Clara Luiza Miranda 1986 monografia de emstrado USP S Carlos
1. Sumrio
1. SUMRIO 1
2. CAMILLO SITTE 2
3. CAMILLO SITTE E AS TRANSFORMAES DE VIENA 7
4. SITTE E O PLANEJAMENTO URBANO DECIMNICO E MODERNO 17
5. OS PRINCPIOS ARTSTICOS DA CIDADE EM SITTE 30
6. OS PRINCPIOS ARTSTICOS NO PLANO PILOTO DE BRASLIA 32
7. BRASLIA DO PONTO DE VISTA DE SITTE 37
8. BIBLIOGRAFIA 41
Camillo Sitte e Braslia 2
2. Camillo Sitte
Camillo Sitte (1843-1903) com o livro A Construo das Cidades segundo
seus Princpios Artsticos, de 1889, avalia o planejamento urbano do seu tempo,
questionando os critrios tcnicos e higienistas que os norteavam. Apoiado em
anlises de fragmentos de cidades antigas que conhecia (principalmente praas),
destacava o seu carter urbano e artstico, que se formava paulatinamente in na-
tura.
O mtodo do Sitte viajante conhecer essas cidades, pela melhor torre, pelo
mapa fragmentado em quadrculas para melhor manuseamento, pela caminhada;
deve ter fornecido subsdios para suas idias de desenho urbano, que consistia
em ordenar os espaos em atrativos patterns e seqncias1 e no numa articu-
lao de edifcios isolados sobre uma malha viria. O desenho urbano de Sitte era
tridimensional, movido pelo gosto e sensibilidade e no era uma questo de geo-
metria ou economia.
A escolha do termo construo das cidades para o seu livro ao invs de
planejamento ou projeto, mostra a perspectiva emprica de sua abordagem, enfa-
tizando a sntese das artes produzida na prtica artesanal, no lugar do projeto ou
desenho prvio. Este partido terico pode ser explicado por sua formao no meio
do artesanato junto ao seu pai, e suas filiaes tericas a Gottfried Semper e Ri-
chard Wagner
Sitte nasceu em Viena, seu pai Franz Sitte, foi artista e arquiteto, que de-
nominava a si mesmo de arquiteto privado, um estatuto profissional intermedi-
rio entre um mestre construtor medieval e um arquiteto moderno com formao
acadmica2. A famlia de Sitte tinha uma boa posio no ambiente profissional,
porm, algo marginal no quadro do renascimento cultural vienense do perodo3.
1 COLLINS, George R. e COLLINS, Christiane C., Camillo Sitte Y el Nascimiento del Urbanismo Moderno, 1. ed. 1965, ed. castelhana, 1980, p. 68 2 SCHORSKE, Carl E., Viena Fin-de-Sicle, Poltica e Cultura, traduzido a partir da edio de 1979, p. 82
3 COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 14
Camillo Sitte e Braslia 3
A atividade profissional de Franz Sitte transcorreu num contexto de reviva-
lismo do estilo gtico, que carregava significados de afirmao de um esprito
pangermnico, e do restabelecimento dos grmios dos trabalhadores da constru-
o civil4.
A convico de Franz pela vida liberal, fez com que condenasse a aceita-
o de Camillo Sitte5 da direo da escola Oficial de Artes Aplicadas de Salzburg,
em 18756. Em 1883, Sitte passou a dirigir uma escola semelhante em Viena.
A formao profissional de Camillo Sitte, seguiu pela Technische Hoschule,
no atelier do arquiteto Heinrich von Ferstel; pela Universidade entre 1863-1868,
onde cursou histria da arte e arqueologia com Rudolf Eitelberger, que tiveram
uma atuao importante na construo de edifcios no Ringstrasse7.
Segundo Carl Schorske, a cultura historicista universitria reforou em Ca-
millo Sitte os valores de sua formao familiar8. E a maneira que logrou preservar
a cultura artesanal, conciliando com a formao acadmica, foi a educao pro-
movida pelo estado e a propaganda acadmica9.
O interesse pelo planejamento urbano em Sitte, foi suscitado em parte, pelo
seu professor Eitelberger e por seu esforo de compreenso das idias urbansti-
cas de Semper, que procurava sistematizar em escritos e conferncias. Segundo
George e Christiane Collins no entanto, a explicao da apario do livro em
1889, deve ser atribuda as mais secretas reflexes de Sitte produzidas em via-
gens pela Europa10
.
Os Collins chamam ateno, ainda, para o fato de que o interesse pelo pla-
nejamento urbano no se desligava de outro grande projeto histrico que ocupava
Sitte: suas teorias sobre a sntese das artes e a arte como desenho total, influn-
cia de seu pai, de sua admirao por Richard Wagner e Semper. Assim, a cons-
4 COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 53
5.Id. Ibid., p. 16
6 O governo da ustria aps a crise de 1873, Cf.. prximo ponto deste trabalho, comprometeu-se com a reor-
ganizao de ensino dos ofcios e profisses. Cf.. SCHORSKE, Op. Cit., p. 83 e COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 16 7 O complexo Ringstrasse, de embelezamento e ampliao de Viena, executado a partir de 1959, Cf. prximo
ponto deste trabalho. 8 SCHORSKE, Op. Cit. , p. 82
9 Id. Ibid., p. 84
10 COLLINS e COLLINS, Op. Cit., pp. 18-9
Camillo Sitte e Braslia 4
truo das cidades era pensada por Sitte, apenas como um aspecto do conjunto
das artes11
- gesamtkenstwerk.
Como Semper, Sitte adotou o estilo neo-renascentista, como na Igreja Me-
quitarista (1873-4).
Proposta de Semper para a Ringstrasse, na qual segun-do Sitte, retoma motivos da Praa de So Pedro do Vati-cano, ou mesmo conjuntos urbanos romanos arcaicos, Para Sitte esta praa seria um frum no verdadeiro sen-tido do termo. Coeso e har-monioso, (fonte, SITTE, 1909, p. 124)
O pensamento de Sitte era profundamente alemo; dizia que toda arte
verdadeira devia ter em sua base no impulso nacional do povo12
. Este naciona-
lismo de Sitte, assentava-se no contexto da unificao alem, na qual Richard
Wagner exercia um papel de defesa da valores do artesanato, em contraposio
ao capitalismo industrial. o tradicionalismo social e funcionalismo wagneriano de
Sitte, apontava para o planejador urbano a funo de regenerador da cultura.
Sitte diz,
Assim demonstramos que a construo urbana, quando concebida de mo-
do correto, no uma mera funo burocrtica e mecnica; constitui antes,
uma obra de arte importante e expressiva, parte da mais nobre e genuna
arte popular, cujo sentido tanto maior for a falta, em nosso tempo, de uma
11
COLLINS e COLLINS Op. Cit., p. 23 12
Id. Ibid, p. 24
Camillo Sitte e Braslia 5
sntese popular de todas as artes plsticas a servio de uma grande obra
artstica nacional13
.
A oscilao entre individualismo e restaurao da comunidade, imissa na
sociedade vienense14
; em Robert Musil que descreve a desagregao da unidade
do sujeito clssico15
; em Freud nos trabalhos sobre a aquisio de identidade
pelo indivduo16
. Se em Freud o individualismo aspira a uma soluo dionisaca,
em Musil passa-se tentativa de reconciliao na totalidade17
. Esta ltima tam-
bm a soluo do pangermanismo, que no caldeiro de nacionalidades austra-
co, na falta de tradio histrica, buscava uma identidade comunitria e racial.
Em termos pragmticos , isso refletiu no livro de Sitte, em concepes im-
portantes sobre a atribuio profissional do arquiteto e da especulao do uso
solo, que resultava numa espcie de diviso do trabalho nas partes da cidade.
Para o arquiteto, as praas e ruas principais, onde era possvel unificar as vrias
artes numa gesamtkunstwerk visual. Para a valorizao do terreno, por razes
econmicas, as reas secundrias18
. Essa posio refletia a situao da gesto
da cidades e a diviso social do trabalho entre engenheiros e arquitetos do pero-
do ps-liberal, ou seja, da segunda metade do sculo XIX19
.
A nvel de desenho urbano, para Sitte o arquiteto devia aceitar trabalhar no
fragmento - praas e ruas - aspirando a totalidade, a sntese das artes. Quanto
aos planos urbanos, em sua viso os fundamentos deviam ser dados por um pro-
grama definido20
; esboo de uma imagem dos objetivos propostos para a parte da
cidade a ser construda, seja praa, rua e edifcios pblicos previstos21
.
A concepo plano urbano, em termos da totalidade do loteamento prvio,
era explicitamente repudiada por Sitte; que somente admitia, para o planejamento
13
SITTE, Camillo, A Construo das cidades segundo seus princpios Artsticos, 1. ed. 1889, ed. brasileira a partir da 4. ed. alem de 1909, em 1992, p.183 14
Cf. Do individualismo restaurao da comunidade In LE RIDER, Jacques, A Modernidade Vienense, e as crises de identidade, 1993, pp. 102-4 15
Id. Ibid., p. 73 16
Idem, p.76 17
Idem, p. 79 18
Cf. SITTE, Op. Cit. p. 138 19
Cf. ponto 4 deste trabalho. 20
SITTE, Op. Cit., p. 131 21
Id. Ibid., p. 131
Camillo Sitte e Braslia 6
da expanso urbana: a determinao do sistema virio, priorizando as ruas princi-
pais, preservando as ruas j existentes22
.
Projeto de Sitte para o bairro de Oderfur-Privoz na Silesia. (fonte, COLLINS, COLLINS, 1965,
p.127)
22
Idem, p. 127; citao das decises da Assemblia Geral da Liga das Associaes de Arquitetos e Enge-nheiros Alemes, em Berlim, 1874.
Camillo Sitte e Braslia 7
3. Camillo Sitte e as transformaes de Viena
A modernizao econmica e social da ustria, sobretudo de Viena sua
capital e centro cultural e econmico, foi desencadeada por um esforo espetacu-
lar de desenvolvimento23
, a partir de 1860. O crescimento demogrfico de Viena,
provocado por migraes de povos eslavos e judeus, representou um aumento de
populao de 80,3% para o centro urbano, e 253,3% para os subrbios24
. A aris-
tocracia, que regia o pas, com sua ideologia mercantilista e monopolista, concen-
trava a riqueza do pas no capital fundirio. O capital industrial introduzido por
industriais alemes, e outros investimentos por judeus e protestantes25
.
A aristocracia e o absolutismo barroco, como no restante da Europa foram
confrontadas pelo liberalismo em 1848, que derrotado; apenas em 1860 pode es-
tabelecer um regime constitucional na ustria. Mas, continuando a dividir o poder
com a aristocracia e burocracia monrquica.
A fragilidade do poder do liberalismo, entre outras coisas, decorria da falta
de apoio de uma base social. A aquisio do poder legislativo foi resultado do voto
restrito; assim outros grupos sociais reivindicavam representao poltica prpria:
camponeses, artesos, socialistas, social-cristos, anti-semitas, povos eslavos26
.
A monarquia da ustria tentava passar uma imagem supranacional, o chamado
mito habsburgs, na verdade ocultava rivalidades entre nacionalidades27
Quando os liberais chegaram ao poder na ustria, e em Viena, logo trata-
ram de modelar seu conceito de cidade na capital, numa faixa de terra que sepa-
rava a cidade antiga, protegida por fortificaes, e os subrbios. Esse vasto terre-
no foi negociado com os militares, que haviam tomado posse deste na revoluo
de 1848, humilhados pela sua retirada forada pelos civis armados do ncleo
23
SITTE, Op. Cit., p. 30 24
Id. Ibid., p. 34 25
Idem, p. 31-2 26
SCHORSKE, Op. Cit., p. 27 27
LE RIDER, Op. Cit., p. 38.
Camillo Sitte e Braslia 8
antigo e central da cidade, e temerosos de um nova revoluo, valorizavam esta
posse considerando a sua situao estratgica28
.
As reivindicaes civis essa esplanada, justificadas por razes econmi-
cas, foram atendidas quando em 1857, o imperador Francisco Jos instaurou uma
Comisso de Expanso da Cidade, para planejar e executar propostas de ane-
xao desta rea ao uso civil. Esta, por sua vez instituiu um concurso pblico, e
deliberou que a operao devia ser financiada pela venda das partes da nova -
rea iniciativa privada29
. O projeto vencedor, do arquiteto Frster, exibia o lema;
a rua reta melhor; entretanto o plano geral urbano executado, foi realizado pelo
Departamento de Construo do Ministrio do Interior, sendo aprovado pelo impe-
rador em 185930
.
A proposta foi denominada de Ringstrasse, que significa rua em anel. A
rua dominava a massa construda de edifcios pblicos e residenciais; sendo que
o tratamento dos edifcios pblicos, projetados por diferentes arquitetos de desta-
que no perodo, eram monumentos isolados entre si, caracterizados por estilos
histricos representando suas diversas funes sociais, o que enfatizava justa-
mente a ausncia de relaes entre os edifcios e o espao que os envolvia.
A Ringstrasse encarnava enquanto arquitetura, valores sociais de um
modelo social- aristocrtico. A busca do luxo aristocrtico fazia prosperar o arte-
sanato, pequenas indstrias de luxo, assim como o setor das artes decorativas
A quebra da bolsa ,em 1873, decretou o fim da era liberal, que tambm in-
terrompe o desenvolvimento econmico de Viena. O setor mais afetado pela crise
foi o da construo civil e das obras pblicas31
. Deste modo, o Ringstrasse, como
smbolo da mentalidade do liberalismo austraco ascendente entra na berlinda
da crtica no final do sculo XIX.. Sob o signo desta desconfiana, a nova gerao
de escritores, arquitetos, artistas comeam a gestar uma modernidade, que ainda
no era exatamente uma ruptura32
.
28
SCHORSKE, Op. Cit., p. 29
COLLINS e COLLINS, p. Op. Cit., 51-2 30
Id. Ibid, p. 52 31
Id. Ibid., p. 33 32
LE RIDER, Op. Cit . p. 40
Camillo Sitte e Braslia 9
Direita -. Viena, planta da cidade, em 1844 (fonte SCHORSKE, 1979, pp. 46-7) ,Esquerda - es-quema mostra fases do desenvolvimento urbano; 1. Viena, 1683; 2. Velhos bairros do sc. XVIII e incio do sc. XIX; 3. o Ring; 4. Bairros de 1860; 5. Expanso do fim do Sc. XIX e incio do sc XX. (fonte, ROSSI, 1966, p. 69). Planimetria do Ring 1859 (fonte PATTETA, 1984, 248)
Ringstrasse, mostrando Parlamento, a Rathaus, a Universidade e o Burgtheater (fonte, SCHORS-KE, 1979, pp. 52-3)
Camillo Sitte e Braslia 10
Reicchstrartsstrasse, estu-dos de tipologias de residn-cias, tendo como referncia o palcio aristocrtico Note-se a diversidade de estilos histricos adotados para as diversas tipologias (fonte SCHORSKE, 1979, p. 68)
O Parlamento, Theofil Han-sen 1874-83 no Parlamento, Palas, o smbolo da liberda-de fonte, (SCHORSKE, 1979, p. 60)
A Universidade, projeto de Ferstel, 1873-84. Estilo re-nascentista, (SCHORSKE, 1979, p. 59)
Camillo Sitte e Braslia 11
Como na Blgica, Frana e Catalunha, o movimento secesso33
, equivalen-
te austraco da art nouveau, embora se coloque como elite cultural, distinta profis-
sionalmente da sociedade, permanece integrado estrutura das elites nacionais,
dos quais contempla idias e costumes. O gosto que a art nouveau difunde por
onde disseminou-se, assimilado pelo mundo das artes visuais, grficas, da ar-
quitetura, moda e design, em menos de 10 anos34
.
Por outro lado, a Secesso vienense, tem uma melancolia prpria, que
compartilham, em parte, com Hugo von Hofmannsthal, escritor de origem aristo-
crata, que proclama em 190635
:
A caracterstica de nossa poca a ambigidade e a indeterminao. No
podem apoiar-se seno em bases que afundam, sem perder a conscincia
de que tudo afunda ali onde as geraes anteriores acreditavam possuir
embasamentos slidos36
Hofmannsthal coloca os dois plos entre a tradio e moderno, menos que
em conflito, que como um destino inevitvel. A posteridade tratou de colocar como
representantes da tradio, Camillo Sitte, do moderno, Otto Wagner; pois enquan-
to Sitte criticava o sistema moderno de frmulas preestabelecidas, enaltecendo
as formas orgnicas das praas e ruas irregulares da antigidade e do perodo
medieval, as prerrogativas artsticas dos espaos barrocos; Wagner refutava o
antigo e proclamava o novo, sugerindo como ponto de partida para a criao arts-
tica a vida moderna37
.
Contudo, Sitte no estava de olhos vendados s novas condies da vida
moderna, que mesmo sendo em parte contraditrios com um grande nmero de
motivos artsticos, no inviabilizavam as intenes pinturescas na construo da
cidade38
, na sua viso. Wagner, nem sempre conseguiu conciliar tica funcional
33
LE RIDER, Op. Cit., p. 40. A Secesso organizada por Gustav Klimt uma instituio oficial, e tem apoio semelhante ao dos Sales da Academia por parte dos poderes pblicos. 34
GREGOTTI, Vitrio, O Territrio da Arquitetura, 1. ed. 1972, ed. brasileira 1975, pp. 44-5 35
LE RIDER, Op. Cit., p. 41 36
Hofmannsthal, citado por LE RIDER, Op. Cit . p. 40 37
SCHORSKE, Op. Cit., p. 90 38
SITTE, Camillo, Op. Cit..
Camillo Sitte e Braslia 12
da construo num estilo correspondente, um estilo nico que representasse os
arquitetos de sua poca39
.
A beleza dos edifcios de Wagner, em certa medida continuou adventcia,
uma espcie de pele, um revestimento esttico para ornamentar suas for-
mas, proclamando em formas elegantes a glria da modernidade40
Pioneiros do pensamento sobre a vida urbana nos tempos modernos, Ca-
millo Sitte e Otto Wagner, tomaram as experincias do Ringstrasse, como base
de suas reflexes. Ambos presenciam o desaparecimento da cidade que a bur-
guesia tinha construdo desde da idade mdia at o renascimento, face ao novo
modo de produo e consumo.
A cultura do liberalismo, em Viena, comea a ser contestada, no meio em
que tentava materializar-se e deixar suas marcas, na arquitetura da cidade. O
termo mais comum utilizado para descrever o Ringstrasse em 1860 era embele-
zamento da cidade41
. Termo que Sitte no devia concordar ; pois, seu livro A
Construo das cidades segundo seus Princpios Artsticos, chamava ateno
para a dimenso esttica da cidade, situando-se criticamente com os princpios
que baseavam o programa de remodelao do Ringstrasse. Discordava da dis-
posio torpe do espao ao redor dos grandes edifcios e pela forma de situar os
monumentos pblicos42
. E, a partir da anlise de espaos antigos, concluiu que:
Apenas no nosso sculo matemtico que os conjuntos urbanos e a ex-
panso das cidades se tornaram uma questo quase puramente tcnica, e
assim parece importante lembrar que, com isso, apenas um aspecto do
problema solucionado, enquanto o outro o artstico, deveria ter, no mni-
mo, a mesma importncia43
Neste raciocnio os trabalhos desenvolvidos no Ringstrasse, comeam a
ser postos em dvida, tendo como parmetros no mais a natureza ou a higiene,
39
Otto Wagner Apud. SCHORSKE, Op. Cit, 98 40
SCHORSKE, Op. Cit., 101 41
Id. Ibid., p. 45 42
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 58 43
SITTE, Op. Cit., p. 15
Camillo Sitte e Braslia 13
mas a prpria vida civil, que tinha como palco, este legado pelo passado histrico
da burguesia europia: a cidade44
.
Quando Sitte refere-se a preservao de conjuntos urbanos antigos, refere-
se tambm aos costumes que abrigavam. Diz que na Itlia, as principais praas
das cidades mantiveram-se fiis, ao modelo do velho frum. Sitte argumenta que
uma parte considervel da vida pblica continuou a realizar-se nessas praas,
mantendo tanto parte de seu significado pblico, quanto relaes entre as praas
e as construes que as circundam45
.
Ilustrao comentada por Sitte, praa do mercado e da Prefeitura de Breslau, cuja imagem ilustra o mltiplo encanto do pinturesco (fonte SITTE, 1909, p. 31)
Sitte observou que h muitos sculos a vida popular vinha retirando-se das
praas pblicas no resto da Europa, sobretudo no perodo da cidade industrial:
(...) sendo quase compreensvel que tenha diminudo tanto o interesse da
grande massa pela beleza das praas, que acabaram por perder grande
parte de seu sentido original. Decididamente, a vida dos antigos era muito
mais favorvel concepo artstica da construo urbana do que a nossa
vida moderna, matematicamente compassada e onde o prprio homem a-
caba por tornar-se mquina46
.
44
RAMON, Fernando, Habitao, Cidade, Capitalismo, Teorias e Ideologia Urbanstica, 1. ed. 1970, ed. por-tuguesa, 1977 45
SITTE, Op. Cit., p. 25 46
SITTE, Op. Cit. , p. 113
Camillo Sitte e Braslia 14
A modernizao de Viena, iniciada sob a administrao dos liberais, foi
continuada pelos social-cristos, num ritmo menos intenso. Estes encaminham
melhoramentos nas conexes virias com o centro da cidade, a construo da
rede ferroviria e tratamento do rio Viena e continuao do tratamento do rio Da-
nbio, j em andamento47
. Deste modo, anexavam o casco antigo da cidade e
subrbios, como novos bairros de Viena, no obstante, a vida dos trabalhadores
permanecer precria48
.
Aps 1904, o controle municipal se ampliou alm do Danbio, propondo-se
a criao de um anel de bosques e prados ao redor dos subrbios49
; que Otto
Wagner considerou uma restrio preestabelecida, comprometido que estava com
a cidade de expanso ilimitada50
.
Otto Wagner, Distrito Urbano Modular, a quadrilucula une-se ideologicamente idia de crescimen-to ilimitado 1911. (fonte SCHORSKE, 1979, p. 113)
Na fase dos social-cristos, a partir de 1890, embora as crticas de Sitte te-
nham sido consideradas nas discusses dos novos planos para Viena, o planeja-
mento foi assumido por Otto Wagner51
. Isto representa o no acatamento das su-
gestes de Sitte. Pois, enquanto Sitte defende uma ordenao urbana centrpeta,
47
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 59 48
LE RIDER, op. cit., p. 36 49
COLLIN e COLLINS, Op. Cit., p. 59 50
SCHORSKE, Op. Cit., p.112
Camillo Sitte e Braslia 15
reduzindo a cidade - como obra de arte - a partes (praas); Wagner prope uma
expanso centrfuga, ilimitada, abordada dentro de uma viso unitria da cidade -
uma continuidade espao-tempo52
. Os planos de Sitte, ordenavam-se mediante a
dinmica primria da rua, abominada por Sitte.
O Ringstrasse, enquanto proposta esttica, equivocada ou no, tinha um
fundamento na cultura artstica austraca, que no era moral, filosfica ou cientfi-
ca, porm basicamente esttica. Suas maiores realizaes estavam nas artes
aplicadas e de espetculo: arquitetura, teatro e msica53
.
A cultura liberal, em Viena, das esfera autnomas do direito, cincia e artes
se misturou com a cultura sensual da aristocracia catlica, justamente no mbito
da esttica. Assim, o desconforto que a rpida e inacabada modernizao ocasio-
nava, no se conduzia enquanto problema poltico. A modernidade era pensada
em termos estticos, ticos, psicolgicos, filosficos e sempre individualistas54
.
O ambiente do Ringstrasse, era desprovido de sentido seja na tradio da
construo urbana, num sentido esttico segundo Camillo Sitte; ou como masca-
ramento das condies modernas de construo sob os estilos histricos como
argumentava Otto Wagner; segundo ele configurando a incumbncia arquitetni-
ca o nome de encomenda de estilo55
. A utilizao indiscriminada de estilos hist-
ricos, como uma colagem desconexa do seu pano de fundo, para Sitte no dava
conta das necessidades psicolgicas e culturais das pessoas; para Wagner , no
dava conta dos significados, que a formao da nova cultura urbana, secular e
capitalista colocava.
Para Sitte, a mania dos espaos abertos, desintegrava a arquitetura e
meio ambiente, dificultando a apreenso pelas pessoas que transitam pelas ruas;
criando uma neurose moderna - a agorafobia, medo de atravessar amplos espa-
os abertos.
51
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p 60 52
BERNABEI, Giancarlo, Otto Wagner, ed. espanhola, 1984, p. 9 53
SCHORSKE, Op. Cit. , p. 29 54
LE RIDER, Op. Cit., p. 41 55
SCHORSKE, Op. Cit. , p. 99
Camillo Sitte e Braslia 16
A crtica de Sitte, de certo modo, vai de encontro as observaes posterio-
res de Richard Sennet56
, que diz que a morte do espao pblico nas cidades mo-
dernas, deve-se valorizao do espao privado, como conseqncia do esvazi-
amento do domnio da vida pblica, que segundo ele delineia-se justamente no
sc. XIX. O conceito de vida pblica, ento, comea a envolver uma vida social
complexa e dispare, cuja a ordem ideal tinha com parmetro a vida privada e inti-
mista. Explica-se este fato, pelos conceitos de isolamento, separao, diviso que
so problemas intrnsecos do capitalismo; que na etapa do consumo impe o indi-
vidualismo e dissolve o gregarismo.
Sennet apresenta os termos cidade e civilidade dentro de uma mesma
raiz etimolgica; e diz que a geografia pblica de uma cidade a institucionali-
zao da civilidade57
. Para Sitte a inexistncia de praas e edifcios pblicos em
uma cidade, considerando a vida pblica nestes, a descredenciava como cida-
de58
.
preciso ter em mente que a cidade o espao da arte por excelncia,
porque esse tipo de obra que surte efeitos mais edificantes e duradouros
sobre a grande massa da populao, enquanto os teatros e concertos so
acessveis apenas s classes mais abastadas59
.
Para Sennet, Sitte concebia a comunidade dentro da cidade60
. A advertn-
cia de Sitte sobre o desaparecimento das praas, com o respectivo esvaziamento
do seu significado pblico, vinha do temor da vida da burguesia acabar transcor-
rendo somente sob portas fechadas.
56
SENNET, Richard, O Declnio do Homem Pblico, as tiranias da intimidade, 1. ed. 1974, ed. brasileira, 1989 57
SENNET, Op. Cit. , p. 324 58
SITTE, Op. Cit., p. 22 59
Id. Ibid., p. 118 60
Idem, p. 358
Camillo Sitte e Braslia 17
4. Sitte e o Planejamento Urbano decimnico61 e moderno
A gesto pblica da cidade ps-liberal, apresenta 2 posturas distintas: 1 -
intervenes de caracter reformista atravs de legislaes Sade Pblica 184862
e
Construtivas 1865, no caso ingls; 2 - o modelo que sobressai-se com a Paris de
Haussmann (1853-69), que prope uma interveno massiva, uma restruturao
total da ordem social e econmica, baseadas no modo de produo capitalista63
.
O traado do sistema virio, que revaloriza os ns monumentais de Paris,
serve de modelo a restruturao de cidades antigas como Barcelona e Viena.
Neste ltimo caso, como foi visto anteriormente os blocos construdos tem uma
distribuio perimetral numa esplanada desocupada ao invs de rasgar avenidas
no tecido antigo, em todos os casos, a circulao guiou os planos urbanos.
Na cidade ps liberal, a administrao da cidade, baseia-se num acordo
entre a propriedade imobiliria e burocracia pblica, que representa os interesses
gerais do capital. A administrao pblica se encarregou do espao que estrutura
o conjunto da cidade: sistema virio, outros percursos, e, infra-estrutura urbana. E
os proprietrios ficaram coma a maior parte dos terrenos construveis. A interven-
o da burocracia neste mbito, se fazia atravs de legislao que colocava res-
tries utilizao destes espaos, em relao aos terrenos contguos e os espa-
os pblicos. Os planos reguladores constituem o quadro de unio dos espaos
pblicos e das limitaes regulamentares impostas utilizao dos espaos pri-
vados64
.
O lastro cultural desta diviso do solo urbano e territorial, era dado por ar-
quitetos e engenheiros que exerciam suas funes sem que constitussem um
poder realmente decisrio sobre a construo das cidades. Estas profisses eram
produto de uma diviso tcnica do trabalho entre os campos artstico e tcnico.
61
Termo da lingua espanhola que refere-se ao sculo XIX. 62
Public Health Act que instiui o Boards of Health, que lida com funes de saneamento, abastecimento de gua, limpeza urbana de parques, e cemitrios. BATTISTI, Emilio, 1980. In PATETTA, Luciano, Histria de la Arquitectura, Antologia Crtica, 1984, pp. 247 63
Id. Ibid., pp. 247-8
Camillo Sitte e Braslia 18
Os tcnicos - engenheiros - eram responsveis pela projeo estrutural dos
artefatos, mantendo o compromisso fundirio entre burocracia e propriedade. A
partir dos limites impostos pelo quadro acima, aos arquitetos cabia a deciso de
compatibilizar uma forma artstica com a estrutura e instalaes previstas65
.
Os limites do projeto arquitetnico, como opo de estilo, inclua todos os
modelos histricos e geogrficos de arquitetura, que so submetidos pelos pro-
cessos de diviso fundiria e pelo clculo de estruturas. O historicismo do sculo
XIX, caracterizavam-se pela permanncia do modelo clssico de projetao.
Gottfried Semper um dos primeiros, dentro dos termos mesmos do histo-
ricismo, a redefini-lo. Considerando o estilo uma correspondncia do objeto com
sua histria, explicada como uma sucesso de condicionamentos causais - uma
histria das possibilidades e das circunstancias tcnico-construtivas e estticas.
Semper como terico positivista da arquitetura, preconizava a unificao entre
arte e indstria, e, a integrao do mtodo histrico com o cientfico66
. O conceito
da arquitetura como arte da construo, assim como seu compromisso com a
monumentalidade, eram compartilhados por antagonistas como Otto Wagner e
Camillo Sitte.
As reflexes de Sitte, assim como a cidade linear de Soria y Mata, os pla-
nos urbansticos de Petrus Berlage, o movimento das cidades jardins inglesas co-
locam-se dentro da polmica anti-clssica67
, que se formava no seio da cidade
industrial,. A atividade construtiva de Otto Wagner, no seu questionamento dos
estilos, reafirma a necessidade de um rumo para sua poca, definitivamente in-
dustrial e tecnolgica.
A nvel de planejamento urbano, na segunda metade do sculo XIX, a divi-
so tcnica do trabalho se reduzia um pouco. Embora, o trabalho de Camillo Sitte
atacasse topgrafos e gemetras - seu uso indiscriminado de retas e quadrculas -
reconhecia o aprimoramento das condies sanitrias das cidades europias, efe-
tuado pelos engenheiros68
.
64
BENEVOLO, Leonardo, A Cidade e o Arquiteto, Mtodo e Histria na Arquitetura, 1984, p. 35 65
BENEVOLO, Op. Cit., p. 100 66
DE FUSCO, Renato, 1970, In PATETTA, op. cit., pp. 231-2 67
BENEVOLO, Leonardo, Histria da Arquitetura Moderna, 1. ed. 1960, ed brasileira 1985 68
SITTE, Op. Cit., p. 116
Camillo Sitte e Braslia 19
Passagens do livro de Sitte,resignam-se com os moldes da gesto da cida-
de ps-liberal, e, sugerem que concedia estatutos diversos ao arquiteto, ao cons-
trutor das cidades, e ao sanitarista69
. Referindo-se ao projeto e construo em
cidades de dimenses das metrpoles industriais, recomenda:
.(...). o construtor de cidades, assim como o arquiteto, deve adequar sua
prprias escalas cidade moderna com seus milhes de habitantes70
.
Sitte lamentava-se de que o quantitativo de recursos, conferidos atuao
dos arquitetos para construo de edifcios, era muito maior que os concedidos ao
construtor de cidades, no que se refere as intervenes de carter artstico71
. Esta
constatao de Sitte, evidencia que a parcela da cidade a cargo do Estado, era na
verdade, uma terra de ningum; e por outro lado, precisa as limitaes de sua
prpria abordagem, que no confronta os mecanismos estruturais de gesto e
valorizao do solo urbano.
Os problemas que orientavam o planejamento urbano alemo, no tempo de
Sitte, enfatizavam a sade pblica; questes ligadas a legislao do uso do solo,
como zoneamento; posturas de uso do terreno como afastamentos; assim como a
questo das tipologias habitacionais e dos locais de trabalho. Em compensao, o
pinturesco conhecido dos parques ingleses (estudados sob o ponto de vista de
drenagens e copiados nos seus efeitos romnticos), foi introduzido pelos enge-
nheiros na Alemanha, os mesmos tinham uma indiscriminada confiana na linha
reta72
. O debate daquele momento era justamente sobre a forma curva ou reta
das ruas.
Essa questo no era fechada em Sitte, que relacionava linhas retas e n-
gulos retos insensibilidade de determinadas cidades, e um elemento pernicioso
ao traado das ruas, mas, no considerava este o fato mais importante:
(...) pois os conjuntos barrocos tambm eram constitudos por linhas e n-
gulos retos, sem que isso fosse um obstculo para a obteno de efeitos
imponentes e genuinamente artsticos73
.
69
SITTE, Op. Cit., p. 94, e tambm, p. 116 70
Id. Ibid., p. 116 71
Idem., P. 94 72
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., pp. 31-3 73
SITTE, Op. Cit., p. 95
Camillo Sitte e Braslia 20
Camille Martin, arquiteto suio, tradutor de Sitte para a lngua francesa, em
1918, acrescentou um captulo, escrito por ele mesmo, sobre ruas; provocou e-
quvocos e reprovaes, como a de Le Corbusier que tachou de caminho das
mulas as ruas pitorescas curvas ou irregulares. No entanto, Sitte e Martin apenas
desaprovam o uso da rua reta sem critrios. Camille Martin diz:
O que ns condenamos seu emprego mecnico, preconcebido, sem a-
tentar para a configurao do terreno nem para outras circunstncias lo-
cais. Se a linha ondulada mais pitoresca, a linha reta mais monumental;
mas no se pode viver apenas de monumentalidade74
.
Ilustrao do capitulo Ruas escrito por Camille Martin. ( In SITTE, Op. Cit., fi.g. 124)
O planejamento urbano se incrementou na Alemanha, atravs dos esforos
combinados que atuaram em campos especficos, alm de Camillo Sitte, Reinhard
Baumeinster (1833-1917) e Joseph Stbben (1845-1936)75
. A literatura que eles
produziram tinha a conscincia da necessidade de novas tcnicas controle do
crescimento urbano, fundava-se no entanto, em padres organicamente assenta-
dos no desenvolvimento da iniciativa privada A cidade era pensada como uma
matria de mtodo, de sistema; colocando os processos urbanos num patamar
racional76
..
74
MARTIN, Camille, Ruas, 1918. In. SITTE, Op. Cit., pp. 185-93 75
COLLINS e COLLINS, op. cit., p. 39 76
TAFURI, Manfredo e DAL CO, Francesco, Modern Architecture/1, ed. italiana 1976, ed. americana 1986, p.44
Camillo Sitte e Braslia 21
Os manuais tcnicos ajudaram a fornecer indicaes objetivas uma ex-
panso organizada77
, atravs de regras ao invs de solues formais prefiguradas
ou modelos. Enquanto, os manuais tcnicos colocavam regras adaptveis dife-
rentes condies urbanas; Sitte trabalhava com a idia da individualidade dos es-
paos.
Baumeinster compreendeu o planejamento urbano como campo de expe-
rimentao cientfica78
. Produziu manuais bsicos sobre os aspectos legais e tc-
nicos da disciplina. Propunha o planejamento urbano em funo do trfego, e foi
pioneiro na estruturao legal do zoneamento. Tambm Baumeister criticava o
uso indiscriminado dos sistemas cartesianos. Recomendando o efeito esttico das
ruas curvas e a importncia do fechamento por paredes das praas pblicas79
.
Stbben, publicou o Handbuch des Stdtebaues em 1890, atualizado numa
edio de 1924, contm suas contribuies a uma teoria esttica do planejamento
urbano. O livro de Stbben, divide-se em critrios prticos e estticos; sendo que
o interesse artstico revela, segundo os Collins:
o desejo de muitos dos planificadores do seu tempo de chegar a leis ou
regras com as quais pudesse tomar decises artsticas80
.
Para Baumeinster os elementos que provocam uma agradvel impresso
arquitetnica (no caso das praas) dificilmente so redutveis a regras univer-
sais81
. Mas, Sitte, ao contrrio, prope-se a organizar as leis da construo do
belo urbano82
. Sitte acredita que na relao entre edifcios e praas, os critrios
de desenho, no podem ser definidos com a mesma exatido que entre os ele-
mentos construtivos de um edifcio. Contudo, uma definio aproximada, se fazia
importante para ele, sobretudo para a construo urbana moderna, onde a arbi-
trariedade da rgua substitui o desenvolvimento histrico gradual83
.
Deste modo, segundo Francoise Choay, a partir de um mtodo analtico de
comparao entre cidades antigas e modernas, destaca dois aspectos importan-
77
idem 78
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 39 79
Id. Ibid., pp. 40-1 80
Id. Ibid., p. 44 81
Baumeinster Apud. SITTE, Op. Cit., p. 94 82
CHOAY, Franoise, A Regra e o Modelo, ed. francesa 1980, ed. brasileira 1985, p. 292 83
SITTE, Op. Cit., p. 60
Camillo Sitte e Braslia 22
tes a idia artstica de base, e uma sucesso de diversos tipos de paisagens
urbanas que balizam a histria esttica das cidades84
. Sitte busca estruturas
constantes - regras de dimensionamento de praas, relao entre edifcios e pra-
as, fechamentos laterais, disposio de monumentos, rvores, arcadas, etc.
Ilustrao do livro de Sitte, Prtico da Galeria Uffizi, fe-chamento lateral utilizando o motivo prtico com arcadas
amplas.(fonte, SITTE, Op. Cit. p. 52)
Sitte no buscava uma sntese de princpios gerais vlidos universalmen-
te, mas uma teoria racional, baseada no recurso consciente, intuitivo e adequa-
do dos meios explorados pelos artistas de um tempo em que a arte era um exerc-
cio tradicional85
.
Princpios ideolgicos semelhantes, aos que animavam Sitte, sobre a im-
portncia da comunidade e aglomerao urbana, e a predominncia do conceito
cultural de cidade sobre o conceito material; orientaram Ebenezer Howard (1850-
1928) e Raymond Unwin (1863-1940), no movimento das cidades jardins ingle-
sas86
.
As cidades jardins, em contraste com a Londres incomessurada, eram pen-
sadas para serem finitas, dimensionadas precisamente em seus espaos e popu-
lao87
. O desenho procurava assegurar a variedade dos espaos interiores da
84
CHOAY, Op. Cit., p. 292-3 85
SITTE, Op. Cit. , p. 36 86
O movimento das cidades jardins foi desencadeado pelo livro de Howard Garden Cities Tomorrow, de 1902, publicado originalmente em 1898, Unwin e Barry Parker (1867-1941) formularam sua imagem arquite-tnica. 87
Howard fixa em 30 mil ou 58 mil o numero de habitantes das cidades jardins.
Camillo Sitte e Braslia 23
cidade, materializando a por intermdio da rua curva, que nesse caso adquiria um
conceito de promenade88
. A delimitao das cidades jardins era consolidada por
um cinturo verde, que deveria impedir a tangncia com outras aglomeraes ur-
banas.
Tambm Patrick Guedes (1854-1932), trabalhou na via culturalista. Ele que
enriqueceu o aparato ideolgico e terico do pensamento regionalista89
. Contribu-
indo para difundir idias do planejamento urbano numa escala territorial, concate-
nada com os fenmenos produtivos90
.
No inicio do sculo XX, a cidade moderna emergiu, mantendo os mecanis-
mos de gesto urbana e territorial ps-liberais. Os mecanismos de planejamento
urbano, at 1910, se converteram em instrumento de programao da produo,
de acumulao pela propriedade privada91
. Os urbanistas transformam-se em es-
pecialistas com tarefas prticas, e deixam de inserir-se numa viso global de soci-
edade92
.
As propostas testadas empiricamente do movimento moderno, assim como
seus modelos utpicos, revestidas de um esprito cientfico, tentam em parte re-
verter esse quadro mostrando que a terra de ningum que tinha se tornado o
espao pblico, cabia ao Estado, no apenas a gesto como tambm a planifica-
o e interveno. A cidade transformava-se, deste modo, em objeto de projeto
do arquiteto.
A idia que norteia as novas atribuies no territrio da cidade, vem da
modernidade, e seus desdobramentos na industria e na arte de vanguarda93
. O
rgo de difuso num movimento internacional, foi a instituio dos CIAM94
em La
Sarraz, 1928. 30 anos antes deste CIAM, o velho oponente de Sitte, Otto Wagner
contestava que as cidades jardins, pudessem resolver o problema de habitao
das grandes cidades. Wagner, assim como Berlage j o fizera props que os ter-
renos de expanso das cidades, passassem a ser propriedade coletiva, de modo
88
idia de passeio arquitetnico derivada do jardinismo clssico. 89
TAFURI e DAL CO, Op. Cit., p.47 90
Id. Ibid., p.48 91
idem 92
CHOAY, Francoise, O Urbanismo, Utopias E Realidades, uma antologia, ed. francesa 1965, 3. ed. brasilei-ra 1992 93
, Id. Ibid., p. 19-20
Camillo Sitte e Braslia 24
que o Estado pudesse regular os preos dos terrenos e manter o domnio sobre
seu desenvolvimento.
A declarao final de La Sarraz, afirmava a vinculao da arquitetura mo-
derna com o sistema econmico geral; relacionava o conceito de racionalizao
eficincia do mtodo de produo estandardizada. A viso de planejamento urba-
no que a declarao divulgava, no se condicionava a esteticismos preexistentes,
sua essncia era de ordem funcional (...) a catica diviso do solo, resul-
tante das especulaes nas vendas e das heranas, deve ser abolida por
uma poltica do solo coletiva e metdica95
O perodo em que os congressos do CIAM se reuniram, pode ser divididos
em fases, demarcadas em relao aos temas que trataram a ideologia que ex-
pressam.
A primeira fase - principalmente do II e III CIAM, reunidos respectivamente
em Frankfurt, 1929 e Bruxelas, 1930, foi dominada por arquitetos da nova objeti-
vidade alem, de inclinao socialista e que exerciam atividades nos programas
habitacionais estatais, os Siedlungen, tentando avanar as formas da cidades
jardins para as periferias, empregando tcnicas de pr-fabricao; e testando no-
vas tipologias funcionais, o espao de moradia mnimo, Existenzminimum.
A segunda fase do CIAM - entre as 2 Grandes Guerras- foi dominada por
Le Corbusier. O produto do IV CIAM, de 1933, cujo tema foi A Cidade Funcional,
foi a Carta de Atenas; que como Choay classifica, no um texto instaurador,
mas que agrega reflexes sobre o urbano do contexto terico racionalista.
A Carta de Atenas apenas foi publicada numa verso escrita por Le Cor-
busier, em 1943, quando comeou repercutir no meio dos arquitetos; como um
veculo do urbanismo funcionalista - das 4 funes habitar, trabalhar, circular e
recrear. Funcionalismo que supunha a obrigatoriedade do planejamento regional e
intra-urbano, a predominncia dos interesses coletivos do uso do solo sobre os da
propriedade privada, a estandardizao industrial das construes e seus compo-
94
CIAM - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna 95
Apud. FRAMPTON, Kenneth, Histria de la Arquitectura Moderna. ed inglesa 1981, ed. espanhola 1987, pp. 273-4
Camillo Sitte e Braslia 25
nentes, limitao da densidade populacional, relacionamento adequado entre ha-
bitao e reas livres96
.
Nesta fase, como parte da reconstruo do segundo ps-guerra, tambm
comeam a ser pensadas, as unidades de habitao e de vizinhana.
A terceira fase do CIAM - entre 1947 e 1958 - no VI CIAM, de Bridgwater, a
cidade funcional foi considerada abstrata, reorientando as metas do CIAM, no
trabalho de criao de um entorno fsico que satisfaa as necessidades emocio-
nais e materiais dos homens97
. A partir de 1937, os encaminhamentos do CIAM,
j reconheciam a importncia das estruturas histricas das cidades98
.
Em Bridgwater, se reafirma a validade do planejamento urbano enquanto
legislao do espao fsico e social; a importncia do mtodo cientfico no desen-
volvimento da arquitetura, da qual resultou tcnicas avanadas de construo,
mas que doravante deveriam ser permeadas pelo senso de valores humanos; e, a
tendncia a reintegrao das artes plsticas - arquitetura, escultura e pintura -
compreendendo tambm outras formas contempornea de expresso artstica. O
texto coloca:
A tarefa urgente para o CIAM assegurar que os mais altos padres hu-
manos e tcnicos so alcanados no planejamento comunitrio de toda e
qualquer escala da regio a habitao isolada99
.
A reorientao dos princpios funcionalistas foi definitiva no VIII CIAM, reali-
zado em Hoddeston, Inglaterra, 1951. O tema deste congresso foi O Corao da
Cidade, que acolheu o manifesto Nove Pontos sobre a Monumentalidade - Ne-
cessidade Humana, de Sigfried Giedion, Josep Luis Sert e Fernand Lger:
(...) o povo espera mais que mera satisfao funcional. Deseja que [nos
edifcios] se tenha em conta sua nsia de monumentalidade, de alegria e
ntima exaltao100
.
96
SCHERER, Rebeca, Apresentao, 1986, In. LE CORBUSIER, Carta de Atenas, 1933 97
BRIDGWATER, VI CIAM, Reaffirmation of the Aims of CIAM, , 1947, In OCKMAN, Joan, Architecture Cul-ture 1943-1968, a documentary antology, 1993, pp. 100-102 98
FRAMPTON, Op. Cit., p. 274 99
BRIDGWATER, VI CIAM, p. 102 100
GIEDION, Sigfried, SERT, Josep. L., LGER, Fernand, Nueve Puntos sobre La Monumentalidad - Neces-sidad Humana, N. York, 1943. In GIEDION, S., Arquitectura e Comunidad, 2. ed espanhola 1957
Camillo Sitte e Braslia 26
A tarefa que os planejadores reunidos em Hoddeston, se colocaram, foi a
de reconstruir a vida coletiva dos cidados, no corao da cidade; centros de
vida comum, que constituem um problema fundamentalmente social, no qual o
projeto arquitetnico e urbanstico esto fundamentalmente ligados. Diante do
incremento dos meios de telecomunicao, o CIAM buscava revalorizar lugares
de reunio pblica: praas, cafs, associaes populares, adaptando-as as exi-
gncias da poca. A criao desses centros era uma atribuio do Estado, finan-
ciados com fundos pblicos.101
. A terceira fase do CIAM, atenua as teorias funcio-
nalistas produzidas na fase anterior.
Esta ltima fase do CIAM, a complexidade da problemtica urbana do ps-
guerra, comea a ser enfocada com mais realismo, devido aos questionamentos
da gerao mais jovem, a terceira gerao da arquitetura moderna, fundadores do
Team X, que dispersou o CIAM.
O urbanismo funcionalista102
que tinha com premissa um homem-tipo abs-
trato, idntico universalmente, adequado ao taylorismo e fordismo produtivista; era
contraposto pelo Team X com o homem comum, concreto, individual, com todas
suas carncias103
. Ao acalentado mtodo cientfico funcionalista, opunham uma
atitude experimental e emprica, para enfrentar uma realidade em transformao.
O fato que movia o Team X foi sintetizado por Aldo Von Eyck, um de seus mem-
bros, vital superar a abstrao alienante da arquitetura moderna104
. Por sua
vez, Alison e Peter Smithson, desdenhavam at mesmo, das novas orientaes
do CIAM:
O planificador no um reformador social, mas um tcnico da forma, que
no pode apoiar-se nos centros comunais, lavadouros pblicos, etc., para
mascarar o fato de que a comunidade como um todo incompreensvel105
.
O IX CIAM106
marcou a ciso entre o Team X e a velha gerao racionalis-
ta, incluindo Ernesto Rogers, que definiu a situao que se delineou, como conti-
nuidade ou crise do movimento moderno.
101
Cf. SERT, Josep. L., Centros para Vida de la Comunidad in El Corazn de la Ciudad, ed. espanhola, 1955 102
Define-se neste trabalho o urbanismo do CIAM como funcionalista, baseado em sua fase dominante, que produziu a Carta de Atenas. 103
Cf. MONTANER, Josep,, Despus del Movimiento Moderno, 1993, p. 18 104
Apud MONTANER, Op. Cit., p. 32
Camillo Sitte e Braslia 27
A aproximao do CIAM com os princpios de Camillo Sitte, foi feita por um
dos seus crticos mais mordazes, Giedion, em respeito a sntese das artes, mo-
numentalidade e espaos pblicos relacionados vida comunitria. Entretanto,
tambm nesse caso, os conflitos do Team X, buscam uma outra via, para eles a
identidade provinha do sentido de vizinhana, e no da monumentalidade ou do
pinturesco. A nova gerao descartava tanto a cidade funcional quanto um reviva-
lismo de Sitte107
. A crtica do Team X era praticamente a mesma, que mais tarde
Giedion publicaria contra Sitte, o diagnstico dos problemas urbanos era aceit-
vel, mas as solues eram paliativas, e desconectadas com seu tempo108
.
No mesmo ano da dispora do CIAM, em 1956, ocorre o concurso de proje-
tos para a nova capital do Brasil. O projeto vencedor pode ser considerado a
mais completa aplicao dos princpios contidos na Carta de Atenas109
.
O plano preservava as principais premissas do urbanismo funcionalista: o
zoneamento das 4 funes , habitar, trabalhar, circular e recrear; tinha inteno
de inserir-se num planejamento territorial; utilizao de projees de blocos cons-
trudos ao invs de parcelamentos contnuos, que otimizariam a relao dos blo-
cos construdos, enquanto unidades autnomas, e, em relao aos espaos aber-
tos (de acordo com os requisitos de higiene e insolao); independncia das vias
em relao s projees das edificaes, sendo classificadas de acordo com suas
destinaes: internas s quadras habitacionais, entre quadras - unidades de vizi-
nhana, ligaes norte-sul, eixo monumental - lugar da burocracia local e do distri-
to federal110
.
105
SMITHSONS Apud. RAMON, op. cit., p 106
Foi realizado um ltimo congresso, em Otterloo, 1959. 107
FRAMPTON, Op. Cit., p. 275 108
GIEDION, Sigfried, Espacio, Tiempo e Arquitetura, 1. ed. 1960, ed. espanhola, 1978, parte VIII, La Urba-nstica como Problema Humano. 109
SCHERER, Op. Cit. 110
LE CORBUSIER, A Carta de Atenas
Camillo Sitte e Braslia 28
Ville Radieuse Le Corbusier, 1930, (fonte, ROWE, KOETTER, 1981, p. 550
Muitas dessas questes j haviam sido abordadas por Le Corbusier no livro
Urbanismo, no qual opunha o caminho das mulas, do movimento das ruas cur-
vas, que dizia ter partido de Camillo Sitte, liberdade artstica que a ordem possi-
bilitaria111
.
A rua corredor da cidade ps-liberal, caminho das mulas, segundo Le Corbu-sier (fonte BENEVOLO, 1984, p. 39)
Mas, prprio Le Corbusier tinha critrios formais diferenciados de acordo
com as escalas e os stios em que projetava, que permitia a curva para os terre-
nos acidentados, como no caso de sua proposta para o Rio de Janeiro, 1929 e
Argel, 1931.
111
LE CORBUSIER, Urbanismo, 1924, ed. brasileira 1992
Camillo Sitte e Braslia 29
Corbusier proposta para o Rio de Janeiro, 1929 e Argel, 1930. (fonte, COSTA, 1995, p. 148)
Camillo Sitte e Braslia 30
5. Os princpios artsticos da cidade em Sitte
Sitte pretendeu que suas proposies constitussem um teoria racional, ba-
seado numa generalizao do legado dos antigos. A anlise deste legado no era
tipolgica, mas relacional; na relao artstica entre praas e edifcios, na qual
procurava regras, de alto potencial esttico, que a necessidade moderna no ne-
gasse112
.
A reduo de fraes urbanas ao essencial que carregam uma expresso
sensvel da arte113
, como denomina Sitte ou ainda idia artstica de base114
,
semelhante ao conceito de kunstwollen (vontade artstica) de Alois Riegl. A nfa-
se na ao perceptiva aproxima-o do conceito de einfhlung (empatia), que diz
respeito intercomunicao subjetiva entre objeto artstico e espectador.
Tambm austraco, Riegl parte dos conceitos de Semper, porm rompe
com ele, passando a defender a autonomia das configuraes formais artsticas
em relao aos meios tcnicos e materiais115
. Aparentemente, Sitte, coloca uma
relao proporcional entre arte e tcnica, com a relevncia da esttica. Como Rie-
gl, a fundamentao da anlise de Sitte vem da percepo, de onde retira concei-
tos artsticos abstratos. Aspecto que o torna absolutamente moderno116
.
As estruturas formais que aborda so as que um espectador pedestre cap-
ta. As concluses de Sitte, baseadas na percepo humana reforam sua anlise
relacional117
; da cidade, como obra de arquitetura concebida tridimensionalmente:
Artisticamente relevante aquilo que se pode ser apreendido como um to-
do, ser apreendido em sua totalidade118
.
Para Sitte, o desenho urbano consiste na ordenao dos espaos em se-
qncia119
, definidos pelo fechamento do espao, da rua ininterrupta corredor,
112
Cf. SITTE, Op. Cit., p. 29-30, h um trecho do texto que diz a necesidade mestra 113
Id. Ibid., p. 116 114
Conceito de CHOAY. In A Regra e o Modelo, p.293 e 294 115
Cf. SOL-MORALES, Ignasi. Teoria e Historia de la Arte en Alois Riegl., 1980. In RIEGL, Alois. Problemas de Estilo, 1. ed. 1893 116
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 71 117
Cf. SITTE, Op. Cit., p. 58. Sitte coloca que na arte do espao tudo depende das relaes mtuas, e no das dimenses absoluta. 118
Id. Ibid., p. 100
Camillo Sitte e Braslia 31
determinados em funo dos efeitos visuais, ao contrrio dos monumentos isola-
dos120
do Ringstrasse ou dos blocos dispersos num espao vazio contnuo sepa-
rados unicamente pelo sistema virio do urbanismo funcionalista. Os cheios pre-
dominam sobre os vazios na cidade tridimensional que Sitte concebia.
Os elementos primrios para Sitte, eram a arquitetura e a natureza121
, ma-
teriais da obra de arte total, que pensava ser a cidade, nascida da colaborao do
somatrio do trabalho de vrios artistas individuais, e no de uma prancheta de
desenho.
Sitte denncia a ausncia de critrios sejam prticos, sejam estticos, na
fundamentao dos planos e parcelamentos urbanos de sua poca; dificuldade
de escala que as metrpoles industriais colocavam mostrava a necessidade da
escala humana, da percepo humana como parmetro. Sua viso cultural da
cidade, mostrava que sua esttica era guiada por uma tica de civilidade.
Projeto para Eilenriede em Hanover: A - Desconsiderando os antigos limites de propriedade. B - Proposta de Sitte, mantm os limites das propriedades existentes e evita fragmentar as quadras, atravs de ruas radiais (fonte COLLINS, COLLINS, 1965, p. 126)
119
Idem, p. 58a percepo humana, no acompanha o rtmo de estmulos ininterruptos e crescentes. 120
Cf. SITTE, Op. Cit., p. 110 121
COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 70
Camillo Sitte e Braslia 32
6. Os princpios artsticos no plano piloto de Braslia
O projeto para a nova capital brasileira reuniu Lcio Costa, vencedor do
concurso, e Mrio Pedrosa, crtico de arte, organizador do encontro internacional
dos crticos de arte que apresentou Braslia ao mundo, com o mote: Cidade Nova
: Sntese das Artes.
Pedrosa, l a proposta de Lcio Costa, para Braslia, como insulamento de
uma civilizao desenraizada - paisagem enxertada122
, como de resto toda a co-
lonizao brasileira. Mas, estando na Amrica, condiciona-se ao novo. Pois, a
Amrica um lugar onde tudo pode comear do comeo123
.
0 projeto de transferencia da nova capital para centro do pas pode ser di-
cotomizado em termos de valores, entre maracangalha, referncia ao presidente
Juscelino Kubtischek e sua ideologia prefeitural; e utopia, definida por uma idia
de Lcio Costa. Para Pedrosa, quem diz Utopia diz arte, diz vontade criadora. O
projeto de Lcio Costa foi um acontecimento que transformou tudo124
.
Na polmica em torno da monumentalidade, apoia o projeto de Lcio Cos-
ta. Diz que no projeto, esta est calcada pela simplicidade com que pode ser a-
preendida pelo esprito, e ser captada por todas as dimenses dos sentidos125
.
Uma cidade com seu programa, sua finalidade, sua planta, proposta de um ho-
mem coletividade, considerada como uma obra de arte a ser realizada126
.
Em Braslia, a cidade como obra de arte, no mais um problema terico,
mas prtico. A poca para Pedrosa era da utopia se transformar em planificao.
Este era considerado um problema esttico fundamental do perodo127
. Talvez, o
crtico tivesse em mente, a propostas, ainda em fase de propaganda, de uma
122
ARANTES, Otlia, Mrio Pedrosa, Itinerrio Crtico, 1991 123
PEDROSA, Mrio, Reflexes em torno da nova Capital, 1957, In Dos Murais de Portinari aos Espaos de Braslia, pp.303-16 124
Id. Ibid. p. 310 125
Idem, p. 315 126
Id. Utopia - Obra de Arte, 1958, p. 319, In Dos Murais..., pp 317-319 127
Id., Cidade Nova - Sntese das Artes, 1959, p 356, In Dos Murais..., pp.355-64
Camillo Sitte e Braslia 33
nova monumentalidade de Giedion e Sert128
; assim como os congressos do CI-
AM, de Bridgwater e Hoddeston.
O empreendimento de uma cidade nova, planificada e edificada com recur-
sos tecnolgicos atuais, baseados num pensamento global - o peso conceptual
deste pensamento semelhante ao da fora plasmadora da arte.- constri uma
obra de arte coletiva. Este processo importante diante da crise, que Mrio Pedro-
sa identifica na arte individual contempornea.
Assim, Pedrosa via na arquitetura e urbanismo, no plano piloto para Bras-
lia, a possibilidade de realizar a arte total e internacionalista, na funo da sntese
das artes.
O projeto de Lcio Costa, a imagem sntese prvia est consolidada no que
ele denominou de gesto primrio - gesto de quem assinala um lugar ou quem
toma posse .
Etapas do desenvolvimento da idia sntese da soluo do plano piloto de Braslia. (fonte, COSTA, 1995, p. 284
Os eixos cruzados incorporam um equacionamento de intenes de conci-
liar as proposies do CIAM129
- dos preceitos do urbanismo aberto da cidade-
parque; com a ordonnance dos espaos barrocos da Frana - eixos e perspecti-
vas que buscam a visualidade dos espaos; insights dos terraplenos chineses,
gramados ingleses; assim como, a assimilao dos viadutos e auto-estradas ame-
ricanas.
128
SERT, LEGER, e GIEDION, Op. Cit. 129
Costa refere-se Carta de Atenas com suas 4 funes e a questo do planejamento regional, etc., mas possvel que tenha em vista tambm os CIAM de Bridgewater e de Hoddeston
Camillo Sitte e Braslia 34
Os elementos que servem como estruturadores do espao, so pensados
dentro de princpios artsticos, e visam a leitura imediata de perspectivas, que so
pensadas em funo de sua fruio visual.
O eixo monumental definido, por massas edificadas lateralmente, e tem
como fechamento o centro cvico, em forma triangular, que tem um edifcio repre-
sentativo dos 3 poderes (executivo, legislativo e judicirio) em cada vrtice.
Desenhos do eixo monumental de Braslia (fonte, COSTA, 1995, p. 285 e 288)
O nvel do stio elevado artificialmente, em terraplenos que do visibilida-
de ao lago Parano ao fundo, e lateralmente com o cerrado, simbolizando, o povo
brasileiro. Uma relao entre arquitetura e natureza, arquitetura e cultura, atravs
da monumentalidade. Esse simbolismo vem embutido na inteno de agenciar,
ordenar com senso de convenincia e medida
funes vitais prprias de uma cidade moderna, no como urbs, mas co-
mo civitas, possuidora de atributos inerentes a uma capital130
.
Numa capital , a monumentalidade o prprio conjunto da coisa em si,
diz Lcio Costa131
. Deste modo, esta extende-se s superquadras, que seria o
lugar especfico da convivncia.
O tema da monumentalidade e da sntese das artes j vinha sendo gestada
a alguns anos por Lcio Costa, Em 1952, diz que a monumentalidade relaciona-se
130
COSTA, Memria Descritiva do Plano Piloto, 1957, In Registro de uma vivncia 131
Id. Eixo Monumental, 1958, In Ibid.
Camillo Sitte e Braslia 35
vegetao, ao descampado como complementos naturais; ao mesmo tempo em
que caracteriza o conceito moderno de urbanismo (da cidade ao campo), abolin-
do a noo do pinturesco132
, devido a incorporao do buclico ao monumen-
tal133
.
Lcio Costa acreditava na paixo coletiva pelas demonstraes individuais
ou associadas excepcional percia - na transferencia de subjetividade para o
coletivo - na prtica desinteressada das artes plsticas, adepto da empatia que
era. Esta prtica tinha a funo de intensificar a inteligncia do fato artstico no
pblico134
.
Plano Piloto de Braslia de Lcio Costa apresentado ao concurso em 1956 (costa, 1995, p.297) Previses de interligaes regionais (Id. Ibid., p. 317)
Braslia, sintetiza no pensamento de Lcio Costa; a passagem de Le Cor-
busier pelo Rio de Janeiro (a axialidade para escala humana, e a curva para o
aleatrio) representado pelo arqueamento do eixo rodovirio, para adaptar-se
topografia. A gestao dos temas da ordem do dia do urbanismo da dcada de
50: monumentalidade, sntese das artes, e espao pblico coletivo. Esses temas
fazem conviver no pensamento urbano moderno brasileiro, progressismo para
justificar a insero do Brasil no mundo, e culturalismo, para assimilar a situao
interna do pas.
132
COSTA., Consideraes... 133
Id. Ibid. 134
Id., A Crise da Arte..
Camillo Sitte e Braslia 36
Assim,os ideais dos ltimos CIAMs, que absorvem parcialmente Sitte en-
contram-se to presentes, quanto o urbanismo preconizado pela Carta de Ate-
nas.
Camillo Sitte e Braslia 37
7. Braslia do ponto de vista de Sitte
Como uma cidade moderna, Braslia foi tratada como uma questo de de-
senho, sua imagem nasce da prancheta da colaborao entre Lcio Costa e Os-
car Niemeyer. Distante, ento das cidades desenvolvidas in natura que Sitte de-
fende.
Os princpios artsticos que baseiam o projeto so mais os de Bridgwater e
Hoddeston, que os de Sitte, evidentemente. Embora, se possa vislumbrar os con-
ceitos artsticos de Kunstwollen, einfhlung e abstrao, semelhantes aos de
Sitte como fundamentos tericos do plano piloto de Lcio Costa.
A distino bvia, vem do fato que os espaos abertos e construdos so
simultaneamente controlados pelo desenho, assim como a totalidade do plano; ao
contrrio que em Sitte que reduzia a cidade enquanto obra de arte praas e ou-
tros espaos, que so passveis de leitura135
.
O elemento mais singular do plano de Braslia, que carregam no aspecto
simblico de capital do pas, a Praa dos 3 Poderes, tem uma composio cuja
idia bsica pode ser aproximada s idias urbanas do barroco. A sua localizao
central em relao aos eixos estruturadores da circulao e do fluxo, buscando
concomitantemente a visibilidade do poder.
135
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade, 1966, p.24
Camillo Sitte e Braslia 38
Praa dos 3 Poderes( fonte COSTA, 1995, p. 312)
Os edifcios de escala monumental dos Ministrios garantem um fechamen-
to lateral ao espao aberto da praa; a construo da rodoviria do lado oposto ao
edifcio do Congresso possibilita uma viso perspectica privilegiada. Mas ao fundo
a vista entrecortada do Lago Parano, j interpretada como uma intercomunica-
o entre arquitetura e natureza, do uma noo de extenso, como no cartesia-
nismo dos jardins de Versalhes. uma noo esttica do infinito contrria a viso
finita de Sitte. As dimenses dos espaos abertos so incomparveis, com as res-
tries e fechamentos propostos por Sitte.
Eixo Monumental e Catedral em construo ao fundo a natureza que se torna paisa-gem (fonte, COSTA, 1995, p. 299
Os aspectos ordenadores do plano de Braslia so os eixos de circulao, e
os centros irradiadores de visibilidade, de fluxos, de funes, em torno dos quais
as massas edificadas, como blocos isolados se dispem136
. O sistema virio no
possui ruas corredores, constituem-se ligaes entre pontos, ou centros.
Desenhos do eixos de circu-lao de Braslia .5. cruza-mento do eixo monumental, acesso aos ministrios. 7. eixo residencial e eixo mo-numental (fonte, COSTA, 1995, p. 286)
136
CARDOSO, Adauto Lcio. Construindo a Utopia: Lcio Costa e o pensamento urbanstico no Brasil, Espa-o & Debates, n. 27, 1989
Camillo Sitte e Braslia 39
O lugar projetado como centro de convivncia, so as superquadras - con-
cebidas com o estatuto de unidade de vizinhana. Nas superquadras, entre as
massas construdas fragmentadas pensou-se o local de integrao social. En-
quanto, a Praa dos 3 Poderes era o espao das massas e do poder, e a Rodovi-
ria de passagem, contemplao, fruio desatenta - como em Walter Benjamin,
enfim das trocas entre os vrios setores scio-econmicos da cidade.
Rodoviria de Braslia, projeto Lcio Costa. (fonte, COSTA, 1995, p. 311)
O espao das superquadras, embora mais padronizado e menos enfatica-
mente artstico, menos esttico que o da Praa dos 3 Poderes. E, neste ponto,
justamente embora belo, o plano piloto tem um dinamismo menor que os espaos
previstos por Sitte, ou dos espaos modernos, no pensado como decomposi-
o espacial, e tambm no coloca relao fluida entre interior e exterior des-
tes137
.
137
GIEDION. El Presente Eterno, los comienzos de la Arquitectura, 1981, pp. 490-4
Camillo Sitte e Braslia 40
Viso das superquadras de Braslia e eixo residencial e desenho das unidades de vizinhana de Lcio Costa (fonte COSTA, 1995, p. 308-9)
Camillo Sitte e Braslia 41
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