução. Em 1993 foi cons-truída uma nova sala de ordenha, com 24pontos, de configuração paralela e de saída
rápida, "em que as vacas estão lado a ladoe as tetinas entram por entre os membrosposteriores dos animais, o que veio reduzirbastante o tempo de ordenha, sendo ao mes-mo tempo uma sala muito menos cansativa
para o operador"."Foi na altura a primeira do género em
Portugal. Com esta sala mais eficiente, foi
possível passar para três ordenhas por dia,tendo a nossa produção diária aumentado
15%. Esse aumento deveu-se também a me-lhoramentos ao nível da dieta alimentar queteve de ser alterada em função do aumentode produção previsto com a introdução daterceira ordenha".
"Em 2005 construímos um estábulo mo-derno com cubículos, limpeza mecânica e
cornadis para as vacas secas, pois a inexis-tência desta instalação era outra das defi-ciências da exploração. No ano de 2008 foiconstruído um viteleiro moderno com for-necimento automático de leite, em que osvitelos estão em grupo, com mais conforto,o que permitiu libertar um funcionário queesteve durante muitos anos em dedicaçãoexclusiva a este setor".
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