7/25/2019 cadernos Mcidades 06
1/72
Poltica nacional de mobilidade
urbana sustentvel
Ministrio
das Cidades
Novembro de 2004
6
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
2/72
REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
LUIZ INCIO LULA DA SILVA
Presidente
MINISTRIO DAS CIDADES
OLVIO DUTRA
Ministro de Estado
ERMNIA MARICATO
Secretria-Executiva
JORGE HEREDA
Secretrio Nacional de Habitao
RAQUEL ROLNIK
Secretria Nacional de Programas Urbanos
ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO
Secretrio Nacional de Saneamento Ambiental
JOS CARLOS XAVIER
Secretrio Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana
JOO LUIZ DA SILVA DIAS
Presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos CBTU
AILTON BRASILIENSE PIRES
Diretor do Departamento Nacional de Trnsito Denatran
MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA
Presidente da Empresa de Trens Urbanos de Por to Alegre Trensurb
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
3/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
APRESENTAO
A criao do Ministrio das Cidades representa o reconhecimento do Governo
do presidente Luiz Incio Lula da Silva de que os imensos desafios urbanos do
pas precisam ser encarados como poltica de Estado.
Atualmente cerca de 80% da populao do pas mora em rea urbana e, em
escala varivel, as cidades brasileiras apresentam problemas comuns que foram
agravados, ao longo dos anos, pela falta de planejamento, reforma fundiria,
controle sobre o uso e a ocupao do solo.
Com o objetivo de assegurar o acesso moradia digna, terra urbanizada,
gua potvel, ao ambiente saudvel e mobilidade com segurana, iniciamos
nossa gesto frente ao Ministrio das Cidades ampliando, de imediato, os
investimentos nos setores da habitao e saneamento ambiental e adequando
programas existentes s caractersticas do dficit habitacional e infra-estrutura
urbana que maior junto a populao de baixa renda. Nos primeiros vinte
meses aplicamos em habitao 30% a mais de recursos que nos anos de 1995
a 2002; e no saneamento os recursos aplicados foram 14 vezes mais do que o
perodo de 1999 a 2002. Ainda pouco. Precisamos investir muito mais.
Tambm incorporamos s competncias do Ministrio das Cidades as reas
de transporte e mobilidade urbana, trnsito, questo fundiria e planejamento
territorial.
Paralelamente a todas essas aes, iniciamos um grande pacto de
construo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano PNDU, pautado
na ao democrtica, descentralizada e com participao popular, visando
a coordenao e a integrao dos investimentos e aes. Neste sentido, foi
desencadeado o processo de conferncias municipais, realizadas em 3.457 dos
5.561 municpios do pas, culminando com a Conferncia Nacional, em outubro
de 2003, e que elegeu o Conselho das Cidades e estabeleceu os princpios ediretrizes da PNDU.
Em consonncia com o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares que
espelham a diversidade de segmentos da sociedade civil, foram elaboradas
as propostas de polticas setoriais de habitao, saneamento, transporte e
mobilidade urbana, trnsito, planejamento territorial e a PNDU.
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
4/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
Como mais uma etapa da construo da poltica de desenvolvimento,
apresentamos uma srie de publicaes, denominada Cadernos MCidades,
para promover o debate das polticas e propostas formuladas. Em uma primeira
etapa esto sendo editados os ttulos: PNDU; Participao e Controle Social;
Programas Urbanos; Habitao; Saneamento; Transporte e Mobilidade Urbana;
Trnsito; Capacitao e Informao.
Com essas publicaes, convidamos todos a fazer uma reflexo, dentro
do nosso objetivo, de forma democrtica e participativa, sobre os rumos das
polticas pblicas por meio de critrios da justia social, transformando para
melhor a vida dos brasileiros e propiciando as condies para o exerccio da
cidadania.
Estas propostas devero alimentar a Conferncia Nacional das Cidades, cujo
processo ter lugar entre fevereiro e novembro de 2005. Durante este perodo,
municpios, estados e a sociedade civil esto convidados a participar dessa grande
construo democrtica que a Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Olvio Dutra
Ministro de Estado das Cidades
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
5/72
CIDADE: ESPAO DE PROMOO E EXPANSO DA CIDADANIA 7
A POLTICA DE MOBILIDADE URBANA 9
DIAGNSTICO 17
OBJETIVOS, DIRETRIZES E ESTRATGIA DA POLTICA 47
CONSIDERAES FINAIS 67
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
6/72
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
7/72
Este caderno mais um passo no processo de construo da Poltica Nacional de Mo-
bilidade Urbana Sustentvel. Dadas a profunda desigualdade e excluso scio-espacial
que caracterizam a urbanizao brasileira, o processo participativo de concepo de
polticas pblicas, marca do atual governo federal, visto como uma necessidade para a
elaborao de uma Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano que tenha como fi-
nalidade a produo de cidades mais justas e humanas, lugar da promoo e expanso
da cidadania, do fortalecimento da democracia atravs do acesso universal ao espao
urbano e do desenvolvimento econmico.
A ampla participao da sociedade na proposio, discusso e elaborao da Poltica
Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel necessria para que se forme uma melhor
compreenso daquilo que significa e representa a Mobilidade para o desenvolvimento
urbano. A urbanizao e as polticas urbanas no Brasil foram marcadas por uma viso
setorial. No sentido de transformar esse paradigma que foi criado o Ministrio das
Cidades, para exercer um trabalho de integrao das polticas urbanas atravs da reali-
dade territorial.
Na reunio do Conselho das Cidades de junho de 2004 foram apresentados ao
Comit Tcnico de Trnsito, Transportes e Mobilidade Urbana os documentos com os
princpios e diretrizes para a Poltica Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel e a
Poltica Nacional de Trnsito. A partir de ento, a Secretaria Nacional de Transporte e da
Mobilidade Urbana SeMOB e o Departamento Nacional de Trnsito Denatran pro-
moveram reunies em todas as capitais brasileiras para apresentar esses documentos,
num processo que se revelou importante pelas contribuies agregadas e, sobretudo,
por demonstrar claramente a complementaridade dos temas. De posse dessas contri-
buies foram elaboradas novas verses dos documentos que, em seguida, tiveram
suas diretrizes e princpios aprovados pelo Conselho das Cidades, em setembro de 2004,
e que fazem parte deste caderno.
A presente publicao, em forma de documento para discusso, tem como objetivos
apresentar o atual estgio de evoluo de construo da poltica, as propostas e consen-
sos acerca da mobilidade urbana sustentvel e, apresentar os principais eixos, objetivos e
estratgia da implementao de uma poltica nacional de mobilidade urbana, subsidian-
do, assim, um documento final a ser submetido apreciao do Conselho das Cidades.
O contedo do caderno est dividido em trs partes que sintetizam diferentes con-
tribuies para a formulao da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano da qual a
Poltica de Mobilidade subsidiria.
Primeiro so apresentados subsdios para a compreenso do conceito de mobilidade
em sua relao com a realidade urbana e a definio de Mobilidade Urbana Sustentvel,
CIDADE: ESPAO DE PROMOOE EXPANSO DA CIDADANIA
7 C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
8/72
conforme vem sendo utilizada pelo Ministrio das Cidades. O objetivo disseminar es-
sas idias, permitindo a sua ampla apropriao pela sociedade e a esperada transforma-
o de alguns paradigmas do urbanismo brasileiro.
Segue um amplo diagnstico da questo, apresentando a realidade da mobilidade
urbana nas cidades brasileiras e justificando a importncia da temtica. A partir da, so
apresentados mais insumos para contribuir na construo coletiva da poltica de mobi-
lidade. O processo de formulao da poltica de mobilidade tambm revisto, com o
objetivo de diagnosticar e subsidiar os avanos, as novas proposies e etapas que se
fazem necessrios.
O registro dos principais objetivos da Poltica Nacional de Mobilidade permite a com-
preenso dos princpios que a norteiam, e que esto traduzidos nas Diretrizes da Polti-
ca Nacional de Mobilidade, aprovadas no Conselho Nacional das Cidades.
Finalmente, so apresentadas as estratgias traadas pelo Ministrio das Cidades
como um todo, e pela SeMOB em particular, para a implantao desta Poltica, assim
como os Programas e Aes atualmente em execuo.
8CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
9/72
A poltica deMobilidade Urbana
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
OTO CUSTDIO COIMBRA
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
10/72
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
11/72
Uma exata compreenso das propostas de ur-
banizao e mobilidade deve ser antecedida
por uma breve viso daquilo que, institucio-
nalmente, ao menos nas ltimas dcadas, foi
feito das polticas pblicas urbanas na rea de
transporte, trnsito e mobilidade.
No perodo que vai dos anos 1970 at 1989,o Governo Federal firmou, por algum tempo,
uma relativa integrao da questo urbana a
partir da existncia do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano CNDU. Esse Con-
selho surgiu da Comisso Nacional de Regies
Metropolitanas e Poltica Urbana CNPU
(1974 a 1979) criada, por sua vez, a partir do
primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento
PND que previu a criao de nove Regies
Metropolitanas no pas.
Em 1986 foi criado o Ministrio do Desen-
volvimento Urbano, que reunia as polticas
de saneamento, habitao, poltica urbana e
transportes urbanos, somando inclusive o BNH,
a EBTU e a CNDU. Por razes polticas essa con-
formao foi alterada vrias vezes ao longo dos
cinco anos de governo que se sucederam, ge-
rando ineficincia na capacidade formuladora
de uma poltica pblica para a questo urbana.
No incio dos anos 1990, as polticas de ha-
bitao e saneamento foram transferidas para
o Ministrio da Ao Social, no qual permane-
ceram at o incio de 1995 quando passaram
para a Secretaria de Polticas Urbanas SE-
PURB/MP, vinculada ao Ministrio do Planeja-
mento. J os transportes urbanos, incluindo a
CBTU e a Trensurb, continuaram no Ministrio
dos Transportes.
Em 1999 foi criada a Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano da Presidncia da
Repblica SEDU/PR com a atribuio de
formular, implementar e coordenar as pol-
ticas nacionais de desenvolvimento urbano,
as aes e programas de urbanizao, de
habitao, de saneamento bsico, incluindo o
transporte urbano.
Ao final deste longo perodo em que
houve vrias mudanas institucionais na con-
duo da poltica urbana e, principalmente
durante o final dos anos 80 e incio dos anos
90, quando o processo de urbanizao atingiu
propores ainda mais extraordinrias, perce-
be-se que o tratamento inadequado da ques-
to urbana pelo poder pblico foi um dos
fatores que contriburam para a consolidao
de padres de desenvolvimento urbano que,
atualmente, se configuram como grandes pro-
blemas que precisam ser enfrentados.
Ressalta-se que no fim dos anos 80, devido
crise fiscal e promulgao da Constituio
Brasileira, que determinou a competncia
do tratamento dos transportes urbanos aos
executivos locais, o governo federal extinguiu
a EBTU e, desde ento, os transportes vm
sendo tratados de maneira pontual e dissocia-
da das polticas de habitao e saneamento,
assim como sem dialogar com as polticas
energtica, tecnolgica, ambiental, regional,
econmica e social.1
O Ministrio das Cidades congrega, atual-
mente, todas as polticas pblicas de trnsito
e transporte urbano. rgos que se encontra-
vam dispersos em outros Ministrios, como o
1MCidades/SeMOB/Diretoria de Regulao e
Gesto Poltica Nacional de Mobilidade Urbana
Sustentvel: oportunidades, princpios e diretrizes.
Texto para discusso, abril de 2004.
A ATUAO DO MINISTRIO DAS CIDADES E DA SEMOB
NA IMPLEMENTAO DA MOBILIDADE URBANA
SUSTENTVEL TEM COMO EIXOS ESTRATGICOS QUE
ORIENTAM SUAS AES: O DESENVOLVIMENTO
URBANO E A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL,
A PARTICIPAO SOCIAL E A UNIVERSALIZAO
DO ACESSO AO TR ANSPORTE PBLICO; E
O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E A
MODERNIZAO REGULATRIA DO SISTEMA DE
MOBILIDADE URBANA
11 C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
12/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
12
Denatran no Ministrio da Justia, ou empre-
sas, como a CBTU e a Trensurb, no Ministrio
dos Transportes, passaram a compor a estru-
tura do Ministrio das Cidades, articulados
com a Secretaria Nacional de Transporte e
da Mobilidade Urbana SeMOB, criada junto
com o Ministrio. Essa nova estruturao tem
como um dos seus maiores desafios integrar-
se com as demais polticas pblicas urbanas.
Desta maneira, mais que agregar todo o
setor de transporte urbano, o Ministrio das
Cidades e a SeMOB, em particular, tm como
objetivo consolidar a Poltica de Mobilidade
Urbana Sustentvel e, nesta perspectiva, criar
polticas pblicas transversais, que dem
conta das profundas necessidades das cida-
des brasileiras, contribuindo para o acesso
terra urbanizada, habitao com condies
dignas de saneamento e mobilidade e que
respeitem os princpios de sustentabilidade
ambiental e econmica.
A atuao do Ministrio das Cidades e da
SeMOB na implementao da mobilidade ur-
bana sustentvel tem como eixos estratgicos
que orientam suas aes o desenvolvimento
urbano e a sustentabilidade ambiental, a par-
ticipao social e a universalizao do acesso
ao transporte pblico, e o desenvolvimento
institucional e a modernizao regulatria do
sistema de mobilidade urbana. Para tanto so
definidos alguns instrumentos: poltica fiscal
e investimentos pblicos, desenvolvimento
institucional e capacitao de agentes, lei
de diretrizes e normas complementares de
transporte urbano, informao para melhoria
e aprimoramento da gesto e do controle
A mobilidade corresponde s diferentes
respostas dadas por indivduos e agentes
econmicos s suas necessidades de
deslocamento
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
13/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
13P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
social, instrumentos urbansticos como Planos
Diretores e fomento pesquisa e inovao
tecnolgica.
O Governo Federal pode ainda estimular
os municpios na implantao da mobilidade
urbana sustentvel apoiando projetos que
atendam suas diretrizes; fomentando a im-plantao de programas de mobilidade para
pessoas com deficincia; a utilizao dos
meios no-motorizados de transporte e o
barateamento no custo dos deslocamentos,
principalmente para a populao de mais
baixa renda; implantando programas de ca-
pacitao de tcnicos na rea; realizando o
necessrio Desenvolvimento Institucional do
setor e sua clara e adequada regulao.
O QUE MOBILIDADE URBANA?
Existem vrias definies e acepes acerca
do termo mobilidade. Antes de definir o
escopo do termo em uso nas polticas pbli-
cas do Ministrio das Cidades, e que se quer
aqui difundir como forma de valorizar princ-
pios universais e sustentveis para as cidades
brasileiras, necessrio esclarecer o que vem
a ser mobilidade e as derivaes do termo,
relacionadas, de uma forma ou outra, dura-
o do deslocamento, ao lugar de permann-
cia que o deslocamento implica (origens e
destinos) e s tcnicas colocadas em uso para
sua efetivao.
A mobilidade um atributo associado s
pessoas e aos bens; corresponde s diferen-
tes respostas dadas por indivduos e agentes
econmicos s suas necessidades de desloca-
mento, consideradas as dimenses do espao
urbano e a complexidade das atividades nele
desenvolvidas. Face mobilidade, os indivdu-
os podem ser pedestres, ciclistas, usurios de
transportes coletivos ou motoristas; podem
utilizar-se do seu esforo direto (deslocamen-
to a p) ou recorrer a meios de transporte
no-motorizados (bicicletas, carroas, cavalos)
e motorizados (coletivos e individuais).2
Se a diviso modal se insere como a forma
mais objetiva de se instituir grupos ou classesentre aqueles que se deslocam no espao
cotidiano, para alguns autores essas divises
no devem ter tanto crdito, pois o motorista,
o pedestre e o passageiro so todos papis
passveis de serem representados por um
mesmo indivduo. De toda maneira, neces-
srio considerar tanto a mobilidade quanto o
trnsito em si como processos histricos que
participam das caractersticas culturais de
uma sociedade e que traduzem relaes dos
indivduos com o espao, seu local de vida,
dos indivduos com os objetos e meios em-
pregados para que o deslocamento acontea
e, dos indivduos entre si.
A mobilidade tambm pode ser afetada
por outros fatores como a renda do indivduo,
a idade, o sexo, a capacidade para compreen-
der as mensagens, a capacidade para utilizar
veculos e equipamentos do transporte, todas
essas variveis podendo implicar em reduo
de movimentao permanente ou temporria.
Por todas as razes aqui expostas, ne-
cessrio tratar os deslocamentos no apenas
2Vasconcelos, Eduardo A. Transporte urbano,
espao e eqidade. FAPESP, So Paulo, 1996.
A MOBILIDADE URBANA SUSTENTVEL PODE SER
DEFINIDA COMO O RESULTADO DE UM CONJUNTO DE
POLTICAS DE TRANSPORTE E CIRCULAO QUE VISA
PROPORCIONAR O ACESSO AMPLO E DEMOCRTICO
AO ESPAO URBANO, ATRAVS DA PRIORIZAO
DOS MODOS NO-MOTORIZADOS E COLETIVOS DE
TRANSPORTE, DE FORMA EFETIVA, QUE NO GERE
SEGREGAES ESPACIAIS, SOCIALMENTE INCLUSIVA
E ECOLOGICAMENTE SUSTENTVEL. OU SEJA:
BASEADO NAS PESSOAS E NO NOS VECULOS
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
14/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
14
como a ao de ir e vir, mas a partir do concei-
to de mobilidade, acrescido da preocupao
com a sua sustentabilidade.
A Mobilidade Urbana Sustentvel pode ser
definida como o resultado de um conjunto de
polticas de transporte e circulao que visa
proporcionar o acesso amplo e democrticoao espao urbano, atravs da priorizao
dos modos no-motorizados e coletivos de
transporte, de forma efetiva, que no gere
segregaes espaciais, socialmente inclusiva e
ecologicamente sustentvel. Ou seja: baseado
nas pessoas e no nos veculos.3
Como se vem demonstrando, a Mobilidade
Urbana Sustentvel deve ser entendida de
uma forma ampla, como o resultado de um
conjunto de polticas de transporte, circula-
o, acessibilidade e trnsito, alm das demais
polticas urbanas, cujo objetivo maior est
em priorizar o cidado na efetivao de seus
anseios e necessidades, melhorando as condi-
es gerais de deslocamento na cidade.
A MOBILIDADE URBANA SUSTENTVEL
COMO UM EIXO DA POLTICA DE
DESENVOLVIMENTO URBANO
O conceito de mobilidade que vem sendo
construdo nas ltimas dcadas encontra subs-
tncia na articulao e unio de polticas de
transporte, circulao, acessibilidade e trnsito
com a poltica de desenvolvimento urbano.
Este conceito base para as diretrizes de uma
poltica-sntese, que tem como finalidade pri-
meira proporcionar o acesso amplo e democr-
tico ao espao urbano, de forma segura, social-
mente inclusiva e ambientalmente sustentvel.
A mobilidade urbana, ao congregar em sua
efetivao todas as principais caractersticas da
configurao da cidade, seus equipamentos,
infra-estruturas de transporte, comunicao,
circulao e distribuio, tanto de objetos quan-
to de pessoas, participa efetivamente das possi-
bilidades de desenvolvimento de uma cidade.
Quer devido aos vultosos investimentos
que a circulao despende para sua efeti-vao, quer seja enfocada a determinao e
interdependncia dos sistemas de circulao
com o espao social em sua totalidade, chega
a ser evidente que aes de valorizao da
mobilidade urbana tm reflexo direto no de-
senvolvimento urbano.
Afinal, uma poltica de mobilidade, que
respeite princpios universais e de benefcio
maioria da populao, tem seus resultados
traduzidos em um maior dinamismo urbano,
numa maior e melhor circulao de pessoas,
bens e mercadorias, valorizando a caracters-
tica principal do urbano que ser um espao
de congregao e cruzamento de diferenas,
da criao do novo num ambiente dinmico
e pblico.
A idia de mobilidade, centrada nas pessoas
que transitam ponto principal a ser conside-
rado numa poltica de desenvolvimento urba-
no que busque a produo de cidades justas,
de cidades para todos, que respeitem a liber-
dade fundamental de ir e vir, que possibilitem
a satisfao individual e coletiva em atingir os
destinos desejados, as necessidades e prazeres
cotidianos.
As noes de mobilidade e de desenvol-
vimento urbano, assim definidos, permitem
superar vises arraigadas no urbanismo brasi-
leiro que, historicamente, privilegiou a fluidez
do trnsito para os automveis e, de maneira
quase que exclusiva, foi dirigido apenas para
os grandes centros urbanos. Passa-se, pois, a
considerar no desenvolvimento urbano as de-
mandas de mobilidade peculiares aos usurios
mais frgeis do sistema, como as crianas, as
pessoas com deficincia e os idosos. Alm dis-
3MCidades/SeMOB/Diretoria de Mobilidade Urba-
na A mobilidade urbana sustentvel, texto para
discusso, maro de 2003.
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
15/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
15P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
so, considera-se o fato de que longe dos gran-
des centros urbanos tambm existem cidades,
nas quais vivem pessoas que se locomovem,
muitas vezes em condies precrias, sobre
lombos de animais, em carrocerias de peque-
nos veculos, a p, em vias inadequadas, muitas
vezes sem condies mnimas de segurana.Partindo de uma mudana de foco no trato
da questo inclusive de uma viso setorial do
transporte para uma viso integrada de mobi-
lidade no espao urbano -, os seguintes aspec-
tos so considerados essenciais na construo
de uma poltica de mobilidade, assim como
para uma poltica de desenvolvimento urbano:
a promoo de formas de racionalizao,
integrao e complementaridade de aes
entre os entes federados na organizao do
espao urbano e dos sistemas integrados
de transporte
o fortalecimento institucional, do plane-
jamento e da gesto local da mobil idade
urbana
o reconhecimento da importncia de uma
gesto democrtica e participativa das
cidades no sentido de propiciar formas de
incluso social e espacial
a garantia de maior nvel de integrao e
compromisso entre as polticas de trans-
porte, circulao, habitao e uso do solo a promoo de condies para as dese-
jveis parcerias entre os setores pblico e
privado, que possam responder pelos in-
vestimentos necessrios para suprir as ca-
rncias existentes nos sistemas de transpor-
tes e pactuar mecanismos que assegurem
a prpria melhoria da qualidade urbana
a priorizao de aes que contribuam
para o aumento da incluso social, da qua-
lidade de vida e da solidariedade nas cida-
des brasileiras
A mobilidade centrada nas pessoas que transitam
ponto principal a ser considerado numa po ltica
de desenvolvimento urbano
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
16/72
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
17/72
Diagnstico
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
OTO CUSTDIO COIMBRA
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
18/72
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
19/72
Diversos estudos e pesquisas vm sendo pro-
duzidos em todo o mundo, e tambm no Bra-
sil, acerca da mobilidade urbana, dos modos
de deslocamento adotados em cada lugar e
dos efeitos desta escolha sobre a economia, o
meio-ambiente, a segurana, o bem-estar so-
cial e a prpria qualidade de vida nas cidades.O seguinte diagnstico acerca da mobilida-
de urbana no Brasil no pretende ser exaustivo,
que abarque a totalidade das variveis que fa-
zem parte da questo e, tampouco, tem a pre-
tenso de realizar uma radiografia minuciosa
da mobilidade urbana no contexto de diferen-
as to profundas quanto as representadas por
cada um dos 5.561 municpios brasileiros.
O objetivo deste diagnstico trazer ao
debate os elementos que fundamentam as
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
19P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
opes estratgicas adotadas para enfrentar a
questo e permitir uma melhor compreenso
tanto da importncia do tema, quanto das
diretrizes para a formulao da poltica de
mobilidade sustentvel, aprovada na reunio
do Conselho das Cidades realizada em setem-
bro de 2004.Desta forma, pretende-se identificar no
processo de urbanizao os problemas e
desafio que vm sendo enfrentados pelo Mi-
nistrio das Cidades na formulao da Poltica
Nacional de Mobilidade Urbana Sustentvel,
subsidiria e integrante da Poltica Nacional de
Desenvolvimento Urbano.
O processo de urbanizao acelerada p or qual
passou o pas, alm de prom over a transferncia
populacional da rea rural para a urbana,
concentrou boa parte deste s fluxos migratrios
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
20/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
20
EXPANSO URBANA E O MODELO
DE TRANSPORTE E CIRCULAO
O Brasil um pas marcado por profundas
desigualdades e por uma enorme diversida-
de scio-espacial. Essas marcas podem ser
evidenciadas em todas as escalas, entre asdiversas regies do pas, entre os 27 Estados
da federao, entre cada um dos 5.561 muni-
cpios e, inclusive de forma intensa, interna-
mente a cada um desses entes federados que
representam o poder local.
A populao brasileira atualmente em
grande medida (82%) urbana, sendo que 70%
desses brasileiros se concentram em apenas
10% do territrio. A concentrao urbana fica
mais bem explicitada quando se constata queapenas 455 municpios pouco mais de 8%
dos 5.561 somam mais de 55% do total de
habitantes do pas. As nove principais Regies
Metropolitanas concentram 30% da popula-
o urbana e, particularmente, a grande par-
cela dos mais pobres. Dessa forma, as grandes
aglomeraes urbanas revelam com maior
profundidade a caracterstica desigual do pas,
concentrando a pobreza e a riqueza, muitas
vezes no mesmo territrio.O processo de urbanizao acelerada
por qual passou o pas, alm de promover a
transferncia populacional da rea rural para
a urbana, concentrou boa parte destes fluxos
migratrios. Nas Regies Metropolitanas, so-
bretudo, desencadeou-se um padro de urba-
nizao de expanso horizontal. Este modelo
de desenvolvimento urbano crescimento
atravs de expanso permanente, de baixa
densidade, da fronteira urbana foi impulsio-nado pelo planejamento, pelas polticas de
financiamento e produo habitacional e das
infra-estruturas dos sistemas de circulao e
de saneamento.
A disponibilidade de crdito a juros subsi-
diados, voltada sempre para a produo de
imveis novos, permitiu classe mdia das
grandes cidades constituir novos bairros e
centralidades nas cidades gerando, alm da
expanso horizontal, o paulatino esvaziamen-
to dos centros tradicionais. Do ponto de vista
da estratgia de produo e financiamento
das infra-estruturas, os centros tradicionais
foram abordados apenas como centros eco-
nmicos saturados, devendo ser objeto dedescentralizao das atividades, inclusive
administrativas.4
Para os setores de menor renda, a alterna-
tiva do loteamento ou conjunto habitacional
perifrico (lotes, apartamentos ou casas pr-
prias) consagrou-se como sendo a opo, jus-
tificada pelo impacto do preo mais baixo dos
terrenos na franja externa das cidades.
A poltica habitacional como um todo,
praticada por agentes pblicos, privados e,inclusive, de forma irregular e/ou ilegal, seguiu
a mesma lgica, gerando um desenho de pro-
duo das infra-estruturas na mesma direo.
No entanto, para os mais pobres, ao contrrio
das novas centralidades de classe mdia, a
proviso da infra-estrutura tem se dado sem-
pre posteriormente.5
4ROLNIK, Raquel e BOTLER, Milton Por uma pol-
tica de reabilitao de centros urbanos. Revista
culum, So Paulo, 2004.5CARDOSO, Adauto A produo e a reproduo
de assentamentos precrios. Paper encaminha-
do ao Ministrio das Cidades, 2003. MARICATO,
Ermnia Brasil Cidades, alternativas para a crise
urbana. Vozes, Petrpolis, 2001.
PARA OS SETORES DE MENOR RENDA, A ALTERNATIVA
DO LOTEAMENTO OU CONJUNTO HABITACIONAL
PERIFRICO (LOTES, APARTAMENTOS OU CASAS
PRPRIAS) CONSAGROU-SE COMO SENDO A OPO,
JU ST IF IC AD A PE LO IM PAC TO DO PR E O MA IS BA IX O
DOS TERRENOS NA FRANJA EXTERNA DAS CIDADES
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
21/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
21P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
Este modelo de urbanizao, tpico das
metrpoles brasileiras, atualmente reprodu-
zido nas mais diversas cidades, de todos os
tamanhos. Combinado com outras formas de
expanso do urbano e de criao de novas
cidades, o modelo resulta num territrio pro-
fundamente desigual, com uma diversidadeenorme de caractersticas e dinmicas que
torna a formulao e a execuo de polticas
um enorme desafio, sobretudo a partir da es-
fera federal. Alm disso, tal modelo de expan-
so tem fortes impactos negativos na mobili-
dade, uma vez que sobrecarrega os sistemas
de transportes devido ao aumento constante
das distncias a serem percorridas.
nesse sentido que se entende a importn-
cia do debate acerca de polticas que possibi-
litem sociedade questionar e refletir sobre o
futuro desejado para a mobilidade cotidiana.
At mesmo pequenas e mdias cidades vivem,
hoje, problemas ligados circulao motoriza-
da, reproduzindo modelos insustentveis do
ponto de vista ambiental e scio-econmico
adotados nas grandes cidades.
CRESCIMENTO PERIFRICO,FRAGMENTAO URBANA E IMPACTO
NAS REDES DE CIRCULAO
Em diversas cidades brasileiras, nas ltimas
dcadas, constata-se uma piora na qualidade
do transporte coletivo urbano. Entre outros
motivos pode-se apontar a falta de uma rede
de transporte integrada, que atenda aos dese-
jos de deslocamento da populao e permita
a racionalizao dos deslocamentos segundo
modos diversos de transporte adaptados a
cada um dos motivos das viagens.
No entanto, a principal razo para tal fato
est vinculada ao processo contnuo de cres-
cimento perifrico das cidades, que se des-
centralizaram e se conurbaram, tornando-se
multinucleadas, com atividades dispersas e pul-
verizadas em uma grande mancha urbana. Na
maior parte das grandes cidades esse processo
no foi devidamente acompanhado pela rede
de transporte que, aos poucos, foi deixando de
atender aos desejos e necessidades de desloca-
mento de grande parcela da populao.
A ocupao irracional do solo urbano, que
deixa reas vazias ou pouco adensadas nas
reas mais centrais e ocupa periferias mais
distantes, resultado da dissociao entre o
planejamento do transporte, a ocupao do
solo e a especulao fundiria no controlada.
Para alm do planejamento da rede, pode-
se apontar tambm uma forma de relao
patrimonialista das empresas operadoras em
relao s linhas de nibus, na qual o opera-
dor se sente o proprietrio da linha que opera
e dos itinerrios percorridos, defendendo de
forma muitas vezes intransigente o seu ter-
ritrio e dificultando a implementao de
A ocupao irracional do solo urbano resultado
da dissociao entre o planejamento do
transporte, a ocupao do solo e a especulao
fundiria no controlada
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
22/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
22
reestruturaes das redes de transporte, so-
bretudo formas de intermodalidade que somuitas vezes vistas como possveis formas de
competio.
Essa competio entre os diversos modos
de transporte historicamente constatada no
Brasil e, muitas vezes, traduz-se numa compe-
tio por recursos pblicos para a implantao
das necessrias redes de transporte. Dessa
forma, o urbanismo brasileiro sente at hoje as
dificuldades de implantao de polticas de in-
tegrao entre redes de transporte, impedindo
a necessria intermodalidade como forma de
propiciar mobilidade e romper com o modelo
automobilstico de deslocamento, que drena a
maior parte dos investimentos pblicos.
Alm disso, o transporte coletivo urbano, da
forma como hoje planejado e produzido, fun-
ciona como indutor, nem sempre involuntrio,
da ocupao irracional das cidades. Ou seja,
mesmo com baixo controle pblico, o transpor-
te permanece como determinante da possibi-
lidade de ocupao e consolidao de novos
espaos, s que nesse caso, sem haver o contro-
le pblico, servindo a interesses particulares em
detrimento do interesse pblico e coletivo.
Portanto, de fcil constatao que o
transporte urbano, sendo inserido no plane-
jamento integrado das cidades, incorporando
os princpios da sustentabilidade plena e ten-
do o seu planejamento e controle submetido
aos interesses da maioria da populao, pode
se tornar um relevante e eficaz instrumento
de reestruturao urbana e vetor da expanso
controlada ou direcionada das cidades.Alm disso, o modelo de mobilidade ado-
tado nos grandes centros urbanos brasileiros
que vem, de forma quase natural, sendo
reproduzido pelas cidades de porte mdio,
favorece o uso do veculo particular, reforan-
do o espraiamento das cidades e a fragmen-
tao do espao devido flexibilidade dos
deslocamentos automobilsticos. Dessa forma,
cidades se estruturam e se desenvolvem para
acolher, receber, abrigar o veculo particular e
assegurar-lhe a melhor condio possvel de
deslocamento nas reas urbanas.
A INTEGRAO SETORIAL,
INSTITUCIONAL E TERRITORIAL
DAS POLTICAS
As cidades brasileiras, como j citado, vm
adaptando h vrias dcadas o uso do solo
urbano para a prtica da circulao automo-
bilstica. A transformao dessa realidade
implica na vinculao da poltica de trnsito
a uma nova forma de prtica urbana, ou seja,
a uma nova forma de se viver a cidade. A
transformao pretendida das cidades bra-
sileiras ser iniciada quando as polticas de
circulao passarem a se ocupar efetivamente
do uso do solo, compreendendo que diversos
equipamentos urbanos como se apresentam
na atualidade, apenas existem em funo do
automvel, reforando seu uso.
necessrio ter-se em mente a relao biu-
nvoca do uso do solo com o trnsito e o trans-
porte, pois cada edificao gera uma necessi-
dade diferente de deslocamento, que deve ser
atendida e, por outro lado, a movimentao de
O MODELO DE MOBILIDADE ADOTADO NOS GRANDES
CENTROS URBANOS BRASILEIROS QUE VEM, DE
FORMA QUASE NATURAL, SENDO REPRODUZIDO
PELAS CIDADES DE PORTE MDIO, FAVORECE O
USO DO VECULO PARTICULAR, REFORANDO O
ESPRAIAMENTO DAS CIDADES E A FRAGMENTAO
DO ESPAO DEVIDO FLEXIBILIDADE DOS
DESLOCAMENTOS AUTOMOBILSTICOS. DESSA FORMA,
CIDADES SE ESTRUTURAM E SE DESENVOLVEM PARA
ACOLHER, RECEBER, ABRIGAR O VECULO PARTICULAR
E ASSEGURAR-LHE A MELHOR CONDIO POSSVEL DE
DESLOCAMENTO NAS REAS URBANAS
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
23/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
23P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
veculos, pessoas e cargas interfere na implan-
tao e utilizao das edificaes.
O desenvolvimento urbano mal planejado
ou planejado de forma a atender os interesses
de uma pequena parcela da populao (inves-
tidores e especuladores do solo urbano) tem
contribudo para estabelecer um quadro dedeteriorao da mobilidade e qualidade de
vida nas cidades. Se por um lado necessrio
que se exera o controle do espraiamento
urbano, como forma de reduzir distncias de
deslocamento e custos do transporte cole-
tivo, incorporando ao planejamento urbano
princpios que atuem como inibidores do
crescimento desordenado, como os previstos
no Estatuto das Cidades, por outro lado
necessrio que exista um planejamento dos
transportes integrado aos demais setores
responsveis pela produo das cidades,
planejando seu crescimento a partir do uso
e da ocupao do territrio. Isso quer dizer
que as polticas pblicas devem se pautar por
princpios equnimes de urbanizao, levada
a cabo em cada novo loteamento e parcela-
mento do solo.
Nesse sentido, a associao, atravs do
planejamento integrado, entre o controle
e a gesto pblica dos transportes, a com-
preenso das lgicas que racionalizam o
uso do solo e a incorporao dos princpios
de Mobilidade Urbana Sustentvel, podem
formar as bases de um novo planejamento,
com maior sinergia e efetividade, das cidades
brasileiras.
Os principais desafios de tal poltica de
mobilidade e de uso e ocupao do solo so
os seguintes:
Consolidar e regularizar os centros, reas j
ocupadas e as parcelas informais da cidade,
promovendo maior aproveitamento da
infra-estrutura j instalada, maior densifica-
o e aliviando a presso por novas ocupa-
es perifrica
Ter planejamento e gesto sobre o cres-
cimento das cidades, de modo que se
oriente a ampliao da mancha urbana do
ponto de vista do interesse pblico
Controlar a implantao de novos empre-
endimentos pblicos e privados, condicio-
nando-os a internalizar e minimizar os im-pactos sobre o ambiente urbano, trnsito
e transporte.
Garantir o uso pblico do espao urbano,
priorizando o pedestre, solucionando ou
minimizando conflitos existentes entre a
circulao a p e o trnsito de veculos,
oferecendo qualidade na orientao, sinali-
zao e no tratamento urbanstico de reas
preferenciais para o seu deslocamento
Implantar obras e adequaes virias parapriorizao dos modos de transporte no-
motorizados e coletivos
Por outro lado, o investimento em forta-
lecimento e desenvolvimento institucional
requerido para que tais medidas possam ser
implantadas no isolado e tampouco se res-
tringe gesto do trnsito ou do transporte
pblico, mas abrange outras reas da gesto
municipal. Os municpios, de forma geral,
necessitam estruturar-se e capacitar-se para
planejar e controlar o desenvolvimento dos
espaos urbanos.
O crescimento, em muitos casos, ocorre
sem nenhuma forma de controle ou de re-
gulamentao sobre o uso e ocupao do
solo, sobre a expanso das infra-estruturas ou
mesmo sobre a implantao de novos equipa-
mentos, sendo guiado de acordo com as leis
de mercado referentes ao valor da terra e aos
nveis relativos de acessibilidade.
A histrica dificuldade de incorporar a idia
de mobilidade urbana ao planejamento ur-
bano e regional tambm est entre as causas
da crise de qualidade das cidades brasileiras,
contribuindo fortemente para a gerao dos
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
24/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
24
cenrios atuais onde se constatam cidades
insustentveis do ponto de vista ambiental
e econmico.
MOBILIDADE URBANA E A QUESTO
METROPOLITANA
Os problemas de mobilidade urbana no espa-
o metropolitano se explicam atravs do pro-
cesso de metropolizao que caracterizou o
desenvolvimento urbano do pas nas ltimas
trs ou quatro dcadas. Alm da progressiva
expanso demogrfica e espacial destas me-
gacidades, dois fatores se destacam: as op-
es e prioridades dos investimentos pblicos
em relao a cada um dos diferentes modos
de transporte e a incapacidade de equaciona-
mento institucional da gesto metropolitana,
em especial nos aspectos relativos mobilida-
de das pessoas e das mercadorias.
Verificam-se trs fases distintas na for-
mao das metrpoles no Brasil. A pr imeira
vai de 1973, quando foram institudas pelo
governo federal as nove regies metropoli-
tanas, at 1988, com a promulgao da nova
Constituio. Nesse perodo, houve forte
centralizao da regulao e do financia-
mento pelo governo federal, cabendo aos
estados a responsabilidade de implementar
polticas metropolitanas. Esse modelo foi si-
mtrico para todas as regies metropolitanas,
havendo em cada uma delas a necessidade
de realizar planos associados ao reconhe-
cimento tcnico das prprias realidades, o
que aconteceu com a criao das empresas
metropolitanas de planejamento. No entanto,
esses planos foram produzidos sob a gide
dos estados, no refletindo as particulari-
dades dos municpios e, tampouco, criando
um ambiente para a ao coordenada das
A falta de um organismo metropolitano
que coordene e integre os transportes
nessas regies interfere na crise da
mobilidade, gerando muitos problemas
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
25/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
25P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
aes. No que diz respeito organizao do
transporte pblico urbano nessas regies,
ainda na dcada de 1970, so previstas as Em-
presas Metropolitanas de Transporte Pblico
(EMTU), com a proposta de integrar a rede
de transportes metropolitanos nos aspectos
fsicos, operacionais, tarifrios e institucionais.A segunda fase marcada pela Constituio
de 1988 e caracterizada pela retrao dos in-
vestimentos federais e pela descentralizao
e fortalecimento dos governos locais. Na es-
cala da Unio, a coordenao dos transportes
ficou a cargo do Ministrio dos Transportes e,
nas escalas estaduais e municipais, verifica-se
uma quase completa ausncia da questo
metropolitana na agenda dos governos. Em
meados dos anos 1990, h uma terceira fase
de trato da questo metropolitana, quando
os estados passam a tomar certas medidas de
institucionalizao.
Alguns dos principais obstculos organi-
zao metropolitana do transporte verificados
desde a criao das EMTUs persistem at os
dias de hoje:
conflitos de competncia no exerccio da
coordenao sobre os modos de transpor-
te metropolitanos
os modos ferrovirios urbanos ainda perma-
necem sob a tutela federal (trens metropoli-
tanos de Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte
e demais trens de subrbio das capitais) ou
estadual (metrs de So Paulo e Rio) sendo
que, de acordo com a Constituio de 1988,
competncia municipal a estruturao e
coordenao dos servios locais de trans-
porte urbano, faltando mecanismos para
que a organizao possa ocorrer quando os
deslocamentos se do entre municpios
fragilidade da organizao metropolitana,
que passou a se constituir em uma es-
pcie de quarta instncia de poder, sem,
entretanto, dispor de recursos financeiros
prprios nem de autonomia administrativa,
porm com forte polarizao ou concen-
trao de poder poltico das e nas capitais
acirramento de conflitos de interesse pela
gesto de recursos financeiros
A falta de um organismo metropolitano
que coordene e integre os transportes nessas
regies interfere na crise da mobilidade,
gerando entre outros problemas:
distribuio heterognea da rede, com rela-
tivo excesso de oferta nas reas mais aden-
sadas ou mais prximas da regio central e
falta de atendimento adequado nas regies
perifricas, no correspondendo s necessi-
dades e desejos de deslocamento da maior
parcela da populao
falta de integrao fsica e tarifria entre os
modos
superposio de redes, de interesses e
disputas, inclusive polticas
Segundo o Art. 25 da Constituio Brasi-
leira, a atual competncia de instituir e regu-
lamentar as Regies Metropolitanas est a
cargo dos Estados. Porm, aps a aprovao
da Constituio, o devido Artigo no foi regu-
lamentado, no havendo uma definio clara
das caractersticas bsicas de uma Regio Me-
tropolitana. Assim, ficou a cargo dos Estados
PREVALECE NO PAS, A AUSNCIA DE UMA
GESTO INTEGRADA E COMPARTILHADA (GESTO
METROPOLITANA). OS ESTADOS QUE INVESTIRAM
NESSA FORMA DE GESTO, VIA DE REGRA, SUAS
AES SE RESTRINGIRAM A SERVIOS ESPECFICOS,
NO HAVENDO O PLANEJAMENTO URBANO
METROPOLITANO. CONSTITUI-SE UM DESAFIO DIRIO
PARA AS REGIES METROPOLITANAS BRASILEIRAS,
PROVER TRANSPORTE DE QUALIDADE AOS SEUS
HABITANTES E FAZER COM QUE UM CONTINGENTE DE
MILHES DE PESSOAS TENHA ACESSO DIARIAMENTE
S ATIVIDADES URBANAS
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
26/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
26
regulament-las, conforme suas especificida-
des e interesses.
Dessa forma, na medida que o poder de
ao institucional e de gesto restringe-se ao
Estado, os Municpios ficaram, na maioria dos
casos, alijados das decises metropolitanas,
enfraquecendo a participao do poder local,o que tem dificultado o enfrentamento das
questes. Prevalece, assim, no Pas, a ausncia
de uma gesto integrada e compartilhada
(gesto metropolitana) e, nos casos em que
os Estados investiram nessa forma de gesto,
via de regra, suas aes se restringiram a servi-
os especficos, no havendo o planejamento
urbano metropolitano.
Constitui-se um desafio dirio para as
Regies Metropolitanas brasileiras, prover
transporte de qualidade aos seus habitantes e
fazer com que um contingente de milhes de
pessoas tenha acesso diariamente s ativida-
des urbanas.
O recente seminrio realizado pela SeMOB
em parceria com o BNDES sobre Mobilida-
de Urbana em Regies Metropolitanas, em
dezembro de 2003, bem como as recentes
audincias pblicas sobre Transporte e sobre
Regies Metropolitanas promovidas pela Co-
misso de Desenvolvimento Urbano e Interior
da Cmara dos Deputados CDUI, convergi-
ram em apontar a r iqueza e complexidade da
gesto metropolitana, e, tambm, a urgente
necessidade de seu enfrentamento com apoio
federal. Tal afirmao reforada com os re-
sultados do Seminrio Internacional O Desa-
fio da Gesto das Regies Metropolitanas em
Pases Federados promovido em 2004 pela
Casa Civil, com a participao de diversos mi-
nistrios, inclusive do Ministrio das Cidades.
H, portanto, um enfrentamento para alm
do plano local e que precisa de urgente abor-
dagem, que o planejamento e gesto em
escala metropolitana. exatamente aqui que
o tema mobilidade urbana pode dar as suas
mais ricas contribuies. Integrar as gestes
estadual/metropolitana e municipal, raciona-
lizar o uso de vias e a circulao de veculos,
evitar superposio de linhas, integrar modos,
viabilizar tarifas mdicas, induzir o cidado
a usar alternativas ao transporte individual,
efetuar o planejamento, o controle e a gestoda rede metropolitana de transporte pblico
so alguns dos itens da agenda metropolitana
que certamente contribuiriam muito para ra-
cionalizar o uso de recursos pblicos, diminuir
a poluio ambiental, aumentar a produtivida-
de urbana, dar amplo acesso a servios como
sade, educao, lazer e, conseqentemente,
melhorar a qualidade de vida e contribuir para
a promoo da incluso social.6
O DESAFIO DA INTERMODALIDADE
NOS TRANSPORTES URBANOS
A qualidade do transporte coletivo urbano tem
se deteriorado nos ltimos anos tambm por
falta de uma rede de transporte bem estrutura-
da e integrada de tal forma que atenda aos de-
sejos de deslocamento da populao segundo
modos adaptados aos motivos de viagens.
Sabe-se que, por um lado, o processo ace-
lerado de urbanizao no foi devidamente
acompanhado pela rede de transporte e, por
outro, que a ocupao desordenada do solo
urbano, com a existncia de reas vazias nos
centros, combinadas ocupao de reas
cada vez mais distantes, revela a dissociao
entre transporte e ocupao do solo, oneran-
do e dificultando o atendimento.
Essas caractersticas da urbanizao brasi-
leira, somadas a aspectos especficos relacio-
nados com cada um dos modos de transporte
urbano, tm influenciado tambm a fraca
6MCidades/SeMOB/DENATRAN Plano de Ao
de Mobilidade Urbana em Regies Metropolitanas,
maio de 2004.
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
27/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
27P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
existncia de intermodalidade nos desloca-
mentos urbanos.
Dessa forma, nas cidades brasileiras, de ma-
neira geral, o privilgio ao uso do automvel
particular esteve associado maneira mais
simples e barata de viabilizar uma forma cole-
tiva de transporte, no caso os nibus, que seutilizam, via de regra, da mesma infra-estrutu-
ra dos automveis.
Mas a questo da baixa intermodalidade
dos sistemas de transportes nas cidades brasi-
leiras est vinculada a diversos outros fatores,
entre eles institucionais, como j revelados
para as Regies Metropolitanas, e mesmo
aspectos culturais, que definem o pedestre
como cidado de segunda categoria, no
viabilizando suas viagens, que representam a
forma mais simples de se propiciar a ligao
entre modos distintos de transporte.
As maiores dificuldades encontradas para a
implantao de sistemas intermodais encon-
tram-se na anlise fragmentada acerca dos sis-
temas de mobilidade, que resulta em solues
fragmentadas ou pontuais.
Os sistemas sobre trilhos vinculados ao Mi-
nistrio das Cidades tiveram sua implantao
At mesmo pequenas e mdias cidades vivem,
hoje, problemas ligados circulao motorizada,
reproduzindo modelos insustentveis do ponto
de vista ambiental e scio-econmico
iniciada na dcada de 1980. No incio da dca-
da de 1990, como parte da poltica de descen-
tralizao, o governo federal decidiu realizar
investimentos ampliando os sistemas existen-
tes com o objetivo de transferi-los aos esta-
dos. Os recursos para os novos investimentos
foram obtidos atravs de financiamento juntoao Banco Mundial, com contrapartida da
Unio. Entre os sistemas nominados o nico
que no integrou o programa de financiamen-
to foi o de Porto Alegre, que ora desenvolve
seu projeto de expanso no contexto de uma
rede estrutural para a regio metropolitana.
Embora no processo de descentralizao
houvesse compromissos dos governos locais
com a implantao de rgos de coordena-
o regional de transporte, e a necessidade
de estratgias integradas de desenvolvimen-
to urbano e planos regionais de transporte
pblico, excetuando a regio de Recife (que
elaborou uma rede estrutural integrada e est
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
28/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
28
em fase de implantao de uma estrutura
institucional metropolitana de planejamento e
gesto do transporte), os demais estados no
cumpriram esses objetivos.
Os principais sistemas sobre trilhos vincula-
dos ao Ministrio das Cidades atravs da CBTU
e Trensurb (Recife, Belo Horizonte, Fortaleza,
Salvador e Porto Alegre) so, atualmente,
subsidiados, sendo a cobertura de parcela de
seus custos supridos com recursos do tesouro
federal. Contribui para o nvel atual dos sub-
sdios a inadequada integrao dos sistemas
sobre trilhos em redes multimodais, conforme
apontado.
Porto Alegre est executando estudo
estratgico de integrao do transporte da
RMPA, que tem como objetivo a obteno
de uma rede estrutural integrada de mdia
e alta capacidade e um modelo institucional
permanente para a coordenao e integrao
do transporte. Tais estudos esto sendo con-
duzidos pelo Grupo Executivo de Integrao
GEI que conta com representantes dos trs
nveis de governo.
A implementao das diretrizes e metas
definidas no Estudo de Planejamento Estra-
tgico de Integrao do Transporte Pblico
Coletivo da RMPA ser detalhada no Plano
Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana
PITMUrb,da Regio Metropolitana de Porto
Alegre.
Atualmente, a Companhia Brasileira de
Trens Urbanos (CBTU), vinculada ao Ministrio
das Cidades, administra linhas de trens em 6
capitais do pas, todas elas apresentando difi-
culdades.
Pesquisa recente conduzida pela ANTP nas
principais capitais brasileiras que possuem
sistemas metro-ferrovirios, diagnostica a situa-
o atual da insero dos sistemas sobre trilhos
no contexto do transporte metropolitano:
redes de nibus municipais, intermunici-
pais e os sistemas sobre trilhos no estoplanejados como sistemas funcionais com-
plementares
h sobreposio de linhas de nibus e tri-
lhos urbanos
a infra-estrutura fsica para a integrao
modal, em muitas situaes, inadequada
ou inexiste
as redes existentes, quando tomadas no
seu conjunto, geram desequilbrios espa-
ciais e temporais, onerando os usurios do
sistema de transporte
os sistemas de bilhetagem eletrnica que
vm sendo implantados, no so projeta-
dos com foco na integrao tarifria dos
modos
As redes e os modos aqui apresentados e
a integrao necessria entre cada um deles
apenas pode se efetivar quando forem consi-
derados todos os demais modos de transpor-
te que compem o cotidiano de determinada
cidade. Dessa forma, a integrao deve consi-
derar com nfase o papel da marcha a p e o
uso de bicicletas como modos de integrao
entre os demais modos, o que implica em
possibilitar sua prtica segura e agradvel.
Alm disso, deve-se considerar a existncia de
mecanismos de informao das possibilidade
de intermodalidade existentes, indicando
caminhos e acessos, assim como custos e
benefcios. Os demais modos de transporte,
incluindo os automveis, devem ser conside-
rados no exerccio da intermodalidade, lem-
brando sempre que para cada tipo ou motivo
de viagem pode-se propor uma forma melhor
adaptada de realizar o deslocamento.
ATUALMENTE, A COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS
URBANOS (CBTU), VINCULADA AO MINISTRIO
DAS CIDADES, ADMINISTRA LINHAS DE TRENS EM
6 CAPITAIS DO PAS, TODAS ELAS APRESENTANDO
DIFICULDADES
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
29/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
29P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
PRINCIPAIS DESECONOMIAS E CUSTOS
SOCIAIS DO MODELO DE CIRCULAO
O modelo de circulao automobilstica e o
urbanismo a ele combinado tem se mostra-
do ineficiente e ineficaz em todos os lugares
onde foi implantado. Vrias grandes cidadesbrasileiras que j investiram milhes em infra-
estrutura de vias, tneis e viadutos tm visto
os seus esforos e recursos serem transforma-
dos em outros vrios milhes gastos em horas
de congestionamentos e poluio ambiental.
Apesar dos investimentos serem sempre com
o objetivo de melhorar o fluxo de veculos,
somente em curtssimo prazo essa inteno
se concretiza, pois, a melhoria se traduz ime-
diatamente em estmulo maior utilizao dotransporte individual.
Segundo estudo do IPEA7, realizado em 10
cidades brasileiras, as condies desfavorveis
de trnsito levam a trs principais tipos de
deseconomias:
Tempo: a cada ano corresponde um custo
de 250 milhes de horas para os usurios
de automveis e 120 milhes para os usu-
rios de nibus
Consumo excessivo de energia: os conges-tionamentos causam um consumo excessi-
vo de 190 mil litros de gasolina e de cinco
mil litros de diesel na hora de pico, o que
corresponde, por ano, a um gasto excessivo
de 200 milhes de litros de gasolina e 4
milhes de litros de diesel
Poluio: os automveis so responsveis
pela emisso excessiva de 90 toneladas de
CO (122 mil ton/ano)
O conhecimento dos custos externos asso-
ciados ao setor de transportes que afetam o
meio ambiente, como poluio atmosfrica,
aumento do efeito estufa e aumento do n-
mero de acidentes de trnsito importante
para que essas externalidades sejam previstas
nos processos de planejamento e avaliao
de sistemas de transporte. O conhecimento
desses custos pode tambm orientar a formu-
lao de polticas pblicas que visem atenuarimpactos e reduzir os custos gerados pelos
sistemas de transporte e, dessa forma, otimi-
zar a aplicao dos recursos pblicos.
No caso do sistema de transporte rodovi-
rio, o uso de combustveis fsseis o principal
responsvel pela m qualidade do ar nas
cidades, alm de ser o principal contribuinte
dos gases de efeito estufa. Na Regio Metro-
politana de So Paulo, em 1995, os veculos
automotores contriburam com 98% das emis-
ses de monxido de carbono, 97% de hidro-
carbonetos (HC), 97% de xidos de nitrognio
(NO), e 85% de xidos de enxofre (S) e 40% de
particulados.
A gravidade do problema se expressa por
meio dos prejuzos sade da populao em
geral e, em particular, das pessoas idosas e das
crianas. O monxido de carbono (CO), por
exemplo, provoca tonturas, dores de cabea,
sono, reduo dos reflexos e perda da noo
de tempo. Alm disso, um dos principais
responsveis por acidentes de trfego em
reas de grande concentrao, aumentando o
estado de morbidez das pessoas idosas. Outras
emisses como os hidrocarbonetos e o xido
de nitrognio provocam irritao nos olhos, no
sistema respiratrio, produzindo alergia, asma,
bronquite crnica e reduo de visibilidade.
O processo decisrio e as polticas pblicas
devem considerar as deseconomias e externali-
dades prprias a cada um dos modos de trans-
porte. Segundo estudo da ANTP, o automvel
tem um gasto 12,7 vezes maior de energia do
que o nibus, gera 17 vezes mais poluio,
consome 6,4 vezes mais espao na via e gera
um custo de transporte oito vezes maior que o
7IPEA/ANTP Reduo das deseconomias ur-
banas com a melhoria do transpor te pblico no
Brasil. 1998
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
30/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
30
nibus, todos os dados relativos ao nmero de
passageiros por quilmetro transportado.
Dessa forma, a adaptao das cidades para
o uso intensivo do automvel tem levado violao no apenas dos princpios econmi-
cos, mas tambm, das condies ambientais,
da qualidade das reas residenciais e de uso
coletivo, bem como degradao do pa-
trimnio histrico e arquitetnico, devido
abertura de novas vias, ao remanejamento do
trfego para melhorar as condies de fluidez
e ao uso indiscriminado das vias para o trnsi-
to de passagem.
Por outro lado, a incompatibilidade entre o
ambiente construdo das cidades, o comporta-
mento dos motoristas, o grande movimento de
pedestres sob condies inseguras, faz o Brasil
deter um dos mais altos ndices de acidentes
de trnsito em todo o mundo. A gravidade do
problema se revela tanto no nmero absoluto
de acidentes quanto nas taxas proporcionais
frota veicular e s populaes consideradas.
Sem dvida a face mais perversa do trn-
sito se apresenta nos acidentes, que assom-
bram, sobretudo, pela dimenso humana.
Os dados oficiais mostram que a cada ano so
produzidos mais de um milho de acidentes
no Brasil, mais de 33 mil pessoas so mortas
e cerca de 400 mil so feridas, sendo que 120
mil tornam-se invlidas em ocorrncias de
trnsito. Dos mortos, 50% so pedestres, ciclis-
tas ou motociclistas, a parcela mais vulnervel
nas vias urbanas. De 1961 a 2000, o nmero de
feridos no trnsito multiplicou-se por quinze e
o de mortos por seis. A falta de punio ime-
diata refora o desrespeito pela vida.
As primeiras medidas de impacto na segu-rana veicular adotadas no Brasil datam ape-
nas do incio da dcada de 1990, com a obri-
gatoriedade do uso do cinto de segurana em
todo o territrio nacional, seguida da aprova-
o do Cdigo de Trnsito Brasileiro, adaptado
para as transformaes que ocorreram nos
ltimos anos no trnsito e nos veculos.
Ainda que essas e outras medidas tenham
produzido impacto e gerado redues na gra-
vidade dos acidentes, muito h que se fazer
na questo da segurana do trnsito no Brasil.
Quantitativamente, os acidentes de trnsito
representam o segundo maior problema de
sade pblica no Brasil, s perdendo para a
desnutrio, sendo que a Organizao Mun-
dial da Sade (OMS) alerta e prev que, daqui
a 20 anos, os acidentes de trnsito representa-
ro a terceira maior causa mundial de mortes.
Comparaes e estudos indicam que, atu-
almente, a participao do Brasil no nmero
de veculos da frota mundial de 3,3%, sendo,
porm, responsvel por 5,5% do total de aci-
dentes fatais registrados no mundo. O ndice
de trs mortos por dez mil veculos/ano, tido
como aceitvel pela ONU, est bem abaixo
dos nove mortos por dez mil veculos/ano
registrado no Brasil.
Estes acidentes tm um custo enorme para
o pas, muitas vezes no considerado na defi-
nio das mais diversas polticas pblicas.
O estudo realizado pelo IPEA, em parceria
com a ANTP e o Denatran, citado anterior-
mente, pesquisou os impactos econmicos e
sociais dos acidentes de trnsito nas 49 princi-
pais aglomeraes urbanas brasileiras, totali-
zando 378 municpios e o Distrito Federal.
A ADAPTAO DAS CIDADES PARA O USO INTENSIVO
DO AUTOMVEL TEM LEVADO VIOLAO NO
APENAS DOS PRINCPIOS ECONMICOS, MAS
TAMBM, DAS CONDIES AMBIENTAIS, DA
QUALIDADE DAS REAS RESIDENCIAIS E DE
USO COLETIVO, BEM COMO DEGRADAO DO
PATRIMNIO HISTRICO E ARQUITETNICO, DEVIDO
ABERTURA DE NOVAS VIAS, AO REMANEJAMENTO
DO TRFEGO PARA MELHORAR AS CONDIES DE
FLUIDEZ E AO USO INDISCRIMINADO DAS VIAS PARA
O TRNSITO DE PASSAGEM
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
31/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
31P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
Os custos considerados associados aos aci-
dentes de trnsito incluem: danos materiais,
congestionamentos, atendimento mdico-
hospitalar e reabilitao, custos previden-
cirios e judiciais, perda de produo pela
interrupo da atividade produtiva e custo do
impacto familiar, referindo-se ao impacto doacidente no crculo familiar, entre outros. Os
custos humanos, referentes expectativa de
vida produtiva das pessoas mortas em aciden-
tes de trnsito, o sofrimento e a dor de amigos
e familiares pela perda de um ente querido,
no foram considerados no estudo.
O estudo concluiu que um acidente de trn-
sito nas aglomeraes urbanas brasileiras custa
em mdia R$ 8.783,00. O acidente sem vtima
custaria R$ 3.262,00. O acidente com feridos R$
17.460,00, ou seja, cinco vezes o valor do aciden-
te sem vtima. O acidente com mortos custaria
R$ 144.748,00, ou seja, 44 vezes o custo do aci-
dente sem vtima (valores para abril de 2003).
O custo total estimado dos acidentes de
trnsito no Brasil, valores esses referentes a
abril/2003, foi de cerca de R$ 5,3 bilhes, que
representa 0,4% do PIB do pas. Deste total,
R$ 3,6 bilhes concentram-se nas 49 aglome-
raes urbanas e R$ 1,7 bilhes nas demais
reas urbanas. Segundo o documento, este
valor subiria consideravelmente caso fossem
includos os custos dos acidentes rodovirios
e os custos humanos. Projetando esse valor
para incluir os acidentes ocorridos nas vias
rurais, estima-se um custo social total anual da
ordem de 10 bilhes de reais. As ocorrncias
trgicas no trnsito, grande parte delas previ-
sveis e, portanto, evitveis, causam enormes
perdas que inibem o desenvolvimento econ-
mico e social do pas.
O conhecimento minucioso dessas exter-
nalidades negativas permite a implantao
de medidas que possam evitar ou, ao menos,
amenizar as conseqncias negativas do trans-
porte rodovirio. Conhecendo os motivos e os
vitimados do trnsito, a poltica pblica pode
atingir com maior eficincia suas causas.
POBREZA E IMOBILIDADE
O transporte pblico urbano, de acordo com
a Constituio Brasileira, um servio pblicode carter essencial. Dele depende o acesso
das populaes que no dispem de meios
de transporte prprios os mais pobres s
oportunidades de trabalho, aos equipamentos
e servios sociais (e.g. sade e educao), e s
atividades que garantem a dignidade humana
e a integrao social (como o lazer, visitas aos
amigos e parentes, compras etc.). Ou seja, o
transporte pblico tambm, alm de um
componente do sistema de mobilidade urba-
na, um importante elemento de combate
pobreza urbana. No entanto, se o servio no
for adequado s necessidades da populao,
especialmente a mais pobre, ele pode, ao con-
trrio, transformar-se num empecilho ao aces-
so s oportunidades e atividades essenciais,
isto , numa barreira incluso social.8
Nas cidades brasileiras convivem, de um
lado, milhares de indivduos que encontram
dificuldades de buscar trabalho por no terem
condies de deslocamento at os locais onde
se concentram as oportunidades de emprego,
com indivduos que tm todas as condies de
realizar, com a mxima fluidez e conforto, uma
gama enorme de deslocamentos por motivos
variados, efetivando as mais diversas necessida-
des de reproduo de suas vidas.
Pesquisa realizada pelo ITRANS9revela que
a mobilidade da populao pobre nas gran-
des cidades brasileiras, medida pelo nmero
mdio de deslocamentos dirios por pessoa,
8Ver Gomide, A. A. Transporte Urbano e Incluso
Social. Texto para Discusso 960, Ipea, julho de
2003.9ITRANS. Mobilidade e Pobreza. Relatrio Final.
Abril, 2004
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
32/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
32
muito baixa, indicando srios problemas
de acesso ao trabalho e s oportunidades de
emprego, s atividades de lazer e aos equipa-
mentos sociais bsicos. As precrias condies
de mobilidade se colocam como obstculos
superao da pobreza e da excluso social
para cerca de 45% da populao urbana bra-sileira que tem renda mensal familiar inferior a
trs salrios mnimos.
Imaginar uma melhoria nas condies de
mobilidade, que atinja a maioria dos cidados
viabilizar a vida de milhares de pessoas,
desenvolvendo uma infinidade de novas re-
laes cotidianas, com influncias diretas na
economia, na cultura e na cidadania.
A relao de dependncia dos mais pobres
em relao aos transportes coletivos pode ser
classificada, inclusive, de perversa na medida
em que o percentual da renda mdia familiar
gasto com o transporte urbano aumenta con-
forme diminui a renda da famlia. Ou seja, alm
dos mais pobres serem mais dependentes dos
transportes coletivos, modo de deslocamento
no priorizado nas polticas urbanas da maioria
das cidades brasileiras, eles ainda devem pagar
relativamente mais caro para utiliz-los.
Na dcada de 1970, as famlias com rendi-
mento entre 1 e 3 salrios mnimos compro-
metiam 5,8% do oramento com transporte.
No incio dos anos 80 esse gasto j era de
12,4% e na dcada de 1990 ultrapassa os 15%.
Atualmente, para se deslocar duas vezes ao
dia durante 25 dias do ms, uma nica pessoa
gasta 30% do salrio mnimo vigente.10
Por sua vez, diferenas em relao aces-
sibilidade so reveladas atravs da anlise do
tempo mdio gasto em cada viagem segun-
do o modo de transporte e a faixa de renda
da populao. Verifica-se que, nas cidades
brasileiras, o tempo de deslocamento no
transporte coletivo e nas viagens a p diminui
na proporo inversa da renda, sendo que
o tempo mdio despendido no transporte
menor entre os mais ricos e entre os mais
pobres, esses ltimos provavelmente devido
ao menor ndice de mobilidade e s menores
distncias percorridas.Os atuais ndices de mobilidade nas cida-
des brasileiras permitem afirmar que a repro-
duo da vida de uma parcela substancial
da populao foi excluda do roteiro urbano,
afastada das redes de solidariedade, coope-
rao, mutualidade, resumindo-se, quando
muito, s ligaes cotidianas entre local de
trabalho e moradia.
ASPECTOS DO TRANSPORTE PBLICO
E COLETIVO. OFERTA INADEQUADA
E ALTAS TARIFAS
O transporte coletivo urbano brasileiro re-
presentado pelos seguintes nmeros: 1.600
empresas operadoras, sendo 12 metro-ferrovi-
rias, que somam um faturamento anual de 20
bilhes de reais. Nas 223 cidades com mais de
100 mil habitantes, onde existem sistemas de
transporte coletivo expressivos, estima-se que
existam em circulao cerca de 115.000 ni-
bus, transportando 59 milhes de passageiros
por dia. Os sistemas metrovirios e ferrovirios
em operao nas regies metropolitanas e
grandes cidades contam com 2.700 veculos
que transportam um volume dirio de cinco
milhes de passageiros. Estima-se que 80% de
todas essas viagens concentrem-se nas Regi-
es Metropolitanas e Aglomeraes Urbanas.
Cerca de 95% da operao produzida por
operadores privados.
A atual crise por que passa o transporte
coletivo urbano se manifesta em pelo menos
quatro aspectos: crise institucional, na rede,
no modelo remuneratrio e na infra-estrutura.
Durante as ltimas dcadas todas as cidades
10IBGE Pesquisa de Oramento Familiar POF.
1995-1996.
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
33/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
33P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
brasileiras que contam com sistema de trans-
porte coletivo vm sofrendo um processo simi-
lar que pode ser classificado como um crculo
vicioso. Devido s caractersticas da urbaniza-
o e da rede de transporte j enfocadas, alm
de diversas outras razes, inclusive tcnicas e
normativas, o custo da tarifa tem-se tornadocada vez mais alto. Como reflexo, existe uma
perda de passageiros transportados no sistema,
o que encarece novamente as tarifas, levando
novos passageiros a abandonarem o transpor-
te coletivo. Vrias so as explicaes para esse
processo, algumas aqui enfocadas.
O valor da tarifa do servio de transporte
pblico obtido atravs da diviso do custo
total do servio, mo-de-obra, veculos, com-
bustveis, impostos, etc, entre os passageiros
pagantes que utilizam o sistema, a somados
os custos das diversas gratuidades. No sistema
de nibus a remunerao acontece quase que
exclusivamente atravs da tarifa. Ao contrrio,
no sistema de trens urbanos existem subsdios
governamentais.
Devido ao modelo de remunerao dos
servios, o aumento constante dos custos e
insumos, a baixa produtividade dos servios, a
concesso de gratuidades, verifica-se um forte
aumento na tarifa que tem como principais
efeitos a expulso das classes mais baixas do
transporte coletivo.
Segundo a Associao Nacional das Empre-
sas de Transportes Urbanos (ANTU), no perodo
de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, a tarifa
mdia dos servios de nibus urbano nas ca-
pitais brasileiras subiu 25% acima da inflao
medida pelo IGP-DI. Por sua vez, a renda da
populao vem caindo durante os ltimosanos, acentuando ainda mais a dificuldade de
utilizao do transporte coletivo.
Conforme o estudo Evoluo das Tarifas
de nibus Urbanos 1994 a 2003, da SeMOB,
as tarifas de nibus urbano das capitais cres-
ceram, em mdia, nos ltimos nove anos em
torno de 240% (R$ 0,35 para R$ 1,20) contra
180% do IGP-DI.
A metodologia de clculo tarifrio ainda
utilizada na maioria das cidades brasileiras
segue orientao da Planilha de Clculo
Tarifrio produzida pelo GEIPOT em 1982 e
que vem sendo considerada obsoleta por
tcnicos e gestores dos sistemas, uma vez
que depende de conhecimentos minuciosos
sobre os diversos custos das empresas para
o clculo de um valor que ser rateado entre
os usurios pagantes, como forma de chegar
ao valor mdio da tarifa. Uma vez que todos
os custos so repassados aos usurios, essa
metodologia tem sido considerada impr-
A perda de passageiros encarece as tarifas,
levando novos passageiros a abandonarem o
transporte coletivo
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
34/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
34
pria, pois premia as empresas mal geridas
que repassam suas necessidades em aumen-
tos das tarifas e penaliza o usurio que no
tem a oportunidade de se beneficiar dos
ganhos de produtividade de empresas bem
administradas.
O aumento constante dos custos dos insu-mos, a baixa produtividade dos sistemas de
transporte, a carga tributria incidente sobre
a produo dos servios e a concesso de
gratuidades sem fonte de recursos extratarif-
rias, dentre outros fatores, vem se traduzindo
em tarifas que transcendem a capacidade de
pagamento da populao com a conseqente
expulso dos usurios de baixa renda.
Dependendo da estrutura de contratao,
remunerao e tarifao adotada, a susten-
tabilidade econmico-financeira do servio
pode ficar seriamente comprometida, resul-
tando na queda da qualidade dos servios, na
degradao dos equipamentos e na incapaci-
dade financeira de gesto das empresas ope-
radoras. Ameaa-se, deste modo, a prpria
continuidade dos servios.
O FINANCIAMENTO DO TRANSPORTEURBANO
Um elemento determinante na crise do trans-
porte coletivo urbano a falta de fontes de
financiamento estveis para a proviso de
infra-estrutura adequada. A ausncia de uma
poltica de financiamento para o setor nos
ltimos 15 anos conduziu estagnao quase
total dos investimentos. Muito pouco se pro-
duziu de corredores exclusivos, terminais de
integrao, abrigos adequados em paradas,
apropriao de novas tecnologias. Quase
nada em acessibilidade para pessoas com de-
ficincia e restrio de mobilidade.
Para o desenvolvimento do transporte co-
letivo urbano necessrio que haja fontes de
financiamento estveis, permanentes e conce-
bidas para dar suporte amplo e duradouro a
programas e projetos de curto, mdio e longo
prazo. As dificuldades apontadas neste docu-
mento revelam a necessidade da conjugao
de recursos, sejam eles pblicos ou privados.
Entende-se que os recursos privados devem
ser potencializados e baseados em relaes e
contratos claros e seguros. Neste caso, a parti-
cipao do Poder Pblico continua sendo fun-damental no sentido de garantir a estrutura-
o dos sistemas de transporte. Nesse sentido,
de responsabilidade da Poltica Nacional de
Mobilidade Urbana Sustentvel a criao de
possibilidades para que o setor seja regulado,
com regras claras e estveis que incentivem
os necessrios investimentos na transforma-
o do modelo de transporte vigente nas
cidades brasileiras.
No entanto, ainda que um marco regulat-rio adequado possa atrair investimentos, ne-
cessrio ter clareza dos aspectos econmicos e
conjunturais que dificultam a atrao de recur-
sos e sua captao pelos entes federados.
Desde o estabelecimento da Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal, a observao aos limites
de endividamento dos entes da Federao
tem sido critrio essencial para concesso de
novos financiamentos. As dvidas e o exces-
sivo comprometimento com custeio dos go-
vernos estaduais e municipais reduzem dras-
ticamente e, muitas vezes tm eliminado, as
possibilidades de tomar recursos para investi-
mento devido ao comprometimento mximo
da sua capacidade de endividamento.
Tambm as regras e limites para o con-
PARA O DESENVOLVIMENTO DO TRANSPORTE
COLETIVO URBANO NECESSRIO QUE HAJA FONTES
DE FINANCIAMENTO ESTVEIS, PERMANENTES
E CONCEBIDAS PARA DAR SUPORTE AMPLO E
DURADOURO A PROGRAMAS E PROJETOS DE CURTO,
MDIO E LONGO PRAZO
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
35/72
C A D E R N O
S M C I D A
D E S M O B
I L I D A D E U
R B A N A
35P o l t i c a n a c i o n a l d e m o b i l i d a d e u r b a n a s u s t e n t v e l
tingenciamento de crdito do setor pblico
tornaram-se mais rgidas, contribuindo para a
queda na liberao de recursos e explicitando o
impasse entre polticas de estabilizao macro-
econmica e de ajuste fiscal, por um lado, e po-
lticas sociais, com foco na reduo da pobreza
e reduo de desigualdades sociais, por outro.H, assim, uma carncia crnica de recursos
para investimento em infra-estrutura e servi-
os pblicos e uma acirrada disputa pelos re-
cursos disponveis entre os possveis tomado-
res. Alm disso, os governos devem, dentro da
pequena margem de manobra, decidir onde
aplicar tais recursos frente aos variados temas
e carncias urbanas.
Investimentos a fundo perdidos so extre-
mamente escassos e, mesmo com a recente
criao do Pr-Transporte, com recursos do
FGTS, para financiar a infra-estrutura de trans-
portes, h dificuldades conjunturais para sua
aplicao, devidas especialmente ao limite de
crdito estabelecido para o setor pblico. Per-
manece, assim, a necessidade de buscar novas
fontes e arranjos alternativos de investimento
para a mobilidade urbana. As Parcerias Pbli-
co-Privadas e os instrumentos do Estatuto da
Cidade vm sendo estudados como oportuni-
dades para atrao de investimentos em infra-
estrutura de transporte pblico.
Por outro lado, com a diminuio dos
clientes do setor pblico, grandes agentes de
fomento do governo federal e de agncias
internacionais de financiamento, que necessi-
tam ser reembolsados pelo tomador, reduzi-
ram suas operaes a rgos pblicos dando,
por conseqncia, maior peso relativo s suas
atividades com a iniciativa privada. O setor
pblico teve assim restringida essa importante
alternativa para o financiamento de infra-es-
trutura para transporte urbano.
preciso considerar que essas restries de
crdito ocorrem num cenrio de redefinio
do papel do Estado na economia, constatao
que no se faz apenas na economia brasileira.
Nada leva a crer que, num prazo razovel, o
Estado volte a cumprir o papel de provedor
de recursos para infra-estrutura na escala
em que isso ocorreu at o passado recente.
Por conseqncia, a mudana do padro de
financiamento da infra-estrutura um fatorelevante que vem sendo considerado, ainda
que existam muitas contestaes, e que tem
obrigado os diversos agentes a buscar novos
arranjos e induzido novas parcerias e a experi-
mentao de formas de cooperao e integra-
o entre diferentes instncias governamentais
para racionalizar a ao e viabilizar recursos de
financiamento para a infra-estrutura.
Cabe ainda ressaltar a necessidade de uma
ampla discusso sobre a questo das delega-
es dos servios de transporte pblico coleti-
vo urbano, principalmente diante da necess-
ria adequao da maior parte dos contratos de
servios nos municpios legislao vigente.
Uma relao estvel advinda da existncia de
um contrato entre o poder concedente e o
concessionrio fundamental para permitir os
investimentos necessrios para a operao dos
sistemas de transportes coletivos. H, tambm,
a necessidade de aperfeioamento dos instru-
mentos legais que disciplinam as delegaes
dos servios tendo em vista a possibilidade de
adoo de novas formas de gesto dos siste-
mas de transportes e de financiamento para o
setor, como as Parcerias Pblico-Privadas.
A GESTO LOCAL E O DESAFIO
DA INFORMALIDADE
Pesquisa realizada acerca da gesto dos trans-
portes e do trnsito em 40 cidades brasileiras11
aponta condies de gesto bastante diversi-
11Pesquisa sobre o tema realizada pela Secretaria
Especial de Desenvolvimento Urbano SEDU, 2002.
7/25/2019 cadernos Mcidades 06
36/72
CADERNO
SMCIDA
DESMOB
ILIDADEU
RBANA
36
ficadas para cada uma delas. Existem cidades
que desenvolvem prticas de gesto que so
referncia para outros municpios e outras
que ainda no assumiram minimamente o seu
papel de responsveis pela prestao desses
servios pblicos. Em alguns ncleos urbanos,
o transporte e o trnsito so tratados profis-sionalmente, com prioridade e ateno polti-
ca. Em outros, a gesto praticada como um
nus, onde os dirigentes responsveis sequer
conseguem identificar com clareza os seus
papis e as suas responsabilidades.
Dentre os problemas mais graves de ges-
to do transporte pblico encontrados nesta
pesquisa, sobressaem a carncia de estudos e
planos, a pouca interao com o uso do solo
e o desenvolvimento urbano; a carncia de
equipes tcnicas especializadas; a f ragilidade
e/ou inadequao da base legal de suporte
gesto, emprestando ao setor uma significati-
va instabilidade institucional e a falta de prio-
ridade poltica para o transporte pblico.
Quanto gesto do trnsito, os principais
problemas encontrados foram a carncia das
equipes tcnicas especializadas; os conflitos
entre os distintos rgos atuantes no setor,
inclusive de diferentes nveis de governo; a
carncia de planos de circulao, exigindo
intervenes localizadas e emergenciais; o
modelo de gesto financeira apoiado basica-
mente nos recursos provenientes das multas
de trnsito e a inexistncia de estudos e aes
voltados para os modos de circulao no-
motorizados.
Nota-se que a gesto do transporte pbli-
co, com raras excees, sofre de um processo
de desmantelamento dos modelos desenvol-
vidos nos anos 80. Enquanto isso, a gesto do
trnsito evolui positivamente em quase todas
as cidades, sob reforo do Cdigo de Trnsito
Brasileiro.
Apesar do contexto desfavorvel, identi-
ficam-se aspectos promissores na gesto do
transporte pblico li
Top Related