HANNAH ARENDT: UM CONCEITO REPUBLICANO DE LIBERDADE
Vinícius Batelli de Souza Balestra1
GT I – Direitos Civis e Políticos
Palavras-chave: Hannah Arendt; liberdade; lei; direitos políticos; republicanismo.
I. Objetivos
No presente texto, procuro fazer uma breve exposição do conceito de liberdade tal
como apresentado na obra de Hannah Arendt. Este exercício de exposição se dará a partir de
um texto em que a autora se dedica exclusivamente ao tema do conceito filosófico de
liberdade, com diálogo entre outros textos da mesma autora, bem como em diálogo com
alguns comentadores de sua obra. O intuito de apresentar um conceito de liberdade segundo
Hannah Arendt tem por objetivo aproximá-lo do conceito de liberdade que normalmente
associamos ao Republicanismo. Para tanto, também nos valeremos do conceito de lei em
Hannah Arendt. Assim, também estaremos, ao mesmo tempo, explicitando um conceito de
liberdade que se aproxima à da cultura política grega, entrelaçado a um conceito de lei que
remonta à tradição do Direito Romano.
De fato, como veremos, um dos cernes da diferença entre Republicanismo e
Liberalismo, duas culturas político-filosóficas formadoras da Modernidade, está justamente
no modo com que essas correntes concebem o tema da liberdade e da legalidade. Neste
sentido, parece no mínimo interessante apresentar os conceitos de liberdade e lei de Arendt
brevemente, para que se perceba o modo com que ela está vinculada às matrizes do
republicanismo, anotando similaridades e inovações em sua formulação. Nosso objetivo
primordial é apresentar um conceito de liberdade que nos sirva à tarefa de repensar os direitos
fundamentais no paradigma do Estado Democrático de Direito, que, para nós, tem como
tarefa a supressão do “déficit democrático” vivido pelo Estado de Direito em suas fases Social
e Liberal (CATTONI DE OLIVEIRA, 2012).
II. Abordagem Teórica
1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato pelo e-mail [email protected], pelo telefone 12-981272822. Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9483263637974195
O texto “Que é Liberdade?” (ARENDT, 2011c), da filósofa Hannah Arendt, integra
um conjunto de textos reunidos em sua obra intitulada “Entre o Passado e o Futuro”,
publicada pela primeira vez em 1954 e que teve sua última edição, revista e ampliada, em
1968. No livro, além de se dedicar a temas puros da filosofia política, como é o caso dos
textos “Que é Autoridade?” e “Que é Liberdade?”, Arendt faz um esforço para refletir sobre
questões presentes a seu tempo, como a crise na educação, a crise na cultura e mesmo a
conquista do Espaço. Escolhemos o quarto texto da obra porque entendemos que o conceito
de liberdade, tal como Arendt o apresenta no texto, nos permite inseri-la no rol de pensadores
republicanos.
Segundo Arendt, é importante perceber que a liberdade sempre foi conhecida no
âmbito da política, e não do pensamento ou da filosofia. Isso significa dizer que a liberdade
não é experimentada no diálogo do eu consigo mesmo, conforme primeiramente apareceu em
Paulo, e depois em Santo Agostinho. Para Arendt, um dos problemas da abordagem filosófica
a respeito da liberdade foi justamente transpo-la de seu campo original, a política, para o
âmbito do domínio interno, da vontade, do livre-arbítrio.
A filósofa nos esclarece que a liberdade deve ser vista como própria do campo
político, porque é ela o motivo dos homens viverem politicamente. Nesse sentido, tal
liberdade política é radicalmente distinta da “liberdade interior”, entendida como locus íntimo
no qual os homens se sentem livres porque nele escapam do mundo externo.
A interioridade, assim, foi entendida por uma parte dos filósofos como o lugar em que
o eu encontra absoluta liberdade. É por isso que Arendt define a experiência da liberdade
interior como uma experiência derivativa de liberdade: aqueles que não conseguem
experimentar a liberdade no mundo se refugiam para um lugar em que ninguém mais tem
acesso: a interioridade. A colocação do problema da liberdade como um problema filosófico
se daria nos termos, portanto, de uma liberdade interna, e apareceria apenas na Antiguidade
tardia.(ARENDT, 2011c).
No conjunto da obra de Arendt, explica Honohan (2002), a dimensão primária daquilo
que é público é a visibilidade. Isso significa dizer que os eventos que acontecem no espaço
público ganham relevância a partir de seu aparecimento para todos; o espaço da vida privada,
aqui, aparece como menos valioso, embora seja ele o lugar em que homem pode guardar
coisas que não sobrevivem em público, ou que não têm importância suficiente para se
tornarem públicas. No entanto, aquilo que é revelado em público tem uma solidez e realidade
que as coisas do mundo privado não têm. O reconhecimento só pode ser realizado na relação
entre os homens, ou seja, no espaço público.
Não é apenas da polis grega que Arendt retira seus argumentos para definir a política e
a liberdade, mas também da experiência romana. A filósofa relembra que em Roma, a
liberdade era um legado direto dos fundadores da Cidade. Em outras palavras, as liberdades
dos romanos estava diretamente ligada àquele início estabelecido pelos antepassados que a
fundaram, e caberia aos legatários dessa fundação aumentar essa fundação. O início da cidade
é que estabelecia a liberdade da qual as gerações futuras iriam desfrutar.
O texto que ora tomamos por base de Hannah Arendt, “Que é Liberdade?”, apresenta
um conceito de liberdade não-isolacionista, que concebe a liberdade como a razão de ser da
política. Mais ainda, identifica a liberdade com a ação, sendo a ação a capacidade humana de
trazer ao mundo coisas que antes não existiam. Daí porque, no fim do texto, Arendt faz uma
aproximação entre essa capacidade humana e aquilo que entendemos por “milagre”.
Por outro lado, é na leitura arendtiana de Montesquieu que colhemos um conceito de
lei que também se opõe ao conceito tradicionalmente trazido pelo ideário liberal: um conceito
de lei que não é limitadora do poder, mas que é a própria manifestação do poder,
manifestação dos valores conjuntos dos homens.
Arendt relembra que, no Espírito das Leis, Montesquieu traz um conceito de lei que se
confunde com padrões ou comandos impositivos, mas como relações – conceito este que
Montesquieu trouxera de seus estudos do Direito Público Romano. Pela lei divina, Deus se
relaciona com os homens. As leis humanas, assim, constróem o espaço no qual os homens se
relacionam. Para Arendt, a limitação a que se refere o pensador francês não é a limitação do
poder da lei sobre o poder dos homens.
III. Conclusão
Arendt, ao aproximar liberdade e política, ao se afirmar rigorosamente avessa a uma
noção de liberdade que afaste o homem do mundo externo e dos outros homens, confirma ser
uma teórica dessa tradição que pensou a política no âmbito do compartilhamento de valores
entre os homens – e não de um politeísmo de valores e interesses, como no liberalismo – e
que teve como preocupação não a salvaguarda dos interesses privados, mas a valorização da
realização do homem no espaço público. Nos termos que Arendt resgata dos “pais
fundadores” dos Estados Unidos, uma “felicidade pública”(ARENDT, 2011a).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. Prefácio: A Quebra Entre o Passado e o Futuro. In: ARENDT,
Hannah. Entre o Passado e o Futuro. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011a. p. 28-42.
BIGNOTTO, Newton. Totalitarismo e Liberdade no Pensamento de Hannah Arendt. In:
BIGNOTTO, Newton; MORAES, Eduardo Jardim de. Hannah Arendt: Diálogos, reflexões,
memórias. Belo Horizonte: Editora Ufmg, 2001. p. 111-123.
ARENDT, Hannah. Que é Autoridade? In: ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o
Futuro. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011b. Cap. 3. p. 127-187.
ARENDT, Hannah. Que é Liberdade? In: ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o
Futuro. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011c. Cap. 4. p. 188-220.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder Constituinte e Patriotismo
Constitucional: o projeto constituinte do Estado Democrático de Direito na teoria
discursiva de Jürgen Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Teoria da Constituição. Belo Horizonte:
Initia Via, 2012
HONOHAN, Iseult. Civic Republicanism. Londres: Routledge, 2002. 328 p.
MONTESQUIEU, Charles Secondat de. Considerações sobre as causas da grandeza dos
Romanos e de sua decadência. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
MONTESQUIEU, Charles Secondat de. Cartas Persas. São Paulo: Escala, 2006.
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