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Índice RemissivoA Inflação do Além
U Assombramento da Praça
U Véi do Beco do Arnaldo
A Aima de Zé de Zuza
“Na Rua do Cemitéro”
O Boneco Encapetado
A Câmara “Malassombrada”
2
A Inflação do Além1
Fui passiá na madruga
Após tê pirdido o sono.
Cheguei na praça pra vê
Se achava argum cão sem dono.
Már num achei foi ninguém.
Parti de vorta sem nem
Tê cum quem me acumpanhá.
Porém, na vorta, eu sinti
Um medo grande e previ
Que a coisa ia piorá.
2
Deu-me um frii nos ispinhaço
Que me gelô pu compreto.
Pensei num tá mais sozin,
Már num quis sê indiscreto.
Cotinuei prossiguino,
Imbora, um negóço fino
Já caminhasse a meu lado.
Era franzino o isprito,
Tinha um andado isquisito,
Már caminhava calado.
3
E eu num quis puxá cunvessa
3
Cum aquela assombração.
Tarvêiz tivesse vortano
Lá da sua ocupação
E se mostrasse cansada,
Num quereno falá nada
Nem pará pra coisa arguma.
Intão dicidi ficá
Im silenço e só andá
Sem tentá coisa ninhuma.
4
Már num é que, após uns passo,
Ela isboçô uma ação!
Gesticulô, fez careta,
Tentano aproximação
E adispois chegô pra mim,
Dixe como tava ruim
O negóço prus fantasma.
Tava ajuntano uns “reá”,
Már num pudia comprá
Um televisô de plasma.
5
Ao que falei: - É a crise!
Tá duro pra todo mundo!
Dizem que, até no Além,
Já passam cheque sem fundo!
E o isprito arrematô:
- É verdade sim, sinhô!
Eu já sufri desse gópe.
4
Que fantasma brasilêro,
É quáij tudin trambiquêro.
Pra robá num tem “istópe”.
6
Eu balancei a cabeça
E preguntei sem pensá:
- Quá mansão você assombra
Ô tá pensano assombrá?
E ele arrespondeu, traqüilo:
- Tô assombrano um asilo.
Már o saláro é piqueno.
Bem antes dessa inflação,
Eu assombrava mansão,
Már num tão mais me quereno.
7
-Três boca pra’alimentá
E esse meu útmo patrão
Me dispensô do imprego
Sem quaiqué tramitação.
Nem me pagô os direito.
Falô “Isso eu num aceito!”
“Procure um adevogado!”
Tenho um, até, na famia.
Tô só isperano o dia
Do peste virá finado.
8
Cunvessei umas três hora
Cum aquele falecido.
5
Preguntei dos presidente
Que pra lá tem, presidido.
Ele me falô uns nome
Duma cambada de home
Que já passô nesse chão,
Que eu chega fiquei irado…
E, hoje, eu só viro finado,
Se fô numa’ôta nação!
6
U Assombramento da Praça1
No dia nove do sete
Do ano de noventa e três,
Eu fui passá pela praça,
Repasso a todos vocês,
Já era de madrugada,
Topei cuma’ aima penada
Se virano im lubizômi.
Nu’iniço era inguál a gente,
Dispois passô de serpente
Pra’ argo que eu nem sei dá nome.
2
Se arrastava pelo chão
Quá cara toda invergada.
Se conturcia dum jeito
Que ár mão ficava virada.
Tinha os pé chein de pêlo,
No côipo tanto cabelo
Que num sei nem a que ponto...
Uma mistura de fera,
De lubizômi e pantera
Que eu nem sei cumé que conto.
3
O bicho pegô uivano
7
E, cum pôco, a cachorrada
Tava todinha ali perto
E a praça já rudiada.
Era tanto do cadélo,
Que a contage eu nem revelo
Pra num passá pu mintira.
E eu ali no mêi do lote,
Já cum medo do magote,
Tumado de ziquizira.
4
Apariceu-se ôtos troço
Virado no “mói de quento”
E eu sem pudê nem corrê,
Preso na praça, ali dento.
Até lembrei do “Pai-Nosso” -
Mas, cum barui eu num posso
Me cuncentrá na’oração.
Dicidi ficá calado,
Já veno o piso babado,
Foimano pôça no chão.
5
Intão a tá critura,
Queu num sei nem discrevê,
Cumeçô falá cumigo
E eu arrispondi sem crê…
Que aquilo era um troço estrãi,
Tinha um linguajá mêi fãi
Cum fungado de nariz…
8
A coisa era muito fêa.
Chega o côipo se arrupêa
Só de pensá na’infiliz.
6
Dixe pra mim: - Você, hoje,
Vai pu’inferno, cidadão!
Eu arrispondi: - Discurpe,
Már hoje eu num posso não.
Tenho uns troço a risorvê.
Nôto dia, pode sê,
Már hoje, tá compricado.
Nem avisei a famia.
Fica pra um ôto dia.
Desde já, muito obrigado!
7
O bicho, intão, se irritô
Ante a justificativa.
“Meteu o pau” a rosná,
Cuns ói já im brasa viva.
Dixe: - Você vai quá gente!
Eu dixe, educadamente:
“Seu bicho”, é que num dá não!
Fosse, ao meno, feriado,
Eu ia, cum todo agrado,
Visitá a região!
8
Nessa hora, o bicho pegô-me
Pela “gargola” e puxô.
9
Nóis entremo pelo chão,
Que, logo, se iscancarô.
Aí eu fui cunhicê
Quá era o tipo de sê
Que habitava aquela “praça”.
A cachorrada fui junto
E mais um mói de difunto,
Que era um cambôi da disgraça!
9
Chegano lá, incontrei
Cum Tunico Trapacêro,
Cum Zé Dadô de Calote,
Cum Arfredo Trambiquêro…
Pulítco, tinha de lote,
Que arreparei o magote,
Nadano no chumbo quente.
Era tanto desse lodo,
Que eu pensei que’o’inferno todo
Só era só pressa gente.
10
Do Senado e do Congresso,
Tinha a corja toda quage.
De presidente daqui,
Perdi até a contage.
Passei lá um dia intêro
Contano pulitiquêro
No chumbo quente queimano.
Era tanto salafráro,
10
Que eu excidíi o horáro
Que eu era pra tá vortano.
11
Adispois dessa viage,
Agradici o fantasma,
Que foi me dexá de carro
Invôrto de “equitoplasma”.
Saí e me dispidi
E ele dixe que prali,
Quando eu morrê, num iria.
Que só me levô pra lá
Preu pudê arrepará
Quá era o povo que ia.
12
Dixe preu falá pru povo
Que correligionáro
De pulítco inganadô
Tem esse destinatáro
Bem como é cum seu patrão,
Que róba e mata a nação
Cum ação discomedida.
E, ali, pru meu interesse,
Falô que prum traste desse
A viage é só de ida.
11
U Véi do Beco do Arnaldo1
Em Tabira há uma istóra
Que o povo conta na rua
De um véi que sai de noitinha,
Já no quilaro da lua,
Pra assustá as pessoa,
Que acha de passá à toa
Lá no beco dessa escola.
Ele se vira em cachorro,
Sobe morro e desce morro,
Dispois avôa e se evola.
2
Sá Bernadete de Donga
Já me contô do fantasma.
Ela tava ali, passano,
Quando ficô de aima pasma
Cum essa visão terrive.
O véi tinha a cara horrive
E os dente tudo aguçado.
Correu pra cima de Berna
E agarrô-la pelas perna.
Le dano um susto danado.
3
Már, dispois desse agarrão,
12
Pu sorte, sortô-le os pé.
Aí, ela se apressô,
Correu, fazeno banzé,
E todo mundo iscutô.
Zé de Inoque até chegô
Pra ajudá a bendita,
Mas, chegano, num viu nada,
Que o fantasma, im debandada,
Fugiu de fóima isquisita.
4
Ninguém sabia ispricá
O qué que tinha ocurrido,
Intão fôro tudo imbora
E o caso foi isquicido…
Até que, um dia, Mané,
Sôgo de Dona Izabé,
Viu u véi no mêrmo canto
Fumano um pacai de paia,
Correno cuma navaia
E isso causô-le ispanto.
5
O caso é que o tá do véi
Vuava um paimo do chão
E se muvia cum tanta,
Tanta da aceleração
Que num tem hôme que pegue -
Nem besta, pôrdo, nem jegue
Curria daquele jeito!
13
Már quando chegô lá perto,
Se evolô no céu aberto,
Que nem Mané viu direito.
6
Coisa pu coisa, o que importa
É que o beco é assombrado.
Num passe lá de noitinha
Pra num baté cum danado,
Que o troço é discunhicido,
Ataca muié, marido,
Fii, genro, nora e subrin.
É mió mantê distança
Que infrentá aquela istança
E batê cum coisa-ruim.
7
Um dia desses, Zuleide,
Subrinha de seu Tunico,
Num acreditano em nada,
Risorveu abri o bico.
Dixe que aquilo era troça
E acho que o Cão que se apossa
Daquele beco iscutô.
Quando ela passô á noite,
Levô nas costa um açoite
Que quage mijô da dô.
8
Saiu gritano no beco,
Sem ninguém pra le acudi.
14
E o fantasma cum chicote,
Correno e dano assuvi.
U istalado de chibata
Inda se uviu nessa data,
Mas ninguém deu atenção.
Inda bem que ela iscapô
E o bicho se isvuaçô
Pr’ôta localização.
9
Dispois disso, nem pastô
Nem pade disacredita.
Todo mundo evita o beco,
Pruque u que num evita
Sofre da aima tinhosa
Persiguição assombrosa
Que num tem reza que acabe.
Mió circundá pur ôto
Lugá pra num vê u iscrôto,
Antes que a coisa disabe.
10
Já faz uns dez, onze ano
Que os negóço acunticeu.
De lá pra cá, nunca mais
O mêrmo fato ocorreu.
Már eu, que num só de ferro,
Evito carrêra e berro
Onde o vento dá de açoite.
Que eu num nasci pra “pacheco”:
15
Num qué vê o véi do beco?
Num passe no beco á noite!
16
A Aima de Zé de Zuza1
Já tinha uvido falá
Daquela istóra contada
Lá pras bandas de Tabira,
Terrinha por mim prezada.
Como a praça do Carlota
E o comérço do véi Tota,
E, ainda, o beco do Arnaldo,
O camim da Incruzilhada,
Im frente a Casa Caiada,
Guarda um terrô sem respaldo.
2
Uns fala que Zé Tenóro,
Que viveu lá doze ano,
Já viu coisa sem capricho,
Do caba perdê o prano.
Hoje mora em Surubim,
Da vida, já tá no fim,
Num qué mais tocá no assunto.
É que vê coisa do além
Num traz sorte pra ninguém
E, ainda mais, sé difunto!...
3
É que, quando Zé de Zuza,
17
Amigo de Zé Tenóro,
“Bateu as bota”, inda achô
De aparicê no velóro.
Már vô contá a istóra
De modo que haja mióra
No intindimento do fato.
Não que o mêrmo apariceu
Na sala e o povo correu…
Foi ôto o seu disacato.
4
Quando Zé Tenóro foi
No banhêro pra mijá,
Zé de Zuza, o falecido,
Achô de ví se banhá…
Tava Tenóro mijano,
Quando iscutô argo andano
Im direção ao chuvêro.
Olhô pra trás, era Zuza,
Surrino, tirano a brusa
Pra tumá bãi no banhêro.
5
Saiu em toda carrêra,
Puxano as carça ligêro.
Passô pelo mêi do povo,
Que entrô logo im disispêro.
Cabô que, no “trololó”,
O caixão terminô só
Na’habitação do finado.
18
Corrêro até os parente.
Ninguém ficô nem de frente
Do velóro do coitado.
6
A puliça apariceu
Pra recolhê o caixão.
Sinão ninguém interrava
O corpo do cidadão.
No sepucro destinado
Foi interrado o finado
E acabô-se a ladainha.
Már o povo deu de achá
Que o difunto ia vortá,
Porém certeza num tinha.
7
Só sei que, adispois duns dia,
Num é que o danado achô
De aparicê lá na casa
De Ari de de Zé de Dodô!
Dessa vez foi pra usá
A cuzinha e isquentá
Água pra fazê café.
Ari deu um disimbêsto
Que nem jegue sem cabresto,
Do mêrmo jeito, a mulé.
8
Já na casa de Tenóro,
Dixe que tinha iscutado
19
Uns passo lá na cozinha.
Foi oiá, era o finado.
Tava fazeno café.
No mêrmo instante a mulé
Foi oiá quem tava lá.
Os dois tremêro do susto
E déro um pique robusto
Prali, pra pudê contá.
9
Drumiro pur ali mêrmo.
Só vortaro de manhã.
A casa tava vazia
Sem disórde e sem afã.
Intão todo mundo vêi,
Sentô-se sem aperrêi,
Dispois vortô pra rotina.
Már num passô muito não,
E a peste da’assombração
Foi visitá Sivirina.
10
Tava ela dento do quarto,
Quando o traste apariceu.
Entrô, já abrino o armáro,
O que ela num intendeu.
Se arrastô pela parede,
Disprendeu do gancho a rede
E partiu com todo o gás.
Isqueceu feijão no fogo -
20
Que, pra tê um desafogo,
Nós deixa tudo pra trás.
11
Foi procurá Zé Tenóro
E, quando achô, contô tudo.
O pessuá se arrumô
Pra infrentá o imbate agudo
Contra aquele vurto mau.
Se armaro de péda e pau,
Faca, facão, foice e estaca…
Té cruz pra ispantá vampiro.
Arma de corte e de tiro,
Que a coisa num era fraca.
12
Metêro os pés na carrêra
Pra casa de Sivirina.
Só cinco entraro na casa,
Os fii de Zé de Cristina.
Quando fôro na cozinha,
Tava o isprito da tinha
Obisservano o fugão.
Dixe ele: - Ela sai sem rôgo
E isquece o fejão no fogo.
E eu tem que olhá o fejão!
13
Quando os cinco ouviro isso,
Quage mijaro nos qüêro.
Dois se iscondero no quarto.
21
Três entraro no banhêro.
E, aí, foi o jeito Zé
Entrá e falá cum fé
Cum isprito maluvido.
Zé Tenóro dixe: - Zuuuuza!
Aima de morto num usa
Cuzinha de cunhicido!
14
- Trata de vortá pra cova
Ô pru canto onde tu tava.
Dêxa a gente aqui em paz
Sinão a coisa se agrava!
Vorta lá pra teu cantin
E dêxa os vivo sozin,
Que aqui ninguém qué visita!
Ari num qué vê difunto.
Sivirina, eu nem pregunto,
Que ela já tá de aima aflita!
15
- Eu era um amigo seu
Só quando tu tava vivo.
Dispois de morto é difice,
Pruque num tem mais mutivo.
Tu fica na tua tumba.
Quando eu fô pra catacumba,
A gente vortá a se vê.
Már agora num dá não.
Fica lá no teu caixão
22
E dêxa o povo vivê!
16
Már o povo diz que a aima
Num era seu Zé de Zuza.
Era um vurto encapetado
Daqueles que os vivo abusa
Se passano ali pur Zé.
E Tenóro sem dá fé
Num viu o bicho mudano.
Ele inchô feito um balão.
Tumô a forma do Cão
E cumeçô praguejano…
17
Daí, quando Zé Tenóro
Viu num sê mais Zé de Zuza,
Quage se cagô de medo,
Correu sem vê quem conduza
E nunca mais quis ficá
Naquele dado lugá
Onde infesta o Coisa-Ruim.
Mudô-se no mêrmo dia,
Ele cum toda a famia
Pra terra de Surubim.
18
Do fato restô a lenda.
Da casa restô o escombro.
Do povo restô lembrança.
Do isprito, o tal malassombro.
23
Nos que fica, resta o medo,
O silênço e o segredo
De quem num qué mardição.
E os morto leva a memóra
Dessa nossa istóra imbora
Pra uma’ôta dimensão.
24
“Na Rua do Cemitéro”1
Vi um isprito rondano
Casa véa e casa nova.
Morto que fugiu da cova
Pra ficá perambulano.
Aima vadia assombrano
O povo que eu considero.
E uns isqueleto funéro
Correno no vilarejo…
Porém, tudo isso eu só vejo
“Na Rua do Cemitéro”.
2
Eu vi uma’aima penada,
Se pariceno a disgraça,
Correno no mêi da praça
Num ôto vurto amuntada.
E uma’ôta dipindurada
Num gai, rezano um “mistéro”.
Chega me fartô critéro
Pra’avaliá o negóço,
Que tem tudo o qué de troço
“Na Rua do Cemitéro”.
3
Passa mulé sem cabeça
25
Ô cum cabeça demais,
Vurto na frente e atráis
De fantasmada travêssa.
Aima de conde e condessa
Inda do tempo do Impéro…
E uns diz num passá de mero
Devanêi da minha mente,
Já que isso eu vejo somente
“Na Rua do Cemitéro”.
4
Tem lubisome que vem
Se transfoimá só ali,
Bicho sortano assuví,
Anjo do mau e do bem.
Papa-figo tem tombém.
Vurto da cô de minéro,
Isprito ingraçado e séro,
Aima feósa e bunita,
Tudo o qué coisa isquisita
“Na Rua do Cemitéro”.
5
Cavêra se isvuaçano,
Bruxo fazeno magia,
Catimbozêra nas guia
Se remexeno e fumano,
Isprito véi ispreitano,
Aima fazeno intrevéro,
Fantasma “bateno um léro”
26
Cum ôto da mêrma cova.
Tem tudo e, quem vê, comprova,
“Na Rua do Cemitéro”.
6
Vampiro atráis de pescoço,
Múmia dos quarto alejado,
Bicho-papão invurtado,
Caipora im bêra de poço,
Saci procurano o osso
Da perna no necrotéro,
Pra’acabá cum disintéro
Dos pé cuns ósso dos ôto…
Só tem malassombro iscrôto
“Na Rua do Cemitéro”.
7
Difunta véa passano,
Difunto véi se bulino,
Rasga-mortaia surrino,
Na casa, as têa arranhando.
Um corvo preto intuano
O seu canto deletéro
Nu’istante que bate as zero
Hora, intrano a madrugada…
Tudo o qué de aima se agrada
“Da Rua do Cemitéro”.
8
Num agüento mais passá
Pur aquele territóro,
27
Pur isso apelo e imploro
Pra num passá mais pur lá.
E, a quem se propõe andá
Lá pur aquele hemisféro,
Eu digo que só ispero
Que num tope cum isprito
Quando passá no isquisito
“Da Rua do Cemitéro”.
28
O Boneco Encapetado1
Quando ainda era criança
Recordo que recebi
Da minha mãe um presente
Que, com carinho, a pedi.
Era um boneco de lã
Que, ainda àquela manhã,
Tive em minhas mãos pequenas.
Mas não imaginaria
Que esse presente traria
À minha alma duras penas.
2
Muitos dias se passaram
Nos quais muito me alegrei
Com o boneco engraçado
Que, de minha mãe, ganhei.
Nada de estranho ocorreu
E eu muito sorri co'o meu
Bonequinho sorridente.
Até que um dia me vi
Surpreso, pois percebi
Nele algo de diferente.
3
Às doze horas da noite
29
Eu fui andando à cozinha
Para que, co'um copo d'água,
Saciasse a sede minha.
Mas, acontece, que ao ir
À mesma, pude sentir
Que algo vinha me seguindo.
Olhei pra trás pra saber
Quem era, e não pude ver
Donde aquilo era advindo.
4
Ignorei o que fosse
E um copo d'água peguei.
Tomei dele o conteúdo
E a sede, então, saciei.
Pus o mesmo sobre a pia
E parti sem covardia
Para o quarto onde eu estava.
Mas, ao chegar ao recinto,
Senti um temor distinto
Que, antes, já me perturbava.
5
Deitei na cama com medo.
Pus o lençol sobre a face.
Só que, ao me virar de lado,
Encontrei-me em um impasse.
Ali estava o boneco...
Nessa hora deu-me um “treco”,
Ao escutá-lo falar.
30
Gritou, dando gargalhadas,
Sacudindo as almofadas
E eu corri para escapar.
6
Fui me deitar co'os meus pais
Lá na cama de casal.
Mas, por achá-los dormindo,
Fiz um silêncio total.
Nada comentei, até
Poder vê-los já de pé
Para o café da manhã.
Fiquei ali bem quietinho.
Dormi ali num cantinho
Por sobre a colcha de lã.
7
No outro dia, bem cedo,
À minha mãe indaguei
A respeito do boneco
Que dela mesma ganhei.
Perguntei se nele havia
Pilhas que o mesmo faria
Caminhar e conversar.
Mas ela tudo negou.
O que muito me intrigou.
E eu “comecei” me assustar.
8
Passei o dia buscando
O boneco falador.
31
Mas não o pude encontrar
No quarto ou no corredor.
Deu-me um pavor gradual
Que, de uma forma anormal,
Em surtos, “se fez” crescente.
“Peguei” a querer chorar,
Mas resolvi controlar
O choro em meu ambiente.
9
Saí de casa pra ver
Se um amigo encontraria
Que me pudesse explicar
Tudo o que me acontecia.
Fred, um amigo de escola,
Que não era de “dar bola”
Pra coisa assim como aquela,
Topou dormir em meu lar,
A fim de poder filmar
O que achava ser balela.
10
Dei um pretexto qualquer
Pra meus pais, na' habitação,
E o Fred pôde dormir
Conosco na' ocasião.
Colocou no pedestal
A câmera digital
E a virou pra o corredor.
Depois “pegou a” forrar
32
O colchonete e aprontar
Com zelo o seu cobertor.
11
Tudo pronto, foi dormir.
E eu fiquei observando.
“A gente dormiu tranqüilo*”
Um sono profundo e brando...
Todavia, no' outro dia,
Começou a agonia,
Pelo fato registrado.
Que a câmera colocada
Gravou uma “trapalhada”,
Que me deixou perturbado.
*tipo de silepse
(concorda com o sentido,
não com a forma)
12
O troço estava filmando,
Quando, de repente, um bicho
“Pegou a” se remexer
Sem pose e sem ter capricho.
Tinha o boneco, mas mãos
E, entre movimentos vãos,
Palavras vãs proferia.
Depois surgiu outro vulto
E, aí, virou um tumulto
Que explicar ninguém podia.
13
33
Coisa voando do chão,
O boneco a saltitar;
Fantasma em pé e sentado
No sofá a relaxar;
Cachorro e gato fantasma;
Risada que a alma pasma;
Som de festa e foguetão...
Só que a gente não ouvia
Nadinha enquanto dormia
Naquela situação.
14
Mostramos pra “todo mundo”
Da' escola, mas ninguém deu
Crédito aquele registro
Do que, em meu lar, ocorreu.
Fomos, então, ao meu lar
Para tentarmos achar
O boneco de uma vez.
No entanto, “foi” só chegarmos
Para, ali, nos depararmos
Com algo sem placidez*.
*(Ou: “Co'o maior dos fuzuês”).
15
O boneco endiabrado
Tinha feito de refém
O meu pai e a minha mãe
Tratara com vil desdém.
Telefonei pra polícia,
34
Que interpretou a notícia
Como um trote, nada mais.
E, aí, eu fiquei na bosta,
Mas Fred fez-me a proposta
Que salvaria meus pais.
16
Ele negociaria
Co'o boneco meliante.
Falou da “sala de estar”
Com o brinquedo falante...
O danado respondeu
Que, pelo desejo seu,
Caro o resgate seria.
Eu disse não me importar,
Pois eu podia pagar
Na hora qualquer quantia.
17
Peguei o talão de cheques
Do meu pai numa gaveta,
Rabisquei uma quantia,
Ligeiro, com a caneta.
Mostrei pra o Fred e parei.
Ele me disse: - Eu não sei
Se só isso irá bastar.
Mas quando o boneco ouviu
A notícia, consentiu
Co' a quantia regular.
18
35
Logo me mandou sacar
No banco o seu pagamento
E voltar trazendo tudo
Sem ter qualquer outro intento.
Fui ligeiro e trouxe tudo
E o bicho saiu sisudo
Co' o seu lucro financeiro.
Fred foi pra casa sua,
Lento, andando pela rua,
Depois eu entrei ligeiro.
19
E um belo dia, de tarde,
Dei de querer escutar
No rádio o noticiário.
Veja o que estava a passar:
- Programa Notícia Urgente
Noticia urgentemente
Que, hoje, pela manhã
Foi detido o foragido
Seqüestrador conhecido
Como “Boneco de Lã”.
20
“Por ser de baixa estatura,
Se passa por um brinquedo
E, à noite, ilude as crianças
Com outros pra causar medo...
Depois lhes rouba os pertences
E, devido aos seus suspenses,
36
Desacredita os infantes
Pra que ninguém os escute,
Depois foge co'o desfrute
Dos bens dos tais reclamantes”.
21
“Alertamos que os comparsas
Desse cruel meliante
Ainda estão foragidos
E, ao achá-los, não se espante.
Ligue pra o “Nove Um Um”.
E, qualquer coisa incomum,
Chame a polícia ao seu lar.
Aqui acrescentaremos
Seus nomes, que deixaremos
Pra o ouvinte se informar”.
22
“O primeiro dos comparsas
É 'chamado' 'Alma Penada';
O segundo já se chama
'Fantasminha Camarada';
Os outros são: 'Capiroto',
'Visagem', 'Boca de Esgoto',
'Malassombro' e 'Aparição'.
Boca de Esgoto é menor,
Todavia é o pior,
Não tente aproximação!”
37
A Câmara “Malassombrada”1
Em Tabira há uma história
Que é necessário contar.
Dizem que existe na Câmara
Algo de espetacular:
Uma assombração que vive
“Malassombrando” o lugar.
2
Então eu fui confirmar
Se aquilo era uma invenção.
Fui atrás do vigilante
Daquela edificação
Pra fazer uma entrevista
Com aquele cidadão.
3
E, ao fazer locomoção
Pra ir àquele lugar,
Eu me encontrei com Genildo,
Um companheiro exemplar,
E, assim fomos eu e ele
A fim de o guarda encontrar.
4
Chegando àquele lugar,
Apertei a sua mão.
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E o vigilante me disse
Seu nome na’ocasião.
E eu lhe expliquei o motivo
Da minha apresentação.
5
Após falar a razão
Porque eu fui me apresentar,
Ele, em consideração,
Se dispôs a me contar
As coisas que aconteciam
Ali naquele lugar.
6
Disse que, à luz do luar,
Todo tipo de visão
Dava pra se constatar
Ali naquele salão,
Que era onde os vereadores
Faziam reunião.
7
Falou de uma aparição
De uma mulher singular
Que tinha vindo da rua
E quis entrar no lugar.
Botou a cara pra dentro,
Mas não queria falar.
8
Ele foi lhe perguntar
Se ela estava bem ou não.
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Mas ela não respondeu
A sua interrogação.
Fechou a porta e desceu
Pegada no corrimão.
9
Sua esposa Conceição,
Que dormia no lugar,
Levantou e disse a ele
Pra não se preocupar
Que “aquilo” era uma pessoa,
Não algo “pra se assustar”.
10
Mas ele quis constatar.
Puxou a porta co’a mão
Num impulso exagerado
E desceu sem lentidão
Pra ver se aquela mulher
Era ou não assombração.
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Notara a sua feição
Muito pálida, pra pensar
Que era uma mulher comum
Que ali queria adentrar.
E, já que saiu calada,
Ele correu pra olhar.
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Ali pôde comprovar
Que aquilo era uma visão.
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Ela “se desfez” no ar
Qual fumaça de fogão
E ele, aí, correu pra dentro
Com medo da’aparição.
13
Disse outra situação
Que também veio a passar,
Quando, já tarde da noite,
Resolveu ir descansar
Num colchão perto da’escada
Que “dá” pra o primeiro andar.
14
Já estando a ressonar,
Veio “como que” uma mão
E puxou na sua calça,
Pra’arrastá-lo pelo chão
E ele acordou assustado
Com aquele repuxão.
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Mas, devido’à’irritação
Pelo “vulto” o acordar,
Quis enfrentar o danado,
Então se pôs a puxar
A sua perna de volta
Pra voltar a descansar.
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Porém foi só inventar
De enfrentar aquele “Cão”,
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Pra’ele virar-se na “peste”
E “dar-lhe” mais um puxão.
Mas, naquele “puxa-puxa”,
Ninguém achou solução.
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Até que o guarda em questão
Resolveu “de” revidar
Com um golpe diferente,
Pois que um chute ele quis dar
No fantasma “puxador
De calça”, pra’ele parar.
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Só que, quando foi chutar
O traste da’assombração,
Não “se tocou” que a danada
Não tava num corpo não.
Meteu o pé na parede,
Que ficou co’uma lesão.
19
Acabou-se a confusão
Quando ela pôde passar.
E ele ficou “se ardendo”
No colchão a praguejar
E ela passou pra o banheiro,
Fechando a porta ao entrar.
20
O guarda inda quis contar
Da’estranha reunião
42
De vozes fantasmagóricas
Que se dava no salão
Justo onde os vereadores
Uniam-se em comissão.
21
Era um barulho do “Cão”
Dentro daquele lugar.
Um resmungado indistinto
No plenário popular,
Como em ambas as bancadas,
Deixando medo no ar.
22
Ninguém pode decifrar
Aquela murmuração.
Então o jeito é dormir
Ouvindo a reunião,
Mesmo sem entender nada
Daquela conversação.
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A pôr fim na comissão
Que ali veio a se instaurar
Ninguém é assim tão doido
Que se disponha a tentar.
Também... Ninguém vê ninguém.
Nem adianta se arriscar.
24
O guarda quis me mostrar
A foto de um cidadão
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Chamado Manoel Paulino,
Que já’estivera em sessão
Naquela casa alguns anos,
Quando em sua atuação.
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Quis me mostrar, por razão
De ter algo pra contar
Sobre a tal fotografia,
Que eu entrei pra’observar.
Que havia ocorrido um fato
Co’aquela imagem sem par.
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Um cara pediu pra’olhar
Praquela foto em questão.
Subiu pra o primeiro andar.
Só que, na ocasião
Que olhou pra foto, assustou-se,
Porém ninguém viu razão.
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“Ficou que era só tensão”,
Não sabia o que falar.
Só quando saiu da Câmara
É que pôde revelar
Que a foto havia piscado,
Mas ninguém pôde notar.
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Nunca mais “que” quis voltar
Pra ver o “quadro” em questão.
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Se o retrato se mexeu,
Ninguém ali notou não,
A não ser o tal rapaz
Que fez tal alegação.
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Em outra situação,
O guarda veio a contar
Que avistou uma velhinha
Caminhando no lugar.
Perguntou algumas coisas,
Mas ela não quis falar.
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Três vezes veio a achar
A velha ali no salão.
Da terceira vez que viu,
Quis segurá-la co’a mão,
No entanto, não conseguiu
Nem tocar na’assombração.
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Lembrou que um tal Damião
Quis ficar no seu lugar,
Enquanto estava de férias,
Mas só queria ficar
Até dez horas da noite,
Depois ia passear.
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Ia mesmo era tomar
Umas “canas” no balcão
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De qualquer bar inda aberto
Diante da ocasião
De já ser bastante tarde
Pra despachar beberrão.
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Falou da ocasião
De uns que foram trabalhar
De vigia no local,
Mas não quiseram ficar
Por não poderem dormir
Ali naquele lugar.
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“Caca” até quis enfrentar
Aquele horrível rojão.
Mas não passou quinze dias,
Pediu logo demissão,
Pois não se agüentava mais
Com tanta da’assombração.
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“Solon”, da’edificação,
Fez o seu lar familiar.
Trouxe a mulher e os filhos
Pra o espanto afugentar.
Mas “acaba” que os meninos
Mijaram todo o lugar.
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Nem coveiro quis topar
Aquela dura missão.
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Por certo, nem macumbeiro
Tinha visto tanta ação
“Malassombrosa” num canto
De tão pequena extensão.
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“Zé do guarda-chuva” não
Inventa nem de ficar
Nos degraus ali sentado,
Que é pra não ter o azar
De ver a “velha-fantasma”
Que, por lá, gosta de andar.
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“Zé de Mirôcha” pra’usar
O “vaso” não vem mais não.
Prefere mijar nas calças
A ver uma assombração
Vir trancá-lo no banheiro
Daquela edificação.
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Ao ouvir a narração
Do vigilante exemplar,
Eu fui usar o banheiro
Ali daquele lugar.
Bati na porta e ouvi
Uma assombração gritar:
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- Será que eu não posso usar
Esta “misera” aqui não?
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Ao que eu respondi urgente:
- Quando for lavar a mão,
Por favor, feche a torneira!
Mostre ter educação!
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- Geraldo, que é nosso irmão,
Já cansou de reclamar
Que o senhor, “seu” “Malassombro”
É danado pra deixar
A torneira aí ligada.
E assim não dá pra ficar.
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- Disse ele que vai botar
Uma admoestação
Afixada na parede
Com a seguinte inscrição:
“Pedimos, com toda calma,
Para o “vulto” e para a alma
Que utilizar o banheiro,
Dê descarga, até se banhe,
Mas, ao sair, não se acanhe,
Feche a torneira primeiro”.
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