Augustine
A tentativa de equilibrar-se entre o racional e o emocional caracteriza um dos principais
desafios cotidianos do homem, que, apesar do processo de civilizar-se para conviver
adequadamente em sociedade, ainda precisa desenvolver estratégias para conter os
próprios descontroles emocionais a fim de manter o convívio pacífico com o outro.
Contudo, muitas vezes, esta tentativa termina anestesiando o sujeito de tal forma que ele
desconhece como lidar o inesperado, o inexplicável, com os eventos que não cabem em
definições que possam ser estudadas e repetidas indefinidamente.
Os comentários que iniciam esta crítica formam a base dos temas discutidos no filme
“Augustine”, primeiro longa-metragem da diretora francesa Alice Winocour, que versa
sobre as experiências médicas do Dr. Charcot (Vincent Lindon) para descobrir os
sintomas, causas e tratamentos para a histeria desenvolvida por Augustine, garota de 19
anos que trabalha como empregada em casa de nobres. As cenas iniciais do filme tecem
os primeiros comentários a respeito do que se verá em seguida: com um ataque súbito
de Augustine enquanto esta serve o jantar de seus patrões e convidados, as pessoas à
mesa não conseguem reagir à estranheza do que acontece à moça, mas somente olham
perplexos por algo que lhes escapa à compreensão.
Depois que Augustine é internada no hospital e iniciam-se os tratamentos, estes mesmos
olhares de admiração e repulsa ganham ares de espetáculo quando o Dr Charcot leva sua
paciente para exibições em faculdades, em que a garota é induzida aos ataques de
histeria a partir de hipnose. Os médicos que assistem à sua “performance”, tão
acostumados à elogiarem a própria inteligência em um ambiente acostumado à
“civilidade do intelecto”, só conseguem reagir ao grotesco como se este fosse uma
atração circense: aplaudindo-a. Entre idas e vindas nas experiências entre médico e
paciente, começamos a perceber, contudo, que o discurso do longa, na verdade, não
versa somente sobre o tratamento dos pacientes histéricos, mas amplia este debate para
a condição da mulher enquanto dona de seu próprio corpo. Isto pode ser observado em
diversos elementos ao longo do filme – os ataques de histeria de Augustine envolvem,
geralmente, imagens sexuais; o macaco criado pelo Dr Charcot apresenta uma “coleira”
que se assemelha a um cinto de castidade, dentre outros elementos que caracterizam o
sexo como algo a ser resguardado e intocado, ao invés de problematizado e discutido.
A diretora destila estes elementos com sutileza através de uma fotografia soturna que
enfatiza penumbras e as cores apáticas, além de uma trilha sonora que, ao invés de
induzir à emoção, mantém o público atento ao que acontece. Além disso, o trabalho do
elenco não serve ao sentimentalismo barato que os “filmes doença” geralmente
procuram provocar. Ao focar seu discurso na ética do tratamento, Winocour impregna
seu filme de uma sobriedade que, a princípio, incomoda por manter certa monotonia,
mas, no terceiro ato, transforma-se a partir da inversão de papéis estabelecida pelo
roteiro – também escrito pela diretora.
No final das contas, Augustine mostra-se como uma crítica aos interessados em debater
distúrbios psicológicos e, a partir disso, compreender questões mais amplas sobre a
nossa sociedade, que, sim, ainda carrega características desta pretensa ‘civilidade
intelectualizada’. Mas sempre há a chance de desestabilizá-la diante do inesperado.
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