CAPÍTULO 12 – IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS
PARA USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
Daniela Cristina Belchior Mota, Telmo Mota Ronzani
Neste capítulo realizou-se uma apresentação das políticas públicas brasileiras sobre
álcool e outras drogas, visando alcançar três propósitos: (1) distinguir as principais
abordagens que caracterizam as políticas nesta área; (2) descrever as políticas atuais; (3)
levantar questões sobre os desafios para a implementação de tais políticas. Para isso, além da
consulta a documentos oficiais que descrevem as políticas públicas, constituíram material de
referência a produção internacional e, sobretudo a nacional, haja vista a importância de se
tomar por base exemplos contextualizados a nossa realidade.
Especialmente, este capítulo objetiva apoiá-lo na sua reflexão sobre a implementação
destas políticas em seu município. Nesse sentido, foram também fontes de referência a
realização de pesquisas e capacitações, as quais oportunizaram conhecer a vivência de
profissionais e revelaram limites e possibilidades para a construção de políticas na área de
drogas em municípios de Minas Gerais.
O passo no sentido de elucidar questões que desafiam a implementação das políticas
brasileiras na área de drogas não é conclusivo e nem encerra a discussão, mas sim tem por
finalidade contribuir para o debate em torno da construção destas políticas. Debate para o qual
o seu envolvimento é necessário, fundamental, pois embora a implementação das políticas
seja complexa, sabidamente pode-se afirmar que, quando bem sucedidas, conta com o
engajamento de profissionais que atuam diretamente na realidade e que também são agentes
de transformação essenciais neste processo.
1. Abordagens Políticas
As políticas públicas para o uso de álcool e outras drogas são norteadas por ideologias
que justificam determinadas abordagens em relação a este problema (Nascimento, 2006). Tais
abordagens propõem diferentes perspectivas sobre quem é o usuário de drogas, quais os seus
direitos e qual a maneira mais adequada de contribuirmos efetivamente para a prevenção e
para a sua recuperação. Assim, é importante termos uma visão geral sobre estas abordagens,
pois elas influenciam a construção das políticas públicas e as nossas práticas.
No plano internacional, a abordagem de “combate ou guerra às drogas", protagonizada
pelo governo norte-americano, historicamente foi predominante na área de drogas. Tendo
como objetivo principal promover a abstinência de qualquer consumo de drogas ilícitas, nesta
abordagem as estratégias de ação foram caracterizadas pela postura proibicionista de
“tolerância zero”, tratando o tema exclusivamente como uma questão de polícia. Segundo os
defensores desta perspectiva, era necessário banir o uso de drogas no mundo, devido a ser
considerado moralmente incorreto. Com isso, justificavam-se medidas de punição que
visavam marginalizar e tratar o usuário de drogas como um criminoso (Marlatt, 1999).
Além da penalização na justiça criminal, a substituição do rótulo de “usuário criminoso”
pelo de “usuário doente”, visando o isolamento dos usuários em hospitais psiquiátricos, foi
igualmente embasada na idéia de que a punição seria uma medida eficaz e educativa. Neste
caso, a internação em tais instituições também trata-se de uma estratégia de segurança ao
indivíduo e à sociedade, não sendo isenta de concepções morais em relação ao usuário, e
também produzindo discriminação e repressão (Bucher & Oliveira, 1994; Nascimento, 2006).
A concepção do “combate às drogas”, que restringe a questão ao campo da segurança
pública, contrasta com a concepção do “problema das drogas”, que a situa no âmbito da saúde
pública. Nesta última, tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas são tidas como uma ameaça não
à ordem social, mas sim à saúde da população no sentido amplo, visando em particular os
danos associados ao uso de tais substâncias (Bucher & Oliveira, 1994). Esta abordagem,
conhecida como redução de danos, não nega a evidência histórica de que todas as sociedades
humanas sempre conviveram com substâncias psicoativas, e busca lidar com o consumo de
drogas de uma maneira realista (Marlatt, 1999).
Deste modo, a redução de danos proporciona uma alternativa prática para os modelos
moral/criminal e de doença, pois desvia a atenção do uso de drogas em si para as
conseqüências ou para os efeitos do comportamento aditivo, os quais são avaliados em termos
de serem prejudiciais para o usuário e para a sociedade, e não por serem julgados como
moralmente incorretos (Silveira et. al., 2003). A abstinência não é considerada a única meta, e
os usuários são vistos como parte da comunidade e, portanto, protegê-los requer sua
integração na comunidade e não o seu isolamento (Marlatt, 1999).
No entanto, será que a abordagem proibicionista, de “combate às drogas”, não seria mais
eficaz do que a redução de danos? Diferentes fatores apontam que não. Primeiramente, a
multiplicidade de danos causados pelas substâncias lícitas, como álcool e tabaco, tem menor
ênfase no “combate às drogas” devido a sua orientação repressora em relação drogas ilícitas.
Destaca-se também que a exigência de abstinência dos usuários, somadas as abordagens
agressivas que os tratava como criminosos, são notavelmente ineficazes (Marlatt, 1999;
Miller & Rollnick, 2001). Acrescenta-se ainda que a abordagem de justiça criminal não só
fracassou em diminuir a violência relacionada às drogas, como acabou por contribuir para o
seu aumento (Manchikanti, 2007; Marlatt, 1999).
Apesar disso, as primeiras intervenções do governo brasileiro nesta área demonstravam a
opção pela abordagem proibicionista, influenciada pela ocorrência de convenções
internacionais que reafirmavam a adoção de medidas de repressão à oferta e ao consumo de
drogas. A partir da década de 70, a legislação brasileira sobre o tema foi influenciada também
pela medicina, que passou a legitimar o controle e a repressão do uso de drogas. Com isso,
foram propostos diferentes dispositivos assistenciais, como hospitais psiquiátricos e centros
especializados de tratamento, mas observa-se que tais medidas foram voltadas para as drogas
ilícitas, excluindo o uso de álcool (Machado, 2006).
Na década de 90, em decorrência da alta transmissão de HIV entre usuários de drogas
injetáveis, a implementação das estratégias de redução de danos proporcionou visibilidade à
realidade da atenção ao usuário de álcool e outras drogas no setor público de saúde,
evidenciando a quase inexistência de ações destinadas ao enfrentamento deste problema
(Dias, 2003; Machado, 2006). Finalmente, no início do século XXI foram formuladas as
políticas nacionais para os usuários de álcool e outras drogas, inseridas no âmbito da saúde
pública e baseadas nos pressupostos da redução de danos. A figura a seguir sintetiza a
trajetória das ações brasileiras na área de drogas:
Figura 1 - Medidas do governo brasileiro na área de álcool e outras drogas
Fonte: Do autor.
Se do ponto de vista temporal estas perspectivas podem ser apresentadas linearmente,
ordenando sequencialmente as medidas do governo brasileiro na área de drogas, do ponto de
vista prático muitas vezes estas abordagens coexistem, sendo possível identificar nos dias
atuais a disputa entre ideologias contrárias na área de drogas. É o que podemos observar, por
exemplo, na moralização de usuários de álcool e outras drogas, que ocorre inclusive entre
Negligência Criminalização Psiquiatrização Redução de Danos Políticas Nacionais
profissionais de saúde e gestores (Mota, 2011, Ronzani, Mota & Souza, 2009). E mesmo
através de posturas políticas consideravelmente questionáveis, como o apoio a internação de
usuários contra a sua vontade.
Em suma, a abordagem de justiça criminal rivalizou (e muitas vezes ainda rivaliza) com a
abordagem de saúde pública para que o uso e o usuário de drogas sejam tratados de uma
maneira moralista e policialesca. No entanto, como veremos a seguir, este tema complexo e
vasto requer diferentes políticas públicas e com distintos objetivos, devendo a repressão ser
direcionada ao tráfico e não ao usuário. Sabemos que a abordagem de saúde pública é uma
opção ética, além de ser eficaz na prevenção do uso de substâncias e na recuperação dos
usuários.
2. Políticas Públicas Sobre Drogas – Visão Geral
Como abordado anteriormente, as drogas podem ser classificadas em drogas lícitas, isto
é, que tem a sua comercialização permitida pelo Estado (como o álcool e o tabaco) e drogas
ilícitas, que tem a sua comercialização proibida (como a maconha e a cocaína). De acordo
com a sua natureza e finalidade, as políticas públicas nesta área podem ser classificadas em
duas categorias (Longest, 1998):
Políticas Alocatórias
Visam alocar recursos para as ações assistenciais, como o tratamento para dependentes e
a prevenção, e as ações educativas (Babor, 2003). Entre as políticas alocatórias, a inserção de
ações preventivas na rede assistencial apresenta-se como um desafio e há uma insuficiência na
rede assistencial para tratamento de usuários (Babor, 2007; Souza, 2010).
Políticas Regulatórias
Objetivam regulamentar o acesso as substâncias lícitas. Por exemplo, as leis que impõem
uma idade mínima para a compra de bebidas alcoólicas ou que proíbem o consumo de tabaco
em ambientes fechados se tratam de políticas regulatórias. Estudos que analisaram a
efetividade de tais políticas apontaram que são consideravelmente efetivas o aumento da
idade mínima para o consumo e a restrição do número de bares. Já estratégias como o
controle do conteúdo das propagandas e as advertências nos rótulos são menos efetivas
(Babor, 2003).
Outra classificação possível envolve as seguintes categorias:
Políticas de Redução da Demanda
São ações que visam a prevenção do uso indevido de drogas lícitas e ilícitas, como
também disponibilizar ações assistenciais para tratamento, recuperação e reinserção social
(Brasil, 2002b).
Políticas de Redução da Oferta
Envolvem as ações de repressão ao tráfico das drogas ilícitas, tais como a apreensão de
maconha e cocaína (Brasil, 2002b). Tem-se demonstrado como as drogas ilícitas incrementam
atividades criminosas, tais como o tráfico de armas, o contrabando e as guerras além das
atividades ilícitas, sendo importante ações neste campo (Lima, 2008).
Portanto, na área de drogas, são necessárias diferentes ações governamentais que possam
regulamentar as drogas lícitas, criar ações assistenciais para drogas lícitas e ilícitas, e também
atividades de repressão ao tráfico de drogas ilegais. Apesar da amplitude do tema e das
diferentes opções de políticas públicas, durante muito tempo a abordagem desta questão se
restringiu a um único setor, como é o caso da segurança pública.
É fundamental reconhecermos a delimitação e as particularidades de cada campo de ação,
para que possamos avançar na consolidação destas políticas. Nos tópicos a seguir será
apresentado como estas diversificadas ações acontecem em nosso país.
3. O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) é encarregado de
coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido e assistência aos
usuários, bem como a repressão do tráfico ilícito de drogas. Ou seja, no SISNAD são
articuladas e distribuídas ente os diferentes órgãos governamentais as ações na área de drogas
e, principalmente, estabelecido como a sociedade pode participar da elaboração das políticas
(Brasil, 2008).
Atualmente, o Ministério da Justiça é o órgão governamental central do SISNAD, sendo
que as ações redução da oferta tem a polícia federal como órgão executivo e as ações de
redução da demanda tem a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) como
órgão que as executa.
No SISNAD, a formulação de políticas sobre drogas ocorre através do Conselho Nacional
sobre Drogas (CONAD). Através da participação de diferentes representantes da sociedade,
este conselho é responsável por formular consensos e propor estratégias para a redução da
demanda e para a redução da oferta de drogas. Na esfera estadual, existem os Conselhos
Estaduais sobre Drogas e os municípios são estimulados a implementarem o Conselho
Municipal sobre Drogas (Brasil, 2008). A figura a seguir faz um esboço da estrutura do
SISNAD:
Figura 2 - Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
Fonte: Duarte & Branco (2006).
Como mostra a figura, cabe à SENAD exercer a secretaria executiva do CONAD. Na
função de secretaria executiva, a SENAD deve apoiar as ações no CONAD e coordenar a
atualização da Política Nacional sobre Drogas (Brasil, 2008).
3.1 Política Nacional Sobre Drogas
Redução da demanda SENAD
Redução da oferta Ministério da Justiça
Organizações públicas federais e representantes da sociedade civil
Plenário
Secretaria Executiva SENAD
CONSELHOS ESTADUAIS
Organizações públicas estaduais e representantes da sociedade civil
CONSELHOS MUNICIPAIS
Organizações públicas municipais e representantes da sociedade civil
CONAD
SISNAD
A Política Nacional sobre Drogas ou PNAD teve o seu processo de formulação concluído
no ano de 2005. Entre os princípios que embasam a PNAD está a diferenciação entre o
usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas. Ou seja, a PNAD
reconhece que o uso de drogas é um fenômeno complexo, que de um lado envolve o tráfico,
para o qual medidas de repressão são necessárias, e de outro lado envolve o uso de drogas,
para o qual medidas assistenciais devem ser implementadas. Este foi um avanço fundamental,
isto é, o avanço de não tratar usuários e traficantes da mesma maneira. Segundo a PNAD os
usuários tem direitos a serem atendidos de acordo com as suas necessidades, de modo a
possibilitar a recuperação de sua saúde (Brasil, 2002b; Duarte & Branco, 2006).
A PNAD reconhece ainda que os usuários podem não ter o mesmo padrão de
envolvimento com as substâncias, uma vez que existem diferentes padrões de uso de
substâncias, não somente a dependência. Por isso, são necessárias diferentes ações
assistenciais, como a prevenção, o tratamento e a reinserção social, que possam atender os
usuários de acordo com o grau de problemas vivenciados pelo consumo de substâncias
(Brasil, 2002b).
Contudo, entre estas várias ações, qual é a mais importante para a PNAD? A prevenção é
considerada prioritária, por ser a ação de menor custo e também a mais efetiva, isto é, a ação
que tem mais chance de ser bem sucedida. Ao priorizar a prevenção, a PNAD destaca também
que uma das estratégias mais relevantes é a redução de danos. E para que todas estas ações
sejam as mais eficazes possíveis, a PNAD ressalta a realização de pesquisas e avaliações e a
parceria com a comunidade científica, como as Universidades (Brasil, 2002b).
Como forma de se normatizar todas estas mudanças, destaca-se a lei nº 11.343 / 2006, a
qual implementou o SISNAD e diferenciou usuários e traficantes. Antes desta lei, a partir do
porte de drogas os usuários deveriam ser castigados e colocados em uma prisão, assim como
os traficantes. Com esta lei, o porte de drogas ilícitas deve oportunizar ao usuário reflexão
sobre o seu uso de drogas, não devendo ser penalizados com a privação de liberdade. Assim,
os usuários não são encarcerados e sim encaminhados para penas alternativas, como por
exemplo a prestação de serviços à comunidade em instituições que tratam dependentes de
drogas (Brasil, 2008).
Para que os pressupostos desta política sejam implementados objetiva-se a articulação e a
integração entre diversos setores do governo, iniciativa privada, terceiro setor e comunidade,
visando ampliar a consciência para a sua consolidação (Brasil, 2002b).
3.2 Política Nacional sobre o Álcool
A Política Nacional sobre o Álcool foi instituída em 2007 e os seus pressupostos estão de
acordo com a PNAD. Deste modo, nesta política os usuários tem direito as ações assistenciais
de que necessitarem, e a redução de danos é a abordagem que norteia as práticas (Brasil,
2007). As principais medidas desta política são as seguintes:
Realização de diagnóstico sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil, através da
realização de pesquisas.
Tratamento e reinserção social de dependentes.
Realização de campanhas de conscientização quanto aos danos causados pelo álcool.
Redução da demanda de álcool por populações vulneráveis, como por exemplo
crianças e adolescentes.
Prevenir os acidentes de trânsito correlacionados com o uso de bebidas alcoólicas.
Investimento na capacitação de profissionais.
Estabelecimento de parcerias com municípios e fortalecimento das relações
intergovernamentais.
Incentivar a regulamentação, o monitoramento e a fiscalização de bebidas alcoólicas.
Uma medida importante envolvendo o álcool foi a lei 11.705 / 2008, também conhecida
como “Lei Seca”. Segundo esta lei, o motorista que dirigir alcoolizado está sujeito a
penalidades, como ter o seu veículo apreendido, receber multas, ter suspenso o seu direito de
dirigir e o motorista poderá ainda ser detido por seis meses a três anos. Além disso, esta lei
proíbe vender bebidas em rodovias federais e obriga os locais que vendem bebidas alcoólicas
a divulgarem que é crime dirigir sob a influência de álcool (Brasil, 2008).
No caso das medidas voltadas para direção e álcool, há evidências que sugerem que não é
a severidade da penalização que promove a mudança de comportamento, e sim a certeza de
que haverá uma fiscalização. Podemos generalizar e dizer ainda que nenhuma política
regulatória é efetiva sem que haja fiscalização sistemática (Babor, 2003).
Para garantir os direitos assistenciais dos usuários, envolvendo ações como prevenção,
tratamento e recuperação, é fundamental que esta política esteja articulada com o setor de
saúde. Por isso, na a seguir será apresentada a política do Ministério da Saúde para os
usuários de álcool e outras drogas.
4. Políticas de Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas
A política sobre álcool e outras drogas foi operacionalizada segundo a lógica da Política
de Saúde Brasileira (Brasil, 2003b). No Brasil, a saúde é considerada um direito de todos e
um dever do Estado. Isto porque a saúde é uma das condições essenciais à vida digna sendo,
portanto, um direito fundamental. O principal objetivo da política de saúde brasileira é
possibilitar a garantia deste direito por todos os brasileiros (Fleury & Ouverney, 2009).
Para a implementação da política de saúde foi criado Sistema Único de Saúde (SUS). O
SUS possui princípios e diretrizes, que visam orientar as suas ações, apresentadas a seguir:
Universalidade: assegura o direito à saúde a todos os cidadãos, independente de
condição de saúde, gênero, idade, religião, condições financeiras, etc.
Integralidade: significa que as ações assistenciais não devem visar somente a cura e a
reabilitação. Os usuários do sistema de saúde devem ter acesso a ações de promoção de saúde
e prevenção de doenças, que proporcionem um cuidado completo das suas necessidades.
Participação da comunidade: tanto no município, como no estado e também no nível
federal a sociedade tem o direito de participar da formulação e da implementação da política
de saúde, acompanhando as ações realizadas.
Descentralização, regionalização, hierarquização de ações e serviços de saúde: os
cidadãos tem direito a ter acesso a serviços de saúde em seu município e próximo a sua casa,
atendendo as suas necessidades de saúde. Caso seja necessário, deve ocorrer o atendimento
em unidades de saúde mais distantes, localizadas em outros municípios ou estados.
A política voltada para os usuários de álcool e outras drogas está também articulada à
Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esta, por sua vez, tem como marco o
movimento de “Luta Antimanicomial”, o qual se posicionava contra os hospitais
psiquiátricos, pois estes eram locais desumanizados e que excluíam os portadores de
transtornos mentais da sociedade. Nesta política, destaca-se a lei n. 10.216, de 2002, a qual
dispõe sobre a proteção e os direitos dos portadores de transtornos mentais, entre eles os
usuários de álcool e outras drogas, e direciona o modelo assistencial em saúde mental,
buscando criar uma rede assistencial baseada em serviços extra-hospitalares (Brasil, 2003b).
As principais diretrizes da Política do Ministério da Saúde para Usuários de Álcool e
Outras Drogas são as seguintes:
Integralidade das ações, que vai envolver desde ações de promoção e prevenção,
destinadas à população geral, até ações assistenciais para aqueles usuários que necessitam de
tratamento.
Descentralização e autonomia dos estados e municípios para o desenvolvimento em
ações voltadas para álcool e outras drogas. Com o governo municipal se envolvendo
diretamente na estruturação dos serviços, eles se tornam mais próximos da realidade local.
Eqüidade do acesso dos usuários de álcool e drogas às ações de prevenção, tratamento
e redução de danos, de acordo com prioridades locais.
Mobilizar a sociedade para participar da formulação das políticas, bem como
estabelecer parcerias locais para a implementação de ações.
A política do Ministério da Saúde também se baseia nos princípios de Redução de Danos,
pois não considera a abstinência a única possibilidade terapêutica. Para ser implementada,
esta política está organizada a partir do estabelecimento de uma rede de atenção aos usuários
de álcool e outras drogas (Brasil, 2003b)
4.1 A Rede Assistencial para os Usuários de Álcool e Outras Drogas
Como apresentado, a política para usuários de álcool e outras drogas tem como principal
enfoque o cuidado integral, o que envolve práticas de promoção, prevenção e reabilitação.
Para isso, é necessário que haja uma rede de atendimento aos usuários, isto é, serviços
articulados para atender as suas diferentes necessidades (Brasil, 2003b).
Podem fazer parte de uma rede de atenção aos usuários de álcool e drogas os seguintes
serviços:
Hospitais gerais.
Unidades Básicas de Saúde.
Casas de Passagem.
Serviços especializados públicos ou particulares.
Recursos da comunidade, como por exemplo os Alcoolicos Anônimos.
Centros de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e Outras Drogas (CAPS ad)
Entre outros.
Entre estes serviços, os CAPS ad são os responsáveis por atender aos casos de usuários
com graves comprometimentos causados pelo uso indevido de álcool e outras drogas e,
principalmente, pela articulação de toda a rede de atendimento (Brasil, 2003b)
Um conjunto de funções dos CAPS ad é prestar tratamento intensivo para a população
que apresenta graves transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas.
Assim, os CAPS ad possuem funcionamento ambulatorial e de hospital-dia, devendo prestar
atendimento diário aos usuários dos serviços. Devem ainda oferecer cuidados aos familiares
dos usuários e enfatizar a reintegração social, utilizando, para tanto, recursos intersetoriais, ou
seja, de setores como educação, cultura, esporte e lazer (Brasil, 2003b).
A seguir são apresentadas as principais atividades do CAPS ad:
Prestar atendimento diário aos usuários dos serviços.
O CAPS ad possui leitos de repouso com a finalidade exclusiva de tratamento de
desintoxicação, para pacientes que não necessitam de tratamento hospitalar.
Oferecer cuidados aos familiares dos usuários dos serviços.
Ênfase na reintegração social do usuário, utilizando, para tanto, recursos intersetoriais,
ou seja, de setores como educação cultura esporte e lazer.
Trabalhar a diminuição do estigma/preconceito relativos ao uso de substâncias
psicoativas.
Outro conjunto de ações a serem desempenhados pelos CAPS ad é o de articulador da
rede de atenção aos usuários. Deste modo, cabe ao CAPS ad a gestão do sistema de atenção
em álcool e outras drogas, devendo responsabilizar-se pela organização da demanda e da rede
de instituições de atenção a usuários de álcool e drogas, no âmbito de seu território. Isto
envolve aperfeiçoar as intervenções preventivas e coordenar, no âmbito de sua área de
abrangência e por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de serviços de
atenção a usuários de drogas (Brasil, 2003). Esta função do CAPS ad como ordenador da rede
assistencial foi representada na figura a seguir:
Fonte: Brasil (2003b).
Além dos CAPS ad, o Ministério da Saúde também instituiu o Programa Nacional de
Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas. O seu objetivo é
regular o fluxo assistencial de toda a rede de serviços de saúde, incluindo os serviços de
Atenção Primária à Saúde e os hospitais. Este programa definiu também o papel dos CAPS
ad, isto é, um dispositivo estratégico para articulação de toda a rede assistencial (Brasil,
2003b).
Figura 3 - Rede de Atenção à Saúde
Mental
Destaca-se que municípios com mais de 70.000 podem ter CAPS ad. No caso dos
municípios que não tiverem CAPS ad, está previsto a atenção aos usuários de álcool e outras
drogas na modalidade CAPS que estiver disponível no município (Brasil, 2003b).
5. Desafios para a Implementação das Políticas Públicas sobre Álcool e Outras Drogas
Uma política pública lança um propósito que deve referenciar as ações governamentais
para um setor. A sua construção envolve um ciclo, ou seja, uma sequência de etapas, que
podem ser sintetizados da seguinte forma (Howlett & Ramesh, 1995):
Formulação: Etapa em que se projeta os objetivos e se idealiza o que a política irá
fazer.
Implementação: Etapa em que a política é colocada em prática e vivemos a
experiência real de concretizá-la.
Avaliação: Nesta etapa é avaliado se a política atingiu os objetivos traçados na fase de
formulação.
A implementação trata-se de uma etapa de aprendizagem política, pois as políticas
públicas podem conter diversas limitações não previstas na etapa de formulação, tais como
ambiguidade de objetivos, problemas de coordenação intergovernamental, recursos escassos
(Giovanni, 2000). A avaliação, neste caso, pode revelar os “ciclos de aprendizagem”,
conduzindo à constante reformulação da política proposta (Frey, 1999; Silva & Melo, 2000).
Assim, enquanto a formulação é uma etapa de idealização, a implementação é um
processo dinâmico, no qual nos confrontamos com a realidade, que nos desafia a construção
das políticas públicas. A seguir foram apontados os principais desafios para a implementação
das políticas brasileiras na área de drogas.
5.1 Expansão e articulação dos CAPS ad com a rede assistencial
Em uma pesquisa realizada por Mota e Ronzani (2011) em um município de Minas
Gerais que possui um CAPS ad, atores-chave entrevistados destacaram a insuficiência deste
serviço diante da demanda de atendimentos, pois uma parcela considerável da população não
consegue ter acesso ao CAPS ad. De acordo com dados da Coordenação Nacional de Saúde
Mental, verifica-se que é um padrão que pode ser encontrado em outros municípios e regiões
brasileiras, pois em geral a cobertura assistencial é insuficiente (Brasil, 2009).
Além disso, há aspectos deficitários da estrutura dos CAPS, tais como falta de recursos
humanos, de recursos materiais e de medicamentos (CREMESP, 2010; Mota, 2011). A
atuação do CAPS ad na articulação da rede também é questionável, pois este serviço
encontra-se desarticulado de diversos serviços que seriam fundamentais para se efetivar a
atenção integral aos usuários, tais como APS, hospitais e dispositivos socioassistenciais.
Deste modo, a oferta de recuperação dos usuários é pontual e insuficiente, e as práticas de
prevenção e reinserção social não são sistematizadas (Mota, 2011).
Tem-se questionado a efetividade do CAPS ad, seja como dispositivo para a atenção aos
usuários de álcool e outras drogas, e também no seu papel de articulador da rede
(CREMPESP, 2010; Moraes, 2008). Contudo, não é somente as deficiências do modelo
CAPS que explicam os obstáculos encontrados para a sua efetividade (Mercier, 1990 apud
Onocko-Campos & Furtado, 2005). Diversos estudos apontam que os obstáculos para a
atenção integral podem ser encontrados na organização dos serviços e na implementação das
políticas de saúde de uma forma geral e que reproduzem entraves comuns a diferentes níveis
do sistema de saúde (Bittencourt & Hortale, 2007; Cunha & Vieira-da-Silva, 2010; Spedo,
2009).
Mais do que um investimento na expansão de serviços, são necessárias medidas que
atuem na conjuntura na qual este serviço se insere, criando mecanismos que permitam que os
CAPS superem a função exclusivamente ambulatorial. Nesse sentido, um dos desafios é que
as políticas públicas atuais estabeleçam diretrizes claras e consistentes, que contribuam para
que os CAPS ad de fato sejam ordenadores da rede, cumprindo as finalidades para os quais
foram designados.
5.2 Fiscalização das comunidades terapêuticas e redefinição do seu papel na rede
assistencial
Como você observou, as políticas públicas que visam garantir o direito assistencial aos
usuários de álcool e outras drogas são muito recentes em nosso país. Mas sabemos que os
problemas relacionados ao abuso de substâncias já faziam parte da nossa sociedade muito
antes destas políticas serem formuladas. Por isso, questionamos: Como os dependentes de
álcool e outras drogas podiam ser tratados?
Por causa da negligência de políticas públicas nesta área, uma diversidade de serviços
não governamentais respondia pela atenção aos usuários de álcool e outras drogas. Ainda
hoje, em vários municípios brasileiros a rede pública para atendimento aos usuários é
inexistente ou insuficiente. Segundo dados de um mapeamento realizado pela SENAD (2007),
aproximadamente 80% dos serviços disponíveis para tratamento de usuários de álcool e outras
drogas no Brasil são ofertados por Organizações Não Governamentais (ONGs), conforme
apontado no gráfico a seguir:
Figura 4 - Instituições brasileiras para atendimento aos usuários de álcool e outras
drogas
Fonte: SENAD (2007).
Entre estas instituições, a maioria delas é definida por seus dirigentes como comunidades
terapêuticas ou CT’s (38,3%) (SENAD, 2007). Originalmente, o tratamento nas CT’s visa
possibilitar uma convivência entre os residentes, os quais promovem uma ajuda-mútua e
participam ativamente do dia-a-dia da comunidade. As CT’s são amplamente difundidas, o
que parece estar associado, entre outros fatores, à possibilidade de reconstrução da rede social
a partir da convivência com os pares (Norton, 1997; Sanches, 2006). Nestes serviços deve ser
garantida a permanência voluntária dos residentes, bem como o encaminhamento à rede de
saúde para o caso de necessidade (Fracasso, 2006).
No entanto, nem todos usuários de álcool e outras drogas podem se beneficiar das CT’s,
pois há diversos fatores que podem implicar na adesão a esta modalidade de tratamento, tais
como a não utilização de medicamentos psicotrópicos para os quadros de abstinência, a falta
de identificação com a proposta terapêutica, entre outros (Norton, 1997; Sanches, 2006).
Destaca-se também que há diferentes dispositivos que se intitulam CT’s, sendo fundamental
que exista regulamentação do trabalho desenvolvido por estes serviços e que sejam
estabelecidos padrões de qualidade (Fracasso, 2006).
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
Tratamento Redução de
Danos
Prevenção
389
250
451
850
313
776
Governamentais ONGs
Em suma, basicamente há três pontos para serem levados em consideração na discussão
sobre o papel das CT’s na rede assistencial: (1) as CT’s dependem da rede assistencial, e para
a atenção integral é incoerente contarmos exclusivamente com elas; (2) as CT’s precisam ser
fiscalizadas sistematicamente; (3) há usuários de drogas que se identificam e se beneficiam
das CT’s, mas há aqueles que não se adaptam.
Assim, para a garantia de princípios como a universalidade e a integralidade, é necessário
a expansão de serviços de tratamento públicos, o quais devem ser os responsáveis pela
organização da rede assistencial (Santos, 2011), envolvendo serviços de APS, hospitais,
dispositivos socioassistenciais e também recursos da comunidade, tais como as CT’s.
Contudo, o fato é que a escassez de serviços públicos faz com que as ONGs, sobretudo as
CT’s, sejam a única opção para encaminhamento de usuários. A partir de um estudo de caso
realizado em um município de pequeno porte de Minas Gerais, esta lógica foi representada na
figura a seguir:
Figura 5 - Visão Geral do Município C
Fonte: Do autor.
Possivelmente, muitos municípios brasileiros ainda reproduzem esta situação, na qual
a atenção aos usuários de drogas é muito mais uma questão de filantropia do que de direito
assistencial (Mota, 2011). Assim, é fundamental termos clareza sobre o papel das CT’s na
rede assistencial, isto é, como uma opção na rede complementar aos serviços públicos, mas
não como alternativa única.
5.3 Construção de estratégias de prevenção em longo prazo
Diversos dados apontam que a maior parte dos danos associados ao uso de substâncias se
refere a usuários que não chegam a se tornar dependentes (Humeniuk & Poznyak, 2004).
Nesse sentido, as estratégias de prevenção são necessárias, essenciais, pois podem contribuir
para a redução de uma ampla gama de danos ocasionados pelo uso indevido de substâncias.
Experiências de implementação de práticas de prevenção ao uso de drogas apontaram,
contudo, que existem diversas barreiras que comprometem a implementação de práticas de
prevenção na rotina dos serviços de saúde (Ronzani, 2005; Ronzani, Mota & Souza, 2009).
Um destes obstáculos é a falta de institucionalização destas práticas, pois há uma escassez de
programas ou mesmo diretrizes que visem consolidá-la na rotina assistencial
Embora a prevenção seja claramente um dos principais objetivos das políticas públicas
sobre álcool e outras drogas, ainda é um desafio a construção de propostas consistentes que de
fato possibilitem a implementação de estratégias preventivas na rotina assistencial.
5.4 Consolidação do princípio de intersetorialidade
A intersetorialidade é considerada um aspecto muito importante para uma implementação
bem sucedida das políticas públicas, pois uma vez que a complexidade da realidade exige um
olhar que não se esgota no âmbito de uma única política, é necessário buscar uma visão
integrada dos problemas e de suas soluções (Comerlatto, 2007).
Além do setor de saúde, outro setor fundamental na abordagem do uso indevido de álcool
e outras drogas é o setor de assistência social. Tendo em vista os problemas sociais associados
ao uso indevido de substâncias (tais como violência e desemprego), verifica-se que este setor
tem sido o catalisador de demandas de usuários e familiares nesta área.
O setor de educação também tem sido apontado como espaço privilegiado para a adoção
de práticas preventivas e promocionais sobre o uso de drogas, sendo atuação preventiva no
âmbito escolar amplamente difundida. O setor de defesa social, por sua vez, pode ter um
papel chave na abordagem dos usuários de substâncias, seja na prevenção da criminalidade,
educação e reinserção social dos indivíduos privados de liberdade.
Contudo, ainda existem várias lacunas no processo de formulação e implementação das
políticas sociais e uma das principais debilidades é a falta de intersetorialidade, sendo um
desafio a sistematização de ações intersetoriais na área de drogas.
5.5 Atuação dos níveis estadual e federal nas políticas para usuários de álcool e outras
drogas
Assim como nas demais políticas públicas brasileiras, a autonomia do poder local é uma
das diretrizes principais da implementação das políticas voltadas para usuários de álcool e
outras drogas (Brasil, 2003b; Brasil, 2002b). Aliada a idéia de descentralização administrativa
e de poder, a maior autonomia do poder local objetivou que os municípios tivessem
participação na decisão e na implementação das políticas públicas, que antes eram
rigidamente centralizadas no nível federal (Marques & Mendes, 2001).
É importante destacar, contudo, que o processo de descentralização se refere a um
fortalecimento das responsabilidades dos diferentes níveis governamentais e não a uma
transferência exclusiva de responsabilidade para o nível municipal (Jacobi, 2000 apud
Guimarães & Giovanella, 2004). Além disso, há uma forte heterogeneidade entre as gestões
municipais, em que contam não só com as ações dos atores locais envolvidos na execução das
políticas, mas também o papel dos demais níveis governamentais (Guimarães & Giovanella,
2004).
Nesse sentido, estudos têm demonstrado que os municípios podem ficar em uma situação
ambígua, pois, embora autônomos, são dependentes do nível federal, sobretudo,
financeiramente, ficando por isso com uma frágil capacidade de gerir as políticas públicas
(Almeida & Carneiro, 2003; Arretche, 2004; Marques & Mendes, 2001). Para a maior
efetividade das políticas é também fundamental que o nível federal crie normas e regras que
possam incentivar e pactuar a implementação, atuando como coordenador das relações
intergovernamentais (Arretche, 2003; Fonseca et al., 2007).
De uma maneira geral, dificuldades semelhantes para a implementação das políticas
públicas brasileiras estão associadas a atuação do nível estadual, no qual também se verifica
uma heterogeneidade de capacidade gestora. Há imprecisão e pouca clareza do papel do nível
estadual e pouca participação dos recursos estaduais no financiamento das políticas (Noronha,
Lima & Machado, 2009).
Portanto, para que a implementação de políticas em nível municipal seja bem sucedida, é
importante a complementaridade entre as esferas de governo, a fim de que os governos locais
tenham os recursos orçamentários e os meios políticos e institucionais necessários (Arretche,
2003; Milani, 2008). Este quadro também caracteriza as políticas públicas na área de drogas,
as quais poderão ser potencializadas caso haja maior participação financeira e na
normatização das ações de implementação pelos níveis federal e estadual.
5.6 Gestão participativa em álcool e drogas
Considerando a políticas proposta pela SENAD, os Conselhos Municipais sobre Álcool e
outras Drogas (COMAD’s) são apontados como espaços para a construção da política de
álcool e outras drogas e para oportunizar o debate entre os múltiplos atores, possibilitando a
vocalização dos problemas associados a este tema (BRASIL, 2005). Já na política do
Ministério da Saúde, a gestão participativa na área de drogas tem a mesma rotina prevista pela
saúde mental, através da realização de conferências de saúde mental nos três níveis de
governo (Brasil, 2003b).
Estudos têm apontado, contudo, que muitas vezes os COMAD’s apresentam dificuldades
para a articulação do tema álcool e drogas nas demais políticas setoriais e para a construção
de redes entre as secretarias de governo e com as instituições da sociedade civil (Leal, 2006).
Tal qual em outros conselhos, mesmo após a sua implementação os COMAD’s tem
dificuldades de superar a fase inicial, perdurando as atividades que visam a sua organização
interna (Mota, 2011; Tatagiba, 2002).
Em relação as conferências de saúde mental, um aspecto comum é a forte presença de
grupos técnicos e de atores institucionais, sendo predominada por profissionais que utilizam
este espaço para as suas reivindicações trabalhistas, assim como nas conferências de saúde
geral (Stralen et al., 2010). As conferências de saúde mental, de um maneira geral, tem se
caracterizado pela repetição dos princípios constitucionais da reforma psiquiátrica. Tais
conferências acabam não oportunizando um debate de questões importantes relacionadas ao
campo das políticas de drogas (Mota, 2011).
Enquanto os COMAD’s tendem a reduzir a discussão das políticas de drogas ao próprio
conselho, tendo dificuldades de se integrarem ao cenário político mais amplo, as conferências
de saúde mental são predominadas por temáticas e atores que deixam a margem questões
próprias das políticas de drogas. Deste modo, a participação social na área de drogas ainda é
frágil e incipiente, sendo um desafio torná-la mais efetiva.
5.7 Formação de recursos humanos
Poucos profissionais são treinados para a abordagem de usuários de álcool e outras
drogas e, consequentemente, a maioria dos profissionais não se sente capaz de atuar nesta
área. A falta de qualificação repercute não só na deficiência de conhecimentos como também
na manutenção de práticas ineficazes, e mesmo na idéia de que o uso de drogas seja uma
questão moral. Por isso, é essencial capacitar os profissionais adequadamente, através de
abordagens contextualizadas à realidade das instituições em que atuam (Souza, 2010,
Ronzani, 2005).
Outro desafio considerável é a articulação com gestores e gerentes que ofereçam suporte
aos profissionais na rotina institucional, pois o engajamento dos mesmos pode contribuir
significativamente para que os conhecimentos e habilidades adquiridos em capacitações sejam
implementados (Ronzani, 2005; Ronzani, Mota e Souza, 2009).
6. Considerações Finais
Neste capítulo procurou-se apresentar as principais abordagens políticas na área de
drogas. Observamos que as políticas atuais visam garantir os direitos dos usuários, rompendo
com abordagens que restringiam esta temática a uma questão de justiça criminal. Haja vista a
escassez de recursos para que os usuários tenham garantidos os seus direitos assistenciais,
muitos são os desafios para a implementação destas políticas.
Investir em diretrizes que consolidem os pressupostos das políticas de drogas é
fundamental para que elas avancem além da fase de formulação e passem a fazer parte do
“mundo real”. É importante que sejam estabelecidas regras, leis e normas, que vão definir, por
exemplo, como vai ser disponibilizado o financiamento para a realização de ações previstas
pela política. Ou irão estabelecer qual o papel de cada nível do governo, o que o estado deve
fazer, o que cabe ao município (Souza, 2006; Viana & Baptista, 2009). É necessário criar
linhas programáticas que estabeleçam com consistência de que modo consolidar a prevenção,
ou que pactuem o fluxo assistencial para acesso ao tratamento e aos dispositivos assistenciais
necessários para que a atenção seja integral.
Tendo em vista que em diversos municípios brasileiros a implementação destas políticas
é incipiente, para a sua consolidação será necessário uma sistematização de ações que
possibilitem melhor articular e pactuar o envolvimento de todos neste processo.
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