Fevereiro 2014 | RecifeEdiao #1
EXPEDIENTEtimo a publicaco re-sultante da disciplina de Edio do curso de Co-municao Social - Jor-nalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Departa-mento de Comunicao (Decom), do Centro de Artes e Comunicao (CAC). * Chefia do De-partamento: Paula Reis * Coordenao de Jor-nalismo: Heitor Rocha * Professor orientador: Thiago Soares * Equipe: Daniel de Andrade Lima, Isabela Almeida, Las Arajo, Marcela Lins, Marcela Pereira, Moema Frana, Victor Germano
MOEMA FRANA de peixes e ascendente em touro. Ela adora sereias.
MARCELA LINS de libra com ascendente em leo e lua em
gmeos. Ela pssima.
DANIEL DE ANDRADE LIMA da cspide escorpio/sagitrio, ascen-dente em gmeos e lua em libra. E, por algum motivo, ele adora dizer
isso.
LAIS ARAUJO de cancer com as-cendente em escorpio. Ela sofre. Matando.
VICTOR GERMANO libriano gente boa. Pra ele, isso basta.
MARCELA PEREIRA geminiana com jeitinho de capricrnio.
ISABELA ALMEIDA de signo de peixes. Mas deve ter algo em terra. Ela acha.
lipsync for your life pois no t fcil pra ningum
A PUBLI-
CAO TRATA DOS DIFERENTES MODOS DE SENTIR
A RUA. AQUI, A RUA PARTICIPA COMO EL-EMENTO DE INTERFERNCIA NA VIDA DO
INDIVDUO E ATUA MAIS NO SENTIDO SEN-SORIAL DO QUE FSICO. UM TRABALHO DE CUNHO MAIS SUBJETIVO, COM NFASE EM
CONTOS E CRNICAS QUE DIALOGAM DE FORMA DIRETA COM AS FOTOGRAFIAS E ILUSTRAES
PRESENTES AO LONGO DO PRODUTO, RESSIGNIFI-CANDO CONCEITOS E LEVANTANDO QUESTION-
AMENTOS INTERNOS SOBRE A RELAO SUJEITO-RUA NO CONVVIO DA CIDADE, DE MODO GERAL.
o soct ian l. Ee sv cre e vom iu s s ro a ea gnu q er u h a cn A to er e ts sc eu dto e po as ms uo vi eo danel j aa . h 53ni am n oa sd d ep oo fn ci o .e tm re o md e ei dx a ar ta sim la d ne rs oc Jr e .n ot de nd uo m
Tinha um fotgrafo que me acompanhava, mas ele
j morreu, como todos de quem bateu uma fotograa
de trabalho. O danado me mandou um e-mail, pouco
antes de morrer, vai que sabia que ia bater as botas.
Bater as botas... Tem expresso que a gente jura que
nunca vai usar, mas usa e nem lembra porque disse
que nunca ia usar. Na verdade, admito que
desconheo expresso to rica quanto armar que um
sujeito bateu suas respectivas botas.
Sou um homem doente, tenho medo das quedas que
ainda no levei. Pra um idoso como eu, a queda o
comeo da desgraa. So as histrias que a gente
escuta, n? Seu Idelfonso, o fotgrafo, cou de cama
depois da topada na calada da porta de casa.
Bom rapaz, o Idelfonso.
Mas a rua no perdoa. Voc ca
velho e ela te derruba no cho.
Andar devagar demais, car vendo a
vida passar na janela pra qu?
Idelfonso tinha problema de
conjuntura, pensava mal demais do
Brasil, tinha agonia de gente pobre.
De rica tambm. De gente mediana,
reclamava de tudo, at que morreu
pra gente poder reclamar dele e se
sentir culpado. Bom rapaz, o Idelfonso.
Eu me levantei depois de umas horas sentado olhando a janela, porque o
porteiro do prdio desligou a TV. Abri minha caixa de entrada pela milsima
vez e me dei conta de que precisava repassar essa histria. A ltima, quem
sabe. A do e-mail do Idelfonso. Tenho uma impresso de que tudo que escrevo
uma repetio de tudo que j li. Inclusive a histria que vou contar. A que me
fez voltar a escrever depois de alguns saudveis e deprimentes anos de
aposentadoria.
O caso que Idelfonso
gostava de andar pela rua
da Aurora toda segunda-
feira de cada primeira
semana do ms. Sozinho.
Usando um tipo especco
de chapu, um que ele
comprou s para a ocasio,
numa loja perto do Cais
Jos Estelita. O chapu cor
de areia feito ele dizia
protegia do sol e, de
quebra, da merda que os
pombos cagavam
eventualmente em sua
cabea.
Foi numa dessa segunda-
feira discreta, que ningum
v, nem sente, que
Idelfonso viu, de fato, o rio
Capibaribe na rua da
Aurora. A gua estava alta,
havia uns pescadores por
perto, mas longe o
suciente para aquele
momento ser s seu.
Comeou como um assobio
e aumentou at virar um
barulho de vento imitado
por voz humana, ele
escreveu. Olhou ao redor,
achando que tinha ouvido
coisa, mas tinha parado
com o doce desde que o
colega de quarto se mudou.
Tinha nibus passando em
volta, era m de tarde, os
pontos de sol danavam no
ritmo do rio. S podia ser
barulho do alm, pensou.
Mas o som aumentou e ele
podia ver a nota musical,
num efeito sinestsico meio
louco. A voz cou clara e a
gua comeou a vibrar na
sua frente.
Que porra essa cara, que merda. J vi gente morta,
mas esse tipo de bizarrice nunca aconteceu antes, at
consigo escutar ele falando. Ento ele viu. Um bicho
mulher, de peito de fora, cabelo repuxado, seco,
melado de lama, com a pele escamada, brilhando no
sol. Marrom com dourado, tinha umas latas
enganchadas no cabelo, e no m do corpo tinha uma
cauda de peixe. Ficou na beira do lamaal que j tava
secando.
Uma sereia. Porra, era mesmo uma sereia? Eu nunca
vou saber. Idelfonso me apronta uma dessas antes de
morrer, digo logo que no coisa que se faa. S sei
que ele disse que tinha um monte de gente nos carros,
nos nibus, mas ningum olhava, nem os pescadores.
Era uma segunda-feira, o dia que no existe pra
ningum.
O bicho mulher farejava a lama, devia procurar
comida. Idelfonso tinha um biscoito que corresponde
ao club social desses tempos no bolso, meio
esfarelado. Num lampejo de coragem, desceu uma das
escadas que d acesso ao rio, lentamente. O bicho se
assustou, no sabia que era observado de cima. Mal
tinha boca, mas os olhos eram do tamanho das janelas
da minha casa em Arcoverde.
No vi a criatura, mas me apaixonei perdidamente por
ela, s de ler o relato. Os olhos so as janelas da alma,
dizem. Prero dizer que os olhos so as janelas da rua
mesmo. A rua que sai de dentro da gente.
Idelfonso jogou os biscoitos fora do pacote e a
criatura farejou, depois do receio, e comeu tudo.
Voltou pra gua e foi isso. Bela porcaria de histria,
Idelfonso. Po, achei que tu ia pelo menos dar uma
paquerada no nal, no dizem que sereia era pra isso
mesmo? Procurei relatos, falei com pescadores,
alguns disseram que j viram a coisa. Outros falam
que h muito tempo atrs, umas meninas entediadas
nas segundas-feiras da primeira semana do ms,
saiam pro centro da cidade e nunca mais voltavam
para casa. At chamam a msica de canto da sereia
entediada. Acho engraado.
O rio, assim como a rua, um evento social. Quem
sabe eles no tm uma sociedade estraticada com
sistema econmico baseado em sustentabilidade?
Nunca saberei. Mas mando meu registro para esse
catlogo de histrias que divulgaram na internet
porque toro para que algum continue na
investigao. Talvez eu morra logo, numa queda na
rua da Aurora. Espero que no cu tenha ruas. Ou rios
com sereias. Amm.
Abri minha caixa de entrada pela milsima vez
Abri minha caixa de entrada pela milsima vez
Abri minha caixa de entrada pela milsima vez
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Abri minha caixa de entrada pela milsima vez Abri minha caixa de entrada pela milsima vez
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gente
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saudade
at
hoje
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Estrada foi
lugar
shot liquido
ficou
cabou
A noite
comeou quan-do recebi uma caixinha
cheia de furos. Dentro: um pas-sarinho que cara do ninho, no bairro do
Poo da Panela. O batizamos de Outubro, lhe demos comida e lhe montamos um pequeno lar.
Outubro foi um ms conturbado para todas ns. Desentendimentos amorosos, frustraes, surtos e outros pequenos dramas que per-meiam a narrativa corriqueira daqueles que so jovens. Tomamos um nibus e chegamos em Olinda. Praa do Carmo, Quatro Cantos, prefeitura, Licoteria. Uma, duas, trs, quatro doses de qualquer destilado. Muita gente j deve ter andado sobre aquele cho de pedra. novembro e os primeiros acordes do Carnaval j ecoam timidamente. Entre risadas, confuses e uma certa embriaguez, pensamos no quanto bom estar junto por estar junto. E quando a luz do sol se esvaia, mais uma cerveja adentro. Agora em um aniversrio na Bode-ga de Vio. Conhecidos e nem to conhecidos assim. Em Recife, todo mundo se conhece. Em Olinda, tinha muito gringo naquela poca do ano. Mais tarde: Barchef, uma espcie de reduto meio mauricinho, meio casaforteano. Agora disperso. Um drinque por 16 reais. quela altura ramos ricas, como boas brias que saem noite.
Um, dois, trs drinques. Encontrei meu irmo. Moramos a alguns mil quilmetros de distncia. Como estvamos em Recife, voltamos condio comum das noites bomias: Conhecamos todo mundo. Mais amigos e pequenos lapsos de
memria. Acho que dancei. Tnhamos usque na bolsa. Mais doses. Duas, talvez. Minha viso j estava meio turva. Alguns amigos sumiram e eis que estou agora no Espinheiro. Estamos em um quintal. Gente, msica e redes. Agora meus amigos sumiram todos.
Deitei. Acho que vomitei. Quero ir pra casa. Vomitei mais ainda. Dan-cei freneticamente esperando escandalosamente por uma boa alma que me levasse embora. Como no havia o que fazer, dancei. Acho que tocava Pixies e
e New Order.
Vi um sof na pista de dana e acho que dormi ali. Acordei em uma cama que no era a minha. Tontura, dor de ca-bea e uma pequena sensao de no ser capaz de reconstruir aquela noite. Andei para casa. Era meio dia e o sol estava forte. Segui a Estrada do Ar-raial descabelada e de maquiagem bor-rada, com o mesmo vestido amassado
e vomitado. Chamamos isso de caminhada da vergonha. Durante a noite, soava natural aquele estado. Mas nesse momento me senti obscena. Mui-tos olhares daqueles que trabalhavam ou que almoavam uma carne guisada no mercado de Casa Amarela. Era como se eu estivesse profanando um ambiente dinmico e produtivo com meus ares de bbada.
Finalmente cheguei em casa. Eita, o pssaro! Abri a caixinha: Outubro mor-reu.
ssa rua parece uma pintura. Os anos passam, os filhos mudam de bairro, os velhos envelhecem, mas a Rua
Copacabana a mesma. Se entrasse em cartaz no cinema, seria uma projeo de 24 quadros por hora. No Esubentenda por isso que seja entediante assisti-la. O velhinho sem camisa, de chapu branco, maior espectador da rua, deve ach-la, no mnimo, fascinante. Postado em sua cadeira dobrvel vermelha, na
esquina, ele mal v as horas passarem.
Uma bolha no meio do Recife: o tempo no passa e
as geraes se encontram.
Assiste afobada moa recm- xingada em trs pixaes
habilitada tentar fazer a baliza diferentes? Acima de tudo, como,
como se espetculo fosse. Sem meu Deus, aquele rapaz aguenta
dizer palavra, bota a mo no fazer tantas flexes no quintal de
queixo e observa os setubenses sua casa?
andarem no meio da rua, como se
no houvesse calada. Se os Mistrios, mistrios, que eu, h
julga, no sei dizer. Nem posso 20 anos moradora
saber se ele mesmo anda pelo da Rua Copacabana, ainda no Ospasseio ou pelo asfalto meio sei responder. O maior deles
esburacado. Pelo que vejo, talvez seja o gosto musical dos
magicamente aparece com sua frequentadores do barzinho. De diascadeira ao amanhecer e Duran Duran a Leonardo, as desvanece ao pr-do-sol. Pai do surpresas so sem fim. Assim
ex-zelador de um edifcio, o como a verborragia daquele
ve lh i nho s ma i s um menino que passeia com o poodle sopersonagem dali.. e fala sozinho.
Como um show de Truman, O silncio, no entanto, o que
todos os dias as cenas so iguais. tende a reinar nesse lugar. Sob o todosComo se ensaiadas, as pessoas tnue som do bem-te-vi, mes
posicionam-se em seus spots vo comprar po de cabelos
pontualmente. Seguindo pela rua molhados e Havaianas no
s 7h20, voc ver o velho e sua momento antes do escurecer. pacadeira, a moa de traos
asiticos andando determinada A padaria, deserta, de repente se
para a academia, o senhor de enche de clientes que se
m e i a - i d a d e e b i g o d e s enfileiram no caixa, distrados reacompanhado do majestoso co com a programao da Globo. A
rusky siberiano enrolando a calmaria caracterstica dos
co l e i r a na mo d i r e i t a . moradores de Setbal se ciestampam em seus olhos.Os annimos moradores daquela
via local vivem suas vidas com a Os dias so todos parecidos. Mas
d i sc i p l i na de a to res de as semanas e os anos esto dosHollywood. E, assim, os dias passando. O menino que fala seguem, com mais do mesmo e sozinho j quase um homem
com os eternos mistrios. De feito. E o google maps teima em
quem aquele fusca estacionado dizer que j no somos mais os
debaixo da rvore? Ervas mesmos. Viramos Avenida. Com
daninhas j brotam debaixo dos direito a nome de gente famosa:
pneus. Quem Poliana, a Ayrton Senna. Mas as placas
misteriosa, que parabenizada azuis e enferrujadas pela rua no
num letreiro amarelo pintado no negam. Ainda vivemos na Rua
cho? E Biana, a coitada, que Copacabana.
timo
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