C O L E Ç Ã O E N S A I O S - N . ° 3
K u s n e t , Eugênio, 1898 - 1 9 7 5 .
Ator e método. 2. e d . R i o de Janeiro . Instituto N a c i o n a i de A r t e s Cénicas. 1935 .
177 p. I L (Coleçío E n s a i o s n° 3.)
1. Teatro - Estudos . I . Título.
C D D — 7 9 2
EUGÊNIO KUSNET
ATOR E MÉTODO
I N S T I T U T O N A C I O N A L D E A R T E S C É N I C A S
M I N I S T É R I O D A C U L T U R A
R I O D E J A N E I R O - 1 9 8 5
Para poder sempre conferir as leis objetivas da criatividade artística, devemos manter ininterrupto o desenvolvimento da nossa própria experiência subjetiva.
K . S. S T A N I S L A V S K I
Kusne t,
Não sei se o livro é bom. Sei que aprendi muito.
Gratíssimo'
M l R O E l S I L V E I R A
C o l a b o r a ç ã o : C A R M I N H A F A V E R O
N O T A D O A U T O R
Este livro é resultado da reformulação de todo o material contido nos meus livros: "Iniciação à Arte Dramática" e "Introdução ao Método da Ação Inconscien te''.
Ao relê-los ultimamente constatei que os dois, em muitos pontos, torna-ram-se desatualizados e, por isso, pouco claros para o leitor de hoje, interessado nos destinos do teatro atual.
Passaram apenas seis anos desde o lançamento do meu primeiro livro. Durante esse tempo surgiram muitas informações novas, tanto de ordem científica, no campo de psicologia e sociologia, como as resultantes das experiências feitas em teatros.
O próprio Método de Stanislavski deve ser apreciado hoje sob a luz dessas informações. Isto me obrigou a rever todo o material informativo, bem como a própria metodologia por mim proposta então.
E U G E N Í O K U S N E T
O ATOR E A VERDADE CÉNICA ou
ESTAR ARDENDO, PARA INFLAMAR
- I -
Atlântida, Uruguai , dezembro de 1 9 6 4 , fest ival l a t i n o - a m e r i c a n o de teatro : n u m palco quase vazio, p r e e n c h i d o apenas p o r algumas cadeiras e u m a mesa, u m sofá e u m p iano , espaço c e r c a d o p o r u m a r o t u n d a p r e t a , u m h o m e m de 66 anos, calvo, usando ó c u l o s e d e n u n c i a n d o u m p e q u e n o de fe i to n u m a das pernas, caminha sem parar , f a l a n d o b a i x o e c o m rap idez , esboçando gestos e movimentos , o l h a n d o p a r a os lados c o m o se falasse c o m alguém, c omo se estivesse cercado de personagens invisíveis, senta-se n u m a cadeira mais alta que as demais, levanta-se e m seguida, às vezes f u r i o s o e às vezes t r a n q u i l o , concentrado p r o f u n d a m e n t e e m alguma coisa de i n d e f i nível. Na plateia vazia Renato B o r g h i e eu estamos silenciosos: sabemos que Kusnet está certo, mas a vontade de r i r é d i f í c i l de c o n t r o l a r — u m de nós diz ao o u t r o : " o velho parece que ficou l o u c o ! " . Poucas horas depois o teatro Of i c ina de S. Paulo apresentava n o f e s t i va l "Pequenos Burgueses" de Máximo G o r k i . U m inevitável atraso na m o n t a g e m do d i spos i t i vo c é n i c o e da iluminação t o m o u impossível rea l i zar u m ensaio c o m p l e t o (e pela p r i meira vez o espetáculo. o r i g i n a l m e n t e m o n t a d o e m S. Paulo n o ant igo pa l co do Of i c ina , que t inha duas p late ias , u m a d i a n t e da o u t r a , c o m o espaço cénico no meio , era encenado e m p a l c o i t a l i a n o ) . Naquela n o i t e , que nos valeu o pr ime i ro premio do fest iva l , Eugén io K u s n e t c o n f e r i u , mais do que nunca extraordinária dimensão h u m a n a e soc ia l a seu personagem, o v e l h o Bessemenov, que procura apegar-se desesperadamente a seus valores n o instante histórico em que as contrad i ções s ó c i o - e conômicas j á a n u n c i a m a próxima e inevitável queda da burgues ia russa: seu desempenho, que lhe valeu o prémio de melhor a tor do f e s t i va l , f o i v igoroso . Não t e n d o p o s s i b i l i dades de passar por u m ensaio c o m p l e t o d o espetáculo, K u s n e t ensaiou sozinho. Aparentemente a luc inado , mas e x e r c e n d o , naquele i n s t a n t e , c o m grande pressa mas exemplar consc iênc ia p r o f i s s i o n a l , u m ato de e x t r e m a lucidez e dignidade. Tenho certeza de que naque le " r e c o n h e c i m e n t o " d o palco, passando por todas o u quase todas as ações de seu personagem. Kusnet colocou em prática, c o m ê x i t o , t u d o que . em sua v ida de a t o r e professor de interpretação, a p r e n d e u e a s s i m i l o u do célebre " m é t o d o " de
Stanis lavsk i . H o j e K u s n e t está m o r t o . Faleceu c o m 77 anos. U m a ex is tênc ia quase que i n t e i r a m e n t e d e d i c a d a ao t ea t ro , que para ele f o i não apenas u m a profissão, que assumiu i n t e g r a l m e n t e sem nunca perder u m a inqu ie tação permanente que t r a n s f o r m a v a c a d a personagem n u m m o m e n t o de pesquisa e dúvida, mas s o b r e t u d o u m a g r a n d e paixão, que despertou nele o pro fessor e a necessidade de t r a n s m i t i r seus conhec imentos e suas experiências, suas certezas e incertezas .
Nos anos e m que t r a b a l h o u j u n t o ao O f i c i n a , K u s n e t f o i mais q u e u m in te l i gente e ta l entoso a t o r c o n t r a t a d o , mais que u m ded i cado e generoso c o m p a n h e i r o de t r a b a l h o . Sua presença está e m todos os espetáculos nos quais p a r t i c i p o u : inteligência v i v a nas análises de t e x t o s , v i g iando c o m rigor a lógica das ações e dos c o m p o r t a m e n t o s , a u x i l i a n d o seus colegas de t r a b a l h o a e l u c i d a r as contrad ições e os problemas, K u s n e t m a r c o u sens ive lmente aspectos da própria c o n c e p ç ã o de alguns dos pr inc ipa is espetáculos d i r i g i d o s p o r José Celso M a r t i n e z C o r r e a , c o m o "Pequenos Burgueses" e " O s I n i m i gos" de G o r k i , " A n d o r r a " de M a x Fr isch ou " A V i d a Impressa e m D ó l a r " de C l i f f o r d O d e t t s . E no m o m e n t o e m que o fascinante e c o m p l e x o t r a b a l h o de pesquisa e v io lentação que precedeu a m o n t a g e m de " N a Seiva das C i d a des" de B r e c h t pelo O f i c i n a c o n d u z i u encenador e intérpretes a u m c e r t o descontro le i r r a c i o n a l . K u s n e t f o i chamado para i n d i c a r os c a m i n h o s d a d i s c ip l ina e reco locar o carro nos t r i l h o s . Paradoxa lmente , não íoi n u n c a u m encenador c r i a t i v o . Mas c o m o pro fessor sua at iv idade f o i f e b r i l . I n i c i o u a m u i t o s nas noções básicas d o t r a b a l h o do ator c o m o at iv idade c o n s c i e n t e , responsável, c r iadora , l i b e r t a d a magia e da inspiração, c o n t r o l a d a p o r u m t r e i n a m e n t o diário, s i s temát ico . F i e l discípulo de Stanis lavsk i . d e f e n d e u c o m o suas as teses de seu m e s t r e . A c e i t o u e assumiu seus p o n t o s de v i s t a . E x p l i c a as n o ç õ e s mais e l ementares de seu ens inamento . M u i t a s vezes n ã o f o i fácil convencer K u s n e t a i n t e r p r e t a r u m papel : para ele o mais i m p o r t a n te e ram as aulas e seus a lunos . Q u a n d o aceitou fazer o m é d i c o de " A n d o r r a " c o l o c o u c o n d i ç õ e s : t i n h a a lguns de seus alunos nos bast idores — faz ia u m a cena, a p r o v e i t a v a os i n t e r v a l o s para trabalhar c o m os a lunos no c a m a r i m , depois v o l t a v a para o pa lco . Es tava d i v i d i d o : a tor o u professor — o u m e l h o r , a tor e professor , pois ambas as atividades nele j á e r a m inseparáveis: sua prática na cena se t r a n s f o r m a v a e m tema de aula e o que desccbr ia c o m seus alunos, po is aprendia e n s i n a n d o , engravidava seu t r a b a l h o c o m o ator .
- I I -
Ator e Método reco loca , a m p l i a n d o alguns aspectos, o que K u s n e t j a havia escr i t o e m seus dois l i v r o s anter iores : " In i c iação à A r t e Dramát i ca e " I n t r o d u ç ã o ao M é t o d o da A ç ã o I n c o n s c i e n t e " . O t í tu lo já de f ine seus
objet ivos : o ator c omo centro d o espetáculo t e a t r a l ( K u s n e t a f i r m a que sem o ator , c omo sem o espectador, o t e a t r o não é t e a t r o ; a definição ideológica de seu pro jeto parte da célebre de f in i ção de Stanis lavsky , " a arte dramática é a capacidade de representar a v i d a d o esp ír i to h u m a n o , e m público e em f o rma artística", mas Kusnet , n o p r e f á c i o , c i ta Brecht e, trabalhador preocupado com a v ida social e c o m a responsab i l idade pol í t i ca do h o m e m de teatro, diz que " o único critério p a r a avaliar u m espetáculo é a sua influência sobre os espectadores n o d i a de h o j e " ) e o método c o m o sistema de estudo e pesquisa, e x e r c í c i o de recursos físicos e emocionais que o ator pode desenvolver e d o m i n a r p a r a t r a n s f o r m a r seu t raba lho n u m processo racional e l óg i co , passível de ser d o m i n a d o e con duz ido , elementos conscientes que cons igam inc lus ive p r o v o c a r o que está aprisionado no inconsciente (para que , segundo seu p e n s a m e n t o , imponha-se a qualidade fundamental do a tor : " c o n v e n c e r o e spec tador da realidade d o que se i m a g i n o u " , ou seja, c u m p r i r a missão p r o p o s t a p o r Stanis lavski ) . Ator e Método efetivamente supera os l ivros anter iores . K u s n e t a f i rma que sentiu a necessidade de incorporar novas in formações q u e a u x i l i e m o t r a ba lho do ator na construção de seus personagens: neste s e n t i d o , f requente mente apela a colocações científicas, s o b r e t u d o v incu ladas à psicologia e à ref lexologia. Este l i v ro não é mais u m a expos i ção de e x e r c í c i o s e regras (e ele insiste em que, na arte, não e x i s t e m leis invioláveis) : rea l i zando o que chama de revisão da "própria m e t o d o l o g i a " , K u s n e t m o s t r a os ensinamentos de Stanislavski c o m o u m c o n j u n t o de n o ç õ e s básicas q u e poderão ser adaptadas ou modificadas em função d o t r a b a l h o prát i co , d o t i p o de peça a ser encenada, do t i p o de proposta d o espetáculo a ser rea l i zada , etc. Neste sentido o l i v ro se t o r n a mais aberto que os anter iores . E m e s m o aqueles que não aceitem integralmente as propos i ções de S t a n i s l a v s k i , considerando-as antes e m seu significado histórico preciso ( ou seja. u m a gigantesca c o n t r i buição ao estudo du trabalho do a t o r , p r i m e i r a t e n t a t i v a extraordinária de sistematizar este estudo em bases racionais e quase c ient í f i cas , mas n a t u ra lmente enunciando valores e ob j e t i vos que estão d e m a s i a d a m e n t e presos a u m a concepção de teatro e de t r a b a l h o artíst ico q u e e m inúmeros aspectos não mais corresponde às tarefas da p r o d u ç ã o artística e m nossos dias) encontrarão e m Ator e Método u m a t e n t a t i v a de apanhar o que o método tem de imperecível e indispensável para q u a l q u e r t i p o de trabal h o . A t e n t o para não cair n u m a espécie de l e i t u r a " m í s t i c a " de certas af ir mações de Stanislavski, Kusnet a l e r ta o l e i t o r para a necessidade de compreender alguns conceitos p r i m o r d i a i s . S o b r e t u d o i n s i s t i n d o em que as afirmações de Stanislavsky no sent ido de que o a t o r necessita t e r / é refe-rem-se a u m a fé específica: o u seja, a fé cénica, não a fé real (ou seja, esp i r i tua l ) . E necessário buscar, p o r t a n t o , a wrdade cénica, não a verdade real.
A p r o f u n d a n d o este aspecto d o p r o b l e m a da interpretação, u m dos t r e c h o s mais est imulantes d o l i v r o de K u s n e t é a discussão sobre a n a t u r e z a e o s i g n i f i c a d o da chamada dualidade do ator. O a t o r nunca poderá, e m cena, d e i x a r de ser ele próprio para ser i n t e g r a l m e n t e u m o u t r o ("viver u m person a g e m " ) . Consciente da b a t a l h a t ravada p o r B r e c h t c o n t r a u m t e a t r o que t e m p o r o b j e t i v o m á x i m o a ident i f i cação d o a tor c o m o personagem que, c o m o consequência , p r o v o q u e a ident i f i cação d o públ ico c o m o personagem (o q u e , segundo Brecht , reduz o espec tador a u m ser passivo, o b j e t o anestes iado , d o p a d o , c o n d i c i o n a d o a abd i car t o t a l m e n t e da possibi l idade de reflexão, condenado a emoc ionar -se de f o r m a m i s r i f i c a d o r a ) , Kusnet a f i r m a q u e a escolha do teatro a tua l é a " c o e x i s t ê n c i a e m cena do ator-cidadão c o m o p e r s o n a g e m " . E diz que q u a n d o o a t o r " e n c a r n a " u m personagem, i s to " n ã o s igni f i ca substituição míst ica d o a t o r p e l o personagem, pois . neste caso o m u n d o o b j e t i v o d e i x a r i a de e x i s t i r para o a t o r " . O ator aceita e assume os p r o b l e m a s d o personagem, " a d q u i r i n d o a fé cénica na realidade da sua existência , vive c o m o se fosse o personagem c o m a máxima sinceridade, mas, ao m e s m o t e m p o , não perde a capacidade de observar e c r i t i car a sua o b r a artíst ica — o personagem" .
O es tudo da " d u a l i d a d e d o a t o r " é a m p l i a d o pela citação de trechos de pesquisas científicas mais recentes ( S t a n i s l a v s k i e m 1938, ano de sua m o r t e , a i n d a a f i rmava não possuir c o n d i ç õ e s de e x p o r u m a comprovação c ientí f ica d o processo psíquico que p e r m i t e a " d u a l i d a d e " ) , sobretudo descrições do sov ié t i co R. G. Natadze , datadas de 1 9 7 2 , sobre o chamado processo de instalação, que Kusnet m o s t r a ser útil t a n t o para o camponês v at iv idades utilitárias) c o m o para o a tor (a t iv idades art íst icas ' . Isto p o r q u e ele par te de u m a premissa certa : quem se comunica com a plateia é o 'ator — " O person a g e m , c o m o u m ser h u m a n o c r i a d o pe l o d r a m a t u r g o , vive a sua v ida d e n t r o das circunstâncias propostas , i n d e p e n d e n t e d o espectador, pois este ú l t imo n o r m a l m e n t e não faz parte das situações e m q u e vive o personagem, salvo se o a u t o r da obra de l iberadamente i n c l u i os espectadores c o m o par t i c ipantes da ação dramática. A não ser nesses casos espec í f i cos , o personagem t e m c o n t a t o e comunicação apenas c o m o a m b i e n t e e os outros personagens da p e ç a " . E c o n c l u i que o a t o r deve estar p e r m a n e n t e m e n t e e m c o n t a t o e c o m u n i c a ç ã o c o m o espectador " c o m o , aliás, c o m todos os e lementos do m u n d o o b j e t i v o que o cer ca " .
- I I I -
Ator e Método reúne assim regras e exer c í c i o s , re lato de experiências pessoais de Kusnet e de pessoas que c o m ele t r a b a l h a r a m , alunos o u atores pro f i s s iona is . Ele faz inc lus ive u m a espéc ie de revisão de m o m e n t o s d o
personagem mais comple to que r e a l i z o u e m seus 55 anos de t e a t r o , o Bessemenov de "Os Pequenos Burgueses" . O u t r o s e x e m p l o s , q u e ele não cansava de repet ir em suas aulas, p a r t e m de t rabalhos de F e r n a n d a M o n t e n e g r o o u Greta Garbo, Laurence Ol iv ier ou Renato B o r g h i . K u s n e t estava sempre de o lhos atentos, buscando n u m f i l m e o u n u m disco , n u m ensaio o u n u m espetácvlo, matéria para elaborar seu pensamento . De fende suas ideias c o m f i rmeza . Neste sentido é curioso examinar , no ú l t imo c a p í t u l o , c o m e x t r e m a atenção, pois é quase u m resumo de sua visão d o t r a b a l h o d o ator , seu diálogo c o m I . M . S m o k t u n o v s k i , do e lenco do G r a n d e T e a t r o D r a m á t i c o de Len ingrado , u m dos mais vigorosos atores d o t e a t r o c o n t e m p o r â n e o (seu fascinante e meticuloso t raba lho e m " O I d i o t a " de D o s t o i e w s k i é u m a espécie de síntese e x t r e m a d o processo stanis lavskiano de t r a b a l h o , real izado nos dias de ho je ; : Kusnet defende, c o m o " p o n t o c u l m i n a n t e de todos os anseios de qualquer ator que se preze e que seja d i g n o de exercer a sua a r t e " , o que define como comunicação essencialmente emocional. S m o k t u n o v s k i concorda e c i ta o poeta soviético Iessenin: "Se você não est iver a r d e n d o , não poderá inf lamar ninguém", mas insiste: " a c o m u n i c a ç ã o e m t e a t r o não deve ser apenas emocional . Em teatro deve estar sempre presente u m a ideia apaixonada" . Kusnet concorda mas ressalta que " i d e i a a p a i x o n a d a " pressupõe " a alta emocionalidade da ide ia e, p o r t a n t o , a o b r i g a t o r i e d a d e da presença de emoções extremamente agudas na c o m u n i c a ç ã o c o m o espect a d o r " , ao que o ator soviético também insiste : " C l a r o , mas n u n c a c o m ausência da ideia, do pensamento" . Talvez seja este u m dos grandes debates do teatro atual : a dosagem entre a transmissão de ideias e de e m o ç õ e s ou c o m o atingir o espectador, no sent ido de mantê-lo v i v o , d e s p e r t o , capaz de reflexão e crítica, diante de u m espetáculo . sem que i s to i m p l i q u e e m desprezar o vigor da emoção verdadeira. T o d a a problemática da verdade cénica se insere neste debate. E u m l i v r o c o m o .4ror e Método é u m e s t í m u l o e u m a aula. N u m país onde o teatro é u m a aventura diária, onde os atores se f o r m a m improvisando no palco mesmo , onde as capengas o u retrógradas escolas de teatro não c u m p r e m u m a função mais e fe t iva . o n d e a formação do ator é u m a espécie de mágica. Ator e Método, mais d o que os dois l ivros anteriores de Kusnet , é u m convite a u m m e r g u l h o mais a p r o f u n d a d o nos indispensáveis livros de Stanislavski , para que o l e i t o r t o m e c o n h e c i m e n t o c o m u m a das profissões mais contraditórias e fascinantes, u m a necessidade quase atávica do h o m e m em sua ânsia de expressão e cr iação de valores, em seu desejo de situar-se dentro da sociedade c o m o e l e m e n t o t r a n s f o r m a d o r . E, sobretudo para os atores, ou os que p r e t e n d e m ser atores , u m convite para a aquisição de uma consciência mais nítida de sua prof issão , atual ou f u t u r a , de seus recursos, sua d i s c ip l ina , seus prob lemas e suas responsabi l i dades. E é ainda o testemunho e loquente de u m a p a i x ã o : u m a t o de fé no teatro e no h o m e m , escrito por u m ator que não se c o n t e n t o u e m ocupar o
pa l co p a r a sí mesmo, não a c e i t o u apr i s i onar sua experiência pessoal e m sí m e s m o , esco lhendo, c o m o necessidade v i t a l e ( s o b r e t u d o no final de sua v i d a c o m o necessidade p r i m o r d i a l ) t r a n s m i t i r seus conhec imentos , r e f o r m u l a r suas ideias, pesquisar cada vez mais a d i a n t e , sem medo o u p r e c o n c e i t o , a i n d a que sempre fiel aos valores que assumiu desde cedo. De tantas c i t a ç õ e s célebres de Stanis lavski , K u s n e t esco lheu para esta edição de Ator e Método, que i n f e l i z m e n t e aparece póstuma, j u s t a m e n t e a que def ine c o m m a i o r prec isão não apenas o l i v r o mas a ele m e s m o , c o m o ator e pro fessor : a c o n s c i ê n c i a de que é necessário sempre c o n f e r i r as leis objetivas, e elas e x i s t e m , d a c r ia t iv idade ; e para isso é necessário m a n t e r i n i n t e r r u p t o o d e s e n v o l v i m e n t o da própria experiência s u b j e t i v a . Pois teatro se aprende f a z e n d a , mas não se aprende, n e m se real iza a l g u m a coisa de consequente , se a prát ica não for acompanhada , no c o t i d i a n o , de u m a reflexão rigorosa, e x i g e n t e e intransigente .
F E R N A N D O P E I X O T O
INTRODUÇÃO
E n t r e t odas as artes, a arte dramática talvez seja a única que só em cases de abso lu ta e x c e ç ã o poder ia ser exerc ida p o r apenas u m a pessoa. Ela é essenc ia lmente suje i ta ao resu l tado do t r a b a l h o de c o n j u n t o , de equipe . Q u a n t o m a i o r f o r a h a r m o n i a ex is tente entre os e l ementos da equipe, seja e m t e a t r o , e m c i n e m a ou em televisão, q u a n t o m a i o r f o r o E S P I R I T O D E C O L E T I V I D A D E no t r a b a l h o , t a n t o m e l h o r será o r e s u l t a d o . Entre parênteses: a pa lavra " e l e n c o " na União Soviética é t r a d u z i d a p o r " c o i e t i v o " .
Por isso as palavras do escr i tor A n t o n T c h e k o v sobre cc ier iv idade em geral p o d e m ser per f e i tamente aplicadas ao t r a b a l h o de equipe tea t ra l : "Se cada u m de nós aplicasse o m á x i m o de sua capac idade no cu l t i vo de seu t e r r e n o , e m que belo j a r d i m se t r a n s f o r m a r i a a nossa t e r r a ! "
E isso s ó é possível quando se t raba lha c o m m u i t o a m o r . Esse amor pelo t r a b a l h o c o i e t i v o em teatro nunca deve ser superado pelos anseios e vaidades pessoais. N ó s , gente de t ea t ro , somos vaidosos por exce lência , pela própria natureza de nossa arte que é e x i b i c i o n i s t a , mas o essencial e que a nossa vaidade seja c o n s t r u t i v a e não p r e j u d i c i a l ao t r a b a l h o c o i e t i v o . " A m e a arte em v o c ê , mas não a você na a r t e " . Essa frase de Stanis lavsk i também nunca deve ser esquecida pela gente de t e a t r o .
Mas o a m o r que todos nós temos à nossa ar te , ao t e a t r o , não pode ser abs t rato . A famosa frase: " A r t e pela a r t e ! " não passa de u m absurdo e de u m a m e n t i r a . O ator que d u r a n t e o processo de sua criação artística, o espetáculo , t e m a sua frente seres h u m a n o s , os espectadores , q-e aprec iam, que j u l g a m e que até p a r t i c i p a m da sua cr iação , esse a t o r não pode ignorá-los, pois espectadores fazem parte orgânica da sua arte . Como então poder ia o a r t i s t a de teatro fazer " a r t e pela arte? "
N ã o , a nossa arte é real izada, c o m o disse S t a n i s l a v s k i , "para o h o m e m , pelo h o m e m e sobre o h o m e m ! "
Não se p o d e " e x i s t i r em c e n a " , realizar u m espetáculo teatral só pelo prazer do p r ó p r i o processo de criação. S i m , devemos a m a r a nossa arte, mas não apenas pelos t r i u n t o s e pelo prazer que ela nos p r o p o r c i o n a , mas p r i n c i p a l m e n t e p e l o d i r e i t o de nos c o m u n i c a r c o m o esoectador . com o nosso semelhante .
Essa c o m u n i c a ç ã o só é possível q u a n d o os pensamentos , as preocupações , e n f i m t u d e de que vive o espectador, preocupe p r o f u n d a m e n t e o a tor , e q u a n d o s i m u l t a n e a m e n t e t u d o de que vive o a tor em cena possa interessar
e preocupar o espectador, p o r q u e o ún i co critério para avaliar u m espetáculo é a sua influência sobre os espectadores no dia de ho je . B e r t o l t B r e c h t disse: " E preciso criar espetáculos para o espectador que ho je c ome carne de ho j e " . E assim — em todos os espetáculos , da estreia ao ú l t imo espetácu lo .
Por isso é necessário que o a t o r responda a duas perguntas : " P o r que você faz teatro? " e " P o r que v o c ê faz hoje esse espetáculo? "
E agora que já encaramos c o m t o d a a seriedade o p r o b l e m a m á x i m o da nossa profissão, podemos " r e l a x a r " f a lando de coisas menos graves.
O espectador não vai ao t e a t r o só para " e n c o n t r a r resposta a seus prob lemas" (isto é muito raro), ele va i lá p r i n c i p a l m e n t e para se d i v e r t i r . Ele se sente constrangido quando n o t a que o teatro t e m tendência de o cate quizar, de lhe " d a r u m a a u l a " . E l e não gosta de se sent ir n u m a esco l inha .
Aliás, sabem vocês que nas escolas modernas procura-se a t u a l m e n t e , evitar imposições de ensinamentos? R e c o m e n d a m aos professores fazer c o m que o aluno tenha impressão de que f o i ele próprio que descobr iu a so lução para u m problema. C o m isso consegue-se a participação do a l u n o n o p r o cesso de ensino.
O mesmo deve se fazer e m t e a t r o : se você conseguir dar f o r m a a t r a e n t e , excitante ou divertida aos p r o b l e m a s seríssimos que você apresenta e m cena, o espectador terá vontade de p a r t i c i p a r do espetáculo — ao menos m e n t a l mente — e assim absorverá suas ideias i m p e r c e p t i v e l m e n t e para ele p r ó p r i o .
E raro que o espectador, a t r a í d o pela ação f o r t e do espetáculo , consiga raciocinar sobre o que vê e o u v e . Basta que ele sinta a ação . As e m o ç õ e s adquiridas, mais tarde, em casa, p o u c o a pouco serão t r a n s f o r m a d a s e m pensamentos e conclusões.
Assim o teatro E N S I N A D I V E R T I N D O E, ÀS V E Z E S , B R I N C A N D O . Por isso, a meu ver, u m dos p r o b l e m a s i m p o r t a n t e s nos estudos para o f u t u r o ator í, paradoxalmente , a capacidade de " b r i n c a r s e r i a m e n t e " , i s t o é, nunca perder o extremo prazer de exercer a sua ar te , e n q u a n t o vive e m cena os mais graves problemas da v i d a h u m a n a .
C o m o conseguir isso? Por o n d e devemos começar? A f o n t e m á x i m a de estudos para u m artista é, s e m p r e f o i e sempre será,a própria v i d a , a n a t u reza.
E por isso que, ao c o m e ç a r as nossas palestras sobre a iniciação à arte dramática, tomaremos por base o M é t o d o de Stanis lavski . N ã o p o r c o n s i derá-lo o melhor , mas por ser o único baseado nos estudos da própria natureza humana.
Todos vocês conhecem esse n o m e e não há necessidade de c o n t a r a q u i sua biograf ia (embora nela encontremos pontos de enorme importância para gente de teatro), mas é b o m r e l e m b r a r c o m o esse h o m e m c o m e ç o u os t r a b a lhos que nos interessam.
Ele começou a sua vida de t e a t r o no a m a d o r i s m o . A c h o i m p o r t a n t e
s u b l i n h a r esse f a t o para fr isar que Stanis lavski não p a r t i u de u m a d e t e r m i nada escola, não f o i i n f l u e n c i a d o por de terminadas tendências . É c laro que ele l eu m u i t o sobre t e a t r o , v i u m u i t o s t ea t ros , c o n h e c e u m u i t a gente de t e a t r o , mas n u n c a f o i pressionado por u m a d e t e r m i n a d a i d e i a .
F i l h o de u m a família rica, ele d i spunha de meios para " b r i n c a r " de t e a t r o . T e n d o e n c o n t r a d o jovens entusiastas c o m o ele p r ó p r i o , f o r m o u u m g r u p o de t e a t r o a m a d o r . Essas experiências e o seu t r a b a l h o p o s t e r i o r no t e a t r o p r o f i s s i o n a l de ram- lhe o mater ia l que p o u c o a p o u c o se t r a n s f o r m o u no que ho j e c onhecemos c o m o o " M é t o d o de Stan is lavsk i ' " .
N o t e m p o e m q u e eu comece i a t raba lhar em t e a t r o p r o f i s s i o n a l , isto é, em 1920 , não e x i s t i a o M é t o d o por escr i to . Nós c o n h e c í a m o s as tendências do Mestre através de alguns artigos escritos p o r ele e, p r i n c i p a l m e n t e , através de suas realizações n o " T e a t r o de A r t e de M o s c o u " , que sempre f o r a m m u i t o c omentadas t a n t o pelos cr í t icos , c o m o pelos pesquisadores de t e a t r o .
A influência de Stanis lavski scbre todos os teatros russos era e n o r m e já naquela é p o c a , mas ninguém, a não ser seus disc ípulos e co laboradores d i re tos , chegou a usar os elementos do seu M é t o d o c o n s c i e n t e m e n t e . Seus poucos e n s i n a m e n t o s conhec idos e seus espetáculos apenas descer tavam em todos os atores e d i re tores a vontade de exercer o seu " r r . e r i e r " m e l h o r , pensar mais n o seu t r a b a l h o , procurar pessoalmente os meies de se a p r o x i mar mais dos resu l tados obt idos por Stanis lavski .
Só m u i t o mais t a r d e , aqu i no Brasi l , q u a n d o pela p r i m e i r a vez t ive a o p o r t u n i d a d e de l er suas obras, cheguei a reconhecer nos e l ementos de seu M é t o d o alguns deta lhes do m e u t r a b a l h o , quase i n s t i n t i v o , daquele t e m p o . C o m p a r a n d o as experiências concretas de Stan is lavsk i c o m as m i n h a s , e m b o r a m u i t o t ímidas e vagas, mas que surg i ram sob a ir.fluência dele. naquela é p o c a , é q u e eu conceb i a ideia de l e c i onar a A r t e Dramática na base do M é t o d o .
P o r t a n t o , não sou n e n h u m "especial ista e m S t a n i s l a v s k i " , n u n c a f u i seu a luno , n e m t ive a h o n r a de c o n t a t o pessoal c o m o M e s t r e . S o u apenas u m dos m u i t o s pesquisadores que procura , na m e d i d a do poss íve l , ser útil aos que se interessam pe lo t raba lho de tea t ro . L e c i o n a n d o eu c o n t i n u o a aprender. D u r a n t e t o d o s esses longos anos meus a lunos m e e n s i n a r a m m u i t o d a q u i l o que s o z i n h o n u n c a conseguiria descobr ir .
E agora vamos ao que interessa.
E U G É N I O K U S N E T
PRIMEIRO CAPITULO
Antes de ent rar nos assuntos desta Iniciação à A r t e Dramática, acho m u i t o útil estabelecer certas n o r m a s que possam reger nossas relações, i s t o é, relações entre o que ensina e os que e s t u d a m . Para isso é preciso t o r n a r b e m claros os nossos ob je t ivos .
Se vocês estão l e n d o este t r a b a l h o é p o r q u e se interessam pelo t e a t r o . O mesmo poder ia dizer a seus o u v i n t e s u m professor de física ao i n i c i a r suas aulas: "Se vocês estão a q u i , é p o r q u e se interessam pela f í s i ca" . . . A t é a q u i a situação é idêntica: o interesse pe la matéria a ser estudada.
Mas a p r i m e i r a matéria é u m a a r t e , ao passo que a segunda é u m a ciência. As verdades da ciência são invioláveis, indiscutíveis, pe lo menos até o m o m e n t o e m que a própria c iênc ia as r e f u t e . As verdades da arte p o d e m ser submetidas a dúvidas^a^qualguer m o m e n t o , basta para isso submetê-las a novas experiências e o ferecer o seu resulta^^à_arjr^çj_aç^ãojos3ornens. E m resultado final (mas na realidade sempre temporário!) dessa apreciação poderá surgir nova verdade , c u j a duração dependerá da apreciação da m a i o ria.
A o c omeçar a estudar u m a a r t e , t odos t e m o d i r e i t o de d u v i d a r e de aplicar sua própria c o n c e p ç ã o sobre a essência da arte e m questão. Mas nos estudos de u m a ciência o a l u n o deve respeitar r igorosamente as n o r m a s estabelecidas. Seria u m absurdo i n c o n c e b í v e l se alguém, ao c omeçar a estudar física nuclear ainda duvidasse da l e i da gravidade. Mas não seria n e n h u m absurdo duv idar das leis que d e v e m reger a A r t e Dramática. Ninguém pode provar a i n v i o l a b i l i d a d e de certas n o r m a s da arte que , n o m o m e n t o , são reconhecidas pela m a i o r i a c o m o un iversa i s : para alguns elas são invioláveis, para outros apenas u m a das f o r m a s de expressão teatra l .
Isso me faz l e m b r a r a conversa que t ive c o m u m dos nossos h o m e n s de teatro . Ele me disse: " K u s n e t , n ã o está longe o t e m p o e m que o a t o r não será mais necessário e m t e a t r o ! " E u desviei a conversa exatamente p o r q u e nada podia provar e m contrár io : eu sabia que a ideia dele não era nada n o v a : u m d i re tor usa todos os meios f ís icos que encontra ao seu alcance — f o r m a s , Unhas, luzes, sons — para t r a n s m i t i r a ideia da obra dramática e, nessas condições , q u a l q u e r pessoa viva serve n o lugar de u m a t o r ; basta co locá- la na a t i tude desejada, iluminá-la c o n v e n i e n t e m e n t e , etc. E não d u v i d o que usando esses meios o d i r e t o r poderá conseguir m u i t o s efeitos de e m o ç ã o o u de raciocínio, mas será isso t ea t ro? E u respondo categor i camente : N ã o . Mas
4 EUCÉNIO K U S N E T
nada posso provar. Só posso dizer que, a meu ver t e a t r o é o u t r a co isa , que o teatro sem ator para mim não existe.. Stanislavski no fim de suá~vida, que ele dedicou tota lmente às pesquisas sobre todas as poss ib i l idades d o t e a t r o , disse: "Cheguei à conclusão de que os meios mater ia is de e n c e n a ç ã o são l imi tados e que o mais i m p o r t a n t e e lemento de t e a t r o é o a t o r , o h o m e m , porque seus meios, suas possibilidades não t e m l i m i t e , c o m o não t e m l i m i t e a combinação das sete notas da gama mus i ca l : ela n u n c a f o i n e m será esgotada pelos compositores".*!
Procuremos chegar à essência do teatro por e l iminação progress iva dos seus elementos. Sem qual deles o teatro não poder ia ex i s t i r ? S e m préd io , sem palco? Claro que pode! Basta que se façam espetáculos ao ar l i v r e . Sem cenário, sem iluminação? Pode! A natureza nos dá, às vezes, esses e l e m e n t o s em forma mais rica do que a que pode ser conseguida e m t e a t r o . Sem música? Claro. Ela nunca f o i essencial no teatro f a l a d o ; ela é útil mas não indispensável. Sem texto fixo? Por que não? As falas p o d e m ser i m p r o visadas como em teatro ' h a p p e n i n g " . Sem d i r e t o r ? O a t o r p o d e a u t o -dirigir-se. E sem ator? O que poderia substituí-lo? V e j a m o s .
A tecnologia moderna chegou a descobertas c o m que nossos avós não poderiam nem sonhar; os robôs-computadores s u b s t i t u e m o h o m e m e m vários setores de atividade executando taretas que a p a r e n t e m e n t e n ã o estar iam ao alcance do próprio h o m e m ; a cibernética t e n t a f a b r i c a r obras de arte. T u d o isso é verdade, mas ninguém poder ia i m a g i n a r que o ' ' C é r e b r o e letrônico" u m dia pudesse igualar-se ao cérebro h u m a n o .
N u m rápido programa de intormações técnicas no C a n a l 2 ^Tl' Cultura), em São Paulo, u m c ient is ta - l a m e n t o não ter t o m a d o n o t a do seu nome — me impressionou sobremaneira q u a n d o disse que as i n f o r m a ç õ e s que chegam ao cérebro h u m a n o , às vezes, v e m dos genes. C o m t o d o s os aperfeiçoamentos imagináveis, ninguém poderá e m sã c o n s c i ê n c i a , sonhar com a hereditariedade dos robôs . E eu acrescentaria : n e n h u m c o m p u t a d o r será capaz de se apaixonar por u m a c o m p u t a d o r a .
O ator, o homem que vive, que pensa, que sente éji ú n i c o e l e m e n t o de teatro absolutamente índispensãveT. r o d o s os o u t r o s e l e m m t o s , e m b o r a sejam de imensa utUidade,~n"3o~s"ao mais que satélites desse " s o l " d o t e a t r o que é o ator.
E finalmente, podemos perguntar : poderá o t e a t r o e x i s t i r sem espectador? Não! A razão da e x i s t ê n c i a d o j s a t r o é e x a t a m e n t e a sua c o m u n i c a ç ã o c o m o espectador.
E assim, e só assim que eu entendo o t e a t r o . ' Mas imaginemos que entre vocês, meus le i tores , se e n c o n t r e m pessoas
cuja opinião seja contrária à m i n h a c o n c e p ç ã o de t e a t r o . Q u e far íamos nós, eu que escrevo na base da m i n h a c o n c e p ç ã o e vocês , c o m ideia d i a m e t r a l mente oposta. E claro que nessas condições nós nunca chegar íamos a q u . i l -
A T O R E M É T O D O 5
quer r e s u l t a d o útil. Daí a abso luta necessidade de estabelecermos bases c o m u n s p a r a os nossos estudos. Não se assustem, n ã o pre tendo i m p o r n e n h u m d e t e r m i n a d o estilo de t e a t r o . Trata-se apenas de estabelecer o p o n t o de v i s t a c o m u m j o b r e _ o _ q u e é " b o m t e a t r o " e o j g u e é " m a u t e a t r o " j
Há uns anos se d iz ia , aliás, às vezes a inda se d iz , para qual i f i carmos u m m a u e s p e t á c u l o : " r u i m c o m o rádio-novela" . P r o c u r e m lembrar-se de alguns e x e m p l o s de rádio-novela daquele t e m p o e verão que rea lmente havia razão para essa c o m p a r a ç ã o . E n o t e m : e m m u i t o s casos não era cu lpa dos atores e s i m das c o n d i ç õ e s e m que eles t r a b a l h a v a m , pois os " s c r i p t s " eram entregues às vezes, p o u c o s m i n u t o s antes da irradiação e a nove la ia " p r o a r " sem u m a l e i t u r a sequer .
E o r e s u l t a d o n a t u r a l m e n t e era b e m t r i s t e , t u d o era estandardizado ; aqueles vi lões sanguinários c o m suas vozes roucas e suas risadas " s i n i s t r a s " , aquelas mães " s o f r e d o r a s " que , l ogo no in íc io da n o v e l a , ainda sem razão a lguma para so frer já fa lavam c o m u m nó na garganta , aqueles mar idos infiéis que ao m e n t i r à esposa gaguejavam t a n t o que nenhuma pessoa n o r m a l p o d e r i a acreditar na sua inocência , etc .
Cre i o q u e não pode haver duas opiniões a respe i to da qualidade desse t i p o de t e a t r o .
E agora p r o c u r e m exemplos do contrário , d a q u i l o que vocês pudessem chamar de b o m teat ro . P r o c u r e m lembrar-se de a l g u m b o m trabalho d o t e a t r o n a c i o n a l ou dos teatros estrangeiros, que v i s i t a m o Brasil , ou dos t rabalhos de c i n e m a . Pensem e p r o c u r e m c o m p r e e n d e r p o r que os atores desses e x e m p l o s os impress ionaram? Q u a l é a di ferença entre u m b o m e u m m a u ator? U n s dirão que o b o m ator é sempre n a t u r a l ao passo que o m a u é a r t i f i c i a l ; o u t r o s dirão que o b o m ator " v i b r a " e o m a u " f i c a f r i o " ; mais o u t r o s dirão q u e o b o m ator "_vive_o_papeP e, c o m isso, c ^ ^ _ a j i o s J a z e t acred i tar n a real idade da _e xis tê nc ia do personagerr.. ao passo q u e o m a u " r e p r e s e n t a " . \
R e s u m i n d o todas essas opiniões e poss ive lmente m u i t a s outras , podemos d izer q u e os maus atores não nos cony^nç_esn_da realidade do que representam e os bons convencem, foz conseguinte , o o b j e t i v o do ator que pre tende fazer " b o m t e a t r o " é conseguir essa capacidade de convencer o espectador da realidade do que se imaginoujpara a realização do espetáculo, o - ! } ^ . n o fundo","" sempre redún~da~~na transmissão da ideia do autor ao espectador .
Não é demais frisar aqu i o u t r a vez que para m i n é u m ax ioma : o a t t i s ta não p o d e c r i a r e m , ter vontade de convencer j L e o n T o l s t o i disse: " U m a obra de arte só é autêntica quando a pessoa que a aprecia não pode imaginar o u t r a coisa a não ser aqui lo que aprec ia . " T a l deve ser a força de convicção de u m a r t i s t a .
Mas v o l t a n d o ao assunto, já que se t ra ta da transmissão de u m a ideia, o
6 E U G Ê N I O K U S N E T
pr inc ipa l ob jet ivo do ator n ã o p o d e ser o de convencer o e s p e c t a d o r _ d a realidade__material da_vida, m o s t r a r - l h e como_o personagem d o r m e , a n d a , come, etc, rnas. s i m . mç*trãr3^ o que pensa, p a r a que vive.
O ator através de seu comportamento físico, exterior — m o s t r a n d o c omo o personagem come, d o r m e , anda, fala — convence o espectador d a realidade da vida interior do p e r s o n a g e m : do que ele pensa, do que ele q u e r , do que ele sente, o que vale d i z e r : convence-o da realidade da vida dp espírito humano. " A s pessoas estão j a n t a n d o , apenas estão j a n t a n d o , mas exatamente nessa hora se f o r m a a sua fel ic idade o u se a r r u i n a m as suas v idas" . (Anton Tchekov)
Assim chegamos a c o n c r e t i z a r o p r inc ipa l o b j e t i v o d o t e a t r o que se t o m a tão claro na definição de S t a n i s l a v s k i :
A A R T E D R A M Á T I C A É A C A P A C I D A D E D E R E P R E S E N T A R A V I D A D O E S P I R I T O H U M A N O . E M PÚBLICO E E M F O R M A E S T É T I C A .
C o m o podem constatar, n ã o há nisso a mínima l imitação; t o d o e q u a l quer estilo de teatro é aceitável, c o n t a n t o que c o n t e n h a a v ida do esp ír i to humano .
E m conversa c o m u m dos nossos diretores — e por s inal , u m exce l ente d iretor —, esse problema surgiu da seguinte f o rma . Ele me p e r g u n t o u : " E se eu lhe propusesse o papeJ_dejinTjjimj ) les ob ieto e não d_e_ym_s_ej:Jbjínian.o, por exemplo^o papel d e j u m a ^ a d e i r a — você o aceitaria? " E u r e s p o n d i : " S e essa cadeira tem amor por u m a o u t r a cadeira: se n u t r e a esperança de u m d i a se t o rnar uma p o l t r o n a ; se essajcadeira t e m m e d o ^ d T m o r r e r q u e i m a d a n u m incêndio, então eu aceito o p a p e l p o r q u e . _nes.se casq,_a sua cadeira - terá a vida dc .espírito humano . D o contrár io , você não precisa de u m a t o r — ponha uma cadeira verdadeira e que os seus atores f a l e m c o m e l a " . . .
Stanislavski e seus verdadeiros adeptos nunca f i z e ram o b j e ç ã o a n e n h u m estilo de teatro. U m dos m a i o r e s diretores do T e a t r o Sov ié t i co , N i c o l a i Okhlópkov, quando duramente c r i t i c a d o pelos seus colegas da camada c o n servadora que o acusavam de esti l ização e m o d e r n i s m o exagerados, r e s p o n deu as acusações n u m a r t i g o : " Q u e cada d i re tor use o que achar c o n v e n i e n t e e de acordo com seus princípios artísticos, c o n t a n t o que isso não s o m e n t e não prejudique, como também a j u d e , coopere na realização do mais i m p o r tante : a revelação do rico e complicado mundo interior do homem. D o contrário, o ator não terá nada que fazer e o d i r e t o r nada que p r o c u r a r " . E depois: " O espetáculo só se rea l i za q u a n d o se consegue revelar esse m a r de ideias, emoções e desejos; e u m m u n d o in te i ro em cada gota desse m a r " .
Apesar do seu m o d e r n i s m o , Okhlópkov se enquadrava p e r f e i t a m e n t e dentro dos princípios do M é t o d o .
E interessante notar que os mais extremados " e s q u e r d i s t a s " de T e a t r o não fogem desse tator — a v i d a d o espírito h u m a n o . Eugène lonesco , n u m
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art igo e m que ele e x p l i c a c o m o a seu ver deve ser o t e a t r o de h o j e , escreve: " L e Théatre est dans l 'éxageration des s e n t i m e n t s , 1'éxageration q u i d is loque le rée l " . P o r t a n t o , e m b o r a e x t r e m a m e n t e exagerados, os s e n t i m e n t o s c o n t i n u a m a e x i s t i r n o seu t e a t r o ; p o r t a n t o existe nele a v ida d o esp í r i t o h u m a n o .
A s s i m se apresenta a p r i m e i r a parte da def inição de S t a n i s l a v s k i : " A capacidade de representar a v ida do espírito h u m a n o " .
Q u a n t o aos o u t r o s dois detalhes da de f in ição , eles são ó b v i o s : " R e p r e sentar . . . em público . . . " Não se pode conceber o t e a t r o s e m espectador, — ele faz par te da própria natureza desta ar te .
E finalmente: " . . . e m f o r m a estética". A ação t e a t r a l n ã o deve ser feia. C o m isso eu não q u e r o dizer que ela deve ser " b o n i t a " , ela p o d e ser h o r r o rosa, h o r r i p i l a n t e mas ao mesmo t e m p o bela c o m o é be la a cena da m o r t e de D e s d ê m o n a , apesar d o h o r r o r que ela causa ao espectador . Sabemos que a v ida h u m a n a está che ia de detalhes feios e que esses deta lhes talvez t e n h a m que fazer par te da a ç ã o tea t ra l , mas cabe aos cr iadores d o espetáculo dar-lhes, na m e d i d a do possível , u m aspecto que não p r e j u d i q u e o be lo da ação. Uivos p r o l o n g a d o s de u m h o m e m s u b m e t i d o à t o r t u r a , excesso de sangue e u m a f e r ida aberta n u m a cena de assassinato, detalhes de v ó m i t o n u m a cena de doença , t o d o s esses detalhes, embora representem aspectos de u m so f r i m e n t o rea l , e m t e a t r o causam ao espectador apenas u m a náusea e lhes t i r a m a s fpnç^n An n u i i i r n p o r r ^ n t v • do " r i c o e c o m p l i c a d o m u n d o i n t e r i o r d o h o m e j a l ! .
Então repetimos:_CL_o.bjetivo do ator é convencer o_gspectador da_reali-dade da v i d a -do_gs p i r i t o h u m a n o . Os que conseguem isso c h e g a m a realizar verdadeiros mi lagres . Vocês talvez c o n h e ç a m casos em que grandes intérpretes de personagens históricos conseguiam convencer os espectadores das características t o t a l m e n t e contrárias à c o n c e p ç ã o histórica, c ientí f ica. E mais a inda , dois intérpretes do mesmo papel histór ico c o n s e g u i a m convencer os espectadores, e m b o r a suas ideias sobre o personagem f o s s e m c o m p l e t a mente d i f e rentes .
A força de c o n v i c ç ã o do teatro é tão grande que ele é capaz de convencer — e m b o r a p r o v i s o r i a m e n t e — u m espectador que v e m c o m u m a ideia preconceb ida sobre o espetáculo e baseada n u m a c o n v i c ç ã o pessoal p r o f u n da. T ive ocas ião de sent i r isso q u a n d o assisti a " O s Pequenos Burgueses" de M G o r k i n o G r a n d e T e a t r o Dramático de L e n i n g r a d o . E u , a t o r que chegou a u m a d e t e r m i n a d a c o n c e p ç ã o da obra depois de cem ensaios e quase o i t o centas representações dessa peça nc T e a t r o O f i c i n a , eu m e s e n t i tão preso à ação do espetáculo de Len ingrado que p e r d i t o t a l m e n t e a capacidade de rac ioc inar e de c o m p a r a r . O espetáculo me absorveu, me e n v o l v e u t o t a l m e n te, e m b o r a a c o n c e p ç ã o daquele teatro fosse quase d i a m e t r a l m e n t e oposta a do T e a t r o O f i c i n a . Só depois de o i t o horas de rac i o c ín io c a l m o consegui vo l tar à m i n h a c o n c e p ç ã o or ig ina l que, aliás, até agora c o n s i d e r o mais certa.
H EUGÊNIO K U S N E T
C o m o eles conseguem esse resu l tado? Q u e usam esses grandes atores para chegar a esse verdadeiro mi lagre de persuasão? A resposta, gera lmente é esta: " E u m grande t a l e n t o ! E u m g é n i o ! " M a s essa resposta não nos satisfaz a nós, atores. A ciência m o d e r n a p r o c u r a de f in i r o que é t a l e n t o , o que é intuição. U m psicólogo russo, A i e k s a n d r K r o n , diz que " f r e q u e n t e mente uma imagem precede u m p e n s a m e n t o l ó g i c o " e mais a d i a n t e : " e u entendo o conceito de ' intuição ' c o m o experiências não consc ient izadas adquiridas pelo homem em várias etapas de seu desenvo lv imento e, talvez mesmo, depositadas parc ia lmente em seus genes . . . " (portanto, experiências hereditárias}.
Acred i tando que esse c ient i s ta t e n h a t o d a a razão, a inda assim não saberíamos como usar esses ens inamentos n o t r a b a l h o prático da nossa p r o fissão. A h , se a ciência pudesse e x p i i c a r - m e quais os processos q u í m i c o s e físicos que eu deveria provocar n o m e u o r g a n i s m o para igualar o m e u o l h a r ao de Laurence Olivier no filme " R i c a r d o I I I " . (Lembram-se aquela cena muda no portão do castelo? ) Mas a c iênc ia a inda está m u i t o longe dessas possibilidades.
E m b o r a tenha feito milhares de experiências de modelagem de obras de arte, algumas bem sucedidas, a ciência a i n d a não sabe expl i car , c o m o disse A K r o n , qual a diferença de ondas sonoras vibrações) entre as do v i o l o n celo de Pablo Casals e as de u m vio lonceí ista medíocre q u a n d o os dois in te rpre tam a mesma música.
O que nos resta é procurar c o m p r e e n d e r o que fazem os artistas geniais para conseguir esses resultados espantosos! Se nós pudéssemos c o m p r e e n d e r o que se passa na mente deles, quais são os processos que regem o seu t raba lho ! Não poderíamos, usando os m e s m o s mecanismos, chegar pe lo menos a u m a parte do que eles conseguem i n t u i t i v a m e n t e ?
F o i esse o objet ivo de Stanis lavsk i q u a n d o c o m e ç o u as pesquisas que mais tarde se transformaram no M é t o d o .
Pois bem, raciocinemos c o m ele. C o n v e n c e r ! É_possíveL_£Qnvencer alguém de alguma_coisa_em que nós mesmos não . acrficUtam.Q5? E m u i t o ditícil. U m vendedor que sente náusea só de pensar no v i n h o que oferece ao comprador , d i f ic i lmente poderá vender u m a garrafa . Mas aquele que d u r a n t e a conversa se baba todo ao descrever o pa ladar do v i n h o , este s im , convence o comprador com facilidade. Então o que deve fazer o vendedor que não gosta do v inho que oferece? Ele deve chegar a acreditar que o v i n h o é formidável, adquirir essa fé não obstante suas sensações pessoais.
Agora toma-se necessário abr i r parêntese para desfazer u m a antiga c o n fusão criada em t o m o do M é t o d o . O que e n t e n d i a Stanislavski sob o t e r m o " f é " ? Exigia ele do ator uma fé na rea l idade do imaginário?
Realmente, o próprio Mestre deu m a r g e m à interpretação errónea d o seu método , pois nos seus livros e n c o n t r a m o s expressões c o m o : " o a tor deve
A T O R E MÉTODO 9
sinceramente acreditar nas circunstâncias propostas, ter fé na sua r e a l i dade . . . "
Mas se r ea lmente fosse essa a intenção de Stanislavski . ele i n d u z i r i a o ator a perder o senso da r e a l i d a d e , a perder o c o n t a t o c o m a real idade d o m u n d o o b j e t i v o que o cerca n o pa lco . Ora , isso só é possível e m es tado pato lóg ico , pois as doenças m e n t a i s são caracterizadas exa tamente p e l a " p e r d a d o senso do r e a l " .
Mais tarde Stanis lavski t o r n o u claras suas verdadeiras intenções q u a n d o escreveu: " C h a m a m o s de ' ve rdade cénica ' aqui lo que não existe , mas p o d e r i a e x i s t i r " . E q u a n d o percebeu que d e r a m u m signif icado l i t e r a l à sua exigência da___fé!I, ele escreveu: " I s so n ã o q u e r dizer que o ator dev_e_eritregar-se n o pa lco_a_ymaespéc ie de a l u c i n a ç ã o , ^ cue ao representar o seu pape l eh^deve perder a n o ç ã o da rea l idade , t o m a n d o , por e x e m p l o , peças do cenário p o r árvores verdade i ras^etç / ' . . .
Mais tarde fa laremos d e t a l h a d a m e n t e sobre esse assunto tão i m p o r tante na nossa arte . Por e n q u a n t o convenhamos s implesmente que a fé a qual o Mestre se re f e r ia , e m b o r a tenha que ser abso lutamente s incera , é uma fé especí f ica . T o d a vez q u e vo l tarmos a usar esse t e r m o , c o m o o fazia Stanis lavsk i , ficará b e m e n t e n d i d o que subentendemos a " f é c é n i c a " e não a fé real . " ~ -
O nosso h ipo té t i co v e n d e d o r de vinhos também " r e p r e s e n t a v a " para o c o m p r a d o r e, p o r isso, t a m b é m p o d e m o s chamar a sua :é de " f é c é n i c a " .
U m m e n t i r o s o , para enganar u m a pessoa,não poderá de ixar de a c r e d i t a r na real idade do que i n v e n t o u , s e n ã o o seu i n t e r l o c u t o r perceberá a m e n t i r a ; mas, s i m u l t a n e a m e n t e , o m e n t i r o s o não perderá de vista a real idade d a situação — a necessidade de enganar. A sua fé nesse caso t a m b é m terá características da " f é c é n i c a " .
Se na v ida real , para c o n v e n c e r alguém da realidade do q : e i n v e n t a m o s , temos que chegar a acred i tar nessa realidade, i m a g i n e m c o m o isso deve ser i m p o r t a n t e n o t r a b a l h o de a t o r : a d q u i r i r a fé no que é i r r e a l , i n e x i s t e n t e !
Então aquele espantoso d o m de certos atores de convencer só pode ser baseado nessa o u t r a capac idade , não menos espantosa: a de a d q u i r i r a fé n o que eles representam.
Mas c o m o é que os grandes a tores conseguem essa té? Há para isso u m a explicação que p o u c o e x p l i c a : a inspiração! B a i x o u o santo e o a tor r e p r e senta m a r a v i l h o s a m e n t e ! O s a n t o dos atores geniais é m u i t o s impát ico — ele baixa sempre . O santo dos a t o r e s s implesmente talentosos já é u m t a n t o preguiçoso, mais instável e esses atores ficam à mercê dos caprichos d o seu santo: ho je eles r epresentam b e m , amanhã mal .
Por que então não p r o c u r a r os meios para farer " o santo b a i x a r " a nossa vontade? Por que não e s t u d a r a mecânica da inspiração? Pois n ã o é ela que rege o t r a b a l h o dos a tores geniais?
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Stanislavski t inha amizade c o m u m desses atores geniais , Tomaso Sal-v i n i , célebre ator trágico i ta l iano , o f amoso intérprete de O t e l o . Procurando compreender a natureza desse génio, Stanis lavsk i d e p a r o u , p o r analogia, c o m mais u m exemplo de inspiração: as crianças c o m seus j o g o s ebr inça je ixas . Ele .constatou que, t a n t o u m .ator g e n i a l , comp.uma_çrianç.a usavam a mesma arma: a fé cénica, .
O c o m p o r t a m e n t o das crianças d u r a n t e suas b r i n c a d e i r a s , às vezes nos causa a impressão de que elas têm u m a fé abso luta n a real idade do que escolhem para brincar. Assim, por e x e m p l o , u m a m e n i n a é capaz de chorar com lágrimas verdadeiras se alguém bater na sua " f i l h a " , mesmo se essa " f i l h a " for u m a boneca de trapos fabr i cada pela própria " m ã e " .
Parece u m exemplo convincente de u m a fé real . M a s , apesar de suas lágrimas verdadeiras, apesar da s incer idade de seus s e n t i m e n t o s , devemos dizer que a sua fé não é real, e s i m u m a " f é c é n i c a " porque naqueles momentos a menina não está t e n d e alucinações, ela n ã o perde o c o n t a t o c o m a realidade. Ela será capaz de j o g a r ao chão " a sua f u h i n h a o f e n d i d a " se naquela hora o ofensor lhe oferecer u m a boneca nova mais b o n i t a .
U m exemplo disso nos dá u m p s i c ó l o g o sov iét i co , Nastadze: " U m menino , " ga l opando" montado n u m p a u z i n h o , nos dá a impressão de acreditar piamente nos seus "exerc íc ios de e q u i t a ç ã o " — ele até pára, às vezes, para deixar o seu " c a v a l o " beliscar u m p o u c o de g r a m a . Mas imaginem o susto do menino se o seu " c a v a l o " de repente re l inchasse ! Ele morrer ia de m e d o " . . .
Por tanto o senso da realidade o b j e t i v a não i m p e d e a sinceridade dos sentimentos criados pela " f é cén i ca " .
N u m dos seus l ivros , Stanislavski c i t a u m caso que eu acho tão i lus tra t ivo que pref iro repet i - l o mesmo para aqueles que o c o n h e c e m .
N o seu teatro , para uma peça, ele precisava de u m a criança de 4-5 anos para fazer parte de u m a cena em que u m casal (os pais da menina) que está em vias de se separar, discute os últ imos detalhes da separação. Nesse m o m e n t o sua filha, c o m uma boneca na m ã o entra e p e r g u n t a ao seu pai que remédio ela deve dar à sua " f i l h i n h a d o e n t e " . O pa i lhe aconselha u m a aspirina e ela sai. C o m essa interferência da m e n i n a m o d i f i c a t u d o na vida d o casal — eles se reconci l iam.
A menina que devia fazer esse pape l chegou ao t e a t r o e m companhia de sua mãe, na hora do ensaio. O contra - regra , por f a l t a de u m a boneca, i m p r o visou uma c o m u m pedaço de lenha enro lado e m seda v e r m e l h a e, ao entre gá-lo à menina, disse: " E s t a aqui é sua f i l h a , ela está d o e n t i n h a " . Stanislavski conta que "ao receber a boneca tão grosseiramente i m p r o v i s a d a , a menina a t o m o u nos braços c o m o mesmo c u i d a d o c o m que só u m a verdadeira mãe tomaria sua fi lha doente" .
O contra-regra, indicando os dois atores em cena, c o n t i n u o u : "Aque les
A T O R E M É T O D O 11
do i s são teu pai e t u a m ã e " . Apesar da presença de sua mãe verdade i ra , a m e n i n a não fez a mínima o b j e ç ã o e ace i tou i n c o n t i n e n t i seus novos pais.
" V á lá" , disse o contra - regra , e " d i g a ao seu pai que a sua filhinha está d o e n t e . Ele vai te aconselhar u m remédio e aí v o c ê v o l t a para c á " .
A men ina e n t r o u e m cena, p u x o u a m a n g a do ator e disse: " p a p a i , ela está d o e n t e " . O ator respondeu de acordo c o m o t e x t o : " D ê u m a asp i r ina para e l a " . Mas então, e m vez de sair, a m e n i n a disse: " N ã o ! " O ator i n s i s t i u s o r r i n d o : " P o d e dar aspir ina que é b o m ! " M a s a men ina t e i m o u n o v a m e n t e : " N ã o ! ! ! " — " M a s p o r que? " Então a m e n i n a disse c o n f i d e n c i a l m e n t e : " P r e c i s a fazer l a v a g e m ! "
Stanis lavski f o i obr igado a i n c l u i r isso n o t e x t o porque a m e n i n a não m u d a v a a sua convicção de que sua f i l h a estava c o m dor de barriga.
N ã o é u m e x e m p l o m a r a v i l h o s o de inspiração desses melhores atores do m u n d o , as crianças?
Q u a n t o às suas observações n o t r a b a l h o de T o m a s o Salv in i . S tanis lavsk i c o n s t a t o u que, apesar de sua capacidade de o b t e r instantaneamente a i n s p i ração desejada, Salv ini não se l i m i t a v a a esperar " o santo b a i x a r " . Ele chegava ao t e a t r o , duas, três horas antes do i n í c i o do espetáculo. L e n t a m e n t e vest ia , peça por peça. a r o u p a d o p e r s o n a g e m ; a sua maqu i lagem t a m b é m levava m u i t o t e m p o : ele observava c o m o , p o u c o a pouco , surgia no espelho o r o s t o do personagem: e depois disso, já v e s t i d o e maqui lado . ele subia ao pa l co deserto e andava soz inho pelos cenários da peça. E só depois c o m e ç a v a o espetáculo .
Por que Salvini fazia isso? Pois se ele p o d i a conseguir a inspiração a q u a l q u e r m o m e n t o , no i n i c i o d o espetácu lo , na sua pr ime i ra en t rada e m cena ! Per fe i tamente , p o d i a !
Mas então é de se supor que o r e s u l t a d o conseguido nessas c o n d i ç õ e s não o satisfazia, e que f o i p o r isso que ele passou a procurar os e fe i tos da inspiração três horas antes do espetáculo e, depo i s , pouco a pouco, p u n h a essa inspiração a funcionar materialmente, i s t o é, t rans formando -a e m ação , c o m e ç a n d o a agir corno se fosse o personagem.
Dessa maneira Sa lv in i t o r n a v a sua ação não casual c o m o mui tas vezes acontece sob o e fe i to da inspiração e s i m costumeira, exercitada, que ele p o d i a repe t i r a qualquer m o m e n t o .
A s s i m constatamos que a fé obtida através da inspiração se transforma em ação. T a n t o u m ator genial , c o m o u m a cr iança, sob o efeito da inspiração adquirem a vontade de agir. e então agem c o m todo o c onteúdo da v ida do espírito h u m a n o do personagem.
P o r t a n t o , o t e r m o " f é c é n i c a " pode ser t r a d u z i d o c o m o "estado psico-fisico qtte nos possibilita a aceitação espontânea de uma situação e de objetivos alheios como se fossem nossos". Se o a tor conseguir t o m a r a t i t u d e
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pessoal perante essa situação e esses ob je t ivos imaginários, ele sentirá v o n tade de agir no lugar dc personagem.
Naquele exemplo d o t raba lho de u m a t o r genia l v e r i f i c a m o s que o termo " f é cénica" pode se t o rnar bastante c laro para nós, teoricamente. Mas t o d o o problema consiste e m descobrir c o m o aquele " e s t a d o p s i c o f í s i c o " , a que nos referimos acima, poderia ser conseguido na prática.
E m vez de tentar o impossível — p e n e t r a r n o s u b c o n s c i e n t e de Sa lv in i ou de u m outro ator genia l , nosso c o n t e m p o r â n e o , para d e s c o b r i r a mecânica de sua " f é cénica" — não seria mais prático es tudar e c o m p r e e n d e r como e por que agia Ote lo que Salvini representava? E já que O t e l o , e m b o r a imaginado por Shakespeare, é u m ser h u m a n o c o m t o d a a c o m p l e x i d a d e de sua vida inter ior , não seria necessário, antes de mais nada , p r o c u r a r conhecer todos os aspectos da compl i cada ação h u m a n a na v i d a real? E depois , armados c o m esses conhec imentos , não p o d e r í a m o s usar o c a m i n h o inverso do que os génios usam, i s to é, em vez de p r o c u r a r usar o nosso t a l e n t o e a nossa intuição, começar s implesmente por agir no lugar d o personagem na base da simples lógica da sua situação e dos seus ob je t ivos? E então , já agindo, não conseguiríamos chegar a acred i tar na rea l idade dessa ação? Não conse_uiríamcs, através d i s t o , obter ao menos u m a parte da " f é c é n i c a " que os génios obtém in tu i t i vamente?
F o i na base dessa hipótese que Stan is lavsk i c o m e ç o u suas pesquisas: estudar os processos naturais que regem a ação na v ida real para depois transpor os conhecimentos adquir idos para o t r a b a l h o de t e a t r o .
Nos próximos capítulos procuraremos estudar os resul tados dessas pesquisas e a sua aplicação no nosso t raba lho .
SECUNDO CAPÍTULO
A n t e s de c o m e ç a r a l e i t u r a deste cap í tu lo , p r o c u r e m lembrar-se do que l e ram a n t e r i o r m e n t e :
— O t r a b a l h o de teatro é u m t r a b a l h o de equ ipe . — A c o m u n i c a ç ã o do ator c o m o espectador. — Nossos estudos serão fe itos na base do M é t o d o de Stanis lavski . — E necessário estabelecer bases comuns para esses-nossos estudos: o
o b j e t i v o d o t e a t r o é a revelação da vida do espírito h u m a n o , e o ob je t ivo d o a tor — c o n v e n c e r o espectador da realidade dessa v ida .
— A o r i g e m do Método é o estudo dos processos q u e regem a atuação dos atores geniais (ou das crianças): através da inspiração eles adquirem a fé no que é imaginário .
— A n a t u r e z a dessa fé em t e a t r o é especí f ica e deve ser chamada de " f é
c é n i c a " . — A " f é c é n i c a " induz o a t o r a agir e, c o n s e q u e n t e m e n t e , ele age n o
que é imaginário , ou seja, age c o m o personagem. — O p r o b l e m a da obtenção da " f é c é n i c a " : escolher u m caminho d i f e
rente d a q u e l e que é usado pelos atores geniais , i s to é , e m vez de usar a intuição , e s t u d a r os processos que regem a ação na vida r e a l , para que agindo d e n t r o da l óg i ca da vida do personagem conseguir a c r e d i t a r no que é i m a g i nário, i s t o é , o b t e r a " f é cénica" .
A s s i m , através de várias considerações , chegamos à conc lusão de que o f a t o r mais i m p o r t a n t e na nossa arte é o f a t o r A Ç À O .
E interessante notar que a palavra A Ç Ã O e o v e r b o " A G I R " fazem parte da t e r m i n o l o g i a teatral desde os t empos mais r e m o t o s . A palavra " D R A M A " e m grego significa ação . A palavra " O P E R A " , usada em todas as línguas c o m o s igni f icado de " D R A M A M U S I C A D O * * , v e m do verbo operar, ou seja. agir . A palavra " A T O R " que nos dicionários cons ta como s ign i f i cando s i m p l e s m e n t e "agente d o a to , o que age" , é usada e m quase todas as línguas c o m o sendo " h o m e m que representa em t e a t r o , c inema, e t c " . E n q u a n t o aos ou t ros artistas se dá u m a def inição mais concre ta escultor: o que escu lpe : pintor: o que p i n t a ; liolinista: o que t o c a v i o l i n o , etc.) ao ar t i s ta de t e a t r o ninguém chama de " t e a t r a l i s t a " ou coisa que o valha, mas s im de a t o r ; a u m a parte de peça tea t ra l não c h a m a m de " c a p í t u l o " e sim de ato.
14 EUGÉNIO K U S N E T
É claro que não se trata de u m a casual idade. O uso dessa raiz e t i m o l ó gica nos prova que a ideia da A Ç Ã O preocupava os homens de t e a t r o desde milénios e milénios.
Vamos pois analisar c o m o A Ç Á O se processa na vida real e c o m o ela deve se processar em teatro .
Durante uma aula para u m g r u p o de atores prof iss ionais , eu pedi a u m a atr iz , Carmen M o n t e r o , que contasse a l g u m fato impress ionante de sua v i d a . Sua narTação f o i por m i m gravada.
Ela c o n t o u u m caso que r e a l m e n t e impress ionou m u i t o s e u s colegas. À s dez horas da noite ela f o i atacada n u m a das principais ruas de São Paulo , p o r u m indivíduo que queria levá-la para d e n t r o do seu c a r r o . E c o m o ela resistiu decididamente, fo i espancada e a t i r a d a no meio da r u a , quase incons ciente.
E m seguida ela c o n t o u o que se passou uns dias mais t a r d e : q u a n d o ela estava passando numa outra rua b a s t a n t e escura, desceram de u m carro do is rapazes, f icando ainda mais u m d e n t r o d o carro , e se d i r i g i r a m a ela. Apesar de se ver n u m perigo m u i t o m a i o r do q u e na pr ime i ra vez ' o u talvez exata-mente por causa disso , ela i n e s p e r a d a m e n t e c r i ou coragem p o r q u e i m a g i n o u que estava armada c o m u m revólver, e p e n s o u : "agora eu m a t o u m ! " C o m as mãos nos bolsos do casaco, ela passou c a l m a m e n t e entre os dois rapazes que não t iveram coragem de atacá-la. L o g o e m seguida ela se v i u c o r r e n d o c o m o uma louca por u m a das ruas adjacentes . E s s a última parte f o i c on tada c o m tanto humor que ela mesma e os o u v i n t e s riram às gargalhadas.
O u v i n d o a gravação e m casa eu f i q u e i m u i t o impress i onado c o m a expressividade da narração e c o m a c o m p l e x i d a d e das e m o ç õ e s da m o ç a . Achei que o mater ia l era d i g n o de ser estudado c o m o u m a boa cena de teatro . Transcrevi a narração e, na- p r ó x i m a aula. propus à m e s m a a tr iz que , depois de ouvir várias vezes a gravação , estudasse o t e x t o escr i to c o m o se tosse cena de u m a peça e, e m seguida, a interpretasse n o v a m e n t e . N o t e m que se tratava de u m a moça que eu c o n s i d e r o u m a j o v e m atr i z de grande ta lento e m u i t o estudiosa.
Ela concordou e, depois de u n i a rápida preparação, i n t e r p r e t o u a cena que fo i gravada novamente.
Surpreendentemente para todo.',, inc lus ive para a própria intérprete, t o d o o valor da narração espontânea desapareceu. O que era b r i l h a n t e t u r -nOU-SC m o n ó t o n o ; o que p r o v o c o u nos ouv in tes urna c o m p a i x ã o na p r i m e i r a narração, provocou sorrisos na segunda : o q u e causou risos alegre: na p r i -' l le ira vez. causou uma espécie de es t ranheza .
Que aconteceu então? Como se n dc expl icar esse inesperado I r a -C.isso?
r a r a compreender . preci>o a t i a i i v i r c o m o t r a n s c o r r i i A Ç . V O nos fluís.cas« >. (JÍI , -r . : :>r: •.. •.! :__? Fo i Car- ., *. .\-i ;r , ; que
A T O R E MÉTODO 15
n a r r o u e s p o n t a n e a m e n t e u m caso interessante. Sua ação era espontânea , cr iada pela própria v i d a : " E u , Carmen M o n t e r o , v o u c o n t a r a m e u s amigos u m caso m u i t o i n t e r e s s a n t e " . O resto fo i c o m p l e t a d o e rea l izado p e l a pró pr ia n a t u r e z a , e C a r m e n M o n t e r o não prec i sou p r o c u r a r conseguir a fé n o que ela c o n t o u — ela a tinha!
Que aconteceu na segunda vez? U m t e x t o dramát ico , u m t e x t o de t e a t r o (embora criado por ela mesma, não importa!) f o i - l h e i m p o s t o c o m o obrigatório. A atr iz C a r m e n M o n t e r o teve que i n t e r p r e t a r u m pape l (embora idêntico a ela, não importa!) e agir como se fosse o personagem. Para isso o m í n i m o necessário seria e s t u d a r e compreender a lógica da ação do personagem (embora fosse ela mesma, não importa!): 1) Q u a l é a s i tuação? D u r a n t e u m a aula n u m c u r s o de teatro , u m a a t r i z "não eu, Carmen Montero, e sim uma atriz idêntica a mim"), a p e d i d o do pro fessor , c o n t a u m caso i m p r e s s i o n a n t e de u m assalto de que ela f o i v í t ima. 2) Q u a l é o ob je t i v o dessa ação? O p e r s o n a g e m acha que o caso é m u i t o interessante e quer impress ionar os seus colegas c o m a c o m p l e x i d a d e do a c o n t e c i d o . 3 ) Q u a l seria a a t i t u d e da a t r i z C a r m e n M o n t e r o d i a n t e da situação e dos o b j e t i v o s do personagem? Que f a r i a C a r m e n M o n t e r o se fosse aquela atr iz?
S ó depois de responder essas perguntas é que C a r m e n M o n t e r o p o d e r i a c omeçar a narração na segunda vez. E então , agindo d e n t r o da l óg i ca da situação e dos ob je t ivos d o personagem, ela o b t e r i a a " f é c é n i c a " . S ó nessas c o n d i ç õ e s a a tr i z estaria agindo na segunda narração como se fosse pela primeira vez.
Que fez C a r m e n M o n t e r o e m vez disso? Depois de o u v i r várias vezes a gravação, — que ela c e r t a m e n t e achou magníf ica (o que aliás era verdade!) — procurou simplesmente reproduzir suas próprias inflexões.
O que m u d o u em c o m p a r a ç ã o com o que devia ter s ido f e i t o , c o n f o r m e exp l i camos acima? V a m o s ver isso em detalhes :
1) Q u a l f o i a s i tuação desta vez? A a t r i z C a r m e n M o n t e r o i n t e r p r e t a n d o u m papel (e não uma atriz contando um caso interessante).
2) E o ob j e t i vo ? C a r m e n M o n t e r o q u e r e n d o p r o v a r que ela é u m a excelente atr i z (e não uma atriz querendo impressionar os seus colegas com os acontecimentos narrados).
3) E a sua a t i t u d e ? Essa f o i puramente e x i b i c i o n i s t a , não t e n d o nada que ver c o m a situação e os ob je t ivos do personagem.
C o m o , através dessa ação c o m p l e t a m e n t e desligada d o p e r s o n a g e m , poder ia C a r m e n M o n t e r o o b t e r a " í é cénica"?
E c laro que nessas c o n d i ç õ e s , a sua ação tornou-se fraca, insípida e ate falsa.
Através desse e x e m p l o ver i f i camos c o m o a A Ç Ã O se processa na v:da real e c o m o ela deve processar-se em teatro .
16 EUGÊNIO K U S N E T
E m cena nós, atores, agimos e m n o m e de u m a o u t r a pessoa, agimos como se fôssemos outra pessoa. Isso não quer d i z e r que a pessoa d o a t o r deva desaparecer deixando seu lugar ao personagem. N a d a disso. Isso s i g n i fica apenas que o ator aceita a situação e todos os problemas do personagem como se fossem dele próprio e então, para solucioná-los, age como tal. E evidente que os problemas do a t o r — e x e c u t a r c o m b r i l h o (como compete a um bom ator, que é) o seu t r a b a l h o , t r a n s m i t i r c o r r e t a m e n t e a ide ia d o autor , manter permanentemente o interesse e a a t e n ç ã o d o espectador, etc . — t u d o isso permanece nele, mas em estado subconsciente, p o r q u e , d u r a n t e a ação devem prevalecer esmagadoramente os p r o b l e m a s d o personagem.
Quando o ator não consegue agir n o s e n t i d o dos ob j e t i vos do personagem, ficam apenas os objetivos do a t o r : b r i l h a r , ser a d m i r a d o , ser " o t a l " , e t c Mas, durante o espetáculo, ao a t o r e m si não p o d e interessar o espectador. Ele vem ao teatro para ver a vida do personagem na interpretação do ator.
A predominância dos objet ivos d o a t o r sobre os ob je t ivos do personagem, o u mesmo quase-ausência desses ú l t imos , f o i a d m i r a v e l m e n t e d e m o n s trada pelos atores do " T e a t r o dos S e t e " e m " C i ú m e s do Pedestre" , de Mart ins Pena.
Os intérpretes desse espetáculo não p r e t e n d i a m representar os papéis dos personagens da peça e s im os papéis dos a tores contemporâneos de Mart ins Pena, representando os papéis da sua peça naquele t e m p o . Por conseguinte, os objetivos dos personagens não e r a m levados em cons ide ração, o problema era mostrar os o b j e t i v o s dos a tores canastrões daquele t empo .
Ass im, Sérgio B r i t o fez o pape l de u m ator - trágico que , por sua vez, fazia o papel de marido c iumento . O o b j e t i v o p r i n c i p a l do ator-trágico era demonstrar a sua formidável voz e a sua capacidade i n t e r p r e t a t i v a . As exc la mações " A h " e " O h " eram feitas na base de voz s u p e r i m p o s t a d a e n u m a das cenas, o t imbre da voz mudava c o n f o r m e o a n i m a l c o m que o personagem se comparava: houve u m " O o o h ! . . . " especial para tigTe e leão e u m " A a a a h ! . . . " para elefante. E c laro que os p r o b l e m a s do " m a r i d o t r a í d o " s u m i a m atrás dos problemas do ator-trágico.
Fernanda Montenegro fazia o papel de " P r i m e i r a D a m a " da c o m p a n h i a , que interpretava o papel de "Esposa A d ú l t e r a " . A p r e o c u p a ç ã o da " P r i m e i r a D a m a " era demonstrar ao público o seu v i r t u o s i s m o . Q u a n d o , " e n f r e n t a n d o a m o r t e " , dizia ao m a r i d o : " A g o r a que te o u v i o u v e - m e também! . . . " e t c , sua voz era de u m t imbre quase m a s c u l i n o , de t a n t o h e r o í s m o e coragem que a atr iz queria demonstrar. Mas q u a n d o passava a narrar sua infância : " M i n h a mãe, Deus a perdoe . . . " e t c , a sua voz a d q u i r i a o t i m b r e i n f a n t i l . Preocupada c o m esses problemas, p o d e r i a a " P r i m e i r a D a m a " agir c o m o o personagem?
A T O R E M É T O D O 17
O mesmo acontec ia c o m os o u t r o s intérpretes da peça : todos eles estav a m preocupados e m " b r i l h a r " nos seus papéis.
Os que assist iram àquele e s p e t á c u l o devem se lembrar que não se t r a t a v a de u m a s imples c a r i c a t u r a dos a tores ant iquados , havia u m a certa s i n c e r i dade na sua interpretação, eles se s e n t i a m realmente c o m o v i d o s , mas n ã o c o m o personagens e s i m c o m o " a t o r e s formidáveis que e r a m " . E é o que realmente acontece c o m m u i t o s a t o r e s : é fácil c o n f u n d i r suas próprias e m o ções c o m as do personagem.
O s e n t i m e n t a l i s m o é p rópr i o d o a t o r . É preciso que haja m u i t a vigilância p a r a que o a t o r n ã o seja suavít ima. E tão t e n t a d o r f a z e r u m a c e n a q u e p r o v o q u e lagr i mas na p l a t e i a ! A o fazer essa cena o a t o r a d m i r a a si própr io , e f ica c o m o v i d o c o m sua interpretação ,aponto de c h o r a r lágrimas deverdade .Maso que essas lágrimas t e m a ver c o m os p r o b l e m a s d o personagem? Nada ! O a t o r sai c o m p l e -tamente da ação d o personagem, mesmo sem percebê-lo. Mas o espectador percebe! Ele percebe que naquele m o m e n t o presencia u m m e l o d r a m a b a r a t o e m vez de u m p r o f u n d o d r a m a h u m a n o e m que as lágimas talvez n e m devessem ter lugar .
E u t enho o prazer de confessar u m " c r i m e " desses e espero que a m i n h a confissão sirva de prova de que t o d a a vigilância é pouca para salvar o a t o r de u m dos seus maiores i n i m i g o s : o s e n t i m e n t a l i s m o .
E u t r a d u z i c o m m e u a m i g o , o f a l e c i d o B r u t u s Pedreira, u m a das peças do d r a m a t u r g o russo, L e o n i d André iev , " A q u e l e que leva b o f e t a d a s " . Quando recebi os p r i m e i r o s e x e m p l a r e s mimeografados , fiquei m u i t o emoc ionado pelas recordações que s u r g i r a m naquele m o m e n t o . E que eu fiz aquela peça e m russo, e m 1 9 2 4 , c o m u m dos geniais atores russos, I . Pevtsov. A ideia de poder representar esse t e x t o em português e mais a inda , representar não o papel que fiz, o d o Conde M a n c i n i , mas o papel f e i t o por Pevtsov, o pape l p r i n c i p a l . Essa ideia me deu vontade de e x p e r i m e n t a r imed ia tamente u m a cena da peça . E u l i g u e i m e u gravador de som e l i a cena ao m i c r o f o n e . D u r a n t e a l e i t u r a , as lágrimas me su fo caram! ! ! Então, pensei eu, a cena deve ter sa ído m a r a v i l h o s a ! L i g u e i o gravador, fiquei o u v i n d o e . . . chore i n o v a m e n t e . Era u m a p r o v a caba l : o meu p r i m e i r o o u v i n t e — eu próprio — t a m b é m ficou c o m o v i d o ! Para c o m p l e t a r o m e u " t r i u n f o " , p e d i que m i n h a m u l h e r ouvisse a gravação . Desde os pr imeiros m o m e n t o s estranhei u m a certa surpresa no r o s t o de la e. em seguida, uma espécie de dureza e não sei o quê mais — t u d o m e n o s a admiração que eu esperava. Q u a n d o , depois de u m l o n g o s i lêncio , i n s i s t i que ela me dissesse sua opinião , ela " p r o r r o m p e u e m u m a t o r r e n t e de i n s u l t o s " , chamando-me de canastrão, de ator de rádio-novelas, e saiu c o r r e n d o . N o p r i m e i r o m o m e n t o c t r i b u i t u d o isso a alguma o u t r a razão. P r o c u r e i a d i v i n h a r " q u e foi que eu lhe fiz? " Mas não houve nada. Passado me ia h o r a nessas considerações, fiquei u m t a n t o desconf iado: " e se ela e m parte t e m razão? " V o l t e i a o u v i r a gravação . . . e logo tive a terrível c o n f i r m a ç ã o : n ã o era em " p a r t e " , — ela t i n h a razão
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completamente , era pior do que q u a l q u e r rádio-novela ! C o m o aconteceu isso? A expl i cação não é d i f í c i l . A o começar a
gravação, eu nem me dei ao trabalho de pensar na situação e nos objetivos do personagem, l i m p e i a garganta e me dediquei unicamente a meu próprio objetivo: experimentar o meu t a l e n t o ! Provar que eu era u m ator f o r m i dável! . . . E vejam a que resultado lamentável c h e g u e i ! . . .
Ass im chegamos à conclusão de que os p r o b l e m a s e os ob je t ivos do a t o r não p o d e m interessar ao espectador, p o r q u e eles n ã o t êm nada a ver c o m as circunstâncias em que se passa a ação da peça . C e r t o . Mas não se deve entender isso ao pé da letra : " o a t o r nunca deve p o r seus prob lemas pessoais d e n t r o da ação cénica". Não é isso. L e m b r e m - s e de q u e n o prefácio deste l i v ro levantamos o problema da c o m u n i c a ç ã o d o a t o r c o m o espectador. Essa comunicação pode ter f o rmas variadas, a c o m e ç a r pela tendência " d a quarta parede" (hoje considerada completamente arcaica), i s to é, de isolar o ator c o m o se a plateia não existisse, c o n f o r m e se faz ia n o t e a t r o realista (ou mais exato: naturalista) do in í c i o do sécu lo , e a t e r m i n a r pela comunicação aberta que cheea a transformar-se e m diá logo entre a t o r e a plate ia c o n f o r m e acontece frequentemente no t e a t r o a t u a l .
De maneira geral, o teatro a t u a l escolheu a " c o e x i s t ê n c i a em cena d o ator-cidadão c o m o personagem". O que varia é a " d o s a g e m " dessa coexistência: em muitos casos ela é ostens ivamente f ísica, e x t e r i o r , e em m u i t o s outros , é quase puramente e m o c i o n a l , e s p i r i t u a l .
O exemplo t ípico da coexistência é o t e a t r o é p i c o de B e r t o k B r e c h t . A própria estrutura de suas peças exige que o a t o r , e n q u a n t o representa o papel, comente, apresente e j u l g u e o seu personagem.
Mais tarde falaremos da natureza e da técnica dessa coexistência que Stanislavski chamava no seu M é t o d o de " d u a l i d a d e d o a t o r " , o que aliás, prova que contrariamente ao que se a f i r m a até agora, n ã o havia divergência, nesse sentido, entre os dois grandes h o m e n s do t e a t r o c o n t e m p o r â n e o .
Mas voltemos ao que dissemos a respei to da necessidade 'de estudar as características da ação na v ida real para , depo is , a p l i c a r os c onhec imentos adquiridos no nosso trabalho e m t e a t r o .
A primeira part icularidade a ser n o t a d a é q u e , n a v ida real a ação sempre obedece à lógica. Essa a f i r m a t i v a de i n í c i o , parece errada. Por exemple , quem pode considerar lógica a ação de u m l o u c o ? Realmente , d o nos.-o p o n t o de vista - do p o n t o de vista de gente m e n t a l m e n t e sã - não existe lógica na ação de u m d e m e n t e . Mas e d o p o n t o de vista dele, d o louco? Pois para ele tudo o que ele faz deve ser p e r f e i t a m e n t e l ó g i c o . Por tanto , se nós fazemos o pape l de u m l o u c o , a lógica de q u e m deve interessar ao espectador? A nossa ou a d o leuco?
Isso me faz lembrar o caso de u m dos nossos exce lentes atores, Sérgio B r i t o . O caso se passou há mais de 20 anos, p r a t i c a m e n t e quase no iníc io de
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sua carre i ra , n u m a peça d i r i g i d a p o r m i m , e m que ele fazia o papel de u m n e u r ó t i c o . Havia u m a cena e m que ele, n o m o m e n t o de u m a crise aguda da d o e n ç a , beijava u m m a n e q u i m de matéria plástica, convenc ido de que se t r a t a v a de u m a moça v iva . N u m a certa a l t u r a d o t rabalho , n u m dos ensaios, o a t o r c o m e ç o u a cena c o m u m a p o r ç ã o de gestos, mervimentos e entonações de abso luta incoerência. Q u a n d o lhe p e r g u n t e i a razão disso, ele r e s p o n d e u : " M a s o personagem é u m l o u c o ! " E n t ã o , analisando c o m ele a situação logicamente, chegamos "a c o n c l u s ã o de que o personagem não poder ia achar nada de estranho no f a t o de estar b e i j a n d o u m a moça de q u e m gosta m u i t o . Po is , naquele m o m e n t o , para ele ex i s t ia u m a pessoa viva, e não u m m a n e q u i m a r t i f i c i a l . Bastava que o a t o r agisse c o m essa lógica e nada mais . O e f e i t o de l oucura era seguro, p o r q u e os espectadores v iam que com toda essa sinceridade e naturalidade, ele be i java u m m a n e q u i m , e não u m a m o ç a v iva . D e p o i s de constatar isso, o a t o r sempre p r o c u r a v a , t a n t o nos ensaios c o m o nos espetáculos, acred i tar na real idade da v i d a do m a n e q u i m , sentir através d o c o n t a t o de sua m ã o , o ca lo r , a maciez daque le corpo . E m resul tado , essa cena sempre provocava u m c a l a f r i o na p l a t e i a .
Há u m o u t r o exce lente e x e m p l o de u s o da lógica, em " O diário de u r n l o u c o " , de N . Gogol , i n t e r p r e t a d o p o r R u b e n s CorTea e d i r i g i d o por Ivan de A l b u q u e r q u e . Q u a n d o o personagem d i z i a : " A Espanha t e m u m re i . . . F i n a l m e n t e o descobr i ram . . . Sou e u ! " n ã o se sentia nem a mínima tendência d o a tor de dar a essa frase u m aspecto de l o u c u r a , não havia nele mais d o q u e a h u m i l d a d e de u m m o n a r c a real que assumia a sua grande responsabi l i dade . E era exatamente essa s imples lógica q u e tornava a fala t rag i camente l o u c a e m u i t o c omovente .
E quando o pobre " r e i da E s p a n h a " , ao falar de seus trabalhos n o p l a n o da política i n t e r n a c i o n a l , d i z i a : " d e s c o b r i que a China e a Espanha f o r m a m u m único e mesmo país . . . A p r o v a está q u e , q u a n d o se escreve Espanha, dá C h i n a ! " nós sentíamos a sua l o u c u r a exatamente nessa " l ó g i c a esmagadora" .
O uso da lógica deve c o m e ç a r l o g o nos pr imeiros estudos gerais da situação e dos ob je t ivos e c o n t i n u a r necessária e obr iga tor iamente até o m í n i m o detalhe. Basta errar na lógica de u m pequeno p o n t o para a r r u i n a r a cena i n t e i r a .
V e j a m como o uso da lógica pode a j u d a r o ator para so luc ionar p r o b lemas b e m difíceis. D igamos que o p r o b l e m a seja o papel de u m cego. O que é u m cego? E u m a pessoa que não enxerga . Então é m u i t o s imples : eu f e cho os olhos e faço o p a p e l ! Mas essa lóg ica s implista não é su f i c iente . O d i a b o é que o cego anda de o lhos abertos e mesmo assim não vê. C o m o posso conseguir essa expressão do o lhar " ô c o " de u m cego? T o d o s nós conhecemos o vazio assustador desse o lhar q u a n d o encontramos u m cego na r u a . P o r t a n t o , é preciso que eu, o intérprete desse papel, consiga a "fé
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cénica" de não estar enxergando. Senão não p o d e r e i c onvencer n i n g u é m da realidade da minha cegueira. O que devo fazer?
Pois bem, em pr imeiro lugar , v o u p r o c u r a r c o m p r e e n d e r o q u e se passa c o m os sentidos de u m cego. Sei que a n a t u r e z a c o m p e n s a a f a l h a o u o enfraquecimento de u m determinado s e n t i d o , aguçando os o u t r o s . A visão, por exemplo , é substituída pela audição e pe lo t a t o . Esses do is s e n t i d o s n u m cego se t rans formam em visão mental. Por e x e m p l o , na r u a , o cego anda " t a t e a n d o " o chão c o m os pés o u c o m u m a bengala, para ver mentalmente os possíveis obstáculos; ele procura o u v i r todos os r u í d o s da r u a para ver mentalmente o que possa ameaçá-lo, p o r e x e m p l o , u m a u t o m ó v e l que se a p r o x i m a enquanto ele atravessa a rua.
Já que eu vou fazer o papel de u m cego, v o u p r o c u r a r agir d e n t r o das circunstâncias as quais cheguei r e f l e t i n d o l o g i c a m e n t e e a t í t u l o de ensaio, vou andar sem olhar para o chão procurando imaginá-lo, ou seja, procurando vê-lo mentalmente.
Exper imente isso, le i tor , da seguinte m a n e i r a : peça para a lguém co locar vários objetos, l ivros, caixas, tábuas, etc. E m seguida, atravesse o q u a r t o de olhos abertos, porém impedindo-se de ver o chão , p o r e x e m p l o , segurando na a l tura do seu queixo u m IÍVTO O U u m caderno . A o atravessar o q u a r t o , pense nos obstáculos cuja posição você i g n o r a e q u a n d o chegar a t o c a r neles com o pé, procure vê-los mentalmente p o r q u e , c o m u m p e q u e n o descuido de sua parte, eles podem levá-lo a u m t o m b o .
A o terminar a travessia, você constatará que apesar de t e r a n d a d o c o m os olhos abertos, deixou de ver [ou quase) o que se achava d o o u t r o l a d o do quar to .
Para maior clareza, faça u m colega seu fazer esse e x e r c í c i o n a sua pre sença e observe seus olhos enquanto ele estiver a n d a n d o : se ele r e a l m e n t e conseguir imaginar os objetos colocados n o c h ã o , vendo-os mentalmente, você verá o olhar de u m cego. P o r t a n t o , não se t r a t a de p r o c u r a r a c r e d i t a r na sua cegueira, — isso seria impossível — e s i m de agir d e n t r o de u m a situação em que agiria u m cego precisando atravessar u m espaço d e s c o n h e c i d o . Q u e m se lembra do f i lme " B e l i n d a " , na magníf ica interpretação de J a n e W y m a n , certamente se lembrará do o lhar cego, c o m p l e t a m e n t e ô c o , d o personagem. A c r e d i t o que esse milagre da arte dramática não f o i c onsegu ido p o r i n s p i ração e s im através de m u i t o t raba lho e m que p r e d o m i n o u a lóg ica e, c o n f o r me veremos mais tarde, provavelmente através do uso dos o u t r o s e l ementos do Método .
D a mesma maneira podem ser resolvidas outras situações d i f í ce i s : u m paralítico que procura andar, o c o m p o r t a m e n t o de u m a pessoa q u e acorda, etc.
Lembro-me que uma o u t r a aluna daquele curso para os atores pro f i ss io nais me perguntou durante u m a aula : " E s t o u ensaiando na televisão u m a
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cena e m q u e m e u personagem age sob h ipnose . C o m o devo encarar esse p r o b l e m a ? " Respond i que sendo a h ipnose u m estado semelhante a sono, — e m b o r a ha ja nele alguns p o n t o s de "v ig í l ia " que p o s s i b i l i t a m o c o n t a t o d o h i p n o t i z a d o c o m o h i p n o t i z a d o r — o p r i m e i r o p r o b l e m a seria "sentir -se d o r m i n d o ' ' e que para isso. seria lóg ico p r o c u r a r conseguir u m estado de m á x i m a abstração porque a pessoa está m e n t a l m e n t e f o r a d o ambiente em que se e n c o n t r a fisicamente. Para conseguir esse estado de abstração seria necessário encontrar uma preocupação tão grande que todos os cinco sentidos do personagem fossem absorvidos por ela. E l ó g i c o que , nessas c o n d i ções , o a m b i e n t e f ísico de ixar ia de ex is t i r para o personagem.
Essa m i n h a explicação não f o i s u f i c i e n t e : e m b o r a concordasse c o m i g o t e o r i c a m e n t e , a atr iz não conseguiu ver nela u m a so lução prática.
— " C o m o fazer f u n c i o n a r os c inco sent idos n u m a preocupação i m a g i nária? "
— " C o m o na vida r e a l " , r e s p o n d i eu. — " E c o m o é que isso acontece na v i d a real? "
C o m p r e e n d i que estava f a l t a n d o u m e x e m p l o prát i co , mas u m a fel iz c o i n c i d ê n c i a a j u d o u a expl i cação . O c o n h e c i d o p s i q u i a t r a , D r . Bernardo B l a y , que assistia a aula por p u r a cur ios idade , d i r ig iu -se a u m a das alunas: " O que é q u e a senhora está fazendo? " A m o ç a e m questão o l h o u para ele literalmente como se estivesse acordando naquele momento, e disse: " N a d a " E o d i á l o g o c o n t i n u o u assim:
— " A senhora ouv iu o que nós estávamos d i z e n d o ? " — " N ã o . " — " P o r q u e ? " — " E u estava pensando . " — " E m quê? " — " N o exerc í c i o de improvisação que v o u fazer a g o r a " .
C o m o vocês vêem, não houve necessidade de u m a preocupação " t ã o g r a n d e " p a r a que a atriz ficasse c o m p l e t a m e n t e a b s t r a i d a , bastou u m a preocupação pequena, mas real.
A a t r i z que l evantou o p r o b l e m a disse que c o m p r e e n d e u essa lógica e mais t a r d e c o n t o u que ap l i cou c o m sucesso n o seu t r a b a l h o .
V o c ê s devem ter n o t a d o que nos e x e m p l o s que eu de i acima a lógica não é m u i t o simples. E porque , na v ida real ela é m u i t o mais compl i cada e contradi tór ia do que aquela que f r e q u e n t e m e n t e usamos e m tea t ro . A m e u ver, u m dos grandes perigos para o a tor a t u a l — que v ive no meio dos seus c o n t e m p o r â n e o s tão ps iqu icamente c o m p l i c a d o s — é s i m p l i f i c a r a lógica da v i d a , torná-la óbvia e l inear . E m t e a t r o nós representamos " O A m o r " , " O Ó d i o " , " A A l e g r i a " , mas raramente m o s t r a m o s o a m o r d o F u l a n o , o ó d i o do
22 E U G É N I O K U S N E T
Bel t rano , a alegria do C i c rano . Mas c o m o são diversos , na v i d a r e a l , as manifestações de alegria o u de t r i s teza em pessoas d i f e rentes ! C o m o são inesperados, por exemplo, u m a risada estridente no m o m e n t o de u m grande s o f r i m e n t o , ou imobil idade e s i lêncio , próprios de u m estado de p â n i c o , n o m o m e n t o de extrema fe l ic idade!
Por que eu digo isso? E p o r q u e j a V i isso nos m u i t o s c o n t a t o s h u m a n o s durante a minha vida, porque j á me acostumei c o m o inesperado e c o n t r a ditório c o m p o r t a m e n t o dos m e u s semelhantes.
Por isso, mesmo quando n u m a peça não e n c o n t r o n e n h u m a c o m p l e x i dade, eu procuro e, se for prec i so , c r i o as contradições humanas p o r q u e sei que meus espectadores também são seres contraditórios , que , há m u i t o n ã o aceitam em teatro a fórmula " p ã o - p ã o , q u e i j o - q u e i j o " .
Mas passemos agora a mais u m a característica da ação na v i d a r e a l : a ação é sempre contínua e ininterrupta. Nunca de ixamos de agir , n e m m e s m o quando dormimos : os nossos sonhos às vezes são f o r m a de ação mais i n t e n s a do que a nossa realidade. E os bons cristãos d i z e m que n e m a m o r t e in ter rompe a ação.
Cada m o m e n t o de nossa a ç ã o na vida real tem seu passado e seu f u t u r o . Quero dizer que cada m o m e n t o presente tem suas origens no passado e seus objetivos no f u t u r o . A frase de Stanis lavski : " O nosso ' h o j e ' é apenas o resultado do mov imento do nosso ' o n t e m ' em direção ao nosso ' amanhã ' " , define bem a mecânica da ação c o n t i n u e tanto na v ida real , c o m o e m cena .
Os atores deveriam preocupar-se mui^o menos c o m a ação d o m o m e n t o do que com a ação anterior e p o s t e r i o r porque a ação do m o m e n t o se realiza automaticamente se o ator realmente exerce a açao contínua.
Para ilustrar isso escolhemos u m tema m u i t o bana l , mas s u f i c i e n t e m e n t e claro e lógico, que fo i realizado p o r m i n h a aluna e c o l a b o r a d o r a C a r m i n h a Favero.
N o submundo do cr ime, u m a m u l h e r que faz parte de u m a " g a n g " sofreu várias ofensas graves — m o r t e s de m u i t a gente q u e r i d a — e n u n c a conseguiu descobrir os autores dos cr imes . Na real idade todos eles f o r a m cometidos pelo " c h e f ã o " que . p o s t e r i o r m e n t e , sempre aparecia c o m o defensor e prote tor da m u l h e r , mas que , " i n f e l i z m e n t e " , sempre por u m tr i z , não conseguia salvar as v í t imas . O seu ob jet ivo e v i d e n t e m e n t e era fazer com que ela se lhe entregasse " p o r a m o r " e não à força — o que seria fácil demais!
U m dia ela f o i prevenida p o r u m velho m e m b r o da " g a n g " , — que também estava apaixonado p o r e!a. - que o " c h e f ã o " t i n h a p l a n e j a d o o assassinato do seu pai para o d ia seguinte . Desta vez, ele t o m a r i a parte n o cr ime pessoalmente. Como s e m p r e , ele seria e n c o n t r a d o no l o ca l c o m o se tivesse chegado no último m o m e n t o para defender o p a i , mas . . . que azar! Tarde demais! . . .
A T O R E M É T O D O 23
A m u l h e r sabia q u e não pod ia recorrer à po l í c ia e que a única maneira de salvar o p a i seria m a t a r o " c h e f ã o " . Sob o p r e t e x t o de t r a t a r de u m negóc i o , ela v a i até o a p a r t a m e n t o dele, p rovoca -o , e x c i t a - o e, d u r a n t e u m be i j o m a t a - o c o m u m p u n h a l .
N a p r i m e i r a t e n t a t i v a para a realização dessa cena, C a r m i n h a só se preoc u p o u c o m c ó d i o m o r t a l que t i n h a pe lo " c h e f ã o " . A s s i m m u n i d a , chegou até o a p a r t a m e n t o dele e é c laro que , dessa m a n e i r a , n u n c a seria recebida p o r q u e o ó d i o t ransparec ia à distância, c o m o vemos na f o t o g r a f i a n . ° 1 .
C a r m i n h a p r o c u r o u i n t e r p r e t a r u n i c a m e n t e a ação d o m o m e n t o , o m i t i n do p o r c o m p l e t o os dados da ação c ont ínua , c o m o passado e o f u t u r o da ação, p o r q u e c o n f o r m e o t ema p r o p o s t o o p r o b l e m a do p e r s o n a g e m não era somente m a t a r o " c h e f ã o " por ó d i o , mas s i m f i n g i r u m a p a i x ã o , envolvê-lo, i l u d i - l o e só então matá- lo , v ingando as mor tes " o n t e m " c o m e t i d a s por ele e salvando " a m a n h ã " a v i d a de seu pa i .
Passamos para a segunda t e n t a t i v a e o r e su l tado f o i o o p o s t o , embora r ã o se perdesse de v i s ta o p r i m e i r o o b j e t i v o , o de m a t a r o " c h e f ã o " , o ód io ficou d i lu ído e o q u e vemos na f o t o g r a f i a n . ° 2 é u m a grande sensualidade, u m a vo lúpia . Observamos que até o p u n h a l f o i quase esquec ido pelo personagem — v e j a m c o m o ficaram relaxados os dedos da m ã o .
Só q u a n d o C a r m i n h a conseguiu reun i r d e n t r o da sua a ç ã o os dois objet i vos , isto é, d i r i g i r o seu " o n t e m " (o ó d i o — f o t o g r a f i a n . ° 1) n o sent ido de chegar ao seu " a m a n h ã " (salvar o pai através d o fingimento de amor — f o t o g r a f i a n . ° 3 , , f o i que ela chegou ao resu l tado sat is fatór ic . espontaneamente .
E m t e a t r o a ação cénica f r e q u e n t e m e n t e sofre in te r rupções : intervalos entre os atos o u q u a d r o s , saídas do a tor de cena, grandes pausas em que o a t o r , e m b o r a presente em cena, fica aparentemente i n a t i v o .
Que deve fazer o a tor para e l i m i n a r o e f e i t o n o c i v o dessas interrupções? Deve m a n t e r o seu " e s t a d o c é n i c o " , i s t o é, c o n t i n u a r a g i n d o c o m o o personagem, m e s m o q u a n d o está fora de cena? Há atores que p r o c u r a m fazer isso na m e d i d a d o poss íve l , mas não l i t e r a l m e n t e , é c l a r o , po is m u i t a s coisas que eles têm que fazer nos intervalos não p o d e m ser fe i tas c o m o se fossem personagens: m e l h o r a r a maqu i lagem. rever o t e x t o , c o n s u l t a r o d i r e t o r a respeito de a l c u n deta lhe i m p o r t a n t e , etc . O u t r o s atores a c h a m - e talvez c o m razão - que nos intervalos eles não d e v e m cansar demais a sua imaginação , e por isso "se des l igam do p a p e l " . Mas o m í n i m o que se deve exigir de t o d o e q u a l q u e r a t o r é que, antes de ent rar n o v a m e n t e e m cena . ele recorra a ação a n t e r i o r (o " o n t e m " ) e poster ior (o " a m a n h ã " ' : d o personagem, c omo vimos no e x e m p l o ac ima . ^ .
I n f e l i z m e n t e n e m todos os atores c o r r e s p o n d e m a essa exigência mínima. São capazes de contar u m a piada e x a t a m e n t e no m o m e n t o dc entrar para fazer u m a cena trágica. Há atores que para d e m o n s t r a r aos colegas sua
A T O R E MÉTODO 25
" t é c n i c a " f i c a m de costas p a r a a plateia , fazendo caretas c ó m i c a s p r o c u r a n do p r o v o c a r riso nos seus colegas, para logo e m seguida encarar a p l a t e i a c o m suas "máscaras trágicas" . E nem passa pelas suas cabeças a ideia de que naqueles breves m o m e n t o s eles c o m e t e m u m erro gravíssimo: eles c o r t a m o seu c o n t a t o e m o c i o n a l c o m a p late ia . Basta u m instante p a r a que o espectador m e s m o sem perceber os seus truques " t ã o engraçados" s i n t a que a l g u m a coisa i n t e r r o m p e u a sua tensão de espectador, que se f o r m o u u m v á c u o n o seu c o n t a t o c o m a cena.
E agora vamos ver a t e r c e i r a característica da ação : ela tem sempre e simultaneamente dois aspectos — ação interior e ação exterior, o u seja, ação m e n t a l e ação física.
Essas duas f o rmas de ação não p o d e m e x i s t i r e m separado , elas se processam sempre s i m u l t a n e a m e n t e , mesmo q u a n d o u m a delas a p a r e n t e m e n t e está ausente. Por e x e m p l o : a i m o b i l i d a d e t o t a l de u m a pessoa (ação exterior nula) s i m u l t a n e a m e n t e c o m u m a série de pensamentos frenét icos (ação interior intensa). Para compreender c o m o isso f u n c i o n a , faça u m a experiência na base de u m a ação imaginária: v o c ê a c o m p a n h a c o m u m o l h a r de longe o e n t e r r o de u m a pessoa m u i t o q u e r i d a . Por u m a o u o u t r a razão (é importante que essa razão seja bem clara para você), v o cê não p o d e a c o m p a nhar o e n t e r r o de p e r t o . C o m p l e t e c o m sua imaginação os deta lhes f a l t a n t e s : q u e m é o fa lec ido? E m q u e circunstâncias ele m o r r e u ? O que i m p e d e v o c ê chegar mais p e r t o ? Q u e m são as pessoas que a c o m p a n h a m o e n t e r r o ? e tc . E agora vá ag indo , o u seja: apenas acompanhe c o m o o lhar o e n t e r r o q u e você vê na sua imaginação , pensando t u d o o que pensaria o personagem nessas circunstâncias. Se você n ã o c o m e t e r n e n h u m er ro de lógica e não esquecer o " o n t e m " e o " a m a n h ã " dessa ação , nós, espectadores, c e r t a m e n t e s e n t i r e mos a in tens idade da sua a ç ã o i n t e r i o r apesar da sua i m o b i l i d a d e .
E fácil i m a g i n a r e e x p e r i m e n t a r a título de exer c í c i o u m e x e m p l o do contrár io : vo cê está e x t r e m a m e n t e cansado mas p o r u m a o u o u t r a razão é obr igado a d i v e r t i r alguém c o n t a n d o - l h e u m a estória m u i t o engraçada. Nesse exer c í c i o vo cê terá que e x e c u t a r u m a ação e x t e r i o r m u i t o in tensa j u n t o a u m a ação i n t e r i o r quase n u l a , consequente do seu estado de d e s â n i m o ! E c o m o no e x e m p l o a n t e r i o r , nós , espectadores, sent i remos o u ao m e n o s suspeitaremos d o seu desân imo , apesar de sua aparente a legr ia .
Se você t iver a v o n t a d e de repet ir esses dois exerc í c i os c o m o m e s m o resu l tado tão a n i m a d o r , é prec iso que você antes de mais nada restabeleça e fixe o seguinte :
1) o que você " v i u " m e n t a l m e n t e antes, d u r a n t e e depois da ação cén ica? 2) o que você pensou antes , durante e depois da ação cén ica?
N o correr da repet ição da experiência v o c ê terá que exercer fielmente todos esses detalhes.
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A s duas f o rmas da ação , a f ís ica e a m e n t a l , são l igadas entre si tão i n t i m a m e n t e que o ator d i f i c i l m e n t e poderá estabelecer c o m o e onde u m a i n f l u i sobre a o u t r a . Só u m a exper iênc ia o u u m acaso p o d e m ind i car - lhe o c a m i n h o que ele deve escolher n o uso desse e lemento d o M é t o d o , pois há sempre dois c a m i n h o s : u m — de d e n t r o para f o ra , e o o u t r o — de fora para d e n t r o . Quero dizer c o m isso q u e , p o r e x e m p l o , u m a e m o ç ã o a d q u i r i d a espontaneamente pode p r o d u z i r u m gesto m u i t o adequado, mas também u m gesto e n c o n t r a d o pelo a t o r através de u m racioc ínio l óg i co pode p r o v o c a r u m a e m o ç ã o desejada.
A t ítulo de m a i o r e s c l a r e c i m e n t o , q u e r o contar-lhes u m caso que acon teceu comigo d u r a n t e as representações de " C a n t o da C o t o v i a " de J e a n A n o u i l h , no T e a t r o M a r i a D e l l a C o s t a .
Na cena e m que o Bispo C a u c h o n — c u j o papel eu faz ia — p r o c u r a convencer Joana D ' A r c a a b j u r a r , eu faz ia u m gesto em direção a Joana , c o m a pa lma da m ã o v irada para c i m a , u m gesto de súplica, que surg iu e sponta neamente q u a n d o senti a ânsia de convencê - la . Mas ao m e s m o t e m p o esse gesto não sei exa tamente p o r q u e provocava e m m i m a sensação de m a i o r harmonia c o m a roupa de C a u c h o a e o magní f i co cenário de G i a n n i R a t t o . Este fo i o " c a m i n h o de d e n t r o p a r a f o r a " que eu usei e que me l evou a u m resultado , a m e u ver , satisfatório.
Depois de u m dos espetáculos , o c ineasta L i m a Barre to ,que acabava de assistir a representação, me disse q u e não sent iu naquele m e u gesto " u m h o m e m de i g r e j a " e que o gesto dever ia ser f e i t o de m a n e i r a inversa, i s t o é, c om a palma da m ã o v irada para J o a n a , c o m o numa b ê n ç ã o : " N ã o é u m h o m e m qua lquer — é u m b i spo que s u p l i c a , e ele suplica c o m o t a l . "
A c h e i que sua observação era m u i t o lógica e, depois de v o l t a r para casa, procure i ensaiar soz inho o t r e c h o da cena, i n c l u i n d o o gesto aconselhado c . . . de repente me senti m u i t o mais b i spo , sent i a enorme responsabi l idade perante a igreja, sent i o m e d o de não conseguir convencer J o a n a . A c o m plexidade dessas e m o ç õ e s e p e n s a m e n t o s me levou a ansiedade ainda m a i o r do que nos espetáculos a n t e r i o r e s .
Desta vez, c o m o vocês p o d e m cons ta tar , o caminho esco lh ido f o i " d e fora para d e n t r o " .
R e s u m i n d o , podemos d izer q u e ao c o n s t r u i r seu pape l o ator n u n c a deve perder de vista a coex i s tênc ia n a t u r a l desses dois aspectos da ação , porque só assim o seu personagem será rea lmente u m ser h u m a n o .
E af lora estamos chegando a últ ima característica da ação na v ida r e a l : tuo existe áçuó Sein objetivo. Q u a n d o agimos é sempre para conseguir olgum.i coisa, porque sempre d e s e j a m o s a lguma coisa. A p r i m e i r a vista isso não parece l óg i co . Há q u e m p o s s a p e r ^ n t a r : " E a apatia? E a prostração? Q u e tíòdc d e s e j a r u m a p e s s o a nes*c e s t a d o ' Então deve haver na nossa v i d a momentos c m q u e hão d e s e j a m o s n a d a ? " E u a f i r m o que não : m e s m o
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q u a n d o temos a certeza de nada querer , p r o v a v e l m e n t e , lá n o f u n d o , queremos não querer, i s t o é , r e j e i tamos q u a l q u e r v o n t a d e . Mas, nesse caso, a nossa intenção de não t e r v o n t a d e torna-se u m o b j e t i v o . O u a inda .como o m á x i m o da f a l t a de o b j e t i v o na v i d a , seria a v o n t a d e de m o r r e r , mas a m o r t e nesse caso seria o nosso o b j e t i v o . P o r t a n t o , c o n v e n h a m o s que e m t e a t r o não possamos a d m i t i r que a ação cénica seja d e s p r o v i d a de oo jer ivos . C o m o na v i d a rea l , a necessidade e s t i m u l a a a t i v i d a d e d o h o m e m d e n t r o de u m a d e t e r m i n a d a situação, assim t a m b é m e m t e a t r o o ob je t ivo d o personagem e s t i m u l a a imaginação d o a t o r e o i n d u z a agir d e n t r o das circunstâncias da o b r a dramática.
Ve jamos u m e x e m p l o de c o m o a presença de u m o b j e t i v o o u ausência d o m e s m o se t e f l e te n o t r a b a l h o do a t o r . T i r e i esse e x e m p l o da m i n h a própria experiência, c o m p a r a n d o duas f o t o g r a f i a s minhas t iradas e m dois papéis di ferentes . V e j a m o s as duas : a p r i m e i r a , de" " M i s t e r P i t c h u m " da " Ó p e r a dos três v inténs" , ( f o t o n . ° 4 ) , e a segunda, de " M a n e c o T e r r a " , d o filme " A n a T e r r a " ( f o t o n . ° 5 ) , — f i l m e q u e nunca f o i rea l izado p o r q u e a C o m p a n h i a Vera C r u z , naquela é p o c a , t i n h a quase entrado e m falência.
V o u lhes c o n t a r a história das duas fo tograf ias . E u fiz o p a p e l de " P i t c h u m " , no espetáculo rea l izado pela Esco la Dramática da Bahia , sob a d ireção de M a r t i m Gonçalves . A n t e s de c o m e ç a r u m a das representações, eu estava m u i t o preocupado c o m alguns deta lhes da roupa e dos acessórios. U n s poucos m i n u t o s antes do i n í c i o , u m a l u n o da Escola me avisou que u m repórter precisava t i r a r c o m urgência u m a f o t o g r a f i a m i n h a . E u me recusei pois não havia mais t e m p o . Ele i n s i s t i u : " K u s n e t , só u m i n s t a n t e " . Para me ver l i v re desse p r o b l e m a , a c e i t e i , p e d i n d o q u e fossem rápidos. M a l tive t e m p o de me colocar ao lado da escr ivan inha d o escritório de " M i s t e r P i t c h u m " , t o m e i rap idamente " a a t i t u d e de M r . P i t c h u m " e p r o n t o ; a f o t o g r a f i a f o i t i r a d a . O resultado c o m o vocês p o d e m ver ( ve jam a f o t o g r a f i a n . ° 4 ) , f o i lamentável : há apenas u m a careta de P i t c h u m e n e n h u m vestígio da ação i n t e r i o r do personagem. Por q u ê ? P o r q u e naque le m o m e n t o eu não pensei e m a l g u m o b j e t i v o de M r . P i t c h u m . S ó h a v i a u m o b j e t i v o , e este era u m o b j e t i v o do ator K u s n e t — ser f o t o g r a f a d o o mais rápido possível .
A g o r a ve jam a o u t r a f o t o g r a f i a , a de M a n e c o Terra ( v e j a m a f o t o g r a f i a n . ° 5 ) . Ela f o i t i rada b e m n o in í c i o dos t r a b a l h o s . Trata-se de u m a cena e m que Maneco faz s inal a seus dois filhos para que m a t e m o índ io que seduz iu sua filha A n a . O o b j e t i v o de M a n e c o é m u i t o c o m p l e x o : p o r u m l a d o ele d e c i d i u c u m p r i r o dever d o p a i c u j a filha f o i desonrada mas, ao m e s m o t e m p o , ele daria a v i d a para ev i tar a mágoa que essa decisão causaria a sua f i l h a adorada. Esses dois ob j e t i vos contrad i tór ios f o r a m cu idadosamente estudados e usados no t r a b a l h o .
Casualmente anal isando c o m meus a lunos alguns detalhes dessa cena, constatamos que c o b r i n d o c o m u m cartão a parte i n f e r i o r do r o s t o , na
30 EUGÊNIO K U S N E T
Fotografia n.° 4
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f o t o g r a f i a , e de ixando descobertos os o l h o s , e n c o n t r a m o s neles m u i t a d u r e z a , quase u m a crueldade f r i a ; e n t r e t a n t o q u a n d o deixamos descoberta a boca , c o b r i n d o os o lhos , v i m o s u m a a m a r g u r a , u m a tr isteza que chegava às lágrimas; p o r isso o c o n j u n t o faz ia sent i r a c o m p l e x i d a d e do estado e m o c i o na l d o personagem. P o r t a n t o , a presença rea l dos ob j e t i vos do personagem, m e s m o n a i m o b i l i d a d e de u m a f o t o g r a f i a , faz c o m que o espectador s i n t a a sua a ç ã o i n t e r i o r .
Há u m detalhe do t r a b a l h o d o a tor q u e n u n c a deve ser perd ido de v i s t a : é a atratividade dos objetivos do personagem. Se u m ator não consegue interessar-se p r o f u n d a m e n t e pelos p r o b l e m a s d o personagem, há p o u c a p r o b a b i l i d a d e de sucesso n o seu t r a b a l h o . E j á q u e é ele própr io q u e m estabelece e dá f o r m a aos o b j e t i v o s , a a t r a t i v i d a d e dos mesmos depende dele p r ó p r i o .
C o m o sempre, o m a i o r i n i m i g o d o a t o r nesse t r a b a l h o é a tendência de s i m p l i f i c a r demais os p r o b l e m a s . Q u a n t o m a i s c o m p l e x o f o r o o b j e t i v o do personagem, t a n t o mais f a c i l m e n t e será desper tada a imaginação d o a t o r . O já c i t a d o d i r e t o r soviético — Nicolái O k h l ó p k o v , f a l a n d o sobre prob lemas da d i reção , disse: " N ã o deixe o a t o r p r o c u r a r u m b o t ã o p e r d i d o q u a n d o ele pode p r o c u r a r u m amor p e r d i d o ! "
O a t r a e n t e para nós é a q u i l o que nos interessa p r o f u n d a m e n t e . I n t e r e s sar-se p r o f u n d a m e n t e pelos p r o b l e m a s a lhe ios só é possível q u a n d o nós c onsegu imos colocar-nos n o lugar da pessoa. P o r isso é sempre aconselhável que o a t o r p ro cure a l g u m parale lo entre a s i tuação d o personagem e a l g u m deta lhe semelhante a sua própria v i d a . E assim q u e ele pode descobr ir mais f a c i l m e n t e a a t rat iv idade dos ob je t ivos do p e r s o n a g e m .
Para demonstrar a e n o r m e importânc ia q u e t e m a atrat iv idade dos ob je t i v o s , q u e r o lhes contar u m caso que me parece m u i t o i l u s t r a t i v o .
D u r a n t e os ensaios de " O C a n t o da C o t o v i a " , na cena em que J o a n a D ' A r e e n t r a n o palácio real para p r o p o r ao d e l f i m lhe con f iar o c o m a n d o do e x é r c i t o francês, Mar ia D e l l a Costa , que faz ia o p a p e l de Joana , achava que o estado e m o c i o n a l da hero ína devia ser o de t i m i d e z , p o r q u e ela, u m a s imples c a m p o n e s a , pela p r i m e i r a vez entrava n u m palác io . Apesar da lógica d o p r ó p r i o t e x t o e m que se fazia sent i r a a l t i vez de J o a n a , apesar das cenas a n t e r i o r e s e m que Joana estava e m c o n t a t o d i r e t o c o m u m ser m u i t o superior aos reis, o A r c a n j o São M i g u e l , M a r i a n ã o se convencia . Ela rac i o c inava na base de u m e x e m p l o de sua própria v i d a , q u a n d o ela f o i ao Palácio do Cate te para u m a audiência c o m Getúl io Vargas . E la ia p le i tear u m subs íd io para o seu teatro que naque la época se achava e m construção. E la rac i o c i n a v a : " e u v o u i n c o m o d a r o nosso grande pres idente c o m os pequenos p r o b l e m a s do meu i n s i g n i f i c a n t e t e a t r o ! . . . Já na entrada do C a t e t e . m e sent i tão i n t i m i d a d a que, por pouco, não des is t i do e n c o n t r o " .
Fotografia n.° 5
A T O R E M É T O D O 33
V e j a m b e m : c o m essa f o r m a e m que se revest iu o seu o b j e t i v o , ela só p o d i a se s e n t i r h u m i l d e . E t u d o isso p r o v i n h a da c o m p a r a ç ã o do grande pres idente c o m a " i n s i g n i f i c a n t e " Maria , da grande pátria c o m o " i n s i g n i f i c a n t e " t e a t r o . Mas p o r que a ins ign i f i cante Mar ia? Por q u e o ins igni f icante teatro? Os p r o b l e m a s da arte e m nosso país não são m a i s i m p o r t a n t e s d o que m u i t o s , m u i t o s ou t ros problemas? Por que então essa insignificância? Para dar m a i o r ênfase a m i n h a ideia, sugeri a M a r i a que considerasse o seu t e a t r o o f a t o r mais i m p o r t a n t e d o m u n d o , que se compenetrasse da ideia de que a f a l t a d o seu teatro em São Paulo p r e j u d i c a r i a o f u t u r o das gerações in te i ras , que m e s m o os problemas da miséria, da f o m e s ã o menos i m p o r tantes , e tc , e tc . " C o n v e n c i d a d isso , " p e r g u n t e i eu , " e m q u e estado de ânimo você e n t r a r i a n o Catete? "
E n q u a n t o e u falava, os o lhos de M a r i a b r i l h a v a m cada vez mais , e vocês prec isavam ver c o m que i n f i n i t o o r g u l h o ela se a j o e l h o u p e r a n t e o d e l f i m e c o m e ç o u a f a l a r : " G a r b o s o d e l f i m , eu , Joana D ' A r c . . . " , e t c .
A s s i m , através de u m parale lo , os o b j e t i v o s d o personagem tornaram-se grandiosos , empo lgantes para a a t r i z .
Mas não se deve esquecer de que o a t o r sempre c o r r e o perigo de c o n f u n d i r os o b j e t i v o s do personagem, que o i n d u z e m a agdr c o m o t a l , c o m os seus próprios ob je t ivos , que o i n d u z e m a se e x i b i r , a b r i l h a r , c o m o naquele caso que c i t e i n o iníc io deste cap í tu l o , q u a n d o c o n t e i o que aconteceu c o m i g o depois de ter gravado u m a cena de " A q u e l e que leva bo fe tadas " .
Para se a p o i a r realmente sobre u m o b j e t i v o d o personagem, o ator deve saber def in í - lo c o m a máxima clareza, t o r n a n d o - o por ass im dizer palpável. Não me e n t e n d a m m a l : não estou suger indo a s impli f icação d o ob j e t i vo , mas apenas a necessidade de evitar a possível c on fusão p o r fa l ta de clareza. M e s m o u m o b j e t i v o m u i t o c o m p l e x o e contrad i tór io , c o m o por exemplo aquele de M a n e c o T e r r a , deve ser estabelecido c o m t o d a a lógica e clareza.
Por isso é aconselhávehao d e f i n i r o o b j e t i v o , usar o v e r b o " q u e r e r " na p r i m e i r a pessoa e não n u m a f o r m a descr i t i va . E m vez de d i z e r : " O ob j e t i vo do personagem é vingar a sua h o n r a " , d iga : " E u q u e r o vingar a m i n h a h o n r a " . O uso desse verbo f a c i l i t a a aquisição da " f é c é n i c a " e evita a confusão a que nos re fer imos ac ima . C e r t a m e n t e . M a r i a Del la Costa, ao entrar naque la cena c o m o d e l f i m , deve ter pensado mais o u menos assim: " E u quero que o d e l f i m me obedeça , q u e r o que me ent regue o c omando do exérc i to , p o r q u e sou a única pessoa capaz de salvar a F r a n ç a " Mas se em vez disso M a r i a pensasse: " E u quero fazer essa cena m a r a v i l h o s a m e n t e ! Q u e r o se i . t i r m u i t o o rgu lho no m o m e n t o de m e a j o e l h a r " , a que resultado ela chegaria? A u m a ação c o m p l e t a m e n t e falsa.
Apesar dos meus longos anos de t e a t r o p r o f i s s i o n a l , eu também nem sempre me s i n t o isento dessa confusão . U m caso desses aconteceu comigo em " O s Pequenos Burgueses" na cena da br iga de " B e s s ê m e n o v " c o m seu
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af i lhado NU, durante o a lmoço d o segundo a t o . N u m dos espetáculos — uns três meses depois da estreia — eu s e n t i u m verdade iro pavor q u a n d o N i l bateu c o m o punho na mesa e g r i t o u : " O senhor não pode n a d a ! . . . " L e m b r o - m e perfeitamente de que n a q u e l e m o m e n t o eu cheguei a pensar: " A g o r a ele vai me bater na cara! . . . " D e p o i s do espetáculo , r e c a p i t u l a n d o o que se passou, f iquei contentíss imo p o r ter e n c o n t r a d o c o m t a n t a c lareza essa emoção de Bessêmenov. Na n o i t e s egu in te , p reocupado e m não perdê -la . n o últ imo m o m e n t o , em cena a b e r t a pensei : " E u prec iso sent i r esse p a v o r ! " E claro que o resultado f o i u m v e r d a d e i r o fracasso: n u n c a f iz essa cena de maneira tão falsa. Por que? P o r q u e Bessêmenov não p o d i a " q u e r e r sentir o pavor" , ele podia " q u e r e r f u g i r da b o f e t a d a " , isto s i m ! Se o o b j e t i v o no último m o m e n t o fosse r e a l m e n t e esse: " E l e vai m e b a t e r ! Q u e r o fugir ! . . . " o verdadeiro pavor seria r e s u l t a d o automático desse p e n s a m e n t o .
Ass im completamos as nossas cons iderações sobre as q u a t r o características essenciais da ação na vida real e o seu uso no ríosso t r a b a l h o e m t e a t r o .
Se você realmente quiser ass imilar as noções cont idas neste c a p í t u l o , saiba que não é suficiente apenas c o m p r e e n d e r e saber r e p e t i r o seu c o n t e ú do. É preciso fazer os exercícios suger idos '"a cegueira", "a abstração", "o resgate", "o enterro", e "a piada") e m u i t o s ou t ros que a sua imaginação possa lhe sugerir. Só assim v o c ê poderá assimilar na prática a ideia d o uso das características da ação n o seu t r a b a l h o de a tor . A n t e c i p a n d o certos problemas de nossos estudos, devo esclarecer desde já que a ação dos temas acima citados deve ser improvisada por você. P o r t a n t o , não caia no erro de preestabelecer por escrito o esquema r íg ido da ação e dos diálogos ( o u monólogos) do exercício, para seguí- los à risca. Procure i m p r o v i s a r l i v r e mente tanto os movimentos c o m o as fa las .
Improvisação é a base de t o d o s os t raba lhos teatrais pe lo M é t o d o de Stanislavski. Mais tarde trataremos d e t a l h a d a m e n t e do m é t o d o de i m p r o v i s a ção.
Insisto na necessidade de v o c ê p r ó p r i o cr iar novos exerc í c i o s , p o r q u e , desta maneira, você desenvolve mais u m a das i m p o r t a n t e s qual idades d o a tor : a sua iniciativa. Neste l i v r o p r e t e n d o sugerir m u i t o s exemplos de t r a b a lhos práticos e seria u m erro do l e i t o r não p r o c u r a r completa . - esse m a t e r i a l c o m o que a sua imaginação possa p r o d u z i r .
TERCEIRO CAPÍTULO
R e s u m i n d o o c o n t e ú d o d o capítulo a n t e r i o r , podemos dizer q u e as q u a t r o características f u n d a m e n t a i s da ação, — t a n t o na v ida rea l , c o m o e m t e a t r o , — são as seguintes :
1) A ação sempre obedece à lógica.
2} A ação é sempre c o n t í n u a e i n i n t e r r u p t a .
3 ) A ação sempre t e m , s i m u l t a n e a m e n t e , dois aspectos: ação i n t e r i o r e ação e x t e r i o r .
4 } Não existe ação sem o b j e t i v o s .
O c o n h e c i m e n t o dessas características é de e x t r e m a importânc ia n o t r a b a l h o do a t o r . Mas o c o n h e c i m e n t o teórico não basta, é preciso saber utilizá-lo na prática q u a n d o c o m e ç a m o s a t raba lhar c o m u m d e t e r n u n a d o mater ia l dramatúrgico , seja ele u m simples exerc í c i o o u u m c o m p l i c a d o papel n u m a d e t e r m i n a d a p e ç a .
Por onde devemos c o m e ç a r ? Já sabemos que n o p a l c o devemos agir e m nome do p e r s o n a g e m ; que
devemos aceitar , c o m o se f ossem nossos, t a n t o a situação e m que o perso nagem se e n c o n t r a c o m o t a m b é m os objet ivos de sua ação . Mas para c o m e çar a agir n o mgar do personagem é necessário, em p r i m e i r o lugar , estabelecer c o m a máx ima clareza quem é o personagem, quais são as suas características. C o m o ele é? B o m , m a u , j o v e m , ve lho , i n t e l i g e n t e , b u r r o ? O n d e ele vive e para que vive? E . p r i n c i p a l m e n t e , o que ele quer?
A resposta a t u d o isso pode ser e n c o n t r a d a , em p a r t e , n o m a t e r i a l dramatúrgico c o m o q u a l es tamos t raba lhando . Este m a t e r i a l , cujos c o m p o nentes devem ser c u i d a d o s a m e n t e analisados e selecionados, servirá de base para o nosso t r a b a l h o . N o m é t o d o de Stanis lavski ele é d e n o m i n a d o c o m o t e r m o : C I R C U N S T Â N C I A S P R O P O S T A S . Para nós , atores, esse t e r m o s i g n i fica a verdade , a real idade da v i d a do personagem nas situações que o a u t o r da obra dramática nos p r o p õ e . P o r t a n t o , não se t ra ta da verdade da v i d a real e s i m da " v e r d a d e c é n i c a " ; espec i f i camente tea t ra l c o m o o é a " f é c é n i c a " .
A mesma verdade da v i d a real . isto é, a realidade o b j e t i v 3 . p o d e ser i n t e r p r e t a d a e apresentada p o r dois artistas de maneira m u i t o d i f e r e n t e , sem que essa diferença p r e j u d i q u e a "verdade artística", o u seja a r ea l idade subjet iva de cada u m deles.
36 EUGÊNIO K U S N E T
Assim, quando encontramos u m cavalo v i v o , esse " m a m í f e r o d o m é s t i c o so l ípede" , cujas especificações n inguém d i s c u t e p o r achá-las óbvias , estamos diante de u m a realidade ob jet iva .
E n t r e t a n t o , quando aprec iamos , p o r e x e m p l o , os quadros de D e l a c r o i x c o m seus famosos cavalos fogosos e, e m seguida, vemos " G u e r n i c a " de Picasso c o m aquele cavalo m u t i l a d o pe l o t e r r o r há enorme di ferença ent re os dois, e ainda, maior diferença ent re eles e u m cavalo real, não nos i m p e d e de aceitarmos a "verdade art ís t i ca" , i s t o é , a real idade subjet iva dos dois p intores .
Ass im, o problema do a t o r é descobr i r nas "Circunstâncias P r o p o s t a s " a sua verdade artística.
E u disse acima que a resposta às nossas perguntas sobre a n a t u r e z a da ação do personagem pode ser e n c o n t r a d a , em parte, no m a t e r i a l dramatúrgico. Disse " e m p a r t e " porque g e r a l m e n t e os dramaturgos são m u i t o económicos em suas explicações. Eles p r e f e r e m d e i x a r os detalhes à nossa i m a g i nação para não l i m i t a r a nossa c r i a t i v i d a d e .
Se n u m a peça encontramos , por e x e m p l o , u m a rubr i ca c o m o esta : " J O Ã O — ( E N T R A N D O ) B o m - d i a ! " n u n c a podemos l i m i t a r - n o s a exe
cutar a ação como está escr i to : e n t r a r e d i zer b o m - d i a . Precisamos i m a g i n a r de onde o João entra, o que aconteceu c o m o J o ã o antes, o que o J o ã o q u e r , porque o " b o m - d i a " pode ser d i t o a u m a pessoa a q u e m o J o ã o traz u m presente ou a quem ele vai m a t a r logo e m secuida.
Quantas vezes, mesmo e m grandes t e a t r o s , u m a omissão nas C I R C U N S T Â N C I A S PROPOSTAS mudava t o d o o s e n t i d o de u m a cena, de u m a to e até mesmo da peça inte i ra ! E não somos apenas nós , pobres m o r t a i s , que cometemos esses erros, — os grandes mestres também os c o m e t i a m . Stanis lavski conta que n u m dos ensaios de " T i o V â n i a " de A n t o n T c h e k h o v , o autor ficou indignado quando n o t o u que o intérprete do papel-t ítulo estava vestido como u m homem do c a m p o [Stanislavski o imaginou assim porque ele era administrador da fazenda). T c h e k h o v disse: "Mas eu e x p l i q u e i isso tão c laramente! E vocês não e n t e n d e r a m n a d a ! " . M o s t r o u , e m seguida, u m a frase no meio de uma grande r u b r i c a : " . . . end i re i ta sua gravata fina". Realmente, dessa frase devia se t i r a r a c o n c l u s ã o de que Vóinitski não p o d i a ter aspecto, nem hábitos de u m quase c a m p o n ê s , o que é de e n o r m e i m p o r tância para a peça inte ira .
Assim Stanislavski confessou sua omissão e c o m isso d e i x o u de c o m p l e tar as CIRCUNSTÂNCIAS P R O P O S T A S c o m sua imaginação.
Mas vejamos u m exemplo b e m s imples de c o m o deve f u n c i o n a r a i m a g i nação de u m aluno n u m e x e r c í c i o c o m as C I R C U N S T Â N C I A S P R O POSTAS.
Digamos que o aluno receba c o m o t e m a para o exerc íc io o seguinte : " E u vou pedir d inheiro emprestado a u m a m i g o " . Só isso, n e n h u m o u t r o
A T O R E M É T O D O 37
detalhe. Para executar essa ação s e m n e n h u m t raba lho preparatório o a l u n o d i r i a : " 0 F u l a n o , quer me e m p r e s t a r cem m i l cruzeiros? " . A não ser a estranha leveza c o m que o personagem pede u m a b o l a d a dessas, nada de interessante encont ramos nessa a ç ã o . E m vez disso o a l u n o deve c o m p l e t a r as circunstâncias tão vagas c o m sua imaginação, dentro das características da ação, que há p o u c o v e r i f i c a m o s . E l e raciocinará da seguinte m a n e i r a :
1) A lógica da ação. " A o i m a g i n a r , t u d o o que p o d i a t e r a c o n t e c i d o c o m o personagem e o que o l e v o u a pedir d i n h e i r o , t o m a r e i o m á x i m o cuidado , para evitar t oda e q u a l q u e r fa lha da lóg ica" .
2) Ação contínua, o u seja, ação anterior e ação posterior. " A g o r a v o u imaginar o que aconteceu : o p e r s o n a g e m t i r o u cem m i l cruzeiros da ca ixa d o banco onde t raba lha e deve depositá- los novamente amanhã na p r i m e i r a hora, senão será p r e s o " .
N o t e m : o seu " o n t e m " é : " t i r e i o d i n h e i r o " ; o seu " a m a n h ã " : " s e r e i preso " ; o seu " h o j e " : " e s t o u p e d i n d o d i n h e i r o e m p r e s t a d o " .
"Estará t u d o cer to d o p o n t o de vista da lógica? " . Parece que s im . E ele c o n t i n u a : \
3) Ação interna. " O personagem t e m medo do que possa acontecer , mas, e m b o r a ansioso por c o n s e g u i r o emprést imoAnão deve de ixar o a m i g o adiv inhar do que se t r a t a , p o r q u e este seria capaz de denunc iá - lo " .
4 ) Ação externa. Por isso o personagem procura parecer m u i t o c a l m o , pensando: — " A f i n a l de CQntas, n ã o é u m a coisa tão grave! E u sei que v o u me safar" .
' E a lógica? Desta vez ela parece u m pouco m a n c a : c o m o pode ele parecer m u i t o c a l m o ao ped i r u m emprést imo de cem m i l cruzeiros? E x a tamente essa ca lma é que p o d e r i a parecer suspeita. Então o personagem não deve p r o c u r a r esconder a sua e x c i t a ç ã o , mas deve i n v e n t a r u m a razão p l a u sível para j u s t i f i c a r o seu n e r v o s i s m o . Por exemplo — u m a grande o p o r t u n i dade c o m e r c i a l que ele p e r d e r i a se não conseguisse esse d i n h e i r o i m e d i a t a mente .
5) Objetivo da ação. " S e i q u e o o b j e t i v o da ação d o personagem deve ser bastante atraente para e x c i t a r a m i n h a imaginação. Se eu estivesse n o lugar do personagem, que f a t o p o d e r i a i n d u z i r - m e a r o u b a r u m a importânc ia tão grande? Já sei ! O personagem t o m o u esse d i n h e i r o para salvar a v i d a de sua mãe que está à m o r t e e deve ser operada por u m m é d i c o m u i t o c a r o . Se o personagem for preso, essa desgraça vai matar a sua m ã e " .
V e j a m c o m o o s e n t i m e n t o filial, próprio de todos os seres h u m a n o s , c r i ou a necessária a t r a t i v i d a d e d o o b j e t i v o .
' E q u a n t o à lógica, há a l g u m a falha? Parece que não .
38 EUGÊNIO K U S N E T
É claro que mui tos outros deta lhes , que d e i x o de p r o c u r a r para não fugir da simplicidade do e x e m p l o , e n t r a r i a m em j o g o , mas digamos que o trabalho com as CIRCUNSTÂNCIAS P R O P O S T A S seja considerado c o m pleto . Que fazer agora? C o m o assumir os p r o b l e m a s e os objet ivos d o personagem? Stanislavski oferece u m e l e m e n t o d o M é t o d o que ele c h a m a de o mágico " S E FOSSE".
U m a vez estabelecidas, analisadas e selecionadas as C I R C U N S T Â N C I A S PROPOSTAS, c omo no nosso e x e m p l o , o a l u n o se p e r g u n t a r i a : " E se eu fosse aquela pessoa? Se a minha mãe estivesse à m o r t e ? Se o único lugar onde pudesse arranjar o d i n h e i r o na hora fosse a ca ixa d o banco? E t c , e t c , e t c , . . . como eu iria agir? "
Stanislavski chama esse " S E F O S S E " de mág i co , p o r q u e ele quase q u e automat icamente desperta a V O N T A D E D E A G I R .
Para experimentar a sensação ao usar o mágico S E F O S S E , basta que o le i tor repita os pequenos exerc íc ios c i tados a n t e r i o r m e n t e , mas desta vez, só depois de estudar as C I R C U N S T Â N C I A S P R O P O S T A S e completá-las c o m a sua imaginação. Não comece antes de pensar o que segue:
1) Como eu me c o m p o r t a r i a , ao atravessar u m a r u a , se fosse cego?
2) Que faria eu se fosse pai (ou mãe) de uma menina raptada, que leva o dinheiro do resgate?
3) Que pensaria eu se estivesse acompanhando de longe o enterro de uma pessoa muito querida ?
4) Se eu, extremamente cansado, fosse obrigado a divertir alguém, como contaria eu uma piada?
Nessas condições, você sentirá m u i t o mais v o n t a d e de agir do que nas experiências anteriores.
Nunca é demais insistir e m esclarecer o v e r d a d e i r o s igni f icado de certos termos do Método. Stanis lavsk i f o i f r e q u e n t e m e n t e acusado de p r o curar i m p o r ao ator a aceitação t o t a l da real idade da v i d a do personagem, aquela mística metamorfose do a t o r e m cersonagem. O próprio B e r t o k Brecht fez essas acusações. Mas se isso fosse v e r d a d e , Stanislavski usaria no seu Método o termo " E U S O U " e não " S E E U F O S S E " . Esse c o n d i c ional é m u i t o s ignif icativo. Ele presume a aceitação simultânea da r e a l i dade — eu. o ator que sou, e do imaginário — o personagem que eu, o ator, poderia ser.
A i n d a em 1937, quando essa dúvida pairava n o m u n d o i n t e i r o , o famoso ator do elenco do teatro de Stan is lavsk i . L . M . L e o n i d o v n u m encon tro c o m os elencos dos teatros de M o s c o u deu u m a ide ia bastante clara sobre esse problema. Ele disse: "Ser ia u m v e r d a d e i r o a b s u r d o se eu dissesse: E u , Leonidov , seu o governador da c idade (um personagem de " O Inspetor
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Geral" de N. Gógol). E u sou s i m p l e s m e n t e L e o n i d o v . Mas o que i m p o r t a é o que eu far ia se fosse o governador da c i d a d e " .
Mais tarde veremos c o m o o t e r m o " S E F O S S E " é i n t e r p r e t a d o e d e n o m i n a d o pela psico logia c ient í f i ca m o d e r n a . Por e n q u a n t o , usaremos os t e r m o s c o m o os e n c o n t r a m o s n o M é t o d o , dando apenas esc larec imentos necessários para ev i tar que haja u m a interpretação errónea d o seu s ign i ficado.
Dissemos ac ima que o uso d o mágico " S E F O S S E " n o r m a l m e n t e desp e r t a a vontade de agir . Mas d igamos q u e isso não aconteça, que , apesar da máxima boa v o n t a d e , o l e i t o r n ã o cons iga imaginar o que ele faria se fosse . . . etc. e t c
Cre i o que isso só p o d e r i a acontecer se o l e i t o r não soubesse usar a sua imaginação, o u m e l h o r , se ele in terpre tasse m a l o s ign i f i cado da palavra imaginação.
O que s igni f ica i m a g i n a r coisas? V a m o s recorrer a u m e x e m p l o prát i co . V o c ê poderia imag inar sua via
gem à lua? Não deve ser difícil — você deve ter visto em fo togra f ias o u e m c i n e m a as astronaves, t a n t o e m v ô o c o m o e m terra firme, e não deve ter d i f i c u l d a d e em i m a g i n a r os deta lhes .
V o c ê está d e n t r o da cab ine . O f oguete acaba de p a r t i r . Conte o que é que você está v e n d o ! Para avivar sua imaginação , peça que alguém lhe faça perguntas sobre a sua v i a g e m : o que está vendo dentro da cabine? O que está vendo pela janela? e t c , e r e sponda c o m maiores detalhes possíveis.
Desta maneira vo cê constatará que imaginar (como você acaba de fazer) significa ver as coisas ausentes, inexistentes ou irreais, . c o n t a n t o que as veja mentalmente.
Vamos fazer mais u m a pequena experiência . Olhe para u m o b j e t o , u m rádio, por e x e m p l o , e, sem tirar os olhos dele, responda a u m a série de perguntas feitas p o r u m a m i g o seu. c o m o por e x e m p l o essas: De que cor é o rádio? T e m a lgum deta lhe e m o u t r a cor? De que mater ia l é fe i to? Para que serve aquele b o t ã o à esquerda? etc . Nessas condições , ao responder essas perguntas , você dirá o que perceberá através da sua visão f ísica.
Logo em seguida, o seu a m i g o deverá passar para u m a o u t r a série de perguntas que você terá que responder também sem tirar os olhos do rádio: O n d e f o i fabr i cado este rádio? É u m a fábrica brasi le ira ou estrangeira? C o m o é essa fábrica? C o m o é a sala e m que se m o n t a m os rádios? Q u e m está t raba lhando na m o n t a g e m ? C o m o estão vestidos os operários? De que cor são os macacões? etc .
Desta vez ,ao responder , v o c ê estará f a l a n d o , não sobre o que estiver presente diante dos seus o lhos , - o rádio - e s im sobre o que você imaginou ao o u v i r a pergunta, ou seja. sobre o que você \iu mentalmente naquele momento.
4 0 EUGÊNIO K U S N E T
Se o seu amigo de repente p e r g u n t a r : Este rádio t e m a l g u m d e f e i t o na p intura? Você constatará que para responder essa p e r g u n t a será necessário u m pequeno lapso de tempo para t o r n a r a ver o rádio que , e m b o r a sempre presente diante dos seus olhos, você quase não e n x e r g o u e n q u a n t o seu amigo lhe fez perguntas sobre a fábrica, os operários, etc .
Constatamos, por tanto , que vendo as coisas imaginárias, i r r ea i s , de ixa mos de ver as coisas reais que estão d i a n t e de nós, e v ice -versa : basta prestar atenção às coisas físicas para que desapareçam as coisas imaginárias, c omo naquele exercíc io c o m o papel de cego que sugerimos n o c a p í t u l o a n t e r i o r . Isso nos mostra que podemos manobrar a visão física à nossa vontade, no sentido de transformá-la em visão interior.
Desta maneira, a nossa imaginação adquire agora u m aspecto menos abstrato , mais palpável para nós atores : imaginar s ign i f i ca v e r de maneira concreta o que nos é oferecido nas "Circunstâncias P r o p o s t a s " .
Essa maneira de usar a "v isão i n t e r n a " Stanis lavski c h a m a de V I S U A L I Z A Ç Ã O .
Depois de recorrer ao "mág i co SE F O S S E " e de se p e r g u n t a r : " C o m o eu estaria agindo nessas condições? " , o a t o r vai p r o c u r a r V I S U A L I Z A R essa ação.
Gostaria de dar u m exemplo de c o m o se processa o uso desse elem e n t o do Método no trabalho prático de u m t e a t r o .
O ator do Teatro Of ic ina, Renato B o r g h i , na p r i m e i r a p e ç a encenada naquele teatro , " A vida impressa e m dó lar " , fez o pape l de R a l p h Berger, f i lho de uma família j u d i a m u i t o p o b r e . O personagem, apesar de estar ganhando u m pequeno ordenado, n u n c a t e m u m vintém n o b o l s o , — ele entrega t u d o o que ganha à mãe. O intérprete d o p a p e l , f i l h o de u m a família abastada, nunca teve d i f i cu ldades financeiras c o m o , p o r e x e m p l o , o prob lema de levar sua namorada ao c i n e m a , e n q u a n t o q u e R a l p h Berger nunca teve d inhe iro para oferecer à sua noiva u m p e q u e n o d i v e r t i m e n t o como esse. Para fazer esse papel o R e n a t o , rico, deve a c e i t a r as c i rcunstâncias em que vive o Ra lph , p o b r e . C o m o estaria a g i n d o o ator SE FOSSE POBRE?
Para compreender a situação e m que se e n c o n t r a o p e r s o n a g e m resolvemos improvisar uma cena fora da ação da peça. I m a g i n a m o s u m e n c o n t r o de Ralph com a sua noiva na rua. D u r a n t e o passeio a n o i v a de repente d i z : " R a l p h , leve-me ao c inema". E u p e r g u n t e i a Renato B o r g h i : " Q u e faria você se fosse Ralph? " Antes de responder, R e n a t o v i s u a l i z o u , — c o n f o r m e e x p l i cou mais tarde, - o pobre r o s t i n h o de sua no iva , v i s u a l i z o u a rua em que estava morando , visualizou os seus bolsos vazios, chegou a " v e r " u m a curva da rua e de repente agiu como R a l p h Berger: ele não teve a coragem de confessar a sua pobreza, ele p r e f e r i u m e n t i r e disse: " V a m o s ao cinema amanhã, está bem? Porque hoje . . . eu me l e m b r e i agora, — quantas vezes
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eu q u e r i a lhe mostrar a v is ta marav i lhosa q u e se abre daquela curva , e s e m p r e me esquecia! V a m o s dar u m passeio, v o c ê vai ver que m a r a v i l h a ! "
Através desse pequeno " l a b o r a t ó r i o " o a t o r descobr iu o que ele far ia se fosse o personagem.
O i m p o r t a n t e nesse e x e m p l o é que , d e n t r o de sua visualização, R e n a t o se viu no lugar de Ralph; não o v i u c o m os o l h o s de u m espectador, e s i m se viu agindo no lugar de Ralph. A isso nós c h a m a m o s de V I S U A L I Z A Ç Ã O A T I V A , para diferenciá-la de u m a simples c o n t e m p l a ç ã o da ação alheia.
É preciso t o m a r m u i t o c u i d a d o para não c o n f u n d i r as duas. L e m b r o - m e de u m a l u n o , que . durante u m e x e r c í c i o para o q u a l ele escolheu u m a cena de c i ú m e , p r o c u r o u p o r e m prática o uso da visualização. O resul tado f o i mais d o que lamentável: o seu " t e r r í v e l " a m a n t e c i u m e n t o não passava de u m a ridícula car icatura que fez rir t odos os seus colegas da t u r m a . D i a n t e desse resu l tado eu a f i r m e i que ele não t i n h a v i sua l i zado coisa a lguma. Para me p r o v a r o contrário, ele j u r o u que " t i n h a v i sua l i zado o personagem c o m t a n t a clareza que até p o d i a i r t o m a r café c o m e l e ! "
V o c ê s compreenderam? Esse " O t e l o " p r o d u z i d o pela sua imaginação, o u seja, v isual izado por ele, v i v i a c o m p l e t a m e n t e à parte , e ele, o a l u n o , não passava de u m simples espectador que depois de observar (contemplar) a ação d o personagem, e m vez de, ao menos , responder à pergunta : " Q u e far ia eu S E FOSSE esse h o m e m c i u m e n t o ? " , r e so lveu s implesmente macaquear o seu c o m p o r t a m e n t o . Daí o ridículo do r e s u l t a d o desse exerc íc io .
E agora, para dar u m e x e m p l o d i a m e t r a l m e n t e oposto ao a n t e r i o r , gost a r i a de exempl i f i car o e f e i t o d o uso da visualização sobre o t raba lho de u m a grande a t r i z . Ref i ro -me a G r e t a G a r b o .
T i v e m u i t a sorte e m regTavar u m disco n o r t e - a m e r i c a n o que, na é p o c a , não se encontrava no Bras i l . Esse disco c o n t i n h a trechos pr inc ipa is dos filmes interpretados por G r e t a G a r b o .
O que me impress i onou p a r t i c u l a r m e n t e e m e fez l embrar u m a cena do f i l m e e m todos os seus detalhes f o i u m t r e c h o de " R a i n h a C r i s t i n a " . A o o u v i r o disco eu t ive a impressão nítida de que a genial a t r i z , e n q u a n t o d i z ia 0 t e x t o , usava a "v i sua l i zação " conscientemente. As próprias "Circunstâncias Propos tas " dessa cena e x i g i a m a consc ient ização da 'S i sua l i zação" , c o n f o r m e expl icarei aba ixo .
D o t recho escolhido destaquei duas partes e m que a rainha C r i s t i n a , depo i s de passar u m a n o i t e de a m o r c o m A n t ô n i o , o embaixador espanhol j u n t o à sua cor te , fala c o m ele. O t e x t o da p r i m e i r a parte é o que segue:
* T v e been m e m o r i s i n g th i s r o o m . . . I n a f u t u r e . . . i n my m e m o r y . . . 1 sha l l l ive a great deal i n th is r o o m . . . "
D e n t r o das "Circunstâncias Propos tas " desse t e x t o o ob j e t i vo da r a i n h a é r e t e r na memória o aspecto desse q u a r t o para usá-lo depois em suas recordações . Por tanto , essa fala representa , c o m o p r o b l e m a para a intérprete d o
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papeL o uso da memória. E o que é a memória , senão a " v i s u a l i z a ç ã o " consciente do passado?
A s reticências que vocês e n c o n t r a m no t e x t o ac ima f o r a m postas p o r m i m para assinalar as pequenas pausas existentes na interpretação de G r e t a Garbo. Quem assistiu ao f i l m e ce r tamente se lembrará dos o lhos de G r e t a Garbo naqueles momentos . E les f i t a v a m o f u t u r o da r a i n h a q u a n d o e la estaria sozinha, " v e n d o " o seu passado . . .
A genial interpretação dessa p a r t e , que nos fazia sent i r t o d o o d r a m a d a pobre rainha, era certamente r e s u l t a d o dessa "v isual ização" .
C i t o a segunda parte da m e s m a cena: A N T O N I O — T e l l me, — y o u said y o u w o u l d , — w h y h a d y o u c o m e t o
this I r ; r dressed as a man? C R I S T I N A — I n m y h o m e . . . I ' m very c o n s t r a i n e d . . . E v e r y t h i n g is
arranged very f o r m a l l y . . . ANTÓNIO — A h ! . . . A c o n v e n t i o n a l house-hold? C R I S T I N A - Very . Depois da pr imeira fala de A n t ô n i o , Greta G a r b o mantém u m a pausa de
seis segundos antes de c omeçar a fa lar . As reticências r e p r e s e n t a m pausas menores. A razão da pausa m a i o r c o n t é m m i l deta lhes : a i m p o s s i b i l i d a d e de revelar a verdade; a vontade de responder à pergunta , mas de u m a f o r m a q u e não a c omprometa ; a sensação d o ridículo dessa s i tuação; o p r o t e s t o i n t e r i o r contra a vida que a obr igam l e v a r ; a sua impotência para m o d i f i c a r as coisas e, ao mesmo tempo , a aceitação das c ond i ções de sua v ida c o m o u m compromisso de honra . . . e p r o v a v e l m e n t e m u i t o s o u t r o s detalhes q u e eu não saberia citar. T u d o isso n ó s sent imos e t u d o isso é r e s u l t a d o d a q u e l a pausa de seis segundos.
N o f ina l , antes de responder : " V e r y " , há t a m b é m u m a p e q u e n a pausa que deve ser resultado de u m a "v i sua l i zação" m u i t o c o m p l e x a e c u j o r e s u l tado poderíamos chamar s i m p l e s m e n t e de tr iste resignação da r a i n h a .
O uso correto da "visualização a t i v a " é de imensa importância n o t r a b a lho de ater. Seu efeito se re f l e te t a n t o na "ação e x t e r i o r " (mímica, gestos, falas), como na "ação i n t e r i o r " {pensamentos, emoções).
A influência da "ação i n t e r i o r " d o personagem sobre o estado p s í q u i c o do espectador se efetua, às vezes, d e n t r o da i m o b i l i d a d e e d o s i lêncio t o t a l em cena. Todos nós sabemos q u e esse t i p o de ação f r e q u e n t e m e n t e é m a i s impressionante do que a ação f ís ica. Basta lembrar-se p o r e x e m p l o , d o e x c e lente filme "Perdidos na n o i t e " e m que os dois intérpretes p r i n c i p a i s apare cem mudos e imóveis em m u i t a s cenas. E e n t r e t a n t o , j u s t a m e n t e nessas cenas é que nós sentíamos m a i o r e s e m o ç õ e s : parecia-nos que estávamos vendo nos olhos dos atores o q u e eles " v i s u a l i z a v a m " .
O diretor soviético A . P o p o v , d u r a n t e m u i t o s anos de suas a t i v i d a d e s c o m o professor e d iretor , c r i o u u m estudo p r o f u n d o do que ele c h a m a v a de
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" z o n a s de s i l ê n c i o " , o u seja, o estudo d o f u n c i o n a m e n t o e d a realização das pausas e m t e a t r o .
U m e x e m p l o disso encont ramos n u m ar t i go p u b l i c a d o na revista " T e a t r o " de M o s c o u , sob o t í tulo " A respe i to de u m a p a u s a " (janeiro 1971). A a u t o r a d o a r t i g o , A . Polevítscaia, u m a das mais ve lhas e famosas atrizes russas, descreve e m mín imos detalhes todas as ações físicas d o personagem c r i a d o p o r ela, n u m a cena e m que ela, d u r a n t e sete m i n u t o s , não p r o n u n c i a u m a pa lavra sequer.
V o c ê s p o d e m i m a g i n a r o que acontecer ia se a a t r i z , a o executar essas ações físicas, deixasse de usar a "visualização a t i v a " da s i tuação e dos p r o blemas d o personagem? T e n h o certeza de que a p late ia t o d a estaria d o r m i n do n o t e r c e i r o m i n u t o . E . e n t r e t a n t o , Stanis lavsk^que várias vezes assistiu ao espetáculo , r e c o m e n d a v a a seus alunos que prestassem espec ia l atenção a essa cena c o m o u m e x e m p l o da " a r t e de s e n t i r " .
O já c i t a d o e x e m p l o do filme " B e l i n d a " , na interpretação de Jane W y m a n , é mais u m e x e m p l o do uso da "v i sua l i zação " ; a a t r i z cer tamente " v i s u a l i z a v a " o q u e a personagem não p o d i a ver p o r ser cega. C o m o em nosso p e q u e n o e x e r c í c i o ( " e x a m i n a n d o u m r á d i o " ; n o q u a l c o m p r o v a m o s que a visão física pode ser quase e l i m i n a d a pelo uso da visão i n t e r i o r , assim também a a t r i z , através da "v isual ização" aguda d o que n ã o p o d i a estar ao alcance de sua v i s t a -por exemplo, os obstáculos no chão) i conseguia a d q u i r i r a expressão dos o l h o s de q u e m não vê o que se acha d i a n t e de l e .
Para c o m p l e t a r as nossas cons iderações sobre o uso prát i co da " v i s u a l i z a ç ã o " , r e c o m e n d a m o s que o l e i t o r v o l t e n o v a m e n t e aos exemplos que demos nas páginas anter iores para o uso da " l óg i ca da a ç ã o " . Eles também são e x e m p l o s p e r f e i t o s para o uso da "v i sua l i zação " , q u e p o d e m servir m u i t o b e m para seus exerc íc ios . Mas, a inda m e l h o r , seria se você criasse temas novos , baseados na sua própria vivência o u t i r a d o s de obras l i t e rárias. •
E agora, c o m os poucos e lementos que até o m o m e n t o conhecemos, podemos fazer a lgumas experiências de sistematização d o u s o desses e lementos , a e x e m p l o d o que fizemos, há p o u c o , no t r a b a l h o c o m as q u a t r o características da ação e m relação às C I R C U N S T Â N C I A S P R O P O S T A S . Desta vez, p o r é m , i n c l u i r e m o s no t r a b a l h o dois novos e l e m e n t o s d o M é t o d o : " O mágico SE F O S S E " e a " V I S U A L I Z A Ç Ã O " .
D i g a m o s que o assunto esco lhido seja bastante s i m p l e s : u m rapaz (ou uma moça) escreve à sua namorada (ou namorado) u m a c a r t i n h a marcando u m e n c o n t r o . T e r m i n a d a a carta , ele (ou ela) a d o b r a , p õ e - n a n o envelope e sai para enviá-la. (Para fazer esse exercício procurem não usar objetos reais, papel, caneta, etc. — deixem tudo à sua imaginação, usem objetos imaginários).
44 E U G Ê N I O K U S N E T
Por onde vamos c o m e ç a r ? E m p r i m e i r o lugar, t e m o s que anal isar o tema para compreendê-lo c l a r a m e n t e . I s t o s igni f i ca : estabelecer e fixar as "Circunstâncias Propostas" e comple tá - las c o m a nossa imaginação .
Q u e m é o personagem? E l e é j o v e m , v e l h o , b o n i t o , f e i o , i n t e l i g e n t e , b u r r o , rico, pobre? . . . Q u e m é a sua namorada? C o m o ela é? E m que pé estão suas relações? Quais são as in tenções d o namorado? O que é q u e ele escreve na carta? O que é que ele alega para marcar o e n c o n t r o ? Ele é sincero nessa alegação? O que é que ele p re tende na real idade? . . .
Tratando-se de u m e x e r c í c i o , n ã o devemos esquecer que , para t r a n s f o r m a r em ação o resultado da análise das circunstâncias propostas, que acabamos de fazer, cabe-nos usar t o d o s os e lementos até agora c o n h e c i d o s . Por isso:
1 . ° — Veri f iquemos se os de ta lhes p o r nós estabelecidos obedecem \ lógica, se não há algum absurdo , e n ã o de ixemos de e x a m i n a r através da lógica todos os detalhes do t r a b a l h o p o s t e r i o r .
2. ° — Sabendo que a ação deve ser contínua e, p o r t a n t o , deve t e r o seu passado e o seu futuro, t e m o s q u e i m p r o v i s a r m e n t a l m e n t e o que acon teceu antes de que o personagem c o m e ç a s s e escrever a c a r t a : C o m o se passou o último encontro? H o u v e a l g u m a conversa por te le fone? . . . E logo e m seguida: Que vai acontecer d e p o i s do encontro? O que é que o encontro pode alterar nas suas relações de hoje? O que é prec iso ev i tar o u conseguir? . . .
3. ° — Pensando na ação exterior desse exerc í c io devemos desempenhar c o m a máxima atenção a nossa a ç ã o f ís ica: procurar s e n t i r a real idade da presença dos objetos imaginários — d o pape l na mesa, da caneta na m ã o , do m o v i m e n t o da pena, do a p a r e c i m e n t o das l inhas escritas, e tc .
4. ° — Pensando na ação interior, — q u e ev identemente deve se p r o cessar simultaneamente com a ação exterior, — devemos ter presentes os pensamentos naturais que a c o m p a n h a m a ação física dentro das circunstâncias propostas. A o segurar a f o l h a de p a p e l : "Será que ela v a i achar esse papel m u i t o barato? O envelope não dev ia ser mais b o n i t o ? . . . " A o segurar a caneta: "Es ta pena a r r a n h a u m pouco . E b o m e x p e r i m e n t a r antes . . . " Antes de começar a escrever : "Prec i so encontrar palavras que a convençam . . . que a c o m o v a m . . . V o u escrever a s s i m ! " . . . A o escrever, pare para reler, pensando: "Será q u e sa iu b o m ? " A o fechar o enve lope , visualize o rosto dela quando ela est iver l e n d o a carta , etc. etc .
5. ° — Pensando no objetivo da ação, devemos estabelecer não apenas o que o personagem quer que a conteça , o q u e representa a sua v o n t a d e , mas também o que ele não quer que a c o n t e ç a — o u seja, a sua c o n t r a - v o n t a d e . Esse c o n f r o n t o do ob je t ivo e d o o b s t á c u l o , c o n f o r m e ver i f i caremos de ta lha -
A T O R E MÉTODO 45
d a m e n t e mais tarde , é de g r a n d e importância n o t r a b a l h o de a t o r : ele c r i a a l u t a i n t e r i o r d o personagem e representa a base da dialética d a v i d a , da n a t u r a l contrad ição d o esp í r i t o h u m a n o .
N o nosso pequeno e x e r c í c i o , embora bastante p r i m i t i v o , essa c o n t r a dição não pode de ixar de fazer parte da ação. Se o personagem p e n s a r : " Q u e r o que nesse e n c o n t r o ela não se oponha a nada! Q u e r o que ela m e deixe fazer t u d o o que eu q u e r o ! " , ele pensará l ogo em seguida: " M a s ass im podemos chegar a u m a l o u c u r a ! . . . E depois , o que vamos fazer? E a responsabi l idade? . . . N ã o , e la n ã o va i de ixar ! . . . E terá t o d a a razão ! . . . "
A o escrever a car ta , improvisando o seu conteúdo, v o c ê sentirá o r e s u l
tado da fusão desses p e n s a m e n t o s . 6. ° — U m a vez c o m p l e t a d a essa parte d o t r a b a l h o , devemos p e r g u n t a r
a nós mesmos : "Se eu fosse esse rapaz , se eu tivesse u m a n a m o r a d a tão b o n i t a e desejada, se eu tivesse a esperança de conseguir o e n c o n t r o que agora v o u pedir , o que é que eu escrever ia para ela? " C o m p l e t e isso c o m o u t r a s perguntas úteis para d e s p e r t a r - l h e a vontade de escrever, e q u a n d o chegar a sentir essa v o n t a d e , basta c o m e ç a r a agir.escrevendo.
7. ° — A g o r a , d igamos q u e c o n t r a toda a e x p e c t a t i v a você não chegue a sent i r r ea lmente essa v o n t a d e . Então recorra à visualização, i s to é, repasse alguns detalhes d o t r a b a l h o c o m os elementos anter i o res , na base da " v i s u a l i zação" . Comece p o r v i s u a l i z a r os objetos que usa, — o p a p e l , a caneta , e t c . Depois p r o c u r e " m a t e r i a l i z a r " os seus pensamentos e m f o r m a de " v i s ã o i n t e r n a " . Por e x e m p l o , q u a n d o v o c ê se pergunta q u e m é a n a m o r a d a , c o m o ela é; p r o c u r e " v ê - l a " e m m a i o r e s detalhes até que chegue a sent i r r e a l m e n t e a atração por e la ; q u a n d o pensar n o próx imo e n c o n t r o , v isual ize -o e m t o d o s os detalhes para sent ir a necessidade de pedir esse e n c o n t r o ; e, p r i n c i p a l mente , q u a n d o estiver p e n s a n d o no ob j e t i vo da ação , i s t o é , n o q u e o personagem quer que a c o n t e ç a , e no que ele não quer que aconteça , p r o c u r e " m a t e r i a l i z a r " essa l u t a i n t e r i o r ao máximo através da visualização. E n ã o esqueça que só poderá c o n s e g u i r a lgum resu l tado p o s i t i v o , se a sua visualização for realmente ativa, o u seja, se você conseguir "se v e r " ag indo d e n t r o das circunstâncias que v i s u a l i z a .
A capacidade de usar a visualização é p r i m o r d i a l na arte de t e a t r o , p o i s ela equivale à capacidade de usar a sua imaginação, sem o que n e n h u m a a r t e existe. Por isso não é s u f i c i e n t e compreender a mecânica da visual ização e fazer algumas experiências práticas para constatar a val idez desse e l e m e n t o . Na rea l idade , o> exerc í c i os de visualização devem tornar-se parte i n t e g r a n t e da v i d a i n t e i r a do a t o r , a c o m e ç a r pelos exerc íc ios mais p r i m i t i v o s , e a t e r m i n a r por compl i cadas " v i s õ e s cósmicas" dos personagens cr iados p e j o s
dramaturgos geniais. Esses e x e r c í c i o s devem transtormar-se em ginastica diária de imaginação. Sem ela o a ter não poderá exercer a sua a r t e , c o m o
46 EUGÊNIO K U S N E T
não o poderá u m dançarino, u m c a n t o r , u m p i a n i s t a , sem fazer exerc í c ios diários de dança, vocalises, so l fe jo , etc .
Q u a n t o aos exercícios de que fa le i a c ima , q u e r o p r o p o r a q u i , apenas a t ítulo de exemplificação, alguns temas que os meus l e i t o res poderão t rans f o rmar em exercícios de imaginação, i s t o é, c r ia r e m redor dos mesmos "Circunstâncias Propostas" concretas (situações em que o personagem se encontra) e os seus objetivos (necessidades que deverá satisfazer).
E preferível fazer esses exerc í c i os em c o m p a n h i a de alguns amigos, po is esse t raba lho torna-se mais útil q u a n d o s u b m e t i d o à observação , c o n t r o l e e críticas alheias.
1) Imagine u m a fo lha de pape l e m c i m a de sua mesa. Procure v isualizá-la n i t i d a m e n t e , em todos os detalhes e, e m seguida, dobre-a em várias direções, executando c o m precisão t odos os m o v i m e n t o s das mãos " c o m o SE F O S S E " uma folha de papel reaL
Quando conseguir u m resu l tado satisfatório, p o r e x e m p l o , q u a n d o chegar a convencer o seu a m i g o de que está r e a l m e n t e l i d a n d o c o m u m pedaço de " p a p e l " , acrescente a esse e x e r c í c i o "Circunstâncias Propostas" e " O b j e t i v o s " do personagem. Por e x e m p l o : u m a m o ç a t raba lha n u m a f a b r i -queta de envelopes ganhando m u i t o p o u c o ; e n q u a n t o d o b r a o papel ela pensa, — e p o r t a n t o visualiza, — a situação de miséria e m que se encont ra a sua família. Ela precisa desse emprego , ela precisa p r o d u z i r mais para ser aumentada.
2) V o c ê acompanha com o o lhar u m c o r t e j o fúnebre . Procure visual izar n i t idamente todos os detalhes: o c a r r o , o c a i x ã o , as coroas , os a companhantes. E m seguida estabeleça as "Circunstâncias P r o p o s t a s " e os " O b j e t i vos " . Q u e m era o falecido? Quais e r a m as suas relações c o m ele? Por que veio ver o enterro? O que o i m p e d e de a c o m p a n h a r o e n t e r r o j u n t o aos outros? etc.
3) U m h o m e m examina ruínas de u m t e a t r o q u e ele conhecia antes da demolição. Acrescente as "Circunstâncias P r o p o s t a s " e os " O b j e t i v o s " . Por exemplo u m ex-ator alcoólatra, que , há dez anos , f o i expulso do elenco desse teatro . Ele veio para ver se p o d e r i a t e n t a r de n o v o a sua antiga p r o fissão. Ele revive mui tos m o m e n t o s de sua v ida artística.
4) U m a mulher m u i t o feia atende a u m a c h a m a d a telefónica. U m desconhecido que não quer ident i f i car - se marca- lhe u m e n c o n t r o no j a r d i m público da cidade. Ela vai. N o banco do j a r d i m , e n q u a n t o espera, ela p r o cura adivinhar qual dos m u i t o s transeuntes seria o seu " n a m o r a d o " . D e repente descobre escondido atrás de u m a r b u s t o , u m rapaz que a observa rindo às gargalhadas. Depois da v o l t a para casa, ela e x a m i n a o seu ros to n o espelho.
A T O R E M É T O D O 47
A imaginação do l e i t o r poderá c r ia r m u i t o s outros temas mais p r ó x i m o s da sua vivência e, p o r t a n t o , mais a t raentes , mais exc i tantes .
E não fique decepc ionado se, apesar de t o d o o es forço , não conseguir o r esu l tado desejado. Lembre-se que v o c ê está apenas no in í c i o da l e i t u r a de u m a matéria c u j o estudo prát ico exige m u i t o t e m p o . Nas páginas seguintes v o c ê encontrará o u t r o s e l ementos d o M é t o d o que , c e r t a m e n t e , lhe f a c i l i tarão as experiências.
QUARTO CAPÍTULO
N o nosso último capítulo procuramos estabelecer a s e q u ê n c i a dos elementos d o Método, que conhecemos até agora n o processo de e l a b o r a ç ã o da ação dramática. Assim veri f icamos que, depois de es tabe lecermos as " C i r cunstâncias Propostas" (a situação), podemos c o m e ç a r a agir n o s e n t i d o de realizar os objetivos (<zs necessidades) do personagem C O M O S E F O S S E M O S O P R Ó P R I O P E R S O N A G E M .
Constatamos, em seguida, que o " m á g i c o se F O S S E " só n ã o f u n c i o n a quando falha a nossa imaginação, o u seja, a visualização das "Circunstânc ias Propostas" , e que essa visualização t e m que ser sempre a t i v a , e n ã o apenas contempla t iva , o que quer dizer que o a tor deve estar sempre a g i n d o d e n t r o das circunstâncias por ele visualizadas.
E agora surge mais u m p r o b l e m a : como escolher as nossas "visões internas"? Como to rnar mais útil, mais p r o d u t i v a a visual ização das deter minadas "Circunstâncias Propostas"?
N o caso do exercício que propusemos no cap í tu lo a n t e r i o r (escrever uma carta à sua namorada) é óbv io que, e m p r i m e i r o lugar , d e v e m o s visual izar a "nossa namorada" . Mas o l e i t o r poder ia visualizá-la no seu aspecto geral, c o m o se estivesse o lhando para o r e t r a t o de u m a d e s c o n h e c i d a m u i t o bonita em geral. E m vez disso, deveria p r o c u r a r " v e r " a figura v i v a " d a q u e l a que a gente adora " porque ela é d i ferente de todas as o u t r a s ! " M a s d i f e r e n t e em quê? Não seria, pois, necessário selecionar na sua visual ização aqueles traços que a t o r n a m tão di ferente? Não seria necessário " v ê - l a " e m maiores detalhes para chegar a sentir a sua atrat iv idade?
Se o l e i t o r fez aquele exerc í c i o , deve lembrar-se de que a realização da ação dramática, — escrever a carta , — foi facilitada principalmente pela visualização dos detalhes do seu aspecto físico, bem como dos detalhes do objetivo do autor da carta.
Também deve lembrar-se de que, para rea l i za i a m i n h a p r o p o s t a de visualizar a namorada em maiores detalhes, deve ter prestado muita atenção a este ou àquele detalhe para chegar a sentir o seu e n c a n t o .
Saiba que nesse caso, você usou mais u m e l e m e n t o d o M é t o d o : " A T E N Ç Ã O CÉNICA" .
Na vida real , a palavra " a t e n ç ã o " é usada c o m o a n t ô n i m o de " d i s t r a -ç ã o " , quando, por exemplo , é exigida de u m a pessoa a m a i o r d e d i c a ç ã o ao t raba lho . A uma datilógrafa que fez erros n u m a car ta pode-se d i z e r : "Preste
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mais a t e n ç ã o q u a n d o escreve, senão v o u desped i - l a " . Gera lmente u m a ameaça dessas é suf ic iente para que a datilógrafa d e i x e de pensar n o seu n a m o r a d o e escreva me lhor .
E x p e r i m e n t e d izer a m e s m a coisa a u m a t o r q u e , p o r estar distraído, representa m a l n u m ensaio: " P r e s t e atenção, senão e u o p o n h o na r u a ! " M e s m o se o a t o r t iver m u i t o m e d o de perder o e m p r e g o , a ameaça, p o r si s ó , p o u c o adiantará. Não será o m e d o que o fará representar m e l h o r . A única poss ib i l idade de ele fazer c o m que a sua atenção v o l t e a f u n c i o n a i é inte-ressar-se pelos objetivos (necessidades) do personagem como se fossem dele próprio.
E p o r isso que para interessar-se p r o f u n d a m e n t e pelos problemas d o personagem o a t o r deve se lec ionar , através da sua A T E N Ç Ã O CÉNICA, detalhes da visualização que possam mais f a c i l m e n t e e x c i t a r a sua imag ina ção e assim atraí - lo para a ação.
Q u a n d o a situação cénica, n u m d e t e r m i n a d o m o m e n t o , exigir sensações e e m o ç õ e s m a i s agudas, o a t o r reduzirá sua visualização a detalhes m í n i m o s , aos mais condensados , mais exc i tantes .
Q u a n d o , pe l o contrário, a a ção cénica e x i g i r m a i o r ca lma, maior p o n deração d o personagem, o a t o r deverá evocar, na sua visualização o q u a d r o geral das "Circunstâncias P r o p o s t a s " , cu jo e f e i t o e m o c i o n a l será certamente mais a m e n o .
Essa r e d u ç ã o do quadro geral e m apenas alguns de ta lhes e. vice-versa, a ampliação d o c a m p o da visualização, são exercidas n o nosso trabalho através do uso de m a i s u m e lemento d o M é t o d o , d e n o m i n a d o " C Í R C U L O S D E A T E N Ç Ã O "
A ideia desse e lemento ve i e da c omparação c o m certas características da nossa visão física. O o lho h u m a n o abrange u m c a m p o de visão de quase 180 graus. E fácil constatar isso na prática. E s t e n d a m os braços para a f rente e depois l e n t a m e n t e , pouco a p o u c o , a fastem as mãos u m a da out ra . O l h a n do sempre p a r a a f rente , p r o c u r e m notar até que m o m e n t o ainda estarão enxergando as mãos. Parando o m o v i m e n t o n o m o m e n t o e m que as suas mãos c o m e ç a r e m a desaparecer de sua v is ta , vocês constatarão que a l i n h a dos braços formará quase u m a l i n h a reta.
Nessa p o s i ç ã o , se qu iserem ver em detalhes as suas mãos , isto é, se prestarem muita atenção às m ã o s , constatarão que quase deixarão de enxer gar o que se achar na sua f r e n t e . E, pelo contrár io , se prestarem m u i t a atenção ao q u e se achar na sua f r e n t e , a visão das extremidades quase desaparecerão
Isso nos prova que podemos m a n o b r a r os " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " da nossa visão f ísica à nossa v o n t a d e .
O m e s m o acontece c o m os "C í r cu los de A t e n ç ã o " na "Visual ização" , c o m ainda m a i o r vantagem de podermos , c o m isso. quase e l iminar a nossa
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visão física. Se você refizer a exper i ênc ia aconselhada n o segundo c a p í t u l o , isto é, o papel de u m cego, terá u m e x e m p l o do uso dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " quase a e l iminar a visão f ís ica .
Isso também explica a f a c i l i d a d e c o m que o a tor , o l h a n d o para a p l a teia, consegue " v e r " (visualizar) o q u e se passa nas "Circunstâncias Propos t a s " ; em vez do mar de cabeças dos espectadores, ele vê , p o r e x e m p l o , u m lago c o m cisnes nadando, etc.
O uso dos "Círculos de A t e n ç ã o " , além de sua e n o r m e u t i l i d a d e no trabalho preparatório, muitas vezes salva o ator em cena aber ta .
Durante u m dos espetáculos de " A V i d a Impressa em D ó l a r " , n o t e a t r o Of i c ina aconteceu-me u m a v e r d a d e i r a ca lamidade . U m p o u c o antes d o in í c i o de u m a das mais difíceis cenas d o m e u personagem, q u a n d o e u , sem fa lar , assistia ao diálogo dos ou t ros (o que me ajudava muito como preparação para a minha cena), de repente o u v i , à distância de u m m e t r o , u m a conversa na pr ime i ra f i la da plateia, quase e m v o z a l ta , entre duas pessoas c o m p l e t a mente bêbadas. Durante a l g u m t e m p o , apesar de u m grande e s f o r ç o , não consegui desviar a minha atenção p a r a o que se passava em cena. S e n t i - m e tão perdido que por pouco não saí d o p a l c o . Mas naquele m o m e n t o eu v i n o chão os dois sapatos de Ra lph Berger [personagem da peça) de ixados lá pe l o seu intérprete; u m dos sapatos estava v i r a d o de sola para c i m a e era tão gasto que a sola t inha u m furo a b e r t o de u n s 3 centímetros. Pois b e m , naquele m o m e n t o eu me lembrei dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " , — surg iu esse t e r m o do Método como u m a possível tábua de salvação. E claro que , naque la h o r a , eu me desliguei por u m instante d o m e u p a p e l , pois estava r a c i o c i n a n d o c o m o o ator e não c omo o personagem. M a s , l o g o em seguida, sempre o l h a n d o para o f u r o do sapato, v o l t e i a agir c o m o " o velho J a c ó " . P r i m e i r o p r o c u r e i cert i f icar-me se realmente se t r a t a v a de u m f u r o tão grande, e pense i : " C o m o o R a l p h podia andar c o m esse sapato" n a rua? " E depois eu " v i " mi lhões de rapazes andando c o m sapatos ass im p e l o m u n d o i n t e i r o . T o d a a indignação e revol ta consequentes dessa visão a j u d a r a m - m e a fazer a cena talvez até melhor do que de costume, e é c l a r o q u e eu esqueci c o m p l e t a m e n t e o casal bêbado.
Agora vejam a mecânica desse caso (que, naturalmente, só mais tarde eu pude analisar): p r ime i ro , eu fechei o "Círculo de Atenção" da visão física em t o m o do furo na sola e depo is abri um enorme "Círculo de Atenção" da visualização sobre o m u n d o i n t e i r o .
Mui tos outros exemplos prát i cos d o uso dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " o l e i t o r poderá encontrar nos e x e r c í c i o s recomendados nos cap í tu los a n t e riores e nos que, porventura , a sua imaginação criar.
A "Atenção Cénica" c o m seus " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " l e v a m o a t o r ao " C o n t a t o e Comunicação" c o m o a m b i e n t e , isto é, c o m todos os e l ementos do espetáculo.
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" C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o " é mais u m t e r m o d o M é t o d o . N a v i d a real o c o n t a t o e comunicação c o m o a m b i e n t e são tão p e r m a
nentes e i n i n t e r r u p t o s q u a n t o a própria ação , e t u d o q u a n t o dissemos a respe i to da A ç ã o na v i d a rea l é per fe i tamente aplicável a " C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o " . N u n c a d e i x a m o s de estar em c o n t a t o c o m o a m b i e n t e na v i d a rea l : através dos nossos c i n c o sent idos , nos c o m u n i c a m o s c o m t u d o o que se e n c o n t r a e m r e d o r de n ó s , t a n t o c o m os seres vivos c o m o c o m as coisas i n a n i m a d a s o u imaginárias. E se na v ida real a f a l t a de c o n t a t o e c o m u n i c a ç ã o seria u m a b s u r d o i n c o n c e b í v e l (a não ser que o personagem fosse um cadáver), c o m o p o d e m o s a d m i t i r isso em teatro?
N a v i d a real o a m b i e n t e nunca nos f a l t a , — nós sempre v i v e m o s d e n t r o dele pela v o n t a d e da n a t u r e z a . E m teatro o a m b i e n t e é c r i a d o p e l a vontade dos cr iadores d o e s p e t á c u l o .
Stanis lavsk i dá u m magní f i co e x e m p l o da necessidade de c r ia r elem e n t o s do a m b i e n t e , c o m os quais o a tor possa se c o m u n i c a r : " Q u e m realm e n t e representa o p a p e l de u m rei são os cortesãos de sua c o r t e . U m h o m e m que anda c o m a cabeça orgu lhosamente erguida e n inguém, na sua passagem, lhe presta a m í n i m a atenção, p o d e ser s i m p l e s m e n t e u m i m b e c i l p resunçoso ; mas se, n a sua passagem, t o d o m u n d o se i n c l i n a e m reverência, ele pode ser u m r e i "
Que fazia T o m a s o S a l v i n i quando , já ves t ido e m a q u i l a d o , a n d a v a pelos cenários desertos? E le p r o c u r a v a o c o n t a t o c o m o a m b i e n t e e m q u e , mais t a r d e , i r i a agir c o m o O t e l o .
C o m o vocês s a b e m , n e m todos os atores fazem isso. A l g u n s v i o l a m a ação i n t e r r o m p e n d o o c o n t a t o e a c o m u n i c a ç ã o c o m o a m b i e n t e , uns de l i b e r a d a m e n t e , o u t r o s p o r acaso. Há m u i t o s exemplos d isso :
— O a t o r resolve " d e s c a n s a r " em cena p o r q u e não t o m a p a r t e no diál ogo . Ele se p e r m i t e , n a q u e l a h o r a , pensar e / Mias coisas p a r t i c u l a r e s , e às vezes age nesse s e n t i d o até f i s i camente : t i para v e r i f i c a r os c o m p r o m i s s o s para o dia l
— O a t o r n ã o p r e s t a atenção às a m a d o r i s m o isso a c o n t e c e p o r q u e o ? c o m a p r ó x i m a fa la de le própr io ; e por varias razões, fica p r e o c u p a d colegas. L e m b r o - m e de u m a a t r i c o m as falas de u m a co lega , (e' sua reação a essas fa las , sua r
ela própria e l i m i n a v a de a' o u t r a pudesse lhe causar .
— O a t o r está p r e personagem, p o r exe
so sua p e q u e n a ager
ouve . No a i l u
". l!r-- X p c i l f l l
O I I U conclusòti N a t u d z r (RJ I ° 7 2 n o
1 c o r . p i i r t d m r n t i t " .
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visão física. Se você refizer a exper i ênc ia aconselhada n o segundo cap í tu l o , isto é, o papel de u m cego, terá u m e x e m p l o d o uso dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " quase a e l iminar a visão f ís ica .
Isso também explica a f a c i l i d a d e c o m que o ator , o l h a n d o para a p la teia, consegue " v e r " (visualizar) o q u e se passa nas "Circunstâncias Propos t a s " ; em vez do mar de cabeças dos espectadores, ele vê , p o r e x e m p l o , u m lago com cisnes nadando, etc.
O uso dos "Círculos de A t e n ç ã o " , além de sua e n o r m e u t i l i d a d e no trabalho preparatório, muitas vezes salva o a tor em cena aberta .
Durante u m dos espetáculos de " A V i d a Impressa e m D ó l a r " , n o t e a t r o Of i c ina aconteceu-me u m a v e r d a d e i r a ca lamidade . U m p o u c o antes d o in í c i o de u m a das mais difíceis cenas d o m e u personagem, q u a n d o eu , sem fa lar , assistia ao diálogo dos outros (o que me ajudava muito como preparação para a minha cena), de repente o u v i , à distância de u m m e t r o , u m a conversa na pr ime i ra f i la da plateia, quase e m v o z al ta , entre duas pessoas c o m p l e t a mente bêbadas. Durante a l g u m t e m p o , apesar de u m grande e s f o r ç o , não consegui desviar a minha atenção p a r a o que se passava e m cena. Sent i -me tão perdido que por pouco não saí d o p a l c o . Mas naquele m o m e n t o eu v i no chão os dois sapatos de Ra lph Berger (personagem da peça) de ixados lá pe l o seu intérprete: u m dos sapatos estava v i r a d o de sola para c i m a e era tão gasto que a sola t inha u m furo a b e r t o de u n s 3 centímetros. Pois b e m , naquele m o m e n t o eu me lembrei dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " , — surgiu esse t e r m o do Método como u m a possível tábua de salvação. E claro que , naque la h o r a , eu me desliguei por u m instante d o m e u p a p e l , pois estava r a c i o c i n a n d o c o m o o ator e não c omo o personagem. M a s , l o g o em seguida, sempre o l h a n d o para o f u r o do sapato, v o l t e i a agir c o m o " o velho J a c ó " . P r i m e i r o p r o c u r e i cert i f icar-me se realmente se t r a t a v a de u m furo tão grande , e pense i : " C o m o o Ra lph podia andar c o m esse sapato" n a rua? " E depois eu " v i " milhões de rapazes andando c o m sapatos ass im p e l o m u n d o i n t e i r o . T o d a a indignação e revol ta consequentes dessa visão a j u d a r a m - m e a fazer a cena talvez até melhor do que de costume, e é c l a r o q u e eu esqueci c o m p l e t a m e n t e o casal bêbado.
Agora vejam a mecânica desse caso (que, naturalmente, só mais tarde eu pude analisar): p r ime i ro , eu fechei o "Círculo de Atenção" da visão física em t o r n o do f u r o na sola e depo is abri um enorme "Círculo de Atenção"da visualização sobre o m u n d o i n t e i r o .
Mui tos outros exemplos prát i cos d o uso dos " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " o l e i t o r poderá encontrar nos e x e r c í c i o s recomendados nos cap í tu los ante riores e nos que, porventura , a sua imaginação criar.
A "Atenção Cénica" c o m seus " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " l e v a m o a t o r ao " C o n t a t o e Comunicação" c o m o a m b i e n t e , isto é, c o m todos os e l ementos do espetáculo.
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" C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o " é mais u m t e r m o do M é t o d o . N a v i d a real o c o n t a t o e comunicação c o m o a m b i e n t e são t ã o p e r m a
nentes e i n i n t e r r u p t o s q u a n t o a própria ação , e t u d o q u a n t o dissemos a respe i to da A ç ã o na v i d a rea l é per fe i tamente aplicável a " C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o " . N u n c a d e i x a m o s de estar em c o n t a t o c o m o a m b i e n t e na v i d a rea l : através dos nossos c i n c o sent idos , nos c o m u n i c a m o s c o m t u d o o que se e n c o n t r a e m r e d o r de n ó s , t a n t o c o m os seres vivos c o m o c o m as coisas inan imadas o u imaginárias. E se na v ida real a f a l t a de c o n t a t o e c o m u n i c a ç ã o seria u m a b s u r d o i n c o n c e b í v e l (a não ser que o personagem fosse um cadáver), c o m o p o d e m o s a d m i t i r isso em teatro?
N a v ida real o a m b i e n t e nunca nos f a l t a , — nós sempre v i v e m o s d e n t r o dele pela v o n t a d e da n a t u r e z a . E m teatro o a m b i e n t e é c r i a d o p e l a vontade dos cr iadores d o e s p e t á c u l o .
Stanis lavski dá u m magní f i co e x e m p l o da necessidade de c r ia r elem e n t o s do a m b i e n t e , c o m os quais o ator possa se c o m u n i c a r : " Q u e m realm e n t e representa o p a p e l de u m rei são os cortesãos de sua c o r t e . U m h o m e m que anda c o m a cabeça orgulhosamente erguida e n inguém, na sua passagem, lhe presta a m í n i m a atenção, p o d e ser s i m p l e s m e n t e u m i m b e c i l presunçoso ; mas se, na sua passagem, t o d o m u n d o se i n c l i n a e m reverência, ele pode ser u m r e i . "
Que fazia T o m a s o S a l v i n i q u a n d o , já vest ido e m a q u i l a d o , a n d a v a pelos cenários desertos? E le p r o c u r a v a o c o n t a t o c o m o a m b i e n t e e m q u e , mais t a r d e , i r i a agir c o m o O t e l o .
C o m o vocês s a b e m , n e m todos os atores fazem isso. A l g u n s v i o l a m a ação i n t e r r o m p e n d o o c o n t a t o e a c o m u n i c a ç ã o c o m o a m b i e n t e , uns de l i b e r a d a m e n t e , o u t r o s p o r acaso. Há m u i t o s exemplos disso :
— O a t o r resolve " d e s c a n s a r " em cena p o r q u e não t o m a p a r t e no diál ogo . Ele se p e r m i t e , n a q u e l a h o r a , pensar e m suas coisas p a r t i c u l a r e s , e as vezes age nesse s e n t i d o até f i s i camente : t i r a d o bo l so sua p e q u e n a agenda para ver i f i car os c o m p r o m i s s o s para o dia seguinte .
— O a t o r não p r e s t a atenção às falas dos o u t r o s , não as ouve . N o a m a d o r i s m o isso a c o n t e c e p o r q u e o a t o r , e m vez de o u v i r , f i ca p r e o c u p a d o c o m a p r ó x i m a fa la de le própr io ; em t e a t r o p r o f i s s i o n a l , — p o r q u e o ator , por várias razões, fica p r e o c u p a d o c o m a mane i ra de r e p r e s e n t a r de seus colegas. L e m b r o - m e de u m a atr iz cujos lábios se m o v i a m e m s incronização c o m as falas de u m a co lega , (ela sabia de cor o papel da outra). E c laro que sua reação a essas fa las , suas respostas e r a m c o m p l e t a m e n t e falsas, porque ela própria e l i m i n a v a de antemão toda e qua lquer surpresa q u e a fala da o u t r a pudesse lhe causar . .
— O a t o r está p r e o c u p a d o c o m outras coisas f o r a dos p r o b l e m a s d o personagem, p o r e x e m p l o , c o m u m r e f l e t o r apagado que o d e i x o u no
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escuro, c o m u m móvel o u , u m o b j e t o f o ra d o l u g a r , etc. É u m a verdade i ra t o r t u r a contracenar c o m u m colega nessas c o n d i ç õ e s ; o seu o lhar oco faz a gente também perder o c o n t a t o c o m o a m b i e n t e .
— O ator procura c o n t a t o c o m a p la te ia p o r va idade , p o r e x e m p l o : u m a atr iz preocupada em ex ib i r os seus dotes f ís icos .
N u n c a é demais repet i r e fr isar que o c o n t a t o e a c o m u n i c a ç ã o c o m a plateia não somente são inevitáveis, c o m o t a m b é m necessários, mas é c laro que nunca devem ser procurados p o r va idade . A i n d a no prefácio eu disse que o maior ob jet ivo do t e a t r o deve ser e x a t a m e n t e a comunicação c o m o espectador.
J u l g o necessário, nesta h o r a , esclarecer de antemão u m a dúvida que f requentemente surge nos meus c o n t a t o s pessoais c o m os a lunos : " Q u e m deve comunicar-se c o m o espectador , o a t o r o u o personagem? " E c laro que só pode ser o ator . O personagem, c o m o u m ser h u m a n o cr iado pelo d r a m a t u r g o , vive a sua vida dentro das ' 'Circunstâncias Propos tas " , i n d e p e n d e n t e do espectador, pois este últ imo n o r m a l m e n t e não faz parte das situações e m que vive o personagem, salvo se o a u t o r da o b r a de l iberadamente i n c l u i os espectadores como part i c ipantes da ação dramática. A não ser nesses casos específ icos, o personagem t e m c o n t a t o e c o m u n i c a ç ã o apenas c o m o ambiente e os outros personagens da peça.
Q u a n t o ao ator, ele deve estar p e r m a n e n t e m e n t e em c o n t a t o e c o m u n i cação c o m o espectador, c o m o , aliás c o m t o d o s os elementos do m u n d o ob j e t i vo que o cerca.
Então, — perguntará o l e i t o r , — e x i s t e m s i m u l t a n e a m e n t e essas duas pessoas, o ator e o personagem? E se i s t o é verdade , c o m o se processa essa coexistência?
Já dissemos que a " encarnação do p a p e ' - ' não significa substituição mística do ator pelo personagem, pois nesse caso o m u n d o o b j e t i v o d e i x a r i a de ex is t i r para o ator . Ele apenas aceita t o d o s os problemas do personagem, assume todas as suas responsabi l idades, e a d q u i r i n d o a " f é c é n i c a " na rea l i dade da sua existência, vive c o m o se fosse c personagem c o m a máxima sinceridade, mas, ao mesmo t e m p o , não perde a capacidade de observar e c r i t i ca r a sua obra artística — o personagem.
Essa coexistência do a tor e d o personagem f o i denominada por Stanis lavski c o m o t e rmo " D u a l i d a d e do A t o r " .
Antes de entrar no mérito do m e c a n i s m o desse processo que a t u a l m e n t e é expl icado e c on f i rmado c i e n t i f i c a m e n t e peia psicologia m o d e r n a , gostaria de contar u m caso que aconteceu na m i n h a v i d a de teatro e que d e m o n s t r a c laramente a existência da " D u a l i d a d e do A t o r " .
N o segundo capítulo deste l i v r o eu c o n t e i o que me aconteceu c o m a gravação d? uma cena da peça " A q u e l e que leva b o f e t a d a s " de L . Andréiev,
A T O R E M É T O D O 53
peça que eu fiz c o m o a t o r russo gen ia l I . Pevtsov. A sua interpretação, às vezes, chegava a verdade iros mi lagres da arte dramática: ele conseguia c o n vencer não somente os espectadores , mas também os seus colegas de cena. É difícil de acredi tar , mas é v e r d a d e .
N a cena que v o u c o n t a r há u m m o m e n t o quando " A q u e l e " (e o apelido do personagem interpretado por Pevtsov), e m pensamento , chega à dec i são de se matar m a t a n d o t a m b é m C o n s u e l o , a m o ç a que ele ama.
Nessa cena, M a n c i n i (o meu papel), n u m grande m o n ó l o g o , descreve seu br i lhante e rico f u t u r o depo is de conseguir vender a sua filha adotíva, C o n suelo. E nesse m o m e n t o q u e , a t ra ído pelo olhar estranho de A q u e l e q u e o lha para o espaço , M a n c i n i i n t e r r o m p e o seu m o n ó l o g o e p e r g u n t a : " V o c ê está rindo? " , e q u a n d o A q u e l e r esponde : " N ã o " , ele c o n t i n u a seus devaneios.
Pois b e m , q u a n d o eu o l h e i p a r a Pevtsov, não sei o que m e aconteceu : eu v i a m o r t e nos olhos dele . . . F i q u e i tão p e r t u r b a d o que esqueci onde estava, o que devia dizer . . . D e v o ter f e i t o u m a pausa enorme p o r q u e , naque le m o m e n t o , o u v i Pevtsov d izer b a i x o e quase sem mexer os lábios : " V o c ê v a i falar ou não? " Isso m e fez l i t e r a l m e n t e acordar e eu c o n t i n u e i a cena.
Pensem b e m nos detalhes desse f a t o : se eu fiquei tão p e r t u r b a d o é porque nos olhos do a t o r Pevtsov eu v i a v ida real do personagem A q u e l e . Mas, ao l a d o desse personagem v i v o e real , estava o a tor , também v i v o e r e a l , assustado c o m a a t i t u d e de u m j o v e m colega atrapalhado .
Há poucos anos, q u a n d o meus alunos me perguntavam por quais m e i o s poder iam eles chegar a e x p e r i m e n t a r o e fe i to da " D u a l i d a d e do A t o r " , eu só pod ia responder que , u m a vez evidenciada a existência desse e l e m e n t o n o trabalho de m u i t o s atores_, os a l u n o s , que p r o x i m a m e n t e também ser iam atores, p o d e r i a m ter cer teza de q u e . u m d ia , chegariam à sensação da d u a l i dade no seu t raba lho e m t e a t r o e que essa sensação lhes p r o p o r c i o n a r i a u m imenso prazer de estar t r i u n f a n d o n a sua arte .
Mas. i n f e l i z m e n t e , n a q u e l a é p o c a eu não podia exp l i car a mecânica d o uso desse e lemento .
Hoje eu estou e m c o n d i ç õ e s de a f i r m a r que a " D u a l i d a d e do A t o r " t e m u m a expl icação científ ica e que nós temos a possibi l idade de cr iar u m m é t o do de usar esse e l emento c o n s c i e n t e m e n t e .
A p a r t i r de 1939 na União Soviética os cientistas i n i c i a r a m inúmeras pesquisas c o m o i n t u i t o de invest igar vários aspectos da influência da i m a g i nação sobre o c o m p o r t a m e n t o h u m a n o . D u r a n t e m u i t o s anos mi lhares de pessoas de várias camadas sociais f o r a m submetidas a u m a série de exper iências nos laboratórios especial izados .
A descrição dessas exper iênc ias , os resultados o b t i d o s e as conc lusões científicas a esse respeito f o r a m pub l i cados por R. G. N a t a d z e em 1 9 7 2 n o seu l i v r o i n t i t u l a d o " A imaginação c o m o f a t o r do c o m p o r t a m e n t o " .
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A q u i não há lugar para comentár ios deta lhados sobre o l i v r o . Quero citar e comentar apenas alguns trechos que possam e l u c i d a r os problemas que nos interessam.
E m síntese, o autor demonstra n o seu l i v r o o f u n c i o n a m e n t o da i m a g i nação, t a n t o dentro das situações reais (atividades utilitárias), c o m o também dentro das situações imaginárias, i rrea is , fantásticas (atividades artísticas, — o que nos interessa sobremaneira).
Mas em todas as atividades o h o m e m realiza o seu t r a b a l h o através de uma preparação que o autor do l i v r o c h a m a de " A ç ã o I n s t a l a d o r a " , o u simplesmente "Instalação" .
Ele define esse t e r m o c o m o segue: " Instalação é estado de prontidão d o sujeito para a execução de u m a ação adequada, i s t o é, a mob i l i zação coordenada de toda a sua energia psico-f ísica, que p o s s i b i l i t a a satisfação de uma determinada necessidade dentro de uma determinada situação".
Portanto , a f i m de conseguir a " I n s t a l a ç ã o " (estado de prontidão) para realizar qualquer espécie de t r a b a l h o , — seja ele utilitário o u artístico, — o h o m e m deve usar a sua imaginação n o sent ido de :
1) Estabelecer a situação e m que o su je i t o se e n c o n t r a . 2) F ixar as necessidades que o .su je i to deve satisfazer.
Esse esquema serve t a n t o para o t r a b a l h o de u m l a v r a d o r , c o m o para o de u m artista.
Mas se para u m lavrador a " I n s t a l a ç ã o " lhe p o s s i b i l i t a a realização de uma ação dentro da realidade objetiva (lavrar e semear o seu terreno, vender os seus produtos, etc), u m art i s ta deve conseguir a " Insta lação" no sentido de realizar uma ação proveniente do seu mundo subjetivo (criar uma estátua, compor uma música, representar um papel em teatro, etc).
Por tanto , a diferença entre u m e o o u t r o consiste n a natureza das " s i tuações" e das "necessidades". N o p r i m e i r o elas são reais , n o segundo — imaginárias.
R. G. Natadze dedica-se no seu l i v r o p r i n c i p a l m e n t e ao es tudo do c o m p o r t a m e n t o humano dentro de situações imaginárias.
O surgimento da " Ins ta lação " (estado de prontidão) na base de u m a situação imaginária, — diz ele no seu l i v r o , — é c o n d i c i o n a d o não à representação [contrariamente ao que é característico para a psicologia empírica tradicional (a freudiana — E. K.) que entende a ação estimuladora da representação em si como um fenómeno], mas à A T I T U D E D O S U J E I T O P A R A C O M O R E P R E S E N T A D O .
Por tanto , a " Instalação" d e n t r o de u m a situação imaginária só pode surgir quando o artista toma atitude em relação ao imaginado como se este fosse real.
A T O R E M É T O D O 55
A s s i m , o esquema para a Instalação, nessas cond i ções , é a m p l i a d o c o m o segue:
1) Estabelecer a situação imaginária. 2 ) F i x a r as necessidades imaginárias. 3 ) T o m a r a t i tude at iva para c o m o i m a g i n a d o .
M i l h a r e s de experiências feitas em laboratór ios especializados p r o v a r a m c o m a abso luta evidencia que a Instalação (estado de prontidão) na base de situações imaginárias é possível mesmo quando o sujeito tem certeza da irrealidade do imaginado, e até quando a sua percepção da situação real é contrária à situação imaginária.
N ã o vejo possibi l idade de descrever a q u i os exper imentos fe i tos nos laboratór ios . Seria obr igado a dar m u i t o s e x e m p l o s de vários aspectos da pesquisa, sem o que a expl i cação não seria c l a r a .
Por isso, para e x e m p l i f i c a r esse f e n ó m e n o , p r e f i r o recorrer a u m e x e m p l o t i r a d o da prática t e a t r a l .
Procuremos analisar o que acontece c o m u m ator quando ele, d u r a n t e a representação de u m espetáculo , está e m c e n a d ia logando c o m u m o u t r o personagem.
O l h a n d o para a f r e n t e , ele vê q u a t r o c e n t a s pessoas sentadas na p la te ia . E a sua percepção da situação real: ele, o a t o r , representando para os espectadores.
D u r a n t e o diálogo da cena, sempre o l h a n d o para a f rente , ele descreve o que " v ê " o personagem: u m a paisagem c o m bosques, lagos, etc . E a situação imaginária: o personagem fa lando c o r h u m o u t r o sobre o que ele " e s t á v e n d o " .
Não obstante a percepção da situação real (a plateia) que é contrária à s i tuação imaginária (a paisagem), o a tor consegue a " Insta lação" , i s t o é, a " f é c é n i c a " na realidade da situação imaginária.
P o r t a n t o , podemos cons iderar c i e n t i f i c a m e n t e provado que o a t o r pode " m o b i l i z a r t oda a sua energia ps i co f í s i ca " n o s e n t i d o de viver s inceramente as s i tuações em que vive o personagem imaginário c o m o se fosse rea l , en q u a n t o ele, o a tor , c o n t i n u a t e n d o certeza de q u e essas situações e o p rópr i o personagem são fictícios, sendo que essa c e r t e z a não pre jud ica a s incer idade da sua vivência em cena. -
C o m o vê o l e i t o r , isso e x p l i c a a " D u a l i d a d e d o A t o r " que Stan is lavsk i , a i n d a antes de 1938 (ano de sua morte), a f i r m a v a , mas não estava e m c o n d i ç õ e s de provar c i e n t i f i c a m e n t e .
De acordo c o m as pesquisas a que nos r e f e r i m o s acima, para conseguir o estado de " D u a l i d a d e do A t o r " são necessárias duas " Instalações" . A p r i m e i r a pode ser chamada de " p r o f i s s i o n a l " , o u seja, a " Instalação" que visa o t r a b a l h o prof iss ional d o a tor d e n t r o da rea l idade ob je t iva .
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O esquema para essa " Ins ta lação " seria:
1 ) Situação: sou a tor do t e a t r o t a l , estou fazendo o t a l p a p e l , e t c . 2 ) Necessidade: conseguir o m e l h o r r esu l tado poss íve l c o m o m e u
t r a b a l h o .
O l e i t o r poderá n o t a r q u e esse esquema é i g u a l ao q u e c i t a m o s , p o r e x e m p l o , para o t raba lho de u m lavrador . N o s dois casos consegue^e a mobi l ização das energias psicofísicas do indiv íduo para r e a l i z a r o seu t r a b a l h o prof iss ional c o m o m á x i m o p r o v e i t o possível , d e n t r o da r e a l i d a d e ob j e t i va .
O fa tor mais i m p o r t a n t e dessa " i n s t a l a ç ã o " é a presença de um grande prazer em alcançar o resultado máximo no seu trabalho (no caso do ator "criar o personagem " ) .
U m a vez conseguida a p r i m e i r a " Insta lação" e c o n s t a t a d a a presença d o prazer de criação, o ator " n ã o pensa mais n i s so " , - ele d i r i g e t o d a a sua imaginação no sent ido de conseguir a segunda " I n s t a l a ç ã o " , a d o perso nagem que é o p r o d u t o do seu m u n d o sub je t ivo .
O esquema da segunda " Insta lação" , p o r t a n t o , deve ser c o m o segue:
1) Estabelecer a situação do personagem.
2) F i x a r as necessidades d o personagem.
3 ) T o m a r a t i tude at iva , i s t o é, agir no lugar d o personagem c o m o se ele fosse real .
Acontece que, — sempre de acordo c o m as pesquisas r ea l i zadas , — a p r i m e i r a "Instalação" (a da realidade objetiva) f o r m a u m a espéc ie de f u n d o para a projeção da segunda e, embora i n c o n s c i e n t e m e n t e , i n f l u i s obre o c o m p o r t a m e n t o do ator em cena e n q u a n t o ele age no lugar d o p e r s o n a g e m c o m o se este fosse real.
E m u i t o esclarecedora a explicação do c o m p a n h e i r o de K . S. S t a n i s l a v s k i V . I . Nemiróvitch-Dântchenko^sobre o c o n c e i t o " D u a l i d a d e d o A t o r " .
" A diferença entre as e m o ç õ e s na vida real e as e m o ç õ e s cénicas c o n siste no fato de que, q u a n d o na vida real , u m a pessoa é v í t ima de u m a grande desgraça, ela só sofre e chora , mas o a t o r e m cena, q u a n t o mais sincera e pro fundamente vive a desgraça do personagem, t a n t o mais sente a alegria de sua criação. E essa alegria, de mane i ra a l g u m a , d i m i n u e a i n t e n s i dade e a paixão de sua desgraça".
E m b o r a essa explicação t e n h a sido dada m u i t o s anos antes da p r i m e i r a publicação dos estudos sobre a " Insta lação" , p o d e r í a m o s d i z e r q u e , n o p r o n u n c i a m e n t o de V . I . Nemiróvitch-Dântchenko, " o prazer de c r ia ção do a t o r " significaria hoje o resultado da " P r i m e i r a Insta lação" q u e f o r m a u m a espécie de f u n d o sobre o q u a l o ator p r o j e t a o r e s u l t a d o da " S e g u n d a Instalação" — os so fr imentos d o personagem.
A T O R E M É T O D O 57
É p o r isso q u e o a tor , e m b o r a às vezes chegue a l e v a r as emoções d o personagem às últimas consequências , n u n c a perde o c o n t a t o c o m a rea l i dade o b j e t i v a (palco, atores, cenários e principalmente, espectadores) e não precisa ter m e d o de perder o c o n t r o l e da sua ação cénica .
G r a f i c a m e n t e o t raba lho d o a t o r c o m as duas " I n s t a l a ç õ e s " apresenta-se da seguinte m a n e i r a :
A Ç Ã O I N S T A L A D O R A E M T E A T R O
I.» Instalação:
S I T U A Ç Ã O
A R E A L I D A D E (O trabalho do ator)
A T I T U D E A T I V A (do atori
N E C E S S I D A D E
I N S T A L A Ç Ã O
Sobre o f u n d o geral desta " I n s t a l a ç ã o " d i r i g i d a no s e n t i d o da real idade (palco, colegas, cenário, espectadores, etc.) pro jeta-se a " A ç ã o I n s t a l a d o r a " n o s e n t i d o d o imaginário (aruação d o personagem) .
II.» Instalação:
0 I M A G I N Á R I O (a vida do personagem)
S I T U A Ç Ã O N E C E S S I D A D E
A T I T U D E A T I V A (do ator como se fosse o
personagem) <
N I T I D E Z D A S V I S U A L I Z A Ç Õ E S 1 A T I V I D A D E
M O T O R A
A T I V I D A D E I N T E G R A L (ação psicofisica)
1
I N S T A L A Ç Ã O
i
A Ç Ã O CÉNICA
58 EUGÉNIO K U S N E T
A q u i convém esclarecer alguns deta lhes i m p o r t a n t e s d o t r a b a l h o de "Instalação" . Para t a n t o , c i t o a b a i x o alguns trechos do r e s u m o d o l i v r o " Imaginação c o m o fator do c o m p o r t a m e n t o " , de R. G. Nastadze.
1) A N I T I D E Z das imagens d o representado (imaginado — E. K.), e m bora não seja condição indispensável para a elaboração da " I n s t a l a ç ã o " cor respondente, sempre ajuda ao s u r g i m e n t o da mesma, visto que c o n t r i b u i n a elaboração daquela at i tude at iva que e s t i m u l a o seu s u r g i m e n t o (Lembrem-se dos "Círculos de Atenção" do Método — E. AC.).
2 ) U m papel considerável, t a n t o na criação da n i t idez das imagens d o representado, c o m o também na e laboração da a t i t u d e at iva para c o m o imaginado , representa A A T I V I D A D E M O T O R A do su je i t o , c o r r e s p o n d e n t e ao imaginário (Lembrem-se da interdependência da "ação interior"e "Ação exterior" — E. K.)
3) A capacidade de e laborar " I n s t a l a ç õ e s " na base de imaginação é E X E R C I T Á V E L .
E m resultado de exercícios s istemáticos nesse sent ido f o i c o n s t a t a d o que:
P r i m e i r o : Todas as pessoas (adultas, de profissões intelectuais) s u b m e tidas às experiências em a m b i e n t e de laboratório , conseguem e laborar " Instalações" na base de imaginação e s t a n d o cientes da i r rea l idade da s i t u a ção imaginária.
Segundo: Os exercícios f a c i l i t a m cons iderave lmente a e laboração de "Instalações" , d i m i n u e m o es forço necessário para a o b t e n ç ã o da a t i t u d e ativa específica em relação ao representado (imaginado - E. K.) e
Ter ce i r o : A u m e n t a m a estabi l idade das " Insta lações" e s t imulados pela imaginação.
(Este último trecho confirma o que sempre afirmamos quanto à necessidade, tanto nas escolas como nos teatros, de permanentes exercícios de imaginação. — E. K.)
E evidente que. apesar da aparente s i m p l i c i d a d e , o uso das duas " I n s t a lações" s imultaneamente , representa grandes di f iculdades para atores p o u c o experientes.
Não se apressem, pois, a executar a prática desse e l emento . N o t e m que os elementos do Método , que até agora conhecemos, c o i n c i d e m c o m o signif icado dos detalhes do processo da " A ç ã o I n s t a l a d o r a " .
A psicologia moderna p r a t i c a m e n t e c o n f i r m o u o M é t o d o de Stanislavski , c o r r i g indo apenas a sua t e r m i n o l o g i a : o que Stanis lavski chamava de 'Circunstâncias Propostas" , na l i n g u a g e m dos psicólogos é c h a m a d o de
' "Situação" ; o t e r m o " o b j e t i v o d o p e r s o n a g e m " , na psicologia é "necessi-
A T O R E MÉTODO 59
dade" , " o mágico SE F O S S E " é " A t i t u d e A t i v a " na ps ico logia e finalmente " a Fé C é n i c a " de Stan is lavsk i é equivalente à " Ins ta lação" .
A o conhecer mais t a r d e ou t ros e lementos d o M é t o d o t e n t a r e m o s sempre ligá-los à ide ia de " I n s t a l a ç ã o " , chegando assim, p o u c o a p o u c o , ao uso consc iente do M é t o d o de Stanis lavski sob a l u z da ciência m o d e r n a .
Mas v o l t e m o s aos p r o b l e m a s de " C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o " . Os meios de c o m u n i c a ç ã o p o d e m ser t eo r i camente d i v i d i d o s e m f í s i cos
e m e n t a i s . D i g o t e o r i c a m e n t e p o r q u e , na prática, não e x i s t e m , — n e m na vida real e n e m em t e a t r o , — meios de comunicação p u r a m e n t e f ís icos (por exemplo, um gesto) sem q u e o indivíduo (o ator) s i m u l t a n e a m e n t e n ã o use meios m e n t a i s (um pensamento, uma emoção).
O que existe é m a i o r o u m e n o r aprox imação do ind iv íduo o r a dos meios quase p u r a m e n t e f í s i cos , o ra dos quase p u r a m e n t e m e n t a i s .
A predominânc ia destes o u daqueles meios de c o m u n i c a ç ã o em t e a t r o é d i tada não pe l o est i lo e s p e c í f i c o da obra dramatúrgica, — c o n v e n c i o n a l o u realista, — c o m o , às vezes, pensam nossos homens de t e a t r o , e s i m pela lógica das "Circunstâncias P r o p o s t a s " da peça em questão : nas peças de Brecht o u D u r r e n m a t t f r e q u e n t e m e n t e encontramos c o m u n i c a ç ã o a b e r t a e d ireta c o m o espectador , o q u e leva o ator à necessidade de usar, de p r e f e rência, me ios f ís icos , ao passo que o teatro de T c h e k o v exige d o a t o r a máxima parc imônia na exter ior i zação da ação do personagem.
Mas n u n c a , e m h ipó tese a lguma, u m m e i o de c o m u n i c a ç ã o p o d e r i a exc lu i r o o u t r o . Os adeptos de Brecht . seus alunos e c o n t i n u a d o r e s d a sua obra (como, aliás, ele próprio no fim de sua vida), não negaram a necessidade de e m o ç õ e s sinceras n o t r a b a l h o de ator , b e m como os atuais r epresen tantes e adeptos do r e a l i s m o e m teatro não negam a necessidade da c o m u n i cação consc iente do a t o r c o m o espectador.
P o r t a n t o , o a tor m o d e r n o que representa papéis em todas as espécies de obras dramatúrgicas deve t e r a capacidade de usar s i m u l t a n e a m e n t e os dois t ipos de c o m u n i c a ç ã o : a quase puramente e m o c i o n a l d e n t r o de u m a a p a r e n te i n a t i v i d a d e física. — o u seja, na i m o b i l i d a d e , - e a quase p u r a m e n t e física, — o u seja, a grande m e s t r i a no uso de t o d o o seu apare lho f í s i c o , — mas n u n c a desprov ida da v i d a i n t e r i o r do personagem.
A existência dos me ios f ís icos de comunicação é ev idente para o espect a d o r : gesto, palavra , a t i t u d e c o r p o r a l , mímica , mas a existência dos m e i o s menta is , esp ir i tuais o e spec tador só pode constatá-los pe l o e f e i t o q u e eles lhe causam.
Há m u i t o s exemplos d i sso : u m ator que faz u m a cena de costas p a r a a plateia , e m abso luta i m o b i l i d a d e e que apesar disso nos t r a n s m i t e c o m grande in tens idade sua v i d a i n t e r i o r ; ou, em c i n e m a . - " c l o s e - u p " d e u m
6 0 EUGÉNIO K U S N E T
rosto comple tamente imóvel ; o u , f i n a l m e n t e , os o l h o s d o a tor I . Pevtsov na cena que eu conte i neste cap í tu l o para d e m o n s t r a r o que é a " D u a l i d a d e d o A t o r " .
O efeito desse estado p s í q u i c o d o a t o r sobre o espectador , Stanis lavsk i chamava de I R R A D I A Ç Ã O . "Parece que dos o l h o s e de t o d o o c o r p o d o ator , — dizia ele, — sai u m a espécie de ténues fios l u m i n o s o s que a t i n g e m o espectador"-
A t u a l m e n t e a psicologia e x p l i c a esse e f e i t o p e l o uso c o r re to da " I n s t a lação" .
N o tocante ao " p r e e n c h i m e n t o das pausas " (termo de Stanislavski — E. AL) — escreve R. G . Natadze , — " d e v e m o s d i z e r que , quando o a t o r consegue elaborar u m a " I n s t a l a ç ã o " adequada , ele está e m cond ições de conseguir nuances de expressão do r o s t o e d o c o r p o tais que suas e m o ç õ e s at ingem e c o m o v e m o espectador, e m b o r a o p r ó p r i o a t o r fique parado e m silêncio e sem movimentos percept íveis . E, p e l o c ont rár i o , temos exemplos de que u m ator não consegue " p r e e n c h e r a p a u s a " até que não e labore a " Instalação" referente à situação imaginária q u e deva p r o d u z i r o c o r respon dente estado psíquico do p e r s o n a g e m " .
Ass im podemos encarar c o m c e r t o o t i m i s m o , a poss ib i l idade de chegarmos através de u m trabalho rac i ona l ao m e n o s a u m a pequena parte d a q u i l o que a natureza t e m de mais p r o f u n d o e prec ioso p a r a nós atores — o nosso subconsciente.
A comunicação emoc iona l e m seu estado p u r o ex is te na natureza.
N u m a palestra i n t i t u l a d a " C o m u n i c a ç ã o E m o c i o n a l " que o D r . Bernar do Blay fez na Fundação A r m a n d o Alvares Penteado o nosso grande p s i q u i a tra deu aos seus ouvintes exemplos dessa espécie de c o m u n i c a ç ã o dos quais o mais c laro f o i o das relações de u m a mãe c o m seu f i l h o recém-nascido. Através do choro da criança, que é o seu ú n i c o m e i o de comunicação f ís ica, a mãe estabelece c o m precisão o seu d iagnós t i co : d o r de barr iga , f o m e , d o r de o u v i d o , etc. e prat i camente nunca erra .
Mas o mais impress ionante f o i a descr ição de u m a experiência que o D r . Blay t i n h a fe i to c o m u m a pac iente s u r d o - m u d a , d u r a n t e u m p e r í o d o de pesquisas que ele empreendeu naquele c a m p o . E m b o r a tenha conhec ido o al fabeto de surdo-mudos, o que lhe p e r m i t i u c o m u n i c a r - s e fac i lmente c o m a sua paciente, n u m d e t e r m i n a d o e n c o n t r o ela recusou-se de usar o a l fabeto e ficou del iberadamente de costas para o D r . B l a y . A p e s a r de m u i t a insistência sua, a moça não v o l t o u à c o m u n i c a ç ã o n o r m a l e c o n t i n u o u de costas. C o n f o rmado , o Dr . Blay ficou em si lêncio , o l h a n d o para sua nuca e esperando o que acontecesse.
A T O R E M É T O D O 6 1
Pois b e m , o D r . B l a y , u m autênt i co c i e n t i s t a , c o n t o u u m a coisa que c o n t a d a p o r u m a o u t r a pessoa p o d e r i a parecer sonho de u m poe ta : naquele si lêncio a sua paciente " c o n t o u - l h e " t o d a a tragédia da sua v tda de s u r d o -m u d a c o m o se estivesse n a r r a n d o c o m palavras .
L e m b r o - m e da p r i m e i r a impressão q u e isso me causou. E u pensei : Se eu possuísse a décima parte da capac idade d a q u e l a moça de se c o m u n i c a r e m o c i o n a l m e n t e , eu seria o m a i o r a t o r d o m u n d o .
64 EUGÊNIO K U S N E T
E L A — Agora que te o u v i , ouve-me t a m b é m . Fecha todas as p o r t a s , prega-as, calafeta-as, rodeia-me de todas as cautelas , q u e eu he i de achar u m a ocasião para fug i r !
E L E - T u ? E L A - E u ! E L E - A h ! E L A - S i m ! E L E - Daqui? E L A - Eu . . . E L E - Ha - ha! E L A - I r e i !
Q u e m assistiu a esse espetáculo deve se l e m b r a r da precisão de t i r o s de metralhadora , c om que esse diálogo f o i p r o n u n c i a d o , porque os atores , — não Fernanda e Sérgio, e s im os atores do t e m p o de M a r t i n s Pena, c o n f o r m e iá comentamos no segundo c a p í t u l o , — esses atores só estavam preocupados em mostrar a sua dicção e a sua voz i m p o s t a d a , e x c l u i n d o por c o m p l e t o toda a passibilidade de se o u v i r e m u m a o u t r o . O resu l tado f o i u m a e s t r o n dosa gargalhada na plateia.
Mas para sentir o e fe i to do contrár io , i s t o é , o e f e i t o d o uso da " V i s u a lização das Falas" , gostaria que meus le i tores q u e tivessem a sorte de ter assistido ao f i lme " A n a K a r e n i n a " c o m G r e t a G a r b o se lembrassem de u m a cena em que o príncipe V r o n s k i , depois de chegar à conclusão que devia r omper c o m A n a , comunica - lhe que se a l i s tou n u m r e g i m e n t o para l u t a r na guerra da Sérvia contra a T u r q u i a . O diálogo c o m e ç a assim!
V R O N S K I — A n i a . . . th i s l e t t e r i s n ' t f r o m m y m o t h e r . A N N A - No? V R O N S K I - T h a t is f r o m Iashv in . A N N A - Well? V R O N S K I - Wel l , I . . . I 've been w a n t i n g t o t e l l y o u for some t i m e .
I . . . promissed Iashvin to . . . i n l i s t i n a w a r . A N N A - What war? As duas primeiras palavras que A n a p r o n u n c i a , " N o " ? e " W e l l " ? são
de quase absoluta indiferença, p o r q u e da visualização das falas de V r o n s k i : " A carta não é da m i n h a m ã e " e " E l a é de I a s h v i n " , ela não pode e x t r a i r nada que a possa i n q u i e t a r . Mas q u a n d o ela ouve a frase: " E u p r o m e t i a Iashvin me alistar na g u e r r a " e imag ina [visualiza] o seu s igni f i cado , o e fe i to é indescritível. Ela não gr i ta q u a n d o p e r g u n t a : " Q u e guerra? " , c o n t i n u a imóvel, mas a sua repent ina angústia que nós sent imos , i n c l u i e m o ç õ e s tão complexas que u m simples espectador f ica a t u r d i d o e esmagado p o r elas, e u m h o m e m de teatro levaria m u i t o t e m p o para analisar u m a pequena parte da provável visualização da a t r i z .
A T O R E M É T O D O 65
O l e i t o r talvez p e r g u n t e : " M a s c o m o é que se pode saber se isso f o i resul tado da visualização das falas de V r o n s k i ? " Rea lmente não t e n h o n e n h u m e lemento para a f i r m a r isso, s ó G r e t a Garbo poder ia dizer-nos a verdade. Mas que i m p o r t a ? Se f o i apenas resultado de sua genial intuição , não nos adianta — c o n f o r m e j á t i v e m o s ocasião de c o m e n t a r , — p r o c u r a r analisar a mecânica de seu gén io . Já sabemos que isso é impossível . Mas se supusermos que a visualização tivesse f e i t o parte do seu t r a b a l h o (e é o que sinceramente suponho), então b a s t a r i a anal isarmos, mesmo que fosse u m a pequena parte das imagens prováveis dessa visualização, para que pudéssemos t i r a r disso u m e n o r m e p r o v e i t o , po is através do uso dessas imagens poder íamos chegar a u m a p e q u e n a p a r t e d o resultado que ela, Gre ta G a r b o , conseguiu, o que para nós já seria m u i t o .
Através de constantes e x e r c í c i o s o a t o r adquire a capacidade de o u v i r em cena, isto é, v isual izar as falas a t i v a m e n t e , agindo e reagindo de a c o r d o c o m o e fe i to da visualização.
E m u i t o i m p o r t a n t e d u r a n t e esses exerc íc ios não perder de vista que para t o rnar a "visual ização das f a l a s " r e a l m e n t e ativa é necessário comentar do ponto de vista do personagem as imagens resultantes da "v isual ização" . E u ins is to : C u i d a d o ! Não as c o m e n t e d o p o n t o de vista d o a tor que i n t e r preta o papel. Essa confusão acontece f r e q u e n t e m e n t e .
Vamos a u m e x e m p l o . Se você quiser estudar a h i p o t é t i c a visualização das falas de V r o n s k i ,
usada por Greta G a r b o no pape l de A n a Karen ina , você deverá chegar à conclusão que para conseguir o e f e i t o desejado a visualização deve p r o d u z i r na mente da atr iz imagens nítidas da guerra , de u m d e t e r m i n a d o c o m b a t e e, f i n a l m e n t e , do m o m e n t o e x a t o da m o r t e do príncipe ' jogo dos "C írcu los de A t e n ç ã o " } . São essas as imagens q u e d e v e m p r o d u z i r o c h o q u e emoc iona l e consequentemente o estado de angústia d o personagem.
Mas você não poderá d e i x a r de i m a g i n a r também os pensamentos de A n a diante das imagens e m ques tão . Eles ser iam, por e x e m p l o : " G u e r r a ? Ele vai à guerra? Mas . . . então ele v a i m o r r e r ! E eu? C o m o poderei v iver eu? . . . " Esses pensamentos c e r t a m e n t e a u m e n t a r i a m a angústia de A n a , por serem exc lus ivamente seus, e não de G r e t a Garbo .
Mas se — para m a i o r c lareza d o e x e m p l o , — pudéssemos imaginar u m absurdo , em vez daqueles p e n s a m e n t o s e G r e t a Garbo pensasse: " E x c e l e n t e visualização! V o u fazer essa cena m a g n i f i c a m e n t e b e m ! " , q u a l seria o resu l tado?
E m resumo, c o m o uso da "v i sua l i zação das falas" o a tor e l imina m u i t a s di f iculdades no seu t r a b a l h o preparatór io — seja nos ensaios, seja no seu t raba lho i n d i v i d u a l e m casa, — b e m c o m o consegue evitar d i f i cu ldades que possam surgir e m cena aberta . N ã o é r a r o acontecer que o ator perca, p o r u m a ou o u t r a razão, o c o n t a t o c o m a ação do personagem. Há varias m a n e i -
6 6 EUGÊNIO K U S N E T
ras de remediar essa situação e, en t re elas, a que c i t a m o s há p o u c o — os "Círcu los de Atenção" , — mas q u a n d o isso acontece d u r a n t e u m diálogo, é mais fácil recorrer à "Visualização das Fa las " .
A q u i convém abrir parênteses para esclarecer u m a possível dúvida q u a n t o ao uso consciente dos e lementos do M é t o d o p e l o a t o r n o correr de u m espetáculo, quando ele se e n c o n t r a em cena a b e r t a , a g i n d o c o m o o personagem.
N o r m a l m e n t e , de i m e d i a t o , isso só pode t razer resu l tados negativos. O ator que faz, por exemplo , o pape l de Bessêmenov e m " O s Pequenos B u r gueses" e que, durante o espetáculo , n u m a cena do p r i m e i r o a to , chega a pensar: " A g o r a vou usar a visualização da fala de T ê t e r e v ! " , o u " A g o r a seria útil fechar o Círculo de Atenção sobre o sorr iso de T ê t e r e v ! " , esse ator nunca poderá agir em seguida como o personagem, p o r q u e o pensamento é do ator. Ele precisaria de u m a pausa para assimilar o e f e i t o do uso desse e lemento para recomeçar a agir c o m o o personagem.
E m vez daqueles pensamentos, depo is de o u v i r a fa la de Têterev, ele deve pensar: "Esse m a l t r a p i l h o se atreve a fa lar assim c o m m i n h a m u lher ! . . . A h , agora ele vai v e r ! " O u então , p res tando a m á x i m a atenção à expressão do rosto de Têterev que s o r r i , pensar: " A h , está a c h a n d o graça? M u i t o b e m ! Agora você vai é c h o r a r ! "
Essa confusão geralmente acontece c o m os atores que se d e d i c a m m u i t o ao estudo do Método , mas a inda não têm prática s u f i c i e n t e para usá-lo corretamente .
C o m permissão do meu a m i g o , A b r ã o Fare , q u e r o c o n t a r o que lhe aconteceu quase no início de sua carre i ra , q u a n d o ele faz ia o pape l de u m camponês nordestino na peça de G u a r n i e r i " O F i l h o d o C ã o " . Ele estava m u i t o preocupado com a realização de u m a cena e m que o personagem t e m medo de descobrir que a criança recém-nascida seja u m " f i l h o do C ã o " porque t e m pés de bode. Pois b e m , Abrão me c o n t o u q u e , ao levantar o pan inho que cobria a cestinha da criança, ele chegou a pensar e m cena durante o espetáculo: " A g o r a eu prec iso v isual izar os pés da c r iança ! " (porque é claro que não havia nenhuma criança dentro da cesta). E evidente que c o m esse pensamento o ator c o r t o u a sua ligação c o m a ação d o personagem.
Os elementos do Método d e v e m ser usados c o n s c i e n t e m e n t e apenas durante o trabalho preparatório, nos ensaios, no t r a b a l h o e m casa.
Quando digo que o uso desses e lementos e m cena a b e r t a pode salvar o ator , é porque naquele m o m e n t o ele se sente p e r d i d o de q u a l q u e r maneira . Se, naquelas condições, ele passa a agir c o m o a t o r , p e n s a n d o : " V o u usar a Visualização das Falas" , não causa c o m isso m a l m a i o r . Basta que consiga realmente interessar-se pelas falas ouvidas para que a a ç ã o perdida seja restabelecida.
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A l é m de todos os bene f í c i o s que nos t r a z o uso dessa simples l e i da fala h u m a n a , nós, atores , ganhamos m u i t o e s t u d a n d o outras par t i cu lar idades dessa f o r m a de ação que é a F A L A .
O que i m p o r t a na nossa ar te não é s o m e n t e o sent ido das palavras que p r o n u n c i a m o s em cena. Os sons, a c o m b i n a ç ã o dos sons que f o r m a m a p a l a v r a também são de e n o r m e importância n o nosso t r a b a l h o : q u a n t o mais express iva fôr a palavra pelas características pecul iares de seus sons, t a n t o mais contribuirá ela para expressividade da a ç ã o .
V o c ê s conhecem a o r i g e m da l i n g u a g e m h u m a n a ? O h o m e m p r i m i t i v o c o m e ç o u por i m i t a r os sons da natureza . I m a g i n o que , para avisar ao o u t r o q u e u m t e m p o r a l estava se a p r o x i m a n d o , ele i m i t a v a os seus r u í d o s : b - r - r - r - . . . t - r - r - r - . . ., e q u a n d o a t e m p e s t a d e passava, ele i n f o r m a v a : Ss-s-s- . . . Ch-ch-ch . . . Essas imitações d e r a m or igem à f o rmação das p r i m e i r a s palavras que n a t u r a l m e n t e c o n s e r v a r a m os mesmos sons o n o m a -t o p a i c o s , c o m o por e x e m p l o , " t r o v ã o " e " s i l ê n c i o " . N a passagem de u m i d i o m a para o o u t r o , as palavras s o f r i a m alterações na sua e s t r u t u r a , mas g e r a l m e n t e conservavam o seu aspecto o n o m a t o p a i c o : trovão, d o n n e r (alemão), thunder (inglês), g r o m (russo). A l e t r a " r " está presente e m todas elas.
E fácil constatar isso c o m p a r a n d o as duas línguas tão distantes pela sua o r i g e m , c o m o o russo e o português.
Grosnar = Kárcat, em russo T r o m b e t a — Trubá, e m russo T a m b o r = Barabán, e m russo
N o t e m que na f o rmação das duas últ imas palavras, t a n t o em português c o m o em russo, e n t r a m , além do " r " , os sons " b " , " m " e " n " que através de sua essência o n o m a t o p a i c a , — " t r o m " , " t a m " , " b a n " , — dão u m a ideia b a s t a n t e clara do s ign i f i cado das palavras.
A s vogais também possuem sua express iv idade pecul iar . V e j a m c o m o esses sons das vogais e m si dão características aos nomes dos i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s : tuba (som bem baixo), t r o m b o n e (som menos baixo), cas tanho la (som mais alto) c í m b a l o (som agudo). E m russo o e fe i to é o mesmo p o r q u e os n o m e s desses i n s t r u m e n t o s t êm as mesmas raízes lat inas .
E interessante c o m p a r a r o e f e i t o do s o m " U " nas duas línguas:
T u r v o = mútniy , e m russo Crepúsculo = s u m r a k , e m russo L u t o = tráur, e m russo
E curioso que, para o s i gn i f i cado " n u v e m " , em russo há duas palavras: tútcha — nuvem escura, e ó b l a k o — n u v e m b r a n c a . E u tenho a impressão de que o próprio som da p r i m e i r a tútcha, é mais escuro do que o da segunda, ó b l a k o .
6 8 EUGÊNIO K U S N E T
É c laro que nem todas as palavras t e m or igem o n o m a t o p a i c a , n e m todas têm essa expressividade sonora. O i m p o r t a n t e para nós é saber que esse v a l o r espec í f i co da sonoridade da palavra existe e que ele é de m u i t a u t i l i d a d e na nossa ar te .
O ator que t e m por hábito cu idar de t u d o que possa ser útil a o seu t r a b a l h o deve acostumar-se a apreciar os sons das palavras, usar esse v a l o r sem es forço , por simples hábi to ; deve aprender a amar a sua l íngua e a p r e ciar a sua expressividade que e m u l t i m a análise sempre consiste na h a r m o n i a entre o s ignif icado da palavra e o seu valor s onoro .
C o m o são felizes os atores que sabem sent ir e e n c o n t r a r n o t e x t o sons que lhes a judem a interpretá-lo. Claire B l o o m e m " R o m e u e J u l i e t a " , encenado pe lo teatro " O l d V i c " , deu exemplo disso na " cena da sacada" . O trecho a que me re f i ro é o seguinte :
M y b o u n t y is as boundless as the sea; M y love is deep; the more I give t o thee, T h e more I have. for b o t h are i n f i n i t . Esse " i n f i n i t " ela o p r o n u n c i a c o m c inco " e n e s " : " i n n n n n f i n i t . . . " o
que c o m u n i c a à fala realmente u m sentido de m o v i m e n t o para o i n f i n i t o , para a eternidade.
H o u v e mui tos exemplos disso também, no exce lente e s p e t á c u l o "D iár i o de u m L o u c o " de N. G ó g o l , cr iado por Rubens Correa , na d i reção de Ivan de A l b u q u e r q u e . Gostar ia de c i tar u m dos exemplos que m e i m p r e s s ionou part i cu larmente .
Q u a n d o Poprístchin, o l o u c o , c o n t a que no escritório da repart i ção ele acabou assinando u m d o c u m e n t o c o m o n o m e de " F e r r r n a n d o O i t a v o " , esses três erres que o ator pôs na pronúncia da palavra a j u d a r a m - n o m u i t o no p r o b l e m a de t r a n s m i t i r a f i r m e z a de caráter do " n o v o m o n a r c a espan h o l " , personagem em que o p o b r e funcionário púb l i co t r a n s f o r m o u - s e na sua l oucura . 0 maravi lhoso o r g u l h o que nós v i m o s no ros to d o " r e i " f o i sal ientado ainda mais pela sonor idade da palavra " F e r r r n a n d o " .
E n t r e t a n t o , quando n u m o u t r o t recho , depois de espancado n o h o s p í c i o , ele responde ao " G r a n d e I n q u i s i d o r " [que na realidade é um funcionário do hospício): " M a s eu sou Fernando O i t a v o ! . . . " , o ú n i c o erre quase imperceptível , contrastando c o m a cena a n t e r i o r , fez-nos s e n t i r t o d a a h u m i l d a d e e a submissão do p o b r e personagem.
Há pouco eu disse que. o a t o r deve acostumar-se a usar o v a l o r s o n o r o do t e x t o sem esforço , por hábi to , i n s t i n t i v a m e n t e . Isso fez l e m b r a r - m e de u m caso que aconteceu c o m a conhec ida atr iz polonesa S tep inska ,que t r a b a l h o u n o elenco de "Os C o m e d i a n t e s " sob a direção de Z i e m b i n s k i e m co la boração adminis t rat iva c o m B r u t u s Pedreira.
D u r a n t e u m ensaio ela p r o n u n c i o u : " E as arróres e m f l o r . . . " B r u t u s c o r r i g i u : " A r v o r e s " . A atr iz o l h o u f r iamente e disse: " N ã o senhor , a r v o r e s ! "
A T O R E M É T O D O 69
B r u t u s i n s i s t i u : " S t e p i n s k a , eu s o u bras i le i ro e v o c ê m a l f a l a português. E u sei c o m o se deve p r o n u n c i a r : árvores" . — " N ã o senhor , v o c ê está m u i t o enganado : a r v o r e s ! " - " M a s por quê? " E a resposta f o i : " P o r q u e é mais b o n i t o ! " E r e a l m e n t e não lhes parece que a palavra " a r v o r e s " é mais sonora do que "á rvores ? " A te imos ia absurda da atr i z só pode ser expl icada pelo seu háb i to de sempre procurar a m a i o r expressividade s o n o r a em qualquer língua.
Mas , v o l t e m o s ao in íc io deste cap í tu lo , q u a n d o estávamos falando da "Visua l i zação das Fa las" . As falas representam u m a das f o rmas de ação e, c o m o t a l , d e v e m obedecer às n o r m a s que regem a ação h u m a n a na v ida real .
L e m b r e m - s e de que u m a das mais i m p o r t a n t e s características da ação é a lógica. E de la que devemos p a r t i r ao i n i c i a r m o s u m t r a b a l h o c o m qualquer e l e m e n t o do M é t o d o .
A in f lexão , a ênfase que se dá a u m a o u a várias palavras numa frase deve obedecer à lógica das intenções , dos ob je t ivos da pessoa que a diz.
E n t r e t a n t o , essas inflexões às vezes são dadas m e c a n i c a m e n t e , a l terando dessa m a n e i r a até o próprio s e n t i d o da frase. Prestem atenção aos diálogos dub lados nos f i lmes da T V e vocês terão m u i t o s e x e m p l o s desses erros.
Para e x e m p l i f i c a r isso vamos escolher u m a frase s imp les , m u d a n d o a r b i t r a r i a m e n t e a acentuação das palavras, para ver c o m o isso se ref lete na lógica da ação . _
A frase é: " O ensaio de hoje f o i marcado para as o i t o da n o i t e " . ( C o m e c e m o s p o r acentuar a p r i m e i r a pa lavra , depois a segunda, etc.
1) O ensaio de ho je f o i marcado para as o i t o da n o i t e . A razão dessa inflexão pode ser, por e x e m p l o , a v o n t a d e de explicar u m
e r r o : " V o c ê está enganado, não se trata da aula. O ensaio de hoje f o i marcado para as o i t o da n o i t e " .
2) O ensaio de hoje f o i m a r c a d o para as o i t o da n o i t e . A c e n t u a n d o a palavra " h o j e " a pessoa p r o v a v e l m e n t e quer corr ig ir u m
o u t r o e r r o : "Você pensou que se tratasse do ensaio de amanhã? Não, o ensaio de hoje f o i marcado para as o i t o da n o i t e " .
3 ) O ensaio de hoje foi m a r c a d o para as o i t o da n o i t e . A provável razão dessa inf lexão seria, p o r e x e m p l o : " V o c ê quer dizer
que o ensaio não apareceu na ordem do dia? Não senhor , o ensaio foi marcado para as o i t o da n o i t e " .
E assim p o r d iante . Esse p e q u e n o e x e m p l o pode lhes parecer s imples demais , quase i n f a n t i l ,
e que não a d i a n t a ins is t i r n u m a coisa tão óbvia. Mas o caso é que. apesar da aparente s i m p l i c i d a d e do p r o b l e m a , nossos d i re tores gastam horas e horas de seu t r a b a l h o para exp l i car e c o r r i g i r os erros de lógica q u e os seus ator . c o m e t e m .
70 E U G Ê N I O K U S N E T
Vale ,po is , a pena ins is t i r nos e x e r c í c i o s que possam f a c i l i t a r o t r a b a l h o do ator nesse sent ido . Esses e x e r c í c i o s chamam-se " L E I T U R A L Ó G I C A " .
Qualquer t e x t o literário serve p a r a esse f i m . Basta que antes de l er u m a determinada frase, você se p e r g u n t e : " O que é que o a u t o r quis d izer c o m uso? " Responda e.,na base da l óg i ca da resposta, aceite a intenção , o o b j e t i v o do autor , e leia. E c laro q u e m u i t o s erros são possíveis , q u a n d o esse exerc í c io é f e i t o sozinho, sem u m c o n t r o l e alheio . Faça-o pois c o m u m colega. T r o q u e ideias c o m ele, d i s c u t a , c omente e t o m e n o t a desses c o m e n tários.
Se, em vez de u m t e x t o q u a l q u e r , v o c ê usar u m t e x t o dramatúrgico , submeta a l e i tura ao mesmo processo de comentar os o b j e t i v o s , mas l e m -bre-se de que desta vez, não se t r a t a dos objet ivos d o a u t o r da obra , e s i m , dos problemas, das necessidades d o personagem c u j o t e x t o v o c ê est iver lendo . Por tanto , comente esses problemas como se você fosse o personagem. Q u a n d o você chegar a t o m a r n o t a dos seus comentár ios , saiba que está c r iando mater ia l para mais u m e l e m e n t o d o Método — " M O N O L O G O I N T E R I O R " . Este será o assunto do nosso p r ó x i m o capítulo .
SEXTO CAPÍTULO
A n t e s de e n t r a r e m considerações sobre esse novo e l e m e n t o d o M é t o d o , o M O N Ó L O G O I N T E R I O R , devo prestar ao l e i t o r alguns esc larec imentos .
Os que c o n h e c e r a m o M é t o d o através da l e i t u r a das obras de Stanislavski d e v e m lembrar - se de que ele usava u m o u t r o t e r m o , n o s e n t i d o m u i t o a m p l o , o S U B T E X T O .
Para ele o s i g n i f i c a d o desse t e r m o era: " A v ida do espír i to h u m a n o do personagem, que o seu intérprete sente e n q u a n t o p r o n u n c i a as palavras d o t e x t o " . P o r t a n t o , o " S u b t e x t o " é resultado d o uso de t o d o s os e l e m e n t o s d o M é t o d o que o intérprete d o pape l tivesse empregado n o seu t r a b a l h o c o m o t e x t o : e laboração das "Circunstâncias Propostas" , a " V i s u a l i z a ç ã o " c o m os seus " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " , o "mág i co SE F O S S E " , a "V isua l i zação das F a l a s " , etc .
A assimilação g r a d a t i v a desses elementos pelo a for deve c r i a r n o seu subconsc iente "correntes subaquáticas, enquanto na superfície do rio corre o texto da peça". Por m e i o desta bela i m a g e m Stanis lavski nos dá a ide ia bastante c lara sobre o m e c a n i s m o do " S u b t e x t o " .
Para p o d e r m o s d i s p o r de u m t e r m o mais palpável, mais . prát i co no t r a b a l h o c o t i d i a n o d o a t o r , s imp l i f i camos o seu s ign i f i cado c o m o sendo "tudo aquilo que o ator estabelece como pensamento do personagem antes, depois e durante as falas do texto".
Já faz m u i t o s anos q u e os colaboradores de Stanis lavsk i , na União Soviética, e n c o n t r a r a m e passaram a usar no t r a b a l h o de t e a t r o u m t e r m o mais c laro e prát i co : o " M O N Ó L O G O I N T E R I O R " . Há m u i t o s anos t a m b é m , no Bras i l , passamos a usá-lo c o m o sendo " o pensamento d o p e r s o n a g e m " .
U m er ro c o m u m dos estudantes de arte dramática é o uso d o seu própr io rac i o c ín i o , dos seus pensamentos pessoais, para a criação d o " M o n o logo I n t e r i o r " . E u m e r r o parecido c o m o que c o m e n t a m o s n o t e r ce i ro cap í tu lo q u a n d o c o n t a m o s o "caso do amante c i u m e n t o " .
O verdade i ro " M o n ó l o g o I n t e r i o r " só pode ser estabelec ido depo is do uso dos e lementos necessários, cu lminados p o r " O Mágico SE F O S S E " .
Se o t e x t o de u m a o b r a dramatúrgica é criação exc lus iva d o d r a m a t u r g o , o " M o n ó l o g o I n t e r i o r " é obra exc lus iva d o ator que assume o pape l . O " M o n ó l o g o I n t e r i o r " só pode ser criado espontaneamente, i s to é , através de u m a improvisação da ação do personagem d e n t r o das "Circunstâncias P r o p o s t a s " .
74 EUGÊNIO K U S N E T
C o n f o r m e a nossa sugestão nas páginas a n t e r i o r e s o a t o r d i v i d i r i a o seu t raba lho em duas etapas:
1. ° Compreender . (Raciocínio do ator sobre o problema). 2. ° Realizar a ação do personagem (Improvisar as "Falas Internas" e
dizer o texto: "nuvem").
A T O R — 1.° (Raciocinando) O m e u p r o b l e m a é d e i x a r de ter interesse a lgum em pronunc iar a palavra " n u v e m " . O que estar ia pensando o personagem nessas condições?
2 . ° (As "Falas Internas" e o texto). Dizer a p a l a v r a " n u v e m " ? Para quê? E u , por mim,não vejo nada de interessante nessa palavra, n e m vejo razão a lguma para dizê-la . . . A c h o - a até m u i t o c h a t a . . . Mas já que você pede, está b e m : nuvem.
Se você , le i tor , seguir esse rac i o c ín io e usar as " F a l a s I n t e r n a s " sugeri das, cer tamente , ao pronunc iar a palavra " n u v e m " irá satisfazer a exigência do d i r e t o r — o " t o m branco" .
I I — D I R E T O R — Agora diga essa palavra c o m desprezo .
A T O R — 1.° (Raciocinando) Para sent i r desprezo por u m a d e t e r m i nada n u v e m eu devo achá-la m u i t o i n s i g n i f i c a n t e . M a s sua insignificância só pode ser constatada quando c o m p a r a d a c o m a g r a n d i o s i d a d e de u m a o u t r a n u v e m . C o m o deveriam ser as duas nuvens?
2 . ° (As "Falas Internas" e o texto). A q u e l a n u v e n z i n h a branca? Ela impressiona você? Essa pequena m a n c h a i n c o l o r ? A n u v e m rea lmente impressionante é da cor de c h u m b o ! N u v e m de t e m p e s t a d e ! Ela ro la pelo h o r i z o n t e , ela esmaga a Terra ! Essa é que i m p r e s s i o n a ! Mas aquela lá . . . Ora , grande coisa! Nuvem.
I I I — D I R E T O R — Diga a mesma coisa c o m g r a n d e admiração.
A T O R - 1.° (Raciocinando) E u só p o d e r i a a d m i r a r u m a nuvem bela em comparação c o m alguma coisa feia. O que seria? O u t r a n u v e m que seja feia? E difícil de imaginar. Então talvez o c o n t r a s t e e n t r e a nuvem e o r es to da paisagem? Vamos tentar .
2 . ° (A "Fala Interna" e o texto). A paisagem parec ia tão m o n ó t o n a , c o m aquele céu azul claro, tão pál ido , sem u m a m a n c h a . . . E, de repente , eu v i atrás do te lhado uma mancha branca que subia . . . E t u d o m u d o u , veio a alegria, a vontade de respirar de p e i t o che io . A h , c o m o era bela aquela mancha ! . . . N u v e m !
I V - D I R E T O R — Bem, agora diga essa palavra c o m h o r r o r , em pânico.
A T O R — 1.° (Raciocinando) O que é que p o d e r i a causar-me pânico em relação a u m a nuvem? Só se ela fosse o in í c i o de u m a tempestade. Não, não é suf ic iente . Deve ser mais d o que u m a t e m p e s t a d e , - u m tufão!
A T O R E M É T O D O 75
2 . ° (A "Fala Interna" e o texto). O l h a lá, ve ja! A q u i l o ! . . . A q u i l o q u e está se a p r o x i m a n d o tão r a p i d a m e n t e . . . O l h a , vem quase t o cando nas ondas do mar ! . . . E que v e n t o ! . . . Deve ser u m a tempestade . . . E das grandes ! . . . Não, é m u i t o p i o r , é u m tu fão . . . C o r r a m , f u j a m ! N u v e m !
Espero que, apesar de seu p r i m i t i v i s m o , esses exemplos lhes dêem u m a ide ia bastante clara d o processo de c r iação das "Falas I n t e r n a s " que , b e m e n t e n d i d q , f a z e m parte essencial d o " M o n ó l o g o I n t e r i o r " .
Mas é preciso que , além disso, o l e i t o r n o t e u m p o r m e n o r m u i t o i m p o r t a n t e desses exemplos : e m t o d o s eles o final da " F a l a I n t e r n a " é sempre l i g a d o , de maneira m u i t o lógica, c o m o i n í c i o d o t e x t o , i s t o é , c o m a pa lavra " n u v e m " . Dessa mane ira o a t o r consegue c o m u n i c a r ao t e x t o o c o n t e ú d o e m o c i o n a l desejado:
I - (Para que resulte o desinteresse) . . . Mas já que v o c ê pede, está b e m : n u v e m .
I I - (Para sentir desprezo). . . O r a , g rande coisa! N u v e m . I I I — (Para causar admiração) A h , c o m o era bela aquela m a n c h a ! . . .
N u v e m . I V — (Para produzir pânico) C o r r a m , f u j a m ! . . . N u v e m !
Q u a n d o o ator o m i t e essa l igação o u n ã o a t o r n a suf i c ientemente lógica o " M o n ó l o g o I n t e r i o r " perde sua ef ic iência o u , em m u i t o s casos, chega a d e t u r p a r toda a ação.
Para constatar isso basta i n t e r r o m p e r a " F a l a I n t e r n a " antes da l igação lógica que e x e m p l i f i c a m o s a c i m a :
A T O R - 2 . ° (As "Falas Internas" e o texto). D i z e r a pa lavra " n u v e m " ? Para quê? E u , por m i m , n ã o ve jo nada de interessante nessa palavra, n e m vejo razão a lguma para dizê-la . . . Acho-a até m u i t o chata ! . ' . . (interrompe e passa a dizer o texto) N u v e m .
O l e i t o r pode constatar que o r e s u l t a d o emoc iona l da " F a l a I n t e r n a " assim i n t e r r o m p i d a é desprezo : " . . . A c h o - a até m u i t o chata ! . . . N u v e m " , e não indiferença de u m " t o m b r a n c o " que o d i r e t o r p e d i u : " . . . Mas já q u e você pede, está b e m : n u v e m " .
O l e i t o r poderá fazer a mesma exper iênc ia c o m os outros três e x e m p l o s . Falhas de lógica, - a p a r e n t e m e n t e ins igni f i cantes - às vezes p r e j u
d i c a m cenas inte iras . Gostar ia de i l u s t r a r o e f e i t o de u m desses erros c o m e t i d o p o r m i m
m e s m o . Trata-se da p r i m e i r a e n t r a d a d o v e l h o pequeno-burguês, Bessêmenov , no p r i m e i r o a to de " O s Pequenos Burgueses" de M. G o r k i . Ele e n t r a o u v i n d o o seu f i l h o assobiar.
BESSÊMENOV - (Entrando) V a i assob iando , va i ! . . . Mas a m i n h a petição vai ver que você esqueceu de fazer o u t r a vez! . . .
76 EUGÊNIO K U S N E T
P I O T R - F i z , fiz.
BESSÊMENOV — A t é que e n f i m e n c o n t r o u u m a f o l g u i n h a ! . . . C u s t o u , hein? . . . {Esai).
Desde o in íc io dos ensaios o m e u rac i o c ín io sobre essa cena era o seguinte. O pai está m u i t o i r r i t a d o c o m t o d o s os p r o b l e m a s de sua vida (entre outras coisas, sente dor nos rins). Ele ouve o seu filho assobiar e, o que é p i o r , fazer isso na sala em que há í cones . D a í o m e u " M o n ó l o g o I n t e r i o r " p r i m i t i v o decorr ia da rel ig ios idade o f e n d i d a p e l o c o m p o r t a m e n t o do filho e da consequente irritação d o ve lho .
A " F a l a I n t e r n a " , resultante desse rac i o c ín io , t o m o u a segu inte f o r m a : " T u d o vai m a l em m i n h a casa, t u d o ! E agora esse a í ! . . . Essa gente não
t e m n e n h u m a m o r a l ! Ve ja s ó ! Está assobiando d i a n t e das imagens dos santos! Sacrílego! Sem v e r g o n h a ! "
E para ligar logicamente ao t e x t o , eu r e p e t i a :
" D i a n t e dos ícones! D iante dos í c ones ! . . . "
Quando eu diz ia o t e x t o :
" V a i assobiando, v a i ! . . . " etc. sent i , até o fim da cena, o e f e i t o e m o c i o nal preestabelecido: irritação causada pela ofensa ao s e n t i m e n t o rel ig ioso . Parecia t u d o certo .
Mas eu nunca senti u m verdadeiro prazer e m fazer essa cena. A solução encontrada não me satisfazia, comece i a achá-la m u i t o p r i m i t i v a , m u i t o l inear : u m velho i r r i t a d o e nada mais. N e n h u m a cont rad i ção . S i m p l e s demais para G o r k i .
E de repente eu e n c o n t r e i dentro do própr io t e x t o a razão das minhas dúvidas: " . . . Mas a m i n h a petição va i ver que você esqueceu, o u t r a vez " .
Então, — pensei que — o o b j e t i v o do v e l h o não era s i m p l e s m e n t e " x i n g a r o sacrí lego". Ele quer ia também que o filho fizesse a p e t i ç ã o de que ele precisava m u i t o . E, para consegui-la, ele estava a p e l a n d o , através de u m a i r o n i a maldosa, ( "Até que e n f i m e n c o n t r o u u m a f o l g u i n h a ! . . . C u s t o u , hein? " } aos sent imentos de h u m a n i d a d e d o f i l h o . C o m o f o i q u e eu não reparei antes nesse erro de lógica, tão evidente?
C o m isso a minha " F a l a I n t e r n a " tornou-se d i f e r e n t e :
" V e j a m só ! Está assobiando! Não respeita n e m D e u s ! Q u a n t o m e n o s a m i m : . . . Mas é n a t u r a l — pra quê? ! Não precisa! Ele é u m rapaz m o d e r n o , formidável! Tão inte l igente , — ele sabe o que q u e r ! "
O final dessa fala é a u t o m a t i c a m e n t e l igado ao t e x t o : " V a i assobiando, v a i ! "
E eu c o n t i n u e i c o m a m i n h a " F a l a I n t e r n a " : " M a s a j u d a r u m p o u q u i n h o ao seu velho pai que sacr i f icou t o d a sua v i d a para o b e m dos f i lhos .
A T O R E M É T O D O 7 7
— B o b a g e m ! Pra quê? O V e l h o não vale mais n a d a ! M a s eu já sabia disso.
Assob iar v o c ê assobia . . . "
A s últ imas palavras representavam a l igação lógica c o m o t e x t o :
" M a s a m i n h a petição v a i ver que v o c ê esqueceu d e fazer, o u t r a v e z . "
D e p o i s d a resposta do filho:
P I O T R - F i z , fiz . . .
a " F a l a I n t e r n a " c o n t i n u o u :
" N ã o é p o s s í v e l ! ! ! V o c ê teve pena do seu pa i ? ! Q u e m i l a g r e ! "
A s últ imas palavras eram ligadas l o g i c a m e n t e ao t e x t o :
" A t é q u e e n f i m e n c o n t r o u u m a f o l g u i n h a ! . . . C u s t o u , hein? "
A s alterações que eu fiz, a j u d a d o p o r u m a s imples lógica, t o r n a r a m a
a t i t u d e do personagem m u i t o mais contraditór ia e, p o r isso, mais h u m a n a . C r e i o q u e , ao l er esse t r e c h o , o l e i t o r pode pensar : " M a s c o m o é que u m
ator p o d e usar " F a l a s I n t e r n a s " tão longas nas pausas mín imas que e n c o n t r a m o s d e n t r o de u m espetáculo? "
De fato , " n o espetáculo a " F a l a I n t e r n a " n u n c a t e m extensão como nos nossos e x e m p l o s . Q u a n d o r e a l m e n t e assimiladas pe lo a t o r através de m u i t o s ensaios, as " F a l a s I n t e r n a s " v o l t a m ás suas f o r m a s p r i m i t i v a s , c o m o na v ida r e a l : elas se t r a n s f o r m a m em exc lamações , f r a g m e n t o s de visões, imagens vagas, etc .
N o i n í c i o do t r a b a l h o , q u a n d o o ator c o m e ç a a c o m p o r o seu " M o n ó l o g o I n t e r i o r " na base daquelas duas etapas, — o r a c i o c í n i o e a ação d o personagem, — a extensão das " F a l a s I n t e r n a s " depende d o t e m p e r a m e n t o e da e s t r u t u r a ps íquica do ator . A l g u n s c r i a m verdade i ros romances , ou t ros se l i m i t a m a a lgumas l inhas . Mas cur tas ou longas o i m p o r t a n t e é que as " F a l a s I n t e r n a s " s u r t a m o e fe i to desejado. N o correr d o t r a b a l h o elas se condensam e, p o u c o a p o u c o , se r eduzem à extensão e x a t a m e n t e i g u a l à que se t e m na v ida rea l .
V o u p r o c u r a r t o r n a r mais c lara a mecânica dessa r e d u ç ã o gradativa das " F a l a s I n t e r n a s " , usando para isso u m e x e m p l o t i r a d o d a v ida real .
U m d ia e u f u i p rocurar u m amigo na repartição e m que ele trabalhava. N a sua sala e n c o n t r e i u m a m o ç a que , à m i n h a p e r g u n t a se o meu amigo rinha d e i x a d o a l g u m recado para Eugénio, r e s p o n d e u sorrindo: Não senhor , mas ele não d e m o r a . Sente-se p o r f a v o r " . E depo is de u m a pausa: " E ver dade que " O s Pequenos Burgueses" e n t r a m n o v a m e n t e e m cartaz? ' L e m -b r o - m e que eu fi: urna pequena pausa e respondi muito gentilmente: " S i m senhora , no i n í c i o d o mês que v e m " .
Q u a n d o f i q u e i soz inho , sentado naquela sala sem nada que fazer, p r o c u r e i d i v e r t i r - m e imag inando que o meu p e q u e n o d iá logo c o m a moça fosse
78 E U G Ê N I O K U S N E T
cena de u m a peça. Q u a l seria o m e u " M o n ó l o g o I n t e r i o r " se eu precisasse representar essa cena?
E m p r i m e i r o lugar, p r o c u r e i restabelecer na m e m ó r i a , c o m prec i são , o que se passou na m i n h a m e n t e d u r a n t e a pequena pausa que eu f i z antes de responder.
L e m b r e i - m e que m e n t a l m e n t e f iz u m a exc lamação " A h ! " e s i m u l t a n e a mente " v i " o bar do Teat ro O f i c i n a durante u m i n t e r v a l o d o e s p e t á c u l o , c o m mais ou menos cem pessoas, entre as quais a m o ç a que me a t e n d e u n a repartição.
T a n t o a exclamação " A h ! " c o m o a " v i s ã o " d o bar c o u b e r a m p e r f e i t a mente dentro da pausa de u m segundo , que eu f i z .
Ass im, pois , processou-se o m e u " M o n ó l o g o I n t e r i o r " d e n t r o da r e a l i dade da vida.
Mas que faria eu se precisasse representar esse papel? Nesse caso, e u não poder ia usar para o m e u " M o n ó l o g o I n t e r i o r " apenas a q u i l o q u e a realidade p r o d u z i u : a exc lamação " A h ! " e a visão d o bar d o t e a t r o , p o r q u e , em p r i m e i r o lugar , teria que c o m p r e e n d e r o que me fez e x c l a m a r " A h ! " e por quê eu " v i " a moça no bar d o t e a t r o .
E f o i o que eu fiz — p r o c u r e i t r a d u z i r em pensamentos c o n c r e t o s a exc lamação e as visões daquele m o m e n t o .
A f o rma que esses pensamentos t o m a r a m f o i a p r o x i m a d a m e n t e a seguinte :
— Por que ela p e r g u n t o u a respei to da vo l ta de " O s Pequenos B u r g u e ses" em cartaz? .
— Por quê? (Visão do bar) A h ! Já sei. Porque ela já assistiu à p e ç a , j á conhece o espetáculo.
— Mas por que ela se l e m b r o u da peça ao me ver? — Evidentemente porque ela me conhecia c o m o a t o r daquele t e a t r o . — Mas, ao perguntar , ela s o r r i u . Por quê? — Talvez porque gostasse d o espetáculo. — Bem, mas ela sorr iu para m i m , e c o m evidente prazer . — Ora . porque p r o v a v e l m e n t e gostou de m i m na peça ! F o i esse " a u t o d i á l o g o " de u m ator vaidoso que causou a pausa e m e fez
responder m u i t o g e n t i l m e n t e . Se eu continuasse a t r a b a l h a r c o m a cena, essa " F a l a I n t e r n a " r e l a t i v a
mente longa para u m t e x t o tão pequeno , pouco a p o u c o , seria r e d u z i d a à exclamação " A h ! " e à "v i sua l i zação " da moça no bar .
E assim que a redução das " F a l a s I n t e r n a s " se processa no nosso t r a b a lho em teatro .
E m u i t o i m p o r t a n t e que o l e i t o r compreenda que os e x e m p l o s d a d o s neste capítulo representam apenas esquemjs do que rvnie ser u m " M o n ó logo I n t e r i o r " .
A T O R E M É T O D O 79
N a r e a l i d a d e , m e s m o q u a n d o o ator ac red i ta t e r f i x a d o o seu " M o n ó logo I n t e r i o r " este c o n t i n u a sempre mutável, sempre d e p e n d e n t e das p a r t i cu lar idades de cada espetáculo : d o estado ps i co f í s i co d o a t o r , das relações dele c o m os o u t r o s personagens que também n u n c a são estáveis, da reação da p l a t e i a , etc .
C o n f o r m e j á c o m e n t a m o s ao falar da " D u a l i d a d e d o A t o r " e da " A ç ã o I n s t a l a d o r a " , o a t o r e o seu personagem c o e x i s t e m e i n t e r d e p e n d e m . E c o m o os dois são seres humanos , e p o r t a n t o mutáveis, a v i d a i n t e r i o r deles não pode caber d e n t r o de u m " M o n ó l o g o I n t e r i o r " r íg ido e f i x o .
C o m o j á sabe o l e i t o r , o " M o n ó l o g o I n t e r i o r " é o b t i d o p e l o ator através de improvisações . P o r t a n t o ele é p r o d u t o da espontane idade d o a t o r , e / o m o t a l , n u n c a pode ser f i x a d o d e f i n i t i v a m e n t e senão d e i x a r i a de ser espontâneo .
O ú n i c o f a t o r que deve ser permanente é a lógica das "Circunstâncias P r o p o s t a s " . Se o a t o r conseguir nunca sair da lógica da a ç ã o , as alterações espontâneas que se p r o d u z i r e m n o seu " M o n ó l o g o I n t e r i o r " só poderão ser benéficas p o r q u e elas irão manter o personagem d e n t r o d a dialética de u m ser h u m a n o .
E pois e v i d e n t e a sut i leza desse e l e m e n t o e a c o n s e q u e n t e d i f i c u l d a d e de l idar c o m ele c o n s c i e n t e m e n t e .
Mas e n q u a n t o estamos t r a b a l h a n d o na base de r a c i o c í n i o , — o que é indispensável d u r a n t e estudos da arte dramática, — não p o d e m o s f icar mane j a n d o apenas as " s u t i l e z a s " da nossa profissão. Prec isamos de e lementos mais só l idos , mais palpáveis.
Por isso, a f ixação esquemática d o ' " M o n ó l o g o I n t e r i o r " em nossos exemplos parece -me útil, porque ela visa m a i o r clareza das possíveis soluções dos p r o b l e m a s d o a t o r .
A o t e r m i n a r este cap í tu lo , gostaria de p r o p o r aos m e u s le i tores que , a t í tu lo de e x e r c í c i o , repetissem a cena de " A t o r e D i r e t o r " , s u b s t i t u i n d o a palavra " n u v e m " p o r out tas palavras c o m o p o r e x e m p l o " g u e r r a " , "si lênc i o " . P r o c u r e m e n c o n t r a r "Falas I n t e r n a s " que lhes p e r m i t a m p r o n u n c i a r essas palavras :
1 . ° — C o m o n u m a simples l e i t u r a . 2. ° — C o m desprezo. 3. ° — C o m grande admiração. 4. ° — C o m h o r r o r , e m pânico .
Para aval iar o resu l tado o b t i d o , p r o c u r e m assistência de u m colega.
SÉTIMO CAPÍTULO
Creio que você , l e i t o r , m u i t a s vezes o u v i u essas famosas frases: " O espetáculo não é m a u , mas f a l t a ritmo! . . . " , ou "Essa cena precisa de m u i t o mais ritmo' . . . "
Esses comentár ios são c o m u n s nos intervalos de u m espetáculo, t a n t o na plateia c o m o nos bast idores d o t e a t r o . Não sei se os comentadores que usam essas frases têm u m a ide ia e x a t a do que significa o ritmo em t e a t r o . Sei quedem m u i t o s casos, ao d izer " r i t m o " , ^les subentendem s implesmente a rapidez c o m que a ação da peça dever ia se desenrolar.
E indiscutível que o r i t m o e m teatro é u m p r o b l e m a de imensa i m p o r tância, e é exatamente por isso que ele não deve ser encarado c o m t a n t a ingenuidade.
Por onde vamos c o m e ç a r para entender como e p o r que o r i t m o faz parte da arte dramática? C o m e c e m o s por ver como se def ine o s igni f i cado da palavra " R i t m o " . N o Pequeno Dic ionár io Brasileiro da Língua Portuguesa encontramos o seguinte :
" E m Música, a g r u p a m e n t o de valores de t e m p o c o m b i n a d o s p o r m e i o de acentos: organização do m o v i m e n t o d e n t r o do t e m p o , c o m v o l t a per ió dica de t empos rortes e t e m p o s fracos , n u m verso, n u m a frase mus i ca l , e t c ; em Física, Fis io log ia , e t c , m o v i m e n t o c o m sucessão regular de e l ementos fortes e e lementos fracos : e m artes plásticas e na prosa, harmoniosa c o r r e lação das par tes . "
Se a detinição é c lara n o q u e diz respeito â música e à poesia, e se mesmo em relação à física e à f i s i o l o g i a , ela é bastante compreensível , não se pode dizer o mesmo a respe i to da def inição do r i t m o na prosa: h a r m o n i o s a correlação das partes. E m que consiste essa harmonia? C o m o se processa a correlação das partes?
Por isso me parece, que para compreender o que é o ritmo na prosa é bom começar por entender m e l h o r c o m o func iona o r i t m o na música.
Para fac i l i tar a c o m p r e e n s ã o d o nosso prob lema, comecemos por s i m p l i ficar a própria def inição. Para nós o r i t m o cm música será: "d iv isão d o compasso musical em valores de t e m p o " .
Vamos ver isso n u m e x e m p l o m u i t o simples.
84 E U G Ê N I O K U S N E T
Imaginemos que cada u m desses c i n c o compassos tenha duração de q u a t r o segundos. Nessas c o n d i ç õ e s , p o d e r í a m o s d i v i d i r o espaço de q u a t r o segundos em vários valores de t e m p o , c o n f o r m e f e i t o n o nosso e x e m p l o :
Compasso n.° 1 — Não dividindo o compasso , t e m o s u m a n o t a [valor de tempo) de duração de q u a t r o segundos.
Compasso n.° 2 — Dividindo em dois temos duas notas de duração de dois segundos cada uma.
Compasso n.° 3 — Dividindo em quatro t emos q u a t r o notas de u m segundo cada uma.
Compasso n.° 4 — Dividindo em duas notas de duração diferente t e mos u m a nota de três segundos e u m a de u m segundo.
Compasso n.° 5 — Dividindo em cinco notas de duração diferente t e mos u m a nota de dois segundos e q u a t r o de me io segundo cada u m a
O número de divisões possíveis não t e m l i m i t e . Convenhamos pois que, para a m a i o r fac i l idade de nosso rac ioc ín io , a
divisão do compasso musical , c o m o ela é fe i ta no nosso e x e m p l o , representa o ritmo em música.
Mas é preciso notar que o r i t m o apresentado g r a f i c a m e n t e , c o m o o fizemos no nosso exemplo , só ex is te e m t e o r i a . Para torná- lo real idade, i s t o é, para transformá-lo em música, t e m o s que i m p r i m i r - l h e u m a d e t e r m i n a d a velocidade (que os músicos chamam de andamento) e acrescentar u m a melodia .
De ixando de lado o p r o b l e m a de m e l o d i a . — p o r q u e o que nos interessa é o ritmo mesmo sem melodia , d igamos d e n t r o de u m a percussão, — pode mos dizer que o ritmo pode r e a l m e n t e e x i s t i r acresc ido apenas de u m a determinada velocidade.
C o m o vimos na definição d o ritmo, existe e m música mais u m t e r m o : " t e m p o " . Sua definição no m e s m o d ic ionár io é a s e g u i n t e :
"Cada uma das partes c o m p l e t a s de u m a peça m u s i c a l , em que o andam e n t o m u d a ; duração de cada par te d o c ompasso " .
S impl i f i cado novamente , p o d e m o s d i ze r : " P a r a nós o t e r m o " t e m p o " é velocidade do ritmo".
Nessas condições , e já que os dois, — o t e m p o e o ritmo — não podem existir em separado (a não ser em teoria), S t a n i s l a v s k i , no seu t raba lho e m teat ro , sempre usou o t e rmo ú n i c o — T E M P O - R 1 T M O — fr isando c o m isso a absoluta necessidade de nunca separar esses dois fa tores na sua aplicação e m teatro .
Para que o le i tor possa e x p e r i m e n t a r o e f e i t o d o " t e m p o - r i t m o " , damos abaixo exemplos de várias divisões d o compasso , a c o m e ç a r por mais s imples e t e rminando por combinações mais compl i cadas .
A T O R E M É T O D O 8 5
Apresentamos esses e x e m p l o s e m do is pentagramas cada u m , e o ú l t i m o e m três, para que o l e i t o r possa experimentá- los em f o r m a de percussão organizada c o m duas o u três pessoas, o u então usando u m m e t r ô n o m o para m a r c a r o t e m p o - r i t m o d o p e n t a g r a m a de b a i x o e executando as bat idas dos o u t r o s personagens pessoa lmente .
Regule o m e t r ô n o m o para várias ve loc idades , a l terando assim o t e m p o , e a companhe as bat idas de a c o r d o c o m a divisão constante d o p e n t a g r a m a de c i m a . Procure s e n t i r e c o n s t a t a r o e f e i t o que lhe causa cada alteração d o t e m p o : ela o t o m a mais a n i m a d o ? o u m a i s concentrado? o u mais tr iste?
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86 EUGÊNIO K U S N E T
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isso u m a música. Se você t e m u m a v i t r o l a , p o n h a u m d i s c o de música orquestrada e toque-a n o r m a l m e n t e , usando a rotação i n d i c a d a — 3 3 r p m ou 45 , o u 78 . E m seguida rep i ta o t r e c h o esco lh ido a l t e r a n d o a r o t a ç ã o , por e x e m p l o , tocando o disco gravado em 33 r p m c o m ve loc idade de 7 8 r p m , ou vice-versa. D e n t r o de experiências desse t i p o não é raro s e n t i r u m a alegria frívola causada por u m a marcha fúnebre , só p o r q u e ela f o i t o c a d a e m t e m p o acelerado.
P o r t a n t o o efeito emoc iona l do t e m p o - r i t m o sobre u m o u v i n t e nunca depende apenas do r i t m o e m si , — seja ele s imples o u c o m p l i c a d o , — e sim de harmoniosa interdependência desses dois fatores, tempo e ritmo. A l t e rando u m deles, alteramos o e fe i to g l oba l do t e m p o - r i t m o .
Nas experiências feitas c o m o q u a d r o ac ima o l e i t o r c e r t a m e n t e pode constatar que o efeito d o ritmo m u i t o p r i m i t i v o (letra A) p o d e ser aguçado pela aceleração do t empo , e que o r i t m o mais c o m p l i c a d o (letra F) pode ser bastante exc i tante mesmo c o m o t e m p o l e n t o .
Mais convincente ainda seria o c o n f r o n t o de certas obras musicais . C o m o u m exemplo , gostaria de sugerir a c omparação da Q u a r t a S i n f o n i a de H a y d n c o m o "Pássaro de F o g o " de S t r a v i n s k i . Cre i o que são d o i s discos fáceis de se conseguir para o u v i r .
Na s infonia de H a y d n você vai e n c o n t r a r trechos de m á x i m a singeleza: vanos ins t rumentos t o cam a mesma m e l o d i a , d e n t r o d o m e s m o ritmo. Se você tivesse a opor tun idade de ver as p a r t i t u r a s orquestradas dessas duas obras, constataria a enorme diferença entre elas, po is e m "Pássaro de F o g o " m u i t o s instrumentos tocam s imul taneamente melod ias d i f e r e n t e s e em ritmos diterentes. Por isso podemos chamar certos t rechos da s i n f o n i a de H a y d n de exemplos de R I T M O S I M P L E S , ao passo que a lguns t rechos de Strav insk i são exemplos de R I T M O C O M P L I C A D O .
Mais tarde, por meio de vários e x e m p l o s , ver i f i caremos que a c o m p l e x i dade do " t e m p o - r i t m o " na arte dramática decorre d o f a t o de q u e f r e q u e n t e mente ele é composto de vários t e m p o - r i t m o s d i f erentes . Nesses casos vamos
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chamá- lo de T E M P O - R j T M O C O M P O S T O para diferenciá-lo do T E M P O -R I T M O S I M P L E S .
A g o r a podemos dizer que t emos u m a n o ç ã o m a i s o u menos exata d o que é o ritmo em música. Mas c o m o e por que i r íamos usá-lo no t r a b a l h o e m t e a t r o fa lado?
E m p r i m e i r o lugar, pela de f in ição que c i t a m o s , podemos constatar que o ritmo ex i s te pra t i camente e m todas as a t i v idades h u m a n a s , inc lus ive na prosa.
A n a t u r e z a i n t e i r a é organizada na base d o ritmo, a começar pelo m o v i m e n t o dos astros e t e r m i n a n d o pe l o m o v i m e n t o das amebas. T u d o n o m u n do obedece ao ritmo.
O h o m e m p r i m i t i v o sentia a presença d o ritmo e m t u d o : na regular idade do m o v i m e n t o do sol , da l u a , d o ru ído da c h u v a o u de u m a cascata, nas pulsações d o próprio coração . A s s i m os s e n t i m e n t o s d o h o m e m p r i m i t i v o t a m b é m passaram a obedecer ao r i t m o , p r i n c i p a l m e n t e nas primeiras m a n i festações religiosas, nos cantos e nas danças rituais que , p o u c o a p o u c o , se t r a n s f o r m a r a m e m ação t e a t r a l q u e , por sua vez , c o n t i n u o u a obedecer ao ritmo.
Não há pois dúvida que a prosa em t e a t r o t a m b é m deve obedecer ao ritmo. Sei que , no in íc io , é dif íci l de se c o n v e n c e r disso. Como p o d e m o s e n c o n t r a r ritmo, cuja presença é tão ev idente nos versos de poesias, c o m o encontrá - lo n a q u i l o que é a n t ô n i m o da poesia, na prosa?
R e a l m e n t e , não é fácil, p o r q u e os atores d o t e a t r o fa lado que. ao r e p r e sentar, conseguem agir e falar d e n t r o de u m " t e m p o - r i t m o " certo , chegam a esse r e s u l t a d o de maneira geral i n t u i t i v a m e n t e e n ã o consc ientemente . Nessas c o n d i ç õ e s eles têm d i f i c u l d a d e e m c o n s t a t a r e fixar o t e m p o - r i t m o o b t i d o .
Mas o t e m p o - r i t m o que eles c r i a m ex i s te ! E prec iso que eles sa ibam usá-lo à sua v o n t a d e !
É impress ionante o e x e m p l o de Shakespeare. E m suas obras f r e q u e n t e m e n t e passava da prosa à poesia, e vice-versa. A t o r i n a t o que era. sentia que n u m d e t e r m i n a d o trecho da peça havia necessidade de u m ritmo mais n í t ido , que a ação da cena o ex ig ia .
O m e s m o p o d e m e d e v e m fazer os a tores , sem que, para isso, seja necessário alterar o texto da obra. Eles p o d e m co locar ritmo mais n í t i d o d e n t r o de sua interpretação d o pape l , t o r n a r o t e x t o da prosa mais ritmado, q u a n d o as "Circunstâncias P r o p o s t a s " o e x i g i r e m .
V e j a m o s u m exemplo que e m p r i m e i r o lugar v a i nos provar a existência real do t e m p o - r i t m o achado p o r atores intuitivamente e em seguida m o s t r a r por onde u m ator deve c o m e ç a r para vencer a dificuldade do uso consciente desse tempo-ritmo.
88 EUGÊNIO K U S N E T
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E m cinema os atores representam cenas que são f i lmadas e m espaços de t e m p o relativamente cur tos ; essas cenas são ligadas entre si e m " c o p i õ e s " ; faz-se a dublagem dos diálogos , colocam-se os sons sup lementares , e t c : ligam-se os " c o p i õ e s " e o filme está quase p r o n t o . Fa l ta apenas a mús i ca . Chega u m compos i tor , assiste à exibição do filme e depois escreve e grava a música.
Sabemos que a música é c o m p o s t a de h a r m o n i a , m e l o d i a e ritmo. O n d e é que o compos i tor poderá e n c o n t r a r o ritmo para essa sua m ú s i c a ? É evidente que só poderá encontrá- lo na ação que se desenrola no f i l m e , inc lus ive , bem entend ido , n o c o m p o r t a m e n t o f í s i co e nas falas dos intérpretes dos papéis. Portanto o c o m p o s i t o r não i n v e n t a u m ritmo n o v o , ele sub l inha , comple ta e em par te corr ige o ritmo já ex i s tente , c r i a d o pe los intérpretes i n t u i t i v a m e n t e .
Mas, se em vez de assistir ao filme p r o n t o , o c o m p o s i t o r recebesse apenas o " s c r i p t " para o q u a l devesse escrever u m " f u n d o m u s i c a l " ? Esse " f u n d o m u s i c a l " , cr iado por u m b o m músico , c e r t a m e n t e seria de g r a n d e u t i l i d a d e para os intérpretes dos papéis, porque os far ia sentir o t e m p o - r i t m o da sua ação no filme.
E se o próprio ator tivesse essa capacidade de cr iar o " f u n d o m u s i c a l " para cada cena do f i lme? Se ele, a exemplo d o c o m p o s i t o r , conseguisse "pensar mus i ca lmente " e n q u a n t o improvisasse as cenas d o seu papel? O seu t e m p o - r i t m o estaria p r o n t o m u i t o antes dele en f rentar a câmara.
E esse o problema dos estudos do t e m p o - r i t m o na prosa.
U m exemplo do uso do " t e m p o - r i t m o " n u m espetáculo de p u r a p r o s a , f o i " O Diário de u m L o u c o " de N . Gogol . Os seus cr iadores , I v a n de A l b u querque e Rubens Corréa.chegaram a criar u m verdade i ro e x e m p l o d o uso desse e lemento no trabalho de t e a t r o . Se o " t e m p o - r i t m o " do e spe tácu lo f o i cr iado i n t u i t i v a m e n t e no c o r r e r dos ensaios, — e é exa tamente isso q u e eu suponho , — é certo que depois ele f o i fixado e usado c o n s c i e n t e m e n t e , po i s todos os detalhes do " t e m p o - r i t m o " se repe t iam c o m precisão nos espetáculos. C o m o já disse, o espetáculo t o d o f o i marcado pelo uso e x e m p l a r d o " t e m p o - r i t m o " , mas há cenas e m que esse f a t o r torna-se p a r t i c u l a r m e n t e c laro . Escolhi u m a cena cujo " t e m p o - r i t m o " me pareceu tão c l a r o q u e v i a possibilidade de apresentá-lo e m f o r m a gráfica, c o m o e m música. E o q u e vou tentar em seguida.
Nessa cena o personagem, depois de m e d i t a r sobre a poss ib i l idade de le ser descoberto c omo o único h e r d e i r o do t r o n o espanho l , de r epente t o r na-se m u i t o t r i s te : por a lgum t e m p o , ele vo l ta à real idade , lembra-se d o que disse sua empregada Mavra. É a p a r t i r desse m o m e n t o que eu gos tar ia de fazer a minha demonstração.
A T O R E M É T O D O 89
M O D E R A T O = J 8 0
g l l í t\Jí~W \C Marra disse que eu es- uva muito distraído à mesa.
f a t o acho que quebrei dois copos
3
em meditação
PRESTO
6c ou por -ção de cacos (O tamborilar dos dedos)
* - 5 ? 1
ir- ^ * Sr r ° r rir rr rir ' • v >'' . (Passos) . Depois de jau
txr eu sa -( p i n dar um passeio perto das moncankas .
D e v o acrescentar ainda que as pequenas pausas n o t r e c h o " P r e s t o " e ram preenchidas c o m uns golpes de respiração o f egante , q u e c o n t i n u a v a m mar cando o " t e m p o - r i t m o " mesmo nas pausas.
E n o t e m q u e não há n e n h u m exagero n o m e u e x e m p l o : os pentagramas ac ima p r o d u z e m f i e l m e n t e as pausas e o " t e m p o - r i t m o " u s a d o por Rubens Corrêa, detalhes estes que t i r e i m e t i c u l o s a m e n t e da gravação que fiz d u r a n t e u m dos espetácu los .
E n t r e t a n t o , d u r a n t e a representação, n u n c a m e passou pela cabeça a ideia do " t e m p o - r i t m o " que Rubens Corrêa usava; eu s i m p l e s m e n t e senti a força de sua interpretação .
Espeto t e r t o r n a d o bastante c lara a razão p o r q u e devemos usar esse e l e m e n t o d o M é t o d o no nosso t r a b a l h o .
E agora surge u m p r o b l e m a mais d i f í c i l : o que devemos fazer para descobr ir o " t e m p o - r i t m o " desejável? E m que f o r m a ele e n t r a no nosso t r a b a l h o ? ,
Nas aulas de " t e m p o - r i t m o " os estudantes chegam a compreender o p r o b l e m a através de várias experiências práticas c u j o c o n t e ú d o - e m u i t o
90 E U G Ê N I O K U S N E T
difícil de se expl icar por escr i to n u m l i v r o . T e n t a r e i apresentar u m a ide ia que talvez t o rne possível u m a o u o u t r a experiência pessoal.
Longe de m i m a ideia de dar a q u i u m a receita para o uso d o " t e m p o -ritmo". Esse e lemento é de u m a s u t i l e z a e c o m p l e x i d a d e tão grandes que a d i f i cu ldade de seu uso só p o d e ser venc ida por u m l o n g o e s istemático t raba lho c o m muitas e mui tas experiências práticas que sempre d e v e m ser feitas sob u m contro le rígido.
A sugestão que pre tendo fazer a q u i só deve ser encarada p o r v o c ê s c omo u m me io de adqu i r i r apenas u m a noção de c o m o se c r ia e se usa o " t e m p o - r i t m o " . Não se e m p o l g u e m , pois,, c o m u m a possível sensação de sucesso nas experiências que v o u p r o p o r .
Vamos usar para esse fim o e x e m p l o de Rubens Corrêa. I m a g i n e m que o " t e m p o - r i t m o " do trecho c i t a d o fosse cr iado p o r u m a s imples intu ição . Nesse caso, nem o próprio R u b e n s Corrêa ter ia n o ç ã o do " t e m p o - r i t m o " que ele mesmo c r i o u .
Mas se ele pudesse ouvir a gravação da cena e transcrevê-la, c o m o eu a fiz, ter ia diante dele a reprodução , e m f o r m a gráfica, d o " t e m p o - r i t m o " que ele c r i o u i n t u i t i v a m e n t e e c u j a existência ignorava. A s s i m ele t e r ia o seu " t e m p o - r i t m o " conscientizado e materializado visualmente.
Mas ele poderia ir ainda mais l onge em suas experiências. E m vez de dizer o t e x t o da cena em voz a l t a , ele poder ia " p e n s á - l o " , c o m o se o t e x t o fosse o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " e, e n q u a n t o pronunciasse m e n t a l m e n t e as palavras, marcaria cada sílaba c o m u m a bat ida na mesa. T o d a a sequência dessas batidas deveria ser registrada n u m gravador de s o m .
A o ouv i r a gravação, ele estar ia d iante da material ização, desta vez sonora, do seu " t e m p o - r i t m o " q u e , acred i to , deveria causar- lhe as mesmas sensações que ele já t i n h a o b t i d o i n t u i t i v a m e n t e , o que c e r t a m e n t e seria de grande ut i l idade no seu t r a b a l h o .
P o r t a n t o , seria útil se o a t o r , ao ensaiar, pudesse d i zer o t e x t o da cena o u v i n d o s imultaneamente o s o m gravado do seu " t e m p o - r i t m o " .
Mas, não podendo sempre t e r a seu lado u m gravador para poder o u v i r o seu " t e m p o - r i t m o " enquanto ensaiasse a sua cena, ele seria o b r i g a d o a gravar os sons da percurssão na sua m e m ó r i a .
Nessas condições , enquanto estwesse dizendo o texto da cena, ele procuraria ouvir mentalmente o "tempo-ritmo" gravado que assim c o r r e r i a paralelamente ao t e x t o , átivando a i n d a mais o e fe i to causado a n t e r i o r m e n t e pelos outros elementos do M é t o d o , c o m " a visual ização" , " o m á g i c o SE F O S S E " , " o m o n ó l o g o i n t e r i o r " , e t c .
E este o caminho que m e parece aproveitável para suas experiências pessoais, na f o rma que nós usamos e m nossas aulas.
A maneira de fixar o " t e m p o - r i t m o " através de u m a percussão, c o m o exempl i f i camos acima, e v i d e n t e m e n t e é longe de ser a única. E l a é mais
A T O R E MÉTODO 91
conven iente para as pessoas p o u c o versadas e m música. Os que c o n h e c e m música o u possuem o d o m musical p o d e m pre fe r i r o uso de t rechos de u m a música c o n h e c i d a c u j o ritmo corresponda jna sua op in ião , às características do t e x t o . Sendo essa mús i ca conhec ida , poder ia ser f a c i l m e n t e gravada na memória do a t o r . Seria a i n d a m e l h o r se ele pudesse c o m p o r u m a espécie de "mús i ca de f u n d o " , c o m o o fez o nosso h ipo té t i c o c o m p o s i t o r e m c i n e m a . E finalmente há atores de grande senso r í tmico cu ja imaginação c r i a e fixa o " t e m p o - r i t m o " que n ã o precisa ser gravado, — ele a c o m p a n h a o t e x t o p o r pura intuição d o a t o r .
A g o r a q u e r o l e m b r a r aos le i tores que , sendo o " t e m p o - r i t m o " u m dos fatores da ação h u m a n a , ele obedece às leis que regem a própria a ç ã o , — ele t e m , s i m u l t a n e a m e n t e ^ d o i s aspectos: " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " e " t e m p o -ritmo e x t e r i o r " . Os d o i s raramente têm as mesmas característ icas, c o m o também r a r a m e n t e as t e m a própria ação e m seus dois aspectos.
O uso s imultâneo d o s dois aspectos d o " t e m p o - r i t m o " p r o d u z o que chamamos de " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " .
N a cena de " O Diár io de u m L o u c o " temos u m raro e x e m p l o d o contrário, isto é, de " t e m p o - r i t m o s imples " .
Que os l e i t o res mais esclarecidos em p s i q u i a t r i a me p e r d o e m a s i m p l i f i cação exagerada que eu a d o t o para tornar mais clara esta rápida exp l i cação .
Psicose é c a r a c t e r i z a d a pela perda do senso de real idade o b j e t i v a . O m u n d o o b j e t i v o é subs t i tu ído na mente do ps i copata pelo m u n d o fantástico , que o seu cérebro d o e n t e c r i o u .
Nessas c o n d i ç õ e s n ã o há contradições possíveis na ps ique d o d o e n t e , ele diz o que pensa e pensa o que d iz . Daí a un i c idade do seu " t e m p o - r i t m o " .
A s pessoas cons ideradas ps iquicamente n o r m a i s v i v e m e m p e r m a n e n t e c o n f l i t o entre a p e r c e p ç ã o da realidade o b j e t i v a e a representação (interpretação) dessa rea l idade . D a í a permanente divergência ent re a a ção i n t e r i o r ( " M o n ó l o g o I n t e r i o r " ) e a ação física (falas e movimentos).
Para i l u s t r a r isso c o m u m e x e m p l o m u i t o s imples , p r o p o n h o q u e i m a g i n e m u m a v e n d e d o r a de f e i ra , n u m dia de m u i t o calor , v e n d e n d o sua mercador ia , d igamos , f r u t a s .
A sua " r e a l i d a d e o b j e t i v a " é essa: sol i m p i e d o s a m e n t e q u e n t e , sono lên cia, f raqueza , apat ia . S ã o esses os fatores que o r i g i n a m o seu " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " m u i t o l e n t o .
Mas a sua " r e a l i d a d e s u b j e t i v a " é a abso luta necessidade de vender , q u a n t o antes, suas f r u t a s . Por isso ela t e m que gr i tar a l t o e a l egremente os nomes das f r u t a s que v e n d e , para chamar a atenção e p r o v o c a r a s i m p a t i a dos fregueses. E isso q u e f o r m a o seu " t e m p o - r i t m o e x t e r i o r " m u i t o agi tado .
O " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " resultante da fusão dos do is , deve dar o resul tado p r o c u r a d o — a contradição h u m a n a .
92 EUGÊNIO K U S N E T
Sempre procurando meios de d a r a m a i o r c lareza poss íve l às minhas expl icações, v o u novamente recorrer a e x e m p l o s apresentados gra f i camente , embora saiba que a matéria tão s u t i l c o m o o " t e m p o - r i t m o " não possa ser reduzida à materialização exagerada.
V a m o s pois a u m exemplo de " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " . U m a senhora recebe em sua casa vários amigos da famí l ia . Ela procura
ser g e n t i l c o m todos os convidados para t o r n a r sua v i s i ta agradável. Digamos que isso seja o seu único objetivo. E l a está c a l m a e segura de s i . São estas as "circunstâncias propostas" . Depois de submetê-la ao t r a b a l h o igual ao que vocês fizeram nos exercícios dos capí tu los anter iores e, p r i n c i p a l m e n t e , depois de cr iar as "falas I n t e r n a s " c o r respondentes à s ituação a n t e r i o r â ação cénica (o que ela fez ou pensou antes da recepção), p r o c u r e m executar a ação que contém apenas duas frases que a senhora d i r i ge a u m amigo cuja vis i ta ela não esperava.
S E N H O R A — O h , mas que prazer ! V o c ê p o r aqui? V I S I T A — V o c ê sabe c o m o eu gos to de sua casa. A l i c e não pôde v i r ,
está u m pouco adoentada. S E N H O R A — Que é isso? Nada de grave, espero? V I S I T A - Não, nada.
E b o m notar desde já que entre a p r i m e i r a e a segunda frase da senhora há u m a pausa durante a qual ela escuta o v i s i t a n t e . Essa pausa também está sujeita ao " t e m p o - r i t m o " da cena.
Que " t e m p o - r i t m o " deve ser usado nessa cena? A personagem está calma, segura de si, contente . Que " m ú s i c a de f u n d o " v o c ê esco lher ia? Não seria u m a valsa calma, não m u i t o l e n t a , n e m m u i t o v iva? P o r t a n t o , seria u m r i t m o de 3/4.
O que estaria pensando a personagem antes de c o m e ç a r o d iá logo c o m o visitante? Digamos que seja o seguinte : " T u d o corre m u i t o b e m . Graças a D e u s ! " Esta " f a l a i n t e r n a " teria o " t e m p o - r i t m o " que g r a f i c a m e n t e poder ia ser apresentado assim:
M O D E R A D O = J 88
METRON.
T u d o corre muito U m . Gt»»;a. * Dm»!
FT-r-r : r r 7 '-'ff
A T O R E M É T O D O 93
O segundo pentagrama m o s t r a o " t e m p o - r i t m o " básico em f o r m a de bat idas d o m e t r ô n o m o e deve ser m a n t i d o antes, d u r a n t e e depois da " f a l a i n t e r n a " , b e m c o m o d u r a n t e t o d o o diálogo .
A s s i m seria o " t e m p o - r i t m o " da preparação da cena, da sua "ação ante rior".
Passemos agora ao t e x t o da cena. D e n t r o d o " t e m p o - r i t m o " preestabel e c i d o , o seu aspecto seria o seguinte :
M O D E R A T O = J 88
oh: U que prazer você por
METRON. ff r i r ^ V I S I T A — (falando dentro do ritmo básico que o metrônomo continua
batendo) V o c ê sabe c o m o eu gosto de sua casa. A l i c e não pôde vir, está u m p o u c o a d o e n t a d a .
PERSON.
METRON.
Que é Uso' Nada de grave, espere
11 f I f I V I S I T A — (sempre dentro do ritmo básico) N ã o , nada.
A s s i m se apresenta o " t e m p o - r i t m o s i m p l e s " dessa simples cena, p o r q u e preestabelecemos que o único objetivo da senhora seria ser agradável, o que elimina toda a qualquer contradição em sua ação.
M a s d igamos que as "c ircunstâncias p r o p o s t a s " sejam acrescidas de u m e l e m e n t o n o v o : a personagem está e m vias de a b a n d o n a r seu m a r i d o . O seu amante exige que ela o faça hoje m e s m o e disse que telefonaria d u r a n t e a festa. E l a não t e m coragem de i r e m b o r a ho je e não sabe o que fazer. E v i d e n t e m e n t e está m u i t o nervosa, mas faz questão de não deixar os c o n v i dados perceberem o seu estado.
Q u e f o r m a tomar ia , nesse caso, a preparação da cena? Por u m lado , ela p r o c u r a r i a conservar a c a l m a e para isso taria o pos
sível para ela própria acred i tar que nada de extraordinário estivesse aconte -
94 EUGÊNIO K U S N E T
cendo, pois só assim poderia convencer os seus conv idados . E l a es tar ia p e n sando: " t u d o corre m u i t o b e m ! Graças a D e u s ! . . . "
Mas, ao mesmo t e m p o , não poder ia de ixar de sent ir o peso de sua indecisão, o pavor do que pode acontecer. A sua " f a l a i n t e r n a " , neste caso poder ia ser, por e x e m p l o : " Q u e faço? . . . Não t e n h o c o r a g e m ! . . . O h ! m e u Deus!
Se procurarmos u n i r o " t e m p o - r i t m o " da preparação da cena c o m o u t r o que possa corresponder ao acréscimo que f izemos nas " c i r cunstânc ias p r o postas" , o c o n j u n t o poderá ter o aspecto seguinte:
M O D E R A T O = J 88
Ritmo 1 °
Ritmo 2.°
METRON.
Tudo cor- re muito bem Graças
Que faço? Não tenho coragem
r r r ir i'
a Deus
truz.
Este é u m exemplo de " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " c ont rad i tó r i o e m que os dois componentes devem i n f l u i r u m sobre o o u t r o . C o m o c o n s e g u i r isso na prática? Não há fórmula a l g u m a , mas podemos t e n t a r .
Para começar , creio que seria conven iente :
1) Gravar a percussão d o " r i t m o 2 . ° " j u n t a m e n t e c o m as b a t i d a s d o m e t r ô n o m o , para poder ouvi-las e n q u a n t o diz o t e x t o d o " r i t m o 1 . ° " .
2 ) Gravar a percussão d o " r i t m o 1 . ° " c o m as bat idas d o m e t r ô n o m o enquanto pronunc ia o t e x t o d o " r i t m o 2 . ° " .
Ass im você teria a p r i m e i r a sensação do e f e i t o de u m " t e m p o - r i t m o " sobre o o u t r o .
Q u a n d o você constatar que sente o e f e i t o i n q u i e t a n t e e a n g u s t i a n t e desse " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " , deixe de lado as gravações e t r a t e d e s i m plesmente dizer o t e x t o : " t u d o corre . . . " , etc . A c r e d i t o que , nessas c o n d i ções, você poderá constatar que a sua maneira de dizer o t e x t o t o r n o u - s e d i ferente .
Se você tiver d i f i cu ldade e m chegar ao resu l tado desejado, p o d e r á expe rimentar u m a outra maneira, p o r e x e m p l o , usar o " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " (o "ritmo 2.°") ao pronunc iar o t e x t o , — ("Que faço? . . ."etc.) — e n q u a n t o ouve a fala do vis i tante .
A T O R E MÉTODO 95
PERSON.
VISITA:
METRON.
3 3? Que faço Não tenho coragem
Você sabe como gosto de sua casa. Alice não pode rir . . . etc
1
Cre io q u e , e m b o r a compreendesse b e m a mecânica d o " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " , o l e i t o r cer tamente ter ia que fazer u m a p e r g u n t a : " D e p o i s de cr iar e f i x a r os dois c o m p o n e n t e s , como poderia o ator manter em mente o "tempo-ritmo interior", enquanto exercesse o "tempo-ritmo exterior" c o m re la t iva f a c i l i d a d e graças ao a p o i o substancia l que lhe dá o ato de dizer o t e x t o ? O n d e poder ia ele e n c o n t r a r esse a p o i o p a r a o " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r ? "
A c h o q u e ele poder ia procurá-lo nas ações físicas q u e a c o m p a n h a m as falas. Basta q u e essas ações este jam d e n t r o da lógica das "circunstâncias p r o p o s t a s " e c o r r e s p o n d a m , por sua natureza , ao " t e m p o - r i t m o " p r o c u r a d o .
T o d o s nós fazemos m u i t o s m o v i m e n t o s , gestos, s em mesmo nos dar c o n t a disso. Mas esse c o m p o r t a m e n t o inconsc i en te deve t e r sua razão de ser e c e r t a m e n t e ref lete a lgum " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " . Por e x e m p l o , u m t r e m o r do pé e n q u a n t o o resto do c o r p o está e m a b s o l u t a i m o b i l i d a d e ; u m h o m e m q u e , fa lando c a l m a m e n t e , faz u m milhão de assinaturas n u m a fo lha de p a p e l ; u m a pessoa que rói unhas , apesar de parecer m u i t o ca lma.
T o d o s esses t iques , e m u i t o s o u t r o s que v o c ê s p o d e m imag inar , p o d e m ser usados, mesmo e m cena aberta, para apo iar e, por assim dizer , m a t e r i a l i z a r o " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " . E ev idente q u e esses t iques só p o d e m ser usados quando cabem l og i camente d e n t r o da ação cénica.
M u i t o s atores usam para f i x a r o " t e m p o - r i t m o i n t e r i o r " os sons, os ruídos e os m o v i m e n t o s e m cena, c o m o p o r e x e m p l o , o t ique- taque d o relógio , o b a r u l h o do mar , a t r o v o a d a , e t c , e f i n a l m e n t e a música que a c o m p a n h a a cena.
A t o r e s q u e não u t i l i z a m a sonoplast ia d o espetácu lo são in imigos de si própr ios , po i s n u m b o m espetáculo não há sons casuais, — _todos c lrs são cr iados p e l o d i r e t o r e x a t a m e n t e para f i x a r os " t e m p o - r i t m o s " «la peça.
E f r e q u e n t e nos trabalhos de alguns bons d i re tores bras i l e i ros , — seja P U I t e a t r o , e m c i n e m a ou em televisão, — que a s onop las t ia entra p r o p o s i u l m e n t e em cont rad i ção c o m a ação cénica.
U m magn í f i c o e x e m p l o disso é u m a cena d o f i l m e de A n s e l m o D U a t t c , " O Pagador de Promessas". Nessa cena, e n q u a n t o o personagem, Zé « ' ° B u r r o , e x t e n u a d o , perdendo as últimas forças, l e n t a m e n t e carrega ; i Hia
% E U G Ê N I O K U S N E T
pesada c ruz , na esquina da r u a os populares dançam u m a b a t u c a d a n u m ritmo frenético.
A c r e d i t o que essa contrad i ção r í tmica f o i de grande a juda n o t r a b a l h o do intérprete do papel, L e o n a r d o V i l a r . N a plateia nós sentíamos que d e n t r o do seu e x t r e m o cansaço havia t a m b é m u m a imensa ansiedade. E i s t o , c re io eu, só pod ia ser resultado desse " t e m p o - r i t m o c o m p o s t o " .
T e r m i n a n d o esse capí tulo , t e n h o a impressão de que o l e i t o r talvez s inta uma certa perplexidade diante d o p r o b l e m a do " t e m p o - r i t m o " . Todas as partes do capítulo podem parecer bas tante claras, mas o c o n j u n t o , talvez por ser c o m p l e x o demais, é capaz de escapar da compreensão .
E que , na aplicação prática, o " t e m p o - r i t m o " da prosa raramente t e m precisão do ritmo musical , c o m o nos meus exemplos que dei apenas para evitar a falta de clareza.
A criação e o uso do " t e m p o - r i t m o " depende de inúmeros fa tores , dos quais o mais i m p o r t a n t e é a e s t r u t u r a psíquica, a personal idade do a t o r , o que t o r n a ainda mais c o m p l e x o o e s t u d o desse p r o b l e m a .
Mas gostaria de t e r m i n a r este c a p í t u l o c o m u m a n o t a de o t i m i s m o . E preciso que o ator conf ie no p o d e r c r i a d o r da natureza . E preciso que ele saiba estabelecer condições e m que a própria natureza possa cr iar através dele. A cond i ção essencial para isso é a espontaneidade do a t o r . Essa c o n d i ção só é conseguida através do uso de improvisações, e é e x a t a m e n t e d e n t r o de u m a ação improvisada que nasce o " t e m p o - r i t m o " . E então basta que o ator saiba fixá-lo para que o p r o b l e m a seja d e f i n i t i v a m e n t e reso lv ido .
Mais tarde , ao estudar a "anál ise a t i v a " , — o últ imo m é t o d o que Stanislavski revelou antes de m o r r e r , — veremos c o m o isso se processa.
OITAVO CAPÍTULO
Até agora, c o m o o l e i t o r deve ter n o t a d o , o que nos p r e o c u p o u f o i a necessidade de dar u m a ide ia mais clara possível sobre a m a i o r i a dos e lementos do M é t o d o de Stan is lavsk i , vistos através dos p r o b l e m a s atuais d o nosso t e a t r o .
O m a i o r per igo na apl icação prática do M é t o d o é sua f ragmentação , o u seja, o uso de cada e l e m e n t o em separado.
Stanis lavski c o m p a r a v a os elementos d o seu M é t o d o c o m os pios de caçador : basta escolher u m p io certo para que t o d a a caça v e n h a soz inha . Por e x e m p l o , a " v i s u a l i z a ç ã o " adequada da " s i t u a ç ã o " , c o m seus " c í r c u l o s de a t e n ç ã o " b e m selecionados, provoca o s u r g i m e n t o da " a ç ã o i n t e r i o r " p ro curada que, por sua vez, cr ia a u t o m a t i c a m e n t e o " m o n ó l o g o i n t e r i o r " c o r respondente à ação da cena, c o n t r i b u i n d o , c o m isso na e laboração da " ins ta lação " .
Meus a lunos f r e q u e n t e m e n t e me p e r g u n t a v a m : " M a s q u a l seria esse p i o certo? C o m o esco lhê- lo? " N o r m a l m e n t e a resposta era: " T e n t e ! T e n t e até e n c o n t r a r o mais ú t i l " .
F e l i z m e n t e , agora há possibi l idade de usar u m m é t o d o seguro que a u t o m a t i c a m e n t e envolve t o d o s os elementos. Stanis lavski d e n o m i n o u esse m é t o do de "Anál ise A t i v a " .
E m b o r a o m é t o d o da "Anál ise A t i v a " não tenha sido usado , até agora, s i s t emat i camente , n o t e a t r o bras i le iro , houve m u i t a s experiências feitas pelos nossos h o m e n s de t e a t r o , experiências estas que se a p r o x i m a r a m bastante do m é t o d o usado p o r K . S. Stanislavski no fim de sua v ida e a m p l a m e n t e d ivu lgado pelos seus colaboradores depois de sua m o r t e .
I n f e l i z m e n t e o própr io Stanislavski não nos d e i x o u nas suas obras escritas ens inamentos s is temat izados e concretos , c o m o ele c o s t u m a v a fazer ante riormente c o m t o d o e q u a l q u e r e lemento novo de seu " M é t o d o " .
Os adeptos de Stan is lavsk i c o n t i n u a r a m , c o m o ainda c o n t i n u a m , as suas pesquisas, e há m u i t o s l ivros de a l to valor sobre o assunto da "Anál i se A t i v a " . Os seus autores enr iqueceram m u i t o a matéria c o m o r e l a t o das experiências práticas fe i tas em t e a t r o , mas c o m o é óbv io , não houve n e n h u m que tivesse f e i t o u m e s t u d o c o m p l e t o esgotando todos os p r o b l e m a s e todas as dúvidas.
Resta-nos, pois, c o n t i n u a r m o s as experiências na base d o que até agora conhecemos. O sucesso o u o fracasso dependerá da nossa h a b i l i d a d e .
9 8 EUGÉNIO K U S N E T
E m que consiste o m é t o d o da "Anál i se A t i v a " ? C o m o diz o p rópr i o t e r m o , é u m a maneira dos atores ana l i sarem o m a t e r i a l dramatúrgico : a n a l i sá-lo em ação, ou seja, procurar c o m p r e e n d e r a obra dramática através da ação praticada pelos intérpretes dos papéis na base de conhec imentos superficiais da peça, e não na base de longos estudos cerebrais .
Isso, evidentemente, pressupõe a d iminu i ção ou quase e l iminação, da análise puramente racional que , a n t e r i o r m e n t e , representava a par te essencial do trabalho c o m uma peça. N o t r a b a l h o c o m o m é t o d o da "Anál i se A t i v a " basta que os atores c o n h e ç a m o c o n t e ú d o da peça a p o n t o de poder contá-la com clareza, para que a "Anál ise A t i v a " possa ser in ic iada .
Nessas condições , é evidente que a única m a n e i r a de executar a ação da peça nos ensaios é improvisá-la de acordo c o m que os atores acabam de conhecer.
A improvisação é a base da cr iação e m todas as artes. I m p r o v i s a o escultor, improvisa o músico, i m p r o v i s a o a t o r . N ã o improv isa o c o n t a d o r , o mecânico, - no seu t raba lho eles apenas i m i t a m o que já f o i c r i a d o e t rans formado em regras fixas pelos o u t r o s .
O artista sempre cria coisas inéditas. Por isso u m músico ao c r ia r o u ao executar uma obra musical não deve sofrer influência de outras obras o u outras interpretações, senão ele corre o per igo de i m i t a r em vez de c r iar . A sua criação deve ser sempre espontânea.
E m teatro a espontaneidade é a mais i m p o r t a n t e qual idade de u m a t o r . Espontaneidade e ta lento t ornaram-se , e m t e a t r o , quase s inónimos. A frase: "e le é u m ator m u i t o e s p o n t â n e o " pode ser substituída pela frase: " E l e é de m u i t o t a l e n t o " . Se part i rmos d o pr inc íp io de q u e a espontaneidade se revela na ação improvisada, - ou vice-versa, que a a ção improvisada é o r e su l tado da espontaneidade inata, - podemos chegar à conc lusão de que o d o m de improvisação bem desenvolvido pode s u b s t i t u i r o que chamamos de t a l e n t o .
Mais tarde veremos c o m o se processa a improvisação no c o r r e r dos ensaios pelo método da "Análise A t i v a " . Por e n q u a n t o quero apenas frisar que a presença da improvisação, n u m a o u n o u t r a f o r m a , é a b s o l u t a m e n t e necessária em todas as etapas do t r a b a l h o , a c o m e ç a r do p r i m e i r o ensaio e t e rminando pelo último espetáculo.
Para o l e i tor deve ser bastante c lara a ide ia de começar os t raba lhos pela improvisação de uma ação apenas c o n h e c i d a super f i c ia lmente . Mas c o m o improvisar aqui lo que já f o i decorado e r e p e t i d o m i l vezes nos ensaios e nos espetáculos? C o m o poderia f u n c i o n a r a espontaneidade do a t o r nessas condições?
E m pr ime i ro lugar, é preciso esclarecer que não estamos fa lando de improvisação relativamente l i v r e , c o m o no in í c i o do t raba lho , e s im da presença do espírito de improvisação, n u m a o u n o u t r a f o r m a , d u r a n t e t odos os períodos do trabalho c o m u m a peça . E isso só é possível q u a n d o o a t o r
A T O R E MÉTODO 99
adquire a capacidade de conceber sempre com surpresa a ação preestabelecida, corno se ela fosse inesperada.
Não devemos estranhar esse f e n ó m e n o , — temos vários exemplos disso em outras artes. U m p i a n i s t a , t o c a n d o a mesma música e m todos os seus concertos , executa as mesmas c o m b i n a ç õ e s de notas escritas na p a r t i t u r a , dentro do mesmo ritmo e leva e m consideração sempre as mesmas i n d i c a ções do c o m p o s i t o r . E e n t r e t a n t o , se o concert ista f o r rea lmente u m a r t i s t a , sempre haverá u m a di ferença na sua interpretação em cada c o n c e r t o , d i f e rença essa que os o u v i n t e s constatarão emoc iona lmente . São b e m c o n h e c i dos os comentár ios dos f r e q u e n t a d o r e s dos concertos : " H o j e ele t o c o u tão d i f erente ! Parecia o u t r a música ! . . . " , mas e m que consist ia a diferença, esse ouv in te não saberia e x p l i c a r . E po i s evidente que o p ian is ta também i m p r o visa d e n t r o dos l i m i t e s obr igatór ios da obra musica l , tocando-a como se fosse pela primeira vez.
O que e s t i m u l a a sua improv isação são vários e lementos que se e n c o n t r a m fora da o b r i g a t o r i e d a d e e q u e var iam de u m concer to para o o u t r o : o seu própr io estado p s i c o f í s i c o , a sua "visual ização" da obra m u s i c a l , a reação da p la te ia .
Na prática do a t o r esses e l e m e n t o s são ainda mais ricos e e s t imulantes . Sem c o n t a r a influência do seu estado psicofísico (que em grande parte depende dele próprio, pois a predisposição para o seu trabaUio artístico depende da sua "primeira instalação"), há u m vasto c a m p o de surpresas est imulantes , que representa o seu c o n t a t o , em cena. c o m os c o m p a n h e i r o s , que também nunca r e p r e s e n t a m c o m a mesma precisão, b e m c o m o a reação da plateia , que e m t e a t r o , g e r a l m e n t e , reage da maneira mais sensível d o q u e nos auditórios de música.
E note-se: n u m v e r d a d e i r o t e a t r o o espírito de improvisação n u n c a perturba , n e m p r e j u d i c a a h a r m o n i a do espetáculo, p o r q u e todos os atores são acostumados a improvisar sem nunca perder de vista os objetivos comuns e, por isso, sempre improvisam dentro dos limites preestabelecidos. Isto é, d e n t r o das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " .
O e x e m p l o mais c o n v i n c e n t e desse f enómeno é o j o g o de f u t e b o l . N i n guém duv ida que o sucesso de u m j ogador de f u t e b o l depende da sua capacidade de i m p r o v i s a r o j o g o , c o n f o r m e as surpresas que lhe causa o j o g o dos adversários; mas o seu i m p r o v i s o , por mais agudo que seja, nunca p o d e ser t o t a l m e n t e l i v re , p o r q u e dele d e p e n d e m os seus dez companhe iros que têm em m i r a o mesmo o b j e t i v o q u e e l e : trpl.
Para desenvolver o seu d o m de improvisação o j o g a d o r de f u t e b o l v ive tre inando , sempre t e n d o e m vista o aperfeiçoamento da técnica d o j o g o de c o n j u n t o , e não apenas o seu sucesso pessoal.
E o que deve fazer t a m b é m o a t o r : tre inar o seu d o m de improvisação no sentido de desenvolver a sua receptividade da ação dos outros, ou seja, a
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capacidade de usar em cada nova improvisação o m á x i m o de sua atenção para perceber a ação dos o u t r o s , compreendê- la , c omentá - la e depois (só depois) reagir, pois é através da ação dos o u t r o s q u e nós concebemos o in íc io da nossa própria ação.
E o p o r t u n o l embrar ao l e i t o r que a recept iv idade de q u e estamos fa lan do t e m as mesmas características dos " c í r c u l o s de a t e n ç ã o " e das leis da fala h u m a n a de que t ratamos nos cap í tu los anter i o res .
Graças ao seu poder de receber, o a t o r consegue c a p t a r , e m cada n o v o espetáculo, novos detalhes da ação cénica , aos quais , p o r serem novos para ele, reage c o m a autêntica surpresa. Essa faculdade^ q u a n d o b e m desenvolv ida , garante ao ator a possibi l idade de sempre estar d e n t r o do espírito de improvisação e poder l u t a r c o n t r a o m a i o r f lagelo d o t e a t r o : a mecanização progressiva dos espetáculos em cartaz e o uso c o s t u m e i r o dos " c l i c h é s " pelos atores.
Mas mesmo se o ator reconhece p l e n a m e n t e a necessidade da improv i sa ção no seu t raba lho , pouco lhe a judar ia o c o n h e c i m e n t o teór i co do p r o b l e ma e a lgum d o m natura l . O d o m de improvisação , salvo raras exceçõcs de grande ta lento , só se t o r n a p r o d u t i v o depois de passar p o r longos per íodos de exerc íc ios e treinos de imaginação.
Alguns dos nossos d i re tores , adeptos sinceros d o m é t o d o da "Anál ise A t i v a " , acabaram abandonando-o p o r q u e não e n c o n t r a m atores capazes de improv isar . Os atores de longa prática e m t e a t r o p r o f i s s i o n a l , acostumados durante m u i t o s anos c o m o m é t o d o de análise c e r e b r a l , sentem-se m u i t o mais à vontade dentro, do a m b i e n t e dos "ensaios à m e s a " e, conseguindo bons resultados, s implesmente graças a seu t a l e n t o , não v ê m n e n h u m a necessidade de aderir ao m é t o d o de improvisação.
Q u a n t o aos atores j ovens , p r o d u t o das nossas escolas, i n f e l i z m e n t e eles não e n t r a m no t raba lho em t e a t r o pro f i s s i ona l s o l i d a m e n t e armados c o m a prática de improvisação.
Apesar das condições e conómicas dif íceis e m q u e , ge ra lmente , vive o nosso t ea t ro , alguns d iretores , d i a n t e dessas def ic iências , "dão -se ao l u x o " de t re inar e i n s t r u i r os seus atores e m matéria de i m p r o v i s . ç ã o , antes o u durante os ensaios da peça esco lh ida . Essa m e d i d a , e m b o r a i n c o m p l e t a e insu f i c i ente , chega a dar resultados apreciáveis p o r q u e através dela o d i re tor consegue criar e manter a comunicação emocional entre o palco e a plateia, que a meu ver é o m a i o r p r o b l e m a d o nosso teatro a t u a l -mente .
A improvisação de u m a cena representa e x e c u ç ã o de u m a série de ações físicas cabíveis d e n t r o das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " , que já sabemos, envolve automat i camente a ação i n t e r i o r do a tor . A p e r m a n e n t e i n t e r d e p e n dência desses dois fatores f o i co locada p o r Stanis lavsk i c o m o alicerce para o seu " M é t o d o de Ações Físicas". Mais tarde este m é t o d o , c o m apenas algu-
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mas alterações de o r d e m técnica, t r a n s f o r m o u - s e no que ho je conhecemos c o m o "Anál ise A t i v a " .
" E m cada ação f í s i ca" , d i z i a S tan is lavsk i "se ela não for mecanizada ( g r i f o m e u — E. K . ) esconde-se u m a a ç ã o i n t e r i o r , u m s e n t i m e n t o " . Os comentar i s tas das obras de Stan i s lavsk i , K . C. K r i s t i e V . N . P r o k o f i e v , acrescentam a isso: " M a s por m e i o desse n o v o m é t o d o o ator chega aos s e n t i m e n t o s i n d i r e t a m e n t e , através da v ida orgânica do c o r p o h u m a n o " .
Para que os le i tores possam ter u m a i d e i a mais clara sobre as origens da "Aná l i se A t i v a " e da sua organic idade d e n t r o da arte dramática, remeto -os ao t r e c h o do l i v ro de Stanis lavski " A Criação de u m p a p e l " (Edição Civilização Brasileira, pag. 2 3 8 ) , em que ele apresenta u m diálogo imaginário de u m professor da escola dramática c o m u m g r u p o de atores famosos. E i m p o s sível imaginar u m a expl i cação mais s imples e mais clara.
Q u a n t o à maneira de que Stanis lavsk i usava para realizar o t r a b a l h o c o m a "Aná l i se A t i v a " , e n c o n t r a m o s exp l i cações m u i t o claras a esse respeito no l i v r o " A V i d a T o d a " de M a r i a K n e b e l , a n t i g a aluna, atr iz e c o l a b o r a d o r a de Stan is lavsk i . E m 1936 , dois anos antes da m o r t e do mestre , ela f o i c o n v i dada a lec ionar no seu ú l t imo estúdio e x a t a m e n t e na época em que Stan is l a v s k i estava real izando suas pr ime i ras experiências do novo m é t o d o , c o m os a lunos da sua escola e os atores do seu t e a t r o .
" O s pr imeiros e x p e r i m e n t o s " , escreve M . K n e b e l , " c o n s i s t i a m no uso de do is elos inseparáveis: u m rápido r e c o n h e c i m e n t o dentro das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " , por me io de rac ioc ín io e, e m seguida, u m " labora tór i o " . (*)
" O reconhec imento por m e i o de r a c i o c í n i o pressupunha u m a m e t o d o l o g i a m u i t o mais precisa do que a a n t e r i o r divisão da peça e do papel e m " p e d a ç o s " (**} . Nasceu o t r a t a d o sobre os " a c o n t e c i m e n t o s " o u , c o m o d iz Stanis lavski , os " f a t o s a t i v a n t e s " da peça , q u e pudessem ser usados c o m o verdadeiros propulsores da a ç ã o " .
N o Brasi l nós a d o t a m o s o t e r m o " R o t e i r o dos A c o n t e c i m e n t o s " . A seleção dos " f a t o s a t i v a n t e s " é u m p r o b l e m a difícil . U m er ro d o
d i r e t o r , nesse sent ido , pode p r e j u d i c a r e d e s v i r t u a r o t raba lho dos atores o u dos a lunos .
E m p r i m e i r o lugar surge o p r o b l e m a : os " a c o n t e c i m e n t o s " devem ser apresentados c o m m u i t a c lareza, c o m m u i t o s detalhes , ou super f i c ia lmente? M . K n e b e l conta que , q u a n d o ela apresentava a Stanislavski a sua l is ta de
( * ) T a n t o M. Knebel , c o m o o próprio S t a n i s l a v s k i , usavam em russo uma palavra francesa " é t u j e " , no sentido de "esboço de um e s t u d o " . Preferimos adoçar o termo "laboratório" por ser mais usual no B r a s i l .
( * * ) " U n i d a d e s de extensão", c o m o consta da tradução brasileira de " A criação de u m p a p e l " , pag. 24S.
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" a c o n t e c i m e n t o s " , ele invar iave lmente lhe p r o p u n h a cortes drást i cos , para que a peça pudesse ser vista pelo a tor , c o m o ele d i z i a , " d u v o i d ' o i s e a u " , i s to é, n o seu aspecto geral e m que se destacasse apenas o m a i s i m p o r t a n t e , de ixando os detalhes aos cuidados da própria "Anál ise A t i v a " .
" Q u a n t o ao sentido dos " l abora tór i o s " , c o n t i n u a M . K n e b e l , " a ide ia de Stanislavski também m u d o u . A n t e r i o r m e n t e , ele i m p r o v i s a v a c o m os alunos várias cenas " e m r e d o r " da peça. Os " l a b o r a t ó r i o s " re fer iam-se ao passado do personagem ou aos episódios capazes de esclarecer a " b i o g r a f i a " d o personagem Poster iormente , os alunos f a z i a m " l a b o r a t ó r i o s " s obre os acontec imentos da própria peça" .
Stanis lavski não se cansava de repe t i r que o m é t o d o da " A n á l i s e a t i v a " , p e r m i t e ao a tor inc lu i r n o processo de análise não s o m e n t e o seu cérebro , como também o seu corpo . Ass im o a t o r penetra fisicamente n o âmago da ação, dos choques e dos c o n f l i t o s e m que o personagem t o m a p a r t e .
E m b o r a aparentemente m u i t o s imples , o m é t o d o , na sua apl i cação prát ica, apresenta muitas di f iculdades p o r não ter s ido a i n d a s u f i c i e n t e m e n t e s istematizado.
Stanis lavski deixou-nos u m p lano , b e m c o n c r e t o , de t r a b a l h o c o m u m papel pe lo " M é t o d o de Ações Físicas", n o seu c i t a d o l i v r o (pag. 248). Pela riqueza dos detalhes e pela sua clareza, esse p lano dever ia serv ir de e x e m p l o , aparentemente ainda hoje , para q u e m se interessasse p o r esse t r a b a l h o espec í f i co . Mas o p lano f o i cr iado no p e r í o d o a n t e r i o r àquele e m q u e M . K n e b e l cooperou c o m Stanislavski na elaboração e nas pesquisas d o m é t o d o da "Análise A t i v a " . C o m o já v imos , Stanis lavski a l t e r o u p r o f u n d a m e n t e alguns detalhes, p r inc ipa lmente n o que diz respe i to à divisão d o m a t e r i a l dramatúrgico em " p e d a ç o s " , subst i tu indo -o pela seleçâo dos " f a t o s a t i v a n t e s " . Ele m o r r e u antes de conc lu i r esse t r a b a l h o .
Os seguidores de Stanislavski c o n t i n u a r a m suas exper iênc ias . A lguns pub l i caram os resultados obt idos , mas não é fácil ass imi lar a técnica d o método através da le i tura dos l ivros e art igos escritos a r e s p e i t o . Eles não são concludentes e, às vezes, são até bastante contradi tór ios , o q u e nos dá a impressão de que todos os trabalhos dos adeptos de S t a n i s l a v s k i a inda se e n c o n t r a m e m fase de pesquisas i n d i v i d u a i s . Não nos resta, p o i s , o u t r a so lução senão seguir o mesmo c a m i n h o de experiências na base d o q u e conhe cemos até agora.
Baseando-me e m algumas experiências feitas p o r m i m , p r o c u r a r e i dar uma ideia do uso desse processo.
Q u a l seria a melhor maneira de i n i c i a r o t r a b a l h o de u m a peça , pelo método da "Análise A t i v a " ?
E u hesito entre u m a le i tura (uma só!), e u m a s imples narração da peça pelo d i re to r . A meu ver, as duas formas são validas para u m a experiência c o m os alunos de uma escola dramática. Mas n u m t r a b a l h o c o n c r e t o c o m os
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atores a c o s t u m a d o s c o m o m é t o d o de improv isação , a escolha deve ser f e i t a pelo d i r e t o r , c o n f o r m e vários fatores que ele deve levar e m consideração: o nível i n t e l e c t u a l e artístico do seu e lenco , a experiência prof issional dos seus atores , a c o m p l e x i d a d e da obra dramática, a h a b i l i d a d e d o próprio d i r e t o r de d e s p e r t a r a atenção e a cur ios idade dos atores através de u m a narração, o prazo q u e ele t e m para os ensaios, etc . E n f i m , é a prática que pode i n d i c a r a m e l h o r escolha. O i m p o r t a n t e é que o d i r e t o r n ã o perca de vista o o b j e t i v o p r e p o n d e r a n t e nesse p e r í o d o : despertar o m a i o r interesse possível e p r e p a r a r o e s p í r i t o dos atores para a improvisação da ação cénica. Uma série de pequenos exerc íc ios de "v i sua l i zação " e de " m o n ó l o g o i n t e r i o r " , c o m o aqueles que sugerimos no fim d o terce i ro c a p í t u l o , seriam de grande u t i l i dade , p o i s p o d e r i a m predispor o a t o r para o a to de improvisação.
O ú n i c o m e m b r o da equipe que deve conhecer a peça deta lhadamente é o d i r e t o r . Ele deve estar em c o n d i ç õ e s de responder a todas as perguntas dos atores , mas e m hipótese a lguma deve c o m e ç a r os trabalhos pelos seus p r ó pr ios comentár ios . A razão desta r e c o m e n d a ç ã o é óbvia : quanto mais s i m ples e m e n o s detalhada f o r a ação p r o p o s t a , t a n t o mais l i v re será a p r i m e i r a improv isação dos atores.
N a m e d i d a do possível , t u d o deve ser en t regue à in i c ia t iva do ator . E ele que deve procurar as melhores c ond i ções para o seu próx imo i m p r o v i s o e, p o r t a n t o , é ele que deve pedir esc larec imentos sobre o que lhe parecer vago ou i n s u f i c i e n t e durante a l e i t u r a ou narração d o d i r e t o r . Este deve apenas or ientá- lo para evitar , desde o i n í c i o , erros primários .
O d i r e t o r não deve c o m e ç a r a improvisação de u m a determinada cena antes de constatar que os atores estão e m c o n d i ç õ e s de poder :
1) C o n t a r o que acontece na cena. E m t e r m o s de " Instalação" (vide o quarto capítulo) isso s igni f ica responder a p e r g u n t a : qua l é a " s i t u a ç ã o " e m que se processa a ação em cada d e t e r m i n a d o p e r í o d o da cena?
2) Responder a p e r g u n t a : Quais os o b j e t i v o s do personagem? E m t e r m o s de " Ins ta lação" isso s i g n i f i c a : quais são as "necessidades" d o personagem que ele precisa satisfazer e m cada d e t e r m i n a d o p e r í o d o da cena?
3 ) Responder o que far ia o a t o r : c o m o ele estaria agindo f is icamente se estivesse na situação d o personagem que p r o c u r a realizar seus objet ivos . E m t e r m o s de " Insta lação" isso s ign i f i ca : " t o m a r a a t i t u d e a t i v a " como se o a tor fosse o personagem.
(Aqui temos que fazer uma ressalva muito importante • Agir fisicamente não quer dizer executar apenas uma série de gestos e movimentos do personagem. É um erro interpretar assim esse termo de Stanislai,slti. A fala humana também é uma ação física. Ela é consequência do pensamento humano e portanto também faz parte da ação física do personagem).
104 EUGÊNIO K U S N E T
U m a vez concluída essa p r i m e i r a parte do t r a b a l h o , a " I n s t a l a ç ã o " se efetua e o ator está em cond i ções de improv isar a cena.
E i m p o r t a n t e que, antes de começar a improvisação, o d i r e t o r e x p l i q u e novamente aos atores que a " I n s t a l a ç ã o " é u m estado de prontidão p s i c o -física para a realização de u m a d e t e r m i n a d a tare fa . E m t e a t r o , para conse guir essa prontidão, o a tor t o m a a " a t i t u d e a t i v a " d i a n t e dos p r o b l e m a s d o personagem, o que quer d izer : d u r a n t e a improvisação ele nunca deixa de usar a "visualização" e o "monólogo interior" do personagem.
Sem isso, muitas vezes o c o r r e , apesar da aparente clareza da " s i t u a ç ã o " e das "necessidades", ao a t o r , exc i tado pela perspect iva de u m t r a b a l h o m u i t o atraente, esquecer o l a d o rac ional do p r o b l e m a e passar a d e s c o b r i r , em p r i m e i r o lugar, o que ele sentiria se fosse o personagem, e m vez de simplesmente responder a p e r g u n t a i o que ele faria n o lugar do p e r s o n a g e m .
T o d o s nós, atores, sabemos c o m o é tentador descobr ir , desde os p r i meiros m o m e n t o s , os sent imentos que levam o personagem "às lágrimas amargas" ou " a o riso c r i s t a l i n o " .
E b o m insist ir na expl icação de que o ob je t ivo da "Anál ise A t i v a " n ã o é a busca de emoções , e sim a própria análise a c ompreensão d o q u e o personagem faz. As emoções virão c o m o consequência n a t u r a l de u m a a ç ã o certa.
C o n f o r m e já dissemos, Stanis lavski recomendava que antes de c o m e ç a r o t raba lho pelo método da "Aná l i se A t i v a " , o a tor apreciasse a peça " d e bem a l t o " , ' "du vo l d 'o iseau") , sem detalhes, p r o c u r a n d o ver apenas o m a i s i m p o r t a n t e .
Esse problema exige m u i t o c u i d a d o da parte do d i r e t o r que , r e p e t i m o s , é o único m e m b r o da equipe que deve conhecer a peça p r o f u n d a m e n t e . E ele que deve preestabelecer o m í n i m o de " f a t o s a t i v a n t e s " que p o s s a m servir, c o m o disse Stanislavski , de propulsores da ação d u r a n t e a i m p r o visação.
Para que os " f a t o s a t i v a n t e s " possam realmente servir de p r o p u l s o r e s , a divisão da "peça em " a c o n t e c i m e n t o s " deve ser m o t i v a d a m u i t o menos p e l a mudança das " s i tuações" do q u e pelas alterações que s o f r e m as "necess i dades" do personagem. O d i r e t o r deve descobrir os m o m e n t o s e m que m u dam as intenções e os ob jet ivos d o personagem e, e x a t a m e n t e n o m o m e n t o da mudança, i n t e r r o m p e r a cena, dando início a u m t re cho novo .
O u t r o prob lema, não menos grave, é o vo lume de in formações sobre a peça, que o d i r e t o r deve dar aos atores. A insuficiência de c o n h e c i m e n t o s das "circunstâncias propostas" pode levar os atores m u i t o longe do c o n t e ú do da peça. o que representaria u m a perda de t e m p o injustificável. Por o u t r o lado, o excesso de detalhes, e m b o r a m u i t o úteis e m si , é capaz de p r e o c u p a r demais o ator e, c o m isso, cercear a sua l iberdade de ação . C o m o e n c o n t r a r uma medida certa?
A T O R E M É T O D O 105
G o s t a r i a de i l u s t r a r essas d i f i cu ldades c o n t a n d o u m caso que se deu c o m i g o d u r a n t e o t r a b a l h o de estudos c o m u m g r u p o de a t o r e s .
N u m a das aulas , escolhemos c o m o m a t e r i a l para o e x e r c í c i o de "Anál ise A t i v a " a cena f i n a l de T r e p l i o v no ú l t imo a to de " A g a i v o t a " d e A . T c h e k o v .
O p e r s o n a g e m , depois de ter d e f i n i t i v a m e n t e fracassado c o m o d r a m a t u r g o , acaba de p e r d e r N i n a , a única m u l h e r que ele amava. Depo i s de u m a cena de e x t r e m o desespero, N i n a sai. S o z i n h o , d u r a n t e u m l o n g o si lêncio, T r e p l i o v chega à c o n c l u s ã o de que nada mais resta na sua v i d a e que , agora, não há o u t r a saída senão a m o r t e . D u r a n t e u m a pausa de d o i s m i n u t o s ele fica, rasgando l e n t a m e n t e todos os seus papéis e m a n u s c r i t o s e os j o g a em» b a i x o da e s c r i van inha . E é estranho que a única frase q u e * l e p r o n u n c i a d u r a n t e essa cena é : " N ã o é b o m que alguém e n c o n t r e N i n a no parque e depois c o n t e à m a m ã e . . . Isso pode magoá-la . . . " C o m isso ele sai. E n t r a m os o u t r o s personagens e, dentro de uns poucos m i n u t o s , ouve-se u m t i r o , T r e p l i o v acaba de m o r r e r .
O a t o r des ignado para esse exerc í c i o c onheceu a p e ç a , c o n f o r m e nos disse, através de u m a única l e i t u r a na véspera daque la aula .
A o c o m e n t a r a cena m u i t o s u p e r f i c i a l m e n t e , p r o c u r e i ev i tar detalhes , d e i x a n d o t u d o , a t í tu lo de experiência, aos cu idados d o a l u n o . Ele f a l o u sobre os seus insucessos em l i t e r a t u r a , sobre as suas re lações c o m N i n a e, p a r t i c u l a r m e n t e , sobre a cena trágica entre os dois n o ú l t imo a t o .
E u me de i p o r sat is fe i to , mas, antes de c omeçar a improvisação , l e m -bre i - lhe da necessidade de preocupar-se mais c o m a ação f ís ica do personagem do que c o m os seus sent imentos .
O a l u n o c oncent rou - se e, em seguida, i m p r o v i s o u a cena da destruição dos papéis e a cena do próprio suic íd io (esta última não faz parte do texto da peça).
É prec iso d i zer que o a luno i m p r o v i s o u as cenas c o m m u i t a s inceridade, v imos lágrimas nos seus olhos . E e n t r e t a n t o as cenas p r o d u z i r a m p o u c o e fe i to sobre os presentes , não c o m o v e r a m quase ninguém.
Para esclarecer a razão disso, ped i ao a t o r que nos expl icasse qual era o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " durante a c o n c e n t r a ç ã o e o que ele estava pen sando.
— " E s t a v a pensando na m i n h a m o r t e p r ó x i m a " , — r e s p o n d e u ele, " n a dor que causaria a bala ao penetrar no crânio , n o desespero d a m i n h a mãe e dos o u t r o s d u r a n t e o m e u enterro . A visualização m u i t o i n t e n s a de t u d o isso causou-me u m a e n o r m e t r i s t e z a " .
— " E que mais? " — pergunte i eu. — " C r e i o que f o i só isso" , e p r o v a v e l m e n t e vendo o m e u desaponta
m e n t o , c o n t i n u o u , - " V o c ê acha pouco? Mas você m e s m o disse que eu devia p r e o c u p a r - m e mais c o m a ação física. Por isso me p r e o c u p e i c o m o ato da m i n h a m o r t e " .
106 E U G Ê N I O K U S N E T
— " M a s eu não disse", — r e s p o n d i eu, — " q u e você não dev ia p r e o -cupar-se c o m as razões do s u i c í d i o , disse? A frustração de t o d a a sua v i d a , o seu fracasso c omo d r a m a t u r g o , o seu desespero ao perder N i n a , não p e n s o u em t u d o isso? "
— " Q u a n d o eu podia pensar nisso? " — " E n q u a n t o rasgava os p a p é i s " . — " B e m , eu pensei, mas . . . a n t e s " . — " Q u a n d o " ? — " O n t e m , depois da l e i t u r a da p e ç a " . — " O que vale dizer que desta vez não pensou? " — " E verdade" , — confessou o a tor .
Resumindo : o seu " v o l d ' o i s e a u " era a l to demais , ele só v ia a m o r t e e suas consequências, o que lhe c a u s o u u m a grande auto -p iedade (chave barata para todos os melodramas). A s informações sobre "as c ircunstâncias propostas " que ele usou na improv isação f o r a m insu f i c i en tes . N a p e ç a o fa to de sua m o r t e t e m menos importânc ia do que as causas que o l e v a r a m ao suicídio . Se as causas são o m i t i d a s , a m o r t e , p o r si , p o u c o i m p r e s s i o n a .
E m b o r a absolutamente s i n c e r o , o a tor não causou ao espec tador m a i s do que " a pena do c o i tad inho q u e m o r r e " , pouco mais do que causaria u m a notícia po l i c i a l n u m j o r n a l .
T u d o isso eu conte i ao a t o r , e, receando que ele esquecesse deta lhes i m p o r t a n t e s , pedi que repetisse todas as razões que l evaram T r e p l i o v ao suicídio. Quando ele esquecia a l g u m detalhe c o m o , por e x e m p l o , l e i t u r a de u m a carta de amor, antes de rasgá-la, ou de u m caderno c o m a p r i m e i r a cena de teatro , que ele escreveu a inda n o t e m p o de co l ég i o , e o u t r o s papéis que ele devia " v i s u a l i z a r " antes de rasgá-los, eu subl inhava a importânc ia desses detalhes.
Q u a n d o o ator c o m e ç o u a preparação para a cena, a sua c o n c e n t r a ç ã o levou m u i t o mais t empo do que na p r i m e i r a vez. Isso me d e i x o u i n q u i e t o , — comecei a sentir e lamentar o m e u e r r o : sobrecarreguei o rapaz c o m o excesso de detalhes, d i f i c u l t a n d o - l h e a jmprov isação .
Realmente , u m m i n u t o depo is de ter c o m e ç a d o a cena de rasgar os papéis, ele parou . Quando lhe p e r g u n t e i , por que? ele disse que não conseguia lembrar-se o que mais ele dev ia ler antes de rasgar, além da c a r t a e d o caderno, e que isso o de ixou c o m p l e t a m e n t e fora de ação.
Além de pedir-lhe desculpas p e l o erro imperdoável que c o m e t i , p r o p u s que ele deixasse de pensar nos detalhes e que se concentrasse apenas n a " s i tuação " e nas "necessidades" : fracasso t o t a l na sua v ida e o inevitável suicídio, apesar do medo de m o r r e r . Depois de u m a rápida preparação ( 'ação a n t e r i o r " ) o ator r e c o m e ç o u a improvisação.
A T O R E MÉTODO 107
Desta vez não v i m o s lágrimas nos seus o lhos , ele parec ia quase c a l m o , mas a tensão nervosa que a cena causou entre os seus colegas l e v o u alguns deles às lágrimas.
O seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " , que ele p r o c u r o u restabelecer e m voz a l ta , c o r respond ia à nossa sugestão, e nas frases que desta vez ele c i t o u , não houve n e n h u m a referência aos " s e n t i m e n t o s trágicos" , não h o u v e mais que u m rac i o c ín io sobre a situação sem o u t r a saída senão a m o r t e . E n t r e t a n t o , a sua improv isação f o i u m verdadeiro e x e m p l o de c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l entre o a t o r e a p l a t e i a .
' U m a exce lente demonstração de c o m o se usa u m s imples rac ioc ín io n o t r a b a l h o c o m a " A n á l i s e A t i v a " e c o m o disso r e s u l t a m e m o ç õ e s é dada no anexo do l i v r o " A cr iação de u m p a p e l " .
N u m a cena que não f o i publ icada no t e x t o d o l i v r o , o pro fessor T o r t s o v d e m o n s t r a aos a lunos da escola o t raba lho c o m o papel de K l e s t a k o v , e m " O i n s p e t o r g e r a l " , na cena de sua p r i m e i r a entrada . Para m a i o r c lareza , t r a d u z i u m pequeno t r e c h o , no qual o professor T o r t s o v r a c i o c i n a e m voz al ta e n q u a n t o ensaia a cena , i m p r o v i s a n d o t u d o .
" . . . E s t o u c o m f o m e , mas onde é que v o u arranjar c o m i d a ? Não sei o que fazer. M a n d a r Oss ip ou i r pessoalmente ao bu fe te e fazer lá u m grande escândalo c o m o d o n o da hospedaria? N o lugar de K l e s t a k o v eu também estaria i n d e c i s o " .
T o r t s o v n o v a m e n t e saiu do palco . D e m o r o u fora m u i t o t e m p o , prova v e l m e n t e para se cercar m e n t a l m e n t e das "circunstâncias p r o p o s t a s " .
Depo i s l e n t a m e n t e abr iu a p o r t a e, indec iso , p a r o u n o u m b r a l . E m seguida, t e n d o r e s o l v i d o i r ao bu fe te , T o r t s o v a b r u p t a m e n t e v i r o u as costas a Óssip para que este lhe tirasse dos o m b r o s o s o b r e t u d o , e o r d e n o u , c u r t o : " T i r e ! "
Depo i s c o m e ç o u a fechar a p o r t a atrás de si para descer ao b u f e t e , mas de repente acovardou-se , parou m u i t o q u i e t i n h o , e t i m i d a m e n t e de novo e n t r o u n o q u a r t o , f e c h a n d o a p o r t a devagarinho.
" A pausa f o i l o n g a demais " , c o m e n t o u T o r t s o v , " h o u v e m u i t o s detalhes supérfluos, i n v e n t a d o s , mas uma ou o u t r a coisa veio da r e a l i d a d e " .
(£ claro, que,durante todo esse tempo, Tortsov não estava procurando "sentir" coisa alguma, ele estava simplesmente raciocinando e comentando a ação que acabava de executar. — E. K.)
- " B e - e - e m ! . . . " , c o n t i n u o u ele fa lando entre os d e n t e s . "Para c o m preender a rea l idade da ação na peça, por e n q u a n t o basta-me o que eu achei nesta cena. C o m t e m p o t u d o isso vai assentar m e l h o r . V a m o s ad iante , ao segundo ep i sód io q u e eu chamaria " e s t ou c o m f o m e " . Al iás , o p r i m e i r o episódio t e m o m e s m o prob lema . . . "
108 E U G Ê N I O K U S N E T
Ele parou , f i cou m u i t o t e m p o pensat ivo , imóvel, f a l a n d o b a i x i n h o : — "Be-e-em! . . . C o m p r e e n d o ! . . . A escada p r i n c i p a l f i ca . . . a í " , ele
i n d i c o u o corredor , por onde acabava de entrar . " O que é que m e a t r a i mais? " , perguntou ele a si p r ó p r i o .
" T o r t s o v não fazia nada, apenas m e x i a os dedos, c o m o que p r o c u r a n d o ajudar o seu raciocínio. C o n t u d o estava se operando nele u m a certa a l t e ra ção , ele se tornava desamparado , c o m os olhos de u m c o e l h o assustado, e t o d o o seu rosto parecia o de u m a criança, mais manhosa do que zangada . Ele ficou imóvel, e n t o r p e c i d o , não pensando em nada, c o m o o lhar p a r a d o n u m p o n t o . Depois, c o m o que a c o r d a n d o , perscrutou c o m os o lhos t o d o o q u a r t o procurando alguma c o i s a " .
" E u admire i a sua f i r m e z a n o t r a b a l h o . A d m i r e i a inda mais o f a t o de que, não obstante a sua aparente i n a t i v i d a d e , eu senti t o d a a in tens idade de sua vida i n t e r i o r " .
Pensem bem no resultado dessa demonstração. O raciocínio frio c o m que o professor Tortsov estava e l a b o r a n d o as ações físicas de K l e s t a k o v não impediu que os sentimentos reais surgissem espontaneamente, a p o n t o de causar admiração aos espectadores.
U m dos maiores obstáculos na prática dos " l a b o r a t ó r i o s " , c o m u m grupo de atores pouco exper ientes n o campo de improvisação, é a o b r i g a tor iedade de enredos f i xos , de temas concretos. Basta d izer ao a t o r : " I m p r o v i s e o que eu acabo de te c o n t a r " , para que ele se s inta a inda mais constrangido do que nas famosas " l e i t u r a s expressivas" às quais o b r i g a v a m o ator antigamente para que ele revelasse as suas "poss ib i l idades no c a m p o emoc iona l da peça" .
Nesse caso, o andamento d o t r a b a l h o depende m u i t o da h a b i l i d a d e d o d i r e t o r . O constrangimento desaparece quando o d i r e t o r consegue "sed u z i r " os seus atores t o m a n d o par te do jogo de improvisação j u n t o c o m eles, atraindo-os ao j ogo até que eles próprios " a c h e m graça" nas i m p r o visações.
L e m b r o - m e de u m ator q u e , desde o início dos t raba lhos c o m u m a peça. declarou-se contrário ao m é t o d o da "análise a t i v a " . Ele e x p l i c o u que estava acostumado a u m o u t r o processo, com o q u a l , aliás, dava-se m u i t o b e m : receber o t e x t o , p r o c u r a r compreendé - lo através de várias l e i t u r a s , assimilá-lo a ponto de " s e n t i r o p a p e l " e só começar a agir n o lugar do personagem depois de decorar o t e x t o . Ele não concebia n e n h u m a o u t r a maneira de trabalhar.
A razão de sua a t i t u d e , a m e u ver, não era apenas o hábi to de t r a b a lhar de maneira d i ferente , era u m a t o r m u i t o j o v e m para ter hábitos e n r a i zados. A verdadeira razão era s implesmente a inibição. Ele se j u l g a v a incapaz de improvisar e, c o m o a maior ia dos atores , t i n h a m e d o de expor-se ao ridículo.
A T O R E MÉTODO 109
E x p l i q u e i - l h e que pessoa lmente julgava-me u m péssimo i m p r o v i s a d o r , mas que este f a t o não m e i m p e d i a de usar improvisação d e n t r o das m i n h a s poss ib i l idades , p o r q u e a prática me d e m o n s t r o u a grande u t i l i d a d e desse m é t o d o .
Para convencê - l o p r a t i c a m e n t e , pedi a co laboração dos seus colegas mais e x p e r i m e n t a d o s , no s e n t i d o de improv isar u m a cena em que fosse mais fácil envolver o a t o r . F o i e s co lh ida a mais engraçada cena da peça, e m que o personagem do a t o r era l íder de u m a alegre mistif icação. Provocado e i n s t i gado p o r t odos nós , e le , p o u c o a pouco , c o m e ç o u a sent i r o g o s t o da l ide rança (oh, vaidade do ator!) e, em seguida, quase sem demora integrou-se no p a p e l : t o m o u c o n t a da b r i n c a d e i r a em p u r a improvisação.
E m poucos dias esse a t o r tornou-se u m dos maiores entusiastas d o m é t o d o . A l ém de se s e n t i r m u i t o à vontade d e n t r o da a tmos fera de b r i n cadeira geral das p r i m e i r a s improvisações, ele aprendeu r a p i d a m e n t e a e x t r a i r da sua ação vários detalhes i m p o r t a n t e s para a c o m p o s i ç ã o d o personagem. T u d o isso se processava, c o n f o r m e ele disse, d e n t r o de u m a abso lu ta espontane idade .
O p r o b l e m a da e s p o n t a n e i d a d e , no nosso m e i o , é a inda m u i t o c o n f u s o . Há atores que p r e z a m t a n t o a sua espontaneidade que têm m e d o de p r e j u dicá-la pelos estudos da a r t e dramática. " O u há espontaneidade e, p o r t a n t o , há u m verdade i ro a t o r " , d i z e m eles, " o u não há espontaneidade e, então , não a d i a n t a n e n h u m m é t o d o " .
U m dos meus a l u n o s , d i s c u t i n d o esse p r o b l e m a d u r a n t e u m a aula , disse que achava imposs íve l a d q u i r i r a espontaneidade r e a l , igual àquela que nos é dada pela própr ia natureza, m e s m o através dos recursos da "Anál ise A t i v a " .
Para i l u s t r a r sua ideia , ele c i t o u o espetáculo de A d e m a r G u e r r a , " H a i r " . Ele achava que o segredo d o a l t o nível do espetáculo era a espontane idade autêntica da m a i o r i a dos intérpretes, e que u m resul tado i g u a l nunca p o d e r i a ser o b t i d o por ou t ros m e i o s .
" O s atores do e l e n c o " , disse ele, " r e a l m e n t e a d o r a m a j u v e n t u d e e suas manifestações na peça. P o r que gastar t e m p o exp l i cando - lhes isso? E x p l i c a r o que é j u v e n t u d e aos q u e rea lmente são j ovens é o m e s m o que p e r f u m a r u m a f l o r c o m a água de c o l ó n i a " .
A c r e d i t o que , e m p r i n c í p i o , ele t i n h a razão e que a admirável e sponta neidade daqueles j ovens a tores era intocável.
Mas eu p e r g u n t o : p o r q u a n t o t e m p o o d i r e t o r p o d e r i a m a n t e r essa espontaneidade autêntica de t odos os seus intérpretes? Não es tar iam eles, a lgum d ia , cansados dessa alegria diária? A sua espontaneidade não c o r r e r i a o risco de s u c u m b i r sob o peso da obrigação de repet i r sempre a mesma a ç ã o ' E então , e m vez de u m a verdadeira c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l q u e era a chave do espetáculo , não f i c a r i a apenas a sua f o r m a cos tumei ra , b o n i t a mas
110 EUGÉNIO K U S N E T
f r ia (o que, aliás, aconteceu no fim da carreira da peça)? E , nesse caso, c o m o subs t i tu i r a espontaneidade autêntica, mas j á esgotada?
A resposta não se fez esperar. D u r a n t e u m curso organizado no t e a t r o " A q u a r i u s " para o elenco da peça " H a i r " e para vários atores de f o r a , eu propus ao grupo, c o m o exerc í c io de improv i sação , o t ema do in í c i o da peça ,
p r i m e i r o encontro de " h i p p i e s " e n q u a n t o a atr i z Mar ia He lena cantava " A q u a r i u s " .
Os atores deviam concentrar-se para a a ç ã o p o r me io de u m a " c a r t a " , — u m novo recurso que e x p l i c a r e i mais t a r d e , mas que, no f u n d o , é u m a improvisação dos antecedentes da ação c é n i c a e. p o r t a n t o representa u m a i l a s f a s e s da "Análise A t i v a " .
Cada ator , quando t e r m i n a v a a sua " c a r t a " , pod ia e n t r a r e m cena e começar a comunicar-se livremente c o m os seus amigos do g r u p o " h i p p y " desprezando até mesmo as marcações da f a m o s a cena de " câmara l e n t a " .
Uns v inte atores, não ocupados naque le t r a b a l h o , ficaram c o m o espectadores na plateia.
A concentração, ou seja, o processo de escrever as " c a r t a s " e a en t rada lenta, u m por u m , dos atores, l e v a r a m m u i t o t e m p o e chegaram a cansar os nossos espectadores.
Q u a n d o no palco reuniu-se a p r o x i m a d a m e n t e a metade dos p a r t i c i p a n -t e i , a ação ficou bastante an imada . Mas q u a n d o , finalmente, t o d o s os atores
m e o n t r a r a m em cena, eles chegaram a c r ia r u m ambiente de Suprema amizade e felicidade humana que se t r a n s f o r m o u em verdade i ra c o m u n i cação emoc iona l co let iva : havia risos, lágrimas e aplausos t a n t o na p late ia t o m o no palco.
E n o t e : não se tratava de u m t e m a n o v o , capaz de exc i tar a imaginação dos atores pela sua nov idade , e s i m de u m espetáculo em vias de meca-n l i i ç l o .
Isso nos demonstrou que a e s p o n t a n e i d a d e esgotada pode ser r e a d q u i rida através do trabalho c o m a "Aná l i se A t i v a " . Se o resul tado não f or tão per fe i to c o m o aquele que a n a t u r e z a p r o d u z através da espontaneidade autêntica do ator , pelo menos eíe será mais duradouro e menos sujeito a ilesgaste e mecanização, pois poderá ser s empre renovado consc i entemente e não dependerá da inspiração d o a t o r .
Para ver as causas reais disso, basta l embrar - se das par t i cu lar idades da " I nstalação", verificadas e c o n f i r m a d a s c i e n t i f i c a m e n t e .
1) A "Instalação" , o u usando o t e r m o d o m é t o d o de Stan is lavsk i , a " f é cénica" , é um estado psicofísico que nos possibilita a aceitação de uma tttuaçÒo e de objetivos alheios como se fossem nossos (veja o fim do primeiro capitulo).
A T O R E MÉTODO 1 1 1
2) A imaginação, — e p o r t a n t o , a espontaneidade, — é uma faculdade exercitável. A espontaneidade i n a t a pode ficar a t r o f i a d a por falta de e x e r c í cios, o u crescer e enriquecer-se pelos exercíc ios de imaginação c o n s t a n t e s que, em t e a t r o , sempre r e d u n d a m n o uso de " Insta lações" .
3) A " I n s t a l a ç ã o " (a " f é c é n i c a " ) , quando e laborada c o r r e t a m e n t e , é estável e fixa (veja o quarto capítulo). Isto quer dizer que ela p o d e ser repetida sem que a repetição p r e j u d i q u e sensivelmente a espontaneidade d o ator . A "Instalação" sobre situações imaginárias, c o m o ela é sempre e m teatro , cria, c o n f o r m e f o i p r o v a d o c i en t i f i camente , ilusões que perduram enquanto o indivíduo mantém a atitude ativa para com o imaginado.
P o r t a n t o , é evidente que a " A n á l i s e A t i v a " , c o n f i r m a d a c i e n t i f i c a m e n t e e aprovada na prática por ter d a d o excelentes resultados , deve ser usada e m nossos teatros . A m e u ver, a única coisa que dificulta o seu uso em larga escala é a falta de atores acostumados com a prática de improiisações.
N u m dos encontros que t i v e c o m nossa gente de t e a t r o , u m d i r e t o r m e p e r g u n t o u se eu acharia poss ível usar o m é t o d o de "Anál ise A t i v a " q u a n d o o prazo para a m o n t a g e m de u m a peça fosse m u i t o c u r t o , por e x e m p l o , u m mês. E u respondi que , se os a tores de seu elenco não tivessem prática de improvisação, seria u m a v e r d a d e i r a l oucura tentar a "Anál ise A t i v a " nessas condições , mas que, numas p o u c a s experiências feitas c o m atores b e m t r e i nados e m improvisações (embora de pouca prática em teatro profissional), fo i p rovado que u m a peça p o d e ser estreada c o m apenas u m mês de ensaios .
E m p a r t e , isso se e x p l i c a p e l o fa to de que as improvisações, além de indispensáveis no t r a b a l h o d o a t o r , r e d u n d a m n u m a real e c o n o m i a de t e m p o no t r a b a l h o do d i r e t o r , por várias razões entre as quais há as seguintes:
— p o r q u e o d i r e t o r , d u r a n t e as improvisações dos seus atores, f r e q u e n temente constata e corr ige possíveis erros de sua própria c o n c e p ç ã o d o t e x t o dramatúrgico, e laborada p r e v i a m e n t e , — ele gasta menos t e m p o e m seus estudos teór i cos :
— p o r q u e , d u r a n t e as improvisações , ele adquire ideias novas e m a i s nítidas sobre as futuras " m a r c a ç õ e s " , que às vezes p o d e m ser fixadas desde logo ;
— e, p r i n c i p a l m e n t e , p o r q u e o d i r e t o r o b t é m exemplos de " t e m p o -ritmo" c r iado espontaneamente que também pode ser selecionado e fixado na hora .
Mas a improvisação é u m " p a u de duas p o n t a s " . Ela pode trazer u m bem inestimável, c o m o t a m b é m pode causar grandes t rans to rnos , se não f o r usada r a c i o n a l m e n t e .
Na prática do uso dos " l a b o r a t ó r i o s " em nossos teatros houve m u i t o s casos q u a n d o os atores , e s t i m u l a d o s pelo d i r e t o r que lhes dava a l i b e r d a d e
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i l i m i t a d a para improvisar d e n t r o de u m tema r e l a t i v a m e n t e vago, conseguiam resultados impressionantes da vivência i n t e r i o r autênt ica d o personagem, nas suas mais agudas manifestações. A p a r e n t e m e n t e os atores a d q u i riam, através disso, u m mater ia l e m o c i o n a l de grande impor tânc ia para a interpretação do papel.
Mas quando , para f ixar os resultados o b t i d o s — o q u e , e v i d e n t e m e n t e era o o b j e t i v o essencial dos trabalhos — o d i r e t o r ped ia para r e p e t i r o i m p r o viso, os atores não conseguiam r e p r o d u z i r a déc ima parte d o r e s u l t a d o anterior. Isso frequentemente causava perp lex idade de par te a p a r t e , chegava a p r o d u z i r u m a decepção t o t a l e até o a b a n d o n o do m é t o d o de improvisação.
Q u a l seria a causa do insucesso d o a tor ao r e p e t i r o " l a b o r a t ó r i o " ? Por que ele não conseguia resultado igual o u , ao menos , s e m e l h a n t e ao da p r i meira vez?
É que na repetição desaparecia o f a t o r nov idade , surpresa . Na pr ime i ra vez o ator agia espontaneamente sob o e f e i t o da es t imula
ção sugestiva do d iretor e da incitação da sua própria imag inação que em nada f o i l i m i t a d a pelo d i re tor .
Mas na segunda vez, antes de repe t i r o " l a b o r a t ó r i o " a p e d i d o do d i re t o r , o a tor , em vez de se entregar n o v a m e n t e a u m a e x c i t a ç ã o inconsc i ente , encontrava-se diante de u m p r o b l e m a b e m consc iente : " C o m o é que vou repetir? O que é que vou fazer para f i x a r o resultado? E. aliás, q u a l f o i esse resultado? "
E a resposta não v inha, porque o a tor não conseguia restabelecer na memória as ações que lhe t i n h a m causado as sensações do p r i m e i r o i m p r o viso; porque ele, depois do p r i m e i r o " l a b o r a t ó r i o " , de ixava de fazer o mais i m p o r t a n t e : analisar friamente o resultado conseguido, c o n s t a t a r , selecionar e fixar os elementos de ação usados por ele i n t u i t i v a m e n t e d u r a n t e a i m p r o visação: o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " e as suas "v i sua l i zações " . Graças a in ter dependência da ação física e à ação m e n t a l , ele p o d e r i a n a repetição do " l a b o r a t ó r i o " , usar conscientemente o que de " p a l p á v e l " tivesse encont rado , na certeza de que a " a ç ã o i n t e r i o r " c o m as suas e m o ç õ e s vo l tar ia a u t o m a t i c a m e n t e durante a repetição, enr iquec ida a inda m a i s pelas novas descobertas. Lembrem-se do e x e m p l o da interdependênc ia desses dois aspectos da ação humana, n u m a cena de " O C a n t o da C o t o v i a " , que c i tamos no segundo capítulo.
Mui tas vezes o ator cria i n t u i t i v a m e n t e t o d o o " t e m p o - r i t m o " da cena que improv i sa , mas se ele e o d i r e t o r não se derem c o n t a d isso , a preciosa descoberta ficará esquecida.
Lembrem-se do maravi lhoso " t e m p o - r i t m o " do " D i á r i o de u m l o u c o " de N . Gogo l . Se os seus criadores, Ivan de A l b u q u e r q u e e R u b e n s Correa, não o tivessem f ixado fisicamente — c o m o eu p r o c u r e i d e m o n s t r a r no capít u l o anter i o r . — talvez o próprio espetáculo ter ia p e r d i d o g rande parte de
A T O R E M É T O D O 1 1 3
suas qualidades e, além disso, t e r i a ficado m a i s expos to ao risco de se ver u m d i a mecanizado . A c r e d i t o que o apo io s ó l i d o para o permanente frescor d a q u e l e espetáculo f o i o seu " t e m p o - r i t m o " e n c o n t r a d o i n t u i t i v a m e n t e , mas f i x a d o consc ientemente j u n t o aos o u t r o s e l e m e n t o s selecionados d u r a n t e os ensaios.
Nesse processo de p e r m a n e n t e seleção dos resultados da ação i m p r o v isada é que reside o v e r d a d e i r o va lo r da " A n á l i s e A t i v a " .
Nas recordações de M a r i a K n e b e l no seu l i v r o " A vida t o d a " e n c o n t r a m o s u m a admirável conc lusão que a a u t o r a t i r a de u m a conversa que ela, no seu t e m p o de aluna da escola-estúdio d o T e a t r o de A r t e , teve c o m a pro fes sora E. S. Telechova.
A professora lhe disse: " Improv i sação só pode se t o rnar f o r m a s u p r e m a de ar te t ea t ra l , se o a t e r conseguir e n q u a d r a r seu i m p r o v i s o sempre d e n t r o das "circunstâncias p r o p o s t a s " .
E depois, fa lando do a t o r genial M i k h a i l Tchekov , c o m q u e m M . K n e b e l estava estudando a n t e r i o r m e n t e , a pro fessora disse: " F o i b o m ele ter c o n t a g i a d o você c o m o espírito de improv i sação , mas o m a l é que você não a p r e n d e u a fazer o essencial: conservar o q u e v o c ê adquire através da i m p r o visação e saber usá-lo à sua v o n t a d e " .
Depois da criação espontânea da ação c én i ca , deve-se usar n o v a m e n t e o mais p u r o rac ioc ínio sobre os resultados conseguidos , para selecioná-los. r e j e i t a n d o os que este jam fora da lógica das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " e os que sejam de pouca eficiência o u importânc ia .
N o decorrer de m u i t o s t raba lhos f e i t o s p o r m i m j u n t o aos a lunos e atores constate i que a consc iênc ia da necessidade de selecionar os e lementos da ação improvisada n e m sempre é s u f i c i e n t e para levar o t raba lho a resultados satisfatórios. Para usar esses e l ementos novos c o m o máx imo p r o v e i t o nas improvisações subsequentes, é preciso saber usá-los com a mesma espontaneidade da improvisação anterior.
De que maneira pode o a t o r conseguir q u e a co l ocação consciente de fat ores racionalizados não p r e j u d i q u e a sua espontaneidade na próx ima improvisação?
E m p r i m e i r o lugar , p r o c u r e m o s c o m p r e e n d e r o que é que pode p r e j u d i c a r a espontaneidade nesse caso. É e x a t a m e n t e a tendência de usar os novos elementos conscientemente. Se o a t o r , d u r a n t e a improvisação, se l e m b r a r de repente que ele deve i n c l u i r este o u aquele e lemento , é c laro que , naque le m o m e n t o , desaparece o própr io esp í r i t o de improvisação, pois o a t o r , e m plena ação i m p r o v i s a d o r a , p r o c u r a racionalizá-la, o que, ev idente m e n t e , ex c lu i a própria improvisação .
Por isso, o ator n u n c a deve perder de v i s t a a necessidade de d i s t i n g u i r , d u r a n t e o t raba lho pe lo m é t o d o de "Anál i se A t i v a " , as duas fases que se usam a l ternadamente :
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1) Selecionar rac iona lmente os elementos da ação i m p r o v i s a d a . Esses elementos devem tomar f o r m a de " M o n ó l o g o I n t e r i o r " e de " V i s u a l i z a ç õ e s " do personagem, de cujo teor o a t o r pode t o m a r n o t a p o r escr i t o . P o r t a n t o , essa fase é puramente rac ional .
2) E m seguida, a par t i r d o início de u m a nova improv isação , o a tor deve dedicar-se unicamente ao " C o n t a t o " e à " C o m u n i c a ç ã o " c o m a ação cénica ora improvisada, isto é , prestar a máxima atenção ao que se passa e m cena, usando para isso os " C í r c u l o s de A t e n ç ã o " e a " V i s u a l i z a ç ã o das Falas" , c omentando e aval iando ininterruptamente t o d a a ação i m p r o v i s a d a pelos outros . Só assim o ator pode fazer f u n c i o n a r n o v a m e n t e a sua espon taneidade dentro das circunstâncias novas resultantes da seleção f e i t a .
Q u a n t o ao perigo de perder de vista os novos e lementos se lec ionados o ator não deve preocupar-se c o m isso, pois a própria n a t u r e z a se encarregará do processo de fazer ressurgir e m ação i m p r o v i s a d a , i n d e p e n d e n t e m e n t e de sua vontade , t u d o o que f o i gravado na sua mente através do r a c i o c í n i o . Se o ator realmente passou pelo treino no sentido de desenvolver a sua receptividade da ação dos outros, c o n f o r m e comentamos no in íc io deste c a p í t u l o , ele estará sempre p r o n t o para receber esse auxí l io de sua n a t u r e z a c r i a d o r a .
Possíveis pequenas falhas nesse processo, i s t o é, o d e s a p a r e c i m e n t o de u m o u o u t r o detalhe selecionado, não representa per igo a l g u m , p o i s nos comentários seriam constatadas e novamente sub l inhadas .
E m b o r a a seleção dos e lementos da ação i m p r o v i s a d a seja, n o r m a l mente , feita pelo d iretor e c o m u n i c a d a durante os comentár ios aos a tores , estes também podem e devem fazer a seleção por c o n t a própria . N ã o i m p o r ta que a escolha seja errada, d u r a n t e os comentár ios surgirá u m a discussão com o d i re tor e isso só poderá ser útil, pois o a t o r chegará à c o n c l u s ã o correta não por uma simples indicação do d i r e t o r , mas através da sua própria in i c ia t iva , o que certamente fixará o resultado na m e n t e do a t o r m a i s n a t u ra lmente .
A aplicação dos e lementos selecionados nas improvisações subsequentes exige m u i t a habil idade e prática do d i r e t o r que deve saber e n c a m i n h a r as improvisações sempre na direção certa, e s t imular a imaginação dos atores c o m sugestões oportunas , que p o d e m ser feitas em voz al ta d u r a n t e a ação improvisada. A o intercalar as suas réplicas, o d i r e t o r não deve ter m e d o de " d e s t r u i r o estado emoc ional do a t o r " . Para m a i o r eficiência desse t r a b a l h o , o d i re tor pode, inclusive t o m a r parte na ação i m p r o v i s a d a c o m o u m personagem imaginário aux i l iar , não existente na peça. Os atores , p o r sua vez, devem acostumar-se c o m as intervenções do d i r e t o r , p r o c u r a n d o aceitá-las com a maior natural idade, c o m o se elas fizessem parte n o r m a l da i m p r o visação.
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D u r a n t e os comentários que n o r m a l m e n t e são f e i t o s depois de cada " l a b o r a t ó r i o " , o d i r e t o r , para j u s t i f i c a r suas críticas às falhas de lógica c o m e t i d a s pe los atores, ou para t o r n a r mais claras as indicações que lhes da sobre os n o v o s e lementos de ação , lê u m d e t e r m i n a d o t r e c h o da cena corresp o n d e n t e e, e m seguida, comenta-a .
C o m isso, ele não somente corr ige as falhas e i n d i c a o caminho c e r t o , c o m o t a m b é m faz c o m que os atores ass imi lem, cada vez mais , o t e x t o da peça e o r e t e n h a m na memória a u t o m a t i c a m e n t e . D e s t a mane ira o diálogo i m p r o v i s a d o p o u c o a pouco é substituído pelo t e x t o e x a t o da peça.
Nas poucas experiências e m que a "Anál ise A t i v a " f o i usada co r re ta -m e n t e , os a tores nunca precisaram decorar o t e x t o , ele se fixava na memória impercept ível m e n t e .
A o s l e i t o r e s que duv idarem disso gostaria de c o n t a r u m dos casos que f r e q u e n t e m e n t e acontec iam nas minhas experiências c o m os nossos atores.
A o t r a b a l h a r c o m u m d e t e r m i n a d o g rupo de a tores , usamos como m a t e rial para os nossos estudos o t e x t o de "Os Pequenos Burgueses " . A i m p r o v i sação da cena de Helena c o m Têterev no 3 . ° a t o f o i r e p e t i d a muitas vezes pelos m e s m o s intérpretes. As improvisações sempre f o r a m comentadas antes de serem repe t idas .
N u m a c e r t a a l t u r a , no tamos que d u r a n t e a improv isação muitas falas f i c a r a m idênticas às do t e x t o de G o r k i .
C o m o a c o n t e c e u isso, se a a t r i z fazia questão de não m e m o r i z a r o t e x t o , e s im sempre e un i camente improvisá-lo? Não p o d i a tê - lo m e m o r i z a d o i n v o l u n t a r i a m e n t e ? F o i exatamente o que aconteceu , p o r q u e durante os c o m e n tários nós c i távamos vários detalhes do t e x t o o r i g i n a l p a r a corr ig i r os erros de lógica c o m e t i d o s durante a improvisação. Se, p o r e x e m p l o , na cena i m p r o v i s a d a n ã o sentíamos a f e m i n i l i d a d e de H e l e n a , apontávamos à atr i z essa omissão e, para j u s t i f i c a r a nossa crítica, c i távamos as falas c omo : "E les a d o r a v a m os passarinhos, como adoravam a mim também . . . " , o u : " E u me vestia, s ó para agradá-los, da mane ira mais v istosa poss íve l . . . " Essas c i t a ções e r a m tão o p o r t u n a s e interessavam t a n t o a a t r i z q u e se fixavam na sua memória m u i t o mais fac i lmente do que através da " d e c o r a ç ã o " .
É e v i d e n t e a enorme vantagem desse processo. A assimilação pau la t ina do t e x t o da peça e l imina o m a i o r m a l do processo de decorar o pape l : a aceitação obrigatória de um texto em cuja criação o ator nunca tomou parte.
N o processo de assimilação p a u l a t i n a o a t o r aceita as correções do t e x t o por ele i m p r o v i s a d o , pouco a p o u c o , não por i m p o s i ç ã o , mas em sucessivas discussões depo is de cada improvisação, cedendo à lógica e â qualidade d o t e x t o da peça .
Através desse processo o a tor chega à sensação de ser o co-autor do t e x t o e, por isso, o aceita como se fosse dele própr io .
116 E U G Ê N I O K U S N E T
Se no iníc io dos trabalhos é aconselhável evitar detalhes das " c i r c u n s tâncias propostas" para não d e i x a r de ver a peça " d u v o l d ' o i s e a u " , é prec iso não esquecer que a colocação paulatina desses detalhes é inevitável e necessária. Os atores devem pouco a p o u c o c o m e ç a r a t o m a r c o n h e c i m e n t o t a n t o dos diálogos c omo das ações físicas exatas .
O b o m ou o mau te rmo desse processo de conhec imentos e assimilações paulat inos dos elementos obr igatór ios da peça (texto, movimentos, ambiente, costumes, etc.) depende i n t e i r a m e n t e da sensibi l idade d o d i r e t o r : apressando demais esse processo, ele p r e j u d i c a a improvisação, p o r q u e ao i n t r o d u z i r antes do t empo m u i t o s deta lhes obrigatórios, t o l h e c o m isso a l iberdade da ação do a tor ; mas, a t r a s a n d o - o , perde t e m p o , v i c i a seus atores e m improvisações gratuitas e i m p r o d u t i v a s e reduz o seu interesse p e l o t raba lho .
Esse último fator , — o p e r m a n e n t e interesse dos atores pe l o processo d o t raba lho , — talvez possa servir de cr i tér io para o d i r e t o r . N o t a n d o alguns sinais de tédio, — a falta de atenção espontânea e de cur ios idade , — o d i r e t o r talvez deva acelerar a co locação dos deta lhes .
E preciso levar em consideração a n a t u r a l impaciência dos atores n o sentido de querer exper imentar , q u a n t o antes, os resultados o b t i d o s nas improvisações diretamente sobre o t e x t o da peça.
É preciso explicar aos atores que , se a tentação os levar a e x p e r i m e n t a r isso em casa, eles porão em risco o b o m andamento do seu t r a b a l h o nos ensaios, porque , fazendo a experiência sem contro le a lhe io , eles c e r t a m e n t e prestarão atenção quase exclusivamente ao resultado emocional do trabalho (é tão conhecido esse vício do ator!) e poderão chegar à verdadeira adoração dos seus próprios sentimentos. C o m isso, é evidente, eles porão e m per igo toda a necessária lógica e acabarão t o m a n d o por base de t r a b a l h o e l ementos completamente errados.
Até aqui , em traços gerais, p r o c u r a m o s expor a ideia de c o m o deve ser processada a "Análise A t i v a " de u m a peça .
E evidente que seria u m a b s u r d o estabelecer c o m precisão a o r d e m cronológica em que devem ser usadas as etapas do t r a b a l h o . O b o m senso e a prática devem sugerir ao d i r e t o r as alterações dessa o r d e m , de acordo c o m as particularidades do seu eventual t r a b a l h o : o nível e a experiência do e lenco , a natureza da peça, o prazo des ignado para os ensaios, etc.
Resta-nos acrescentar que , q u a n d o falamos do uso dos " l a b o r a t ó r i o s " no processo de analisar as "c ircunstâncias propostas" , é ev idente que não nos reterimos apenas aos " l a b o r a t ó r i o s " sobre as ações constantes do t e x t o da peça. E de enorme importância submeter ao mesmo processo as ações ' extra-cênicas", a começar pela b i o g r a f i a dos personagens e ao t e r m i n a r pela " a ç ã o a n t e r i o r " de cada cena.
A T O R E MÉTODO ^yj
F e l i z m e n t e , o uso de u m e lemento novo l evou-me casualmente a u m a série de experiências b a s t a n t e detalhadas e de ixou -me u m m a t e r i a l c o n s i derável que me parece úti l para resolver o p r o b l e m a de improvisações sobre os temas das ações " e x t r a - c ê n i c a s " .
E este m é t o d o que eu p r e t e n d o expor no p r ó x i m o cap í tu lo .
NONO CAPITULO
N u m determinado p e r í o d o d o t r a b a l h o c o m u m grupo de atores, c o m e cei a prestar atenção a u m recurso q u e , a n t e r i o r m e n t e , só usava c o m o u m dos exercíc ios de imaginação. Nesse e x e r c í c i o o a l u n o escrevia u m a car ta imaginária, isto é, ele não usava n o processo de escrever objetos reais, c o m o papel , caneta, etc. todos esses acessórios e r a m imaginários. (Ve ja o t e r c e i r o cap í tu lo ) .
Resolvi , pois, exper imentar esse e x e r c í c i o c o m o u m possível recurso para a chamada " c o n c e n t r a ç ã o " , o u seja, a preparação m e n t a l para a ação cénica.
Os meios de concentração que até agora estão sendo usados e m nosso teatro f requentemente são m u i t o de f i c i en tes . D i z e m ao a t o r : " A n t e s de entrar e m cena, procure c o n c e n t r a r - s e " . " D e que maneira? " , p e r g u n t a o ator . " O r a . pense como se você fosse o p e r s o n a g e m ! " E o pobre do a t o r senta-se n u m canto do palco, fecha os o l h o s , tapa os ouvidos ( c o m isso ele procura isolar-se do ambiente em que está sendo feito o trabalho) e, c o m todos os músculos contraídos n u m e s f o r ç o m á x i m o de " s e n t i r o person a g e m " , c omeça a pensar.
E óbvio que o resultado dessa " c o n c e n t r a ç ã o " não pode ser p o s i t i v o . O ator , nesse caso, procura exercer apenas a ação m e n t a l , — a de pensar — e x c l u i n d o propos i ta lmente t oda e q u a l q u e r a t i v idade física. O r a , é p r o v a d o c i ent i f i camente que " a at iv idade m o t o r a d o su j e i t o é de considerável i m p o r tância na elaboração da sua a t i t u d e a t iva para c o m o i m a g i n a d o " . [R. C. Nastacbe. Veja o q u a r t o cap í tu lo ) .
E preciso, pois dar ao a t o r a poss ib i l idade de usar o m í n i m o necessário de at iv idade física durante a sua c o n c e n t r a ç ã o . E preciso achar u m processo em que se possa reunir o p e n s a m e n t o l i v r e , não cons t rang ido pelo a m b i e n t e em que o ator trabalha, e a ação física i g u a l m e n t e l i v r e .
Nos nossos trabalhos, n o r m a l m e n t e , antes de começar a improvisação de u m a determinada cena, faz íamos " l a b o r a t ó r i o s " sobre a ação " e x t r a -cênica" , ou seja, a ação precedente . Nesse caso não havia necessidade de nenhuma concentração especial, pois o p rópr i o " l a b o r a t ó r i o " t raz ia em si os elementos necessários.
Mas f requentemente as circunstâncias d o t r a b a l h o ou as par t i cu lar idades do mater ia l dramatúrgico (cenas curtas de dois personagens, monólogos, etc.) obr igavam o ator a fazer o seu " l a b o r a t ó r i o " soz inho , o que ev iden-
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temente , era m u i t o mais di f íc i l d o que improv i sar e m c o m p a n h i a de seus colegas.
Nessas cond i ções , alguns a tores executavam a ação preparatória m e n t a l m e n t e , acrescentando apenas a lguns gestos e m o v i m e n t o s ; o u t r o s " p e n s a v a m em voz a l t a " ; o u t r o s a inda sa íam d o palco para fazer seus " l a b o r a t ó r i o s " i so ladamente .
De mane i ra geral , n o t á v a m o s que a m a i o r i a dos atores e n c o n t r a v a grande d i f i cu ldade e m se c o n c e n t r a r por esses meios . Eles não consegu iam abstrair-se d o ambiente e m que se encontravam. T a m b é m faltava-lhes u m apoio f ís ico seguro e l ó g i c o para a sua ação m e n t a l .
Mas não f o i p o r acaso que d e s c o b r i esse apoio no exer c í c i o de "escrever cartas" . E m vários cursos meus , quando a " c a r t a " era usada c o m o u m simples exerc í c i o de imaginação, e u observava c o m m u i t a admiração e c u r i o sidade o c o m p o r t a m e n t o dos a l u n o s e n q u a n t o eles " e s c r e v i a m " . T o d o s eles, c om a rara exceção de pessoas c o m p l e t a m e n t e desprovidas de imaginação, depois de preparar o t e m a da " c a r t a " e a p a r t i r do m o m e n t o de " e s c rever " a pr imeira palavra, conseguiam s e m es forço a lgum abstrair-se t o t a l m e n t e d o ambiente e m que se e n c o n t r a v a m e dedicar-se i n t e i r a m e n t e à sua tare fa sem o m í n i m o c o n s t r a n g i m e n t o . H a v i a alunos que "escrev iam a c a r t a " d u r a n t e vinte m i n u t o s sempre c o m a m e s m a seriedade de u m a ação real , às vezes grave, às vezes alegre, mas s e m p r e acompanhada de pequenos gestos e expressões fisionómicas m u i t o espontâneas. L e m b r o - m e de u m a l u n o que no meio da " c a r t a " i n e s p e r a d a m e n t e p r o r r o m p e u em lágrimas e so luços q u e não conseguia d o m i n a r , e m b o r a fizesse u m grande es f o r ço : ele escondia o rosto e virava as costas à plateia.
E note — no m e i o dos o u v i n t e s dos meus cursos f r e q u e n t e m e n t e h a v i a gente sem a mínima experiência t e a t r a l e, mesmo assim, era admirável ver todos eles fazerem a cena c o m espontaneidade e expressividade de grandes atores, ou então de autênticas crianças.
Depois de constatar esses e f e i t o s inesperados, p r o c u r e i s u b s t i t u i r a c o n centração m e n t a l pe lo processo de escrever cartas, e desta vez não i m a g i nárias, mas s i m cartas r e a l m e n t e escritas a lápis e sobre u m papel real.
A prática d e m o n s t r o u mais t a r d e que esse recurso rea lmente oferece ao ator a possibi l idade de agir s o z i n h o , durante o t r a b a l h o preparatório, n u m a atmosfera de espontaneidade , p o i s n o processo de escrever não há nada q u e possa i m p e d i r a sua c o n c e n t r a ç ã o e t o l h e r a sua Uberdade de ação. Nesse processo o a t o r rea lmente consegue abstrair-se do ambiente em que se encontra .
O u t r o f a t o r de indiscutível u t i l i d a d e é a própria natureza de todas as cartas em geral. U m a carta n u n c a é u m m o n ó l o g o , e s im u m diálogo i m a g i nário c o m o destinatário. A pessoa que escreve sempre supõe esta ou a q u e l a reação do destinatário ao t eor da c a r t a e prat i camente responde de a n t e m ã o
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a essas supostas reações. M u i t o i m p o r t a n t e t a m b é m é o f a t o de que o a t o r , nessa f o r m a de concentração, não d e i x a de agir f i s i c a m e n t e : ele escreve. Da í a organicidade desse processo n o t r a b a l h o d o a t o r .
C o m p a r e m isso c o m a c h a m a d a " c o n c e n t r a ç ã o m e n t a l " . O ator , e m estado de passividade física t o t a l , d istraído pelo que acontece em seu redor , deve imaginar o diálogo, deve dialogar m e n t a l m e n t e c o m u m a pessoa ausente. E evidente que isso é m u i t o difícil para os a tores p o u c o treinados e m improvisações.
O l e i t o r já deve ter c o m p r e e n d i d o que o processo de escrever cartas é u m a das formas de improvisação sobre u m tema . Mas o que i m p o r t a é o f a t o de que, devido à organicidade dessa f o r m a , o a t o r e n c o n t r a mais faci l idade em a d q u i r i r a " f é cénica" na real idade da ação que se lhe p ropõe , ou e m outras palavras ele chega mais f a c i l m e n t e a e laborar u m a " insta lação" .
Por isso, não é apenas para o e fe i to de c o n c e n t r a ç ã o que se deve usar esse recurso. Sendo u m a das formas de improv isação , ele deve fazer parte dos trabalhos pelo método da "Anál ise A t i v a " . De i n í c i o , ele ocupa nela o seguinte lugar: depois da l e i t u r a de u m a d e t e r m i n a d a cena, os atores d o elenco, c omo sempre, são conv idados a narrá-la a f i m de restabelecer na memória o seu " r o t e i r o dos fatos a t i v a n t e s " , a s i tuação e m que se encontra o personagem e os seus objet ivos . Depois disso, e antes de passar à i m p r o visação, os atores escrevem a carta .
Mais tarde daremos exemplos desse processo e da sua aplicação em outras etapas do trabalho , mas agora cabe-nos, para m a i o r clareza, exp l i car o que é o mais i m p o r t a n t e no in íc io d o uso desse r e c u r s o . E a escolha d o destinatário da carta. Ele deve ser u m a pessoa que , p o r sua natureza, possa m o t i v a r a absoluta franqueza na e x p o s i ç ã o , por m e i o d a carta , de todos os problemas do personagem. Esta é a escolha c o r r e t a p a r a muitas situações cénicas simples. Mas. ev identemente , haverá m u i t a s e x c e ç õ e s em que, pela lógica de situações contraditórias, o a t o r será o b r i g a d o a escolher u m c a m i nho d iametra lmente oposto , escrevendo talvez a u m i n i m i g o a q u e m deverá i l u d i r por meio de mentiras conscientes . A escolha f i n a l , f requentemente mesclada. — dependerá da lógica das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " , do m a t e r i a l dramatúrgico. Nas experiências que c i taremos mais ta rde o l e i t o r verá alguns exemplos dessas situações.
Por tanto , a escolha do destinatário da carta deve ser feita cuidadosamente . U m erro de lógica pode causar t r a n s t o r n o s e perda de t empo no t raba lho .
A improvisação da cena deve ser fe i ta i m e d i a t a m e n t e depois do término da carta, pois u m intervalo grande pode r o m p e r a i n t e g r i d a d e da l inha de ação conseguida durante o processo de escrever a car ta . Mas , para reforçar o e fe i to da carta sobre a próxima improvisação da cena, o d i r e t o r , que, evidentemente deve estar a par do sent ido geral da car ta , pois o t ema f o i e laborado
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de c o m u m acordo entre ele e o a t o r , — o d i r e t o r pode improvisar o papel d o destinatário que, depois de receber e ler a c a r t a , vem para ped ir esclarecim e n t o s verbais.
U m erro c o m u m que os atores c o m e t e m ao escrever suas pr ime i ras cartas é de reler e de c o r r i g i r o t e x t o e s c r i t o , antes de começar a i m p r o v i s a ç ã o . E ó b v i o que c o m isso o a t o r arr isca d e s t r u i r a espontaneidade a d q u i r i d a através da car ta : em vez de entregar-se à improv isação sob o e f e i t o da car ta , o a t o r c o m e ç a a rac ioc inar e a c r i t i c a r a sua ação improvisada na carta . Mais t a r d e , depois da improvisação da cena, ele p o d e r á e mesmo deverá rac ioc inar t a n t o sobre o c o n t e ú d o da c a r t a , c o m o t a m b é m sobre os detalhes da i m p r o visação, para selecionar e l ementos úteis, c o n f o r m e dissemos no cap í tu lo a n t e r i o r , mas não deve fazer isso n o d e c o r r e r desse t raba lho espec í f i co , i n t e r r o m p e n d o a improv isação ,que é u m a t o subconsciente c o m rac ioc ín io , u m a t o consc iente .
A l é m das experiências nas aulas c o m vários grupos de atores , t ivemos a o p o r t u n i d a d e de e x p e r i m e n t a r a " c a r t a " na prática de u m t e a t r o pro f i s s i o n a l , tentando , , a t í tulo de exper iênc ia , c o r r i g i r algamas falhas e vencer a lgumas d i f i cu ldades persistentes na representação de u m a peça em cartaz .
U m dos atores d o elenco, f a l a n d o de u m a cena sua, disse que a detestava e e m todos os espetáculos t i n h a " v o n t a d e de vê-la pelas costas" e, e m b o r a compreendesse a sua importânc ia na p e ç a , nada conseguia fazer.
Depois de c o m e n t a r n o v a m e n t e c o m ele a situação e estabelecer os o b j e t i v o s do personagem, p r o p u s que ele escrevesse u m a carta . L o g o surg iu o p r i m e i r o p r o b l e m a : a q u e m dever ia ele escrevê-la? E que o p r i n c i p a l o b j e t i v o d o personagem era bastante c o m p l i c a d o . Tratava-se de u m a a r t i m a n h a c u j o segredo não p o d i a ser reve lado a n e n h u m dos personagens da peça . T i v e m o s pois , que i n v e n t a r u m " a m i g o d o p e i t o " a q u e m o h o m e m pudesse c o n f i a r o segredo e, s o b r e t u d o , p e d i r conse lhos , v is to que o seu p l a n o de ação era arriscado e ex ig ia m u i t o r a c i o c í n i o , sangue f r i o e capacidade de fingir b e m a situação engendrada . A esco lha d o hipotét ico amigo l e v o u a l g u m t e m p o , porque o a t o r p r o c u r o u ava l iar todos os riscos de c o n f i a r o seu segredo a esta ou aquela pessoa.
U m a vez dec idida a escolha, o a t o r r e c a p i t u l o u a situação e os o b j e t i v o s : 1) Q u e r o esmagar aquele s u j e i t o . Para p o d e r vingar-me dele, precise
cr iar u m a t r a m a b e m engenhosa para que n inguém possa adivinhá-la antes e descobr i r o seu a u t o r depois da e x e c u ç ã o d o p l a n o . V o u submeter o m e u p l a n o à opinião do m e u amigo .
2) V o u pedir que ele me diga se não acha os riscos demasiados e se, na sua op in ião , valeria a pena arriscar .
F o i a p r o x i m a d a m e n t e nessa base q u e o a t o r escreveu a car ta . Q u a n d o ele a t e r m i n o u , eu l o g o e n t r e i n u m d iá logo i m p r o v i s a d o c o m ele. na q u a l i dade de destinatário, sobre o assunto da c a r t a .
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U m trecho da cena em questão f o i representado l ogo e m seguida ( £ óbvio que o texto não pôde ser improvisado por ter sido decorado pelo ator e repetido em muitos espetáculos).
E m resultado desse t raba lho , o a t o r disse que não somente e n c o n t r o u resposta a muitas das suas dúvidas, c o m o também percebeu o c o m p l i c a d o e contraditório estado emoc ional d o personagem, o que d e s p e r t o u nele u m grande interesse pela cena.
O u t r o s atores do elenco também e x p e r i m e n t a r a m d u r a n t e as aulas o e fe i to desse recurso, usando para esse f i m i g u a l m e n t e as cenas da peça.
' A p l i c a n d o os resultados obt idos ao seu t r a b a l h o c o t i d i a n o , nos espetáculos , t i v e r a m a impressão de terem me lhorado a sua interpretação.
Não se tratava de t raba lho c o m o f i m espec í f i co de c o r r i g i r o espetácu lo , e s im de meras experiências demonstrat ivas para f a m i l i a r i z a r os atores c o m esse novo recurso, mas mesmo assim constatamos mais u m a vez a sua u t i l i d a d e prática, pois, como já dissemos, o processo de escrever u m a carta em nome do personagem também é u m a improvisação l i v r e d e n t r o das "circunstâncias propostas" . Falta- lhe , ev identemente , a ação f ísica da cena, mas é exatamente isso que se c omple ta , l ogo em seguida, pela improv isação t o t a l da cena por meio da "Análise A t i v a " .
Há mais u m a vantagem no uso da carta antes de e n t r a r na improv isação da cena. M u i t o s atores não possuem o d o m do i m p r o v i s o , o u e n t ã o i g n o r a m a sua capacidade de improvisar , pois m u i t o s dos nossos atores n u n c a t i v e r a m c o n t a t o c o m esse m é t o d o . Seja c omo for , a o b r i g a t o r i e d a d e da improv isação nesse t raba lho os constrange de antemão: "Será que v o u me e x p o r ao ridículo? " E n t r a n d o com esse pensamento n o t r a b a l h o da "Aná l i se A t i v a " eles se c o n d e n a m a u m fracasso inevitável.
C o m p a r e m isso c o m o conv i te de apenas escrever u m a c a r t a . Ninguém obr iga o ator a coisa alguma, ninguém o corr ige , n e m o c r i t i c a d u r a n t e o t r a b a l h o , ele sente-se isolado até dos olhares curiosos dos colegas e c o m p l e tamente l ivre na sua criação. E c o m esse espírito de e spontane idade que ele entra em seguida, na improvisação da "Anál ise A t i v a " já p r e p a r a d o para esse t raba lho pela improvisação da carta.
C o m o exemplo mais concreto do uso desse recurso , q u e r o c o n t a r c o m o fo i f e i t o por u m grupo de atores o t r a b a l h o c o m a cena de T a t i a n a e Têterev , no f i m do segundo ato de "Os Pequenos Burgueses" de M . G o r k i . P r o c u r a r e i exempl i f i car não somente os bons resultados o b t i d o s , mas t a m b é m alguns verdadeiros fracassos, e tentare i expl icar o que os causou.
Eis o t e x t o que usamos para os nossos exerc í c ios .
T Ê T E R E V — (De repente nota a figura de Tatiana no canto da sala). Q u e m está aí?
T A T I A N A - Sou eu . . .
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T Ê T E R E V - V o c ê ? H u m . . . t ive a impressão q u e . . . T A T I A N A — Não , sou eu . . . T Ê T E R E V — C o m p r e e n d o . Mas por quê é que v o c ê está aqui? T A T I A N A - (Baixo, mas com clareza e precisão). Porque eu não t e n h o
n e m c o m q u ê , nem para quê v iver . (Têterev dirige-se para ela com passos tranquilos e em silêncio) E eu não sei p o r q u ê e s t ou cansada, por que s i n t o t a n t a angústia, você compreende . . . U m a angústia que quase chega a u m h o r r o r . T e n h o v in te e o i t o anos e t e n h o v e r g o n h a . . . vergonha de me sent i r tão f raca . . . tão inex i s tente . D e n t r o de m i m está t u d o vazio . . . T u d o secou, a r d e u , ardeu t u d o . E u s i n t o . E u s i n t o isso. F o i acontecendo p o u c o a p o u c o , f o i crescendo . . . u m vaz io . Mas p o r q u e é que estou lhe d i z e n d o t u d o isso?
T Ê T E R E V — Não en tendo . . . es tou m u i t o , m u i t o b ê b a d o . Não e n t e n do nada , n a d a . . .
T A T I A N A — Ninguém me fala c o m o eu q u e r o . . . E u t i n h a esperança que ele c o m e ç a s s e a falar . . . Esperava m u i t o t e m p o , esperava em silêncio. Mas essa v i d a . . . essas brigas . . . essa m e s q u i n h a r i a . . . essa vulgaridade . . . t u d o me esmagou. Insensivelmente . M e esmagou . E eu não t e n h o mais forças para v i v e r . E m m i m até o m e u desespero é i m p o t e n t e . . . Es tou c o m e ç a n d o a sent i r o h o r r o r . Agora , neste m o m e n t o , eu s i n t o h o r r o r .
A r u b r i c a do autor antes d o m o n ó l o g o de T a t i a n a : " B A I X O , M A S C O M C L A R E Z A E P R E C I S Ã O " , l evou o d i r e t o r da peça à ideia de que, d u r a n t e o seu m o n ó l o g o , Tat iana não p o d i a e x t e r i o r i z a r as e m o ç õ e s naturais para u m a situação dramática c o m o aquela . Por isso ele d e c i d i u que t o d o o m o n ó l o g o devia ser d i t o em " t o m b r a n c o " , a p a r e n t e m e n t e inexpress ivo . A c e i t a m o s i n t e i r a m e n t e essa ideia para o nosso e x e r c í c i o e p r o c u r a m o s justificá-la na nossa análise.
Através de u m rápido rac i o c ín io chegamos à c o n c l u s ã o de que o " t o m b r a n c o " de T a t i a n a só poder ia ser r e s u l t a d o de u m a contradição . Por u m lado , assombrada pela not íc ia que acabou de o u v i r , anunc iada pelo própr io N i l , sobre o seu casamento p r ó x i m o c o m Pol ia , ela c e r t a m e n t e passou p o r m u i t o s m o m e n t o s de t o r t u r a de c iúme , de d o r , ta lvez p o r u m acesso de cólera, de ó d i o . Por o u t r o l a d o , l ogo em seguida , ela chegou à decisão de suicidar-se. Para poder aceitar a m o r t e c o m o a única saída certa, ela p r o c u r o u c o n v e n c e r a si própria da i n u t i l i d a d e de t u d o na v i d a , inclusive d o seu a m o r a N i l , e chegou a acreditar nisso.
N ã o v o u entrar e m todos os detalhes p s i c o l ó g i c o s da cena (por exemplo, teria sido ela sincera na sua decisão de morrer, se acabou tomando um veneno tão fraco? ) , porque a nossa intenção f o i apenas e x p e r i m e n t a r o recurso " c a r t a " sobre u m a situação contraditór ia : " M i n h a dec isão de morrer é i r r e vogáve l " , e ao mesmo t e m p o : " A h , se eu pudesse v iver e ser feliz c o m N i l ! "
124 E U G Ê N I O K U S N E T
Ass im chegamos à conc lusão de q u e a intérprete d o pape l deveria p r o curar acreditar (adquirir a "fé cénica") n o que acabou a c r e d i t a n d o T a t i a n a , ou seja, na sua indiferença para c o m as causas que a l e v a r i a m ao su i c íd i o . Isso obr igar ia a atriz a aceitar a existência simultânea das duas sensações de T a t i a n a , d iametralmente opostas : ela constatar ia a p r o f u n d i d a d e d o seu s o f r i m e n t o , mas instantaneamente reagir ia re je i tando a sensação, negando-a com inesperada facilidade " p o r q u e j á estaria m o r t a ! " P r e d o m i n a n d o esta última sensação, Tat iana va i fa lar n u m " t o m b r a n c o " através d o q u a l o espectador não poderá deixar de s e n t i r o seu s o f r i m e n t o recalcado .
£ completamente impossível realizar conscientemente s ituações c o m o essa, de grandes conf l i tos i n t e r i o r e s , c o m todas as suas contrad i ções . Elas só se rea l izam subconscientemente, através de u m a " ins ta lação" . R e c o r r e n d o a uma carta , procuramos chegar a e laborar u m a " ins ta lação" adequada.
U m a vez estabelecida a lógica da situação, u m a das o u v i n t e s d o curso designada para esse trabalho , escreveu a sua carta. C o m o destinatário ela escolheu " u m amigo de infância que se suicidara havia vários a n o s " . Essa inesperada escolha pareceu-me m u i t o c e r t a porque ajudava a atr i z a a c r e d i t a r no seu "desl igamento da v i d a " .
C o m o vêm, t u d o parecia favorecer o p róx imo t r a b a l h o da a t r i z : u m a boa análise lógica com alguns detalhes m u i t o úteis. E e n t r e t a n t o . . .
Logo depois de terminar a c a r t a , a a t r i z passou à improvisação d o seu m o n ó l o g o . Qual não f o i a nossa surpresa q u a n d o , em vez d o " t o m b r a n c o " , assistimos a uma cena melodramática na qua l , por p o u c o , não f a l t a r a m lágrimas e soluços.
Por que aconteceu isso? E n c o n t r a m o s a expl icação na própria c a r t a , nos trechos que c i t o abaixo,
" B r e v e estarei aí j u n t o de v o c ê que d e i x o u este m u n d o t r i s t e , des t ru ído e escolheu o caminho que agora é o ú n i c o que eu t enho . . . "
" . . . minha última esperança, o Nil ( G r i f o m e u . E. K . ) va i casar-se c o m P o l i a . . . "
" . . . Ele era a minlia única saída, a única p o r t a . . . "
" . . . Quinhentas vezes pensei ne le , como iria beijá-lo, abraçá-lo e matar todo esse desejo . . . E ele vai casar-se c o m a Polia . . . "
V e j a m quantas lamentações e q u e i x a s ! E n e n h u m a palavra a favor da sua " indi ferença" , do seu desejo da " p a z na m o r t e " ! A contrad i ção prev i s ta na análise lógica não fez parte da c a r t a . E claro que, nessas c o n d i ç õ e s , a pieguice que se p r o d u z i u f o i inevitável.
Por que aconteceu isso, e m b o r a a a t r i z , — por s inal , m u i t o i n t e l i g e n t e , — tivesse f e i t o uma análise tão clara?
E que mui tos dos nossos j ovens colegas, sent imenta is p o r n a t u r e z a , adoram " so f r imentos e lágrimas d o p e r s o n a g e m " e, q u a n d o entregues à sua
A T O R E MÉTODO 125
l i v r e inspiração, o que sempre acontece no processo de "escrever a c a r t a " , p e r d e m o r a c i o c í n i o p o r q u e i n s t i n t i v a m e n t e q u e r e m conservar esse b r i n q u e d o tão q u e r i d o , o s e n t i m e n t a l i s m o .
Cabe agora sa l i entar n o v a m e n t e a vantagem desse recurso : se essa i m p r o visação fosse f e i t a sem o u s o prévio da carta r ea lmente escr i ta , c o m e t e n d o a a t r i z o m e s m o e r r o , n ó s , para descobrir as suas causas, ter íamos q u e e x a m i nar t o d o o seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " restabelecido v e r b a l m e n t e , o q u e c e r t a m e n t e seria m u i t o d i f í c i l , po is a a t r i z teria d i f i c u l d a d e e m restabelecê- lo c o m precisão.
Depo i s de c o m p r e e n d e r o seu erro , a a t r i z v o l t o u a escrever. Dessa segunda carta d o u a b a i x o a lguns trechos escolhidos .
" M e u a m i g o , o ú n i c o de q u e m preciso, l o g o v o u estar c o m você . Vai ser tão bom. É o ú n i c o c a m i n h o . Não que eu esteja me lamentando. O h , não ! . . . ( G r i f o s meus. E. K . )
" . . . quase pensei q u e N i l fosse i m p o r t a n t e na m i n h a v i d a , mas n ã o , não é importante nem ele e nem Polia . . . "
" . . . o B ê b a d o não interessa , as coisas que ele diz só servem para os desesperados, não é o meu caso . . . "
" . . . G o s t a r i a de c o n t a r p o r que eu resolvi i r . . . mas não. Bobagem." " . . . £ inexplicável. . . eu estou tranquila, não é verdade ? . . . "
N o t e m c o m o d e n t r o d a improvisação dessa car ta , absolutamente espontânea, — a a t r i z não p a r o u u m a vez sequer para pensar sobre o q u e estava escrevendo, — aparece c l a r a m e n t e a contradição da personagem. E l a f o r ça a indiferença para c o m o seu d r a m a e a sua m o r t e p róx ima (frases grifadas) e, s i m u l t a n e a m e n t e , s u r g e m fragmentos que r e f l e t e m a real idade de sua situação:
" . . . quase pensei que N i l fosse i m p o r t a n t e . . . " , ou " . . . gostar ia de c o n t a r p o r que resolvi i r . . . " , e para f i n a l i z a r u m a
verdadeira fusão desses do i s estados emocionais : " E inexplicável . . . eu estou tranquila, não é verdade? "
Desta vez, a improv i sação da cena f o i m u i t o d i f e r e n t e . A atr i z c o n s e g u i u aquele c o n t e ú d o dramát i co o c u l t o que , embora m u i t o in tenso , apenas t r a n s parecia através d o " t o m b r a n c o " , deixando-nos per turbados d iante d a sua aparente ca lma.
C o n t i n u a n d o o t r a b a l h o , sempre c o m cartas novas, ela progress ivamente melhorava a q u a l i d a d e da improvisação , mas às vezes, por causa de u m a só frase incompat íve l c o m a lóg ica da ação, o resu l tado era p r e j u d i c a d o .
A s s i m , n o fim de u m a c a r t a m u i t o boa em s i , ela escreveu: " . . . É m u i t o i m p o r t a n t e eu saber por que as coisas não têm s e n t i d o
quando se encaram de o u t r a f o r m a ? "
126 EUGÊNIO K U S N E T
Esse inesperado f i n a l desv iou a a t r i z d o c a m i n h o c e r t o traçado nos trabalhos anteriores, porque a frase " E m u i t o i m p o r t a n t e eu saber . . . " ev identemente re f l e t iu sua grande p r e o c u p a ç ã o c o m o estado e m o c i o n a l d o personagem, o que novamente a l e v o u à auto-p iedade . Para e x p l i c a r a causa do lapso, a atr iz confessou que , e n q u a n t o escrevia, inesperadamente f i c o u " b a r a t i n a d a " . Por quê? Ela não soube e x p l i c a r , mas ace i tou a r n i n h a h i p ó tese: o que pod ia ser esse " b a r a t i n a m e n t o " se não o resultado de u m e m p o l gamento involuntário pelos p r o b l e m a s sent imenta i s do personagem? E m vez de s implesmente pensar ela p r o c u r o u sentir.
Os pequenos deslises dessa espécie obr igaram-nos v o l t a r a c o m b a t e r o perigo de cair no sent imenta l i smo .
Gostar ia que esse meu conse lho n ã o fosse mal i n t e r p r e t a d o . N ã o p r e t e n do aconselhar que e l i m i n e m , nesse p e r í o d o de t raba lho , t odos os s e n t i m e n tos, que ev i tem todas as e m o ç õ e s , mas n o t raba lho preparatório pe l o m é t o do da "Análise A t i v a " (inclusive nas cartas) o raciocínio deve t e r l u g a r p r e d o m i n a n t e . Por tanto , o erro não seria o f a t o de o ator ter e m o ç õ e s , mas a sua tendência de obtê-las a q u a l q u e r c u s t o , c o m o i n f e l i z m e n t e , m u i t a s vezes acontece c o m os atores por p u r o s e n t i m e n t a l i s m o , o que eu acho m u i t o perigoso.
Q u e r o lembrar aos le i tores que já d e m o n s t r e i isso no segundo c a p í t u l o deste l i v r o c o m o meu própr io e x e m p l o , c o n t a n d o c o m o f i q u e i c o m o v i d o com a m i n h a interpretação de u m a cena.
M u i t o s atores., percebendo, — e ta lvez c o m m u i t a razão, — o v a l o r e a riqueza da sua imaginação, c o m e ç a m a " a c a r i c i a r " demais t o d o e q u a l q u e r f r u t o casual dela.
Na prática das " c a r t a s " t ive a o p o r t u n i d a d e de constatar essa p a r t i c u l a ridade em alguns atores. Houve u m caso q u e me parece m u i t o i l u s t r a t i v o .
A o veri f icar a carta de u m a a t r i z , c h a m e i sua atenção para a f a l t a de clareza em alguns pontos .
" P o r e x e m p l o " , disse eu , " o que s igni f i ca este traço l o n g o que i n t e r rompe a frase no meio? "
" S i g n i f i c a : não me d e s o b e d e ç a " ' , r e spondeu a atr i z . " M a s por que você não escreveu isso c laramente? " " P o r q u e não vejo necessidade dessa clareza. Na m i n h a m e n t e , s í m b o l o s
e pequenas visões me c o m u n i c a m m u i t o m a i o r clareza do que frases i n t e i r a s . O traço reto que passei na carta m e d e u u m a ideia m u i t o clara sobre a firmeza das intenções do p e r s o n a g e m " .
Concorde i c o m ela, mas . . . e m t e r m o s . " V o c ê t e m razão. Na v ida r e a l , u m a imagem (um símbolo) f r e q u e n t e
mente precede o pensamento e dá m a r g e m à sua formulação. E a própria natureza que se encarrega desse m e c a n i s m o . E m teatro , esse processo t a m bém pode levá-la a resultados m a r a v i l h o s o s , mas só se vo cê f o r capaz de
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realizar através da sua i n t u i ç ã o tudo e sempre, a c o m e ç a r d o " s í m b o l o " e t e r m i n a n d o pela f o r m u l a ç ã o d o pensamento c o n c r e t o , p o r q u e nesse caso você n ã o precisará n e m da " c a r t a " , nem da "Anál ise A t a v a " e n e m de t o d o o " M é t o d o " de Stanis lavsk i . M a s se, pelo contrário , vo cê não p u d e r c o n f i a r u n i c a m e n t e n o seu t a l e n t o e sua sensibil idade e, p o r t a n t o , f o r o b r i g a d a a recorrer p o r necessidade a " c a r t a " , ou a qua lquer o u t r o e l e m e n t o d o t r a ba lho consc iente , saiba que os " s í m b o l o s " não são suf i c ientes , p o r q u e , para poder usar o seu exce lente a chado , o " t raço r e t o " , usá-lo sempre e com segurança, você terá que c o m e ç a r p o r destr inchar esse s í m b o l o , passá-lo pe l o seu rac i o c ín i o e depois , através de m u i t o s ensaios, p o u c o a p o u c o , r eduz í - l o n o v a m e n t e àquele " t r a ç o r e t o " . ( N O T A : No fim do sexto capítulo o leitor poderá rever os detalhes desse processo de ampliação do símbolo e a sua posterior redução). Sem isso, o resultado n u n c a será seguro : ho je o " t r a ç o " surge espontaneamente e se t r a d u z em pensamentos (monólogo interior) p o r vias subconsc ientes ; amanhã, não se sabe porquê , ele conserva apenas o seu aspecto m a t e r i a l , u m traço m o r t o que não p r o d u z e fe i to a l g u m , e o ator não age em cena, ele representa.
N a v ida real , para agir c e r t o é preciso pensar cer to . E m t e a t r o , p a r a agir certo n o lugar do personagem é preciso, em p r i m e i r o lugar , descobr ir os seus pensamentos .
E isso que o a t o r consegue por meio das cartas. Ele pensa l i v r e m e n t e e, e n q u a n t o escreve, fixa m a t e r i a l m e n t e os seus pensamentos , p o d e n d o , e m seguida, rac iona l i zar e se lec ionar os resultados o b t i d o s e s p o n t a n e a m e n t e . O resu l tado final desse processo geralmente é u m a ação c lara e, (embora frequentemente muito complexa), desprovida de t oda con fusão da i n v e n -c ionice psicológica . P a r a d o x a l m e n t e ela é s imples d e n t r o de t o d a a sua c o m p l e x i d a d e , c o m o deve t e r s ido simples o l u m i n o s o sorr iso dos p r i m e i r o s cristãos e n f r e n t a n d o a m o r t e na goela dos l eões . (* )
Gos tar ia de dar u m e x e m p l o de t raba lho c o m o uso da " c a r t a " , b e m sucedido no sent ido de rea l i zar c o m clareza e s imp l i c idade u m a s i tuação cénica bastante c o m p l i c a d a . Esse t raba lho f o i real izado pe lo mesmo g r u p o de atores c o m a cena de H e l e n a e Têterev n o terce i ro a to de " O s Pequenos Burgueses" .
E m m u i t o s espetáculos nessa cena em que se revela não s o m e n t e a essência do pape l de H e l e n a , c o m o p r i n c i p a l m e n t e a f i l o s o f i a de M . G o r k i sobre o va lo r da v i d a , a m a i o r d i f i cu ldade para várias atrizes que , até aí, t i v e r a m f e i t o o pape l , sempre f o i o m o n ó l o g o que transcrevo a seguir:
(*) A complexidade dessa situação tem uma explicação científica no livro "Introdução à R e f l e x o l o g i a " dos D r s . A c y l d o Nascimento, José T e i t e r o i i , F e r n a n d o C a r r a z e d o e Wilfred M. Hmds :pag. 7 3 ) .
128 EUGÊNIO K U S N E T
H E L E N A - (Sonhadora) Q u a n d o eu v iv ia na prisão era m u i t o d i f e rente . . . m e u m a r i d o era u m grande j o g a d o r de cartas . . . bebia m u i t o e ia sempre caçar . . . eu era l i v re . . . não ia a lugar n e n h u m . . . não recebia v is i tas . . . v i v i a c o m os p r i sioneiros . . . são m e s m o gente m u i t o boa na i n t i m i dade . . . gente t r e m e n d a m e n t e engraçada, simples, d e l i cada . . . j u r o ! Q u a n d o eu os observava, achava incrível que u m fosse assassino, o u t r o ladrão , o u t r o o u t r a coisa qualquer . . . às vezes eu p e r g u n t a v a : " V o c ê matou? — " S i m , mãezinha Helena Nicoláievna, m a t e i , que é que se vai fazer? " M e parecia que esse assassino t i n h a de ixado cair sobre si a c u l p a de u m o u t r o . . . que ele era u m a pedra jogada p o r u m a força e s t r a n h a . . . E u comprava t u d o q u a n t o era rev ista , l i v r o . . . dava tabaco , v i n h o . . . mas só u m p o u c o ! . . . Nos passeios eles j o g a v a m bo la , amarel inha . . . Palavra de h o n r a ! À s vezes eu l ia uns l ivros cómicos e eles riam c o m o crianças . . . C o m p r e i passarinhos, cada cela t i n h a u m a gaiola . . . Eles adoravam os passarinhos, c o m o me a d o r a v a m a m i m também . . . F i ca vam m u i t o contentes q u a n d o eu p u n h a u m a blusa vermelha, amarela . . . eles a d o r a v a m as cores berrantes e alegres . . . e eu m e vest ia , só para agradá-los, da maneira mais vistosa p o s s í v e l . . . (Suspirando) Era b o m estar c o m eles . . . Não sent i passar aqueles três anos, e quando u m cavalo m a t o u o m e u m a r i d o , acho que c h o r e i menos p o r ele do que pela cadeia . . . Mas a q u i nessa c idade, não . . . Não v ivo b e m , não . . . Esta casa t e m alguma coisa de mau . . . Não são as pessoas que são más . . . é o u t r a coisa . . . estou m e t o r n a n d o m u i t o t r i s t e . . . "
O que con fund ia as intérpretes d o pape l era aquela r u b r i c a : " S O N H A D O R A " . Atrás dela as atrizes d i f i c i l m e n t e p e r c e b i a m o verdade i ro o b j e t i v o do personagem, e o m o n ó l o g o se t o m a v a u m a g r a t u i t a recordação poé t i co -melancólica.
N o nosso trabalho , antes de c o m e ç a r a car ta , p r o c u r a m o s ver a cena dentro da clareza e da s impl i c idade a que me r e f e r i antes .
Part imos da pergunta : " O que é que Helena está fazendo na cena d o m o n ó l o g o ? " , e respon
demos s implesmente : " E l a está contando a Têterev u m caso da v ida d e l a " . "Para que"? " "Para i lustrar como a fe l i c idade é possível , m e s m o n u m ambiente de
máxima desgraça h u m a n a " .
A T O R E M É T O D O 129
" P o r que ela quer i l u s t r a r isso? " • " P o r q u e quer c o m p r e e n d e r , e ta lvez , remediar a situação absurda e m
que se e n c o n t r a m todos na casa de B e s s ê m e n o v " . Depois disso só f a l t o u i m p r o v i s a r a ação "extra-cênica" , o que a a t r i z
fez escrevendo u m a car ta a Têterev . Veja c o m o essa lógica tão s imples se reflétiu na car ta i
"Têterev . V o c ê é u m h o m e m i n t e l i g e n t e . E u acho, aliás, que é i n t e l i gente demais. Então me e x p l i q u e u m a coisa . Por que não se pode ser fel iz? E u não consigo c o m p r e e n d e r . V e j a T a t i a n a . A o que sei, na v ida de la não aconteceu n e n h u m a desgraça tão grande a p o n t o de levá-la a t e n t a r o suic í d i o . A perda de u m n o i v o , b o b a g e m . Se p e r d e u é porque não era d e s t i n a d o a ela, é po rque t e m u m o u t r o m e l h o r p o r v i r .
A desgraça de t o d a essa gente a q u i nesta casa me dá raiva e eu não sei o que fazer por eles. E u sou i m e n s a m e n t e f e l i z e é m u i t o s imples , é só amar a v i d a . Parece que ninguém percebe que isso é a base da fe l i c idade . E u p e r c e b i isso há m u i t o t e m p o , e n u m a m b i e n t e q u e , f rancamente , se eu te c o n t a r , vo cê não vai acred i tar , mas eu j u r o , aquele t e m p o era b o m . T u d o era tão m a r a v i l h o s o e não se i n t e r r o m p i a c o m o a q u i . O t e m p o passava e a gente n e m sent ia . Os dias e r a m v iv idos p o r gente q u e c o m o eu amava a v ida e o prazer ac ima de t u d o . Me e x p l i q u e , Têterev , faça eu compreender o que se passa. V e j a . . . "
Neste p o n t o ela i n t e r r o m p e u a car ta e passou à improvisação da cena. Q u e m quiser e x a m i n a r essa c a r t a d o p o n t o de vista de todas as " c i r c u n s
tâncias p ropos tas " da peça ficará m a r a v i l h a d o , como eu fiquei, c o m esse r e s u l t a d o : no a to tão e s p o n t â n e o c o m o escrever uma car ta , a a t r i z i n c l u i u r e sumidamente quase t o d o s os e l e m e n t o s necessários para a interpretação da cena, d e n t r o de todas as características d o personagem e das suas relações c o m os ou t ros , c o m T a t i a n a , Têterev , os Bessêmenov, etc.
E n o t e : a ca r ta não l e v o u m a i s de dez m i n u t o s e f o i escrita sem u m a pausa sequer, o que e x c l u i t o t a l m e n t e a hipótese de t e x t o e laborado de antemão .
E preciso t a m b é m sal ientar u m d e t a l h e m u i t o i m p o r t a n t e dessa carta . E l a t e r m i n a assim: " M e e x p l i q u e , Têterev , faça eu compreender o que se passa. Ve ja . . . "
Este final e, p r i n c i p a l m e n t e , as reticências depois da palavra " V e j a " f o r m a m u m a ligação da car ta c o m o o b j e t i v o d o m o n ó l o g o : " E u q u e r o compreender e, p o r Uso, v o u te e x p l i c a r " , o que a u t o m a t i c a m e n t e e l i m i n a aquela tendência de m e l o d r a m a t i z a r o i n í c i o : (sonhadora) Q u a n d o eu v i v i na prisão era m u i t o d i f e r e n t e . . . e t c .
A ligação do final da car ta c o m o i n í c i o da improvisação da cena é u m f a t o r m u i t o i m p o r t a n t e . C o m o já disse, o a t o r . logo que t e r m i n e a carta ,
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deve passar à improvisação sem demora , para não i n t e r r o m p e r a l i n h a de ação. I m a g i n e m então c omo é i m p o r t a n t e a fluência dessa passagem.
Q u a n d o o ator , por descuido ou por f a l t a de experiência , não consegue estabelecer essa ligação por m e l h o r que seja o t eo r de sua c a r t a , ele e n t r a na improvisação da cena vac i lante , e às vezes não chega a restabelecer a l i n h a de ação.
E evidente que essa falha torna-se menos p r e j u d i c i a l q u a n d o se usa u m "d iá logo do personagem c o m o destinatário da c a r t a " antes de c o m e ç a r a improvisação da cena.
D u r a n t e o t raba lho c o m a última cena t i v e m o s a o p o r t u n i d a d e de expe rimentar esse recurso mais d e t a l h a d a m e n t e . J u l g o útil descrever a q u i u m pequeno t re cho dessa experiência.
Desta vez, quando a atr iz t e r m i n o u a car ta , passamos ao d i á l o g o i m p r o visado no q u a l eu assumi o papel de Têterev. A l ém de d ia logar c o m ela na base da carta , — cujo sentido geral eu conhec ia , — p r o c u r e i p rovocá - la c o m perguntas e insinuações referentes a alguns detalhes i m p o r t a n t e s das " c i r cunstâncias propostas " da peça. Ass im nesse diálogo apareceu u m d e t a l h e que. até então f o i pouco e x p l o r a d o pela a t r i z , t a n t o nas suas car tas , c o m o nas improvisações: o ód io que Helena t e m dos que i m p e d e m a f e l i c i d a d e da vida. dos que a o p r i m e m .
I m p r o v i s a n d o o papel de Têterev, p r o c u r e i p r o v o c a r esse ó d i o . N u m dado m o m e n t o pergunte i :
" O que é que você faria c o m eles, se tivesse o poder? " " M a n d a r i a todos eles para os t rabalhos forçados na Sibéria! Q u e eles
aprendam lá a serem fe l izes ! " , respondeu ela fur i o sa . Isso, n a t u r a l m e n t e , deu u m novo i m p u l s o e m o c i o n a l à improv i sação da
cena. O e lemento que i n t r o d u z i não somente c o m p l e t o u a ação c o m u m detalhe f a l t a n t e , c omo também e s t i m u l o u a imaginação da a t r i z e c o m u n i c o u á cena u m r i t m o novo, mais exc i tante .
Se tivéssemos gravado os dois últimos exerc í c i o s , — o que , i n f e l i z m e n t e não f o i f e i t o , — teríamos reg istrado , c o m abso luta evidência, a d i ferença entre os dois " t e m p o - r i t m o s " .
Durante os trabalhos c o m esse grupo e x p e r i m e n t a l [ê ass:m que passamos a chamá-lo), sempre procuramos esclarecer todas as dúvidas, p o r mais elementares que fossem, relacionados c o m o m é t o d o e m exper iênc ia .
E n t r e elas surgiu u m a dúvida m u i t o séria: não p o d e r i a o r e c u r s o da " c a r t a " ficar gasto e até i n u t i l i z a d o pelos possíveis abusos na sua e x p l o ração? Não aconteceria c o m ele o que acontece que os ant ib ió t i cos cu jo e fe i to sobre os micróbios enfraquece devido aos abusos?
E b e m possível. T o m a r antibióticos no caso de u m s imples r e s f r i a d o e tão insensato c o m o "escrever u m a c a r t a " para esclarecer p o r q u e o personagem sente f ome depois de passar 24 horas sem c o m e r .
I
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Nas s i tuações s imples , nas quais , para resolver o p r o b l e m a cén i co , é s u f i c i e n t e usar u m a boa "v i sua l i zação" e u m " m o n ó l o g o i n t e r i o r " adequado , e l e m e n t o s estes resultantes de u m a rápida " i n s t a l a ç ã o " , o uso constante da " c a r t a " p o d e r i a levar esse recurso à sua irremediável mecanização .
Mas n ã o vejo razão para se p r i v a r d o seu a u x í l i o p o r mera prudência, q u a n d o e n c o n t r a m o s prob lemas , e m b o r a s imples , mas dif íceis de se resolver p o r o u t r o s meios . Por e x e m p l o , q u a n d o o a t o r t r a b a l h a n u m ambiente que o constrange o u d i s t ra i (muitas pessoas, muito barulho) e não consegue abstrair-se de le .
E m r e s u m o , usem a " c a r t a " sempre que t i v e r e m di f iculdades c o m o u t r o s recursos , mas nunca c o m o u m e l e m e n t o obr igatór io no seu t r a b a l h o .
U m a o u t r a dúvida que surg iu d u r a n t e os t r a b a l h o s f o i a possibi l idade o u não de usar as cartas nos espetáculos ou nos ensaios m a i s adiantados. " C o m o é que se p o d e escrever u m a carta nos últ imos m o m e n t o s , antes de entrar e m cena? "
R e a l m e n t e , não há n e m poss ib i l idade n e m necessidade de fazer isso. C o m o t o d o e qua lquer e l emento d o " M é t o d o " , a " c a r t a " também passa p e l o processo de condensação através das repet ições nos ensaios, exa tamente c o m o a c o n t e c e c o m a "v i sua l i zação" e o " m o n ó l o g o i n t e r i o r " . O uso desses e l ementos n o in íc io do t r a b a l h o , c o m o se l e m b r a o l e i t o r , exige m u i t o t e m p o , mas c o m o correr dos ensaios eles se s i n t e t i z a m , t rans formando-se finalmente e m visões concentradas ao m á x i m o , e m s í m b o l o s ou exc lamações e m vez de frases completas .
E isso q u e o ator u t i l i z a n o ú l t imo m o m e n t o antes de entrar em cena. Ele não prec isa escrever, basta que na |ua m e n t e sur ja u m desses s í m b o l o s para que o e f e i t o da carta v o l t e t o t a l m e n t e .
E f i n a l m e n t e mais u m a dúvida : ao escrever u m a car ta , é necessário escrevê-la r e a l m e n t e , usando para isso u m p a p e l , u m lápis, etc. ou seria su f i c i en te f i n g i r escrever, não u s a n d o o b j e t o a l g u m ? O que seria preferível?
Q u a n d o a carta é usada c o m o u m e x e r c í c i o de imaginação , é óbv io que não se deve usar objetos reais, d e i x a n d o t u d o à imaginação do a luno . Mas q u a n d o ela é empregada c o m o u m recurso n o t r a b a l h o d o a tor , t u d o d e p e n de das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " , cu ja lógica deve i n d i c a r a maneira c e r t a .
Nessa escolha o mais i m p o r t a n t e é c r ia r c o n d i ç õ e s que possam a judar o a tor a a c r e d i t a r que, ao escrever, ele age r e a l m e n t e c o m o o personagem d e n t r o das "circunstâncias p r o p o s t a s " .
Por e x e m p l o , nos exerc íc ios c o m u m a cena de l o u c o s , que fizemos c o m u m g r u p o de atores, pre fer imos não usar ob j e tos reais , p o r q u e assim consegu imos c o l o c a r a ação dos personagens c o m p l e t a m e n t e fora da realidade de gente n o r m a l . O ator acredi tava mais na lógica do c o m p o r t a m e n t o de u m d e m e n t e q u a n d o ele próprio d o b r a v a u m p a p e l invisível ou molhava c o m a língua a p o n t a de u m lápis imaginário.
132 E U G É N I O K U S N E T
É c laro que no t raba lho c o m u m a peça real ista esse p r o c e d i m e n t o seria c o n t r a p r o d u c e n t e . Mas às vezes p r o b l e m a s práticos d o t r a b a l h o o b r i g a m o d i r e t o r a alterar essa o r d e m . Por e x e m p l o , m e s m o que o m a t e r i a l d o t r a b a l h o ex i ja u m a carta imaginária, o d i r e t o r pode p r e f e r i r que seus atores escrev a m rea lmente , isto para poder v e r i f i c a r e m seguida o t e x t o e s c r i t o , c o m o fizemos nas nossas experiências c o m " O s Pequenos Burgueses" .
Para f ina l izar este capítulo , e m vez de resumir o seu c o n t e ú d o e c o m e n tá-lo pessoalmente, pre f i r o c i t a r o t r e c h o i n i c i a l da car ta que receb i d o d i r e t o r do Grande Teat ro Dramático de L e n i n g r a d o , G. A . T o v s t o n ó g o v .
" . . . C o m m u i t o interesse l i o seu t r a b a l h o . Parece-me m u i t o i m p o r tante que você procure compreender e m p r o f u n d i d a d e o processo c r i a d o r e m teat ro , p a r t i n d o do p o n t o de v i s ta de K . S. Stanis lavski , " r e d e s c o b r i r para s i " o seu M é t o d o , encontrar seu p r ó p r i o c a m i n h o , seus própr ios passos d e n t r o do processo cr iador .
A c h e i m u i t o interessante o r e curso de "escrever car tas " . Esse recurso ajuda a realizar a " l a m i n a ç ã o " (a sobreposição sucessiva das camadas — E. K ) da v ida psíquica do personagem, dá a poss ib i l idade de d i s c i p l i n a r , c o n cret izar os pensamentos do p e r s o n a g e m , p e r m i t e ver i f i car a j u s t e z a d o " m o n ó l o g o i n t e r i o r " do ator , e finalmente, estabelece a lógica da c o n d u t a do personagem, os mot ivos de seu c o m p o r t a m e n t o . . . "
DÉCIMO CAPÍTULO
Para finalizar o m e u l i v r o gostaria de fa lar do que cons idero o p o n t o c u l m i n a n t e de t o d o s os anseios de qualquer a t o r que se preze e q u e seja d igno de exercer a sua a r t e . Q u e r o falar da c o m u n i c a ç ã o essenc ia lmente e m o c i o n a l .
Para c o m e ç a r , p r o p o n h o que nos c o l oquemos , de p ropós i t o , d i a n t e de u m a possível dúvida d o l e i t o r : p o r que devo preocupar -me e m usar espec ia l mente a c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l , se a improvisação d e n t r o da " A n á l i s e A t i v a " e a consequente " I n s t a l a ç ã o " me reve lam todos os pensamentos e as e m o ç õ e s do personagem e, p o r t a n t o , me p o s s i b i l i t a m a c o m u n i c a ç ã o e m o c iona l c o m o espectador a u t o m a t i c a m e n t e ?
P r o c u r a n d o esclarecer essa dúvida, — aliás m u i t o lógica, — devo l e m b r a r ao l e i t o r , e m p r i m e i r o l u g a r , q u e no f i m do q u a r t o capí tu lo c i t e i u m e x e m plo de c o m u n i c a ç ã o p u r a m e n t e emoc iona l t e s t emunhada p e l o D r . B e r n a r d o Blay , e x e m p l o este que ele e x p ô s n u m a conferência sobre esse t e m a . T e r m i nei a descr ição do e x e m p l o p o r confessar a m i n h a p r o f u n d a inveja dos que possuem o d o m de c o m u n i c a ç ã o puramente e m o c i o n a l , po is t e n h o ce r teza que, se o t ivesse J poder ia r e a l i z a r verdadeiros milagres no m e u t r a b a l h o .
Mas aquele e x e m p l o f o i extra ído pelo D r . Bernardo B l a y da sua prát ica , da própria v i d a . Fa l ta saber se exemplos semelhantes e x i s t e m na prát ica de t e a t r o e, e m caso p o s i t i v o , v e r i f i c a r quais são os efeitos que a c o m u n i c a ç ã o p u r a m e n t e e m o c i o n a l causa sobre o espectador.
T r a t a n d o - s e de u m p r o b l e m a m u i t o c o m p l i c a d o , p r o c u r a r e i n a r r a r d e t a l h a d a m e n t e u m caso que a m e u ver é u m a p r o v a da existência da c o m u n i cação p u r a m e n t e e m o c i o n a l e m t e a t r o .
E u t ive o prazer de e n c o n t r a r aqui , em São Paulo , u m ator russo que cons idero u m dos atores geniais da nossa a tua l idade . Trata-se de I . M . S m o k t u n o v s k i que eu v i pe la p r i m e i r a vez n o pape l de pr ínc ipe M i c h k i n , na encenação de " O I d i o t a " de D o s t o i e v s k i , no Grande T e a t r o Dramát i co e m L e n i n g r a d o . A té agora, d e p o i s de m u i t o s anos, a inda cons idero aquele espetáculo o m e l h o r entre t o d o s q u e v i na m i n h a l onga v ida .
Mais tarde eu v i esse a t o r e m vários f i l m e s , c o m o " H a m l e t " , " T i o Vânia" , " C r i m e e C a s t i g o " e. f i n a l m e n t e em " T c h a i l c o v s k i " .
Ass is t i r a esses f i lmes f o i para m i m u m i m e n s o prazer estét ico que s e n t i ; c o m o u m simples espectador . Mas, além de espectador, eu sou ator e p r o fessor de arte dramática. P o r isso, não podia de ixar escapar a o p o r t u n i d a d e
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134 EUGÊNIO K U S N E T
de me encontrar c o m esse a tor , e mais u m a vez, p r o c u r a r c ompreender c o m o f u n c i o n a u m génio.
Eis u m trecho do diálogo que t ive c o m I . M . S m o k t u n o v s k i .
E U — Sou partidário da tendência e m t e a t r o a t u a l , que obr iga o a t o r a comunicar-se c o m o espectador p r e f e r i v e l m e n t e p o r meios emoc iona is . O que é que você pensa a esse respeito?
I . M . S. — Estou de acordo c o m v o c ê . "Se v o c ê não estiver a r d e n d o , não poderá in f l amar ninguém", d i z ia o f a l e c i d o p o e t a russo Iessenin. Mas a comunicação em teatro não deve ser apenas e m o c i o n a l . E m teatro deve estar sempre presente u m a ideia apa ixonar ia .
E U - Cer to , mas a própria expressão que v o c ê acaba de usar — u m a ideia apaixonada, - pressupõe a a l ta e m o c i o n a l i d a d e da ideia e, p o r t a n t o , a obr igator iedade da presença de e m o ç õ e s e x t r e m a m e n t e agudas na c o m u n i cação c o m o espectador.
I . M . S. — Claro , mas nunca c o m ausência da i d e i a , do pensamento .
E U — Cer to . Mas me parece que v o c ê m e s m o deu u m e x e m p l o de comunicação puramente e m o c i o n a l , i s t o é, comunicação em que o espectador não podia, de maneira alguma, constatar a presença de um pensamento, mas constatava e sentia a presença de muitas emoções contraditórias.
I . M . S. — Onde e quando isso aconteceu?
E U - Estou falando de sua últ ima cena n o filme " T c h a i k o v s k i " . V o c ê faz essa cena, quase toda de costas para a p l a t e i a [para a câmara). Nós não vemos o seu rosto , vemos apenas suas costas. Q u e fez você para que nós , na plateia , tivéssemos sentido a sua m o r t e p r ó x i m a ? P o r q u e e n q u a n t o eu estava o lhando para as suas costas, houve u m m o m e n t o que estremeci e pensei de repente (mesmo agora me lembro perfeitamente como isso se passou): " E s t e h o m e m está m o r r e n d o ! " Qua l não f o i o m e u e s p a n t o q u a n d o , e x a t a m e n t e •naquele m o m e n t o , ouv i a voz d o l o c u t o r d o filme: " O i t o dias depois deste concer to T c h a i k o v s k i fa leceu" . Para m i m essas palavras f o r a m apenas u m a conf irmação do que eu já tinha adivinhado olhando para as suas costas. E n t r e t a n t o , você estava regendo a o r q u e s t r a c o m grande enlevo, c o m m u i t a v ida. C o m o você conseguiu revelar ao espec tador essa imensa c o m p l e x i d a d e das e m o ç õ e s de Tchaikovski?
(Em vez de dar uma resposta direta, Smoktunovski fez uma pergunta).
I . M . S. — O que era a música para T c h a i k o v s k i ?
E U — E m p r i m e i r o lugar, a v i d a . . .
I . M . S. - A vida, c e r t o ! Mas, quer d i zer , a m o r t e também?
E U — N a t u r a l m e n t e . Mas acha que T c h a i k o v s k i poder ia estar pensando na m o r t e exatamente naquela hora?
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A T O R E M É T O D O 1 3 5
I . M . S. — N ã o ! Ele estava p e n s a n d o na vida. E u estava regendo u m a orquestra rea l de c e n t o e v i n t e m ú s i c o s de pr ime i ra categor ia . Sent ia -me e x t r e m a m e n t e ag i tado e a b s o r v i d o pe la música.
E U — A g o r a c o m p r e e n d o a i n d a m e l h o r porque a sua " a b s o r ç ã o " t o m o u todos os nossos sentidos e nos fez perceber desde o i n i c i o da cena final a alegria da criação artística, a a legr ia da v ida .
C o n t i n u a m o s a sent i r a v i t a l i d a d e de T c h a i k o v s k i m e s m o q u a n d o v o c ê ficou de costas para nós , s ent íamos isso e m cada m o v i m e n t o de seus braços , de suas mãos que , c o m e x t r e m a t e r n u r a , conv idavam os i n s t r u m e n t o s a entrar
U m ator , sentado na p l a t e i a , p o d e r i a apreciar esse l a d o da sua i n t e r p r e tação c o m o u m a excelente s o l u ç ã o para u m prob lema c é n i c o r e l a t i v a m e n t e c laro : a alegria de viver através da cr iação artística. Ele até poder ia i m a g i n a r quais f o r a m os meios que v o c ê u s o u para a realização da cena: o seu " m o n ó logo i n t e r i o r " e a sua " v i s u a l i z a ç ã o " .
Mas parece-me que para o m e s m o ator-espectador n u n c a poder ia ficar claro o que v o c ê fez para q u e e le , s i m u l t a n e a m e n t e , c o m a sensação de alegria da v ida , chegasse a s e n t i r c e r t a i n q u i e t u d e que e v i d e n t e m e n t e emanava das suas costas, pois para m i m f o i indubitável que eu sent i a m o r t e próxima de T c h a i k o v s k i nas l i n h a s de suas costas.
Poderia vo cê c o n t a r o que se passava no seu íntimo d u r a n t e aquela cena — seus sent imentos , seus pensamentos?
I . M . S. — F o i u m r e s u l t a d o n a t u r a l da síntese da v ida e da m o r t e . T c h a i k o v s k i adorava a v ida , mas sabia que ele estava m u i t o doente .
E U — Perdoe a m i n h a insistência, mas eu preciso c o m p r e e n d e r : q u a n d o T c h a i k o v s k i estava regendo a o r q u e s t r a , ele não estava pensando na m o r t e ?
I . M . S. — Não , ele estava p e n s a n d o na v ida . E U — P o r t a n t o , a ideia da m o r t e só poder ia estar no seu subconsciente? I . M . S. — (depois de uma pausa) S i m , é poss íve l . . . O l h a , eu não q u e r o
desiludí-lo, — no f u n d o você t e m razão , — mas eu sou partidário de so luções mais claras, mais s imples .
E U — C o m p r e e n d o . É b e m p r ó p r i o d o seu ta l ento e n c o n t r a r so luções simples para situações de e x t r e m a c o m p l e x i d a d e . Basta p o r e x e m p l o que pela sua cabeça passe u m p e n s a m e n t o : "S íntese da v ida e da m o r t e " , para que você fique i n s t a n t a n e a m e n t e i n f l a m a d o por essa ideia e que , l ogo e m seguida, a t r a n s f o r m e i n t u i t i v a m e n t e em ação cénica e x t r e m a m e n t e c o m plexa e contraditória e, e x a t a m e n t e p o r isso, abso lutamente h u m a n a .
Se eu a inda ins i s to , é apenas p o r q u e estou preocupado c o m as d i f i c u l dades dos atores que possuem m u i t o menos ta l ento que v o c ê ; p o r q u e , não apenas entre meus a lunos , mas t a m b é m no meio da m a i o r i a dos nossos atores prof iss ionais , não há p r e p a r o su f i c i ente para e n f r e n t a r todas as s u t i -
136 EUGÊNIO K U S N E T
lezas da dramaturg ia de alto va lor ps i co l óg i co e p r i n c i p a l m e n t e para realizar a q u i l o que você consegue c o m t a n t a fac i l idade — " a c o m u n i c a ç ã o emoc i o n a l " .
A p r o x i m a d a m e n t e neste p o n t o i n t e r r o m p e m o s o nosso diálogo. Eis , pois, u m exemplo de c o m u n i c a ç ã o p u r a m e n t e e m o c i o n a l d e n t r o da
arte dramática. Os leitores poderão lembrar-se de o u t r o s e x e m p l o s , c o m o o já c i t a d o e x e m p l o de Laurence O l i v i e r e m " R i c a r d o I I I " , o u d o a tor russo I . Pevtsov em " A q u e l e que leva b o f e t a d a s " , e ta lvez , de a lguns o u t r o s gigantes da arte de teatro .
E evidente que sempre haverá u m a grande d i ferença entre a i n t e r p r e tação de u m desses génios e a de u m a t o r c h a m a d o " m é d i o " , p o r mais que esse últ imo se esforce no uso da "Aná l i se A t i v a " .
Mas teríamos nós o d i r e i t o de c ruzar os braços , a legando s implesmente que o privilégio do milagre da c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l p u r a só pertence aos poucos "e le i tos "? Não seria u m erro cons iderar que devemos dar-nos p o r satisfeitos c o m os resultados que conseguimos através da "Anál ise A t i v a " d e n t r o dos moldes que descrevemos n o sét imo e o i t a v o cap í tu los ?
E se tentássemos descobrir meios seguros para a m p l i a r ainda mais o c o n t a t o c o m o nosso subconsciente? Por e x e m p l o , c o m o poder ia o ator repetir conscientemente o processo da própria n a t u r e z a — o recalque d o passado que, pos ter iormente , fizesse par te da sua v ida ps íquica , influindo subconscientemente sobre seu c o m p o r t a m e n t o ?
Mas,para isso, em p r i m e i r o lugar é prec iso c o m p r e e n d e r o que s igni f ica " reca lcar o passado". C o m o se processa o " r e c a l q u e " ?
T o d o s esses problemas e a " m a l d i t a necessidade de sempre p r o c u r a r expl i car o inexplicável" me l evaram a u m a série de experiências , em parte j á descritas no meu l i v ro " Introdução ao M é t o d o da A ç ã o I n c o n s c i e n t e " .
E preciso que eu comece p o r a b r i r , mais u m a vez, parênteses, confessando u m erro na termino log ia que usei naquele l i v r o .
A ação humana é sempre consc iente . Ela só p o d e ser resultado da conscientização dos processos ps íqu i cos que , f r e q u e n t e m e n t e , se rea l izam no nosso subconsciente. O que r ea lmente p o d e m o s , às vezes, chamar de inconsciente é o nosso c o m p o r t a m e n t o , o u seja, o aspecto e x t e r i o r da nossa ação, que nem sempre é passível de rac i o c ín io l ó g i c o , c o m o por e x e m p l o , o aspecto das costas de I . M . S m o k t u n o v s k i na cena f i n a l do f i l m e " T c h a i k o v s k i " .
Para compreender a mecânica desses processos p s í q u i c o s , r e c o m e n d o calorosamente a meus leitores o l i v r o i n t i t u l a d o " I n t r o d u ç ã o à Re f l exo -l o g i a " de autor ia dos doutores A c y l d o N a s c i m e n t o , José T e i t e l r o i t , Fernando Carrazedo e W i l f r e d Hinds . N o c o r r e r deste cap í tu l o p r e t e n d o re fer i r -me f requentemente a exemplos e expl i cações daquele l i v r o tão esclarecedor para nós, atores.
A T O R E M É T O D O 137
O relatório de u m a das aulas realizadas e m 1958 no " A c t o r ' s S t u d i o " e m N o v a I o r q u e pela p r i m e i r a vez m e fez s e n t i r a necessidade de pesquisar a poss ib i l i dade de e n c o n t r a r u m m é t o d o que permit isse ao a tor agir exata m e n t e c o m o agimos nós c o n t e m p o r a n e a m e n t e , i s to é, sob a p e r m a n e n t e inf luência da nossa v i d a i n t e r i o r , do nosso subconsc iente . Este f a t o r a m e u ver f o r m a , hoje em d i a , os traços caracter íst icos d o h o m e m a t u a l , traços que p o d e r í a m o s chamar de sua " e s q u i s i t i c e n o r m a l " , o u , se qu i serem, sua " a n o r m a l i d a d e c o s t u m e i r a " . Sem ela, u m h o m e m deixa de ser t i p i c a m e n t e a t u a l .
O a u t o r relata o c o m e n t á r i o de El ia K a z a n n u m a aula sobre a cena de O t e l o e Iago, onde dois p a r t i c i p a n t e s do " S t u d i o " acabavam de usar c o m o m a t e r i a l para o exerc í c i o u m caso da v ida r e a l , a fim de i lus t rar c o m o u m v io lent í ss imo s e n t i m e n t o de c iúme p o d e surg i r inesperadamente .
Eis o que ele c o n t o u :
" . . . L e m b r o - m e de u m i n c i d e n t e que aconteceu há alguns anos n u m a festa e m casa de amigos. E n t r e os c o n v i d a d o s hav ia u m j o v e m casal: ela era o p r ó p r i o m o d e l o de m u l h e r alegre, risonha, expans iva em sociedade; ele era u m destes t ipos , vocês sabem, d o t a d o de u m a imensa " f i s i c a l i d a d e " , grande , t o d o músculo . T i n h a se casado n o v a m e n t e , depois de u m a p r i m e i r a união i n f e l i z c o m u m a m u l h e r que f o r a e m b o r a c o m u m o u t r o , e isso acabara em d i v ó r c i o .
O ambiente era alegre e c a l m o , e ele p a r t i c i p a v a de co rpo e a lma . Era c i u m e n t o ? V i o l e n t o ? C e r t a m e n t e não . E e n t r e t a n t o . . .
Eis que na e u f o r i a geral u m rapaz p õ e a m ã o sobre o o m b r o de sua m u l h e r . . . O h o m e m se a p r o x i m a , l evanta a m ã o do o u t r o e a de ixa ca ir . O o u t r o r i e coloca de n o v o a m ã o sobre o o m b r o da moça , que também Se põe a r i r . O h o m e m torna-se u m a fera , i n t i m a o o u t r o a ret i rar a m ã o . Ele não t i r a . O d i v e r t i m e n t o era geral . O h o m e m rira d o bolso u m canivete , abre-o e atravessa a mão do seu " r i v a l " . . . "
Se o personagem da narração de E. K a z a n não era c i u m e n t o por n a t u reza , é evidente que ele agiu sob o e f e i t o de a lguma coisa que ele própr io i g n o r a v a , pois não havia n e n h u m m o t i v o plausível para tanta violência.
Que faria eu. a tor , se me fosse p r o p o s t o i n t e r p r e t a r essa cena? E m p r i m e i r o lugar , p r o c u r a r i a i m a g i n a r as circunstâncias que pudessem
levar o personagem a essa inexplicável e x p l o s ã o de ciúme. Por isso, p r o c u r e i i m a g i n a r o seu passado. Imag ine i o que aconteceu no
seu p r i m e i r o matr imónio : a traição da m u l h e r , t o d a a t o r t u r a d o c iúme, t o d a a v e r g o n h a e desonra d o m a r i d o enganado e f ina lmente o d ivórc io e o a r d e n t e desejo de esquecer a sua desgraça. M a i s tarde ele consegue esquecer, p o r q u e encontra u m a m u l h e r que é p u r a . s incera, c i n d i d a e por isso b e m e n t e n d i d o , digna de t o d a a conf iança . Ele se casa. Pergunte a ele se t e m
138 EUGÊNIO K U S N E T
a lguma dúvida a respeito de sua nova esposa, e ele lhe r e sponderá , c o m a absoluta sinceridade, que neste casamento não há e n e m n u n c a haverá lugar para c iúme.
E e n t r e t a n t o , f o i suf i c iente u m p r e t e x t o i n s i g n i f i c a n t e p a r a que , do f u n d o d o seu subconsciente, irrompesse o esquecido sentimento — o c iúme.
P o r t a n t o , o ciúme c o n t i n u o u e x i s t i n d o no seu s u b c o n s c i e n t e mesmo depois d o segundo casamento, mas o personagem ignorava a sua existência.
O m e u raciocínio me pareceu m u i t o c e r t o . A s s i m sendo , m e u p r i m e i r o p r o b l e m a seria conseguir u m a " ins ta lação " para i m p r o v i s a r u m a cena d o p r i m e i r o matrimónio:
" S i t u a ç ã o " — casamento, m u i t o a m o r e de repente a i n e s p e r a d a traição da m u l h e r .
"Necess idade" — lutar pela sua fe l i c idade apesar dos o b s t á c u l o s i n t r a n s poníveis — a mulher fugiu c o m o u t r o .
" A t i t u d e " — " Q u e far ia eu nessas cond i ções? "
O resultado desta " insta lação" ev identemente seria improv i sação de u m a cena de ciúme v io l ento .
P o r t a n t o , o prob lema não seria tão dif íc i l . Mas se o personagem realmente conseguiu esquecer, reca lcar as e m o ç õ e s
do seu passado e, depois agiu sob a influência inconsc i ente desses acontec i mentos , c omo poderia eu, a t o r , encaminhar-me conscientemente n o sent ido de passar pelo mesmo processo de recalque para poder agir sob o seu efe i to?
N a vida real esses processos realizam-se i n d e p e n d e n t e m e n t e da vontade do indivíduo.
E m u i t o esclarecedor u m caso que K . S. Stan is lavsk i c o n t a nas suas recordações sobre alguns encontros c o m A n t o n Pávlovitch T c h e k o v . Casualmente , sem n e n h u m ob je t ivo didático, ele dá e x e m p l o b r i l h a n t e d a influência d o passado sobre o c o m p o r t a m e n t o de u m a pessoa.
" . . . Nas minhas visitas a A n t o n Pávlovitch, a gente se sentava , bat ia papo. E le , sentado no seu confortável divã. dava suas toss idelas , de vez em q u a n d o levantava a cabeça para dar, através d o p ince -nez , u m a o l h a d a na m i n h a direção.
Naqueles momentos eu me sentia muito feliz e alegre, p o r q u e , ao entrar em sua casa, esquecia todas as encrencas havidas antes da m i n h a chegada (Grifos meus — E. K.). E, de repente , aprove i tando u m m o m e n t o de silênc io , T c h e k o v disse: " E s c u t e , você está c o m cara m e i o esquis i ta . Q u e f o i que aconteceu? "
P o r t a n t o , apesar da sinceridade da alegria e prazer d o e n c o n t r o c o m A . P. T c h e k o v , havia no c o m p o r t a m e n t o de Stanis lavski algo que ele própr io
A T O R E M É T O D O 139
i g n o r a v a , mas que f o i perceb ido p o r T c h e k o v . S ó depois da sua observação f o i q u e Stanis lavsk i pôde c ons ta tar as causas d o seu c o m p o r t a m e n t o u m t a n t o e s t r a n h o .
S u p o n h a m o s que essa pequena e r e l a t i v a m e n t e s imples cena fizesse par te de u m a peça. De que m a n e i r a o a tor usaria os e l ementos do " M é t o d o " para p o d e r agir realmente sob a influência das encrencas daquele dia?
P r o v a v e l m e n t e o ator far ia u m " l a b o r a t ó r i o " sobre os desagradáveis a c o n t e c i m e n t o s e, através dessa improvisação, o b t e r i a o m a u h u m o r . Mas o m a l é que ele não poder ia c o m e ç a r c o m m a u h u m o r a cena em que deveria aparecer sinceramente alegre graças ao prazer do seu e n c o n t r o com T c h e k o v .
C o m o poder ia ele esquecer o recém-adquir ido m a u h u m o r e, de repente , entregar-se s inceramente à alegria do e n c o n t r o ? E , além disso, a sua alegria , e m b o r a s incera , deveria ter aspecto u m t a n t o d u v i d o s o , para que T c h e k o v pudesse n o t a r o seu estado p s í q u i c o . C o m o fazer isso? Pois u m ator decente não i r i a s imp lesmente f ing i r a alegria .
C o m o vêem, mesmo n u m a cena a p a r e n t e m e n t e simples como essa o a tor p o d e encont rar grandes d i f i cu ldades .
E c o m o i r i a ele resolver o p r o b l e m a , m u i t o mais c o m p l i c a d o , de o u t r o caso que Stanis lavski c o n t a nas mesmas recordações?
" . . . E u me encontrava no m e u c a m a r i m e m c o m p a n h i a de A n t o n Pávlovitch T c h e k o v quando e n t r o u u m a m i g o m e u . h o m e m jov ia l e alegre, c ons iderado no nosso meio c o m o sendo u m a pessoa u m t a n t o leviana.
D u r a n t e a permanência d o h o m e m no m e u c a m a r i m , A n t o n Pávlovitch f i c o u a observá-lo m u i t o sério, não t o m a n d o par te da nossa conversa. Depo i s da saída d o h o m e m , A n t o n Pávlovitch, m u i t o p e n s a t i v o , várias vezes a p r o x i -mou-se de m i m e fez mui tas perguntas a respe i to d o m e u amigo . Q u a n d o eu p e r g u n t e i sobre a razão da sua cur ios idade , ele r e s p o n d e u :
— " E s c u t e , você não está v e n d o que ele é u m s u i c i d a ? ! " "Essa inesperada afirmação me pareceu até m u i t o engraçada. I m a g i n e m
c o m q u e enorme espanto eu m e l e m b r e i disso q u a n d o , alguns anos mais tarde , soube que o meu amigo t i n h a se s u i c i d a d o " .
Para i n t e r p r e t a r essa cena o a t o r deveria, c o m o no caso de Elia K a z a n , recorrer à sua imaginação para c r ia r l o g i c a m e n t e o passado do personagem.
Q u e aconteceu na v ida desse h o m e m , que o t i n h a levado ao estado ps íqu i co perceb ido por T c h e k o v ? Por que a sua j o v i a l i d a d e , tão evidente e indubitável para t o d o o m u n d o , r esu l t ou sendo apenas u m a capa que encobr ia sua permanente angústia, ignorada p o r ele p rópr i o ? O u acham que sempre sent ia a presença de sua angústia, mas a p r e n d e u a ocultá-la dos outros? N ã o , não acred i to , p o r q u e ele n u n c a conseguir ia enganar c o m a sua alegria f i n g i d a u m h o m e m tão sensível e i n t e l i g e n t e c o m o Stanislavski.
O q u e deve ter acontec ido c o m ele f o i m u i t o d i f e r e n t e : diante de u m a imensa e insuportável mágoa que so freu , - por e x e m p l o , a morte da única
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m u l h e r que a m o u , — a própr ia natureza veio para socorrê - lo , a p a g a n d o na sua consciência t u d o que c a u s o u o seu s o f r i m e n t o e s u b s t i t u i n d o o seu p s s a d o por u m a nova rea l idade subjet iva — a alegria de v iver . M a i s t a r d e , a l g u m acontec imento novo deve ter f e i t o c o m que o passado, c o m t o d o s os seus so fr imentos , ressurgisse n a sua consciência, c u l m i n a n d o c o m o seu suicídio.
Não se t rata de imagens sent imenta i s para ev i tar u m a exp l i cação prec i sa sobre u m assunto tão c o m p l i c a d o . O que expus n u m a f o r m a b e m p r i m i t i v a é p lenamente c o n f i r m a d o pela ps i co l og ia reflexológica.
Para demonstrar isso d o u aba ixo alguns trechos d o já c i t a d o l i v r o , " I n t r o d u ç ã o à Re f l exo l og ia " .
1) Pavlov define o r e f l e x o c o m o " u m e lemento de adaptação c o n s t a n t e do organismo em relação ao m e i o que o c i r c u n d a ; adaptação esta que per m i t e a este organismo u m estado de equilíbrio c o m o m e i o " . (Pag. 18)
2) Reflexos são todos os atos d o organismo que surgem e m resposta a estímulos dos receptores e q u e se real izam c o m partic ipação d o s i s t e m a nervoso centra l , i n c l u i n d o n o estado n o r m a l sua seção s u p e r i o r : o c ó r t e x cerebral . [Pag. 177)
3) . . . todos os f e n ó m e n o s ps íquicos , por c o m p l e x o s que se jam, t ê m por base mater ia l o sistema de conexões temporárias do c ó r t e x c e r e b r a l . A formação e o f u n c i o n a m e n t o destas conexões temporárias p e r m i t e m q u e as funções psíquicas possam i n f l u i r sobre a at ividade h u m a n a , regular e d i r i g i r os atos do h o m e m e influir sobre a forma como ele reflete a realidade objetiva. [Pag. 46)
4) A dinâmica da A t i v i d a d e Nervosa Super ior (os processos que se realizam no córtex e no subcórtex cerebrais^ f o i o b j e t o de exaus t i vo e s t u d o da Escola Pavloviana. revelando-se p o u c o a pouco a c o m p l e x a d inâmica dos dois processos fundamentais — Excitação e Inibição (das células do córtex e subcórtex cerebrais - E. K.). (Pag. 38)
5) \enhum processo psíquico pode surgir p o r si m e s m o , sem que atue sobre o cérebro uma determinada excitação. (Pag. 53)
6) Excitação e Inibição se completam, se substituem reciprocamente. Ao cessar a excitação n u m d e t e r m i n a d o foco, a inibição a substitui; i n s i -nua-se no intervalo de t e m p o e n t r e dois m o m e n t o s exc i tatór ios , apaga os efeitos das estimulações a p r o x i m a d a s , instala-se nos pontos em que a excitação atingiu densidade extralimite. (Pag. 67)
(Nota: A excitação que atinge a densidade extralimite ameaça a integridade das céltdas. Xeste caso a inibição substitui a excitação automaticamente salvando assim o indivíduo do perigo de distúrbios graves no funcio-
A T O R E M É T O D O
namento da Atividade Nervosa Superior, o que poderia resultar em neuroses ou psicoses).
7 ) A sobrecarga do processo de exc i tação p o d e s u r g i r por efeito de traumas psíquicos supramaximais. (Pag. 82)
8) A inibição d o núcleo da e s t r u t u r a dinâmica p a t o l ó g i c a leva ao esquecimento do incidente traumático, não havendo verba l i zação . (Pag. 103)
9) E s q u e c i m e n t o é imposs ib i l idade de recordar o u reconhecer algo, ou e q u i v o c a ç ã o d o r e c o n h e c i m e n t o o u recordação . Sua base fisiológica é a inibição das conexões temporárias. (Pag. 171)
10) Normalmente as conexões temporárias estabelec idas no córtex cerebral aí permanecem num estado de disponibilidade, podendo em determinadas circunstâncias, constituir um conteúdo de consciência. (Pag. 100)
Sei que seria u m absurdo pretender dar u m a ide ia c l a r a sobre assunto tão c o m p l e x o , p o r m e i o desses poucos trechos c i tados . P o r isso, r e m e t o os le i tores n o v a m e n t e à " I n t r o d u ç ã o à R e f l e x o l o g i a " . M a s , nesta a l t u r a , é m u i t o i m p o r t a n t e t e r a lguma noção da mecânica dos r e f l e x o s e dos p r o b l e mas da p s i c o l o g i a ref lexológica para c o m p r e e n d e r o s i g n i f i c a d o dos q u a t r o últ imos i t ens q u e m a i s nos interessam f r e n t e aos p r o b l e m a s deste capí tu lo .
A sobrecarga d o processo de exc i tação , — que p o d e ameaçar a i n t e g r i dade das células cerebrais , — pode surgir p o r e f e i t o dos t r a u m a s psíquicos s u p r a m a x i m a i s . (item 7).
O personagem d o caso c o n t a d o p o r E l i a K a z a n , c o n f o r m e a nossa suposição, s o f r e u u m a m á g o a insuportável, o u seja, u m t r a u m a p s í q u i c o supra-m a x i m a l .
A inibição d o n ú c l e o da e s t r u t u r a dinâmica pato lóg i ca , i s t o é, a inibição do f o co que acaba de sofrer perturbações causadas p e l o t r a u m a (sobrecarga de excitação) leva o individuo ao esquecimento do incidente, (item 8).
É o que nós c h a m a m o s , na nossa hipótese , de " s o c o r r o d a natureza que apaga na consc i ênc ia d o indivíduo t u d o o que causou seu s o f r i m e n t o " .
A base fisiológica d o esquec imento , o u seja, o seu f a t o r f ís ico , e a inibição das c o n e x õ e s temporárias, (item 9).
A s c o n e x õ e s temporárias resultantes da exc i tação , apesar da inibição, p e r m a n e c e m e m es tado de d i s p o n i b i l i d a d e , i s t o é, f o r a da consc iênc ia do indiv íduo , (item 10).
E m d e t e r m i n a d a s circunstâncias elas p o d e m novamente c o n s t i t u i r u m c o n t e ú d o de consc i ênc ia . Is to quer dizer que u m novo i n c i d e n t e e ate u m a simples palavra p o d e m " r e a t i v a r as c o n e x õ e s p r e e x i s t e n t e s " . (P<*g- 97). C o m isso, e v i d e n t e m e n t e , ressurgem as e m o ç õ e s esquecidas.
F o i e x a t a m e n t e o que aconteceu c o m o personagem de E l i a Kazan — u m a simples b r i n c a d e i r a reavivou t oda violência das e m o ç õ e s esquecidas.
I
142 E U G Ê N I O K U S N E T
Todas essas considerações nos l evam à conc lusão de q u e , para i n t e r pretar o papel do suicida no caso c o n t a d o por Stanis lavski (naturalmente enriquecido com muitos detalhes do passado do personagem, inclusive a cena anterior ao momento da primeira tentativa de suicídio), o a t o r d e v e r i a :
1) Fazer u m a " insta lação" sobre a situação que , f i n a l m e n t e , o leva ao suicídio . Improv isar u m " l a b o r a t ó r i o " em que o f a t o r p r i n c i p a l seria a excitação levada às últimas consequênc ias , e
2) "Esquecer " t u d o , o u seja, conseguir a inibição de t u d o o que f o i a d q u i r i d o através da excitação.
Só nessas condições o a t o r p o d e r i a agir c o m o rea lmente agiu o perso nagem, i s to é, sob a influência in consc i en te do seu passado.
Mas como executar conscientemente o processo de inibição que, na vida real, é realizado pela própria natureza independentemente da vontade do indivíduo ?
Cre io que encontre i resposta a essa pergunta n u m e n c o n t r o que t ive durante m i n h a viagem de pesquisas que fiz à E u r o p a e p r i n c i p a l m e n t e à União Soviética.
E m Leningrado tive o prazer de conhecer o d i r e t o r d o " G r a n d e T e a t r o Dramát i co " , G . A . T o v s t o n ó g o v , e assistia a alguns espetáculos , e n t r e os quais " O I d i o t a " de D o s t o i e v s k i , encenado em " m i s - e n - s c è n e " d o d i r e t o r . Esse espetáculo levou-me a m u i t a s reflexões sobre o p r o b l e m a de c o m u n i cação e m o c i o n a l .
À disposição do d i re tor encontravam-se excelentes atores e n t r e os quais o já c i t a d o I . M . S m o k t u n o v s k i n o papel central de pr ínc ipe M i c h k i n . I s t o expl ica e m parte a enorme impressão que o espetáculo me causou , mas só em par te , pois evidentemente h o u v e também o e f e i t o do t r a b a l h o d o d i r e t o r c o m os seus atores. Por isso f o i m u i t o natura l m i n h a ânsia p o r conhecer o m é t o d o de seu trabalho j u n t o aos atores. Por que meios ele c o n s e g u i u levá-los a esse resultado que eu cons iderava u m autêntico mi lagre?
N u m a conversa m u i t o c u r t a c o m ele, n a t u r a l m e n t e não p u d e chegar a n e n h u m a conclusão e, só depois da m i n h a vo l ta a São Paulo , q u a n d o re ceb i seu l i v r o " D a Profissão do D i r e t o t " que teve a b o n d a d e de m e m a n d a r , comecei a compreender o processo de seu t raba lho .
Eis alguns trechos que inf luíram m u i t o no m e u t r a b a l h o p e d a g ó g i c o depois da m i n h a vo l ta ao Bras i l .
" . . . Se falarmos da m e t o d o l o g i a , devemos dizer que t a n t o o a t o r , c o m o o d i r e t o r devem esforçar-se para conseguir a temperatura máxima da incandescência emocional para depois tratar da redução ao mínimo dos meios de expressão". (Todos os grifos neste t r e c h o são meus. E . K . )
Ve j o n is to u m a analogia quase t o t a l desse m é t o d o consc iente de t r a b a lho em teatro c o m os processos n a t u r a i s segundo a r e f l e x o l o g i a .
A T O R E M É T O D O 143
V e j a m o s c o m o esses processos se r e a l i z a m n o t r a b a l h o de G . A . Tov s tonógov . E l e escreve n o seu l i v r o :
" E s t á v a m o s ensa iando no Grande T e a t r o Dramát i co a ú lt ima cena de " O I d i o t a " , a c ompl i cad í ss ima cena trágica da l o u c u r a de M i c h k i n , que se passa l ogo d e p o i s d o assassinato de Nastássia Fi l ípovna p o r Rogóg in . C o m o p o d e r í a m o s l evar os atores à encarnação da cena?
Pode r-se-ia f a l a r l ongamente sobre as p a r t i c u l a r i d a d e s d a doença de M i c h k i n , sobre o es tado ps íquico de u m h o m e m t i r a d o d o seu equi l íbr io m e n t a l pelos a c o n t e c i m e n t o s tão trágicos.
Nós esco lhemos c a m i n h o d i f e r e n t e . Depois de levar a cena à temperatura limite de emoções, eu propus aos atores : agora representem como se o caso fosse dos mais banais, cotidianos; c o n s u l t e m u m ao o u t r o — "será que alguém pode e n t r a r aqu i ? O que é que devemos fazer nesse caso? " etc .
N o c o n t e x t o g e r a l da obra essa conversa s imples s e m p r e causava u m a impressão t e r r íve l " .
Mas eu m e p e r g u n t e i a m i m m e s m o : E sem usar p r e v i a m e n t e a " t e m p e r a t u r a l i m i t e das e m o ç õ e s " , aprove i tando apenas o c o n t e x t o geral da obra , ter ia a cena causado a mesma impressão terrível? C l a r o q u e n ã o ! E la ter ia causado o m e s m o e f e i t o daqueles espetáculos, c i tados p e l o a u t o r d o l i v r o , que " f o r a m f e i t o s c o m coração f r i o " e que " n ã o a g i t a m e n ã o e m p o l g a m n inguém" , o u seja, nos quais não há c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l .
Que fez o d i r e t o r para evitar essa fa lha de m u i t o s teatros?
1) Sabemos q u e ele levou os seus atores , — e v i d e n t e m e n t e já " i n s t a l a d o s " c o m o personagens , — Ã " Incandescênc ia das e m o ç õ e s " , t e r m o este que co r responde p e r f e i t a m e n t e ao t e r m o da r e f l e x o l o g i a , — exc i ta ção e x t r a l i m i t e , s u p r a m a x i m a l , que chega a ameaçar a i n t e g r i d a d e p s í q u i c a da pessoa e que , e x a t a m e n t e p o r isso, torna-se insuportável.
2) Sabemos q u e , q u a n d o os atores se e n c o n t r a v a m n o estado de e x c i tação e x t r a l i m i t e (incandescência emocional), o d i r e t o r sugeriu- lhes u m a situação d i a m e t r a l m e n t e oposta, u m caso bana l de precisar v e r i f i c a r o que se passa atrás da p o r t a . Essa sugestão, feita pelo diretor propositalmente, f a c i l i t o u a in ib i ção d o foco exc i tado e o consequente e s q u e c i m e n t o . Os atores a c e i t a r a m a sugestão p r o n t a m e n t e c o m o saída de uma situação insuportável.
Mas o a t o r p o d e r i a executar t o d o esse processo t a m b é m soz inho . Depois de chegar , através de u m a improvisação adequada , ao estado de " incandescênc ia e m o c i o n a l " , ele poderia usar uma auto-sugestão (monólogo interior), idênt ica à sugestão fe i ta pe lo d i r e t o r , que t a m b é m f a c i l i t a r i a a inibição do f o c o e x c i t a d o e o consequente e squec imento .
Eis c o m o foi encontrada a resposta, — ao menos t e o r i c a m e n t e , — ao p r o b l e m a de como executar conscientemente o processo de inibição para
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poder agir sob a influência subconsc iente de u m t r a u m a causado pela e x c i tação s u p r a m a x i m a l (incandescência emocional).
Mas, a par t i r daí, a inda f a l t a ta lvez o mais i m p o r t a n t e — e x p e r i m e n t a r na prática o mecanismo dessa h i p ó t e s e , e m b o r a ela já t e n h a s ido v e r i f i c a d a na prática alheia.
Essa preocupação tornou-se bás ica d u r a n t e os t raba lhos q u e t ive a o p o r tunidade de fazer c o m u m grupo de a tores .
C o m e ç a m o s por procurar t e m a s que pudessem ser t r a n s f o r m a d o s e m mater ia l capaz de satisfazer certas exigências de nossas pesquisas. Esses temas dev iam possuir as seguintes características:
1) O passado do personagem dev ia conter a contec imentos de g rande violência, capazes de excitar a imaginação do ator ao e x t r e m o , para que ele pudesse chegar mais fac i lmente à " incandescênc ia e m o c i o n a l " .
2 ) O presente do personagem devia cond i c i onar , p o r sua n a t u r e z a , a obr igator iedade do esquecimento d o passado.
Concordamos que essas duas características p o d e r i a m ser e n c o n t r a d a s em neuróticos ou psicopatas, p o r q u e :
1) É fácil imaginar que os i n c i d e n t e s na vida de u m ind iv íduo , que o levam à neurose ou à psicose, d e v e m ser de ex t rema violência ;
2) Q u a n t o mais grave f o r o i n c i d e n t e , t a n t o mais rigorosa será a i n i b i ção que levará o indivíduo ao e s q u e c i m e n t o do passado. Os l oucos n u n c a se l e m b r a m das causas de sua d o e n ç a (se é que têm noção dela).
T o d a a ação se passava d e n t r o de u m manicômio . Do i s o u três atores assumiam papéis de médico e de e n f e r m e i r o s .
O p lano preestabelecido para esse t r a b a l h o f o i o segu inte : Os atores deviam começar p o r e laborar , em p r i m e i r o lugar , as " c i r c u n s
tâncias propostas " referentes à a ção cénica no m a n i c ô m i o , o u seja, começar pelo presente do personagem. Eles d e v i a m preestabelecer várias p a r t i c u l a r i dades da ação cénica.
— Sintomas de sua doença , i s t o é, o papel que o personagem assumia na loucura .
— Sua at i tude frente ao a m b i e n t e c i r cundante . C o m o ele c o n c e b i a a realidade objet iva do m a n i c ô m i o ?
— Suas relações c o m o u t r o s personagens: médicos , e n f e r m e i r o s , p a c i e n tes, visitas, etc.
— Suas relações c w n a g c r . s inexistentes , imaginários, p r o d u t o s de seu delírio.
— Era i m p o r t a n t e estabelecer o que aconteceu no p e r í o d o e n t r e o p r i me i ro dia da doença e o dia de sua internação no h o s p i t a l . C o m o o personagem se c ompor tava nesse per íodo e m casa, na rua , no serviço, n o c i n e m a , etc .
A T O R E M É T O D O 145
U m a vez estabelec idos esses detalhes, i s t o é, e laborados os e lementos para a próx ima " i n s t a l a ç ã o " , os atores c o m e ç a v a m a i m p r o v i s a r l i v r e m e n t e cenas d o m a n i c ô m i o , e m c o n j u n t o .
O r e s u l t a d o das improvisações dependia , c o m o sempre , de vários f a t o res: d o t e m p e r a m e n t o d o a t o r , de sua espontaneidade i n a t a e, p r i n c i p a l m e n t e , de sua capac idade de i m p r o v i s a r , o que i n f e l i z m e n t e era bastante raro naque la época .
C o m o r e s u l t a d o q u e p o d i a ser cons iderado satisfatório era a espontane i dade c o m que m u i t o s atores agiam d e n t r o das situações absurdas de sua " l o u c u r a " o que , e v i d e n t e m e n t e , era consequênc ia de u m a " i n s t a l a ç ã o " adequada . Se u m a m u l h e r cu idava c o m m u i t o c a r i n h o e p r e o c u p a ç ã o dos seus " m i l f i l h o s " , o u u m m ú s i c o regia " u m a orques t ra d e n u v e n s " e dialogava c o m elas, o espectador c o m p r e e n d i a que se t ra tava de personagens loucos graças à n a t u r a l i d a d e e lógica c o m que os intérpretes ag iam d e n t r o das circunstâncias absurdas. Nós v íamos personagens reais, — u m a mãe fel iz e p reocupada , u m regente a t e n t o à execução de sua música, — u m deus benevo lente c o m seus fiéis, u m Napoleão o n i p o t e n t e , — e acredi távamos na sua real idade , mas não sentíamos a sua loucura, c o m p r e e n d í a m o s , mas não a sent íamos : os atores nos c o n v e n c i a m r a c i o n a l m e n t e e não e m o c i o n a l m e n t e .
D u r a n t e os c o m e n t á r i o s sobre os resultados das cenas i m p r o v i s a d a s , eu a f i rmava que a l o u c u r a n e m sempre é percebida apenas pe lo c o m p o r t a m e n t o absurdo do l o u c o . .Vós a sentimos mesmo na absoluta i n a t i v i d a d e d o demente, ela aparece nos seus olhos, nos quais nós vemos a presença de suas paixões .
Por isso, e x p l i c a v a e u , a elaboração e a improvisação das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " d o presente d o personagem l o u c o , era apenas a fase preparatória para nossas experiências c o m a " incandescência e m o c i o n a l " .
Para essas experiências os atores r e c o r r i a m ao passado do personagem, a n t e r i o r à sua e n f e r m i d a d e , i n c l u i n d o nele principalmente os t r a u m a s que t e r i a m causado a d o e n ç a .
N a e laboração das "c ircunstâncias p r o p o s t a s " re ferentes ao passado do personagem havia u m p o n t o m u i t o i m p o r t a n t e . E o que nós chamávamos de " c o m p e n s a ç ã o da n a t u r e z a " .
C o m o já sabemos, o processo inibitório e l i m i n a , e m certas circunstâncias, a re cordação d o passado do indiv íduo . Mas novas e x c i t a ç õ e s provo cadas p o r est ímulos i n t e r n o s (pensamentos verbalizados) e e x t e r n o s (fatos objetivos) c r i a m novas c o n e x õ e s temporárias e c o m elas n o v a realidade sub je t iva , d i a m e t r a l m e n t e oposta à real idade do passado.
Podemos dizer q u e a real idade da l o u c u r a compensa os s o f r i m e n t o s da real idade d o passado.
A s s i m , por e x e m p l o , u m h o m e m que enlouquece e m consequênc ia de várias desgraças m a t e r i a i s , de e x t r e m a pobreza , de f o m e , etc . na l oucura
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torna-se rniiionário; u m o u t r o q u e , d e v i d o à sua abso luta impotênc ia e f r a g i l i d a d e , sofre de constantes humi lhações e privações de l i b e r d a d e , na l o u c u r a a d q u i r e u m poder sem l i m i t e ; e m e s m o nas manifestações pato lóg icas de m e d o , chamadas ant igamente de m a n i a de perseguição, há u m a c e r t a c o m pensação em f o r n i a de autof lagelação. P o r e x e m p l o , a pessoa c o m e t e u m a o que ela própria considera c r i m i n o s o , m a s , e m b o r a passe p o r intoleráveis s o f r i m e n t o s de remorsos, não confessa o c r i m e . Se o t r a u m a causado pelos s o f r i m e n t o s a leva, f i n a l m e n t e , à l o u c u r a , esta se revela e m f o r m a de a u t o -punição através de imagens de e t e r n a a m e a ç a de perseguições.
E m u i t o i m p o r t a n t e levar e m cons ideração esse f a t o r ao e laborar as "circunstâncias p ropos tas " re ferentes ao passado do personagem. A o estabelecer u m a c o n t e c i m e n t o , u m i n c i d e n t e q u e pudesse ser l evado pe l o a t o r às ultimas consequências para q u e servisse de t r a u m a causador de distúrbios menta is do personagem, o a t o r deve e l a b o r a r , s i m u l t a n e a m e n t e , u m a espécie de " a n t í d o t o " , c o n f o r m e e x p u s e m o s a c i m a . Esse " a n t í d o t o " constituirá a u t o m a t i c a m e n t e os s intomas da d o e n ç a , o u seja, traços característ icos da nova personal idade do ind iv íduo , q u e d e v e m ser incluídas nas " c i r cunstân cias p r o p o s t a s " da ação no m a n i c ô m i o .
C o m o vê o l e i t o r , até aí estávamos p r o c u r a n d o organizar , c o m a m a i o r lógica possível, os e lementos da ação q u e pudessem levar-nos à " i n c a n d e s cência e m o c i o n a l " e à consequente c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l .
Para m a i o r clareza, d o u a b a i x o descr i ção d o t r a b a l h o de u m dos atores que , acred i to , aproximou-se mais q u e os o u t r o s dos nossos o b j e t i v o s .
Ele escolheu para o seu t t a b a l h o de elaboração do passado d o perso nagem o seguinte t e m a :
U m rapaz, filho de u m a famí l ia m u i t o modesta , quase p o b r e , c o m e ç o u sua v ida de a d u l t o c o m o " o f f i c e - b o y " n u m banco . E m b o r a trabalhasse m u i t o , ele c o n t i n u o u o b s t i n a d a m e n t e a estudar . Passando p o r várias etapas de serviço, conseguiu o lugar de c o n t a d o r , depois gerente de u m a filial e finalmente, d i r e t o r do banco . Ele e n r i q u e c e u , c o m e ç o u a especular c o m as ações na bolsa, tornou-se mi l i onár io , p a i de u m a família fe l iz e t o d o s os o u t r o s a t r i b u t o s do que nós c h a m a m o s " u m filme m e x i c a n o " . N o auge d o seu bem-estar, de repente t o r n o u - s e " v í t i m a dos v í c i o s " , c o m e ç o u a j o g a r cartas, fazer farras, teve m u i t a s a m a n t e s e, q u a n d o c o m e ç a r a m a f a l t a r me ios mater ia is , ele se a t i r o u nas o p e r a ç õ e s de bo lsa arriscadas, que p o u c o a p o u c o o l evaram à falência e à ruína t o t a l . E l e perdeu a família e a única pessoa amiga que lhe restou , a sua ú l t ima a m a n t e , adoece de câncer . A últ ima esperança de salvá-la era u m a o p e r a ç ã o , mas ele já estava na miséria t o t a l e " a bem-amada morre nos seus b r a ç o s " . A m o r t e dela leva o personagem à l o u c u r a .
A T O R E M É T O D O 147
O p r i m i t i v i s m o d o e n r e d o não nos preocupava , bastava-nos q u e o t e m a fosse capaz de e x c i t a r a imaginação d o a tor a p o n t o de p o d e r levá- lo à " incandescênc ia e m o c i o n a l " .
T e n d o pres tabe lec ido q u e a causa da l o u c u r a d o personagem seria a penúria t o t a L o a t o r a c h o u q u e o " a n t í d o t o " dos seus s o f r i m e n t o s seria o poder i l i m i t a d o do d i n h e i r o — o seu personagem se t r a n s f o r m a v a e m a r q u i -mil ionário que c o m o seu d i n h e i r o resolvia t o d o s os p r o b l e m a s d o s seus p r ó x i m o s , salvando-os de situações desesperadoras.
I n f e l i z m e n t e , n a q u e l a é p o c a , devido a certas circunstâncias n ã o p u d e organizar improvisações co le t ivas sobre os temas do passado dos p e r s o n a gens. T o d o s os atores f a z i a m seus " l a b o r a t ó r i o s " m e n t a l m e n t e , o q u e . é c laro , d i f i c u l t a v a o t r a b a l h o e se ref let ia no r esu l tado final.
Q u a n d o o a t o r e m questão sentia, d u r a n t e o seu" " l a b o r a t ó r i o " , que estava chegando ao l i m i t e m á x i m o das sensações que se t o r n a v a m i n s u p o r táveis, ele faz ia o que n ó s chamávamos de " c l i c " , i s t o é, c o m u t a v a a ação preparatória para a d o l o u c o .
C o m o já sabemos, n ã o se deve temer d i f i cu ldades e m rea l i zar essa c o m u tação. Se o a tor r e a l m e n t e consegue levar suas sensações às ú l t imas consequências, ele passa ao " c l i c " c o m sensação de alívio e, p o r t a n t o , c o m fac i l i dade .
Nesse m o m e n t o , g e r a l m e n t e , o ator c omeçava a s o r r i r o l h a n d o p a r a u m dos personagens, p e n s a n d o e m c o m o poder ia ser-lhe útil c o m os seus m i lhões , pois a p a r t i r d a q u e l e m o m e n t o , j á era u m arquimi l ionár io . O seu banco inesgotável era u m v e l h o j o r n a l que sempre segurava e m b a i x o d o braço e d o q u a l a r rancava pedaços , entregando-os aos o u t r o s c o m o cheques no va lor de milhões de c r u z e i r o s .
N o in í c i o dos t r a b a l h o s , quando ele a inda não conseguia a " i n c a n d e s c ê n c i a " , c onvenc ia os nossos espectadores pela e x t r e m a n a t u r a l i d a d e c o m que encaminhava u m d i á l o g o i m p r o v i s a d o , q u a n d o p o r e x e m p l o , d i z i a ao m é d i c o que o V i a d u t o d o Chá era dele, o u perguntava se o m é d i c o q u e r i a c o m p r a r o seu C i t y B a n k , e p r i n c i p a l m e n t e nos m o m e n t o s q u a n d o entregava os " c h e q u e s " .
A té a í o seu T r a b a l h o era u m b o m e x e m p l o de improv isação d e n t r o do processo de " A n á l i s e A t i v a " de u m a cena. Mas o seu personagem era mais d i v e r t i d o d o que p e r t u r b a d o r . Havia ação de u m l o u c o , mas não h a v i a l o u c o . Estava f a l t a n d o e x a t a m e n t e a comunicação e m o c i o n a l .
U m d ia , essa m i n h a impressão f o i casualmente c o n f i r m a d a p e l o nosso amigo , o grande p s i q u i a t r a bras i le i ro , d o u t o r Bernardo B l a y q u e , às vezes, aparecia às nossas aulas p o r curiosidade (Dr. Bla\, além de cientista, é um grande conhecedor de teatro). Depois da aula ele c o m e n t o u o r e s u l t a d o do t r a b a l h o daquele a t o r : " N o seu personagem não senti o p s i c o p a t a . E r a uma
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pessoa n o r m a l que, talvez p o r b r i n c a d e i r a , adotasse at i tudes e c o m p o r t a m e n t o u m t a n t o es tranhos" .
Mas em cada novo " l a b o r a t ó r i o " i n d i v i d u a l o a tor acrescentava novos detalhes do seu " m o n ó l o g o i n t e r i o r " e das "v i sua l i zações " cada vez mais exc i tantes . N o silêncio da sala nós c h e g á v a m o s a ouv i r o ranger de seus dentes. E q u a n t o mais exc i tado ele f i cava , t a n t o mais conv incente tornava-se e m o c i o n a l m e n t e durante a cena d o m a n i c ô m i o . N o seu r o s t o l u z i a u m a fe l ic idade i l i m i t a d a . N e n h u m mi l ionár io , m e n t a l m e n t e são, p o d e r i a s e n t i r a milésima parte daquela fe l i c idade , p o r q u e sua riqueza real n u n c a d e i x a r i a de lhe causar preocupações e m e d o de perdê- la . A s fo tograf ias desse a t o r , b e m c o m o as dos outros que também c o n s e g u i r a m chegar à " incandescênc ia e m o c i o n a l " , c o n f i r m a r a m a nossa impressão .
E preciso no tar que n o r m a l m e n t e , apesar da imensa exc i tação e tensão nervosa durante o " l a b o r a t ó r i o " , o a t o r e n q u a n t o fazia as suas cenas n o mani cômio , não perdia a n o ç ã o da r e a l i d a d e o b j e t i v a : — d u r a n t e nossos comentários sobre os trabalhos rea l izados ele se l embrava de cer tos detalhes da reação da plateia , das risadas, das e x c l a m a ç õ e s inesperadas, etc . P o r t a n t o , a " d u a l i d a d e do a t o r " estava presente nele . I s t o só pode ser e x p l i c a d o pe la existência da " p r i m e i r a instalação" , ( " insta lação p r o f i s s i o n a l " ) , c u j o e f e i t o sobre o a tor é sempre a p e r m a n e n t e sensação d o prazer de representar , comunicando-se c o m o espectador.
C o m o já sabemos, o equi l íbr io e n t r e a rea l idade ob je t iva (eu — o ator, os meus colegas, os espectadores, o palco, etc.) e a subjet iva (eu — o personagem) é m a n t i d o por me io da " p r i m e i r a ins ta lação " .
Mas esse equilíbrio pode ser r o m p i d o se o a t o r , p o r u m a o u o u t r a razão, perde o c o n t a t o c o m a " p r i m e i r a ins ta lação " . Por e x e m p l o , m a r a v i l h a d o pelo grande poder da " incandescência e m o c i o n a l " , o a t o r ehtrega-se — " s ó pra e x p e r i m e n t a r ! " — aos seus " l a b o r a t ó r i o s " ' integralmente, c o m o o f a z e m os part i c ipantes das sessões de m a c u m b a . E le passa a acredi tar na rea l idade do imaginário, ele não mais exerce a sua ar te — ele se t r a n s f o r m a e m perso nagem, fica c omple tamente fora da rea l idade o b j e t i v a .
I s t o aconteceu, u m dia , c o m o m e s m o a t o r . N u m a das aulas, q u a n d o ele ofereceu u m " cheque no va lor de três b i lhões de c r u z e i r o s " a u m o u t r o " l o u c o " , este o recusou e c o n t i n u o u r e c u s a n d o , o que levou o " m i l i o n á r i o " ao estado de e x t r e m a cólera. Ele c o m e ç o u a perseguir o o u t r o p o r t o d o s os cantos do manicômio , e x i g i n d o que aceitasse o " c h e q u e " . Os dois ,pál idos e ofegantes, estavam pu lando p o r c i m a dos móve is e, n u m dado m o m e n t o , encontraram-se l u t a n d o e m c i m a de u m a mesa encostada a u m a grande jane la , quebraram os v idros e p o r p o u c o não caíram do q u a r t o andar para a rua.
Apesar de u m susto geral, a m a i o r i a dos presentes achou a cena " i m p r e s s ionante ! . . . " Mas houve também q u e m l o g o visse " o o u t r o l a d o da m e d a -
A T O R E MÉTODO 1 4 9
l h a " : t e r i a s ido r e a l m e n t e t e a t r o o que acabávamos de ver? Não t e r i a s i d o u m a l o u c u r a quase autênt ica? Nessas condições , p o d e r i a u m a t o r r e p r e s e n tar d e n t r o das "c i rcunstânc ias p r o p o s t a s " concretas de u m a peça? E c l a r o que n ã o ! E le n e m seria capaz d e , s implesmente , dizer u m t e x t o f i x o .
Para c o m p r o v a r isso, p r o p u s u m a experiência. N a cena d o m a n i c ô m i o , que, até aí , sempre se faz ia t o t a l m e n t e improv i sada , i n t r o d u z i m o s u m c u r t o diálogo obr igatór io e n t r e o " m é d i c o " e os " l o u c o s " . O t e x t o do d i á l o g o consistia e m três o u q u a t r o frases , e p o r t a n t o era fácil de se decorar . N o meio d o diálogo geral i m p r o v i s a d o , quando o " m é d i c o " dava u m a d e t e r m i nada d e i x a , o " d o e n t e " dev ia d i z e r a sua p r i m e i r a fala e depois c o n t i n u a r esse pequeno diálogo até o fim.
Q u a l não f o i a surpresa g e r a l quando, alguns atores, e m b o r a t e n h a m decorado o t e x t o c o m a b s o l u t a precisão, não consegu iam lembrar-se d e nada, e d u r a n t e o d iá logo c o m o " m é d i c o " gaguejavam, c o n f u n d i a m as frases, r e s p o n d e n d o sem a m í n i m a lógica; u m deles s implesmente não conse guiu p r o n u n c i a r u m a pa lavra sequer . E f o r a m exatamente os maiores en tus ias tas da " incandescênc ia e m o c i o n a l " , os que mais f a c i l m e n t e c o n s e g u i a m alcançá-la!
Mas t e n h o que d i zer a v e r d a d e : a cu lpa não era u n i c a m e n t e dos a t o r e s , era e m grande par te m i n h a .
O p r i n c i p a l o b j e t i v o dos nossos trabalhos era ver i f i car na prática a p o s s i b i l idade de se usar a " i n c a n d e s c ê n c i a e m o c i o n a l " c o m o m e i o de alcançar a verdadeira c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l . Por isso, não se prestava a dev ida a t e n ção à e laboração e à i m p r o v i s a ç ã o mais detalhada das cenas n o m a n i c ô m i o . Nessas cenas, apenas de l ineadas e a inda não assimiladas pelos atores, estávamos e x p e r i m e n t a n d o e m o ç õ e s t ã o agudas, tão extraordinárias! Não era d e estranhar que os a tores , nessas c o n d i ç õ e s , p e r d i a m a segurança e o e q u i l í b r i o .
Mas esses revezes nos l e v a r a m a u m a conc lusão m u i t o i m p o r t a n t e . Se , em vez de estar f a z e n d o exper iênc ias , decidíssemos usar a " i n c a n d e s c ê n c i a e m o c i o n a l " e m t e a t r o , c o m u m d e t e r m i n a d o m a t e r i a l dramatúrgico , nunca poderíamos começar a elaboração do estado de "incandescência"antes que concluíssemos trabalhos com os outros elementos do "Método". Usa i í a m o s a "Anál ise A t i v a " e m sua p l e n i t u d e e só depois de c o m p l e t a r t o d o o t r a balho n o r m a l recorrer íamos à " incandescênc ia " para levar ao m á x i m o a capacidade dos atores se c o m u n i c a r e m e m o c i o n a l m e n t e c o m a p la te ia .
R e d u z i n d o ao essencial t o d a a matéria deste cap í tu lo , podemos d i z e r que:
1) A c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l e m seu estado p u r o existe na v ida r e a l .
2) I g u a l m e n t e ela ex is te e m t e a t r o . Ela se real iza pelos atores de g r a n d e ta lento s u b c o n s c i e n t e m e n t e .
150 EUGÊNIO K U S N E T
3) É necessário descobrir processos consc ientes que possam levar o a t o r a agir em cena sob a influência d o seu s u b c o n s c i e n t e , i s t o é, sob a influência de acontec imentos e s e n t i m e n t o s esquecidos (recalcados).
4) A re f lexologia nos e x p l i c a a mecânica desses processos na v ida r e a l : o esquecimento do passado (o recalque) se rea l i za através da inibição a u t o mática do foco at ing ido p o r u m a exc i tação e x t r a l i m i t e .
5 ) Esse processo pode ser rea l izado pe l o a t o r de l iberadamente . Para isso ele se submete à exc i tação e x t r a l i m i t e ( " incandescênc ia e m o c i o n a l " ) e, por me io de u m a auto-sugestão ( " m o n ó l o g o i n t e r i o r " ) , consegue a inibição (esquecimento do passado).
6 ) C o n t a n t o que o a t o r esteja sempre s e n t i n d o o prazer de c o m u n i -car-se c o m o espectador ( " a d u a l i d a d e d o a t o r " consequente da " p r i m e i r a instalação") , ele não deve t e m e r e fe i tos noc ivos da exc i tação excessiva.
7) A " incandescência e m o c i o n a l " só p o d e ser u t i l i z a d a em teatro c o m o o p o n t o c u l m i n a n t e de t o d o o t r a b a l h o preparatór io , p r i n c i p a l m e n t e a "Análise A t i v a " .
8) Há necessidade de p e r m a n e n t e s experiências c o m esse m é t o d o , para evidenciá-lo e i n c u t i - l o na m e n t e de t o d a nossa g e n t e de t ea t ro .
I n f e l i z m e n t e , no Brasi l n u n c a t i v e m o s a o p o r t u n i d a d e de c o n f i r m a r esse m é t o d o no trabalho c o t i d i a n o de nosso t e a t r o . C o n f o r m e já c o m e n t a m o s , os nossos melhores d i re tores , sempre d ispostos a fazer novas experiências, desist iram, por força de certas circunstâncias, até da própria "Anál i se A t i v a " . O u t r o s diretores u s a m a " incandescênc ia e m o c i o n a l " , talvez sob u m t e r m o d i ferente , — c o m o es t ímulo para a exc i tação g r a t u i t a da imaginação, que f r e q u e n t e m e n t e nada t e m a ver c o m os prob lemas das "circunstâncias p ropos tas " da peça . O r e s u l t a d o disso, n a t u r a l m e n t e , é idêntico ao que e x e m p l i f i c a m o s a c i m a , i s to é, a p e r d a da n o ç ã o da r e a l i dade ob jet iva , o que leva o a t o r a u m a espécie de de l í r io .
A metodo log ia certa n o uso da " i n c a n d e s c ê n c i a e m o c i o n a l " que deve levar o a tor ao máximo da c o m u n i c a ç ã o e m o c i o n a l , deve ser p r o c u r a d a e encontrada por cada d i r e t o r nos t raba lhos prát icos c o m o seu e lenco , bastando para isso que os seus atores t e n h a m prática em improvisações.
O ob je t ivo deste l i v r o é m u i t o menos ensinar a arte dramática d o que despertar o interesse geral pelo p r o b l e m a da atualização do t e a t r o b r a si le iro . Se o meu l i v r o conseguir despertar esse interesse no m e i o de nossos atores, diretores e professores de ar te dramática , t enho certeza de que as consequentes experiências levarão o nosso t e a t r o a u m grande progresso.
" P a r a poder sempre c o n f e r i r as leis objetivos da cr ia t iv idade artística! devemos m a n t e r i n i n t e r r u p t o o d e s e n v o l v i m e n t o da nossa própria experiência subjetiva".
Essas palavras de K . S. S t a n i s l a v s k i são rea lmente a base de progresso na nossa ar te .
ÍNDICE
N o t a d o A u t o r O A t o r e a Verdade Cénica o u Estar A r d e n d o , p a r a I n f l a m a r Introdução
PRIMEIRA PARTE - Iniciação à A r t e Dramática
1. ° Capí tu lo Pág. T r a b a l h o de teatro é t r a b a l h o de e q u i p e — V e r d a d e s da Ciência — Verdades da A r t e — A t o r , e l e m e n t o indispensável ao t e a t r o — T e a t r o , capac idade de representar a vida do Espír ito H u m a n o — Fé Cénica — Obtenção da Fé Cénica.
2. ° Capítulo Pág. Objet ivos do Personagem — O b j e t i v o s d o A t o r — Lógica da Ação — A ç ã o C o n t í n u a e I n i n t e r r u p t a — A ç ã o E x t e r i o r e A ç ã o I n t e r i o r — N ã o ex is te A ç ã o sem ob je t ivo .
3. ° Capítulo Pág. Circunstâncias Propostas — O mág i co SE F O S S E — Visualização.
4. ° Capítulo Pág. Meios de C o n t a t o e C o m u n i c a ç ã o : F ís i cos e M e n t a i s — Atenção cénica — Círculos de A t e n ç ã o — A ç ã o Insta ladora — D u a l i d a d e do A t o r .
5. ° Capítulo Pág. Visualização das Falas — O r i g e m da l i n g u a g e m h u m a n a — O sent ido e o v a l o r s o n o r o das palavras — Inflexão e ênfase nas palavras — L e i t u r a l óg i ca .
6. ° Capítulo Pág. M o n ó l o g o I n t e r i o r e S u b - t e x t o — O r a c i o c í n i o e ação do Personagem — Improvisação e E s p o n t a n e i dade do A t o r — Falas I n t e r n a s — T e m p e r a m e n t o e E s t r u t u r a Psíquica do A t o r .
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SECUNDA PARTE - Meios de C o m u n i c a ç ã o E m o c i o n a l
7. ° Cap í tu lo Pág. 83 T e m p o - R i t m o — E f e i t o e m o c i o n a l d o T e m p o - R i t m o — T e m p o - R i t m o Simples — T e m p o - R i t m o Compost o — T e m p o - R i t m o E x t e r i o r — T e m p o - R i t m o I n t e rior.
8. ° Cap í tu lo Pág. 97 Análise A t i v a — Improvisação O b j e t i v a d a — Recept iv i dade do A t o r para t r a b a l h o de e q u i p e — R o t e i r o dos acontec imentos — " f a t o r e s a t i v a n t e s " — C o m o desenvolver a "Anál ise A t i v a " n u m a peça — D i r e t o r e Elenco — A Imaginação e Espontane idade , faculdades exercitáveis — C o m o f i x a r resultados obt idos nos " l a b o r a t ó r i o s " — Análise f r i a da Improvisação — Improvisação d e n t r o das Circunstâncias Propostas — Seleção dos E lementos da A ç ã o — Assimilação gradativa do t e x t o t e a t r a l : c o - a u t o r i a do t e x t o — B o m senso e Prática do D i r e t o r para a escolha das etapas da "Análise A t i v a " .
9. ° Cap í tu lo P á g 118 Escrever cartas : preparação m e n t a l e física para ação cénica (concentração) — Improvisação l ivre dentro das "Circunstâncias P r o p o s t a s " — M e i o de f ixar m a ter ia lmente os pensamentos do a t o r para racional ização e seleção dos resultados o b t i d o s espontaneamente .
10 . ° Capítulo Pág. 133 Comunicação Essencia lmente E m o c i o n a l — Meios do A t o r a m p l i a r o c o n t a t o c o m o subconsciente — Psicologia Re f l exo lóg i ca esclarece e c o n f i r m a esse método de t r a b a l h o n o T e a t r o - T e m p e r a t u r a L i m i te das E m o ç õ e s : Processo de Exc i tação e Inibição conscientes — " L a b o r a t ó r i o s " : Equi l íbr io entre Realidade O b j e t i v a e Real idade S u b j e t i v a — Necessidade de constantes experiências para resultar concretamente o t r a b a l h o e m T e a t r o .
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