Anais do VII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba, Embap, 2011. 63
BREVE PANORAMA SOBRE A DIFUSÃO DA FOTOGRAFIA NA CIDADE DE CURITIBA (1938-2004)
Patricia Camera1 [email protected]
Resumo
Este artigo versa sobre a propagação da fotografia na cidade de Curitiba em instituições públicas e privadas. Dentre os principais eventos, mencionam-se a Mostra Anual de Gravura da Cidade de Curitiba, a Bienal Internacional de Fotografia da Cidade de Curitiba e o Salão Paranaense. Busca-se, com esse breve panorama, verificar a proposta e a poética dos processos presentes em algumas das obras exibidas nessas instituições, tentando traçar um perfil inicial da construção social da tecnologia fotográfica, considerando as especificidades de cada estabelecimento artístico. Palavras-chave: Fotografia; Arte; Cidade de Curitiba.
Abstract
This article discusses the difusion of photography in the city of Curitiba in public and private institutions. Among the major events, we focus the Mostra Anual de Gravura da Cidade de Curitiba, the Bienal Internacional de Fotografia da Cidade de Curitiba and the Salão Paranaense. We aim to examine which are the proposals and the poetic processes underlying the photography as art in these institutions. We try to trace a social view profile of the photographic technology considering the specificities of each institution. Key words: Photography; Art; Curitiba City.
No Estado do Paraná, mais especificamente na cidade de Curitiba, algumas ações
aproximam a arte fotográfica do público e diferentes instituições incentivam a produção local e
nacional. Entre elas estão a criação do Foto Clube do Paraná2 (FCC-PR, 1938), da Associação
dos Repórteres Fotográficos e Cinefotográficos do Estado do Paraná3 (ARFOC-PR, 1966), da
1 Professora na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
História da PUCRS. Bolsista CNPQ. 2 O Foto Clube do Paraná, fundado em 1938 em Curitiba, sob o nome de Sociedade Paranaense de Fotoamadores,
passa a chamar-se mais tarde Foto Cine Clube do Paraná e, finalmente, Foto Clube do Paraná. Ao longo de sua história o clube organizou salões internacionais contando com a participação de fotógrafos de outros clubes do Brasil e de fotógrafos internacionais. Nesses eventos, verificou-se a participação do Foto Cine Clube Bandeirante, que parece não influenciar a prática fotográfica do FCC-PR. Também é interessante citar que o presidente do FCC-PR em 1967 é o ambientalista-montanhista Helmuth Erich Wagner, o que pode justificar a preocupação dos membros do clube em registrar a natureza local. 3 A Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinefotográficos do Estado do Paraná (ARFOC-PR) é uma entidade
que reúne pessoas ligadas à imagem fotográfica e cinematográfica, sem caráter político-partidário e sem fins lucrativos. Iniciada em 1966, nasceu com o objetivo de incentivar, valorizar e defender a profissão e os fotojornalistas, além de propagar a fotografia por meio de mostras coletivas dos associados. Desde então, passaram pela presidência diversas pessoas da área da comunicação. Entre eles, João Urban que participou do 56° e 57° Salões Paranaenses. No período de 1967-2005, são realizadas algumas atividades no universo cultural, como as Mostras Coletivas de Fotojornalismo, Encontro Nacional de Repórteres Fotográficos e Cinefotográficos (ENARFOC) e a publicação do Jornal da ARFOC – PR, o Passpatur.
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Mostra de Gravura Cidade de Curitiba (1978) e da Bienal Internacional de Fotografia (1996).
Entre os espaços privados que divulgam a fotografia como arte estão a Casa da Imagem (1991),
Espaço em Branco (1995) e Galeria Ybakatu (1995). Além dos espaços para exibições, existem
escolas e núcleos que propagam a fotografia mediante cursos, exposições, mostras e maratonas.
Entre essas instituições podemos citar a Escola Portfólio4 (1998) e o Núcleo de Fotografia5 (2002).
Nessa trama, a institucionalização da fotografia no universo das artes ocorre de forma
diferenciada, ou seja, de acordo com a especificidade do evento, a proposta curatorial e o
contexto social. Por exemplo, no universo das artes, a Mostra Anual de Gravura da Cidade de
Curitiba e a Bienal Internacional de Fotografia da Cidade de Curitiba são destaques por abrirem
espaço para a divulgação de trabalhos fotográficos nacionais e internacionais. Outra instituição
que merece destaque é o Salão Paranaense (criado em 1944). Neste caso, um estudo
aprofundado foi realizado (LUZ, 2006), mostrando que somente na 30ª edição (1973) a
“fotografia pura"6 foi aceita no Salão. No entanto, a inserção da fotografia no Salão Paranaense
foi crescendo ao longo de sua história (Gráfico 1), a ponto de a fotografia ter 45% de
representatividade entre as obras expostas na 60ª edição.
GRÁFICO 1 – Percentagem de obras fotográficas no total das obras nas edições dos Salões Paranaenses
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5
10
15
20
25
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Edições do Salão Paranaense
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Fonte: LUZ, 2006.
4 A Portfólio começa a atuar em 1998, realizando a I Maratona, em 2000. Com este evento, as fotografias premiadas
passam a fazer parte do acervo do Museu da Fotografia (FCC). 5 O Núcleo de Estudo da Fotografia é fundado em 2002, sob coordenação da fotógrafa Milla Jung, com foco em
projetos pessoais; documental e autoral, levando ao público a arte visual da fotografia, permeada pelos campos da sociologia e da antropologia cultural. A 1ª Mostra do Núcleo de Estudo da Fotografia, acontece em 2003, no Bar Beto Batata, com a participação de 21 projetos fotográficos; e a 2ª Mostra ocorre em 2004, com 28 fotógrafos. Porém, o aceite da produção fotográfica realizada pelos participantes do Núcleo num espaço dedicado exclusivamente as artes acontece somente em 2005, na Casa Andrade Muricy - espaço da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná - sob a direção de Eleonora Gutierrez. 6 A fotografia pura é definida por Tadeu Chiarelli (2002) “como aquela fotografia fundamentalmente bidimensional e
voltada para a exploração das especificidades do meio fotográfico”.
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MOSTRA DE GRAVURA CIDADE DE CURITIBA,
BIENAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA E SALÃO PARANAENSE
A Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba tem início em 1978, sob a direção da
Fundação Cultural de Curitiba, representada neste período por Ennio Marques Ferreira, que
organiza a exibição de 134 obras de 45 gravadores. Dentre as edições realizadas destacamos a
IX (1990), a XI (1995) e a XIII Mostra da Gravura (2000).
A mostra ocorrida em 1990 é singular por apresentar a Sala Especial: Processos
Fotomecânicos na gravura de arte, organizada por Olívio Tavares de Araújo, que redige um
texto crítico abordando a deficiência da terminologia gravura, comparando-a à terminologia print
e passando pela trama que envolve os processos fotomecânicos como o xerox, o carimbo, a
heliografia, a fotografia e a impressão off-set.
Outra edição que chama a atenção é a XI Mostra de Gravura (1995). Nesse ano, os
artistas Edílson Viriato7, Mônica Bengoa e Yishai Jusidman participam com fotografias, sendo
que esta última mostra a pluralidade da linguagem fotográfica apresentando a exploração do
aspecto mecânico junto ao processo litográfico realizado com papel translúcido japonês (Fig. 1).
Figura 1 - Geisha Suíte II, Yishai Jusidman, 1993 (XI Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba, 1995).
7 Edílson Viriato foi participante do Salão Paranaense em 1999 e 2000.
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Marcas do Corpo, dobras da alma é o tema da XIII Mostra da Gravura da Cidade de
Curitiba, sob curadoria de Paulo Herkenhoff, Adriano Pedrosa e os paranaenses Geraldo Leão,
Paulo Reis e Simone Landal. Na sala Uma história da pele, com curadoria de Paulo Reis,
observam-se obras de Sandra Cintro, Fábio Noronha, Ana Vitória Mussi, Vicente de Mello,
Cláudia Andujar, Valeska Soares, Mário Cravo Neto e Francisco Faria, que evidenciam a pele e
o corpo usando a fotografia no processo da obra.
Alguns dos trabalhos desenvolvidos pelos artistas citados nessas três edições da Mostra
da Gravura da Cidade de Curitiba conferem o reconhecimento da fotografia como gravura (print)
e evidênciam sua pluralidade estética, filosófica e técnica no universo das artes.
Sob o olhar tradicional da fotografia como documento do real, o fotógrafo Orlando
Azevedo8 dá início à Bienal Internacional da Cidade de Curitiba em 1996, sob o título Brasil
mostra a tua cara. Com 70 fotógrafos convidados e 20 selecionados, as 270 imagens
comunicavam fundamentalmente o exotismo brasileiro, com retratos do índio brasileiro, feitos
por Rogério Reis, Rosa Gauditano, Walter Firmo, Milton Guran, Ilanã Lansky, Orlando Brito,
Antonio Carlos D´Avila, e dos povoados do interior do Brasil, por Araquém Alcântara, João
Farkas, Nani Góis, Luis Braga, Antônio Gaudério, Paulo Leite, Guy Veloso, Tiago Santana,
Evandro Teixeira (Fig. 2), Pedro Martinelli e Sebastião Salgado, este último também palestrante
do evento. Nesse mesmo evento, a ARFOC-PR expõe, representada por seus associados.
Figura 2 - Evandro Teixeira - s/ título e ano. I Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 1996.
8 Expõe em 1981, no 38° Salão Paranaense.
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A II Bienal Internacional da Cidade de Curitiba (1998) mostra pela primeira vez no Brasil
a coleção de fotos históricas (Fig. 3) da Farm Security Administration – que documenta a
depressão americana nos anos 1930. Nesse mesmo evento, o Centro Português de Fotografia
exibe imagens dos prisioneiros das cadeias do Porto (Fig. 4), o Paraguai comunica o horror das
prisões políticas paraguaias e a Argentina mostra, com fotos tiradas por Sara Facio, as faces de
escritores como Borges, Neruda, Garcia Marques e Octávio Paz. Entre as 41 mostras coletivas
e individuais encontram-se a mostra do fotógrafo Haruo Ohara, que se destaca com a
documentação da trajetória do imigrante japonês nas lavouras do norte do Paraná.
Dentre os paranaenses que participam dessa II Bienal, estão Vilma Slomp, Lina Faria,
Fernanda Magalhães, Rogério Ghomes (expondo no espaço da Galeria Ybakatu), Ricardo
Almeida, Maurílio Chelli e Tagore9. Entre estes, alguns abordam a representação do ser
humano na imagem. Lina Faria, por exemplo, explora a imagem da mulher em sua prisão
feminina (no lar, no trabalho e no presídio), Fernanda Magalhães (Fig. 5) comunica as formas
da mulher obesa abordando assuntos como ética, estética e arte; Rogério Ghomes indica a
presença do ser humano simbolizando a alma; Ricardo Almeida mostra a solidão das pessoas
em espaços coletivos; Maurílio Chelli expõe a vida da civilização indígena no Estado do Paraná;
e Tagore mostra o modo de vida no meio rural no Estado de Bengala, no leste da Índia.
Figura 3 - Jack Delano - Farm Security Administration (FSA) II Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 1998.
9 Expõem no Salão Paranaense: Vilma Slomp em 1980, 1982, 1988 e 1994; e Rogério Ghomes em 1989, 1992 e 1994.
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Figura 4 - Centro Português de Fotografia – Murmúrios do Tempo II Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 1998.
Figura 5 - Fernanda Magalhães – A representação da mulher gorda nua na fotografia II Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 1998.
Neste mesmo evento (1998), acontecem a palestra O homem da Amazônia, com Pedro
Martinelli, e a abertura e a implantação do Museu da Fotografia Cidade de Curitiba, com a
aquisição de mais de duas mil fotografias. É o primeiro museu da fotografia do Brasil e da
América do Sul, com início em 1991, a partir dos Encontros de Fotografia.
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A terceira e última Bienal Internacional da Cidade de Curitiba acontece em 2000, sendo
o curador Orlando Azevedo. Nesta edição, três módulos de reflexão são propostos: imigrantes,
violência e fé com participação de noventa fotógrafos. Merecem destaque a mostra Retratistas
de um século - Félix e Paul Nadar (Fig. 6); as imagens do pós-guerra (1945-1960) feitas pelos
fotógrafos neo-realistas italianos; e o ensaio sobre a índia de Marcelo Buainain (vencedor da
Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, na edição de 1998).
Mostrando imagens de violência estão Marlene Bérgamo, Roberto Linsker, Juliana Stei e
Gleice Mere. No lado oposto, eram apresentadas imagens de fé, humanismo e vida, com
Sebastião Salgado, Marcelo Grecco, Christian Cravo, José Bassit, Adriana Zehbrauskas,
Ricardo Malta, Ed Viggiani e Evandro Teixeira.
Figura 6 - Retratistas de um século - Félix e Paul Nadar. III Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 2000.
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Importante destacar que a III Bienal apresenta outro módulo, a fotografia criativa, ou
seja, imagens elaboradas fora dos parâmetros tradicionais da fotografia. As obras de Vilma
Slomp, Alex Flemming (Fig. 7), Odires Mlászho, Arnaldo Pappalardo, Rochelli Costi, Marcelo
Zocchio, Iatã Cannabrava, Vik Muniz, Rosangela Rennó, Maria Di Andréa Hagge, Hirosuke
Kitamura, Milton Montenegro, Rogério Ghomes e Miguel Rio Branco estão nessa categoria10.
Figura 7 - Alex Flemming – Série “Body Builders” Módulo: Linguagens da Imagem III Bienal Internacional da Cidade de Curitiba, 2000.
Com este breve levantamento sobre a difusão da fotografia em Curitiba, tem-se que a
Fundação Cultural de Curitiba apoia a exibição da fotografia na comunidade curitibana por meio
da realização da Bienal de Fotografia e da Mostra de Gravura e o Governo do Estado do
Paraná aparece na II Bienal de Fotografia como um dos patrocinadores. Além disso, o Estado
do Paraná apoia ações como o Projeto Mezanino de Fotografia (2004), cedendo o espaço da
Casa Andrade Muricy para a mostra de trabalhos dos novos talentos da fotografia de São Paulo
e do Paraná, organizado pelo Itaú Cultural sob curadoria de Tadeu Chiarelli. Entre os fotógrafos
participantes estão Albert Nane, Aline Nakamura e Celina Yamauchi do Estado de São Paulo e
Edu Marin Kessedijian, Fernanda Preto e Michelle Serena do Estado do Paraná.
Além dos espaços públicos, as obras fotográficas são destaques nos espaços privados
interessados pela produção contemporânea. Entre eles estão: Casa da Imagem (1991); Espaço
10
Participam do Salão Paranaense: Alex Fleming (1981), Odires Mlászho (1994, 1998, 2004), Rogério Gomes (1989, 1992), Rochelli Costi (1987) e Vilma Slomp (1980, 1982, 1988, 1994).
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em Branco (1995) e Galeria Ybakatu (1995). A Casa da Imagem, após dois meses de sua
inauguração, apresenta a exposição coletiva de fotografia, com a participação de João Urban,
Nego Miranda, Orlando Azevedo, Vilma Slomp e Américo Vermelho, com a intenção de iniciar
um mercado de fotografia na cidade de Curitiba. Ao longo dos anos, expôs trabalhos de Hélio
Oiticica, Cláudia Jaguaribe, Juliana Stein, Nuno Ramos, Fábio Miguez, Carina Weidle, Yiftah
Peled e Edgard de Souza, entre outros.
Outro espaço que propaga a fotografia contemporânea como objeto de arte, ou seja,
chamando a atenção do público para o valor comercial e estético da imagem em suas múltiplas
realizações é o Espaço em Branco, inaugurado em 1995 por Anuschka R. Lemos e Josiane
Sampaio. Sérgio Sade, Vanessa Macedo, Mark Elles, Milla Jung, Vanessa Kossop, entre
outros, são alguns dos fotógrafos que exibem seus ensaios autorais. Nesse universo, outros
artistas como Newton Goto participam da trajetória da galeria.
No mesmo ano em que o Espaço em Branco é inaugurado, a Galeria Ybakatu é fundada
por Tuca Nissel (1995). Tendo como objetivo divulgar, comercializar e levantar discussões por
meio do contato do artista expositor com o público da galeria, a Ybakatu divulga a arte
contemporânea paranaense, brasileira e internacional com exposições individuais. Alguns dos
artistas expositores utilizam a fotografia na poética do processo, a exemplo de Alex Cabral
(2002), Fernanda Magalhães (2000), Rogério Ghomes (1998), Lígia Borba (2001), Sebastian
Bremer (2002) e Yiftah Peled (2003).
Cada um desses artistas se destaca pela especificidade do processo e da poética da
obra, porém os trabalhos de Alex Cabral (Fig. 8) chamam a atenção pela criatividade da ação
que extrapola o uso dos meios fotográficos e pelo resultado híbrido da imagem. Isto é, o
trabalho apresentado na individual de Alex Cabral está representado pela transcendência da
técnica fotográfica, resultante da elaboração do fotograma a partir da técnica do recorte de
jornais e revistas. A imagem resultante é híbrida por remeter ora ao processo mecânico da
imagem (primeiro pelo ato resultante do fotógrafo da revista e segundo pela técnica do
fotograma aplicado por Alex Cabral) e ora ao processo manual que através da leitura da “linha”
adquirida pelo recorte e registro do molde, aproxima tal resultado à gravação observada pela
técnica da ponta seca (gravura em metal).
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Figura 8 - Alex Cabral – Fotograma 67 Arquivo digital – Galeria Ybakatu.
Dentre as instituições levantadas, o Salão Paranaense (1944) aparece como um caso
singular pelo fato de sua extensão temporal e pela diversidade na qual a fotografia se apresenta
ao longo desse evento. Essa constatação foi feita a partir dos resultados obtidos com a
pesquisa de mestrado A trajetória da fotografia no Salão Paranaense: uma visão a partir da
construção social da tecnologia fotográfica (LUZ, 2006). Parte do resultado dessa investigação
é comunicada no artigo Fotografia no cenário artístico brasileiro (CAMERA; SILVEIRA, 2010).
Segundo a pesquisa realizada, constatou-se que a introdução da fotografia no Salão
Paranaense aconteceu com a exposição da obra de técnica mista de Jaime Bernardo de
Carvalho Pusch (PR) na 24ª edição (1967). Em seguida, a fotografia apareceu associada às
técnicas da serigrafia e da colagem, entre outras11. Mas, o aceite da fotografia pura ocorreria
somente em 1973, com as obras de João Urban.
A obra de Pusch (Fig. 9) é a primeira obra encontrada nos catálogos do Salão
Paranaense em que se observa o uso da fotografia. As imagens usadas no processo de criação
da obra são “fotografias” veiculadas na mídia de massa e sofrem intervenção por meio do
recorte e da colagem. Técnica mista-pintura. A Figura 10 mostra a segunda obra fotográfica
selecionada no Salão Paranaense. Nela, a fotografia é usada como matriz para a elaboração do
flan - que impresso pela técnica da serigrafia forma as imagens que constituem o trabalho.
Técnica: gravura. As obras de João Urban são as primeiras fotografias puras selecionadas no
Salão Paranaense (1973) (Fig. 11).
11 Na ordem do levantamento de obras fotográficas no Salão Paranaense seguem os autores: Antonio Manuel (RJ),
premiado no 25° Salão (1968); Décio Noviello (MG), premiado no 26° Salão (1969); Márcia Simões (PR), menção honrosa no 26° Salão (1969); Aluysio Magalhães (RJ), premiado no 29° Salão (1972); Ivens Fontoura (PR), premiado no 29° Salão (1972); Alexa Dugom (RJ), premiado no 30° Salão (1973) e João Urban nesta mesma edição.
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Figura 9 - Jaime Pusch, 24° Salão Paranaense (Catálogo Salão Paranaense, 1967).
Figura 10 - Antonio Manuel, 25º Salão Paranaense, 1968 (JUSTINO, 1995).
Figura 11 - João Urban, Menino sobre o futuro. 30º Salão Paranaense, 1973 (Arquivo do artista).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta breve investigação sobre a difusão da fotografia na cidade de Curitiba mostra a
multiplicidade da fotografia como meio de expressão artística, considerando sua diversidade na
poética do processo. Por exemplo, as obras fotográficas expostas nas galerias e na Mostra de
Gravura evidenciam o ato intervencionista na poética. Já nas instituições de ensino e nas
edições da Bienal da Fotografia, a técnica utilizada pela maioria dos fotógrafos está associada a
uma visão “acadêmica” e formal, entendida de modo variante segundo a filosofia de Roland
Barthes12 e P. Dubois13.
12
Barthes defende o noema “Isso-foi”. Barthes aborda estes pressupostos (material e temporal) e introduz os seguintes conceitos: Studium que pode ser compreendido como referentes visuais que nos tocam, perpassando pelo plano cultural e moral e Punctum que se refere a algum detalhe na fotografia que nos fere ou nos punge. Seria como um extra-campo da imagem. A partir daí, ele entende que o espectador deseja ver para além da representação. Sendo assim, Barthes introduz a seguinte problemática: a fotografia é indiciária, mas carrega consigo a subjetividade do autor, do referente e do espectador. Assim, a fotografia é uma realização material, porém expõe a ruptura entre as formas de reprodução mimética do mundo. Segundo a teoria de Barthes, afirma-se que a linguagem fotográfica não é universal, por carregar consigo certa subjetividade. 13
No livro O ato fotográfico, P. Dubois se propõe a apresentar um percurso histórico das diversas posições
defendidas por teóricos e críticos a respeito dos modos de representação do real na fotografia. Segundo Dubois, todo meio de expressão deve se indagar sobre a questão fundamental da relação específica existente entre o referente externo e a mensagem produzida pelo meio. Ele esclarece que, para o senso comum, a fotografia “presta contas do mundo com fidelidade”, tem peso de real, não pode mentir, é vista como prova que atesta indubitavelmente a existência daquilo que mostra. Isso porque se sabe que a fotografia tem uma natureza mecânica, portanto o “automatismo de sua gênese técnica” garantiria essa mimese com o real. A partir desta introdução, Dubois traça um percurso interpretativo, que vai da verossimilhança ao índice. Para tanto, ele identifica três momentos no discurso a respeito da fotografia e sua relação com o real: fotografia como espelho do real, fotografia como transformação do
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De forma sucinta, observa-se que os trabalhos expostos na Mostra Anual de Gravura
expõem a fotografia de forma que seu aspecto visual seja mais próximo ao mundo “imaginado”.
Apesar disso, sua abordagem não é necessariamente deslocada do universo social. Se para a
Mostra de Gravura os aspectos “inventivo” na imagem e “transgressor” do meio se destacam,
nos trabalhos exibidos na Bienal da Fotografia, a própria história da fotografia é valorizada, seja
pela apresentação de fotografias que expõem um caráter social (carte de visite), seja pela
poética humanista14. Nessa lógica, as fotografias históricas e as contemporâneas expostas na
Bienal da Fotografia seguem uma linha definida e conhecida no meio social; a fotografia
aparece como documento do real e com desejo à sua inserção no meio artístico, mostrando
certa predominância na abordagem sobre a vida do indígena, da mulher e de grupos
minoritários.
Vale relembrar que a difusão da produção fotográfica brasileira no exterior acontece a
partir de 1862, com início na divulgação dos retratos da família imperial, de retratos de índios da
Amazônia e de paisagens do país tropical nas Exposições Universais. Isto indica que a
comunicação da fotografia brasileira no exterior acontece primeiramente como uma imagem
técnica com aspecto documental (LUZ, 2006, p. 126). Talvez por seguir essa tradição histórica
é que a Bienal de Fotografia abre somente em sua terceira edição um espaço reservado para
as fotografias que não seguem esse padrão documental, denominando-as como criativas.
O fato é que as concepções dos dois eventos, Mostra de Gravura e Bienal da Fotografia,
são diferentes quando analisamos sob a ótica da tecnologia. A Mostra de Gravura tem como
linha a divulgação da expressão artística realizada por meios tecnológicos que permitem a
reprodução da obra (gravura, fotocópia, fotografia), com destaque para os trabalhos que exibem
a transgressão ou miscigenação de procedimentos técnicos, independente de os trabalhos
estarem associados ao mundo visível ou ao mundo imaginado. Já a Bienal da Fotografia
valoriza a gênese automática da máquina fotográfica, sem deixar de lado o conceito de autoria.
Assim, a extrapolação da técnica não é o foco na poética dos trabalhos presentes na Bienal da
Fotografia. O que sustenta a estética da maior parte das obras ali expostas é a captação do
momento decisivo ou a valoração da fotografia entre arte e documento visual. Nessa trama
institucional, o estatuto da fotografia no Salão Paranaense evidencia a multiplicidade nas
formas de ver e representar o mundo visível e imaginado.
real e fotografia como traço do real. Apesar de apresentadas de modo linear no tempo, elas são, em muitos períodos, percepções concomitantes. 14
A poética do instante fotográfico também é valorizada na cultura francesa. Denominada por Cartier-Bresson como momento decisivo é de certa forma a base da fotografia humanista na França (SOUSA, 2000, p. 79).
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REFERÊNCIAS
I BIENAL INTERNACIONAL DA CIDADE DE CURITIBA. Curitiba, 1996.
II BIENAL INTERNACIONAL DA CIDADE DE CURITIBA. Curitiba, 1998.
III BIENAL INTERNACIONAL DA CIDADE DE CURITIBA. Curitiba, 2000.
CAMERA, Patricia; SILVEIRA, Luciana Martha. Fotografia no cenário artístico brasileiro. Concinnitas, v. 1, n. 11, p. 94-111, Rio de Janeiro, jul. 2010.
CHIARELLI; MESQUITA. Fotografia no acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo, 2002.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 2000.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
LUZ, Patricia Camera Varella da. A trajetória da fotografia no Salão Paranaense: uma visão a partir da construção social da tecnologia fotográfica. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2006. Disponível em: <www.ppgte.ct.utfpr.edu.br>. Acesso em: 4 mar. 2011.
Marcas do corpo, dobras da alma. Curitiba, 2000.
IX MOSTRA DE GRAVURA. Curitiba. Curitiba, 1990.
XI MOSTRA DE GRAVURA. Curitiba. Curitiba, 1995.
Projeto mezanino de fotografia. Casa Andrade Muricy. Curitiba, 2004.
SALÃO PARANAENSE. Catálogos de 1980, 1981, 1982, 1987, 1988, 1989, 1992, 1994, 1998, 2004. Curitiba.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2000.
SOUZA, Edgard de. Curitiba, Casa da Imagem, 1998.
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