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Desde os primórdios de sua existência, o ser
humano busca na natureza não apenas o necessário à
sua subsistência, mas também recursos que permitam
melhorar progressivamente suas condições de vida. Além
das matérias-primas, a disponibilidade de energia, que
possibilite a transformação dos recursos naturais em bens
necessários (e até supérfluos), tornou-se fundamental.
Com a evolução da humanidade, o consumo de energia
cresceu sistematicamente, acelerando-se de forma tão
expressiva nas últimas décadas que a quantidade de
energia utilizada pelo homem apenas no século XX
superou a soma de todos os séculos anteriores.
A partir das descobertas e do uso da energia elétrica
na segunda metade do século XIX, o consumo de energia
passou a ser dividido em duas categorias: combustíveis
e eletricidade. Como diferentes combustíveis podem ser
utilizados para a geração de energia elétrica por meio
de termoelétricas, fontes como carvão, petróleo e gás
natural passaram a contribuir para as duas categorias.
Entretanto, ainda são muito pouco utilizados os processos
de produção de combustíveis por energia elétrica, de
forma que as fontes primárias de eletricidade, como
hidráulica, eólica e nuclear, contribuem apenas para a
segunda categoria.
Na matriz energética mundial atual predomina o uso
do petróleo e seus derivados (cerca de 34% do total),
utilizados principalmente nos setores de transporte e
industrial, com menor contribuição para a geração
Ennio Peres da Silva, João Carlos Camargo e Paula Duarte Chrestan*
Capítulo I
Recursos energéticos e meio ambiente: uma visão geral
Novo!Novo!
de eletricidade. Sendo a maior parte destes derivados
combustíveis líquidos nas condições ambientais, suas
aplicações em veículos automotivos são bastante usuais.
Associados com seus usos não energéticos, o setor
petroquímico se constitui em um dos mais importantes
ramos das atividades industriais da atualidade.
No caso da produção de eletricidade, prevalece o
uso do carvão mineral, que responde por cerca de 40%
do total consumido, sendo que suas reservas mostram
que essa fonte primária não renovável pode ser
explorada sem perspectiva de esgotamento pelo menos
nos dois próximos séculos. O carvão foi o combustível
da revolução industrial no século XIX, tornando-o
uma das fontes de energia elétrica mais baratas. No
entanto, seus efeitos deletérios são bem conhecidos
quanto à poluição ambiental, sendo uma das fontes
mais poluentes tanto no tocante à liberação de gases de
efeito estufa quanto com relação a gases que provocam
chuva ácida.
Apesar de abundante e relativamente barato, essa
característica de grande impacto ambiental foi um
dos principais fatores que impediram um aumento
significativo na importância do carvão na matriz
energética mundial. De fato, em mais de 30 anos, a
participação desta fonte passou de cerca de 38% da
produção mundial de energia elétrica (em 1973) para
41% atualmente (2009). Enquanto isso, fontes não
renováveis com menor impacto ambiental, como o gás
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natural e a energia nuclear, tiveram crescimento expressivo nesse
mesmo período, como pode ser visto no gráfico da Figura 1.
Por ter ainda grande importância como insumo energético, nas
últimas décadas foram desenvolvidas várias tecnologias visando a
diminuir o impacto ambiental da utilização do carvão para a geração
de energia elétrica como precipitadores eletrostáticos (ESP), redução
catalítica seletiva (SCR), captura e armazenamento de carbono (CCS)
e novos processos de dessulfurização.
Apesar desses avanços tecnológicos, o gás natural apresenta-se
como uma alternativa superior quanto aos impactos ambientais, pois
as modernas tecnologias de plantas termoelétricas que queimam
Figura 1 – Composição da oferta mundial de energia elétrica por fonte. International Energy Agency, 2011.
este combustível emitem a metade de CO2 que as mais modernas
plantas que processam carvão. Além disso, com as atuais taxas de
produção, as reservas mundiais recuperáveis de gás natural indicam
um horizonte de 250 anos.
A energia nuclear, por não emitir gás de efeito estufa, tem sido
defendida como uma alternativa às fontes fósseis. No entanto, os
acidentes nucleares ocorridos em Chernobyl em 1986 e nas usinas
de Fukushima no Japão em 2011 introduziram muitas incertezas no
futuro aproveitamento da energia nuclear para geração de energia
elétrica. Dois meses depois do acidente no Japão, a Alemanha
anunciou o fechamento definitivo de todas suas plantas nucleares até
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io2022. Além disso, projetos de instalação de novas usinas nucleares
em alguns países foram paralisados ou adiados.
Nesse cenário cresce cada vez mais a importância das fontes
renováveis de energia, com destaque para as energias eólica e solar
fotovoltaica. Ambas têm apresentado grande crescimento na sua
participação na matriz energética mundial, principalmente na última
década. Além de terem impacto ambiental consideravelmente menor
que a geração com combustíveis fósseis, essas fontes contribuem
com a questão da segurança energética dos países que necessitam
importar petróleo para produção de energia elétrica, uma vez que
se encontram disponíveis em todas as regiões do planeta, enquanto
as reservas de petróleo, gás natural e carvão estão concentradas em
alguns países, muitos deles com elevada turbulência política interna
e externa.
Como um indicativo das tendências globais, o gráfico da Figura 2
mostra que na Europa, entre 2000 e 2011, os maiores acréscimos de
plantas de geração de eletricidade foram a partir do gás natural, eólica
e solar fotovoltaica, havendo diminuição de plantas termoelétricas a
carvão, nuclear e a óleo combustível.
A produção de energia elétrica com turbinas eólicas tornou-se
extremamente competitiva em relação às tecnologias não renováveis
nas últimas décadas graças à redução de custo por unidade de
potência dos aerogeradores. A capacidade instalada mundial atingiu
196 GW e gerou em 2010 cerca de 430 TWh (2,5 % do consumo
mundial de eletricidade). Na Dinamarca, a energia elétrica produzida
1Tarifa feed-in (FIT): mecanismo regulatório desenvolvido para acelerar o investimento nas tecnologias renováveis. Contratos de longo prazo são feitos entre o produtor que utiliza a tecnologia renovável e a entidade pública ou privada nos quais o segundo adquire a energia produzida pelo primeiro, por um valor superior ao valor de mercado (custo de geração), a fim de promover o desenvolvimento dessa tecnologia.
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Figura 2 – Capacidade instalada acumulada na Europa entre 2000 e 2011. Fonte: World Wind Energy Association (WWEA).
pelo vento supriu 25% da demanda de eletricidade do país em 2010.
Nos últimos cinco anos, também é notável a expansão das
instalações de plantas fotovoltaicas no mundo, especialmente na
Europa. Graças à grande redução no preço dos painéis fotovoltaicos
e às políticas de incentivos às instalações com essa tecnologia, como
as tarifas feed-in1 , as plantas fotovoltaicas comissionadas em 2011
na Europa superaram as novas instalações de plantas a gás e eólicas,
como pode ser visto no gráfico da Figura 3.
Apesar do crescimento expressivo das fontes renováveis, o total
de energia consumida proveniente destas fontes ainda é muito
inferior ao uso das não renováveis, na proporção aproximada de
1 para 4 (19% e 81% respectivamente), como indicado na Figura
1. Do total, 67% corresponde a fontes emissoras de gás carbônico,
um gás de efeito estufa. Como consequência, as emissões de CO2
decorrentes da produção de energia cresceram aproximadamente
86% no período de 1973 até 2009, uma média anual de 3% ao
ano. A China, devido ao uso intensivo de fontes fósseis de energia
(principalmente carvão), foi o país que mais emitiu CO2 na produção
de energia, apresentando para o mesmo período um crescimento de
aproximadamente 315%, ou quase 9% de aumento de emissões ao
ano.
Em relação aos setores responsáveis pelas emissões de gases de
efeito estufa, a Figura 4 apresenta a distribuição referente a 2009.
Para os setores industrial e de geração de eletricidade,
responsáveis por 61% das emissões, além de medidas de conservação
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Figura 3 – Plantas de geração de energia elétrica instaladas na Europa em 2011. Fonte: World Wind Energy Association (WWEA).
e racionalização do uso de energia, substituição de combustíveis
fósseis por renováveis, também se está desenvolvendo a tecnologia
CCS (Carbon Capture and Sequestration), que consiste na captura e
no sequestro do carbono presente na composição dos combustíveis
fósseis, que se encontra normalmente na forma de CO2. Esse gás
pode então ser estocado em minas ou poços de petróleo e gás
natural esgotados, nas águas profundas dos oceanos e outros locais
adequados para isso.
Para o setor de transporte, responsável por quase um quarto
das emissões globais de CO2, esse processo não pode ser aplicado
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Figura 4 – Distribuição das emissões globais de CO2 por setor. Fonte: International Energy Agency, 2011.
Figura 5 – Principais modos de produção do hidrogênio a partir das fontes renováveis de energia.
de forma prática, por serem os veículos automotores fontes móveis
de CO2. Além da substituição de combustíveis fósseis (gasolina
e diesel) por renováveis (etanol e biodiesel) e do uso de veículos
híbridos, mais eficientes, uma possibilidade é o uso dos combustíveis
em termoelétricas com CCS, produzindo eletricidade para uma
frota de veículos elétricos. Neste caso, o problema recai sobre o
armazenamento da energia elétrica nos veículos, uma vez que a
tecnologia atual das baterias eletroquímicas não permite autonomia
e tempo de abastecimento considerados satisfatórios.
Outra alternativa é a retirada do carbono (descarbonetação) antes
de o combustível ser introduzido nos veículos. Como a maior parte
dos combustíveis fósseis é constituída de carbono e hidrogênio, a
retirada do carbono implica a disponibilidade do uso do hidrogênio,
cujo produto da combustão é apenas água. Neste caso, o uso do
hidrogênio como um energético poderá representar no futuro um
importante papel na matriz energética mundial, principalmente no
setor de transporte.
Veículos movidos a hidrogênio utilizando célula a combustível
são veículos de praticamente emissão zero, o que representa um
ganho na qualidade ambiental dos grandes centros urbanos. Todos
os grandes fabricantes mundiais de veículos possuem modelos já
testados dessa tecnologia, sendo os custos destes veículos e a ausência
de infraestrutura (postos) os atuais entraves para a disseminação de
seu uso.
Além da redução das emissões de CO2, deve-se considerar ainda
que os veículos elétricos a baterias ou a hidrogênio representam
também uma grande redução das emissões atmosféricas de
poluentes. De fato, como os processos de queima da gasolina ou do
óleo diesel em um motor nunca são completos, eles inevitavelmente
lançam também para a atmosfera monóxido de carbono (CO),
hidrocarbonetos (HC), aldeídos (R-CHO), óxidos de nitrogênio
(NOx), óxidos de enxofre (SOx) e material particulado. A formação
de NOx ocorre devido ao nitrogênio e ao oxigênio existentes no ar
e a emissão de SOx devido ao enxofre geralmente contido nesses
combustíveis, principalmente no diesel. O ozônio troposférico (O3),
outro importante poluente, tem a sua formação associada à presença
de HC e NOx na atmosfera.
A alternativa do uso energético do hidrogênio ganha maior
importância quando se considera duas características das fontes
renováveis de energia: a produção direta de eletricidade pela
maioria delas e a elevada sazonalidade, que no caso extremo da
energia solar só está disponível, quando muito, no período diurno.
Os ventos variam de velocidade ao longo do dia e das estações do
ano, enquanto que a disponibilidade da energia hidráulica varia
ao longo dos meses e estações do ano. Entre estas, apenas a última
permite um armazenamento prático de sua forma primária, a água,
mas mesmo assim com restrições cada vez maiores, em vista dos
impactos ambientais provocados pelas barragens ao longo das
bacias hidrográficas.
Como a maioria das fontes renováveis produz eletricidade,
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ioa geração de hidrogênio pelo processo de eletrólise da água (decomposição em
hidrogênio e oxigênio), de elevada eficiência energética, permite a estocagem da energia
fornecida pelas fontes, regularizando o atendimento das demandas de eletricidade. O
hidrogênio armazenado pode ser novamente convertido em energia elétrica por célula
a combustível, também com eficiências superiores aos sistemas convencionais (motores
geradores e turbinas a gás). Além disso, o hidrogênio pode ser produzido a partir de várias
fontes locais, tanto renováveis como não renováveis, contribuindo para a segurança
do suprimento energético. A Figura 5 mostra as várias alternativas para produção de
hidrogênio
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CRISTÓBAL, J.; GUILLÉN-GOSÁLBEZ, G.; JIMÉNEZ, L.; IRABIEN, A. Optimization of global
and local pollution control in electricity production from coal burning. Applied Energy, v. 92,
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VOSER, P. The natural gas revolution. Energy Strategy Reviews, Available online 4 January 2012,
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CO2 Emissions from Fuel Combustion – Highlights, 2011 Edition, International Energy Agency,
OECD/IEA, 2011.
SALDIVA, P. H. N.; BRAGA, A.; PEREIRA, L. A. A. Poluição atmosférica e seus efeitos na saúde
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2001, Unicamp. Anais, CD-ROM.
SILVA, S. T. A proteção da qualidade do ar. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/
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SILVA, E. P. Introdução à tecnologia e economia do hidrogênio. Editora da Unicamp, 1991.
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*Ennio Peres da Silva é físico, mestre em Física pela Unicamp e Doutor em Engenharia Mecânica também pela Unicamp. É professor Doutor e coordenador do Laboratório de Hidrogênio do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp. É professor colaborador do curso de Pós-Graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da FEM/Unicamp. Atua nas áreas experimentais das aplicações energéticas (veiculares e estacionárias) e não energéticas do hidrogênio, em planejamento energético regional e em estudos sobre os usos das fontes renováveis de energia. É também o secretário executivo do Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (CENEH).
João Carlos Camargo é engenheiro eletricista, mestre e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. É sócio-fundador da empresa Hytron Indústria e Comércio Ltda. Atualmente trabalha junto a projetos de pesquisa do NIPE/UNICAMP principalmente em temas relacionados à economia do hidrogênio, produção do hidrogênio, geração distribuída de energia elétrica e energia solar fotovoltaica.
Paula Duarte Araújo Chrestan é engenheira mecânica, Doutora em Planejamento Energético pela Unicamp. É professora da PUC-Campinas, consultora e pesquisadora autônoma. Desenvolve projetos no Instituto AQUA GENESIS, analisando e estimando as reduções de emissões de CO2 em projetos que utilizam hidrogênio para geração de energia elétrica. Coordenou o Caderno Setor Energético do Inventário Paulista de Gases de Efeito Estufa (2011).
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