ASPECTOS DO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA
DE INFORMAÇÕES PARA APOIO A
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE
UMA ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES
AGROECOLÓGICOS
Mariana Moura Nobrega (UFPB )
Mariana Borba de Oliveira (UFPB )
Luzia Goes Camboim (UFPB )
Camilla Nascimento Brandao (UFPB )
Nathalia Caetano dos Santos (UFPB )
A agroecologia é um modelo agrícola pautado pela produção
sustentável de alimentos, com características de respeito ao meio
ambiente, segurança alimentar e justiça social. A agricultura familiar
apresenta maior compatibilidade com esse novoo modelo do que as
propriedades patronais convencionais. Gerenciar os fluxos comerciais
de forma eficiente tem se mostrado um desafio para esses agricultores
dado o baixo nível de escolaridade apresentado e aspectos culturais
como predominância do conhecimento tácito, sem registro em
memoriais, e transferência da informação através da tradição, de
forma não codificada, num contexto mestre-aprendiz. O objetivo desse
artigo é discutir aspectos do processo de desenvolvimento de um
sistema de informação, através do enfoque participativo, para apoio às
atividades de produção e comercialização de alimentos agroecológicos
produzidos por famílias da Associação Ecovárzea/PB. Espera-se que a
implantação desse sistema possibilite o planejamento das atividades da
feira a fim de viabilizar a oferta de produtos de qualidade e em
quantidades compatíveis com as demandas.
Palavras-chaves: Desenvolvimento de Sistemas de Informação,
Agricultura Familiar, Gestão de Feiras Agroecológicas
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Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.
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1.1
1. Introdução
O movimento crescente de contestação do modelo agrícola convencional tem impulsionado a
demanda por alimentos produzidos segundo preceitos de preservação ambiental, justiça social
e segurança alimentar. A agroecologia surge como alternativa ao uso de agroquímicos, à
mecanização intensiva, à monocultura latifundiária e ao manejo inadequado do solo e da água.
Segundo Caporal e Costabeber (2004), a agroecologia é um novo enfoque científico
multidisciplinar capaz de dar suporte à transição entre o modelo agrícola convencional e
agriculturas mais sustentáveis.
Esse contexto é uma oportunidade para a agricultura familiar que, segundo Ehlers (1999, apud
Verona, 2008), tem vantagens sobre as propriedades patronais na transição para modelos mais
sustentáveis, dadas características como tamanho da propriedade, diversidade de cultivos,
flexibilidade e aptidão à conservação dos recursos naturais.
Assim, a agricultura familiar agroecológica tem se expandido, muitas vezes associada a
movimentos sociais que reivindicam a Reforma Agrária e mudança do modelo de produção.
O surgimento da Rede de Feiras Agroecológicas da Paraíba remete à necessidade de
camponeses recém-assentados da Reforma Agrária, desfazerem os laços de dependência com
os atravessadores na comercialização de seus produtos, e também à necessidade de assegurar
a Soberania Alimentar do núcleo familiar. No entanto, para garantir a viabilidade econômica
dessas famílias, não basta que se organizem em associações ou cooperativas e mantenham
canais de comercialização diretos como as férias agroecológicas. É necessário que gerenciem
seus fluxos comerciais de forma eficiente, o que tem se mostrado um desafio dado o baixo
nível de escolaridade e cultura gerencial. Portanto, para completar a transição para um modelo
de agricultura mais sustentável é preciso dotar essas organizações de técnicas gerenciais que
lhes tornem mais eficientes.
Nesse contexto se insere o projeto de extensão “Gestão de Feiras Agroecológicas: Sistemas de
Informação e Inclusão Digital”, financiado pela Secretaria de Inclusão Digital do Ministério
das Comunicações. Essa experiência está sendo desenvolvida junto à Feira Agroecológica da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB – e foi motivada pelo vínculo extensionista existente
entre a Ecovárzea – entidade camponesa que coordena a feira, e professores e pesquisadores
do GEA – Grupo de Ergonomia Agrícola e Gestão Ambiental. Seu objetivo foi desenvolver
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um sistema de informação de forma participativa a ser implantado por jovens ligados à
associação a partir de ações de formação. A implantação desse sistema possibilitaria o
planejamento das atividades da feira viabilizando a oferta de produtos de qualidade e em
quantidades compatíveis com as demandas, além de permitir a rastreabilidade dos produtos,
fortalecendo a certificação orgânica participativa. O presente artigo apresenta e discute
aspectos do processo de desenvolvimento desse sistema, denominado SIPAF – Sistema da
Produção Agroecológica Familiar.
2. Referencial Teórico
2.1. Tomada de decisão e Sistemas de Informação
A tomada de decisão, etapa anterior a qualquer ação, se baseia em elementos de razão e
intuição, sendo a primeira mais predominante no nível operacional e a segunda no nível
estratégico. Segundo Vergara (1991) a razão constitui a ordenação de pensamento. Já a
intuição é algo ilógico, por vezes inconsciente, baseado na reflexão constante, no hábito, no
conhecimento e na experiência adquirida do contexto organizacional.
As informações perpassam todas as etapas de um processo produtivo, sendo utilizadas nos
processos de tomada de decisão nos níveis operacional, tático e estratégico, sendo válido
salientar as diferenças conceituais entre dado, informação e conhecimento. Oliveira (1994)
define informação como um dado ou conjunto de dados apresentados em uma forma
significativa e útil, enquanto dado é qualquer elemento identificado em sua forma bruta, que
por si só não conduz a uma compreensão de determinado fato ou situação. Já o conhecimento
é a consciência e o entendimento de um conjunto de informações e formas de torná-las úteis
para apoiar uma tarefa específica ou tomar uma decisão. O conhecimento, segundo Angeloni
(2008), não é sinônimo de acúmulo de informações, mas de um agrupamento delas por meio
da legitimação empírica, cognitiva e emocional.
Portanto, numa perspectiva sistêmica, os sistemas de informação possuem como insumos os
dados e, após transformá-los, gera informações (LUCENA, 2010). De acordo com Laudon &
Laudon (2006), um sistema de informações (SI) é um conjunto de componentes inter-
relacionados que coleta, processa, armazena e distribui informações destinadas a apoiar a
tomada de decisões, a coordenação e o controle das organizações.
2.2. Desenvolvimento de Sistemas de Informação - DSI
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A adoção de um sistema de informação (SI) envolve três aspectos essenciais: processos,
tecnologia e pessoas. Esses três aspectos são interdependentes e exercem influência mútua
(COLANGELO FILHO, 2001). A tecnologia deve dar suporte aos processos, os quais são
implementados pelas pessoas. Logo, o desafio para o sucesso do desenvolvimento e da adoção
de um SI engloba suas qualidades técnicas, sua adequação às necessidades dos processos e
sua aceitação por parte dos usuários do sistema.
Para fazer frente a esse desafio autores como Stair (1996) e Laudon & Laudon (2006),
propõem metodologias que orientam a prática. O uso de metodologias dessa natureza tem se
mostrado fundamental na condução de processos de DSI, garantindo que as atividades
essenciais sejam realizadas na sequencia adequada. As metodologias propostas pelos autores
citados são semelhantes em termos de conteúdo e sequencia, diferindo na forma como
agrupam as atividades em etapas e em sua denominação. A metodologia proposta por Laudon
& Laudon (2006) é resumida nas seguintes fases:
‾ Análise de sistemas - é a fase de análise do problema a ser resolvido, na qual define-se
o problema, identificam-se suas causas, especifica-se a solução, identificam-se os
requisitos de informação a serem atendidos pela solução – quem precisa de qual
informação, quando, onde e como –, e faz-se o estudo da viabilidade financeira,
técnica e organizacional da solução.
‾ Projeto de sistemas – define-se como o sistema cumprirá seus objetivos, a partir da
elaboração do modelo contendo as especificações de forma e estrutura do sistema,
abordando componentes organizacionais e tecnológicos da solução.
‾ Conclusão do processo – a terceira e última fase engloba as seguintes atividades:
‾ Programação - tradução das especificações de projeto para código de
programa, em fase de programação do software.
‾ Teste – verificação de cada programa separadamente, do sistema de
informação como um todo e dos sistemas com todas as partes envolvidas
(usuários e administração).
‾ Conversão - é o processo de passagem do sistema antigo para o novo.
‾ Produção e manutenção – depois de instalado o novo sistema e concluída a
conversão, é feita a verificação do cumprimento dos objetivos do sistema e
levanta-se a necessidade de revisões. A manutenção diz respeito a mudanças
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em hardware, software, documentação ou procedimentos no sistema para as
melhorias necessárias.
Apesar da disseminação e da popularidade adquirida pelos SIs, Salvi et al (2005) ressalvam
que sua implantação pode gerar mudanças organizacionais com reflexos positivos ou
negativos e pode alcançar ou não os objetivos pré-estabelecidos. Isto porque a introdução de
um SI exerce grande impacto comportamental e organizacional, transformando o modo como
os vários indivíduos e grupos desempenham suas atividades e interagem entre si. Os SIs
devem refletir a prática e o contexto dos usuários, mas, segundo Rodrigues Filho e Ludmer
(2005), é comum que as pessoas sejam relegadas a segundo plano em relação às tecnologias
nos projetos de DSI, o que ocasiona inúmeras falhas nos processos de DSI, com reflexos na
fase de uso.
2.3. O envolvimento do usuário no processo de DSI
Orlikowski (1992) afirma que a maioria dos SIs computadorizados são desenhados de tal
forma que os usuários não entendem sua natureza construída. A baixa participação dos
usuários no processo de DSI desestimula sua utilização e gera falhas na fase de uso das
soluções (CAMBOIM e NÓBREGA, 2010).
Lucena (2010) afirma que, o sucesso da adoção de um novo SI é determinado, entre outros
fatores, pelo envolvimento e influência do futuro usuário nas decisões relativas à solução.
Laudon & Laudon (2006) destacam que, quando o uso do sistema é voluntário, os usuários
podem tender a evitá-lo, mas se é obrigatório, a resistência pode tomar a forma de elevadas
taxas de erros, interrupções, rotatividade e até sabotagem. Portanto, é necessário desenvolver
estratégias de implementação que evitem a contra-implementação. Nesse sentido, Salvi et al
(2005) apontam algumas estratégias para reduzir as resistências dos usuários: envolvê-los para
aumentar seu comprometimento, educá-los através de treinamentos; oferecê-los incentivos,
aumentando seu empenho; e manter coesão administrativa, definindo regras e políticas.
Os estudos em SI dividem-se em abordagens técnicas e/ou sociais. Esta área tende a aderir aos
métodos racionais de enfoque tecnicista, baseados na epistemologia positivista adotada pelo
pensamento dominante na área. Por outro lado, o anti-positivismo abre perspectivas para
desenvolvimento de sistemas como um processo mais social, sugerindo enfoques alternativos.
É importante manter uma associação das duas tendências metodológicas.
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Neste sentido, a metodologia de desenvolvimento participativo (DP), prioriza a participação
das pessoas no desenvolvimento de SIs em detrimento das questões técnicas, reconhecendo o
papel central do usuário no processo de desenho de sistemas.
As diferenças entre as abordagens tradicional e participativa baseiam-se em:
Figura 1: Comparação entre as abordagens tradicional e cooperativa de DSI
Fonte: RODRIGUES FILHO & LUDMER, 2005
A abordagem participativa enfatiza o alto envolvimento do usuário durante o processo de
desenho do sistema, com uma discussão profunda sobre o seu trabalho.
3. Contextualização da feira agroecológica objeto do estudo
A Feira Agroecológica da UFPB acontece semanalmente desde 2002 em espaço cedido pela
Prefeitura Universitária, em função de uma articulação realizada com a Pró-Reitora de
Assuntos Comunitários, professores e lideranças do grupo camponês. Tem como base da sua
formação, a organização social de camponeses provenientes da Várzea e do Litoral Sul da
Paraíba, territorializados em seis assentamentos rurais. A Ecovárzea representa 30 famílias
integrantes da feira, caracterizando-se por um processo organizativo que valoriza a
participação individual de cada membro e fortalece o caráter coletivo das decisões de
interesse comum.
Seu sistema de produção e comercialização apresenta características próprias e peculiares, tais
como: produção descentralizada e mesclada de produtos, intensa atuação do trabalhador,
clientela diferenciada, geralmente consciente e fidelizada. Isso faz com que a gestão da
produção nesse contexto requeira metodologias diferenciadas.
4. Desenvolvimento do SIPAF
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O SIPAF foi desenvolvido com base na metodologia proposta por Laudon & Laudon (2006),
buscando adotar uma abordagem participativa.
Figura 2: Relação entre as atividades do processo de desenvolvimento do SIPAF e as etapas
da metodologia de referência.
4.1. Etapa de Análise do Sistema
4.1.1. Definição do problema
O projeto de extensão que inspira esse artigo é uma consequência de anos de parceria entre
GEA e Ecovárzea, por meio de outros projetos de extensão, pesquisas monográficas e de
mestrado. Dessa forma, a identificação do problema a ser tratado pelo SIPAF se deu ao longo
dessas experiências, quando se evidenciou a incompatibilidade entre a oferta e a demanda de
produtos da feira.
4.1.2. Identificação das causas do problema
Para identificar as causas desse problema, optou-se por uma abordagem de imersão, na qual
os membros da equipe do projeto foram hospedados por famílias de agricultores em suas
propriedades, sendo inseridos em suas respectivas rotinas durante três dias. Nessa experiência,
denominada Residência Agrária, a equipe vivenciou todas as atividades agrícolas, domésticas
e de lazer das famílias, finalizando com a participação na logística de preparação para a feira
(colheita e preparo dos produtos, carregamento do caminhão, deslocamento até a feira e
montagem da feira).
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A partir dessa experiência, foi observado que cada produtor decide individualmente o que irá
produzir, sem nenhum tipo de previsão de demanda ou comunicação com os demais
produtores e que alguns adotam outros meios de comercialização. Os fatores considerados
para essa decisão são bastante diversos, tais como: o conhecimento de cada agricultor sobre as
técnicas agroecológicas; a disponibilidade de recursos hídricos; a noção tácita de rentabilidade
dos produtos; os ciclos de produção (tempo entre o plantio e a colheita), havendo uma
preferência pelos ciclos mais curtos, dada a restrição de capital de giro; a demanda alimentar
da própria família; e, finalmente, a disponibilidade de pessoas da família para a atividade
agrícola. O fator humano pareceu ser, em grande parte das propriedades, um fator limitante
crítico para a produção, de modo que culturas que demandam mão-de-obra mais intensamente
acabam sendo preteridas, mesmo que sejam mais rentáveis.
Considerando o modo como a produção é planejada, o binômio volume e mix de produtos do
conjunto de produtores, ou seja, da feira, dificilmente se adequa à demanda dos clientes. Além
disso, verificou-se que os agricultores não mantêm controles quanto às quantidades do que é
levado para a feira, vendido, perdido ou do que sobra, inviabilizando análises que permitam
melhorar o planejamento.
Observou-se também que a maioria das famílias não realizava qualquer tipo de controle
financeiro, o que limitava ainda mais sua capacidade de planejar a produção adequadamente,
além de prejudicar o planejamento de suas vidas domésticas.
A Residência Agrária foi crucial não só para identificar as causas da incompatibilidade entre
oferta e demanda, mas também para estreitar os laços entre os membros da equipe e os
agricultores e promover um clima de confiança fundamental para o projeto.
4.1.3. Especificação da solução e dos requisitos de informação
A especificação da solução e dos requisitos de informação a serem atendidos pela solução
consiste em definir quem precisa de qual informação, quando, onde e como. A solução
pensada foi a elaboração de um sistema que fornecesse informações sobre o fluxo financeiro
de cada família produtora, diferenciando os itens domésticos dos de produção, e sobre os
fluxos comerciais tanto da feira da UFPB como de outros canais de comercialização.
No entanto, antes de iniciar essa etapa, foram promovidos cursos de informática para o
público alvo visando iniciar a inclusão digital dos futuros usuários do sistema, criar
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familiaridade com as tecnologias digitais e prepará-los para uma participação mais efetiva no
processo de DSI. Os jovens foram os que demonstraram maior interesse nos cursos.
Então, visando envolver os usuários no processo de desenvolvimento do SIPAF, minimizar
resistências e evitar problemas futuros na fase de uso, foi promovida uma Oficina de Gestão
com os agricultores e seus filhos. Nesse evento buscou-se sensibilizá-los sobre a importância
das práticas de gestão para cada agricultor individualmente e para a feira como um todo,
ilustrar como um SI pode contribuir para a gestão de suas atividades e definir, juntamente
com eles os requisitos de informação a serem atendidos pelo sistema. A Oficina, por meio de
dinâmicas, filmes e relatos contemplou temas como técnicas simples de planejamento e
controle de produção, custos e vendas visando verificar sua adequação às necessidades do
grupo, assim como sua aceitação. Apresentou-se também a possibilidade de informatizar esses
procedimentos gerenciais, desenvolvendo um sistema que atendesse às necessidades do
grupo, ilustrando essa possibilidade com a simulação de relatórios gerenciais.
Dessa forma, o grupo ampliou sua compreensão acerca do projeto e do poder da informação
nos processos de decisão, identificando que um planejamento da produção mais adequado
depende de informações e pode levar à maximização de seus retornos financeiros, mesmo
considerando as diversas limitações a que são submetidos. Os agricultores contribuíram com a
especificação da solução e dos requisitos de informação validando a proposta apresentada e
opinando sobre os formulários de coleta de dados utilizados nas dinâmicas e os relatórios
gerencias simulados.
Assim, definiu-se que o SIPAF seria estruturado em quatro módulos: Administrativo,
Financeiro, Comercialização e Relatórios. O módulo Administrativo contempla os cadastros
básicos do sistema, tais como produtores, produtos, meios de comercialização e itens
financeiros. O módulo Financeiro contempla o registro do fluxo financeiro, categorizado em
entradas e saídas, enquanto o módulo de Comercialização englobará o registro dos
quantitativos de alimentos produzidos e vendidos, além das sobras e perdas dos processos
comerciais. Finalmente, o módulo de Relatórios tem a função de gerar informações numéricas
e gráficas, analíticas e sintéticas a partir dos registros financeiros e comerciais.
Percebeu-se, no entanto, que o interesse dos agricultores levantado durante a Oficina de
Gestão poderia se esvair ao longo da espera pela implementação do SIPAF, portanto, logo
após a realização da Oficina, os formulários impressos para coleta de dados foram
implementados e relatórios gerencias simples passaram a ser gerados a partir de planilhas
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Excel. Essa medida mostrou-se de grande utilidade, pois permitiu a consolidação da cultura
gerencial entre os agricultores e o refinamento da especificação do SIPAF, garantindo maior
aderência às necessidades dos usuários.
4.1.4. Estudo de viabilidade
O desenvolvimento do SIPAF foi considerado viável em termos técnicos e financeiros, por
contar com equipe multidisciplinar e capacitada da UFPB e com recursos financeiros do órgão
de fomento. Portanto, a principal questão considerada foi a viabilidade organizacional,
planejada durante a Oficina de Gestão. Foi definido que cada produtor seria responsável por
fazer os registros nos formulários de dados, podendo contar com o auxílio da equipe do
projeto e dos dois bolsistas rurais, filhos dos agricultores. Esses jovens seriam também os
usuários diretos do sistema, lançando os dados e gerando os relatórios para cada família
participante.
4.2. Etapa de Projeto do Sistema
O projeto do SIPAF é composto por duas documentações. A primeira, elaborada utilizando-se
a técnica de casos de uso, contempla as especificações dos requisitos funcionais e não
funcionais, enquanto a segunda traz os aspectos técnicos da solução. Os requisitos funcionais
se relacionam com a maneira como o sistema deve operar, definindo entradas e saídas do
sistema e o relacionamento entre elas, assim como sua interação com o usuário. Os requisitos
não funcionais traduzem questões de segurança, confiabilidade, usabilidade e desempenho.
Finalmente, a documentação técnica especifica a linguagem em que será desenvolvido o
sistema, o banco de dados e servidor web, as configurações mínimas do computador
requeridas e as interações entre cada sistema componente do SIPAF.
4.3. Etapa de Conclusão do Processo
A etapa de conclusão do processo engloba quatro sub-etapas: Programação; Teste; Conversão;
e Produção e Manutenção, as quais ocorreram em ciclos para cada módulo do sistema. A
equipe de bolsistas foi dividida em dois grupos nessa etapa do projeto. O primeiro grupo ficou
responsável pela programação e pela manutenção do sistema, enquanto o segundo grupo
realizou os testes para verificar se as funcionalidades requeridas foram atendidas, treinou os
jovens rurais e os acompanhou na conversão do sistema. A cada conversão, manteve-se, por
um período, o uso das planilhas Excel em paralelo ao SIPAF visando comparar os resultados
entre os sistemas, se certificando de sua correção e evitando perdas de informação devido a
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qualquer problema de implantação do novo módulo. Assim, somente após consolidado o uso
do módulo abandonou-se o sistema anterior. Esse ciclo se repetiu para cada módulo do
sistema.
A implantação em módulos foi adotada visando: evitar que falhas ou ajustes em um módulo
refletissem nos demais gerando erros em cascata e retrabalhos excessivos; minimizar a
rejeição dos usuários em razão de uma grande mudança em suas rotinas, incorporando o
sistema em seu cotidiano gradualmente; e facilitar o aprendizado dos usuários pela diluição do
volume de novos conhecimentos a serem internalizados por vez.
No momento de conclusão desse artigo, o processo de desenvolvimento do SIPAF encontra-se
em fase de programação do último módulo, de Relatórios. A seguir são apresentadas algumas
telas do sistema já em fase de produção.
Figura 3: Tela de entrada do módulo Administrativo
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Figura 4: Tela de registro de dados de comercialização
5. Considerações Finais
A experiência de desenvolvimento do SIPAF em uma abordagem participativa junto à
Ecovárzea demostrou que é possível municiar organizações de agricultores familiares com
ferramentas gerenciais que lhes auxiliem a tornar seus fluxos comerciais e financeiros mais
eficientes. O desenvolvimento de um SI nesse contexto, no entanto, deve respeitar as
características relativas ao tipo de conhecimento cujas informações se quer sistematizar
(tácito) e aos aspectos culturais de disseminação desta informação (a tradição). Além disso,
deve-se considerar as limitações típicas da atividade, tais como o baixo nível de escolaridade
e de cultura gerencial. Esses fatores também podem prejudicar o nível de participação e
envolvimento dos usuários no processo DSI, mas isso pode ser contornado com atividades
diferenciadas, tais como a Residência Agrária, a Oficina de Gestão e os cursos de informática.
Essas estratégias foram cruciais para a aceitação do sistema, mas não garantiu adesão de todo
o grupo. Os usuários do SIPAF são, principalmente, os agricultores com maior nível de
escolaridade e aqueles que, mesmo com baixo nível de escolaridade, já demonstravam alguma
maturidade em termos gerenciais. A adesão parcial dos agricultores prejudicou análises do
desempenho da feira como um todo, limitando sua contribuição ao nível familiar.
O uso de uma metodologia estruturada como base para o processo de desenvolvimento do
SIPAF foi crucial na condução do projeto, pois orientou as atividades da equipe no sentido do
cumprimento dos objetivos propostos. O arcabouço metodológico se mostrou adequado,
inclusive, para acomodar a postura adaptativa na condução das atividades, necessária devido
às especificidades do público alvo.
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Certamente o SIPAF não é suficiente para solucionar a problemática de incompatibilidade
entre oferta e demanda de produtos, cujas causas passam por questões de infraestrutura,
assistência técnica e acesso a crédito, mas foi considerado pelos usuários uma ferramenta
importante no combate a essa questão. O grande desafio desse trabalho foi o de empreender o
desenvolvimento de um sistema de informação, através do enfoque participativo, para apoio
às atividades de produção e comercialização de produtos de agricultores assentados, universo
onde se observa predominância do conhecimento tácito, sem registro em memoriais, e
transferência da informação através da tradição, de forma não codificada.
Nesta perspectiva, conclui-se que, assim como outras políticas públicas do Governo Federal
para os territórios rurais, o SIPAF se torna incipiente para o exercício da cidadania como
almejam as diretrizes da Secretaria de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações. Crê-
se que a utilização do SIPAF dependerá do apoio e da articulação entre a assistência técnica
dos assentamentos envolvidos, das escolas onde os jovens estejam matriculados, do apoio das
famílias dos jovens que ficarão responsáveis pelo SIPAF após o término do projeto, e do GEA
enquantro grupo de pesquisa e extensão capaz de elaborar outros projetos para o
fortalecimento do SIPAF.
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