AAmmoorr
bbaannddiiddoo Susanna Firth
Digitalizao e reviso:
Tina
Ttulo original: The Overlord (1982)
Coleo: Bianca 175 (1983)
Protagonistas: Lorena Williams & Ramn
Vance
"Sua moleca irresponsvel! Isso hora de
chegar?" O rosto de Ramn estava cheio de raiva, e
ele parecia a ponto de esganar Lorena. Era o homem
mais detestvel, prepotente e mal-educado do mundo!,
pensou ela. Mesmo assim, estava louca por ele. Seria
possvel amar e odiar algum ao mesmo tempo?
Apertou contra o peito o pacote com o vestido novo
que tinha acabado de comprar; o vestido sensual, que
acreditava capaz de realizar o milagre de fazer Ramn
perceber que ela era uma mulher atraente, e no uma
adolescente idiota. Que iluso! Nunca poderiam
chegar perto um do outro sem brigar. Para ele, Lorena
era um aborrecimento. No passava de uma simples e
incompetente empregada, naquela fazenda onde ele
dava as ordens.
Copyright: Susanna Firth
Ttulo original: "The Overlord"
Publicado originalmente em 1982 pela
Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra
Traduo: Everlyn Kay Massaro
Copyright para a lngua portuguesa: 1983
Abril S.A. Cultural So Paulo
Esta obra foi integralmente composta e
impressa na Diviso Grfica da Editora Abril S. A.
Foto da capa: Abril Press
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 3
CCAAPPTTUULLOO II
Papai, quero falar com voc.
Lorena serviu-se de um pouco mais de caf e sentou-se
com a xcara entre as mos, imaginando qual seria o melhor
meio de abordar o que a estava preocupando. Tentara diferentes
maneiras de tocar no assunto nos ltimos dias. mas nenhuma
delas dera resultado. Talvez tivesse chegado a hora de falar
claro.
Olhou para seu pai, sentado do outro lado da mesa de
jantar. O prato havia sido afastado para o outro lado e ele estava
absorto na leitura de uma carta. Apesar de a estncia ficar
bastante longe da cidade mais prxima, costumavam receber a
visita do carteiro trs vezes por semana, e o ritual de abertura da
correspondncia, noite, era uma tradio de que se lembrava
desde que se conhecia por gente.
Papai? repetiu, ansiosa.
Mark Williams levantou a cabea.
Desculpe, querida, no estava prestando, ateno. Acho
que tenho estado sozinho por tanto tempo que me tornei um
pouco anti-social. Deu uma risadinha. Veja s, voc volta
para casa depois de todos esses meses, e seu nico parente vivo
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Projeto Revisoras 4
praticamente a ignora! Ser que um dia poder me perdoar por
isso?
No seja bobo. Lorena olhou-o, com carinho. Sei
que tem estado muito ocupado. Quando foi que no esteve?
Deve ser muito aborrecido ficar sozinha o dia inteiro, e
sei que no sou a mais interessante das companhias noite. No
quer mudar de idia sobre aquele convite de sua coleguinha que
mora em Crdoba? Vou ver se consigo algum para lev -la.
Infelizmente, no posso deixar o carro com voc porque...
No, papai.
Isso me pareceu muito definitivo.
E foi. Ela mexeu na colherinha de caf com dedos
nervosos e depois deixou-a cair sobre o pires. No sou uma
criana que precisa ser distrada o dia todo. J estou bem
crescidinha.
Dezoito anos.
Vou fazer dezenove no ms que vem.
J est quase na idade de se aposentar!
No brinque, papai. Estou tentando falar srio.
Por qu? Deixe isso para os velhos. Voc no tem nada
com que se preocupar.
No, mesmo? falou, quase com rispidez.
O que est querendo dizer? Mark franziu a testa.
Se sobre a universidade, creio que j ficou tudo acertado.
Concordamos que voc s ir para a Inglaterra no ano que vem.
Ainda muito jovem, e eu no teria sossego em deix -la sozinha
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Projeto Revisoras 5
em Londres. At l, ter tempo para se tornar mais adulta e
adquirir mais experincia de vida. Olhe, querida, eu tinha
dezesseis anos quando vim para a Argentina e, acredite -me, sei
como difcil comear a vida num pas estranho, mesmo tendo
bons amigos.
No isso disse Lorena.
Ento, o que ?
Papai, h alguma coisa errada, no? Bem, finalmente
estava falando s claras. Lorena deu um suspiro de alvio.
O pai tentou rir.
Est sonhando!
No, no estou. No incio, pensei que pudesse ser minha
imaginao, mas j estou aqui h uma semana e agora tenho
certeza de que existe algo esquisito no ar. Estudou o rosto do
pai, tentando encontrar uma resposta, mas em vo.
Mal tivemos oportunidade de conversar desde que voc
chegou...
Sei disso, e um dos motivos para minha preocupao.
Voc sempre trabalhou duro, enfrentando qualquer desafio na
administrao, mas encontrava tempo para relaxar. Agora, de
repente, tem trabalhado sem descanso, mal parando para comer.
E anda calado, nervoso, como se tentasse resolver algum
problema insolvel.
Mark Williams deu um suspiro e passou a mo pelos
cabelos, que tinham ficado bem mais cinzentos desde que Lorena
esteve em casa pela ltima -vez. E as rugas da testa pareciam
mais tensas e acentuadas. Estava envelhecido, pensou ela,
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Projeto Revisoras 6
sentindo um aperto no corao. No era justo. Seu pai tinha
pouco mais de quarenta anos e, apesar de trabalhar duro, levava
uma vida saudvel, ao ar livre. Era a preocupao que havia
causado isso.
No sei o que dizer disse ele, finalmente.
Por que no tenta a verdade?
Mark deu um suspiro.
No sei...
Papai, no me deixe de fora. Fomos sempre muito
unidos, temos enfrentado muitas adversidades juntos.
Sim. Acho que tenho me apoiado muito em voc desde
que sua me morreu. Voc tem sido um grande conforto para
mim, Lorena.
Ela sentiu os olhos se encherem de lgrimas. Ann Williams
morrera de cncer h quatro anos, mas a perda parecia muito
recente e sabia que o pai ainda estava inconformado. Piscou com
fora e tentou aparentar calma.
Ento, por que no posso ajudar?
Duvido que algum possa.
Fazia muito tempo que no via o pai to desanimado, e
uma sensao de medo a fez estremecer. Seria to mau assim?
Por favor, papai, conte-me o que est acontecendo de
errado.
Mark levantou-se e foi at a grande escrivaninha de
carvalho que ficava do outro lado da sala. Remexeu numa pilha
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Projeto Revisoras 7
de pastas e papis, encontrou o que procurava e voltou para a
mesa.
Leia isto disse, dando-lhe uma folha datilografada.
Pode explicar tudo melhor do que eu.
Lorena leu a carta atentamente. No era longa, mas a
linguagem no deixava margem para dvidas. A assinatura quase
ilegvel parecia pr um ponto final a uma srie de desaforos.
Problemas concordou. Agora estou entendendo.
Oh, papai, por que no me contou antes?
No quis aborrecer voc. Acho que fiquei esperando por
algum milagre, mas...
verdade.
Mark encolheu os ombros num gesto de desnimo.
. Ele est certo... claro que est certo. Eu devia ter
enfrentado os fatos h muito tempo. tudo culpa minha.
Isso bobagem, papai, nem preciso lhe dizer
protestou Lorena. com veemncia. Voc sempre conseguiu
cuidar de tudo com uma mo nas costas.
Obrigado pela confiana, querida, mas no bem assim.
Talvez tenha conseguido fazer um bom trabalho quando sua me
ainda estava viva e com sade. Acho que perdi o nimo quando
ela morreu. No sei, parece que tudo ficou diferente... O fato
que as coisas tm ido por gua abaixo e no me empenhei o
suficiente para resolver a situao.
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Projeto Revisoras 8
Mas ele est insinuando que voc um preguioso.
Lorena apontava as frases com gestos irritados. Um molenga,
um vagabundo incompetente que deixou as coisas virarem uma
baguna!
E esto mesmo uma baguna. Com essa inflao
desenfreada que o pas est enfrentando, os tempos tm sido
duros. No consegui juntar dinheiro para substituir o
equipamento como costumava fazer antes. Tive que despedir
muitos empregados porque no tinha como enfrentar os
aumentos de salrio. Alm disso, a mo-de-obra rural anda
escassa, o pessoal tem procurado as cidades para conseguir
empregos melhores na indstria. Bem. o caso que. com tudo
isso. a qualidade da nossa carne no mais a mesma e o mercado
internacional est difcil.
Ento, por que esse... esse... Lorena pegou a carta e
tentou decifrar a assinatura. Esse tal de R. Vance no levou
tudo isso em conta, antes de pr toda a culpa em voc?
No assim to simples, meu bem. Proprietrios de
fazendas de gado no pagam um administrador para ouvir
desculpas sobre problemas causados pela economia de um pas.
Esperam que saiba tomar as atitudes corretas para enfrentar a
situao. Foi onde falhei. Perdi o controle. Algumas vezes, acho
que s um milagre far as coisas retomarem o equilbrio. No sei
nem por onde comear a consert-las.
E o que vai acontecer?
Agora no depende mais de mim.. J recebi muitas
cartas me advertindo sobre a situao e consegui dar algumas
explicaes, mas acho que cheguei ao fim da linha. Voc sabe
que o proprietrio dessa estncia um consrcio que tem muitos
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outros interesses financeiros. Durante algum tempo, pude ir
levando as coisas porque o agente encarregado do negcio de
gado estava ficando velho e querendo se aposentar, sem se
empenhar muito no trabalho. Bem, h uns dois meses, fui
informado de que agora h uma outra pessoa em seu lugar. Sabe
como , meu bem: esse novo agente quer mostrar servio para
justificar a contratao.
E voc vai fazer o que ele est pedindo?
No tenho escolha: tenho que preparar um relatrio
detalhado sobre nossa situao financeira. Acho que chegou a
hora da verdade.
E o que vai acontecer?
Os nmeros confirmaro a suspeita de que h algo de
muito errado. Que o rancho no mais um bom negcio. Por
minha causa.
E ento?
Vou ter que enfrentar o inevitvel. Serei despedido e
terei que procurar outro emprego. S Deus sabe onde vou
conseguir um na minha idade e com a situao que o pas est
atravessando.
Lorena ficou chocada. Imaginava que havia problemas,
mas no estava preparada para o que acabava de ouvir. Era
assustadora a possibilidade de ter que deixar o lugar em que
nascera, a casa que sua me havia transformado com tanto
esforo num lar acolhedor, as pastagens onde cavalgava desde
menina... O pior era o efeito que uma coisa dessas causaria no
pai, que chegara ali com pouco mais de vinte anos, recm-
casado. Tinha trabalhado duro para conseguir o cargo de
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Projeto Revisoras 10
administrador. Era uma posio de confiana, conquistada com
suor e dedicao.
Inclinou-se sobre a mesa e apertou a mo do pai, tentando
confort-lo.
No se preocupe, vamos dar um jeito. Vai ver como, no
fim, tudo dar certo. Palavras, simples palavras, do mesmo
tipo que ele costumava usar quando ela era menina, procurando
consolo para seus pequenos problemas infantis.
Estou muito mais preocupado por sua causa, querida.
Temos que pensar na sua carreira, no seu futuro. No consegui
economizar muito durante todos esses anos. Se no arranjar um
bom emprego, no teremos o suficiente para pagar seus estudos
na universidade; muito menos para sua estada na Inglaterra. Nem
sei se poderei lhe dar um teto aqui mesmo. O rosto do pai
estava sombrio. Lorena, ser que pode me perdoar por eu ter
deixado as coisas chegarem a esse ponto?
Tambm tenho minha parcela de culpa. Devia ter notado
como estava a situao h mais tempo. Podia ter feito alguma
coisa para ajudar... sair da escola, vir trabalhar aqui... seria mais
um par de mos. Se tivesse me contado... Parou, desanimada.
Era tarde demais para recriminaes. Agora, precisava ser
prtica e positiva. Olhe, papai, possvel que voc esteja sendo
pessimista demais. Talvez o novo agente no seja to ruim como
parece pela carta. Afinal, ele no sabe todos detalhes. possvel
que esteja s querendo demonstrar que est por cima.
uma carta muito positiva para algum que apenas
analisa uma situao. Mark Williams falava com amargura.
O homem parece ter um quadro bem claro e s querer confirmar
sua opinio, antes de agir.
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Mas ele no o conhece, nunca esteve aqui em Vista
Hermosa.
Isso no importante, meu bem. Ele tem os nmeros e
os proprietrios querem saber de lucros.
No justo! Aposto que esse homem nunca saiu de
Buenos Aires. O que pode saber dos problemas que voc est
enfrentando? Garanto que igualzinho ao outro agente, um
careca barrigudo que nunca viu uma vaca na vida e que sairia
gritando por socorro, se topasse com uma!
Talvez disse Mark, com um sorriso. Se ele for
mesmo igual ao sr. Holmes, possvel que acabe nos deixando
em paz.
Mesmo se no for, por que a ltima palavra tem que ser
a dele? E os donos? Por que voc no vai falar direta mente com
eles? Talvez concordem em fazer novos investimentos aqui.
No assim to simples, querida. Antigamente, quando
o proprietrio era uma s pessoa, podia haver essa
possibilidade. Hoje, porm, Vista Hermosa apenas mais uma
propriedade de um imenso conglomerado financeiro. Encarregam
tipos como esse tal de Vance de cuidar de seus interesses e no
se incomodam com o que ele faz, desde, que tenham bons lucros.
Ento.,.
No podemos fazer mais nada. O homem tem toda a
autoridade Amanh vou lhe enviar a papelada que est pedindo e
depois ficaremos aguardando os acontecimentos. Forou um
sorriso. Pode ser que voc esteja certa: talvez seja s uma
tempestade num copo d'gua.
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Projeto Revisoras 12
Claro que ! Lorena procurou colocar o mximo de
confiana na voz. Daqui a alguns anos, olharemos para trs e
nem vamos acreditar que pudemos ficar to preocupados.
Porm, mais tarde, quando se aprontava para ir dormir,
sentia-se muito incerta quanto ao futuro. Tinha procurado
demonstrar otimismo para alegrar o pai, mas sabia que estavam
diante de uma incgnita. O agente tinha plenos poderes e estava
a quilmetros de distncia. E se decidisse que seria melhor
substituir seu pai por algum mais jovem, cheio de energia e
idias modernas?
Lorena conhecia um pouco sobre o mundo dos grandes
negcios para ter conscincia de que ningum se importava com
as pessoas, quando se tratava de finanas. Naquele mundo, to
distante da tranqila Vista Hermosa, quem no produzisse
resultados era eliminado como erva daninha. Um arrepio a f ez
estremecer. A imaginao comeou a falar mais alto. E se
tivessem que viver de esmolas, como tantos estavam fazendo
naquele pas supostamente to rico? Quantas e quantas vezes
havia sido abordada por velhos, mulheres e crianas, implorando
por alguns pesos para comprarem comida?
Sacudiu a cabea, afastando essa idia. Que bobagem!
Estava se deixando levar pela autopiedade. Era jovem, forte e
ativa. Mesmo que o pai tivesse dificuldade para encontrar uma
colocao, nunca passariam fome. Procuraria um emprego como
balconista, camareira, qualquer coisa. Era pena no estar
qualificada para exercer uma profisso, apesar de ter
freqentado o melhor colgio da regio.
As freiras sempre diziam que era tima aluna e que devia
prosseguir os estudos, tornando-se advogada, jornalista ou
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Projeto Revisoras 13
professora universitria. Seu pai, um homem atualizado, insistia
em que seguisse uma carreira. Apesar de a esposa ter vivido
satisfeita cuidando da casa, ele achava que a mulher moderna
devia aspirar a muito mais do que isso.
O que no significa que no tenho esperanas de que
voc encontre o homem certo e faa de mim um av dizia,
com uma risada.
Voc est longe de ter cara de av brincava Lorena.
Bonito como , seus netos vo cham-lo de titio, e olhe l.
Vamos esperar at voc estar com os cabelos todos brancos e
com um andar pesado!
E era assim que ele estava agora. A preocupao destrua
mais do que os anos. Os cabelos castanho-avermelhados tinham
adquirido uma tonalidade cinzenta, quase sem vida, e parecia
no haver mais o mesmo vigor em seu corpo magro.
Lorena sorriu ao se lembrar dos comentrios da me pelo
fato dela ser to parecida com o pai, e foi se olhar no espelho.
Sim, tinham a mesma cor de olhos e cabelos, o mesmo corpo alto
e esguio. Examinou-se com um ar crtico. Seu rosto, antes
ossudo e infantil, agora mostrava linhas bem marcadas, como via
nas mulheres das fotos de revistas de modas, e que poderiam
passar por beleza, se no fossem acompanhadas por um nariz
arrebitado e boca larga demais. E o resto! Fez uma carinha de
desgosto. Os homens argentinos gostavam de corpos mais
arredondados nos lugares certos. Ningum, em s conscincia,
lhe daria um segundo olhar. Talvez na Inglaterra ainda
conseguisse encontrar algum que se interessasse por tantos
ossos. No, ia acabar mesmo uma solteirona.
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Quando finalmente conseguiu pegar no sono, sonhou que
estava sendo perseguida por um velho que lhe dizia, com voz
trmula: "Case comigo. sua ltima oportunidade". Enquanto o
empurrava com repulsa, viu um nome escrito na lapela: R.
Vance.
Pelo resto da semana, ela e o pai mantiveram suas
conversas em assuntos neutros, evitando tocar naquilo que
estava sempre presente em seus pensamentos. Mark Williams
gastou duas noites preparando o relatrio sobre a situao
financeira da estncia e Lorena ajudou-o o melhor que pde,
secretamente horrorizada com a baguna em que se encontrava a
contabilidade. Ela mesma foi despachar o pacote no correio em
Campo Verde, a cidade mais prxima do rancho.
Depois, comeou a espera. Um dia para a correspondncia
chegar a Buenos Aires, talvez dois ou trs, se houvesse algum
problema. Ento, o homem teria que ter tempo para estudar o
relatrio e os livros, antes de se decidir, o que levaria no mnimo
uma semana. Isso significava que no receberiam uma re sposta
antes de uns dez dias, ou at mais, se o agente no tivesse algo
mais urgente para fazer. Um homem como aquele, pensava
Lorena, interessado apenas em nmeros e lucros, nunca se
apressaria, imaginando que podia haver pessoas morrendo de
ansiedade para saber qual seria sua deciso.
Mark Williams adotou uma atitude fatalista. Agora que no
precisava mais esconder sua preocupao da filha, parecia
aliviado e quase feliz. Voltou a cuidar do rancho com um
entusiasmo que Lorena no via h muito tempo, empenhando-se
em organizar a lavagem do gado com pesticida, um programa
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que acontecia vrias vezes por ano, como parte da preveno
contra doenas.
Seu pai nunca seria um administrador perfeito, pensou
Lorena, vendo-o se afastar, cavalgando ao lado de dois pees,
gachos dos pampas, srios e incrivelmente competentes no trato
do gado. Gostava demais de tudo aquilo, era gentil e cheio de
considerao com os empregados, vendo-se como mais um deles.
Nada lhe dava mais satisfao do que passar um dia inteiro na
sela, cuidando dos animais.
Era um mundo de homens, e Lorena aceitava esse fato com
naturalidade. O machismo latino impedia qualquer interferncia
das mulheres nas atividades de uma estncia, e os pees ficariam
chocados se ela tentasse invadir seu territrio. Para um gacho,
uma mulher tinha outros usos.
O dia estava bonito e ensolarado. Uma brisa agradvel,
ainda que um pouquinho fria, soprava por entre os perfumados
eucaliptos que ladeavam a estradinha que levava ao ptio em
frente da casa. Lorena ficou vendo os homens se afastarem, at
no serem mais do que pontos na distncia, e depois entrou, com
um suspiro. Daria tudo para poder selar seu cavalo e passar o dia
cavalgando.. Num rancho do tamanho de Vista Hermosa, era
possvel percorrer quilmetros e quilmetros sem se ver uma
nica pessoa- e sem nem mesmo se avistar os limites da
propriedade.
Porm, havia muito servio a ser feito dentro de casa.
Encolhendo os ombros, foi para a cozinha, onde pegou o
material de limpeza. Sempre que voltava do colgio interno,
assumia a responsabilidade de fazer uma boa faxina na casa. O
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Projeto Revisoras 16
pai se esforava para manter razoavelmente limpos e arrumados
os aposentos que usava, mas sempre havia muito a ser feito.
Essa vez no era exceo. Seu quarto, a cozinha e a sala
dos fundos, onde passava a maior parte do tempo, usando-a para
comer, fazer a contabilidade e ouvir rdio noite, estavam
bastante limpos, mas o resto dos cmodos era uma verdadeira
lstima. Ao voltar do colgio, Lorena decidira que, nesse ano
que ficaria em casa, se encarregaria de fazer Vista Hermosa
voltar a ser o lar que havia sido, quando sua me ainda estava
viva.
No desistiria dos seus planos, s por causa daquele
velhote de Buenos Aires que podia despej -los a qualquer
instante. Foi para a sala de visitas, o cmodo mais bonito da
casa, onde sua me, nos velhos tempos, costumava receber as
amigas e visitantes de outros ranchos e mesmo de outras cidades.
Os mveis e tapetes estavam cobertos de poeira. Pouco
depois, atacando a sujeira com todo o vigor, Lorena tos sia e
espirrava, dando graas por estar com um leno amarrado nos
cabelos e um vestido velho e confortvel. Ao passar a flanela
pelo grande espelho de parede, decidiu que estava em piores
condies do que a sala, mas continuou com o trabalho, sabendo
que atualmente no corria o risco de receber uma visita
inesperada.
Foi ento que ouviu o automvel. Correu para a janela e
deu uma espiada. Tinha que ser um alarme falso. No estavam
esperando ningum. Exceto... no... seria impossvel. O tal sr.
Vance ainda no teria tido tempo para mandar algum para fazer
uma vistoria na estncia.
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Projeto Revisoras 17
Mas um carro entrava mesmo em Vista Hermosa. Lorena
viu a caminhonete vindo pelo caminho asfaltado, deixando atrs
de si uma nuvem de poeira que levantara ao atravessar a estrada
de terra que levava aos currais. Em poucos momentos,
estacionava em frente do jardim abandonado, que um dia havia
sido a alegria e o orgulho de sua me. Quando o motor foi
desligado, um estranho desceu e andou rapidamente em direo
aos degraus da porta de entrada.
Lorena no sabia muito sobre os homens, mas logo
percebeu que esse era um daqueles que significavam problema.
Problema de um tipo que sua vida curta e at agora protegida
no a preparara para enfrentar. Porm, os acontecimentos dos
ltimos dias j lhe haviam ensinado alguma coisa sobre as
surpresas que o mundo pode oferecer.
Ele era alto, alto demais para os padres argentinos, e seu
corpo firme e pele queimada de sol sugeriam que estava
acostumado a uma vida ativa, ao ar livre, apesar do terno esc uro,
camisa branca, sapatos de cromo e relgio de ouro deixarem
claro que no se tratava de nenhum peo, mas de um homem de
posio. Ainda no devia ter trinta anos, pensou Lorena. mas a
postura arrogante d sua cabea, o queixo quadrado e a linha
fina dos lbios denunciavam maturidade e lhe disseram com
mais clareza do que simples palavras que esse estranho nunca
aceitaria qualquer oposio sua autoridade.
Ouviu seus passos na varanda, surpreendentemente leves
para uma pessoa do seu tamanho, e logo em seguida uma batida
decidida na porta da frente. Foi tomada por uma onda de pnico
e hesitou em atender, sentindo uma estranha relutncia em
enfrentar o visitante. Talvez fosse embora, se ela ficasse bem
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Projeto Revisoras 18
quieta. Algo no fundo do seu ser, parecia lhe avisar qu e esse
estranho ia fazer sua vidinha pacata virar de pernas para o ar, e
Lorena no gostou da perspectiva.
Claro, devia ter percebido que ele no desistiria. Esperou
alguns instantes e depois bateu de novo, com mais fora. Houve
uma pausa, e nova batida, como se estivesse perdendo a
pacincia. Ento a maaneta foi girada e ele entrou. Lorena
nunca poderia esperar uma coisa dessas. Ficou parada, imvel,
como paralisada pelo raio de luz que atravessou o vestbulo,
querendo fugir, mas no conseguindo dar nem um nico passo.
Ah, ento h algum em casa. Voc levou um bocado de
tempo para atender. Era uma voz fria, acostumada a mandar.
Quero falar com o seor Williams. Ele est aqui, ou cuidando
do gado?
Ele a confundira com uma empregada. No era de admira r,
pensou Lorena, segurando o espanador contra o peito, como se
fosse uma arma para se defender.
E ento? O tom brusco a fez estremecer. No tem
lngua? Onde est o seor Williams?
Ela comeou a responder com uma vozinha fraca, como se
fosse um autmato.
Ele no est. Foi... O homem era impressionante
demais para algum se sentir confortvel a seu lado. As palavras
pareciam presas em sua garganta seca.
Claro que no est interrompeu o estranho, com
impacincia. Qualquer homem razovel j estaria trabalhando
h muito tempo. Estou perguntando onde posso encontr -lo. Vai
voltar para o almoo, ou costuma vir s na hora do jantar? Onde
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 19
est? Com o gado? Perto da casa? H algum que possa ir
cham-lo, ou voc est sozinha?
As perguntas saam rpidas como uma rajada de
metralhadora e Lorena se esforava para responder.
Sim... no... isto , no tenho certeza... no h ningum
em casa, s eu... sabe. ele...
Santo Deus, voc nunca venceria um concurso de
inteligncia disse o estranho entredentes. Lorena estremeceu
com a observao e ele percebeu. Ah, isso voc entendeu, no
foi?
No se dignou a pedir desculpas. Tambm, no teria
motivos. Afinal, ela estava mesmo se comportando como se
fosse uma retardada. Mas ele a pegara to de surpresa, que ne m
estava conseguindo raciocinar direito.
O que quer com o seor Williams? perguntou, as
palavras saindo num tom muito mais beligerante do que
pretendia.
O homem levantou uma sobrancelha, intrigado com a
reao.
Acho que no da sua conta. Agora, pela ltima vez,
onde est ele?
V procur-lo voc mesmo, se quiser! explodiu
Lorena. Afinal, quem era esse estranho prepotente e que direito
tinha de interpel-la desse jeito em sua prpria casa? No ia
agentar tanta grosseria. Virou-se de costas para ele e comeou a
andar, no sabendo para onde ia, s querendo se afastar, antes de
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Projeto Revisoras 20
fazer alguma coisa realmente desastrosa, como esbofetear aquele
rosto bonito.
Ele deu dois passos e agarrou-a pelo brao, obrigando-a a
virar-se.
Olhe aqui, menina, estou pedindo uma informao e vou
conseguir. nem que tenha que apelar para a violncia.
Lorena sentiu um arrepio gelado na espinha. O que ele ia
fazer? Por que havia sido to idiota, dizendo-lhe que estava
sozinha em casa?
E ento? Os olhos escuros pareciam ser feitos de
gelo. ameaando hipnotiz-la. Sacudiu-a, com impacincia.
Estou esperando uma resposta, sua pateta! Diga-me onde est o
seor Williams. Quero falar com ele.
E da? Quem voc para vir me gritando ordens?
perguntou, furiosa.
Os dedos magros e compridos apertaram seu brao com
uma fora quase insuportvel, e ela podia sentir a raiva
controlada vibrando dentro daquele homem.
Meu nome Vance.
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Projeto Revisoras 21
CCAAPPTTUULLOO IIII
Vance? Lorena estava chocada e seu rosto
demonstrava isso claramente. Voc R. Vance? Esse
pedao de virilidade, agressivo e vital, seria mesmo o agente dos
proprietrios? Impossvel! Era completamente diferente do tipo
de pessoa que costumava representar as multinacionais,
geralmente europeus plidos, falando a lngua com gran de
dificuldade.
Ramn Vance.
Ramn. Sim, isso explicava o tipo moreno, a altura
incomum e o espanhol perfeito. Devia ser argentino, descendente
de ingleses ou americanos.
Voc parece surpresa disse ele, secamente. Soltou-
lhe o brao, e ela se afastou, esfregando o lugar dolorido.
E estou. Voc no nada do que imaginei ao ler sua
carta.
Ele levantou as sobrancelhas.
No pensei que Mark Williams tivesse o hbito de
mostrar a correspondncia particular aos empregados.
Era melhor se apresentar logo, pensou Lorena.
No, sr. Vance, eu...
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Projeto Revisoras 22
Ah, tem uma posio mais privilegiada, no?
Examinou-a com um leve ar de desdm. Sim, estou sabendo
que a seora Williams faleceu h algum tempo. Fez uma
pausa significativa.
O que aquele homem estava insinuando? Que ela... que seu
pai teria...
Como se atreve? Sou a filha de Mark Williams!
Furiosa, Lorena apertou as mos para no esbofete -lo. Seu
sujo... seu...
melhor parar com isso. O tom era calmo, mas
terrivelmente ameaador.
Nunca fui to insultada na vida!
Voc ainda no viveu muito. Se isso o pior que j
ouviu, tem muita sorte. A voz continuava calma e inalterada.
Foi um engano bastante compreensvel, nas circunstncias.
Cavalheiros no cometem enganos desse tipo.
Ele deu uma risada spera.
No se iluda: no sou nenhum cavalheiro.
Isso j ficou bem claro! E, pelo que vejo, tambm no
vai me pedir desculpas.
No tenho o hbito de me desculpar. Alm disso, ainda
nem sei seu nome.
Lorena fumegava de raiva, mas no havia nada que pudesse
fazer. Gostaria de enfrent-lo, mas sabia que seria como uma
mosca batendo numa parede de ao.
Sou Lorena Williams disse, emburrada.
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Projeto Revisoras 23
Muito bem. Agora que foram cumpridas as
formalidades, que tal sairmos aqui da porta?
Ele parecia ter o dom de deix-la em m situao. Sentiu-
se como uma criana de seis anos, sendo censurada por sua falta
de educao.
Sim, claro. Entre, por favor.
Uma manh de faxina no havia feito nada para melhorar
o, aspecto da sala de visitas. Ao contrrio, os mveis afa stados
do lugar, tapetes enrolados, vassouras e panos espalhados s
contribuam para que parecesse ainda pior.
No h outro lugar? perguntou ele. com um ar de
desagrado.
Costumamos usar a sala dos fundos disse Lorena,
encolhendo os ombros.
No pode ser pior do que isso. Vamos para l.
Est bem. No ia discutir. Pelo menos, a sala dos
fundos estava limpa e razoavelmente em ordem. Tinha feito a
faxina no dia anterior, apesar dos protestos do pai. que
reclamava que nunca mais ia encontrar nada do que costumava
deixar l. Indicou o caminho.
A expresso de Ramn Vance no demonstrou se estava
mais satisfeito com esse cmodo. Deu-lhe outro daqueles olhares
penetrantes que j estava comeando a associar a ele e depois
virou-se para ela.
Gostaria de uma xcara de caf e alguma coisa para
comer. Foi uma ordem, no um pedido, e Lorena recuou
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 24
instintivamente. No tive tempo para fazer uma refeio mais
substancial essa manh.
Ela sentiu vontade de dizer: "Lamento. No por isso que
vou aliment-lo". Porm, teve a sensao de que ele lhe daria
umas palmadas, se falasse algo parecido.
Vou ver o que posso arranjar disse, com maus modos,
e dirigiu-se para a cozinha, consciente do olhar que a
acompanhava.
No levou muito tempo para fazer um bule de caf e
preparar um prato cheio de sanduches. Se o sujeito esperava
algo sado de um livro de culinria francesa, azar dele, pensou,
furiosa. Voltou para a sala e colocou a bandeja em cima da mesa,
sem qualquer cerimnia.
Ramn Vance estava de costas para ela, olhando o
panorama que se descortinava da janela. Ao ouvir o tilintar da
loua, virou-se e, sem esperar convite, sentou-se no lugar
favorito de seu pai, uma poltrona de couro bastante velha, mas
muito confortvel.
Pode pr a bandeja aqui ordenou, indicando uma
mesinha a seu lado.
Falou como se ela fosse mesmo, uma empregada. Lorena
engoliu o desaforo que ia escapando de seus lbios e pde
perceber, pelo brilho que viu nos olhos castanhos, que ele sabia
exatamente o que ela estava sentindo. Maldito ho mem, nada lhe
escapava! Pegou a bandeja e praticamente atirou -a sobre a
mesinha.
Obrigado. J ouvi falar muito na extraordinria
hospitalidade dos moradores dos pampas. bom v-la em ao.
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Projeto Revisoras 25
Lorena ficou vermelha com o tom de zombaria. Olhou para
a porta, desejando poder escapar para ter tempo de recuperar a
compostura. Seria muito bom se ele quisesse comer sozinho.
Voc j almoou? A voz dele interrompeu os
pensamentos de Lorena.
No estou com fome. A idia de compartilhar uma
refeio com aquele grosseiro a revoltava. Porm, como se
protestasse contra a mentira, seu estmago roncou, reclamando
por comida.
Como quiser. Ento, pode se sentar enquanto como.
Eu preferia...
No estou interessado nas suas preferncias disse
ele, suavemente, olhando-a direto nos olhos. Sente-se.
Voc no tem o direito de me dar ordens!
Tenho todos os direitos do mundo. Agora, vai se sentar
ou terei que obrig-la?
Ele falava srio. Lorena podia perceber isso pelo seu tom,
apesar de no ter levantado a voz. No precisava. Obedeceu,
sentando-se toda rgida numa cadeira dura, com as mos
cruzadas no colo, feito uma menininha. Afinal, no adiantava
agir de outro modo: era assim que ele a estava tratando.
Quer um pouco? perguntou Ramn Vance, servindo-
se de uma xcara de caf.
No, obrigada.
Ele comeu um sanduche e deu uma mordida num outro.
Esto muito bons.
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Projeto Revisoras 26
Procuramos agradar. Lorena no ia aceitar qualquer
oferenda de paz, se era isso que ele planejava. Por acaso, achava
que ia ado-la com comentrios desse tipo?
Ainda bem. Devo dizer que at agora no tinha notado
muita evidncia do seu desejo de agradar. Diga -me, voc
sempre assim azeda com as visitas, ou tem algo de especial
contra mim?
O que acha? perguntou Lorena, num tom provocador.
Sabia que era idiotice tentar enfrent-lo, mas alguma coisa
parecia impeli-la a isso.
Acho que vai acabar numa tremenda encrenca, se no
tomar mais cuidado.
Pare de falar comigo como se eu fosse uma criana!
Ento, pare de agir como uma. Levantou-se, e Lorena
ficou tensa. O que ia fazer? No, ele no se atreveria a tocar um
dedo nela. No mesmo? Voc no to valente como quer
aparentar disse ele, com uma risada desagradvel. Tirou
metade dos sanduches do prato e deu o resto para ela. Coma.
J lhe disse que...
Vai comer, quer queira ou no. E vai buscar uma xcara
para tomar caf tambm. J me fez perder muito tempo.
Antes mesmo que percebesse, Lorena viu -se obedecendo
humildemente. No tinha recuado na batalha, pensou, enquanto
mordia um sanduche avidamente. Era s que no adiantava
discutir por algo sem muita importncia. Quando seus olhares se
encontraram, viu aquele brilho de zombaria e imaginou a quem
estava tentando enganar. Claro que no era a ele.
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Projeto Revisoras 27
Bem, agora podemos conversar disse Vance, quando
terminaram de comer.
Sobre o qu? No tenho nada a lhe dizer.
Claro que tem. s querer. Afinal, o que est fazendo
aqui? Pensei que estivesse na escola.
Vejo que muito bem informado!
Tenho que ser, para poder executar bem o meu trabalho.
Voltei para c na semana passada. J terminei meus
estudos explicou Lorena, de m vontade, depois de uma
pausa.
Estamos em janeiro, o ano letivo terminou em
novembro. O que esteve fazendo nesse intervalo?
Um curso de etiqueta numa academia de Crdoba.
Aprendemos boas maneiras, postura, como servir uma mesa,
como receber convidados...
Esquea os detalhes. Conheo esse tipo de coisa
disse Ramn Vance, com uma careta. No parece ter
aproveitado muito desse tal curso acrescentou.
No sei por que acha que devia ser recebido com um
tapete vermelho. A voz de Lorena mostrava seu
ressentimento. No uma visita bem-vinda.
Foi o que pensei. Diga-me, o antigo agente tambm
recebia esse tipo de tratamento?
Ele nunca esteve em Vista Hermosa. Ficava em Buenos
Aires e no metia o nariz onde no era chamado.
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Projeto Revisoras 28
Ah, sim, e voc deve ter apreciado muito essa atitude.
Enquanto isso, a estncia continuava seu caminho para a runa.
Mas claro que voc no deu a mnima para isso, no?
Eu no sabia de nada!
No? Ah, mesmo. Estava na escola e fazendo cursos
de etiqueta. Muito conveniente! Pois eu estou sabendo de tudo.
Estive trabalhando, estudando a situao, e no estou nada
satisfeito com o que anda acontecendo por aqui. Por acaso, voc
se interessou em saber como estavam os negcios, depois que
seu pai lhe mostrou minha carta?
Ele me disse que havia problemas. Achei que no devia
ser nada de muito grave, que no pudesse ser resolvido com
facilidade. Lorena tentou fingir uma atitude digna.
Voc entende alguma coisa sobre a administrao de
uma estncia?
No. Confio no julgamento do meu pai disse, com
altivez.
Estou contente por ver que h algum que tem f nele.
Quer dizer que no tem?
No ponha palavras na minha boca disse Ramn
Vance, num tom irritado e autoritrio.
verdade, no? perguntou Lorena. com amargura.
Deixou tudo bem claro na sua carta: no tem a mnima confiana
nele, no ?
No conheo seu pai; portanto no posso julg-lo.
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Projeto Revisoras 29
No, claro que no conhece. Ento, deixe-me dizer-lhe,
sr. Vance: ele vale dez de voc! um homem honesto, esforado,
trabalhador e...
Talvez seja mesmo tudo isso. Se for, ter que haver
outra explicao para a estncia estar indo por gua abaixo. Seja
qual for, estou aqui para descobrir o motivo desse fracasso. Com
sua permisso, claro.
Monstro sarcstico! Lorena nunca antipatizara tanto com
algum.
E o que um bicho da cidade como voc pode saber sobre
a administrao de um lugar como este? Por acaso, j viu alguma
estncia de gado fora das revistas ou das telas de cinema?
perguntou, com desdm.
Sei o suficiente respondeu Vance, parecendo pouco
inclinado a ampliar a resposta.
No estvamos esperando sua visita.
Foi o que percebi. E no sei por qu. Afinal, era a nic a
atitude que eu poderia tomar. Mas no preciso se desculpar.
Seu tom era o de um rei concedendo perdo e Lorena levantou o
queixo num gesto de desafio.
No estou me desculpando. S quis...
Sim?
Explicar por que fiquei surpresa em v-lo. Sei que meu
pai teria ficado em casa, se tivesse sido avisado de que voc
estava para chegar. Mas acho que isso foi proposital.
possvel. Talvez seja mais um exemplo da minha
natureza mesquinha, que voc acha to diferente da do seu pai.
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Projeto Revisoras 30
Vai ver que estou certa quando conhec-lo disse
Lorena, confiante.
E quando vou ficar conhecendo esse paradigma de
virtudes? No vim para c para discutir com voc. Pelo que me
lembro, perguntei pelo seu pai alguns segundos depois de nos
vermos. Consultou o relgio. Isso foi h quase quarenta e
cinco minutos, e ainda no fui informado do seu paradeiro.
Lorena desistiu. No adiantava mais tentar ganhar tempo.
Quanto mais cedo os dois homens se encontrassem, mais cedo
esse estranho arrogante teria oportunidade de rever sua opinio.
Papai foi buscar um lote de gado que est perto da
fronteira com Los Molinos. Saiu bem cedo, mas acho que ainda
vai levar algum tempo para voltar. Estudou o visitante com
um ar de dvida. Sabe montar? Eu poderia ir com voc para
tentar procur-lo, mas no sei que caminho papai vai pegar para
voltar. Sabe, aqui no o Parque Palermo de Buenos Aires, onde
h caminhos especiais para cavaleiros. um lugar imenso, e
algum no familiarizado com os marcos poderia se perder com
facilidade.
Estou certo de que voc choraria lgrimas amargas, se
isso acontecesse comigo caoou Ramn. Quando acha que
ele vai estar aqui?
Em duas horas, talvez trs, depende. Penso que hoje vai
querer chegar mais cedo para deixar tudo preparado para a
lavagem com pesticida amanh.
Entendo. Ento, no adianta eu ir at l. Ele deve estar
muito ocupado e no vai me agradecer por interferir numa hora
como essa.
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 31
Lorena no acreditava que o pai gostaria daquela
interferncia em qualquer hora, mas no disse nada. Ans iosa
para se afastar um pouco daquele homem, sugeriu, esperanosa:
Por que no descansa um pouco? Fez uma viagem longa.
Quando os olhos escuros a examinaram cheios de
zombaria, ficou imaginando se esse Ramn Vance tambm era
um telepata. Parecia ler seus pensamentos com a maior
facilidade.
Lamento desapont-la, mas no estou cansado. Um vo
de hora e meia num avio confortvel e uma viagem
relativamente curta por estradas razoveis no so suficientes
para me afetar. Lanou-lhe um olhar malicioso. Se bem
que tenho que admitir que essa ltima hora foi um pouco difcil.
No ia lhe dar o gostinho de responder, pensou Lorena,
decidida a tomar uma atitude gelada e polida que talvez surtisse
mais efeito com ele.
O que gostaria de fazer, sr. Vance?
Est me dando carta branca?
Parece que no tenho escolha.
Tem razo. Ento, mostre-me a casa. Quero ver cada
parte dela, desde o telhado at o poro, se tiver. Entendeu?
Perfeitamente respondeu Lorena, entredentes.
Duas horas depois teve que acreditar que o homem no
sabia o que era cansao. Tinham feito uma excurso completa
pela casa subindo at em escadas para inspecionar tetos e
telhados. Ele no deixara nem mesmo de examinar cada canteiro
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 32
do jardim e da horta. E, enquanto andavam, fazia perguntas,
muitas das quais ela havia sido incapaz de responder.
O homem no deixava passar nada. H quanto tempo
tinham feito a ltima reviso do telhado? E do encanamento?
Que mveis e utenslios tinham sido substitudos por seu pai e o
que o antigo ocupante da casa levara, h quase vinte anos? Os
quartos de hspedes costumavam ser arejados com freqncia?
Tinham o hbito de receber visitas? Que tipo de verdura
plantavam? Seria possvel se conseguir uma quantidade
suficiente para ser vendida a outros consumidores?
Voltaram sala dos fundos onde tinha se iniciado a
maratona, e Lorena no se preocupou em esconder seu cansao,
quando afundou numa poltrona.
Exausta? perguntou ele, sem demonstrar qualquer
compreenso. Fui demais para voc?
O que adiantava responder? Ela suspeitava de que Ramn
Vance tinha se divertido muito em v-la se atrapalhar nas
respostas ao seu interrogatrio. O pior que sabia que se sara
muito mal naquela prova.
Imaginou o que ele ia inventar agora. Normalmente, a essa
hora, j estaria pensando nos preparativos para o jantar. Gostava
muito de cozinhar e tinha prazer em fazer pratos gostosos para o
pai, que, quando estava sozinho, no variava muito sua dieta,
comendo sempre carne, preparada sem muita imaginao.
Parece que s um terremoto conseguiria arranc-la
dessa poltrona disse Vance, num tom enganosamente suave.
E da?
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 33
No acha que est na hora de cuidar do jantar?
O maldito parecia mesmo ter o dom de ler seus
pensamentos. Apesar de saber que, se tivesse um pingo de juzo,
devia desaparecer em direo da cozinha, Lorena no conseguiu
controlar o mau humor.
Estou cansada.
Seu maravilhoso pai no merece encontrar uma refeio
decente depois de passar um dia inteiro na sela?
Ele vai entender.
mesmo? Bem, pode ser que ele esteja acostumado com
suas malcriaes, mas eu no gosto disso.
Se est preocupado com o jantar, por que no toma uma
providncia?
exatamente o que vou fazer.
Antes mesmo que ela percebesse o que estava acontecendo,
viu-se arrancada da poltrona e empurrada para dentro da
cozinha.
Me largue, seu porco! Lutou, conseguindo muito
pouco contra aqueles braos de ao, chutando as pernas
compridas numa v tentativa de escapar. Podia ter economizado
energias. Seus esforos no resultaram em nada.
Foi isso que lhe ensinaram na escola de etiqueta?
perguntou Ramn Vance, depois de conseguir sua rendio com
um simples torcer de pulso.
Seu miservel! gritou Lorena, ofegante, forada a se
apoiar naquele corpo magro e forte, completamente exausta para
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 34
tentar continuar lutando. O maldito no estava nem mesmo
respirando mais rpido.
E ento. Vai cuidar do jantar agora?
Vou. Sabia quando estava derrotada.
A que horas vocs costumam comer?
L pelas sete. Sei que muito cedo pelos padres de
Buenos Aires, mas somos pessoas simples e trabalhadoras que
dormem cedo e acordam cedo. No temos tempo para uma vida
de elegncia.
Ele ignorou a observao.
Est bem. s sete, ento. Sabe cozinhar?
Vai ter que esperar para ver. possvel que fique
decepcionado. Na certa, as mulheres com quem voc anda so
mestras na cozinha francesa.
Nem todas disse ele, num tom ligeiramente divertido.
De modo geral, no escolho minhas companhias por seus
talentos culinrios.
Claro que no, pensou Lorena. Seriam peritas e m outras
coisas. Se esse sujeito estava tentando deix-la embaraada, no
ia conseguir. Podia no ter muita experincia com homens, mas
no era boba e sabia muito bem do que ele falava. No ia nem
lhe dar o gostinho de ficar corada.
Ramn Vance agora estava a meio metro dela, encostado
no batente da porta. Mas, ainda assim, parecia perto demais. Sua
proximidade a afligia de um modo estranho, e Lorena quis se
afastar para fugir desse efeito. Deu uns passos para dentro da
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 35
cozinha e estremeceu ligeiramente. Por que ele tinha que ser
assim to... to fsico?
Eu a machuquei?
O que acha? Vou estar toda roxa amanh disse, cheia
de ressentimento.
A culpa s sua. Talvez as manchas sirvam para
lembr-la de que no se deve lutar contra o inevitvel.
Oh, claro! Sim, seor Vance. No, seor Vance. Como
quiser, seor Vance. assim que gostaria que fosse?
Seria uma agradvel surpresa, vinda de algum como
voc.
Talvez seja esse o tipo de tratamento que encontra com
as suas mulheres, mas comigo diferente!
Veremos.
E mesmo? desafiou Lorena. No sei, no.
Ele encolheu os ombros. Parecia no estar disposto a
comear uma nova discusso. Graas Deus, pensou ela. Vendo
que a observava, como se a estudasse nos mnimos detalhes e a
comparasse com as mulheres que conhecia, no conseguiu evitar
uma pontada de orgulho feminino ferido. Sabia que devia estar
horrvel, com os cabelos escondidos pelo leno e usando um
vestido velho e disforme. Ainda por cima, suja de p e vermelha
de raiva! Claro que no era uma dessas bonecas de cidade, que
passam dias nos institutos de beleza e ficam apavoradas quando
um vento desmancha seu penteado, mas sabia se arrumar e
sempre conseguia dar uma boa impresso. Quando queria,
pensou, furiosa.
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 36
Bem, vou deix-la sozinha para produzir o jantar do
sculo disse Ramn Vance, afastando-se.
O que vai fazer? Com certeza; ia sair pela casa,
procurando outros motivos para acusar a famlia Williams de
molenga e preguiosa.
Quer que eu fique lhe fazendo companhia? Ele estava
caoando dela. No sei bem por qu, mas achei que gostaria
de me ver pelas costas por alguns momentos.
E acertou. Mas...
Mas no quer me ver xeretando por a, descobrindo
outras falhas do seu querido pai, certo?
Ele podia ler sua mente como um livro aber to, pensou
Lorena, querendo sapatear de raiva como uma criana frustrada.
Era esperto demais. Por que tinha que ser algum como ele? Por
que o agente no era um velhote com um certo gosto por
mocinhas bonitas? Assim, poderia tentar fazer alguma coisa para
melhorar sua disposio quanto situao da estncia. Porm,
que mulher conseguiria enfrentar Ramn Vance?
Vou dar uma volta l fora informou ele. Acho que
assim no causarei nenhum mal.
Faa o que quiser. Pode ir para o inferno; seria at
melhor. Lorena no estava mais preocupada com o que ele
pensasse. Se quisesse xeretar, que fosse. No havia mesmo jeito
de impedi-lo.
Vance deu uma risada, e o som foi vibrante e
inesperadamente atraente.
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Projeto Revisoras 37
Vou tentar no chegar atrasado para o jantar. Ah,
Lorena...
Era a primeira vez que dizia seu nome, e ela ficou tensa.
Sim? perguntou, com maus modos.O que agora?
melhor voc se arrumar um pouco.
E mesmo?
Sim. Sempre posso desculpar desastres culinrios de
uma mulher que se esfora para agradar e m outros aspectos.
Voc est horrvel no momento, mas acredito que pode ser at
apresentvel, quando quer.
No lhe dando oportunidade de uma resposta custica
quela provocao, Ramn Vance desapareceu em direo do
jardim, no deixando qualquer consolo para Lorena, seno bater
as panelas, furiosa por no poder atir -las na cabea dele.
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Projeto Revisoras 38
CCAAPPTTUULLOO
IIIIII
Enquanto preparava a comida, Lorena mantinha a ateno
voltada para o ptio, na esperana de conseguir avisar o pai
sobre o visitante, antes de serem feitas as apresentaes formais.
Porm, ao perceber que ele ia mesmo chegar atrasado, foi
forada a abandonar a idia e ir para o quarto, que ficava numa
das alas laterais, para se arrumar.
Tomou uma ducha rpida no banheiro antiquado, um dos
quatro da casa e o nico em perfeito estado de funcionamento, e
depois foi inspecionar seu guarda-roupa para escolher algo
adequado. Fez uma careta ao ver o que tinha sua disposio.
Alm dos uniformes do colgio, sobrevivia praticamente custa
de jeans e camisetas, mais alguns vestidinhos de algodo, na
maioria feitos por ela mesma na velha mquina de costura da
me. No tinha uma nica pea altura dos padres de um
homem como Ramn Vance.
Tocou um dos vestidos de tecido xadrezinho que faziam
parte do seu uniforme de vero no colgio interno. Era pouco
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 39
mais do que um guarda-p, abotoado na frente, com pregas na
saia e golinha redonda. Por que no? Afinal, ele a tratava corno
uma menininha. Depois de se vestir, prendeu os cabelos em duas
trancas. Olhou-se no espelho, analisando o resultado. Com uma
risadinha, percebeu que parecia ter uns doze anos. Bem feito!
Ele estava acostumado com mulheres que se esforavam por
agrad-lo e que, com certeza, passavam o tempo todo pensando
nos trajes elegantes que usariam nos encontros. Pois bem, aqui
estava uma qu no tinha a mnima inteno de fazer nada
parecido e que no se incomodava em alardear isso em alto e
bom som.
Olhou para o relgio. Seis e meia, e ele havia dito que
jantariam s sete. Em ponto, se j sabia alguma coisa sobre
aquele homem. Lorena esperou que o pai no se atrasasse
demais. A idia de comer sozinha com Ramn Vance no era
exatamente agradvel. Enquanto se dirigia para a ala principal da
casa, ouviu a voz do pai e deu um suspiro de alvio. Suas preces
tinham sido atendidas!
Papai! Finalmente voc voltou, graas a Deus!
Aconteceu uma coisa horrvel... Parou, completamente sem
jeito, quando viu que Mark Williams no estava falando com um
dos empregados, como pensava, mas com Ramn Vance.
Os dois homens se viraram para ela, que engoliu o resto
das palavras apressadamente.
Lorena! A expresso de surpresa e desaprovao do
pai no deixou dvida do que tinha achado de sua falta de
modos. Lanou um olhar para o homem a seu lado, como que
pedindo desculpas. Sinto muito, seor Vance. Minha filha tem
a tendncia de falar sem pensar...
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 40
Eu j tinha notado. tpico dos muito jovens, no? A
discrio vem com a maturidade. Os olhos escuros a
examinaram com um leve ar de desagrado por sua nova
aparncia.
Voc devia ter levado o seor Vance ao quarto de
hspedes. Lorena. Por que no faz isso agora? Talvez ele queira
trocar de roupa para o jantar. Olhou para as prprias roupas,
empoeiradas e cheirando a cavalo, que contrastavam
violentamente com a aparncia imaculada do visitante. Com
licena. Vou deix-lo aos cuidados de Lorena enquanto me lavo.
O olhar que lanou filha no deixava dvida de que haveria
encrenca, se ela no tratasse o hspede com o mximo de
cortesia. Ela pode ser uma anfitri perfeita, quando se
empenha.
S que agora no est se empenhando, no ?
perguntou Ramn, quando ficaram sozinhos. Imagino que isso
indicou seu vestido seja s para me provocar, no?
E provoca? perguntou Lorena, docemente.
No do modo que imagina. O olhar percorreu sua
figura, fazendo-a ficar subitamente consciente, de que o
uniforme do ano passado estava um pouco justo demais. Seus
seios firmes e cheios foravam os botes e a saia revelava mais
das suas pernas bem feitas do que seria aceitvel pela moda ou
mesmo pela decncia.
No olhe para mim desse jeito.
Se pretende andar por a parecendo uma menina
prodgio que no quer aceitar a idade, melhor ir se
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 41
acostumando que olhem para voc. Ramn riu. No sou o
nico homem que vai reagir assim.
Seu monstro!
J ouvi isso, e no foi s uma vez. Agora, que tal
obedecer seu pai como uma boa menina deve fazer e me mostrar
o meu quarto?
Por aqui disse Lorena, entrando na ala de onde sara
e seguindo em frente, sem se dignar a ver se ele a seguia.
No percebera antes como o quarto parecia feio e
abandonado. Era usado to raramente, que ningum se
preocupava em lhe dar uma pintura nova ou trocar as cortinas
desbotadas. Um ou outro representante de firmas de produtos
qumicos ou agropecurios, algumas amiguinhas suas que tinham
vindo para um fim de semana haviam dormido ali, mas, na
maioria do tempo, o quarto permanecia fechado e esquecido.
Ramn Vance entrou na frente.
Que aposento encantador! Combina muito bem com o
resto da casa comentou, secamente, enquanto passava a ponta
do dedo pela camiseira empoeirada.
No tenho tempo para cuidar de tudo disse Lorena,
defendendo-se. A casa grande demais. H vinte anos,
quando meu pai veio para c, havia quarenta empregados para
cuidar da estncia. Pode imaginar que quatro homens
trabalhavam em tempo integral nos jardins? Havia uma
governanta e um exrcito de camareiras para fazer a limpeza.
Os tempos mudam. Ramn testou a cama com uma
das mos e as molas do colcho rangeram em protesto.
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 42
E nem sempre para melhor. Antigamente, os donos das
fazendas se preocupavam com suas propriedades, mesmo que no
vivessem nelas. Agora, fica tudo nas mos de pessoas como
voc.
Est dizendo que no me importo? Ora, se no me
importasse, no estaria aqui para descobrir por que o lugar no
est rendendo o que deve.
Lucros! Dinheiro! s nisso que pessoas como voc
pensam! Pois saiba que h coisas mais importantes na vida.
Nem tantas disse Ramn, calmamente. O que
pagou sua escola gr-fina? O que que a alimenta, veste e lhe d
oportunidade de ser alguma coisa? Palavras so muito bonitas,
mas no substituem o dinheiro.
No adianta falar com voc. No entenderia, mesmo.
Talvez no. Sou um bruto insensvel, no?
Foi voc quem disse.
Quando me conhecer melhor...
No tenho vontade de conhec-lo melhor, seor Vance.
Ele ignorou a grosseria.
Vai descobrir que tenho sentimentos muito fortes sobre
certas coisas. E oua-me: se continuar insistindo em implicar
comigo, vai acabar recebendo mais do que pediu. Lembre-se de
que s vezes o touro acaba levando a melhor numa tourada.
No tenho medo disse Lorena, num desafio.
Mas, por dentro, sentiu um estremecimento de puro pnico.
Apesar de no querer reconhecer, sentia -se inquieta, sem saber
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 43
como lidar com esse homem. Nunca havia encontrado algum to
msculo, to cheio de confiana. Era astuto, tambm. At agora,
tinha estado brincando com ela, sabia disso. Se realmente se
empenhassem numa batalha de vontades, Lorena suspeitava de
que seria a perdedora, e no estava gostando da idia.
bom saber que no sente medo de mim disse ele,
num tom agradvel. Isso far com que a vida por aqui se torne
um pouco mais interessante, mesmo se voc acabar capitulando
no final.
Quem est falando em capitulao? perguntou ela,
com atrevimento.
Eu.
J sabia que ele podia se movimentar com incrvel rapidez;
ainda assim, pegou-a to de surpresa, que no teve tempo de
reagir. Um brao j estava em torno dela, antes que percebesse o
que acontecia, uma mo agarrava a sua nas costas, enquanto
outra puxava-a para muito perto dele.
Lorena estremeceu com uma excitao sbita e
desconhecida. Havia algo naquele homem que despertava seus
sentidos de uma forma completamente estranha.
Eu avisei disse Ramn, tenso. Voc no quis me
escutar, no ? Pensei que fosse mais esperta. Bem, se no
entende a voz da razo, vamos ver se esse mtodo tem melhores
resultados.
Sua boca caiu sobre a dela com uma insistncia que no
permitiu qualquer tentativa de fuga. Depois de alguns segundo s
de uma sensao intensa, que quase fez seu corao parar,
Lorena no tinha mais certeza se realmente gostaria de escapar.
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 44
Seus lbios se entreabriram instintivamente sob os dele e seus
sentidos imaturos comearam a reagir quele assalto experiente.
Uma parte do seu ser gritava que no devia se render, que seria
humilhante demais. Porm, era tarde para gritos de alerta. Estava
sendo levada por uma onda de prazer.
Ramn soltou-a de repente e afastou-se, deixando-a meio
tonta, quase cambaleante com a rapidez da ao.
Talvez seja esse o melhor meio de se lidar com voc
disse, pensativo. Pelo menos, fica de boca fechada. No teve
muita experincia com homens, no , Lorena?
Ela jamais admitiria isso. Encolheu os ombros.
Por acaso, esperava que eu correspondesse com
entusiasmo'? Ora, eu nem mesmo gosto de voc!
No gostou nem um pouco do sorriso que ele lhe deu.
No achei que faltava entusiasmo; s prtica.
Ora, seu... seu...
Sim?
Lorena no conseguia fazer o insulto sair da garganta
apertada. Quis lhe dar uma bofetada, mas sabia que a punio
viria na mesma hora. Em vez disso, passou a mo pelos lbios,
para deixar bem claro que tinha achada aquele beijo repugnante.
Fique longe de mim, seor Vance disse, recuando
para a porta.
melhor me chamar de Ramn. Os olhos escuros
brilhavam, como se um diabinho danasse dentro deles.
Afinal, j nos beijamos.
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Projeto Revisoras 45
Esse foi o primeiro e ltimo beijo que ter de mim!
Uma pena. Com um pouco de prtica, voc poderia ser
at razovel.
Voc tambm. bom comear aprendendo um pouco de
bons modos! Com essas palavras, Lorena fugiu para seu
quarto, trancando a porta como se temesse uma perseguio. No
precisava ter se preocupado. O corredor continuou em silncio e
ela pde respirar de novo.
Sentia o corpo queimar, s em pensar no incidente. Como
ele pde agir daquele modo? E, mais importante, como pde ela
se entregar? Tinha sido mesmo Lorena Williams quem havia
provocado um homem at aquele ponto e que gostara... sim,
gostara do que aconteceu depois? O que havia em Ramn Vance
que a fazia reagir assim?
O pai notou que havia algo de errado com ela. Seguiu -a at
a cozinha, quando foi fazer o caf depois do jantar.
O que est havendo com voc perguntou, depois de
fechar a porta para o visitante no ouvir.
A comida no estava boa? Fiz o melhor possvel, papai
respondeu, fingindo ignorncia.
O jantar estava excelente e voc sabe. Sempre foi uma
mestra no preparo das empanadas e do arroz com frango. Estou
falando do modo como est agindo.
No entendi.
Lorena, estou decepcionado com voc. Mal conversou
com o seor Vance, e, nas poucas vezes que falou, comportou -se
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Projeto Revisoras 46
como uma criana mimada. No sei o que ele est pensando de
voc!
E que me importa? Ora, vamos, papai. Ele no
nenhum bobo. Sabe muito bem que no devia esperar outro tipo
de tratamento. Afinal, no bem-vindo aqui.
Olhe, filha, a posio dele to difcil como a nossa.
Mas voc no ajuda em nada. Se est se comportando desse jeito
por lealdade a mim, esquea, querida.
Eu simplesmente no gosto dele.
No gosta dele? No seja tola! Mal o conhece, como
pode dizer se gosta ou no do homem? Ele me parece at
agradvel.
Lorena encolheu os ombros. Sabia que no estava mesmo
fazendo nada para ajudar,
Desculpe, papai. No consigo evitar. Acho que foi um
caso de antipatia primeira vista. s vezes acontece.
Bem, no quero que acontea agora o pai falou, com
uma firmeza inesperada. No podemos fazer dele um inimigo.
Dependemos demais do relatrio que vai apresentar a nosso
respeito.
No me obrigue a bancar a hipcrita, papai. No saberia
fingir que gosto dele.
No isso que quero que faa. S espero que trate o
seor Vance com a cortesia devida a um hspede. Mark
suspirou. No piore as coisas, Lorena, por favor. Ele vai ficar
aqui por algum tempo, inspecionando tudo. No ser um mar de
rosas para mim. No agradvel trabalhar sabendo que estou
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Projeto Revisoras 47
sendo observado e criticado a cada movimento em falso. Se est
decidida a antagonizar o homem, a vida no ser fcil para
nenhum de ns nas prximas semanas.
Prximas semanas?! Ele vai ficar aqui todo esse tempo?
o que parece.
Lorena teve vontade de gritar. Como suportaria sua
presena por tanto tempo?.
Vou fazer o possvel, papai disse, sabendo que tinha
que se esforar. Mas no espere milagres, viu?
Agora est falando como minha filhinha! Mark deu
um sorriso e voltou para a sala, parecendo bastante aliviado.
O hspede notou os sbitos esforos de Lorena para ser
agradvel. Ela percebeu isso pelo brilho matreiro nos olhos
escuros, apesar de ele dirigir a conversa quase que s a seu pai.
Claro que estava se divertindo em v-la rastejar, pensou, furiosa.
Na manh seguinte, Lorena levantou-se la cama com um
suspiro. Seu dia j estava estragado, s de pensar que teria que
ver Ramn Vance novamente. Vestiu-se devagar, querendo adiar
aquele momento. Quando olhou para o relgio, franziu a testa. J
eram quase seis e meia! Ia se atrasar com o caf da manh, se
no se apressasse. O pai j devia estar acordado e impaciente
para sair para o trabalho. Naturalmente, o hspede ainda estaria
dormindo. Um executivo de Buenos Aires nunca aparecia no
escritrio antes das nove.
Buenos dias, seorita. A voz vinda da porta da
cozinha quase a fez deixar cair a loua.
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Projeto Revisoras 48
Buenos dias respondeu, tensa, colocando os pratos
em cima da mesa e tentando aparentar uma calma que no sentia.
Ramn Vance deu uma olhada significativa para o relgio
de pulso.
Seu pai me disse que voc geralmente costuma estar de
p bem antes disso. Estava imaginando se tinha perdido a hora.
E ia me tirar da cama?
Pensei em lhe dar mais cinco minutos disse,
calmamente. Depois... quem sabe? Doenas desesperadas
exigem remdios desesperados.
E est desesperado pela minha companhia, seor Vance?
No. S pela comida. Tenho um dia de trabalho duro
minha frente.
Ah, sim. Na certa, pretende ensinar uma ou duas
coisinhas aos gachos.
Lorena lanou-lhe um olhar de desdm, mas, no ntimo,
no conseguiu deixar de admirar a figura mscula sua frente.
Ramn Vance havia trocado o terno escuro por jeans desbotado,
botas e uma camisa de algodo aberta no peito, que o faziam
parecer muito diferente de um executivo de Buenos Aires. Tinha
um aspecto duro e perigoso. Porm, a aparncia no era
suficiente nos pampas. Um homem tinha que provar que era
homem por suas aes, no por seus trajes.
Virou-se de costas para ele e comeou a preparar o
desjejum. Quanto mais cedo comessem, mais cedo se livraria
daquele homem irritante. Em tempo recorde, serviu a costumeira
refeio matinal dos pampas: bife a cavalo e uma montanha de
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Projeto Revisoras 49
torradas acompanhadas de caf forte. Ficou satisfeita em ver o
pai comer com gosto, tal como o visitante. Apesar de estar
preocupado, ia precisar de todas as energias para o trabalho duro
que o esperava. No era fcil conduzir animais assustados para
dentro das calhas cheias de gua misturada com pesticida para a
lavagem.
Lorena sorriu consigo mesma, ao ver os homens se
afastando. Ramn Vance era uns bons quinze centmetros mais
alto do que seu pai e tinha uma figura muito mais imponente,
mas ela sabia muito bem a quem os gachos iriam obedecer.
Mark Williams sempre trabalhara baseado no princpio de nunca
pedir a um empregado para fazer algo que ele mesmo no
pudesse executar Por isso, os homens o respeitavam tanto. S
queria ver como Ramn ia se sair com eles; principalmente
adotando aquela atitude de dono da verdade!
Lavou a loua e comeou a cuidar da arrumao da casa.
Um sorriso aparecia em seus lbios, sempre que pensava como
aquele bicho da cidade estaria se sa indo com os vaqueiros.
Quando Mark Williams trabalhava longe de casa,
costumava levar alguma coisa para comer no almoo, ou ento
compartilhava de um assado com os homens. Mas, se ficava por
perto, Lorena lhe levava uma cesta com a refeio.
De acordo com o hbito, ela preparou uma montanha de
sanduches e completou a cesta com frutas, queijo e algumas
garrafas de cerveja gelada. Tinha certeza de que os homens
apreciariam. At super-homens como Ramn Vance precisavam
de combustvel, pensou, com azedume.
O calor atingiu-a como uma muralha slida, quando saiu da
casa em direo da rea da lavagem. Em poucos minutos, j
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Projeto Revisoras 50
estava suada e a cesta parecia muito pesada. Logo comeou a
ouvir os gritos dos pees incitando o gado a entrar no corredor
que levava aos cochos de lavagem. Essa era uma operao-que
devia ser feita vrias vezes por ano para manter os animais livres
de doena. No entanto, o gado nunca conseguia se acostumar a
isso e o trabalho era duro e perigoso.
Lorena fez uma parada, bem fora do caminho da ao.
Conhecia o suficiente dessa operao para ter cincia dos
perigos que podiam correr os pouco cautelosos. Uma patada era
capaz de deixar um homem inconsciente, e, se ele casse no meio
dos animais assustados, suas chances de sobrevivncia seriam
nulas. Encostou-se na cerca, admirando mais uma vez a
habilidade com que os pees a cavalo conduziam o gado,
ajudados por seus cachorros feios, mas incrivelmente eficientes.
Lorena olhou para onde estava Ramn Vance e imaginou
como se sentiria no meio de toda essa atividade. Mesmo um
completo ignorante das coisas que se passavam numa fazenda de
gado no podia deixar de apreciar tal exibio de percia. Um
sorrisinho de desdm passou por seus lbios. Ele continuava
bancando o vaqueiro, pensou, fingindo que estava vontade e
carregando um longo chicote.
Como percebendo que estava sendo observado, ele virou -se
de costas para os animais e olhou para ela. Seus olhos se
mantiveram fixos um no outro por um longo momento. Lorena
foi a primeira a desviar o olhar. Maldito homem. Ser que tinha
que fazer isso toda vez?
O ltimo lote de vacas foi conduzido pelo corredor e,
pouco depois, seus corpos molhados e brilhantes ressurgiram no
cercado, onde eram reunidas para serem levadas de volta
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Projeto Revisoras 51
pastagem. Toda a operao parecia ter sido realizada com o
maior sucesso. O pai devia estar aliviado, pensou Lorena,
satisfeita, enquanto acenava para ele e pegava a cesta para lev -
la ao galpo.
Havia uma enorme quantidade de poeira no ar. Se no
fosse por isso, ela teria percebido o perigo. Quando notou o
corpo fino e enrolado, quase da mesma cor do cho, a cobra j se
preparava para o bote.
Culebral gritou um dos pees. Cuidado,nia!
Culebra! Comeou a correr para ela, mas estava a mais de
cinqenta metros de distncia.
Lorena ficou imvel, como paralisada, esperando pelo
ataque. Mas ele no veio. Um chicote, cortando o ar com a
mesma rapidez do bote da cobra, impediu o ataque. No instante
seguinte, Lorena era agarrada pela cintura e arrastada para longe
do perigo.
Sua idiota! resmungou uma voz em seu ouvido.
Por que no olha por onde anda?
Com um esforo, ela se virou para olhar para seu salvador.
Percebeu vagamente que um dos homens matava a cobra.
Era venenosa? perguntou, trmula.
Mesmo que no fosse, voc ia levar uma picada feia que
a deixaria fora de ao por um bom tempo disse Ramn.
Eu simplesmente no a vi. A voz de Lorena estava
fraca. Agora que o perigo tinha passado, sentia -se entorpecida.
Tudo tinha acontecido com tanta rapidez! Suas pernas
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Projeto Revisoras 52
comearam a dobrar, mas antes que casse ele a segurou, quase
com brutalidade.
Voc no vai desmaiar! Vamos, Lorena, controle -se! O
perigo j passou.
Ela sabia disso, mas no estava conseguindo assimilar tudo
que acontecera e seu nico desejo era explodir em lgrima s.
Porm, aquelas palavras duras a foraram a recobrar as foras,
afastando-se daquele corpo firme em que se amparava.
Lorena, voc est bem? Mark Williams estava plido
quando se aproximou deles. Ela chegou a picar?
No, no. Quase pisei na cobra, mas ela nem chegou a
completar o bote. Seja quem for que usou o chicote, foi mais
rpido do que o vento.
Graas a Deus! Foi um golpe magnfico, Vance.
Obrigado. Mark sorriu para o salvador da filha. Onde
aprendeu a fazer isso? No circo?
Foi pura sorte, s isso disse Ramn, encolhendo os
ombros. Qualquer outro teria feito o mesmo. Eu que estava
mais perto. No houve nada de herico.
Voc? perguntou Lorena, incrdula. Foi voc
quem deu a chicotada? Mas como...
Com licena, preciso ir falar com os homens. Oh,
Williams...
Sim?
Cuide dela. melhor lev-la de volta para casa. Levou
um bom susto e vai precisar algum tempo para se recuperar.
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Projeto Revisoras 53
Com um aceno de cabea, Ramn afastou-se em direo dos
pees que estavam parados num grupo, comentando o acidente.
Vamos, mocinha, para casa. Pode andar?
Estou bem, papai. No preciso fazer drama. Estou
tima. Tudo o que preciso agora ...
De uma boa cama. Vance tem razo: voc levou um
choque e tanto.
Ainda protestando sem muito empenho, Lorena deixou-se
conduzir pela mo do pai. Suas pernas estavam fracas e a cabea
girava. No queria desmaiar. No podia desmaiar. Mas, de
repente, o cho comeou a ondular sob seus ps. Antes de ser
envolvida pela escurido, teve certeza de ouvir novamente a
ordem de Ramn Vance, mandando-a se controlar, mas dessa vez
seus esforos foram inteis.
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Projeto Revisoras 54
CCAAPPTTUULLOO
IIVV
Ramn ainda estava dando ordens, quando Lorena acordou.
Primeiro, pensou que continuava dormindo e sonhando. Se no
fosse assim, como se explicava que estivesse na cama, de
camisola, com o sol da tarde ainda alto no cu? Ento, lembrou -
se.
Eu lhe disse que no devia desmaiar falou Ramn
Vance, num tom acusador. Estava sentado numa poltrona ao lado
da cama e sua figura poderosa dominava o cmodo.
Parece que, pelo menos uma vez, algum o
desobedeceu. Lorena respondeu, com uma vozinha fraca. O
que est fazendo aqui?
Bancando a bab. O brilho em seus olhos indicou que
no apreciava a experincia.
Oh... Ela registrou a informao com alguma
dificuldade. Sua cabea ainda estava confusa. Cad papai?
Voltou ao trabalho.
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Projeto Revisoras 55
Quero ver papai disse, como uma criana
desamparada.
No vai dar. Ele tem coisas mais importantes a fazer do
que ficar refrescando sua testa febril.
Voc o fez voltar, no ? Sei que ele no queria sair do
meu lado.
Ficou mesmo um pouco preocupado. Voc apagou sem
mais nem menos, dando-lhe o maior susto. Mas eu lhe disse que
no devia dar muita importncia.
E claro que papai ficou tranqilo disse Lorena, com
ironia.
Naturalmente. Ainda mais quando me ofereci para ficar
com voc at ter certeza de que estava bem.
E estou? Diga-me, doutor.
Pelo jeito, est se recuperando rapidamente. Ramn
falou num tom seco, e pegou seu pulso. O contato fez os sentidos
de Lorena se excitarem involuntariamente. Sua pulsao ainda
no est totalmente normal.
Voc no tem um efeito exatamente calmante sobre
mim. Para falar a verdade, faz meu sangue ferver a maior parte
do tempo.
Parece que no consigo fazer nada direito, no que se
refere a voc, no ? No parecia muito preocupado.
isso mesmo. Ento, Lorena lembrou-se do
acontecido. Oh, desculpe. No lhe agradeci por me salvar da
cobra.
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Projeto Revisoras 56
J era tempo.
Ele no fazia nada para melhorar as coisas.
Estou muito grata.
No precisa se esforar. Posso sobreviver sem discursos
bonitos, se acha to difcil faz-los. Continuo dizendo que voc
no aproveitou muito o tal curso de etiqueta.
No sou muito boa em agradecer foi o melhor que ela
encontrou como desculpa. Alm disso, como que se
agradece a algum que salvou nossa vida? Parece um pouco
melodramtico, no?
Ramn deu uma risadinha.
Ah, sim, a famosa discrio inglesa... o certo receio de
deixar as pessoas embaraadas. No precisa se preocupar com
isso. No tenho nada de ingls e ser preciso muito mais do que
um agradecimento para me fazer corar.
Ela bem podia imaginar. Quantos homens conseguiriam
estar sentados no quarto de uma moa que mal conheciam,
parecendo to vontade e conversando despreocupadamen te,
como se fizessem isso todos os dias?
Ele ainda no tinha terminado de atorment -la.
Claro, se voc acha que simples palavras no so
capazes de expressar seus agradecimentos, podia tentar as aes
disse, com um ar malicioso. Dizem que elas surtem melhor
efeito.
, bem que podia. Tentou enfrentar seu tom casual
no mesmo nvel.
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Projeto Revisoras 57
Mas no vai, no ?
No diga que est desapontado. Por acaso, valoriza
tanto assim os meus beijos?
Tenho que reconhecer que tm uma certa qualidade, mas
no vou morrer sem eles. Estudou-a por um instante, seu
olhar to penetrante que Lorena mexeu-se, inquieta. S
imagino o que seria preciso para voc perder a cabea por um
homem.
Muito mais do que voc tem a oferecer!
No faa declaraes impensadas, ou posso ficar
tentado a provar o quanto est errada.
Isso uma ameaa ou uma promessa? Ficou surpresa
com seu prprio atrevimento. O que havia nesse homem que a
fazia esquecer toda a cautela? No entanto, esse duelo de palavras
era excitante e convidava a um perigo com que antes nunca teria
sonhado.
Digamos que estou fazendo uma declarao de
intenes respondeu Ramn. Enquanto isso, vou lhe dar
alguma coisa por conta, s para provar meu interesse.
Inclinou-se sobre a cama e deslizou os braos em torno
dela, puxando-a para perto. Seus lbios queimaram uma trilha
sensual de pequenos beijos em seu pescoo e face, antes de
alcanarem a boca. Como na primeira vez, os lbios de Lorena
se entreabriram, como se tivessem vontade prpria.
Era loucura, e ela sabia disso. Mas no se importou. Seus
braos o envolveram, puxando-o para ainda mais perto. Nunca
tinha estado assim to junto de um homem, mas um instinto
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Projeto Revisoras 58
primitivo a guiava, enquanto sensaes desconhecidas pulsavam
dentro de seu corpo, tornando-a consciente de apetites que nunca
imaginara existir.
Todo seu ser estava vivo, como um instrumento de cordas
respondendo ao toque de um artista talentoso. No ofereceu
qualquer resistncia, quando Ramn a fez deitar e comeou a
puxar a camisola com movimentos lentos e embriagadores,
expondo seu corpo quente s carcias das suas mos experientes,
levando-a a um auge de desejo que gritava por uma satisfao
que s ele poderia proporcionar. Com um movimento gil,
Ramn cobriu-a com seu corpo firme.
E ento? Isso prova alguma coisa? A voz dele soou
como vinda de muito longe.
O qu? perguntou Lorena, confusa. Um segundo
antes, parecia que no podia haver mais nada entre eles, seno a
mais ntima das experincias. Agora, Ramn estava se
levantando como se nada tivesse acontecido. A desiluso caiu
sobre ela como uma onda avassaladora. Seu sujo!
Por qu? Por ter recusado o que voc estava me
oferecendo com tanta ansiedade? Com gestos descuidados,
indiferentes, ele passou a mo pelos cabelos despenteados e
abotoou a camisa. Ou est brava por eu ter parado justamente
quando as coisas estavam ficando interessantes?
Como se atreve a sugerir que eu estava... que eu ia...
Lorena no encontrou palavras para expressar sua indignao.
Que queria que eu fizesse amor com voc? Acho que seu
comportamento no deixou margem para dvida. No notei
nenhuma tentativa de lutar contra mim.
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
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Lorena ficou em silncio, morta de vergonha. Depois,
conseguiu juntar alguns restos de dignidade.
Voc se aproveitou de mim. Nenhum homem decente
teria se comportado desse modo.
Ser mesmo? No sabe nada sobre homens, decentes ou
no; melhor se convencer disso. D graas a Deus por ter se
sado dessa sem se queimar. Talvez no tenha tanta sorte na
prxima vez.
No haver uma prxima vez.
Veremos. Ramn encolheu os ombros e enfiou a
camisa dentro da cala, tomando a direo da porta.
Se voc se atrever a pr um s dedo em mim, contarei a
meu pai!
Ele parou.
Por acaso, espera que eu trema de medo s em pensar
nisso? O que acha que seu pai faria? Me daria uma surra? Ora,
Lorena, cresa! Voc vive dizendo que no mais criana, mas
no perde oportunidade para agir como se fosse. Um brilho
cnico surgiu nos olhos castanhos. Ser adulta significa andar
sobre seus prprios ps; no sair correndo para o papai, pedindo
socorro, sempre que as coisas saem diferente do que planejou.
Voc o dr. Sabe-Tudo, no?
Acho que sou, sim. Portanto, agora voc j sabe quem
deve procurar, se precisar de ajuda para melhorar as falhas de
sua educao. Parece que os cursos que fez no surtiram muito
efeito.
Saia! Saia daqui! E saia da minha vista!
Amor bandido Susanna Firth Bianca 175
Projeto Revisoras 60
Com o maior prazer. Prometi ao seu pai que ficaria ao
seu lado at estar recuperada. Pelo jeito, j voltou ao mau humor
habitual. Ramn abriu a porta e preparou-se para sair. Ah,
e no precisa se preocupar com o jantar. Eu e seu pai iremos
cidade essa noite. Ele vai me apresentar a algumas pessoas, e
teremos um jantar de negcios num restaurante qualquer.
mesmo? E o que o dr. Sabe-Tudo quer que eu faa,
enquanto vocs saem para se divertir?
Seria bom aproveitar a oportunidade para esfriar esse
mau gnio. No haver ningum em casa para ser vtima dessa
sua lngua afiada. Quanto a mim, ser um sossego ficar livre da
sua encantadora companhia por algumas horas.
Ora, seu... seu...
Ramn fechou a porta, tornando qualquer improprio
intil. Furiosa, Lorena comeou a socar o travesseiro, desejando
que fosse aquela cabea, arrogante. Jurou um dia se vingar
daquele homem prepotente, fazendo-o pagar por toda a
humilhao que a estava fazendo sofrer. Deixou-se cair de
costas, exausta, e sonhou com os piores mtodos de vingana,
um sorriso encurvando seus lbios.
Quando abriu os olhos, j eram quase seis horas. Sentia -se
cansada, deprimida, no sabendo se a causa daquilo tudo era a
cobra ou Ramn Vance.
Estava com fome. Lembrou-se de que nem mesmo tinha
almoado. Espreguiou-se, e estava se preparando para sair da
cama, quando uma batida na porta a fez agarrar os lenis numa
atitude de defesa.
Relaxou ao ver que o visitante era o pai.
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Como est se sentindo, querida? Parecia a
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