Boletim Criminal Comentado–novembro
2018 (semana 3)
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CAO-Crim
Boletim Criminal Comentado - novembro 2018
(semana 3)
Mário Luiz Sarrubbo
Subprocurador-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Coordenador do CAO Criminal:
Arthur Pinto de Lemos Júnior
Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado–novembro
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Sumário
ESTUDOS DO CAOCRIM ........................................................................................................................... 3
Crimes de posse e porte irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido
(respectivamente arts. 12 e 14, ambos da Lei n. 10.826/2003): natureza
jurídica............................................................................................................................................3
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ........................................ 5
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-TEMA: RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE E CONCESSÃO, DE OFÍCIO DE HC PARA
TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL- PROVA ILÍCITA - VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO FORA DOS CASOS
PERMITIDOS PELA CF........................................................................................................................5
2- TEMA: PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO DE DELAÇÃO PREMIADA: ilegalidade..............................7
DIREITO PENAL:
1-TEMA: Art. 305 do CTB – STF - É constitucional a punição da fuga do local do acidente....................9
2- TEMA: ART 366 CPP- PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE SUSPENSÃO
- AFASTADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA....................................................................12
3-TEMA: CONDENAÇÃO CRIMINAL- SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS .......................................13
STF/STJ: Notícias de interesse institucional .......................................................................................... 15
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ESTUDOS DO CAOCRIM
Crimes de posse e porte irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido
(respectivamente, arts. 12 e 14, ambos da Lei n. 10.826/2003): natureza jurídica.
O art. 12 da Lei 10.826/03 tipifica a conduta de posse irregular de arma de fogo de uso
permitido:
“Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou
dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o
responsável legal do estabelecimento ou empresa”.
O art. 14, por sua vez, pune o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. E, não obstante
a rubrica, diversas outras condutas além do porte podem caracterizar o crime: deter, adquirir,
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter
sob guarda ou ocultar.
Há quem sustente que a punição pelas condutas subsumidas aos referidos artigos só se
justifica diante de uma concreta situação de perigo para a segurança e a paz púbica, bens
jurídicos tutelados pelo tipo. Por isso, a posse ou porte de arma desmuniciada e a posse ou
porte de munição desacompanhada da arma não seriam capazes de caracterizar o delito.
A orientação dominante, no entanto, aponta em sentido diverso, isto é, de que os crimes são
de perigo abstrato, dispensando a demonstração de risco efetivo à incolumidade pública:
“1. A decisão agravada está em consonância com a jurisprudência desta Corte, sedimentada
no sentido de que o crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03 é de perigo abstrato, sendo
desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico
tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social, colocadas em
risco com a posse de arma de fogo, acessório ou munição (AgRg no HC 414.581/MS, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe 21/3/2018).” (AgRg no
AREsp 1.319.859/SP, j. 18/09/2018).
Esse entendimento da Corte Cidadã tem sido prestigiado pelo TJ SP:
Clique aqui para ter acesso ao acórdão – Porte ilegal de arma de fogo- Laudo pericial-
Constatação da eficácia da arma dispensável
Clique aqui para ter acesso ao acórdão -Arma inapta – Irrelevância- Crime de perigo abstrato-
Laudo atestando a inaptidão da arma – Desnecessário
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Clique aqui para ter acesso ao acórdão - Ausência de laudo pericial comprovando a
potencialidade lesiva da arma de fogo- Falta de prova da materialidade delitiva- Absolvição.
Aliás, em mais de uma oportunidade, o STF já decidiu que a criação de crime de perigo abstrato
não viola a Constituição, significando, na realidade, proteção eficiente do bem jurídico
tutelado (HC 104.410/RS).
Essa orientação, contudo, não inviabiliza o reconhecimento do crime impossível. A Terceira
Seção do STJ, de forma copiosa, vem decidindo que, demonstrada por laudo pericial a
inaptidão da arma de fogo para o disparo, é atípica a conduta de portar ou de possuir arma
de fogo, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública (HC 445.564/SP,
j. 15/05/2018).
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1-TEMA: RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE E CONCESSÃO, DE OFÍCIO DE HC PARA
TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL- PROVA ILÍCITA- VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO FORA DOS
CASOS PERMITIDOS PELA CF.
STJ-HC 439.140/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
04/09/2018, DJe 11/09/2018
Ementa:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO
DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ORDEM
DENEGADA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à
inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à privacidade do indivíduo,
o qual, na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço de intimidade preservado
contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a
excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.
3. O ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência
de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito
fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão
permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra
possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em
residência sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive
durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas
pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa,
situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
5. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos,
diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à
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ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à
inviolabilidade domiciliar.
6. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar a casa em salvaguarda de
criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só
justifica o ingresso na moradia alheia a situação fática emergencial consubstanciadora de
flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante
mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
7. A análise feita na sentença permite concluir que a autoridade policial se dirigiu a local
mencionado em notícia anônima e, somente depois de verificar "movimentação estranha" no
lugar, é que procedeu à busca e apreensão.
8. A respeito dos motivos que levantaram suspeitas, os policiais relataram que conheciam a
rotina dos moradores da localidade e que a residência em questão "geralmente está aberta e
com movimentação de pessoas naquele horário", circunstância que, por fugir à normalidade,
somada à notícia recebida, ensejou a diligência realizada. Vê-se, portanto, a presença de
fundadas razões a justificar a conduta.
9. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias - de que os policiais identificaram situação
anormal naquela moradia - seria necessária ampla dilação probatória, incompatível com a via
estreita do habeas corpus.
10. Ordem denegada.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A busca domiciliar, como o próprio nome indica, é aquela feita na casa de alguém. Sendo a
casa, nos termos de preceito constitucional, o “asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI, da
CF), somente nas hipóteses expressamente previstas em lei admite-se o ingresso na casa
alheia sem o consentimento do morador, a saber: 1) a qualquer hora, em caso de flagrante
delito, desastre ou para prestação de socorro; 2) fora de tais hipóteses, somente por meio de
mandado judicial e durante o dia.
Precedida ou não de mandado, é imprescindível a observância dos requisitos do periculum in
mora e do fumus boni juri. O primeiro deles é de fácil constatação, posto que, regra geral, a
demora na tomada da medida acarretará o perecimento da prova, dos vestígios do crime,
tudo a recomendar a urgência em seu deferimento. Maior dificuldade é a análise do fumus
boni juris, que, na hipótese, vem definido na expressão fundadas razões. Seguindo a lição de
Ada, Scarance e Magalhães, “é pressuposto essencial da busca que a autoridade, com base
em elementos concretos, possa fazer um juízo positivo, embora provisório, da existência de
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motivos que possibilitem a diligência. Deve dispor de elementos informativos que lhe façam
acreditar estar presente a situação legal legitimadora de sua ação” (As nulidades no processo
penal, 1995, p. 147).
De qualquer forma, é sempre uma medida discricionária, cuja apreciação compete à
autoridade, a quem caberá julgar a conveniência da diligência, certo que tal poder
discricionário não deve confundir-se com arbitrariedade.
Sobre o tema, ver dois importantes acórdãos do TJ SP:
Clique aqui para ter acesso a acórdão do TJSP- Tráfico de drogas e busca e apreensão sem
mandado judicial em residência particular- Prova lícita
Clique aqui para ter acesso a acórdão no mesmo sentido do TJSP
Este tema aqui analisado foi trazido ao CAOCrim pelo Procurador de Justiça, Dr. Sérgio Neves
Coelho.
Clique aqui para ter acesso ao Parecer
2- TEMA: PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO DE DELAÇÃO PREMIADA: ilegalidade
STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 12/11/2018
A colaboração do acusado não pode ser judicialmente exigida e é sempre voluntária. Seguindo
esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nefi Cordeiro, concedeu
liminar em habeas corpus para revogar as prisões temporárias de dois investigados na
“Operação Capitu”, da Polícia Federal, que investiga esquema de corrupção no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ocorrido em 2014, que supostamente
beneficiaria o Grupo J&F.
Neri Geller e Rodrigo Figueiredo, então ministro da Agricultura e secretário de Defesa
Agropecuária, respectivamente, foram presos no último dia 9 de novembro, porque os
investigados continuariam a ocultar fatos, muito embora aparentemente se comportassem
como se estivessem colaborando com a Justiça, assinando acordos de colaboração premiada.
Para o juiz, eles estariam “direcionando a atividade policial” para aquilo que lhes interessaria
revelar. As prisões foram confirmadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ao analisar os pedidos de liberdade, o relator no STJ constatou que houve excesso nas ordens
de prisão. “A falta de completude na verdade pode ser causa de rescisão do acordo ou de
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proporcional redução dos favores negociados, mas jamais causa de risco ao processo ou à
sociedade, a justificar a prisão provisória”.
Nefi Cordeiro explicou que “esconder fatos hoje não significa que se prejudique a colheita de
provas, mesmo investigatórias, do limite fático já revelado e criminalmente perseguido”. O
ministro lembrou que o crime de quase cinco anos atrás e a indicada destruição de provas, em
2015, não são fatos recentes para justificar a prisão cautelar.
“Ao que parece, prende-se porque não colaborou por completo, mais como punição do que
por riscos presentes”, avaliou o relator, ao destacar que não é lícita a prisão, preventiva ou
temporária, por descumprimento do acordo de colaboração premiada. “A prisão temporária
exige dar-se concretizado risco às investigações de crimes graves e a tanto não serve a omissão
de plena colaboração no acordo negociado da delação premial”, concluiu.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Percebam que, no caso em comento, julgado pelo STJ, os colaboradores teriam ocultado
informações, não se confundindo com falsidade positiva (fraude). Nesta hipótese
(falsidade/fraude), entendemos viável não somente a revogação do acordo de colaboração
premiada, mas também a decretação da prisão preventiva do colaborador, sem prejuízo das
penas do crime do art. 19 da Lei 12.850/13. É que, em se tratando de colaboração fraudulenta,
o pseudo colaborador coloca em risco a instrução criminal, fundamento suficiente da prisão
cautelar, nos termos do art. 312 do CPP.
Não se pode perder de vista que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 127.483/PR,
Relator o Ministro Dias Toffoli, Acórdão publicado no Diário Oficial da Justiça de 4 de fevereiro
de 2016, noticiado no Informativo de Jurisprudência n. 796, assentou que a colaboração
premiada é veículo de produção probatória, ou seja, meio de obtenção de provas:
“A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser
qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objeto é a
cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza
processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito
material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração”.
DIREITO PENAL:
1-TEMA: Art. 305 do CTB – STF - É constitucional a punição da fuga do local do acidente.
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O art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro pune, com detenção de seis meses a um ano, a
conduta de afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.
O dispositivo não estabelece uma espécie de omissão de socorro, tipificada no art. 304 e que
visa à preservação da integridade física do ofendido, que, prontamente atendido, terá maior
chance de recuperação e menor possibilidade de sofrer consequências mais graves que
poderiam decorrer da ausência de socorro. O propósito do art. 305 é forçar o motorista a
permanecer no local a fim de não impedir (ou, pelo menos, dificultar), a apuração dos fatos.
Conforme bem apanhado por Heleno Cláudio Fragoso, “basicamente o legislador procura,
incriminando a fuga, forçar o agente a permanecer no local do fato. O que se observa, porém,
é que a fuga do motorista não tem sua objetividade jurídica no interesse da preservação da
vida humana ou incolumidade da pessoa, sendo essencialmente incriminada porque perturba
a ação da justiça, dificultando o esclarecimento do fato e a efetivação da responsabilidade
jurídica (civil e criminal) do causador do acidente”.
Em virtude disso, são inúmeras as vozes que pregam a inconstitucionalidade do tipo penal,
pois, se ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere),
não é razoável que um tipo penal obrigue o motorista a permanecer no local do acidente e
contribua para sua própria responsabilização.
De fato, trata-se de uma tipificação excêntrica, que não encontra paralelo em outras
situações, muitas vezes mais graves. O homicida não é punido porque foge do local do crime
logo após ceifar a vida da vítima; o que comete latrocínio tampouco sofre punição criminal
porque foge depois de subtrair os bens e matar a vítima; o estuprador não reponde por delito
autônomo porque abandona a vítima depois de constrangê-la à prática sexual; nem mesmo
quem comete homicídio culposo sofre alguma consequência além da pena cominada ao
crime. Em todas estas situações a fuga é empreendida para evitar a responsabilidade penal e,
certamente, dificulta a apuração e contraria os interesses da administração da Justiça, mas
não ocorreria a nenhuma pessoa sensata criar tipos penais para punir condutas como estas.
Mas há também quem sustente a plena constitucionalidade do tipo penal sob o argumento
de que o motorista que permanece no local do acidente não é compelido a produzir provas
contra si mesmo. Em nenhum momento da apuração do crime, com efeito, pode ser ele
obrigado a praticar qualquer ação que lhe incrimine, nem pode ser obrigado a prestar
esclarecimentos, porque a ordem constitucional lhe assegura o direito ao silêncio. O que se
pretende é simplesmente a manutenção da sede do acidente para que os órgãos responsáveis
possam promover a devida apuração. Manter o local inalterado é imprescindível para a
realização de perícias, por exemplo. Como no mais das vezes o motorista foge com o próprio
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veículo envolvido no acidente, torna-se impossível o exame técnico completo. Na prática,
ocorre uma espécie de fraude processual para impedir a adequada investigação.
Diante da controvérsia, o STF foi provocado a decidir sobre a constitucionalidade do art. 305
do CTB.
No caso julgado (RE 971.959), o motorista foi condenado a oito meses de detenção porque
havia colidido com outro veículo e fugiu em seguida. Na apelação, foi absolvido pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou inconstitucional o artigo 305 do CTB, porque
a presença obrigatória no local do acidente representaria violação da garantia de não
autoincriminação. Diante disso, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário para que
o Supremo dirimisse a dúvida.
Inicialmente, o ministro Luiz Fux reconheceu a repercussão geral da matéria, no que foi
seguido pelos demais:
“A análise da presente controvérsia se faz necessária, máxime em razão de decisões proferidas
por diversas Cortes Estaduais no sentido da inconstitucionalidade do preceito em questão,
consignando que a simples permanência na cena do crime já seria suficiente para caracterizar
ofensa ao direito ao silêncio. Obrigar o condutor a permanecer no local do fato, e com isso
fazer prova contra si, afrontaria ainda o disposto no artigo 8º, inciso II, alínea “ g”, do Pacto
de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), do qual o Brasil é
signatário.”
No mérito, o tribunal concluiu, por maioria, que o art. 305 do CTB é compatível com a ordem
constitucional.
Em síntese, o ministro Luiz Fux argumentou que o tipo penal tutela a administração da Justiça,
prejudicada pela fuga e alteração do local do acidente. Embora o princípio da não
autoincriminação seja prestigiado pela jurisprudência do STF, trata-se de direito que encontra
certas limitações, como, por exemplo, a possibilidade de punição por falsa identidade, ainda
que o agente tenha o propósito de defender-se ao ocultar seu nome verdadeiro. Além disso,
a obrigatoriedade de permanência no local não impõe ao motorista a participação em
diligências de cunho probatório, nem o compele a assumir algum tipo de responsabilidade.
Na mesma toada da inexistência de direitos absolutos, a ministra Rosa Weber ponderou que
a permanência do condutor no local do acidente facilita sua identificação e a apuração de
responsabilidades, e, caso existam vítimas, é algo que incrementa – mesmo que
indiretamente, já que este não é o escopo do tipo – a proteção à vida e à integridade física.
O ministro Alexandre de Moraes seguiu o relator destacando a necessidade de medidas
enérgicas contra a situação caótica do trânsito brasileiro, cujos acidentes geram dispêndio de
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recursos bilionários que poderiam ser destinados a outras áreas que sofrem com a falta de
investimentos.
Na mesma linha, o ministro Edson Fachin lembrou a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário,
à qual o Brasil aderiu em 1981, que estabelece a obrigatoriedade de que o condutor ou
qualquer outro usuário da via implicado em acidente de trânsito, caso haja mortos ou feridos,
advirta a polícia e permaneça ou volte ao local até a chegada da autoridade incumbida da
investigação.
O ministro Barroso apontou que garantir a fuga como exercício do direito à não
autoincriminação estimula a irresponsabilidade e a falta de solidariedade, algo com o que o
Estado não pode compactuar.
Por fim, os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia consideraram inexistir ofensa à
Constituição Federal. A punição, segundo eles, não é irrazoável nem desproporcional, pois
baseada em circunstâncias concretas que a justificam. Além disso, “A presença do condutor
no local do acidente, por si só, não significa qualquer autoincriminação e pode até constituir
um meio de autodefesa, na medida em que constitui uma oportunidade para esclarecer as
circunstâncias do acidente que, eventualmente, podem militar a seu favor”. E, em casos
específicos nos quais o condutor sofra risco de agressões ou mesmo em que tenha ele próprio
sofrido lesões no acidente, e por isso seja obrigado a deixar o local, a punição pode ser
afastada pela exclusão da ilicitude (estado de necessidade).
A divergência ficou por conta dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e
Dias Toffoli, todos na linha de que o direito à não autoincriminação é abrangente e envolve
não só o direito ao silêncio, mas também o de não contribuir de nenhuma forma para a
produção de provas que prejudiquem o próprio agente:
“Não calha aqui o argumento de que, permanecendo em silêncio, não estaria a produzir prova
contra si. A comprovação da conduta criminosa pressupõe a configuração de autoria e de
materialidade, e a permanência do imputado no local do crime inquestionavelmente contribui
para a comprovação da autoria, assentando o seu envolvimento com o fato em análise
potencialmente criminoso”.
Além disso, é desproporcional, em relação a crimes mais graves, punir alguém pela simples
fuga do local do acidente.
Mas, diante da maioria formada pela constitucionalidade do dispositivo, firmou-se a seguinte
tese de repercussão geral:
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“A regra que prevê o crime do artigo 305 do CTB é constitucional posto não infirmar o princípio
da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e
de antijuridicidade”.
A tese vencedora foi sustentada oralmente pelo Procurador-Geral de Justiça de SP, perante
a Corte, tendo o Ministério Público de São Paulo ingressado no feito como “amicus curiae”.
2- TEMA: ART 366 CPP- PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE
SUSPENSÃO - AFASTADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.777.304 - SP
Ementa:
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE. ART.
124 DO CP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 366 DO
CPP. PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE SUSPENSÃO.
PRECEDENTES. NÃO TRANSCORRIDO O PERÍODO DE 8 ANOS. AFASTADA A PRESCRIÇÃO.
Recurso especial provido.
Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor do acórdão
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e
Especiais.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Uma vez determinada a suspensão do processo, porque o réu, citado por edital, não
compareceu e nem constituiu defensor, deve ser suspenso, também, o prazo prescricional.
Seria mesmo demasiado que o réu, nessas condições, já beneficiado com a suspensão do
processo (e, portanto, imune à eventual condenação), ainda contasse com a possibilidade de
ver sua punibilidade extinta pela prescrição da pretensão punitiva. Haveria, assim – em que
pese a possibilidade de decretação da prisão preventiva – inegável estímulo à fuga, criando-
se uma situação de impunidade incompatível com o Direito. Como alertou Damásio de Jesus,
quando da entrada em vigor da nova redação do art. 366 do CPP (que prevê a suspensão do
prazo prescricional para o réu citado por edital), “é necessário tocar o sino dos dois lados para
se saber onde está desafinado, se na parte da acusação ou da defesa” (Notas ao art. 366 do
Código de Processo Penal, com a redação da Lei n° 9271/96, Boletim IBCCrim n° 42, edição
especial, junho de 1996).
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Debate aguerrido foi travado referente ao período pelo qual deveria permanecer suspenso o
prazo prescricional. Alguns defendiam que a suspensão deveria ocorrer por prazo
indeterminado. O STF chegou a adotar esse posicionamento, mas logo abandonou, posto que,
se aceito, criaria uma situação de imprescritibilidade, não prevista na Constituição.
Pensou-se na possibilidade de se tomar o prazo máximo de prescrição, independentemente
da infração penal em tese perpetrada pelo réu, ou seja, aquele de vinte anos, previsto no art.
109, inc. I do Código Penal.
Prevaleceu, contudo, a tese de que o período de suspensão do prazo prescricional é regulado
pelo máximo da pena cominada. Nesse sentido, inclusive, temos a Súmula 415 do STJ.
3-TEMA: CONDENAÇÃO CRIMINAL- SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS
STF- RE 1121434, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 08/11/2018, publicado em
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09/11/2018 PUBLIC 12/11/2018
Decisão: 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que afastou a suspensão dos direitos políticos
decorrente da condenação criminal sob o fundamento de que a medida exige motivação
expressa e específica (eDOC.1, p. 220). Não foram opostos embargos de declaração. No
recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, “a”, do permissivo constitucional,
aponta-se ofensa aos art. 15, III, da Constituição Federal. Sustenta, em síntese, que “o preceito
contido no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, é autoaplicável, não exigindo qualquer
complementação ou justificativa, encontrando seu fundamento no próprio Texto Maior”
(eDOC.1, p. 231). É o relatório. 2. A irresignação merece prosperar. A tese defendida encontra
respaldo na jurisprudência desta Corte na compreensão de que a suspensão de direitos
políticos decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado encontra-se
prevista em dispositivo autoaplicável (art. 15, III, CF) e é medida automática derivada da
formação da coisa julgada. O Supremo Tribunal Federal assentou essa compreensão em
inúmeras Ações Penais originárias – determinando a suspensão de direitos políticos por
aplicação do art. 15, III, CF – e na esfera recursal, tanto pelo debate direto do tema quanto em
casos análogos que se ancoraram em idêntica premissa. Nesse sentido: RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONDENAÇÃO CRIMINAL. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. ART. 15,
INC. III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. RECURSO PROVIDO
(RE 660.776, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 05.02.2014) Agravo que se nega
provimento, visto achar conforme, o acórdão recorrido, com a orientação do Plenário
Supremo Tribunal, no sentido da automaticidade dos efeitos condenação criminal, em face do
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art. 15, III, da Constituição 179.502, DJ DE 8-9-85 [rectius: 8-9-95]). (AI 185371 AgR, Relator(a):
Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 27.08.1996, DJe 30.05.1997) EMENTA:
- Condição de elegibilidade. Cassação de diploma de candidato eleito vereador, porque fora
ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso
a suspensão condicional da pena. Interpretação do artigo 15, III, da Constituição Federal. - Em
face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos
se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em
julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. Recurso extraordinário
conhecido e provido. (RE 179502, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado
em 31.05.1995, DJ 08.09.1995) 3. Ante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário,
nos temos do art. 21 do RISTF, para o fim de reformar o acórdão recorrido e restabelecer a
suspensão dos direitos políticos do condenado. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 08 de
novembro de 2018. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e
Especiais.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Estabelece a CF (art. 15): “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão
só se dará nos casos de: (...) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto
durarem seus efeitos”.
Prevalece que a condenação definitiva, não importando crime, quantidade ou tipo de pena,
suspende a capacidade ativa do reeducando enquanto durarem os seus efeitos. Nesse
sentido, aliás, o art. 18 da Resolução 113 do CNJ:
“O juiz do processo de conhecimento expedirá ofícios ao Tribunal Regional Eleitoral com
jurisdição sobre o domicílio eleitoral do apenado para os fins do artigo 15, inciso III, da
Constituição Federal”.
Percebam que a norma constitucional é autoaplicável, não exigindo qualquer
complementação ou justificativa por parte do magistrado.
Entretanto, alertamos que o STF admitiu que “possui repercussão geral a controvérsia sobre
a suspensão de direitos políticos no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela
restritiva de direitos” (RE 601182 RG, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j 03/03/2011), causa
pendente de julgamento.
Boletim Criminal Comentado–novembro
2018 (semana 3)
15
STF/STJ: Notícias de interesse institucional
Notícias STF 13 de novembro de 2018 1- 1ª Turma autoriza extradição de acusados do sequestro e do homicídio de filha de ex-presidente do Paraguai Clique aqui para ler a íntegra da notícia
Notícias STJ
12 de novembro de 2018
2- Ministro estende a Joesley Batista efeitos de decisão que libertou investigados na
Operação Capitu
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