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BOLSISTAS DE PRODUTIVIDADE NAS CIÊNCIAS HUMANAS: UMA ÁREA
DOMINADA POR MULHERES?
Letícia Mendes Pereira1
INTRODUÇÃO
Na história das ciências muitas mulheres participaram ativamente em pesquisas e
fizeram descobertas fundamentais para o andamento científico, entretanto, não houve
reconhecimento para que elas conseguissem adentrar o universo intelectual e profissional das
ciências, pois, eram coadjuvantes no processo científico.
A exclusão das mulheres da ciência se explica através da naturalização dos atributos
biológicos femininos ligados a natureza e a dos homens a cultura. Isso socialmente
disseminou a imagem do homem a razão e objetividade, sendo sexo naturalmente apto a
ciência e a vida pública, enquanto a imagem feminina era naturalmente vinculada à
maternidade, consequentemente a docilidade e aos cuidados, alocada no âmbito privado da
vida doméstica (Keller, 2006).
Dois eventos históricos mostram como os papeis sociais segregados foram bem
definidos e disseminados ao longo da história: caça as bruxas e a revolução francesa.
A caça as bruxas é conhecida pela punição das mulheres “atrevidas” ao conhecimento
empírico da medicina popular: o segredo das ervas e também da magia. Foi um período
marcado pela aversão à mulher sabia, estabelecendo lugar, e também a fronteira, que cabiam a
homens e mulheres. A medicina científica oficial era proibida para mulheres devido a sua
“debilidade intelectual inata”, porém a medicina popular, devido ao seu poder prático e
democrático, era exercida por mulheres pobres. Isso mostrou que as mulheres também
possuíam capacidade racional para praticar medicina, e a caça as bruxas, consequentemente,
mostrou que, no conhecimento e na empiria científica, eram os homens que deviam dominar,
representando o ápice da hegemonia masculina no que se refere à ciência (Tosí, 1998:373-5).
Posteriormente, com a revolução francesa, fora a educação e a cultura os responsáveis
em ditar os papéis que homens e mulheres deveriam seguir com relação ao conhecimento.
1 Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
2
Não era mais necessário fogueiras ou forcas que culpassem as mulheres, pois a distinção da
educação de homens e mulheres ensinaria qual lugar social que ambos devem desenvolver.
Epistemologias Feministas – Crítica à ciência tradicional
A ciência é um instrumento fundamental de mudanças sociais e políticas, além de um
instrumento de poder e status, sendo seus mecanismos a competição e a produtividade.
Compreender a sua estrutura, metodologia e seus pressupostos científicos é, portanto, uma
empreitada relativamente nova, feita por intelectuais de movimentos sociais da década de 60
em diante, que foram responsáveis pela crítica do modelo tradicional de ciência, assim como
seus pressupostos de universalidade, objetividade, neutralidade, parcialidade e racionalidade,
que representa, ao homem, branco, heterossexual, ocidental e elitizado, excluindo as minorias
dominadas (Harding, 2007).
Abordando o ponto de vista feminino, invisibilizado na história das ciências, autoras
como Haraway (1995), Harding (1986) e Keller (2000) nos mostram como a ciência
estruturou-se a partir de uma perspectiva masculinizada, produzindo resultados e
conhecimentos imparciais contaminados por valores sociais sexistas, impedindo a entrada,
assim como a permanência, das mulheres dentro das ciências e na formação de suas carreiras
acadêmicas. Desse modo, as pesquisadoras feministas se preocuparam em criar um estilo de
pensamento que criticasse o modelo da ciência tradicional, produzindo assim uma “boa
ciência”, contrária a ideia de firme neutralidade, objetividade e universalidade que o modelo
tradicional nunca conseguiu atingir, concordando que:
“(...) evolução do conhecimento científico foi moldada pela existência
de uma dicotomia fundamental entre masculino e feminino na
sociedade, e pelo fato de que, durante a maior parte da História, a
pesquisa científica foi empreendida por e para indivíduos do sexo
masculino. As pesquisas nesse campo assumem que as definições
vigentes de neutralidade, objetividade, racionalidade e universalidade
da ciência, na verdade frequentemente incorporaram a visão de mundo
das pessoas que criaram essa ciência: homens – os machos –
ocidentais, membros das classes dominantes.” (Löwy, 2000, p. 40)
A perspectiva de gênero possibilitou abordagens distintas de teorias e conceitos
daquela defendida pela ciência androcêntrica. A teoria que surgia apontava como as
pesquisas, pautadas em pressupostos científicos do modelo tradicional, estão impregnados de
valores sexistas que influenciavam todo processo de estudo, inclusive seus resultados. A partir
3
disso, as teóricas feministas partem da defesa de que há uma relação direta entre a cultura e
política ou o contexto histórico e social e o processo científico, propriamente dito, sendo que a
objetividade e a neutralidade não são bases “naturais” do fazer científico desde sempre. Essa
separação seria útil e indesejável, servindo para a manutenção do domínio masculino sobre a
ciência. Portanto, a perspectiva feminista é fundamental na crítica dos pressupostos científicos
da ciência tradicional, entendendo que o conhecimento é construído socialmente e depende da
história e da cultura em que está inserido, por isso, observamos uma teoria ser “superada” ou
“inovada” por outra através dos anos, pois
“(...) não há cultura fora da cultura, nem história natural fora da
História (...) papel central da divisão homem/mulher na constituição
do saber científico. Esta é construída como uma dicotomia natural,
rígida, mutuamente exclusiva e hierárquica – o princípio do masculino
domina sobre o princípio do feminino. Dada a relevância fundamental
dessa divisão em todas as sociedades humanas e a sua incorporação na
cultura e na linguagem, é razoável supor que tenha influenciado a
organização do conhecimento sobre o mundo natural e favorecido o
desenvolvimento de visões dicotômicas e hierárquicas” (Löwy, 2000,
p.41).
Isso nos mostra que o modelo de ciência criado por homens e para homens, desde o
Iluminismo, não é capaz de produzir um conhecimento imparcial ou mesmo “puro”, como se
pretendeu, isso na realidade é uma concepção inocente. A visão feminista explicita que eles
estão localizados numa posição social dominante o que distorce a realidade e preconcebe a
elaboração da problemática, as teorias, os conceitos, os métodos de investigação, as
observações e a própria interpretação dos resultados (Harding, 1986:14).
Sendo a ciência estruturalmente androcêntrica e masculinizada, ela, desde a inserção
das mulheres no mundo científico, privilegia e proporciona oportunidades aos homens,
criando obstáculos específicos para que as mulheres acessem tarefas e atividades mais
reconhecidas e hierarquizadas, legitimando a desigualdade de gênero e a falta de cidadania
(não) oferecida a elas. Esse fator também impede que a ciência tradicional estabeleça laços
fiéis com a objetividade, neutralidade e a racionalidade, assim como os “bons” métodos
científicos, pois ficam retidos nas categorias e conceitos teóricos tendenciosos graças ao poder
em excesso de uma categoria em detrimento de outra, alocando os homens como universais e
totalizantes, historicamente, ocultando, por exemplo, a presença das mulheres em descobertas
científicas e diminuindo elas a “assistentes” ou “ajudantes” de seus parceiros.
4
Com inusitado modo de pensar, a teoria feminista se coloca como modelo mais fiel
aos resultados obtidos, já que o modelo tradicional não pode fazê-lo, por diversificar os
diferentes pontos de vista e modos de enxergar a realidade, partindo de diversos lugares
oprimidos, que não estão num lugar privilegiado de fala. Por fim, também visibilizar as
mulheres no quadro científico dentro de um mundo masculinizado, também afirmar sua
posição quanto indivíduo capaz e apto de desenvolver e dominar os pressupostos científicos,
mais que os homens devido ao sua posição histórica.
Outro aspecto relevante se dá pela instabilidade da teoria feminista, por esta não ser
uma forma única e singular em si, pois apresenta visões diferenciadas de se pensar a ciência:
perspectivas de mulheres negras, brancas, lésbicas, heterossexuais, pobres, ricas, instruídas,
analfabetas, travestis e transexuais etc. Apesar de todas estarem englobadas numa mesma
condição de opressão e desigualdade referente a sexo, elas, obviamente, as “sentem” e a
encaram de maneiras distintas e desiguais. Isso resulta em diferentes perspectivas das próprias
mulheres e de diferentes feminismos pautados em trajetórias mais ou menos parecidas.
Entretanto a condição feminina – seja a privilegiada mulher branca, burguesa, instruída,
heterossexual – possibilita uma fidelidade maior em apresentar o “mundo como ele é”, sendo
caracterizada por uma ciência “alternativa”, menos enganosa, defensiva e mais racional.
De fato a teoria feminista e seus paradigmas científicos mudaram o mundo da ciência
apresentando uma pluralidade de perspectivas diversificadas que abalou as estruturas do
modelo tradicional, fazendo do mundo científico mais democrático, subjetivo e universal,
mudando a forma como homens e mulheres devem enxergar a ciência – apenas de forma
diferenciada. Foi responsável, também, em defini-la como uma atividade subjetiva e situada,
podendo “(...) abrir caminho para uma outra definição de objetividade e de universalidade –
definição que inclui a paixão, a crítica, a contestação, a solidariedade e a responsabilidade.”
(Löwi, 2000:38) apresentando uma forma mais crítica do conhecimento, uma explicação mais
ampla, mais rica, uma maneira melhor de viver no mundo e de nele fazer parte, uma ciência
sucessora (Haraway, 1995).
Com relação aos postos de poder e ao prestígio compartilhado por homens e mulheres
dentro das carreiras acadêmicas, pretendo me aprofundar nas desigualdades entre os sexos
dentro da elite científica brasileira – modalidade de bolsistas de produtividade em pesquisa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apresentado um
5
panorama geral do avanço da teoria feminista no modo de se fazer ciência, mostrando a
precariedade das mulheres em postos mais reconhecidos. Desse modo, irei discutir a
participação das mulheres nas ciências humanas, foco pouco privilegiado no debate de gênero
e ciência. A análise dos dados evidencia estagnações e mesmo retrocessos num campo
historicamente ocupado por pesquisadoras mulheres.
Isso mostra que a ciência continua um empreendimento masculino, que,
consequentemente dificulta a ascensão profissional feminina, tanto pela estrutura acadêmica
sexista, quanto pela mediação que elas precisam fazer entre vida laboral e privada, gerando
menor reconhecimento. Isso deixa claro que a produtividade em pesquisa é estruturada a
partir do modelo de uma ciência com viés androcêntrico, um campo de status, poder e
prestígio de acesso masculino, afinal, quem realiza os critérios para obtenção da bolsa? Quem
avalia os voluntários ao pedido dela?
Análise das trajetórias acadêmicas das mulheres nas Ciências Humanas
Esse esboço das bolsas e bolsistas PQ foi um panorama geral das áreas científicas,
porém, o foco da pesquisa está centrado na análise das trajetórias acadêmicas das mulheres
nas ciências humanas, levantando debate por grande área e sub áreas.
Analisar o perfil dos bolsistas PQ na área de ciências humanas se mostra uma
empreitada nova, pois os campos de estudos acerca da produtividade científica e desigualdade
de gênero esta centralizada nas ciências “duras”, que, historicamente, apresentam uma
decadente representação feminina. No entanto, não é verdade que esse debate também não
perpasse as ciências humanas, pois, quando analisado os dados, vemos que as mulheres
também ocupam menos postos de poder, como presidentes ou vice de associações científicas,
como a SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia), por exemplo (Cordeiro, 2013:192). Além
disso, a representação feminina, assim como estudos de gênero, só avança nas ciências
humanas e ganharam foco analítico quando as mulheres passaram a se inserirem nessa área.
A ideia aqui é desmistificar o olhar das ciências humanas como uma área
“naturalmente” igualitária ou não androcêntrica, apenas pelo fato das mulheres serem mais
representadas por ela, por ser uma ciência “leve”.
Gráficos 1 e 2 – Número absoluto de bolsas produtividade em Ciências Humanas
segundo sexo e idade do bolsista.
6
Fonte: CNPq/AEI. Elaboração Moema de Castro Guedes, Nara Azevedo e Luiz Otávio Ferreira.
Esses dados nos mostram que o número de bolsas concedidas às ciências humanas
cresceu 82,4% – 866 (2001) e 1.581 (2012) –, mais ou menos razoavel a proporção das outras
áreas (Guedes, Azevedo e Ferreira, 2015).
Em 2001 os bolsistas PQ concentram-se na faixa etária com mais de 65 anos, faixa
mais envelhecida, e apresenta apenas 4,2% de jovens. Com 50 anos ou menos os bolsistas,
categoria jovem, a maioria é homem, o que já vem apresentando um quadro de reversão dos
bolsistas mais jovens, prevalecendo os homens. Em 2012 o rejuvenescimento é de 27%, ainda
baixo quando comparado a outras áreas, porém, a entrada de bolsistas mais jovens, na faixa
dos 35 a 54 anos, tem notavelmente favorecido aos homens, sendo eles 61,7% dos bolsistas
jovens, e 38,3% de mulheres, apenas. Ou seja, desde de 2001 enxergamos uma reversão no
quadro das ciências humanas como uma área majoritariamente feminizada, pois a entrada de
bolsistas mais jovens, na categoria mais inferior do sistema hierárquico, 2, tem beneficiado a
entrada de homens, invertendo o perfil feminizado das ciências humanas, como uma área que
vem se masculinizando.
Esse fator não se dá por uma auto desconstrução dessa ciência, porque, quando
analisamos as sub áreas, vemos que a educação e a psicologia em 2001 apresentam um peso
de mulheres PQ muito grande e que se amplia em 2012. Na educação, em 2012, há oferta de
362,8 bolsas, onde 62,7% são destinadas as mulheres, e em psicologia passa de 2001 a 2012,
de 59,9% de bolsas oferecidas as mulheres para 63%. Sendo o contingente de mulheres muito
alto em educação e psicologia, e que aumenta em 2012, acaba sugerindo uma falsa
feminização das ciências humanas num todo.
Desse modo, vemos que dentro das ciências humanas também há uma reprodução de
estereótipos femininos nas carreiras científicas, pois quando analisada as sub áreas, as
050
100150200
65 + 60 a64
55 a59
50 a54
45 a49
40 a44
35 a39
30 a34
Bolsas concedidas em 2001
Homens Mulheres
050
100150200
65 + 60 a64
55 a59
50 a54
45 a49
40 a44
35 a39
30 a34
Bolsas concedidas em 2012
Homens Mulheres
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mulheres são maioria em campos de atuação que refletem seu papel social. A pedagogia, e
também a psicologia, passaram a representar um espaço feminizado graças ao estereótipo
feminino cuidador/protetor, representando hoje a maior porcentagem das bolsistas PQ, que
aponta para uma falsa feminização das ciências humanas.
Por outro lado, as sub áreas da filosofia, ciência política, geografia e a história, são as
áreas com maior queda no número de mulheres. O debate sobre divisão sexual do trabalho
também é válido para ler os postos de poder e espaço nas ciências humanas, já que é preciso
focar numa analise mais crítica e dividida para entender seu quadro.
Tabela 1 - Número relativo e absoluto de homens e mulheres bolsista de produtividade na
área da história, ciência política e filosofia.
Sexo Filosofia Ciência Política História
Mulheres – Número
Absoluto
23 41 107
Homens – Número
Absoluto
121 81 148
Mulheres – Número
Percentual
16% 33,3% 41,8%
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria.
Esta tabela mostra a nítida carência de mulheres nessas respectivas áreas das ciências
humanas. Um levantamento feito de 2001 a 2012. Essas foram áreas que mais se
masculinizaram, nas ciências humanas, faltando a geografia (Guedes, Azevedo e Ferreira).
A filosofia aparece como área mais desigual, com total de 144 bolsistas de
produtividade apenas 23 mulheres, totalizando 16% dos bolsistas. Filosofia, entretanto é uma
área historicamente masculina que não se feminizou. Ciência política, possuindo linha teórica
semelhante a de filosofia, possui total de 122 bolsistas, apresenta 33,3% bolsistas mulheres
em 2016, decaindo 0,4% de 2012 à 2016, ou seja, o percentual de mulheres estagnou-se em 4
anos2. Essa área veio sofrendo a queda de participação feminina, seguido por história, que
possui o maior contingente de pesquisadores em produtividade, e também mais mulheres que
as outras áreas. Entretanto, segundo Perrot (2006), a história é uma área que se tornou
recentemente feminina (século XX), mas ao que diz respeito a produtividade em pesquisa, a
2 Vale destacar que de 2001 a 2012 se registra o número de bolsas concedidas e em 2016 o número de bolsistas.
8
elite academia, elas perdem espaço drasticamente, fazendo dessa área mais uma que vem se
masculinizando: de 2001 a 2012 as mulheres representaram 48% de bolsistas (Guedes,
Azevedo e Ferreira), já em 2016 elas totalizam 41,8%.
Gráficos 10-12 - Distribuição absoluta dos(as) bolsistas de produtividade da área de história,
ciência política e filosofia, segundo nível da bolsa e sexo.
História Ciência Política
Filosofia
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria.
As bolsas de produtividade em pesquisa possuem uma maneira própria de
classificação dos bolsistas, onde as bolsas são niveladas em uma hierarquia de produtividade,
sendo 2 o nível mais baixo e Sênior/1A os níveis mais altos. Essa escala requer uma série de
critérios para que um bolsista suba de nível. (Guedes, Azevedo e Ferreira).
Com relação ao nível dos bolsistas, filosofia é uma área que já apresenta pouquíssimos
bolsistas de modo geral, apresentando apenas 1 bolsista de produtividade sênior, homem, e
apenas uma bolsista mulher 1A, de 11 num total. É também a área com menor participação de
mulheres em qualquer nível, mas, quanto mais se eleva, menos mulheres se encontram.
Característica particular da filosofia que sempre foi uma ciência de menos influência e com
um perfil altamente masculinizado, única área das ciências humanas que nunca se feminizou.
11 11 8 2255
38 11 6
20
100
0
50
100
150
200
SR 1A 1B 1C 1D 2
M
F
4 8 2 621
2 67
613
47
0
20
40
60
80
SR 1A 1B 1C 1D 2
M
F
1 3 3 412
110
18 19 16
57
0
20
40
60
80
SR 1A 1B 1C 1D 2
M
F
9
O nível 2, sendo o nível com maior entrada de bolsistas jovens, também é marcado pela
carência feminina que representa apenas 17,1%: de 70 bolsistas apenas 12 são mulheres.
A ciência política é a área com menor número de bolsistas, totalizando 122 bolsas. A
categoria sênior apresentar apenas 1 bolsista homem, a categoria 1A, sendo a segunda mais
alta da hierarquia, possui 6 homens e 4 mulheres, tendo um maior equilíbrio, apesar de
favorecer os homens. Sendo todas as bolsas sênior masculinas, há a hipótese de que as
mulheres demorariam mais a terminar os estudos que os homens, se doutorando na década de
80, já os homens na década de 60, conforme aponta os dados da pesquisa. Isso mostra que o
tempo de instrução reflete na representação delas nos altos escalões da hierarquia produtiva,
enquanto eles estão na frente, elas estão atrás. O nível 2 apresenta 33,8% de mulheres, mesmo
sendo mais que a filosofia, ainda sim apresenta baixíssimo contingente feminino.
Por último a história, que é a área de maior influência, possuindo total de 255
bolsistas. Essa é a área com maior número de mulheres, que representa nitidamente o modo
como as ciências humanas vem se masculinizando. A categoria sênior apresenta apenas 3
bolsistas de produtividade, todos homens, e também pode ser explicado pela idade, todos
tendo se doutorado na década de 70 – 1970, 1973 e 1978. A concentração maior de homens se
encontra na categoria 2 com 59,5% de homens – de 163 bolsistas 97 são homens.
O que chama atenção com relação ao nível das bolsas é que em ciência política e
história são áreas que vem se masculinizando, reflexo da quantidade de homens que
representam a categoria 2, beneficiando a entrada dos homens jovens, ao invés de mulheres,
enquanto na filosofia há a estagnação das mulheres, devido sua estrutura já desigual.
Dados do doutorado
Gráficos 16- 18 - Distribuição absoluta dos(as) bolsistas de produtividade da área de história
ciência política e história, segundo região da instituição de doutorado e sexo.
10
História Ciência Política
Filosofia
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria.
É no Sudeste que há maior concentração dos bolsistas: com cerca de 53% do total de
bolsistas de filosofia, 58% em ciência política e em história, que apesar de apresentar mais
variedade de regiões brasileira das outras áreas, se distribuem pouquíssimo com relação ao
Sudeste e ao exterior, totalizando todas juntas cerca de 8,2% de doutores, enquanto o Sudeste
soma 78%.
Essa concentração de mais de metade de bolsistas da elite científica no Sudeste nos
mostra que há uma relação direta entre desenvolvimento científico e tecnológico, produção
científica e desenvolvimento econômico, pois é no Sudeste que estão, em massa, as indústrias
e as inovações tecnológicas, e também devido a sua urbanização mais acelerada, possível
acessibilidade e o modo como se desenvolveu certas instituições de excelência.
Os doutores formados no exterior estão mais distribuídos na filosofia e na ciência
política, que apresentam perfil de ensino, influência e status parecidos, sendo que os bolsistas
de produtividade dessa área tendem a recorrer a instituições de máxima excelência para
conseguir a bolsa. Também é interessante notar que o que se refere aos doutorados no exterior
as mulheres são pouquíssimas, exceto em ciência política.
14 7
95
3 58 28
104
0
50
100
150
200
250
M
F
191
21
22
55
40
20
40
60
80
Exterior CentroOeste
Sudeste Sul
M
F
6 161
43
70
80
20
40
60
80
100
Exterior Sudeste Sul
M
F
11
Não há doutores formados no Norte, essa região é característica pela sua exploração
natural e não desenvolvimento de indústrias, pois, apesar de ser a maior região brasileira, esta
longe de ser a mais populosa, se caracterizando pela exploração de terra e produção primária,
que toma seu espaço. Há pouquíssimos bolsistas também no Centro Oeste e no Nordeste, e
mesmo assim não estão distribuídas entre as instituições, estando concentradas em
universidades como UnB (DF) e UFG (GO), UFBA (BA) e UFPE (PE), isso será visto mais a
frente.
Essa má distribuição apresenta certas características: as instituições que possuem
bolsistas em produtividade são repetidas e sempre localizadas nas capitais, isso porque essas
regiões demoraram mais que o Sudeste e o Sul para construir e elevar o nível das
universidades, assim a trajetória histórica das instituições favorece o Sudeste, logo, é mais
fácil essa região conseguir investimento e bolsas, consequentemente se desenvolver, o que
não acontece com as instituições no Nordeste e Centro Oeste, pois, ou ainda estão começando
sua trajetória, ou ainda estando tentando evoluir de categoria pelo nível da Capes.
Gráficos 28-30 - Distribuição absoluta dos(as) bolsistas de produtividade da área de história,
segundo seu sexo e sexo dos(as) orientadores(as) do doutorado.
História
Ciência Política
História
50 57
50
97
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Orientaçãofeminina
Orientaçãomasculina
M
F11
3010
71
0
20
40
60
80
100
120
Orientaçãofeminina
Orientaçãomasculina
M
F
12
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria. Nesses dados a filosofia apresenta o perfil mais envelhecido que as outras. A maioria
dos bolsistas se torna doutor na década de 90, explica porque dos orientadores
majoritariamente são homens, sendo 120 num total de 144 orientadores, ou seja, praticamente
o mesmo número de orientadoras corresponde ao número de bolsistas mulheres, sendo 24
orientadoras. Outra informação inquietante é a que as próprias mulheres bolsistas
majoritariamente escolhem orientação masculina. Num total de 24 mulheres, 19 escolhem um
homem como orientador, porém como esse é um campo com muito homem, essa leitura pode
significar não uma preferência feminina, mas sim uma escassez de mulheres na área, que já
esse é um campo tendenciosamente androcêntrico, mas também pode significar que para as
mulheres conseguirem espaço dentro desse sistema, optam em escolher serem orientadas por
um homem, mesmo que a escolha não seja consciente. Já o que diz respeito aos bolsistas
homens é esperado que eles sejam mais orientados por homens, totalizando 102 bolsistas
orientados por homens, mas, por serem homens já se beneficiam na entrada da elite científica.
Já na ciência política a maioria dos doutoramentos são feitas na década 0. Aqui,
diferente da filosofia, há mais mulheres orientadoras, totalizando 41 mulheres orientadoras
num total de 122. Outra diferença é que, como a ciência política é uma área com mulheres
com tempo de carreira mais alongado, ou seja, mulheres mais velhas, não há uma preferência
das bolssitas mulheres por orientação masculina, havendo praticamente uma equidade de
orientação masculina e feminina entre as mulheres, o que já não ocorre com os homens, que
são majoritariamente orientados por homens, seguindo a mesma lógica da filosofia.
Já a história é nitidamente uma área feminizada que vem se masculinizando, isso pode
ser visto através das orientações: a desigualdade entre homens e mulheres orientadores é de
54 (número absoluto) homens a mais, ou seja, de 254 orientadores (um bolsista não informou
a orientação), 154 são homens e 100 são mulheres, cerca de 40% de orientadoras, que também
5 1819
102
0
20
40
60
80
100
120
140
Orientaçãofeminina
Orientaçãomasculina
M
F
13
se equipara ao número de bolsistas mulheres na área de história. Esse percentual é maior que
em filosofia e ciência política, entretanto essa é a área com maior presença de mulheres
(41,8%). Na orientação dos homens os orientadores tomam mais espaço, reduzindo o número
de orientadoras. Ou seja, as mulheres são orientadas tanto por homens quanto por mulheres,
50 e 57, respectivamente, mas os homens por sua vez optam pela orientação masculina,
formando um padrão dentro dessas ciências humanas, enquanto as mulheres ou escolhem
outras mulheres, ou tendem a um equilíbrio.
Dados da instituição de carreira
Gráficos 34-36 - Distribuição absoluta dos(as) bolsistas de produtividade da área de história
ciência política e história, segundo região da instituição de carreira e sexo.
História Ciência Política
Filosofia
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria.
A região da instituição onde os bolsistas fizeram carreira é um dado semelhante as
região de graduação e doutorado, com exceção de que a distribuição é mais diversificada no
Nordeste e Centro Oeste, mas altamente concentrada em poucas universidades mais antigas,
como a UnB e a UFPE ou UFBA; exceto o Norte, onde há apenas 3 bolsistas da área de
história. Como os bolsistas apresentam um perfil envelhecido, explica a concentração em
4 5 3 1679
6 12 14 32
83
0
50
100
150
200
M
F 9 225
54
7
56
140
20
40
60
80
100
M
F
1 4 18515 31
70
020406080
100
M
F
14
universidades com mais tempo de trajetória, que estão localizadas no Sudeste, já que foi
somente a partir do final da década de 90 e começo da década de 0 que os programas de pós-
graduação no Brasil começaram a se proliferar, isso ofereceu mais empregos o que
possibilitou, também, maior movimentação dos bolsistas em outras regiões.
Antes disso, havia maior concentração dos programas em instituições específicas, que
traçaram suas trajetórias e investiram nos programas a mais tempo, oferecendo hoje alto
qualidade de ensino, além de um perfil simbólico e de excelência de universidade mais
requisitada, e mesmo hoje, com maior diversidade de programas de pós graduação em outros
Estados, são elas que conseguem investimentos em infraestrutura e maior distribuição de
bolsas, devido tempo que tiveram para se qualificar, alcançando nota 5 a 7 pela Capes.
Enquanto isso, ainda há instituições que estão criando um programa de pós-graduação, ou são
recém-criadas, de 1996 a 2014.
No entanto, as mulheres não se movimentam tanto em suas carreiras, como os homens,
estando mais concentradas no Sudeste. Fatores externos, como a família e a maternidade, faz
com que as mulheres tendam a ficarem num local onde possa dar conta da tríade família-
carreira-maternidade e para conciliar os três, se movimentando pouco. Isso já não acontece
com os homens, pois esses se movimentam mesmo tendo família e filhos, pois o lugar social
feminino ligado a reprodução social afeta sua carreira, ao contrário dos homens. Além disso,
essas regiões são as que beneficiam a elite científica de modo geral, fornecendo segurança
profissional para as mulheres, já que são elas as que mais sacrificam outros fatores para a
formação de uma carreira acadêmica.
Gráficos 43-45 - Distribuição absoluta dos(as) bolsistas de produtividade da área de história
ciência política e história, segundo década de da instituição de carreira e sexo.
História Ciência Política
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Filosofia
Fonte: Banco de dados elaborado a partir do CV Lattes dos pesquisadores. Elaboração própria.
De um modo geral a maioria dos bolsistas entra efetivamente numa instituição na
década de 90 e 0, é a partir dessa década que os programas de pós-graduação no país são
criados e se proliferam, proporcionando a empregabilidade. São poucos aqueles da década de
60 e 70 e a partir de 80 começam a subir, é nessas décadas que a disparidade entre homens e
mulheres não é tão grande, quando a bolsa de produtividade era mais dada ou pedida pelas
mulheres, sendo elas maior número nessas décadas. A partir de 90 que há uma desigualdade
muito grande de mulheres com relação aos homens, o que continua em 2010, exceto em
ciência política. Inclusive, vale ressaltar que de 2010 ate 2016 há pouquíssima entrada de
bolsistas, desde a década de 70.
Dentre todas as áreas a filosofia é a área que apresenta perfil mais envelhecido,
seguido da história e da ciência política, onde a maioria dos bolsistas entra em alguma
universidade majoritariamente na década de 90, até mesmo com pequeno salto das mulheres.
Numa análise por sexo vemos que não há mulheres empregadas na década de 60, exceto
história que se tornou uma área bem feminizada desde dessa década, já a década de 70
demonstra um equilíbrio na entrada dos bolsistas nas universidades de atuação profissional, e
é a partir da década de 80 que o número de homens aumenta significativamente, enquanto as
mulheres de forma mais lenta. O salto na década de 90 pode ser explicado pela proliferação
dos programas de pós-graduação no Brasil. Entretanto, decaí o número de mulheres na década
de 0 e depois de 2010 em diante, isso em todas as áreas, não havendo mulheres na filosofia
nessa década. Há um desequilíbrio na história que desfavorece as mulheres e na ciência
política favorece as mulheres, mas no geral é bem igualitária.
Percebemos que a categoria mais nova de bolsistas que entram nas instituições em
2010 e também em 0 favorece nitidamente os homens, e não mostra tendências de reversão
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desse quadro. Isso confirma a hipótese de que nas ciências humanas há uma inversão em seu
quadro, surgindo mais homens jovens enquanto as mulheres possuem perfil mais envelhecido,
e por isso elas apresentam uma equidade quando começam suas carreiras entrando nas
instituições como professoras em 70 e até 80.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que no período recente as mulheres avançaram na educação e no
mercado de trabalho. No entanto, fazendo uma leitura mais crítica vemos que os avanços
continuam de certo modo reproduzindo um estereótipo feminino nas carreiras científicas: suas
escolhas refletem seu lugar social em áreas científicas ligadas ao cuidado. Consequentemente,
essas áreas recebem menor investimento em pesquisa, sendo menos reconhecidas socialmente
como ciência.
A categoria PQ é um excelente exemplo da estagnação das mulheres que se inserirem
em postos mais bem sucedidos e remunerados. Além da dificuldade de ascender dentro dele
ainda assistimos a uma segmentação das pesquisadoras. Porém, optou-se em abordar a área
das ciências humanas para mostrar como mesmo nas áreas femininas assistimos a tendência
de maior inserção dos jovens pesquisadores homens. A história reflete bem esse quadro
assistido em outras sub-áreas das ciências humanas. Outro aspecto importante é desmistificar
a ideia das ciências humanas como campo naturalmente igualitário. Em que peso a
heterogeneidade dos campos que a compõe, há um predomínio feminino nas áreas ligadas ao
cuidado, como a educação, e escassa em outras, como a filosofia, ligada ao razão (mundo das
ideias), assim, deve ser feita uma leitura mais cuidadosa que explicite essas desigualdades.
Em suma, o que observamos é que as estruturas da ciência, assim como os critérios de
seleção aos postos de poder, são marcados por lógicas que ainda reproduzem o antigo
pressuposto de uma ciência neutra. Desse modo, ignora constrangimentos distintos através
dos quais homens e mulheres pesquisadores negociam esferas da vida social e se tornam
produtivos e reconhecidos em seu campo de atuação.
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