CÁPSULA ENDOSCÓPICA
SÍLVIA ÁLVARES BRANDÃO DE PINHO
Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina
Artigo de Revisão Bibliográfica
ORIENTADORA: MARTA SALGADO RODRIGUES
PORTO, 30 de Maio de 2012
CÁPSULA ENDOSCÓPICA
Sílvia Álvares Brandão de Pinho
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SÍLVIA ÁLVARES BRANDÃO DE PINHO
CÁPSULA ENDOSCÓPICA
Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina submetida no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Ano lectivo 2011/2012
Orientadora: Marta Salgado Rodrigues Categoria: Assistente Hospitalar de Gastrenterologia e Assistente Eventual da Unidade Curricular de Medicina I do ICBAS/CHP
Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Rua de Jorge Viterbo Ferreira n.º 228, 4050-313 Porto
CÁPSULA ENDOSCÓPICA
Sílvia Álvares Brandão de Pinho
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Índice
Resumo ........................................................................................................................................ 5
Abstract ........................................................................................................................................ 6
Introdução .................................................................................................................................... 7
1 – Considerações Gerais ......................................................................................................... 8
1.1 - Cápsula Endoscópica - O que é e tipos existentes ................................................. 8
1.2 - Indicações ..................................................................................................................... 10
1.3 - Vantagens, desvantagens e limitações ................................................................... 10
1.4 - Riscos e Contra-indicações ....................................................................................... 11
2 – Enteroscopia por cápsula do Intestino Delgado ........................................................... 12
2.1 – Procedimento .............................................................................................................. 12
2.2 – Cápsula de Patência .................................................................................................. 14
2.3 – Patologias do Intestino Delgado .............................................................................. 15
2.3.1 - Hemorragia Digestiva Obscura .......................................................................... 15
2.3.2 - Doença Inflamatória Intestinal ............................................................................ 18
2.3.3 - Doença Celíaca .................................................................................................... 23
2.3.4 - Tumores do Intestino Delgado ........................................................................... 24
2.3.5 - Síndromes Hereditárias de Polipose................................................................. 25
2.3.6 - Síndrome de Lynch .............................................................................................. 27
3 – Esófago ............................................................................................................................... 28
4 – Cólon .................................................................................................................................... 30
Conclusão .................................................................................................................................. 32
Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 33
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Índice de Tabelas
Tabela 1 - Especificações técnicas das cápsulas do Intestino Delgado ........................ 9
Tabela 2 - Possíveis indicações para o uso da cápsula endoscópica ......................... 10
Tabela 3 - Vantagens e Desvantagens da Endoscopia por Cápsula ........................... 10
Tabela 4 – Preparações intestinais para a endoscopia por cápsula ao intestino delgado
................................................................................................................................... 13
Tabela 5 – Dieta/Preparação para endoscopia por cápsula ao intestino delgado no
Hospital Santo António – Centro Hospitalar do Porto .................................................. 13
Tabela 6 - Causas de Hemorragia Gastrointestinal Obscura ...................................... 15
Tabela 7 - Especificações técnicas da PillCam Colon ................................................. 30
Tabela 8 - Preparação intestinal para endoscopia por cápsula ao cólon ..................... 31
Índice de Figuras
Figura 1 – Cápsulas Endoscópicas para o estudo do Intestino Delgado .......................... 9
Figura 2 - Abordagem da Hemorragia Gastrointestinal ...................................................... 17
Figura 3 - Critérios para a suspeita de Doença de Crohn ................................................. 20
Figura 4 - Cálculo do CECDAI................................................................................................ 21
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Lista de Abreviaturas
ASGE: American Society for Gastrointestinal Endoscopy
CE: Cápsula endoscópica
CEC: Cápsula endoscópica do cólon
CECDAI: Capsule Endoscopy Crohn’s Disease Activity Index
CEE: Cápsula endoscópica esofágica
CU: Colite Ulcerosa
DC: Doença de Crohn
DII: Doença inflamatória intestinal
DIINC: Doença inflamatória intestinal não classificada
EB: Esófago de Barrett
EDA: Endoscopia digestiva alta
ERM: Enteróclise por Ressonância magnética
ESGE: European Society of Gastrointestinal Endoscopy
ETC: Enteróclise por tomografia computorizada
FDA: Food and Drugs Administration
HGIO: Hemorragia gastrointestinal de origem obscura
ID: Intestino Delgado
IDRF: Identificador por Radiofrequência
MCD: Meios complementares de diagnóstico
OMED-ECCO: Organisation Mondiale d'Endoscopie Digestive - European Crohn’s and
Colitis Organization
PAF: Polipose adenomatosa familiar
PD: Poder diagnóstico
SPJ: Síndrome de Peutz-Jeghers
TC: Tomografia Computorizada
VE: Varizes esofágicas
VPN: Valor preditivo negativo
VPP: Valor preditivo positivo
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Resumo
A enteroscopia tem sido uma área em constante desenvolvimento nas últimas
décadas. O surgimento da cápsula endoscópica em 2001 veio revolucionar o
conhecimento e abordagem clínica de diversas patologias, sobretudo do intestino
delgado, anteriormente considerado um órgão de difícil acesso. Através da cápsula
endoscópica é possível estudar de forma não invasiva o tracto gastrointestinal,
aproveitando a propulsão resultante dos movimentos peristálticos normais e
permitindo a gravação de imagens.
Esta dissertação surge com o propósito de realizar uma revisão da literatura
nacional e internacional de modo a elaborar um documento elucidativo sobre a
importância da utilização das cápsulas endoscópicas na prática clínica actual. Foram
revistos artigos seleccionados com recurso à Pubmed, focados nas múltiplas
utilizações da cápsula, nas suas vantagens e complicações, bem como na sua
comparação com outros métodos de diagnóstico convencionais.
Ao nível do estudo do intestino delgado, a cápsula tem sido utilizada em
múltiplas patologias, como a hemorragia digestiva, a doença inflamatória intestinal e a
doença celíaca, entre outras. O estudo do esófago, nomeadamente na abordagem das
varizes esofágicas e esófago de Barrett, e do cólon, no rastreio do cancro colo-rectal,
são temas mais recentes e consequentemente também ainda menos explorados.
Verifica-se então que este é um tema em constante desenvolvimento, estando
actualmente envolto em alguma controvérsia. É necessário estabelecer, no futuro,
comparações com outros métodos de diagnóstico, avaliar as relações de custo-
eficácia e tornar mais definido o papel da cápsula endoscópica na prática clínica.
Palavras – chave: Cápsula endoscópica, intestino delgado, doença de Crohn,
hemorragia digestiva, diagnóstico, PillCam.
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Abstract
Enteroscopy has made great advances in the last decades. The advent of
capsule endoscopy in 2001 made it possible to change the management of
innumerous pathologies, mostly from the small bowel, previously considered an organ
of difficult access. The capsule allows a non-invasively way of studying the digestive
tract, taking advantage of the normal peristaltic movements and allowing to record
images.
The purpose of this dissertation is to review national and international literature
in order to create an overview of capsule endoscopy’s role in the clinical practice
nowadays. Reviewed articles, selected from PubMed, focused on the multiple
indications, advantages and complications of the capsule as well as its comparison
with other existing diagnostic tools.
The main clinical indications of capsule endoscopy in the small bowel are,
among others, gastrointestinal bleeding, inflammatory bowel disease and celiac
disease. Its use in esophagus and colon diseases has been a more recent
acknowledgment and so the literature is still scarce.
Being a subject under constant development, it is also still shrouded in some
controversy. It is necessary in the future to compare it to other diagnostic methods, to
evaluate its cost-effectiveness and to clearly define its role in the daily clinical practice.
Key words: Capsule endoscopy, small bowel, Crohn disease, gastrointestinal
bleeding, diagnosis, PillCam.
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Introdução
A visualização do intestino delgado (ID) foi, desde sempre, para os
gastrenterologistas, um enorme desafio, revelando-se uma tarefa bastante difícil
devido não só ao comprimento deste órgão mas também à tortuosidade que o
caracteriza. A enteroscopia, i.e., a visualização directa através de métodos
endoscópicos do intestino delgado, tem progredido bastante nas últimas décadas,
revolucionando o conhecimento e a abordagem clínica de diversas patologias.
Neste contexto, a invenção da cápsula endoscópica (CE) e a aprovação pela
Food and Drugs Administration (FDA), em 2001, da PillCam, como a primeira a ser
utilizada na prática clínica, veio permitir um estudo mais abrangente das patologias do
tubo digestivo, sobretudo ao nível das doenças do intestino delgado.
Na última década presenciamos importantes avanços tecnológicos nesta área
e foram realizados vários estudos com o intuito de comparar diferentes meios de
diagnóstico e entender os benefícios e limitações desta técnica. No presente, as
investigações centram-se na procura de novas aplicações para a endoscopia por
cápsula.
Esta dissertação tem como objectivo a revisão de literatura nacional e
internacional e a elaboração de um documento elucidativo sobre a importância da
endoscopia por cápsula na prática clínica. Com recurso à Pubmed foram
seleccionados e revistos artigos relativos às múltiplas utilizações da cápsula, às suas
vantagens e complicações, e comparação com outros métodos de diagnóstico
convencionais.
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1 – Considerações Gerais
1.1 - Cápsula Endoscópica - O que é e tipos existentes
A endoscopia por cápsula é um método não-invasivo de diagnóstico, confiável
e seguro (1,2), que se baseia na deglutição de um dispositivo não reutilizável, que
percorre o tubo digestivo aproveitando a propulsão resultante dos movimentos
peristálticos normais. Ao longo do percurso são gravadas inúmeras imagens que,
posteriormente, são analisadas por um médico especialista.
Actualmente existe no mercado um vasto leque de cápsulas endoscópicas
melhoradas comparativamente ao protótipo original de 2001 e com novos objectivos.
Em termos gerais, o sistema de endoscopia por cápsula depende de três
componentes essenciais:
1. Cápsula endoscópica,
2. Sensores externos, receptor/gravador de dados portátil e bateria,
3. Estação de trabalho no computador com software indicado para
visualização e interpretação das imagens.
Para o estudo do intestino delgado são fabricados 4 dispositivos. Na prática
clínica, as cápsulas mais utilizadas são as PillCam SB2, com mais de um milhão
utilizadas até 2010 (3). Em 2007 surgiram a EndoCapsule e a MiroCam, tendo esta
última inovado ao desenvolver um sistema de transmissão de dados que utiliza o
organismo como meio de condução, permitindo poupanças energéticas consideráveis (4). Por último, a cápsula OMOM, cujo uso não está ainda aprovado em todo o mundo,
pretende garantir preços bastante inferiores com resultados clínicos semelhantes (5,6).
Na tabela 1 estão descritas as especificidades técnicas dos vários dispositivos.
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Tabela 1 - Especificações técnicas das cápsulas do I ntestino Delgado (Adaptado de (5,7,8))
Pillcam SB2 ® EndoCapsule ® MiroCam ® OMOM Capsule ® Empresa Given Imaging Ltd
(Israel) Olympus (Japão)
Intromedic (Coreia)
Jinshan Science and Technology Group (China)
Aprovação para uso na Europa e/ou EUA
2001 2007 2007 Ainda não aprovada pela FDA. Uso em algumas zonas da Ásia e Europa
Comprimento (mm) 26 26 24 27.9 Diâmetro (mm) 11 11 11 13 Peso (g) 3.4 3.8 3.4 6 Imagens/segundo 2 2 3 0.5-2 Sensor de imagem CMOS CCD CCD CCD Transmissão de dados
Radiofrequência Radiofrequência Propagação campo eléctrico
Radiofrequência
Campo de visão 156º 145º 150º 140º Iluminação 6 LEDs brancos 6 LEDs brancos 6 LEDs brancos 6 LEDs brancos Antenas 8 8, combinadas
numa só 9 14
Sistema de visualização em tempo real
RT viewer RT viewer: Olympus VE-1
Miro viewer RT monitoring
Tempo de Gravação (h)
8 9 11 Resultados díspares (7-16h)
[CCD – Charge-coupled device; CMOS – complementary metal oxide semiconductor; EUA – Estados Unidos da América; FDA - Food and Drugs Administration; LEDs – light emitting diodes; RT – real time]
É importante notar que a maior parte da bibliografia existente se refere à
PillCam e são poucos os estudos que comparam a actuação das várias cápsulas.
Alguns autores referem uma qualidade de imagem superior na EndoCapsule
relativamente à PillCam (9). No entanto, na sua maioria, os estudos apontam para um
poder diagnóstico (PD) semelhante entre os vários dispositivos (4,5,9).
Na figura 1 são apresentados os vários modelos de cápsula endoscópica para
o estudo do intestino delgado.
Figura 1 – Cápsulas Endoscópicas para o estudo do In testino Delgado – a: PillCam SB2; b:
EndoCapsule; c: OMOM; d: MiroCam (10)
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Relativamente ao estudo do esófago e cólon estão disponíveis,
respectivamente, a PillCam ESO2 e a PillCam Colon2, as quais serão posteriormente
descritas com maior detalhe.
1.2 - Indicações
Actualmente a endoscopia por cápsula encontra-se aprovada pela FDA para
realização em adultos e crianças com mais de 10 anos, existindo no entanto vários
estudos que mostram que esta é segura em crianças mais jovens (10). Tal como se
pode ver na tabela 2, são muitas as patologias em que a CE poderá ser útil, apesar de
nem todas serem ainda indicações recomendadas nas várias guidelines existentes.
Tabela 2 - Possíveis indicações para o uso da cápsul a endoscópica.
Esófago Intestino Delgado Cólon
Esófago de Barrett Hemorragia Digestiva Obscura Tumores Varizes esofágicas Doença Inflamatória Intestinal Doença Celíaca Tumores Síndromes Hereditários de Polipose Síndrome Lynch
1.3 - Vantagens, desvantagens e limitações
Como todas as técnicas, a endoscopia por cápsula apresenta vantagens e
desvantagens (ver tabela 3). À medida que forem abordadas as várias indicações para
realização de CE será feita uma comparação mais integrada com os habituais
métodos complementares de diagnóstico.
Tabela 3 - Vantagens e Desvantagens da Endoscopia por Cápsula (7,10,11)
Vantagens Desvantagens/Limitações Minimamente invasivo Tempo de bateria limitado Seguro Localização imprecisa das lesões Boa aceitação e tolerância pelos pacientes Visualização prejudicada pela existência de
matéria fecal Sem necessidade de sedação ou anestesia Incapacidade de controlo do movimento, de
aspiração ou de irrigação Visualização completa do Intestino Delgado Incapacidade de realização de procedimentos
terapêuticos Realização em ambulatório Achados frequentes de significado
indeterminado Capacidade de detectar lesões de tamanho reduzido
Possibilidade de ocorrência de problemas técnicos
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Uma das maiores limitações atribuídas à CE é a alta percentagem
(aproximadamente 20%) de estudos incompletos, i.e., em que a CE não atinge o cego
durante o período de gravação (1,8). Factores como o tempo de bateria e tempo de
esvaziamento gástrico e intestinal são de extrema importância neste contexto. Estes
parâmetros afectam ainda o poder diagnóstico da CE (11). Os estudos incompletos são
mais frequentes em doentes do sexo masculino, de idade avançada, hospitalizados,
com diabetes mellitus, com história passada de obstrução intestinal ou cirurgia
abdominal ou em estudo por hemorragia gastrointestinal (GI) (1,12).
1.4 - Riscos e Contra-indicações
O maior risco associado à endoscopia por cápsula é a retenção do dispositivo (11). Esta é definida como a permanência da cápsula no tubo digestivo por mais de 2
semanas com necessidade de intervenção médica, endoscópica ou cirúrgica para a
sua remoção (11). A taxa de retenção é muito dependente da indicação primária para
realização do exame, situando-se, na população geral, entre 1.4 e 2.5% (1,13). A
estratificação do risco de retenção é feita por critérios clínicos sendo considerados
com risco elevado doentes com sintomas abdominais sugestivos de obstrução (dor
abdominal pós-prandial em cólica, vómitos…), DC conhecida, cirurgia abdominal
prévia, uso crónico de anti-inflamatórios não esteróides (>6 meses), suspeita de
estenoses ou aderências intestinais em exame radiológico recente (<12 meses), entre
outros (1,14). Nestes doentes deve ser realizado previamente estudo imagiológico para
despiste de estenoses luminais (14). Apesar de poderem melhorar a selecção dos
pacientes, reduzindo a ocorrência de retenção, os métodos imagiológicos não excluem
por completo a existência de estenoses intestinais (11). Como veremos adiante, a
cápsula de patência pode ser uma alternativa neste contexto.
Outra complicação, apesar de rara, é a aspiração do dispositivo durante a
deglutição, que pode ou não ser sintomática. Poucos casos estão publicados,
ocorrendo sobretudo em idosos (7,15).
Relativamente às contra-indicações, a CE não deve ser utilizada em pacientes
com distúrbios da deglutição, com estenoses intestinais conhecidas ou em grávidas (7,11,13). A ressonância magnética, caso seja necessária, deve ser realizada apenas
após expulsão do dispositivo (7). Ao contrário do que inicialmente se preconizava,
estudos têm demonstrado que não há interacção entre a CE e os pacemakers ou
cardioversores-desfibrilhadores implantáveis (2,7,13).
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2 – Enteroscopia por cápsula do Intestino Delgado
2.1 – Procedimento
A enteroscopia por cápsula é feita em regime de ambulatório e inicia-se com a
colocação dos sensores externos na pele da parede abdominal anterior, conectados
ao dispositivo de gravação portátil colocado num cinto. A cápsula é activada assim que
retirada da sua embalagem e é então deglutida. O regime de preparação para o
exame e as indicações relativas à alimentação são diferentes nos vários centros onde
se realiza o procedimento. Durante o procedimento podem ser mantidas as
actividades quotidianas do paciente.
Após o término da bateria da cápsula, geralmente 8h, os sensores e o gravador
são removidos e as imagens transferidas para o computador. Posteriormente deve
recomendar-se ao paciente que verifique a excreção da cápsula com as fezes. Um
procedimento completo gera cerca de 50.000 imagens, que demoram uma média de
40-60 minutos a serem analisadas, dependendo da experiência do endoscopista (11).
Algumas questões do procedimento são ainda controversas, sobretudo no que
diz respeito à preparação intestinal. Tal como já referimos, duas das principais
limitações desta técnica são a difícil visualização da mucosa intestinal na presença de
conteúdo fecal e a duração limitada da bateria que condiciona frequentemente a
ocorrência de estudos incompletos. É, por isto mesmo, necessária uma preparação
intestinal prévia adequada de modo a obter limpeza e mobilidade satisfatórias no
tracto digestivo sem complicar o procedimento ou diminuir a adesão dos pacientes.
O esquema standard de preparação intestinal recomendado pela Given
Imaging consiste em manter uma dieta líquida por 24h, seguida de 8h de jejum (7).
Inúmeros estudos surgiram com o objectivo de comparar este protocolo com outros
que incluíssem, adicionalmente, o uso de agentes purgativos ou procinéticos. Apesar
de alguns não conseguirem demonstrar a superioridade destes esquemas face ao
standard (16-18), existe evidência suficiente a sustentar a sua utilização. Segundo as
recomendações da European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) (7)
esquemas médicos devem ser utilizados, dado que parecem permitir melhor
visibilidade da mucosa intestinal e oferecem um poder diagnóstico superior, não
alterando a percentagem de estudos completos ou os tempos de trânsito gástrico e
intestinal. No entanto, não é sugerido um esquema específico de preparação intestinal.
Rokkas et al (19) refere uma limitação importante nos vários artigos existentes
sobre este tema: a utilização de diferentes preparações e doses, bem como a
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ausência de um consenso internacional sobre a classificação da qualidade da
preparação intestinal, tornam a literatura existente demasiado heterogénea,
impossibilitando uma conclusão definitiva sobre o efeito real da utilização de
determinado esquema no poder diagnóstico da CE.
Na tabela 4 são apresentadas as principais conclusões dos vários estudos.
Tabela 4 – Preparações intestinais para a endoscopia por cápsula ao intestino delgado
Preparações Conclusões
PEG vs dieta
líquida e jejum
Melhor qualidade da imagem com PEG (20-23). Maior poder diagnóstico
com PEG (21). Maior percentagem de exames completos com PEG (21,22).
PEG 2L vs 4L Melhor tolerância dos 2L sem diferenças significativas nos achados
endoscópicos (20)
Manitol vs dieta
líquida e jejum
Melhor qualidade das imagens obtidas com o manitol (24)
Adição de
simeticone
Melhor visualização e poder diagnóstico com simeticone + manitol (24)
Melhor visualização com simeticone + PEG (25)
NaP vs jejum Melhor qualidade de imagem com NaP (26,27)
NaP vs PEG Melhor qualidade de imagem e melhor tolerância pelos pacientes com o
NaP (19)
Necessária utilização cautelosa do NaP pelas complicações descritas
noutros contextos (distúrbios electrolíticos, nefropatia aguda e
insuficiência renal) (28)
Metoclopramida Maior percentagem de estudos completos (29)
[NaP - fosfato de sódio; PEG - polietilenoglicol]
O regime prescrito no Hospital de Santo António encontra-se descrito na tabela
seguinte.
Tabela 5 – Dieta/Preparação para endoscopia por cáps ula ao intestino delgado no Hospital Santo António – Centro Hospitalar do Porto
Dia/Hora Dieta/Preparação Dia Anterior após o almoço Dieta líquida (sem fibras, legumes ou fruta) 18h-21h 2 saquetas de Klean-prep* diluídas em 2L de água Após as 21h Jejum Ingestão da cápsula Após 4h Chá com açúcar e meia torrada (opcional) Após completar exame Alimentação normal Não fumar nas 24h anteriores ao exame. Suspender a medicação com ferro uma semana antes e o sucralfato 24h antes do exame. Não tomar qualquer outra medicação nas 2h anteriores ao exame.
[*mistura de bicarbonato de sódio, cloreto de potássio, cloreto de sódio, polietilenoglicol e sulfato de sódio anidro)
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Como se observa, ainda não foi possível obter um consenso sobre a
preparação intestinal óptima a prescrever aos pacientes. Assim, mais estudos seriam
necessários, se possível com metodologia mais uniforme e populações de estudo de
maiores dimensões.
2.2 – Cápsula de Patência
Com o intuito de evitar a retenção da CE, a Given Imaging desenvolveu um
sistema seguro, capaz de avaliar a “permeabilidade” do tubo digestivo em pacientes
com estenoses suspeitas ou conhecidas (14, 30-34).
A cápsula de patência consiste num dispositivo capaz de se auto-desintegrar
ao fim de um intervalo de tempo previsto, com tamanho e forma idênticos ao da
PillCam, possuindo em vez da câmara e da bateria, um identificador por
radiofrequência (IDRF) capaz de ser localizado por um scanner. O interior é
constituído por lactose e bário, facilitando a sua detecção também por métodos
radiológicos. A cápsula é revestida por uma membrana impermeável, excepto nas
extremidades, permitindo nestes locais a entrada de fluídos luminais em caso de
retenção e a dissolução dos dois tampões cronómetro de parafina, seguida da
destruição do restante dispositivo. O primeiro protótipo foi a M2A patency capsule,
sendo que actualmente é utilizada a Agile patency capsule, com um tempo de início de
desintegração de 30h (7,30,31).
A permeabilidade intestinal é garantida quando a cápsula é excretada intacta,
sem alterações das suas dimensões ou se o IDRF não é detectado pelo scanner após
32 a 38h. A endoscopia por cápsula não deve ser realizada nos pacientes de alto risco
que desenvolvem dor durante o trajecto da cápsula Agile ou em que há desintegração
da cápsula. A presença da cápsula no tracto digestivo pode ser verificada também por
fluoroscopia ou raio X abdominal simples, sendo menos vantajoso já que ambos se
associam a exposição a radiação.
A principal complicação descrita com o uso da cápsula de patência foi a
ocorrência de dor abdominal (em cerca de 20% dos pacientes), devendo esta ser
secundária à oclusão intestinal sintomática e tendo geralmente resolução espontânea
com a desintegração do dispositivo (30).
Uma vantagem da cápsula face aos estudos radiológicos é o facto de avaliar
não a presença de estenoses mas sim a “permeabilidade funcional” do tubo digestivo,
i.e., a capacidade de a CE fazer todo o percurso sem ficar retida, independentemente
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das alterações físicas existentes (31-33).
2.3 – Patologias do Intestino Delgado
Em seguida será abordada a utilização da endoscopia por cápsula no estudo
do ID em diversas patologias.
2.3.1 - Hemorragia Digestiva Obscura
A hemorragia digestiva tem sido a indicação mais frequente para a realização
de endoscopia por cápsula (7,35). Embora geralmente a abordagem inicial se baseie na
utilização dos exames endoscópicos convencionais, estes não são por vezes
suficientes para localizar a fonte hemorrágica. Nestes casos estamos perante uma
hemorragia gastrointestinal de origem obscura (HGIO). Esta entidade é definida pela
American Society for Gastrointestinal Endoscopy (ASGE) como hemorragia de
etiologia desconhecida que persiste ou recorre após avaliação inicial negativa, através
de endoscopia digestiva alta (EDA) e colonoscopia. Pode ainda ser subclassificada
como visível (ex: melenas, hematoquézias…) ou oculta (ex: anemia ferripriva
inexplicada com suspeita de hemorragia GI…) (36).
A HGIO pode ocorrer em qualquer porção do tracto GI. Na tabela 6 encontram-
se as suas causas mais comuns. Numa revisão bibliográfica, Liu et al (37), refere que o
diagnóstico mais frequente são as angiodisplasias, correspondendo a 50% das lesões
detectadas pela CE.
Tabela 6 - Causas de Hemorragia Gastrointestinal Ob scura (Adaptado de (38))
Tracto GI superior Tracto GI intermédio Tracto GI inferior - Erosões de Cameron - Varizes fúndicas - Úlcera péptica - Lesões de Dieulafoy - Ectasia vascular do antro gástrico
<40anos: - Tumores - Divertículo de Meckel - Lesões de Dieulafoy - Doença de Chron - Doença Celíaca
>40 anos: - Angiectasias - Enteropatia por AINEs - Doença Celíaca
Incomuns: - Hemobilia - Hemosuccus pancreaticus - Fístula aortoentérica
- Angiectasias - Neoplasias
[AINEs – anti-inflamatórios não esteróides; GI - gastrointestinal]
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A utilidade da CE na investigação das HGIO foi já comprovada (7,11). No
entanto, dúvidas têm surgido relativamente ao impacto clínico da CE bem como à
ordem de utilização dos meios complementares de diagnóstico (MCD) disponíveis e ao
timing ideal de actuação.
A CE possui elevada sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo
(VPP) e negativo (VPN), respectivamente 95%, 75%, 95% e 86%, tendo como
referência a enteroscopia intraoperatória (39). Relativamente ao poder diagnóstico da
CE na abordagem da HGIO é referida uma superioridade relativamente à enteroscopia
de pulsão (50-68% vs. 23-32%) (7,11,40,41), à radiografia com contraste de bário (58-77%
vs. 6-14%) (40), à angiografia convencional (76% vs. 56%) (7) e à angiografia por
Tomografia Computorizada (TC) (72% vs. 24%) (7). A comparação da CE com a
enteroscopia por duplo balão e com a enteróclise por TC tem gerado resultados
contraditórios nos vários estudos (7,11,37,42,43).
Muitos autores têm referido factores que aumentam o poder diagnóstico, como
por exemplo o facto de a hemorragia ser activa (35,41,44), a CE ser utilizada
precocemente após o episódio hemorrágico (41,44,45) ou a ocorrência de descida
acentuada do hematócrito (46, 47).
No entanto, é difícil quantificar o verdadeiro impacto da utilização da CE pelo
facto de esta ser um método de diagnóstico e, como tal, a melhoria dos parâmetros
clínicos só lhe pode ser atribuída indirectamente pela orientação da abordagem e
escolha da terapêutica (48).
Numa tentativa de sistematizar a abordagem à HGIO foram criados algoritmos
de actuação, como o que se apresenta em seguida, da British Society of
Gastroenterology (11).
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Figura 2 - Abordagem da Hemorragia Gastrointestinal (Adaptado de (11)); [CE - cápsula endoscópica; EAB - enteroscopia assistida por balão ; EDA - endoscopia digestiva alta; EP - enteroscopia de pulsão; GI - gastrointestinal]
A ASGE afirma que a abordagem à HGIO depende ainda de factores clínicos
como a idade, qualidade da investigação endoscópica anterior e o tipo de hemorragia,
bem como de outros factores como a disponibilidade, custos, preferência do doente e
experiencia do médico (36).
A CE surge geralmente como primeira linha no estudo do ID. No entanto, os
estudos não são ainda consensuais na decisão de, perante uma HGIO, repetir os
meios endoscópicos convencionais (10,36,35,45) ou optar por prosseguir logo com o
estudo do ID (37,41,38). Leighton (10) defende a repetição da endoscopia e colonoscopia,
citando estudos em que é afirmado que a maioria das lesões que causam HGIO se
situam dentro do alcance destes exames. A perspectiva oposta é dada por
Vlachogiannakos et al (49) que afirma que na maioria dos casos o local de lesão
encontrar-se-á no ID e, deste modo, a repetição da endoscopia poderia condicionar
um aumento de custos bem como um atraso no diagnóstico consideráveis. Pennazio
et al (41) refere que uma média de 5.2 exames por paciente seriam evitados se a CE
fosse utilizada logo após colonoscopia e endoscopia negativas.
Hemorragia GI
EDA e Colonoscopia negativas
Considerar repetir
EDA
CE
CE normal mas
hemorragia
persistente
Fonte
hemorrágica no ID
EP ou EAB
Se hemorragia persistente
prosseguir com endoscopia
intra-operatória ou tratamento
de suporte
Repetir CE
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Não é ainda claro, também, como actuar perante uma endoscopia por cápsula
negativa, já que tal não exclui patologia no ID. Nestes casos é aceite muitas vezes
uma abordagem conservadora, nomeadamente através da observação e/ou
terapêutica com ferro oral. No entanto, se a hemorragia for persistente ou recorrente
ou se existir dor abdominal inexplicada, poder-se-á considerar repetir o exame (11,50,51).
De facto, Svarta et al (50) refere que a repetição da CE, se inicialmente negativa, pode
conduzir a alterações na abordagem dos doentes em 39% dos casos. A enteroscopia
assistida por balão também pode ser uma alternativa válida (10).
Do ponto de vista económico a CE é considerada um método de diagnóstico
com um custo-eficácia favorável (7).
2.3.2 - Doença Inflamatória Intestinal
O termo doença inflamatória intestinal (DII) refere-se a um espectro de
condições crónicas de etiologia desconhecida que afectam o intestino. Os tipos mais
comuns são a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa (CU).
O diagnóstico de DII e a distinção das várias entidades que esta engloba não é
fácil. Não existe ainda um método gold-standard para o diagnóstico, pelo que é
necessário adicionar à suspeita clínica dados bioquímicos, imagiológicos,
endoscópicos e histológicos (14). Com alguma frequência, os dados existentes após a
avaliação do doente são insuficientes para o exacto diagnóstico do tipo de DII. A
distinção entre DC e CU torna-se particularmente difícil nos casos em que a doença é
restrita ao cólon. Quando tal acontece, aplica-se a designação de doença inflamatória
intestinal não classificada (DIINC), podendo no curso da evolução da doença
evidenciar-se características mais distintivas que permitam uma reclassificação.
Apesar da existência de guidelines relativamente recentes sobre o uso da CE
na DII, muito continua ainda por esclarecer. A utilização da CE é geralmente
ponderada no contexto da DC e da DIINC. De acordo com o consenso da Organisation
Mondiale d'Endoscopie Digestive - European Crohn’s and Colitis Organization (OMED-
ECCO) (14) a CE não é um exame necessário ao diagnóstico de Colite Ulcerosa.
• Doença de Crohn
A DC pode afectar todo o tracto gastrointestinal, sendo o intestino delgado o
local mais frequentemente atingido. Numa meta-análise, Dionisio et al (52) cita
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19
Laschner, afirmando que, em cerca de 30% dos doentes, este é mesmo o único local
com lesões. Tal dificulta o diagnóstico já que este é de difícil acesso com os MCD
habitualmente utilizados.
a. Suspeita de DC
Perante a suspeita de DC o primeiro exame a realizar é a ileocolonoscopia (14).
No entanto, o VPN deste exame ronda apenas os 49% (14) devendo considerar-se a
continuação do estudo do doente com outros exames, perante forte suspeita clínica e
apesar de ileocolonoscopia negativa (53,54). A escolha do exame a utilizar em segunda
linha tem gerado controvérsia.
Da análise de vários estudos, Flamant et al (55) conclui que a CE poderá ser
superior à radiografia, enteróclise por tomografia computorizada (ETC) e enteroscopia
de pulsão na detecção de lesões do ID consistentes com a DC. No entanto, ainda
assim, muitos autores apoiam a realização dos meios imagiológicos não invasivos
antes da CE (14,56). Tal deve-se sobretudo à baixa especificidade da CE (53% segundo
Solem et al (57)), à dificuldade em valorizar os achados e ao risco de ocorrência de
complicações como a retenção da cápsula. Relativamente à enteróclise por
ressonância magnética (ERM) os estudos são ainda contraditórios (14,52).
Uma grande vantagem da CE é o facto de apresentar um VPN muito elevado
(95% segundo Figueiredo et al (53)), permitindo excluir doença activa na ausência de
achados endoscópicos.
No entanto, a ausência de um método gold-standard para o diagnóstico de DII
tem tornado difícil a distinção dos verdadeiros e falsos positivos, correndo o risco de
sobretratar esta patologia (54). No consenso da OMED-ECCO (14) é referido que até
13% dos indivíduos assintomáticos e sem qualquer patologia apresentam lesões de
significado desconhecido no ID aquando da realização da endoscopia por cápsula.
Dionisio et al (52) refere, da avaliação de 19 estudos, valores discrepantes de
PD, variando entre os 33 e os 68%. Tem-se tornado cada vez mais evidente que o
poder diagnóstico é muito dependente da probabilidade pré-teste de doença. Assim,
certos parâmetros clínicos e laboratoriais, se analisados conjuntamente com os
achados da CE, podem aumentar a capacidade diagnóstica do exame (52,58,59).
Perante esta constatação, foi desenvolvido um algoritmo para definir que
doentes devem ser considerados com suspeita de DC. A escolha dos pacientes com
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indicação para CE deve ser criteriosa e reservada para aqueles com suspeita forte e
bem fundamentada de DC apesar do estudo inicial negativo (60). Com os avanços
científicos, novos e melhores parâmetros de selecção serão descobertos, validados e
tornados acessíveis à prática clínica quotidiana.
Figura 3 - Critérios para a suspeita de Doença de C rohn (Adaptado de (61)) [CEP - colangite esclerosante primária; DC - Doença de Crohn; PCR - p roteína C reactiva; VS - velocidade de sedimentação]
Relativamente ao custo-eficácia da CE neste contexto são necessários mais
estudos, não tendo sido uniformes os resultados obtidos até agora (54,62).
b. Seguimento e avaliação das lesões na DC estabele cida
A CE pode ainda ser útil nos pacientes com DC estabelecida em inúmeras
situações.
Doherty et al (54) refere, baseado na comparação de vários estudos, que a CE
pode ser melhor na monitorização da actividade da DC estabelecida do que no seu
diagnóstico. Mais ainda, Mehdizadeh et al (59) sugere que, se realizada enteroscopia
por cápsula precocemente após o diagnóstico, tal poderia esclarecer relativamente à
extensão e severidade das lesões e orientar as decisões terapêuticas.
No contexto da avaliação da resposta à terapêutica, vários estudos têm-se
debruçado sobre a relação entre a cura das lesões da mucosa intestinal e o curso da
Suspeita de DC (≥1 de A +≥ 1 de B,C,ou D)
A) Sintomas Gastrointestinais
Dor abdominal crónica;
Diarreia crónica;
Perda de Peso;
Atraso no crescimento.
B) Sintomas extra-intestinais
Febre inexplicada recorrente;
Artrite/Artralgia;
Pioderma/Doença perianal;
CEP/Colangite recorrente.
C) Marcadores inflamatórios
Anemia ferropénica;
Aumento VS ou PCR;
Leucocitose;
Serologias +.
D) Alterações não diagnósticas noutros exames de imagem
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doença. De facto, Baert et al (63) conclui que a recuperação completa das lesões da
mucosa é um bom preditor de evolução clínica favorável, com maiores taxas de
remissão, sem necessidade de terapia com corticoesteróides por mais tempo. Se se
considerar a cicatrização da mucosa como um objectivo específico da instituição de
terapêutica, a CE poderá ter um papel de importância crescente no futuro ao permitir a
avaliação directa da mucosa de forma não-invasiva.
No seguimento e avaliação da cura das lesões, a CE pode também influenciar
a abordagem clínica e o prognóstico destes doentes (58).
Tem sido então notória a necessidade urgente de desenvolver escalas que,
validadas, possam permitir a valorização correcta dos achados da CE. Alguns scores
já foram descritos mas são necessários mais estudos para a sua comparação e
validação. Actualmente, os mais utilizados são o Lewis Capsule Endoscopy Score e o
Capsule Endoscopy Crohn’s Disease Activity Index (CECDAI).
A escala de Lewis baseia-se na avaliação de 3 variáveis endoscópicas:
aparência vilosa, úlceras e estenoses. O tempo de trânsito da CE no intestino delgado
é dividido em 3 partes iguais, tercis. Relativamente aos dois primeiros parâmetros
cada tercil é avaliado individualmente. As estenoses são avaliadas globalmente em
todo o estudo. O score final é dado pela soma do tercil com maior pontuação com a
pontuação dada pelas estenoses. Estão definidos cut-offs para classificação das
alterações inflamatórias da mucosa como normais (<135), ligeiras (135-790) e
moderadas a severas (>790). Este sistema tem vindo a ser cada vez mais utilizado,
dada a inclusão de um calculador do score de Lewis no software informático da
PillCam (60,64,65).
A classificação no CECDAI aborda 3 parâmetros: inflamação, extensão da
doença e estenoses. O intestino delgado é dividido em porção proximal e distal, de
acordo com o ponto médio do tempo de trânsito da CE. O resultado final varia entre 0
e 36, não tendo sido especificados cut-offs. Assim, a um maior CECDAI corresponde
um grau mais severo de inflamação da mucosa (64,66).
Score CECDAI = (I1xED1+E1) +(I2xED2+E2)
Figura 4 - Cálculo do CECDAI (Adaptado de (66)) [I1 - Inflamação na porção proximal, ED1 - Extensão da doença na porção proximal, E1 - estenoses na por ção proximal, I2 - Inflamação na porção distal, ED2 - Extensão da doença na porção distal, E2 - est enoses na porção distal]
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O objectivo destas escalas é obter uma avaliação mais objectiva e uniforme,
facilitando a avaliação dos doentes e a comparação de diferentes estudos. É
importante ter em conta que estes são índices de avaliação da mucosa intestinal, não
permitindo, por si só, diagnosticar a doença.
Outra situação clínica em que se pode considerar a utilidade da CE é nos
doentes com DC com sintomatologia inexplicada, com resultados inconclusivos nos
exames radiológicos e endoscópicos prévios. Nestes casos, perante uma suspeita
clínica significativa, a investigação deve prosseguir, nomeadamente com recurso à CE (14), já que a sintomatologia poderá representar doença activa, maior área de intestino
afectada ou refractoriedade ao tratamento em curso. Exames como a ETC ou ERM
são por vezes escolhidos, uma vez que possibilitam uma avaliação transmural e extra-
intestinal e não comportam risco de obstrução.
A CE pode, por outro lado, permitir evidenciar a ausência de lesões intestinais
em pacientes com quadros clínicos exuberantes, evitando tratamentos desnecessários
e conduzindo a investigação clínica para a inclusão de outras hipóteses de diagnóstico (61). Chami et al (67) refere mesmo que a utilidade e o efeito de uma CE negativa na
abordagem ao paciente pode ser tão significativa quanto a de um resultado positivo.
Na DC, após remoção dos locais com doença macroscópica, é possível a
recorrência de lesões no local da anastomose bem como no restante intestino. Estas
aparecem antes da recorrência dos sintomas, pelo que a avaliação endoscópica no
pós-operatório poderá ser relevante para uma detecção e alteração do tratamento
precoces (68). Mais ainda, no consenso da OMED-ECCO (14) é referido que a gravidade
das lesões endoscópicas está associada ao risco de recorrência clínica. De acordo
com o mesmo consenso, a ileocolonoscopia é o gold-standard no diagnóstico da
recorrência pós-operatória e a ecografia abdominal, a ERM e a CE devem ser
consideradas métodos emergentes como alternativa a esta.
Em termos gerais, a opção de se realizar CE após ileocolonoscopia negativa,
nos contextos até agora referidos, deve ter em conta o risco de retenção do dispositivo
em cada doente em particular. Tal como já referido, nos pacientes com Doença de
Crohn, esta complicação ocorre mais frequentemente do que na população geral. Em
vários estudos são referidas taxas de retenção da cápsula de 1.4-2.5%, 1-5% e 1.5-
13% respectivamente para a população geral, pacientes com suspeita de DC e
pacientes com diagnóstico de DC (7,12,59). Assim, é frequente a utilização de cápsula de
patência ou de métodos imagiológicos antes da CE nestes doentes (14,56,59).
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Quer na suspeita de DC quer na DC estabelecida, se após a CE a hipótese em
causa se mantem dúbia, vários autores preconizam o uso da enteroscopia assistida
por balão, tendo esta técnica a vantagem de permitir a realização de biópsias e
intervenção terapêutica (56).
• Doença Inflamatória Intestinal Não Classificada
Bourreille et al (14), no consenso da OMED-ECCO, cita estudos populacionais
que demostram que em 4 a 10% dos pacientes com DII que atinge o cólon não é
possível distinguir entre CU e DC. Nestes doentes com DIINC os exames
imagiológicos, endoscópicos, serológicos e histológicos não fornecem indicações
conclusivas. A determinação do tipo exacto de DII tem, no entanto, implicações
importantes na abordagem clínica e terapêutica, nomeadamente cirúrgica, podendo a
CE ter neste contexto um papel superior aos exames radiológicos habituais do ID (14).
Na DIINC é aconselhável a avaliação de todo o intestino delgado antes de ser
considerada intervenção cirúrgica para realização de bolsa ileo-anal após
coloprotectomia (69). A CE, por permitir a directa visualização da mucosa, pode detectar
precocemente lesões não observadas na imagiologia convencional (69).
Flamant et al (55) refere ainda outra indicação para a CE, citando um estudo
retrospectivo de Mehdizadeh et al em que é sugerido que doentes com DIINC
previamente avaliados com ileocolonoscopia e biópsias, que apresentam sintomas
atípicos ou doença refractária à terapêutica, devem realizar endoscopia por cápsula.
Em resumo, verifica-se que o grande impacto da CE na abordagem dos
doentes com DII ocorre no diagnóstico e follow-up de pacientes com DC e DIINC.
2.3.3 - Doença Celíaca
A doença celíaca é uma enteropatia dependente do glúten, caracterizada pela
existência de inflamação crónica do ID e atrofia da mucosa (70). A primeira abordagem
perante a suspeita de doença celíaca é geralmente a realização de testes serológicos.
No entanto, o gold standard para o seu diagnóstico é a histopatologia do ID (71),
geralmente obtida por biópsia através de EDA. Sendo este método invasivo, vários
autores sugeriram que a CE pudesse ser uma alternativa, diagnosticando lesões para
além do alcance da EDA (72).
A ESGE, nas recomendações de 2010 (7), referia já alguns estudos em que se
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demonstrava que a CE no diagnóstico da doença celíaca teria sensibilidade e
especificidade elevadas e, na abordagem dos doentes com um curso complicado ou
refractário, apresentava um alto poder diagnóstico. Não especificava no entanto se
este método seria ou não de aplicar ou quando o fazer.
Os estudos existentes sobre a aplicação da CE na doença celíaca são
escassos e contraditórios, sobretudo quanto ao seu papel diagnóstico (70,73,74). O poder
diagnóstico parece ser maior quando a probabilidade pré-teste é elevada,
nomeadamente quando os exames serológicos foram compatíveis com doença celíaca (70). Existe uma boa correlação entre a histologia e os achados da CE (78% de
concordância, kappa=0,65 IC95 0,36-0,95) (75).
O papel da CE é mais consensual no que diz respeito à avaliação da doença
refractária. Collin et al (76) afirma que nos doentes em que a recuperação da mucosa é
precária, a CE pode ter um papel na confirmação do diagnóstico, bem como na
exclusão da presença de complicações da doença celíaca, como o linfoma ou a
jejunoileíte ulcerativa. A CE permite ainda avaliar a extensão do atingimento intestinal,
embora o seu significado clínico seja desconhecido (70).
Não está ainda esclarecido se existe indicação para a utilização de CE em
doentes com serologia positiva para doença celíaca e histologia duodenal normal.
Lidums et al (77) afirma que nestes doentes será pouco provável a detecção de atrofia
vilosa através da CE.
No futuro, serão necessários mais estudos para esclarecer e consolidar qual o
papel da CE na doença celíaca.
2.3.4 - Tumores do Intestino Delgado
Geralmente o intestino delgado é considerado uma localização rara para o
desenvolvimento de tumores, correspondendo, de acordo com estudos
epidemiológicos citados por Pennazio et al, a 1-3% dos tumores primários GI (78). No
entanto, desde o advento da cápsula como método preferencial para avaliação do ID,
vários estudos têm sugerido que a frequência destes tumores na população geral seja
superior ao esperado (7,78,79).
O mesmo autor refere também, da análise de estudos recentes, que em cerca
de 90% dos casos a principal indicação para CE em pacientes com tumores do ID é a
ocorrência de HGIO (78). Para além disso, a maioria dos tumores identificados são
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malignos (63-86%) e a localização mais frequente é o jejuno (40-60%) (7). Torna-se
assim notório que outros exames possam ser insuficientes para diagnosticar grande
parte destas lesões. O ID, para além dos tumores primários, pode ser ainda local de
metastização, mais comummente de melanomas cutâneos malignos (cerca de 33%) (7,78).
Na endoscopia por cápsula os tumores do ID podem aparecer como pólipos ou,
menos frequentemente, como úlceras ou estenoses (78). A CE não permite a distinção
entre lesões benignas e malignas (80) e, assim, os doentes devem, após detecção do
tumor, realizar estudo imagiológico com TC ou RM, para avaliar envolvimento
extraluminal e presença de doença metastática, e geralmente realizar enteroscopia
assistida por balão com biópsia para obtenção de diagnóstico histológico.
Comparativamente a outros métodos de diagnóstico, a CE apresenta uma
percentagem de estudos falsos negativos muito inferior, apesar de ainda considerável
(18.9% vs. 63%) (81).
Para melhorar o diagnóstico destas lesões, novos programas de análise
informática estão a ser desenvolvidos, baseando-se sobretudo nas variações de
textura da cor da mucosa (82,83).
A CE permite uma detecção mais precoce destas lesões e poderá condicionar
um melhor prognóstico e ter um impacto benéfico na abordagem terapêutica (7,84). No
entanto, mais estudos são necessários para confirmar estas questões.
2.3.5 - Síndromes Hereditárias de Polipose
Síndromes polipóides hereditárias como a polipose adenomatosa familiar (PAF)
ou a Síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ), têm uma incidência aumentada de neoplasias
do intestino delgado comparativamente com a população geral (85,86). A CE, em cada
uma das patologias, tem diferentes indicações e relevância.
• Síndrome de Peutz-Jeghers
A SPJ é caracterizada pela associação de pólipos hamartomatosos
gastrointestinais, hiperpigmentaçao mucocutânea e risco aumentado de várias
neoplasias (85).
A maioria dos pacientes é diagnosticada apenas quando a doença se torna
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sintomática (85). Para prevenir o aparecimento de neoplasias e diminuir a necessidade
de cirurgias de emergência por oclusão, invaginação ou hemorragia intestinal, é
recomendada vigilância regular do ID (87). Giardiello et al (88) refere para estes
pacientes um risco de cancro do intestino delgado de 13%. Assim, recomenda que
seja feita uma avaliação inicial do ID por volta dos 8 anos e, se forem encontrados
pólipos, deve reavaliar-se a cada 2-3 anos. Se não, tal programa de vigilância deve ser
instituído a partir dos 18 anos (88).
Segundo Brown et al (89) a CE parece ser superior aos exames radiológicos
com bário na detecção de pólipos significativos (>1cm). Relativamente à ERM parece
não haver diferenças significativas na detecção de pólipos clinicamente relevantes
(>1cm) (18 na CE vs 23 na ERM, p=0,35), sendo no entanto a CE considerada mais
cómoda (90).
De acordo com as recomendações da ESGE (7), a CE pode substituir a
enteróclise na vigilância dos doentes com SPJ. Outros estudos apontam a CE como
um bom método de rastreio (80,85). Como a CE pode não detectar todos os pólipos,
deve ser a primeira linha de investigação, seguida de enteroscopia para completa
identificação dos pólipos existentes e intervenção terapêutica quando necessário (85).
No futuro, para sistematizar a utilização da CE neste contexto, é necessário
definir com maior clareza a população alvo, quando iniciar a vigilância e com que
regularidade repetir o exame.
• Polipose Adenomatosa Familiar
A PAF é uma doença hereditária caracterizada pela presença de pólipos
adenomatosos no ID e cólon, associando-se a um risco virtual de cancro colo-rectal e
do duodeno de 100% (91-93). Numa revisão, Half et al (92) refere que o risco de
desenvolver adenomas ou cancro da ampola ou do duodeno é muito superior ao do
restante ID.
A CE, apesar de segura e mais eficaz na detecção de pólipos jejuno-ileais que
outros MCD (7,86,91,94), tem um papel pouco importante na PAF. Estudos afirmam que a
CE subestima o número de pólipos no ID, sobretudo os de maior tamanho (86,95) e, para
além disso, é muito difícil a identificação da papila major e consequentemente de
ampulomas, mantendo-se a necessidade de duodenoscopia (7,94,95). Assim, a CE não
está actualmente recomendada por rotina nos doentes com PAF.
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2.3.6 - Síndrome de Lynch
Para além das síndromes polipóides hereditárias, o risco de neoplasias do
intestino delgado também se encontra aumentado na Síndrome de Lynch (cancro
colorrectal não polipóide hereditário). Vasen et al (96) refere que o risco cumulativo de
cancro do ID nestes pacientes é de aproximadamente 4%, correspondendo a um risco
relativo mais de 100 vezes superior ao da população geral. Torna-se assim pertinente
questionar um eventual papel da CE no seguimento destes doentes, sendo no entanto
escassos os estudos existentes.
O facto de ainda não se conhecer uma lesão pré-maligna do ID nem o
processo de progressão destas neoplasias, torna pouco claro se seria útil e
economicamente viável iniciar um programa de rastreio.
No entanto, é de notar que a CE parece ser um método eficaz, seguro e não
invasivo de detectar pólipos do ID nestes doentes (97). Saurin et al (97) sugere que a CE
poderá ser superior à enteróclise por TC na detecção de neoplasias do ID nestes
pacientes, sem ter atingido no entanto diferenças estatisticamente significativas,
devido ao baixo número de neoplasias na amostra (n=3; CE: Sensibilidade=29-100%
Especificidade=56,6-88,5% vs. TCE: Sensibilidade=0,8-90,6% Especificidade=75-
98%).
O facto de a maioria dos adenomas e neoplasias do ID se localizarem no
duodeno ou jejuno, torna menos provável a ocorrência de falsos negativos pela
realização de endoscopias por cápsula incompletas (98).
São necessários, então, mais estudos para definir a utilidade e a melhor
metodologia para a incorporação da CE na monitorização destes doentes.
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3 – Esófago
A Given Imaging lançou em 2004 uma cápsula endoscópica para estudo do
esófago (PillCam ESO), tendo em 2007 surgido a segunda versão (PillCam ESO2). O
dispositivo é de dimensões semelhantes ao utilizado no ID (26x11mm), mas possui
uma câmara em cada extremidade, cada uma com capacidade para obter 7
imagens/segundo (13,99,100).
O procedimento é relativamente simples. Após um jejum de pelo menos 5-6h, o
paciente vai ao hospital, onde lhe são colocados os sensores no tórax, devidamente
posicionados e ligados ao gravador colocado à cintura. Depois o paciente bebe cerca
de 100ml de água para retirar do esófago quaisquer materiais que possam dificultar a
visualização. Coloca-se então em decúbito dorsal e engole a cápsula, bebendo
pequenas quantidades de água e variando gradualmente a inclinação do tronco entre
os 0 e os 60 graus, ao longo de 5 minutos. Em seguida pode ficar sentado ou
deambular durante 15 minutos até terminar o exame. A cápsula é depois naturalmente
expelida através do tracto GI (100,101,102).
Outro procedimento foi descrito, em que a cápsula é ingerida em decúbito
lateral direito, assegurando maior cobertura do esófago distal, apesar do menor tempo
de trânsito esofágico (7,101). Mais estudos são necessários para definir qual será a
melhor abordagem. Vários autores têm referido tempos de trânsito esofágico muito
variáveis entre doentes (3 a 1051 segundos) podendo, em alguns casos, ser um
percurso demasiado rápido para a correcta visualização do esófago (99).
Nas mais recentes recomendações da ESGE (7), são referidas como indicações
para a realização de cápsula endoscópica esofágica (CEE) o rastreio de esófago de
Barrett (EB) e de varizes esofágicas (VE).
Note-se que a maioria dos estudos foram realizados com o primeiro protótipo
da CEE, que permitia apenas obter 4imagens/segundo, pelo que são necessárias
novas avaliações do possível impacto da utilização da PillCam ESO2 (7,99,100,102-104).
Novas abordagens ao estudo do esófago com CE têm sido descritas, como a
utilização de um dispositivo de controlo magnético externo para movimentação da
cápsula (105) ou a utilização da CE convencional do ID com adaptação de um fio
suspensor (string capsule endoscopy) que permite, após a deglutição, várias
passagens no esófago, com o intuito de obter uma melhor visualização (106). É também
sugerido que com este último método se possam esterilizar e reutilizar as cápsulas (107).
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• Varizes Esofágicas
As VE são frequentes nos doentes cirróticos que desenvolvem hipertensão
portal, sendo a hemorragia por rotura de varizes uma complicação importante. De
acordo com a World Gastroenterology Organisation, deve ser feito o rastreio para a
presença de varizes, através da EDA, aquando do diagnóstico de cirrose, sendo o
seguimento posterior realizado de acordo com o grau de cirrose e os achados
endoscópicos (108).
Lu et al (104) analisou sete estudos tendo descrito valores heterogéneos de
sensibilidade (68.4-100%) e especificidade (8.3-100%). Nesta meta-análise, a CEE
não parece adequada ao rastreio de varizes esofágicas (104). Uma das principais
questões que dificultam o seu uso neste contexto é o facto de a classificação das
varizes que orienta o tratamento ser baseada nos achados da EDA com insuflação,
não podendo ser directamente transponível para a CEE.
Apesar de a CEE não ser para já uma alternativa à EDA na abordagem das
varizes esofágicas (102), novos estudos, com maiores amostras populacionais,
utilizando a PillCam ESO2 e com protocolos que permitam prolongar o tempo de
trânsito esofágico, poderão trazer novas informações.
• Esófago de Barrett
O esófago de Barrett é considerado uma lesão pré-maligna do esófago (109),
sendo previsível que o seu diagnóstico precoce diminua a incidência de cancro
esofágico. Actualmente o gold-standard para o diagnóstico é a EDA com biópsia para
comprovação histológica. Após diagnóstico, o seguimento endoscópico destes
doentes é feito de acordo com a existência ou não de displasia e do seu grau (110). Não
está preconizado qualquer rastreio populacional.
Os estudos actuais sugerem que a CEE não deve substituir a EDA no rastreio
e seguimento do esófago de Barrett (101,103). O facto de a CEE não permitir o despiste
histológico da presença de displasia, condiciona muitas limitações ao seu possível
papel nesta patologia.
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4 – Cólon
A cápsula para estudo do cólon (PillCam Colon) foi lançada no mercado pela
Given Imaging em 2006 na Europa, tendo a sua segunda versão (PillCam Colon2)
surgido em 2009 (111). As características de ambas são descritas na tabela 7. Até agora
são escassos os estudos publicados relativos à PillCam Colon2. O principal objectivo
desta cápsula seria o rastreio de cancro colo-rectal, visto que esta é a segunda
neoplasia com maior taxa de mortalidade na Europa Ocidental (112) e a colonoscopia,
actualmente utilizada, é um exame frequentemente considerado desagradável pelos
doentes.
Tabela 7 - Especificações técnicas da PillCam Colon ( Adaptado de (113-115))
PillCam Colon 1® PillCam C olon 2® Comprimento (mm) 31 31.5 Diâmetro (mm) 11 11.6 Câmaras 2 2 Campo de visão (cada câmara)
156º 172º
Imagens/segundo (ambas as câmaras)
4 Frequência adaptativa (4-35)
“Sleep mode” Sim; Desliga-se ± 1h45m até ao íleo terminal
Não, frequência de imagens diminuída nesse percurso
Outros Software para determinação do tamanho de pólipos; Alerta para a necessidade de tomar a preparação intestinal; Possível visualizar imagens em tempo real
No caso das cápsulas do cólon, a preparação intestinal deve promover, para
além da limpeza do tubo digestivo, a propulsão da cápsula, já que neste órgão os
movimentos peristálticos são muito inferiores aos do intestino delgado. Embora não
seja ainda consensual qual a melhor preparação intestinal para a realização de
endoscopia por cápsula do cólon, sabe-se que a comummente utilizada para a
colonoscopia não é suficiente (115). Eliakim et al (113), num dos primeiros estudos com a
PillCam Colon2 sugere o protocolo apresentado na tabela 8, referindo um nível
adequado de limpeza intestinal em 78% dos pacientes e uma taxa de excreção da
cápsula endoscópica do cólon (CEC), às 8h, de 81%, perspectivando que, caso se
esperasse até as 10h (tempo de gravação da CEC) esta percentagem seria maior.
Vários autores afirmam que a capacidade diagnóstica da CEC se encontra associada
ao nível de preparação intestinal (115,116). Estão em curso novos estudos com o
objectivo de entender qual o protocolo que proporciona taxas mais elevadas de
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limpeza intestinal e excreção da cápsula (115).
Tabela 8 - Preparação intestinal para endoscopia por cápsula ao cólon (Adaptado de (113,115))
Dia Hora Dieta/Preparação
Dia Anterior Todo o dia Dieta líquida 19h-21h 2L PEG
Dia do exame
8h-9h 2L PEG 10h Ingestão da cápsula* Detecção do ID 1º boost com 30ml NaP+1L
água 3h depois do 1º boost 2º boost com 15ml
NaP+0,5L água 2h depois do 2º boost Supositório (10mg
Bisacodil) *Caso a cápsula permaneça no estômago por mais de 1h administrar 10mg de metoclopramida
[ID – Intestino Delgado; NaP: fosfato de sódio; PEG - polietilenoglicol]
Nos estudos realizados com a PillCam Colon2, os resultados têm sido
superiores aos do protótipo original, que se tinham mostrado heterogéneos e
decepcionantes (respectivamente para a PillCam Colon1 e Colon2 na detecção de
pólipos ≥6mm ou presença de 3 pólipos: sensibilidade 58% vs. 86%, especificidade
85% vs. 71%, VPP 57% vs. 56%, VPN 86% vs. 92%) (117).
É importante ter em conta que a maioria dos estudos existentes são realizados
em pacientes sintomáticos e como tal podem não reflectir o valor diagnóstico como
exame de rastreio numa população assintomática.
Quanto a efeitos adversos, a maioria dos autores refere serem ligeiros a
moderados e relacionados essencialmente com a preparação intestinal (118). Apesar do
maior tamanho não foram relatados casos de retenção da cápsula (117).
As guidelines da ESGE (117) referem que a CEC não mostrou ter um custo-
eficácia favorável, baseando-se num estudo de Hassan et al. No entanto, esta relação
poderia ser superior à oferecida pela colonoscopia, caso a utilização da CEC
permitisse uma adesão ao rastreio do cancro colo-rectal 30% superior (112).
Actualmente, a CEC pode ter um papel importante sobretudo quando a
colonoscopia é incompleta, está contra-indicada ou não é aceite pelo doente. Apesar
de não ser ainda uma alternativa à colonoscopia convencional, os novos resultados
são encorajadores.
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Conclusão
Na última década, a investigação dedicada ao estudo mais aprofundado das
patologias do tracto digestivo, e em particular as do intestino delgado, foi criando uma
nova realidade. O advento da cápsula endoscópica abriu horizontes, permitindo uma
melhor compreensão da fisiopatologia de várias doenças e uma abordagem
diagnóstica e terapêutica mais ampla e orientada.
A utilização de um novo método de diagnóstico veio colocar novos desafios e
possibilidades. Estamos numa fase precoce da história da cápsula em que existem
ainda questões por responder. Os próximos anos serão fulcrais na definição de
indicações mais precisas para a utilização da cápsula e de critérios mais objectivos de
valorização dos achados. Avanços tecnológicos que permitam contornar as limitações
descritas e alcançar relações custo-eficácia mais favoráveis serão também novas
portas de investigação.
Em suma, a endoscopia por cápsula, apesar de já ter um papel importante na
actual prática clínica, é uma área em vasta progressão.
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Sílvia Álvares Brandão de Pinho
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