Uniceub – Centro Universitário de Brasília FAJS – Faculdade de Ciências Jurídicas e de Ciências Sociais
CAMILA REINEHR TABET
AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA NO PERÍODO PÓS-GUERRA FRIA:
UMA LEITURA EM QUATRO MOMENTOS
BRASÍLIA – DF 2008
1
CAMILA REINEHR TABET
AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA NO PERÍODO PÓS-GUERRA FRIA:
UMA LEITURA EM QUATRO MOMENTOS
Monografia apresentada ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB – como parte dos requisitos para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Frederico Seixas Dias
Brasília – DF 2008
2
CAMILA REINEHR TABET
AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA NO PERÍODO PÓS-GUERRA FRIA:
UMA LEITURA EM QUATRO MOMENTOS
Monografia apresentada ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB – como parte dos requisitos para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Frederico Seixas Dias
Brasília, 16 de junho de 2008.
Banca Examinadora
_________________________ Prof. Frederico Seixas Dias
Orientador
_________________________ Profª. Renata de Melo Rosa
Examinadora
_________________________ Profª. Raquel Boing Marinucci
Examinadora
3
Aos meus pais e irmã, por serem sempre otimistas, acreditarem na minha capacidade de criar e que me seguravam antes que pudesse cair, sempre com muito amor e respeito; Aos amigos do Clube de Leitura, que desde 2001 me apoiaram durante essa jornada, sempre realizando críticas construtivas e apresentando diferentes opiniões, que me fizeram uma pessoa mais tolerante; Aos colegas NISBs, que me acompanharam durante os estudos e que compartilham comigo o ingênuo desejo de mudar o Brasil; E ao meu orientador que, aparentemente, é a pessoa mais paciente do mundo.
4
AGRADECIMENTO
Agradeço ao professor Frederico Seixas Dias que, desde 2006, passou a acreditar mais em mim do que eu mesma, sempre me forçando a estudar, a questionar e a escrever mais. Agradeço ainda aos demais professores do UniCEUB, que me fizeram apaixonar pelas Relações Internacionais e que a cada aula transmitiam seus conhecimentos e valores morais. Por fim, agradeço também aos colegas e professores do Núcleo de Estudos dos Estados Unidos (NEEUA) pelas maravilhosas discussões realizadas em sala, e por compartilharem comigo o mesmo encanto pelo tema.
5
RESUMO
Este trabalho propõe apresentar um estudo a respeito das relações diplomáticas entre Estados
Unidos da América e Federação Russa. Logo na parte introdutória são apresentadas os problemas e
as hipóteses que servirão como guia para a consolidação da pesquisa. Os problemas se consistem
em determinar se existem momentos de aproximação e de distanciamento entre os dois países
mencionados anteriormente e quais os fatores determinantes para esse comportamento. As
hipóteses, que no último capítulo terão sua utilidade posta à prova, dizem que existem sim
momentos de aproximação e distanciamento entre as nações e que três conceitos teóricos ajudam a
determiná-la.
O estudo começa com uma discussão teórica e metodológica, apresentando sua importância
para a análise e compreensão dos fatos. No capítulo um, é apresentado o método de pesquisa que
foi utilizado e as categorias que dão embasamento teórico para a avaliação dos momentos históricos
que serão apresentados no último capítulo.
A pesquisa inicia observando acontecimentos importantes que ocorreram em 1890,
quando as duas nações chegaram a um impasse pela primeira vez em suas histórias. A análise do
comportamento diplomático começa a ser estudada mais especificamente ao final da Segunda
Guerra Mundial, marco importante para entender os acontecimentos iniciais do período
seguinte, conhecido como Guerra Fria.
A fase da Guerra Fria é cuidadosamente pesquisada, já que se trata de um período em que
essas duas nações, Estados Unidos e Rússia, estiveram durante anos em conflito. Todas as ações
diplomáticas, ou ofensivas, que foram tomadas por qualquer um dos lados durante essa época
foram importantes para moldar o mundo para o período pós-Guerra Fria, situado nos anos 1990.
O último capítulo desta monografia é o mais interessante, pois será onde as relações entre os
dois Estados no período pós-Guerra Fria serão expostas e analisadas pelos conceitos teóricos. Será
durante essa avaliação que os problemas e hipóteses que foram propostas serão úteis ou não,
podendo então concluir como se deram as relações entre esses dois países.
SUMÁRIO
6
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................7
1. QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS........................................................10
1.1. Questões Metodológicas..............................................................................................10
1.2. Questões Teóricas........................................................................................................12
1.2.1. Líder..........................................................................................................................12
1.2.1.1. Objetivos................................................................................................................12
1.2.1.2. Meios......................................................................................................................13
1.2.1.3. Riscos.....................................................................................................................14
1.2.2. Equilíbrio de Poder...................................................................................................15
1.2.2.1. Sobre a Teoria Realista..........................................................................................15
1.2.2.2. O Equilíbrio de Poder............................................................................................17
1.2.3. Imagens.....................................................................................................................19
2. HISTÓRICO DA GUERRA FRIA..................................................................................21
3. OS QUATRO MOMENTOS............................................................................................43
3.1. A Guerra do Golfo.......................................................................................................45
3.1.1. Análise do Momento.................................................................................................47
3.2. A Expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)........................49
3.2.1. Análise do momento.................................................................................................51
3.3. A Guerra do Iraque......................................................................................................53
3.3.1. Análise do Momento.................................................................................................57
3.4. Escudo de Mísseis........................................................................................................59
3.4.1. Análise do Momento.................................................................................................62
CONCLUSÃO.........................................................................................................................63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................66
INTRODUÇÃO
7
Este trabalho tem a finalidade de apresentar uma análise a respeito das relações diplomáticas
entre os Estados Unidos da América (EUA) e a Federação Russa, durante o período seguinte ao
término da Guerra Fria.
Essas duas nações, diferente do que popularmente se acredita, mantiveram um
relacionamento livre de conflitos durante a maior parte de suas histórias, coexistindo
pacificamente até a invasão russa à Manchúria, no final do século XIX, onde os interesses
expansionistas e comerciais dos dois países se chocaram pela primeira vez. 1
Mesmo tendo as relações entre russos e estadunidenses abaladas nos anos 1890, e por mais
que o entendimento entre Joseph Stalin, Theodore Roosevelt e Winston Churchill fora
conflitante devido a diferentes interpretações a respeito do poderio nazista em 1942,2 foi a
Guerra Fria o momento reconhecido mundialmente como ápice das tensões entre Rússia e
Estados Unidos. Os dois países, em meados dos anos 1940, iniciaram um conflito de origens
ideológicas3, que ditou as regras pelas quais a comunidade internacional viveria pelos anos
seguintes.
Nesse período (da guerra) que dividiu o mundo em dois grandes pólos, o jogo de
influências praticado pelos dois Estados era claro e bem entendido pela comunidade
internacional. Foi entre 1947 e 1989, quando os países da Europa superaram suas crises
resultantes da Segunda Guerra Mundial, que certos países da África conquistaram suas
independências, e que o chamado “terceiro mundo” passou a conquistar espaço (mesmo que
limitado) no cenário internacional. Todos esses processos foram influenciados, direta ou
indiretamente, por um dos dois pólos, influência traduzida como uma forma de ampliação do
número de aliados.
Hoje, após o término da Guerra Fria, as relações internacionais entre Estados Unidos e Rússia
passam por um período de incerteza. Com a queda do Muro de Berlim e a extinção da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os dois países construíram um curioso relacionamento
repleto de concordâncias e discordâncias a respeito de suas políticas internacionais. Esses
comportamentos são acompanhados de perto pelos outros Estados, pois seus efeitos são de
interesse de todos os demais membros da sociedade internacional.
1 LAFEBER, Walter. America, Russia and the Cold War 1945-2006. 10ª edição. New York: Mcgraw-hill,
2006. p.01 2 Idem, p.09 3 PECEQUILO, Cristina Soreanu. A Política Externa dos Estados Unidos: continuidade ou mudança. 2. ed.
Porto Alegre: Editoria da Ufrgs, 2005. p.139
8
Para consolidar tal análise, tendo em vista a abrangência do tema em questão, o trabalho terá
como eixo central duas perguntas que serão respondidas por meio de diferentes abordagens
teóricas.
O primeiro problema de pesquisa é verificar em que medida é possível classificar dois
momentos distintos no período pós-Guerra Fria, entendidos como momentos de aproximação e
momentos de distanciamento entre os Estados em questão. Esse questionamento leva
imediatamente ao segundo problema que consiste em explorar os fatores determinantes para
tais tendências. Em outras palavras, ao final deste trabalho tentar-se-á verificar: será possível
classificar dois momentos, um de padrão mais cooperativo e outro, mais conflitivo, entre esses
dois países? O que foi determinante para a aproximação ou distanciamento de suas relações?
O objetivo desse estudo é compreender como as relações entre EUA e Rússia evoluíram ao
patamar onde se encontram hoje e qual foi sua importância para a atualidade. Para isso,
episódios importantes pertencentes à história dos dois países serão abordados, passando pelos
acontecimentos da Guerra Fria (que foi o conflito responsável em moldar o perfil do mundo
dos anos 1990 em diante) até 2008, sempre analisando os fatos por base nos conceitos teóricos.
Para poder responder às perguntas explanadas anteriormente será utilizado o método de
Estudo de Caso. O estudo de caso, segundo Robert Yin “permite uma investigação para se
preservar das características holísticas e significativas da vida real – tais como ciclos de vida
individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões
urbanas, relações internacionais e a maturação de alguns setores”. 4 Nesta monografia foram
utilizados quatro casos distintos para a realização do estudo, o que classifica a estratégia como
Estudo de Casos Múltiplos.5 A estratégia de casos múltiplos leva o pesquisador a ter consciência
da ampla variedade de teorias que podem vir a ser importantes ao seu estudo, e cuja utilização
reflete-se na facilidade para coletar dados adequados para solução dos problemas de pesquisa, e
na generalização dos resultados do estudo.6
Como esta monografia trata de um Estudo de Casos Múltiplos, foram utilizadas mais de
uma teoria para responder os problemas de pesquisa, fato que resultou em uma abordagem
eclética e, espera-se, consistente. Essa abordagem será explicada e melhor desenvolvida durante
o primeiro capítulo deste trabalho, que conterá as quatro diferentes teorias utilizadas e sua
relevância para a pesquisa.
4 YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2ª edição. Porto Alegre: Bookman, 2003. p.21 5 Idem, p.33 6 Idem, p.54
9
Os capítulos seguintes não serão inteiramente dedicados a conceitos teóricos e sim a fatos
históricos e dados que merecem ser analisados por meio desses conceitos. O segundo capítulo
realiza um breve histórico do período conhecido como Guerra Fria e identifica os primeiros
momentos de aproximação e distanciamento entre Estados Unidos e Rússia que ocorreram até
1991. Já o terceiro capítulo abordará as relações entre os dois Estados a partir dos anos 1990, onde
serão analisados os temas escolhidos para a análise de estudos de caso. Neste capítulo foram
escolhidos quatro momentos de importante valor histórico, onde será possível verificar diferentes
reações diplomáticas para as ações do outro.
Na etapa final desta monografia, depois dos importantes fatores históricos serem expostos
e ter-se estudado os quatro momentos que ilustram o comportamento diplomático entre os dois
países, o debate a respeito dos problemas de pesquisa será retomado, tomando por base tudo o
que foi debatido até então – histórico de relacionamento entre as duas nações, os momentos de
aproximação e distanciamento e, principalmente, os diferentes conceitos teóricos.
O uso de diversas teorias proporcionou maior liberdade para a elaboração de hipóteses que
podem vir a esclarecer os problemas de pesquisa. A primeira delas diz que é possível sim
observar momentos de aproximação e distanciamento entre Rússia e Estados Unidos pós-Guerra
Fria. A segunda hipótese diz que é possível observar as determinantes para a oscilação das relações
em quatro elementos teóricos, e eles são: líderes, equilíbrio de poder e identidades. Esses
elementos serão cuidadosamente ilustrados no próximo capítulo.
Inicialmente, seria utilizado na pesquisa ainda um quarto conceito teórico. A idéia de
Forças Sociais, que foi muito bem estudada pelo teórico Robert Cox, provou não ser útil para essa
pesquisa, sendo, então, abandonada devido a limitações temporais e falta de evidências disponíveis
sobre o assunto. Forças sociais é um conceito importante para as Relações Internacionais, podendo
ser observadas na realidade, mas não foi possível encontrá-las devido ao curto espaço de tempo
para a consolidação dessa monografia.
Ao confirmar (ou não) a utilidade das hipóteses expostas no parágrafo anterior, espera-se
que esse trabalho de pesquisa colabore para a comunidade acadêmica, principalmente porque a
bibliografia brasileira sobre esse assunto ainda é pouco desenvolvida, e para a própria
sociedade, pois os efeitos das relações entre essas duas nações refletem-se no modo de vida das
pessoas, até hoje.
CAPÍTULO 1
Questões Conceituais e Metodológicas
10
Este capítulo tem como função esclarecer qual é a metodologia utilizada para realizar a
pesquisa e quais as ferramentas teóricas que serão utilizadas para a avaliação. Em outras palavras,
esta parte da monografia dedica-se em descrever o que é o método de estudo de caso e quais
teorias serão utilizadas para analisar fatos históricos que determinarão a utilidade das hipóteses
explanadas anteriormente.
A primeira seção é dedicada exclusivamente às questões metodológicas, onde serão explicadas
as razões da escolha pelo método do estudo de caso, o que é esse método e quais foram os
momentos históricos estudados, destacando a importância dos mesmos para pesquisa.
Já a segunda seção é a respeito dos conceitos teóricos que foram utilizados na pesquisa, o que
motivou a escolha específica destes, e porque eles são relevantes à monografia.
A metodologia e os conceitos teóricos possuem papel fundamental para a consolidação da
pesquisas acadêmicas, pois impedem que o pesquisador se perca em meio a dados quantitativos
e debates teóricos. O método mantém o estudo focado na análise dos fatos e nos problemas,
enquanto os marcos teóricos dão coerência lógica na avaliação dos eventos.
1.1 Questões Metodológicas.
Por mais que apresente certas fragilidades e seja classificado apenas como um método
“exploratório” por acadêmicos das ciências naturais e sociais, o estudo de caso continua sendo
utilizado como método de pesquisa nas ciências sociais, tanto nas disciplinas mais tradicionais,
como a psicologia e a economia, quanto naquelas voltadas mais para a prática, como
administração e políticas públicas.7
Os diferentes métodos utilizados por pesquisadores refletem o perfil da pesquisa e
possuem sua própria lógica8 Além de servirem como guia para coleta e análise de dados, o método
impede que o sujeito que realiza essa análise se desvie de seus objetivos, mantendo o
pesquisador focado nos problemas impostos, considerando todos os fatores que podem ser
importantes sem perder objetividade, impedindo que ele fuja do assunto com o decorrer de
seus estudos. Afinal, o objetivo das pesquisas é responder às perguntas propostas pelo
investigador, independente da estratégia adotada por ele.
O estudo de caso é comumente usado em pesquisas cujo objetivo é responder a perguntas
relativas à “como” e “por que” algum evento ou fenômeno inserido na vida real, aconteceu. Esses
eventos fogem do controle do pesquisador, ou seja, os fenômenos sob observação não podem ser
7 Yin, op. cit., prefácio 8 Idem, p.21
11
claramente separados de seus contextos.9 Esta monografia, como já explicado anteriormente,
realizará um estudo a respeito de como se deram as relações entre Estados Unidos e Rússia e por
que elas ocorreram de tal forma. Para responder tais questionamentos, onde é necessário avaliar
o comportamento dos Estados enfatizando os períodos históricos relevantes à análise, o método
mais adequado para a pesquisa é o do estudo de caso.
Este método é criticado até mesmo por acadêmicos pertencentes às ciências sociais e enfrenta
certo preconceito por parte de pesquisadores quando escolhido como estratégia de pesquisa.10
Uma de suas principais críticas diz respeito à generalização. Um dos principais erros da
comunidade acadêmica é acreditar que generalizações são feitas a partir do resultado de um único
estudo de caso. É um erro comum que não será cometido nesta monografia, pois aqui será
almejada uma generalização analítica e não uma generalização estatística.11
A generalização analítica, ao contrário da generalização estatística, que retrata somente de
dados quantitativos, depende inteiramente da teoria utilizada na pesquisa. Ela ocorre quando
os resultados empíricos do estudo de caso são comparados a uma teoria que foi tomada como
modelo para avaliar a realidade. Se todas as resultantes dos estudos de caso forem comparadas
a essa mesma teoria, mais perto da generalização está o investigador.12 Como esta monografia
tem como estratégia o método de estudo de casos múltiplos, os quatro diferentes momentos serão
comparados ao mesmo conceito teórico, e não somente um isolado. E como serão utilizados três
marcos teóricos, o que aumenta o rigor de avaliação dos casos, cada resultante empírica dos
estudos de caso será comparada às mesmas teorias, fator que torna a generalização completamente
o oposto de vaga e ainda mais crível.
Então, o método de pesquisa utilizado nesta monografia é o Estudo de Casos Múltiplos
Holístico. Em outras palavras, é um estudo que utiliza mais de um caso possível de se observar
na realidade, tendo por base uma unidade de análise (o comportamento do Estado), que será
comparada aos três conceitos.
1.2 Questões Conceituais.
Três diferentes conceitos ligados a três autores foram selecionados para serem utilizados
nesta monografia como referenciais teóricos. Conceitos como líder, equilíbrio de poder e
imagens possuem total relevância para a análise dos momentos estudados. Cada um dos autores
selecionados realizou uma bela contribuição para o estudo das Relações Internacionais e a utilização
de suas idéias será justificada na avaliação do relacionamento diplomático entre os dois Estados. 9 Yin, op. cit., p.27 10 Idem, p.28 11 Idem, p.53 12 Idem, p.54
12
1.2.1 Líder
Nascido em 1917 e pertencente à chamada Escola Francesa de Relações Internacionais,
Jean-Baptist Duroselle prestou colaboração à academia desde 1954 quando publicou sua primeira
obra sobre política internacional – que, coincidentemente, é dedicada ao estudo da URSS
intitulada Les Frontières européennes de l’URSS, 1917-1941 e sua segunda obra, De Wilson à
Roosevelt. Politique extérieure des États-Unis, 1913-1945, é dedicada aos Estados Unidos da
América – até 1994, ano de sua morte.
Identificado como teórico estatocêntrico, Duroselle publicou em 1981 o livro Todo
Império Perecerá, que dedica considerável espaço às estratégias de ação que podem ser tomadas
pelo líder para trazerem maiores benefícios a seu país.13 Chamado também de homem de Estado,
os líderes possuem a responsabilidade de calcular a melhor estratégia para conduzir seu país
considerando três variáveis muito importantes: objetivos, meios e riscos.
1.2.1.1 Objetivos
Todos os indivíduos possuem objetivos, sejam eles financeiros, acadêmicos, de cunho
pessoal. Os objetivos de todas as comunidades são basicamente os mesmos: sobrevivência,
busca da potência, riqueza e prestígio.14 Como o líder está à frente da comunidade e possui poder
em suas mãos, sendo este mais ou menos durável ou limitado por resistências,15 acaba por
possuir uma grande liberdade na escolha de seus objetivos, permitindo até que opiniões pessoais
interfiram nesse processo. De acordo com Durossele:
Sua ideologia, sua ambição e seu temperamento desempenham nessa escolha um papel muito importante. Sua própria posição de líder faz com que dê a seus objetivos o nome de “interesse nacional”. Em todo caso, diremos que o poder do qual ele é investido obriga-o a considerar ou a pensar em considerar que seus objetivos coincidam com o interesse nacional. Evidentemente a história esta cheia de situações em que o líder não procura, de maneira alguma, o interesse nacional, mas o seu próprio ou o de seus partidários. O tirano declara abertamente essa escolha. Em geral, é mais sutil, mais mascarado. A maior parte do tempo protege-se com belas palavras.16
Assim sendo, o critério para a escolha dos objetivos da comunidade pelo líder pode ser
influenciado tanto pelo interesse “nacional” (o interesse próprio disfarçado de interesse da nação)
quanto pelo interesse nacional (aquele que mais se aproxima do interesse da maioria). Os
homens de Estado são tão suscetíveis ao egoísmo quanto os homens comuns. A sensação de deixar 13 DUROSSELE, Jean-Baptist. Todo Império Parecerá. São Paulo: Universidade de Brasília, 2000, p.95 14 Idem, p.132 15 Idem, p.88 16 DUROSSELE, op. cit., p.133-134
13
sua marca na história, de ver seu nome divulgado pela imprensa por todo o mundo, motiva
muitas ações.17 E são essas ações que, guiadas pelo interesse nacional, podem chocar-se com o
interesse nacional de outros Estados. Existe, para essa situação, a saída com a resolução diplomática
e a saída da imposição de um interesse sobre outro. No primeiro caso se busca um consenso,
uma resolução pacífica. No segundo caso, o resultado pode ser observado analisando a expansão
do Islã, as Cruzadas, as guerras de religião e os demais movimentos totalitários.18
1.2.1.2 Meios
Para entender corretamente os argumentos de Duroselle em relação aos meios utilizados
pelo homem de Estado, é necessário antes definir os chamados “grupos reais”.19 Esse tipo de
grupo é aquele cujos membros são escolhidos conforme a preferência de seus integrantes.
Diferente do grupo natural (família formada por filhos pequenos totalmente dependentes de
seus pais), os grupos reais são formados por pessoas que possuem algum tipo de afinidade
como, por exemplo, um grupo de jovens que moram no mesmo bairro, “turma” que se reúne para
uma partida de cartas todo domingo, colegas que trabalham em uma mesma sala no escritório,
pessoas que freqüentam academia no mesmo horário ou até mesmo facções dentro de um partido
político. Essa idéia pode ser aplicada tanto no âmbito da política doméstica (grupos reais formados
entre os membros de um gabinete ministerial ou até entre ministros), quanto no âmbito da
política internacional (embaixadores com membros do governo local, chefes de Estados que
compartilham das mesmas opiniões, etc).
Tendo esclarecido o significado de grupos reais, resta dizer que os meios nada mais são
que instrumentos necessários para o sucesso de um objetivo. O meio da persuasão possui
fundamental importância nas relações internacionais. Ela depende da confiança, da amizade
existente entre duas pessoas. Com o diálogo e a diplomacia cada vez mais presentes no
relacionamento entre os países, tornou-se fácil criar pequenos grupos reais entre homens de
Estado ou entre “equipes decisórias” de diferentes nações, já que tais indivíduos estão em contato
freqüente (encontros de cúpula, etc.).20 Pode-se dizer que a persuasão não é possível sem confiança e
que ela, por si só, é capaz de influenciar o comportamento de um líder, de um Estado.
Outro meio utilizado por homens de Estado é demasiado simples e direto: a negociação. Se
um Estado quer algo específico de outro, este propõe uma troca que, depois de realizada, fará
com que os dois saiam satisfeitos com a transação.21
17 Idem, p.140 18 Idem, p.141 19 Idem, p. 83 20 DUROSSELE, op. cit., p.145 21 Idem, p.146
14
A ameaça é um meio que quebra a corrente pacífica que fazia parte dos meios anteriores.
Em vez de confiança, aqui o fator chave é a força. Não existe violência nesse meio e sim a ameaça
econômica (criação de barreiras, sanções) ou psicológica (apelo a opinião mundial, voto de resoluções
na ONU) feita pelo Estado forte.22 A ameaça funciona quando o Estado fraco acredita que o
Estado forte é capaz de usar todos os artifícios à sua disposição para conquistar seu objetivo,
incluindo aqui o poderio bélico. Se o Estado forte é economicamente estável, consegue chamar a
atenção da comunidade internacional ou desfruta de respeitosa força militar, e se o Estado fraco
está convicto de que seu ameaçador é capaz de utilizar toda a sua força, ele está, então, muito
próximo de conquistar seus objetivos.
O último meio é o uso da violência. A violência é utilizada quando o líder quer, a qualquer
custo, moderar as vontades do adversário, não medindo esforços para isso. Por mais que o
conflito demande forças militares, tempo e estratégia, o Estado forte utiliza a violência porque
tem a certeza que é superior ao Estado atacado, que em algum momento vai encontrar a
derrota, principalmente se a comunidade internacional não interferir no conflito.23 Praticamente
não existem limites para esse meio de conquista de objetivos.
1.2.1.3 Riscos
Duroselle acredita que correr riscos é um ato totalmente conduzido pela vontade e que o
ser humano é apto a desenvolver um sentimento de paixão a essa sensação excitante. O problema,
segundo o autor, é quando outros estão incluídos nas conseqüências do risco e não somente aquele
que foi guiado pela vontade.24 O problema do líder se encontra justamente aqui: como saber se
a situação que se apresenta é importante o suficiente para colocar milhões de pessoas em um
período de incertezas, com possibilidades de perigo?
Por mais que o risco, historicamente, tenha se mostrado sempre de forma incrivelmente
complicada, cabe ao líder avaliar como a nação será afetada caso suas conseqüências sejam
desastrosas. Podem ser classificados como risco menor e risco maior.25 Risco menor é quando
o que está em jogo é dinheiro, estima, número razoável de perdas humanas e até mesmo o poder do
líder, enquanto o risco maior coloca em jogo a independência ou integridade territorial de seu
país, em caso de derrota.
Tendo avaliado detalhadamente as três variáveis que determinam o perfil do líder, homem
importante que dispõe de poder, é possível observar como a determinação de objetivos, meios e
22 Ibidem. 23 Ibidem, p.149 24 Ibidem, p.153 25 DUROSSELE, op. cit., p.156
15
riscos refletem no comportamento dos Estados.26 Se um presidente qualquer se lança em direção
a seu objetivo sem antes ter pensado nos riscos de suas ações e nos melhores meios para
conquistá-los, seria ele um líder “precipitado”? E se esse mesmo presidente percebesse que talvez
os riscos fossem altos demais e passasse a restringir a amplitude de seus objetivos, tornar-se-
ia “cauteloso”? Para o homem comum, qualquer estratégia é válida a partir do momento em que se
assume a responsabilidade por seus atos, independente de seus resultados. Já para o homem de
Estado, que é o responsável pelas vidas de inúmeros outros homens, as conseqüências são maiores.
1.2.2 Equilíbrio de Poder
Para compreender melhor as estratégias realizadas pelos EUA e pela URSS, foi utilizada
a idéia de Equilíbrio de Poder segundo Hans Morgenthau. O autor conquistou espaço na
Academia no final dos anos 1940, quando lançou sua obra-prima intitulada Política Entre as
Nações, A Luta Pelo Poder e Pela Paz, onde escreve com veemência sobre a teoria realista.
Antes de entrar na discussão a respeito desse conceito, é importante ilustrar algumas idéias
da corrente realista, suas principais premissas e visão de mundo.
1.2.2.1 Sobre a Teoria Realista
Um dos pontos mais importantes a respeito dos realistas é a racionalidade. Para eles, o
mundo é imperfeito do ponto de vista racional, pois existem interesses contrários que vivem em
conflito contínuo. O objetivo central dessa escola é, então, saber lidar e trabalhar com essas forças
contrárias, e não alterá-las ou ir contra elas.
Para lidar com esse mundo imperfeito, os realistas acreditam que a sociedade em geral
é guiada por leis que possuem raízes na natureza humana.27 E por acreditarem nessas leis,
também acreditam que é possível criar uma teoria racional que possa refletir sobre elas (que
pode diferenciar, por exemplo, verdade de opinião pessoal).
A teoria realista consiste, então, em verificar os fatos e dar a eles um sentido guiado
pela razão, e não pela emoção. Já que a política (no caso desse trabalho, a política externa) é
determinada pela natureza humana, torna-se fácil entender as relações internacionais, pois o que
se deve fazer é avaliar os fatos de uma forma racional para entender suas conseqüências e as reais
intenções daqueles que realizaram as ações.28 Esse confronto dos fatos com suas conseqüências, em
um ponto de vista racional, acabam por eliminar a existência de diferentes interpretações.
26 Idem, p.132 27 MORGENTHAU, Hans J. A Política Entre as Nações: a Luta Pelo Poder e Pela Paz. São Paulo:
Universidade de Brasília, 2003. p.04 28 MORGENTHAU, op. cit., p.06
16
Como os realistas vêem o mundo de forma racional, têm plena convicção de que ele é
imperfeito e cheio de interesses contrários. O interesse definido em termos de poder é uma
constante na política internacional. Esse conceito introduz uma ordem racional no campo da
política, tornando possível um entendimento teórico a seu respeito.29 Dessa forma, “os elementos
eventuais de personalidade, preconceitos e preferências subjetivas, aliados a todas as fraquezas
do intelecto e da vontade a que a carne está sujeita, tendem a desviar a execução das políticas
externas de seu curso racional”.30 Ou seja, misturar opiniões pessoais com política externa
acontece quando se abandona a racionalidade, mas é errado (mais uma vez, é errado para
aqueles que acreditam nessa teoria).
É importante saber também como os realistas entendem o poder. Uma variável importante
para entender esse conceito, assim como para entender a própria ação política, é o contexto
histórico. O poder é determinado, assim como a própria ação do Estado, pelo ambiente político e
cultural. Nas palavras do próprio Morgenthau:
O poder engloba todos os relacionamentos sociais que se prestam a tal fim, desde a violência física até os mais sutis laços psicológicos mediante os quais a mente de um ser controla uma outra. O poder cobre o domínio do homem pelo homem não só quando se apresenta disciplinado por desígnios morais e controlado por salvaguardas constitucionais, (...) como quando ele se converte nessa força bárbara e indomável que só consegue encontrar leis em sua própria força e justificação em seu próprio desejo de engrandecimento.31
Assim, o Realismo não acredita que princípios morais universais podem ser aplicados às
ações do Estado de forma universal, mas que o momento histórico deve filtrar esses princípios.
Um fato curioso a respeito do poder, por mais que sua aspiração seja o elemento
distintivo da política internacional, mostra que o mesmo é frequentemente negado em
pronunciamentos acadêmicos.32 Durante um discurso, geralmente o poder é disfarçado por belas
palavras e objetivos ideológicos, como se a política fosse uma ferramenta para a conquista de
um bem maior – quando na verdade, o objetivo de Estado é o acúmulo de poder. Esse acúmulo é
almejado pelas nações porque é reconhecido pela política internacional como o valor supremo.
Possui esse valor devido às decisões políticas internacionais, já que elas são tomadas por base na
distribuição do poder dentre os membros da comunidade internacional.33
29 Idem, p.07 30 Idem, p.10 31 Idem, p.18 32 MORGENTHAU, op. cit., p.60 33 Idem, p.82
17
A política internacional consiste em uma luta pelo poder que acaba por se tornar o
objetivo imediato das relações internacionais.34 E quando esse objetivo faz as nações agirem de
modo irracional com a possibilidade de declaração de guerra total, é que a ameaça de guerra
nuclear passa a existir (como foi no caso da URSS e dos EUA durante a Guerra Fria).35
Quando o objetivo é lidado de forma racional, se alcança o equilíbrio.
1.2.2.2 O Equilíbrio de Poder
Como foi dito anteriormente, os agentes internacionais tendem a acumular cada vez
mais poder como forma de assegurar sua segurança. Mas já que o cenário internacional é
composto por vários atores que possuem esse mesmo objetivo, como se dão as relações
internacionais já que os Estados estão sempre procurando estar mais seguros que os outros?
A aspiração de poder por parte das várias nações, em que cada uma tenta manter ou alterar o
status quo, leva o mundo à uma situação chamada equilíbrio de poder.36 Esse equilíbrio de poder e
suas políticas traçadas para preservá-lo, são inevitáveis para estabilizar uma sociedade de nações
soberanas, que, lembrando mais uma vez, possuem suas raízes na natureza humana, ou seja, são
racionais e egoístas.
Em um universo em que existam várias forças autônomas, que por algum motivo foram
abaladas (talvez por uma força externa), o equilíbrio de poder tende a restabelecer o equilíbrio
original ou um novo equilíbrio desse universo, estabilizando o sistema de forças e preservando
todos os elementos do sistema.37 Nas palavras de Morgenthau:
Existem dois pressupostos na base de todas essas formas de equilíbrio: primeiro: que os elementos a serem equilibrados são necessários à sociedade ou tem direito a existir; e segundo: que, sem um estado de equilíbrio entre eles, um dos elementos ganhará ascendência sobre os demais, desrespeitará seus interesses e direitos e poderá finalmente destruí-los. Em conseqüência, o propósito de todas essas formas de equilíbrio será o de manter a estabilidade do sistema, sem destruir a multiplicidade dos elementos que o compõem.38
Em outras palavras, o propósito do equilíbrio não é só manter a estabilidade sem destruir
elementos que compõem o universo, mas também em evitar que um desses elementos conquiste
a supremacia sobre os demais, podendo levá-los a destruição.
34 Idem, p.51 35 Idem, p.53 36 Idem, p.321 37 MORGENTHAU, op. cit., p.322 38 Idem, p.324
18
Segundo Morgenthau, existem dois principais padrões da manifestação de equilíbrio de
poder no cenário internacional, conhecidos como padrão da oposição direta e padrão da competição.39
O padrão da oposição direta corresponde à dominação de um Estado por outro. Digamos que
em determinado momento, um dos países iniciou uma política imperialista em relação à outra nação.
Nesse caso, o equilíbrio de poder resulta diretamente do desejo, por parte da nação que iniciou a
política imperialista, em ver suas políticas suplantarem as políticas do outro.40 A nação que está
sujeita a dominação tem duas opções: ou aceita a política imperialista, ou cria uma política
imperialista própria. No segundo caso, se a nação vítima criar uma política imperialista própria, o
Estado imperialista terá que aumentar seu poder no intuito de resistir às políticas imperialistas e
continuar com a sua, com alguma chance de êxito.41 Esse equilíbrio é mantido até que uma das
duas nações ganhe uma boa vantagem sobre a outra, ou que seja desencadeada uma guerra, que
decidirá sobre o caso.
Já o segundo padrão, o da competição, segue essa mesma lógica do padrão anterior, mas conta
com a presença de outros Estados que acabam por serem envolvidos em suas políticas.
Digamos que, como nenhum dos dois países cedeu à iniciativa do outro, suas atenções se voltam a
uma terceira nação, que pode tanto resistir como aceitar a dominação. Essa terceira nação torna-se
objeto de competição das nações imperialistas, onde o país mais poderoso é aquele que conseguir
dominar o terceiro país. Dessa forma, o padrão de luta pelo poder entre as duas primeiras nações
consiste em quem consegue dominar o terceiro antes da outra.
O equilíbrio é aqui expressado quando uma das nações fortes consegue garantir a
independência da nação mais fraca, impedindo sua dominação por um país imperialista. Se o poder
da nação imperialista conseguir superar o poder da nação forte protetora, a independência do país
fraco estará comprometida. Mas, se a nação forte protetora conseguir vantagem, a independência
da nação fraca estará mais segura. Se, com o passar do tempo e com o decorrer das relações, a nação
imperialista desistir de suas políticas devido às pressões da nação protetora e voltar-se para um
quarto país, a independência da nação fraca estaria assegurada para sempre.42
Esse padrão cria estabilidade (por mais sensível que seja) quando, entre três nações (A, B e C,
sendo esta última a nação mais fraca), o poder de A para dominar C é compensado por B, ao
mesmo tempo em que B também tenta dominar C, mas tem sua política equilibrada pelo poder
de A.
39 Idem, p.330 40 Idem, p.331 41 Idem, p.332 42 MORGENTHAU, op. cit., p.335
19
1.2.3 Imagem
O terceiro conceito teórico utilizado possui raízes bem diferentes dos anteriores. Jean
Baptist Duroselle e Hans Morgenthau são teóricos pertencentes à corrente estatocêntrica e por isso
possuem basicamente a mesma visão a respeito da realidade. O próximo marco muda
completamente essa visão e adiciona um diferente ponto de vista à análise dos fatos, deixando
esta monografia eclética e com diferentes perspectivas.
Imagem começou a ser discutida na disciplina de Relações Internacionais no final dos
anos 1980, com o surgimento de novas teorias que se diferenciavam completamente da teoria
realista. Os acadêmicos que adotam conceitos como os de imagens, geralmente pertencentes à
Teoria Crítica ou ao Construtivismo, possuem uma idéia a respeito do mundo completamente
diferente dos dois autores que foram estudados anteriormente. Para os novos pensamentos, a
realidade é uma construção social, condição que é bem sintetizada por Vasquez:
If what exists is at one and the same time arbitrary and the product of human choice (at some level), it follows that what exists must have been socially constructed by people. Reality is created and constructed by believes and behaviour. Structures […] are the product of human action. Reality is not God – or Nature – given, but human-imposed.43
Em outras palavras, a realidade, assim como as escolhas e o comportamento dos
atores, é construída pela sociedade e seus valores, personalidades e julgamentos (os mesmo
fatores que o Realismo considera irracionais). Já que a realidade é construída pelo homem e seus
defeitos, a própria ciência também não pode ser completamente livre de valores, e as escolhas não
podem ser entendidas como “a única escolha” que pode ser feita.
Uma outra diferença fundamental entre as teorias crítica e construtivismo para a teoria
realista diz respeito à identidade. Quando um significado é atribuído a uma pessoa, coisa ou ação,
ela passa a possuir uma imagem por onde os outros a identificarão. Para ficar mais claro, segue
um trecho escrito por Alexander Wendt:
Sometimes situations are unprecedented in our experience, and in these cases we have to construct their meaning, and thus our interests, by analogy or invent them de novo. More often they have routine qualities in which we assign meanings on the basis of institutionally defined roles. (…) the absence or failure of roles makes defining situations and interests more difficult, and identity confusion may result.44
43 VASQUEZ, John. The post-positivist debate. In: BOOTH, Ken & SMITH, Steve (Orgs.). International
Relations Theory Today. Pensylvania: The Penn State University, 1995. p.221 44 WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it: The Social Construction of Power Politics.
International Organization. Cambridge, v.46, n.2, 1992. p.399
20
Logo, os agentes das relações internacionais agem com base nos significados que eles dão
aos objetos e os significados que os outros agentes dão uns para os outros.45 Como a identidade
é definida culturalmente, e ambos estão em constante mudança, ela pode se adaptar às
necessidades que o momento demanda, fator que proporciona ainda mais valor ao momento
histórico pelo qual passa a sociedade.46
Resumidamente, imagem é a idéia que os outros fazem a respeito de objetos e agentes
que os rodeiam. Essa idéia é construída pela comunidade, é uma interpretação cultural de algo. Essa
interpretação surge da interação entre a sociedade com o que esta a sua volta: Estados, diferentes
grupos sociais, comunidade acadêmica, etc. Essa integração às vezes é alterada devido ao momento
histórico pelo qual a sociedade está passando, gerando diferentes interpretações e comportamentos
que são refletidos nas relações internacionais.
CAPÍTULO 2
Histórico da Guerra Fria
Ao mencionar as relações diplomáticas entre Estados Unidos (EUA) e Rússia no século XX, a
Guerra Fria imediatamente torna-se pauta de discussão. Todos os membros da geração que
presenciou tal conflito, assim como os que pertencem à geração seguinte, entendem o quão
importante esse período foi para que o mundo fosse moldado à forma que possui hoje. Da
mesma forma que os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial causaram influência direta
para o desencadeamento da Guerra Fria, esta teve total ligação com o comportamento
diplomático entre os dois países no pós-guerra, período que será estudado no próximo capítulo.
Este segundo capítulo é dedicado inteiramente aos acontecimentos ocorridos desde o
primeiro relacionamento de embate entre eles, passando pela Segunda Guerra Mundial, com a
rendição da Alemanha e Japão diante das forças Aliadas, até a queda do Muro de Berlim e da
assinatura do decreto que encerrava oficialmente a existência da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) por Gorbatchev, em 25 de dezembro de 1991. 45 GRIFFITHS, Martin. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais. 2ª edição. São Paulo:
Contexto, 2005. p.295 46 NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2005. p.168
21
Como dito anteriormente, EUA e Rússia se confrontaram pela primeira vez nos anos
1890 quando os russos invadiram a Manchúria com o objetivo de fechá-la comercialmente para
o resto do mundo. Os Estados Unidos, apoiando os japoneses, queriam uma Manchúria aberta
e, ao mesmo tempo, deter o expansionismo russo que já era compreendido como uma possível
ameaça. Esse sentimento ameaçador não mudou com o passar dos anos e, em 1917, tornou-se
ainda pior com o movimento Bolchevique liderado por Vladimir Lênin que tinha como
objetivo “overthrow the Russian government and establish a Soviet Union. The ever-expanding
tsarist empire now possessed an ideological force, Marxism, that was supposedly driven by
historical law and dedicated to world revolution”.47 Essa força ideológica sempre foi interpretada
pelos governantes estadunidenses como uma forma tirana de dominação. Em 1922, indo contra
todos os desejos norte-americanos, a já consolidada União Soviética assinou um tratado de
cooperação com a recém derrotada Alemanha, fazendo com que toda a comunidade internacional
percebesse que os “Soviets were apparently here to stay”.48
Um dos principais fatores que colaborou com o início da Guerra Fria é comum aos dois
países: ambos nasceram de revoluções, ambos abraçaram ideologias com aspirações globais e ambos
avançaram por extensas fronteiras.49 Com diferenças ideológicas afastando cada vez mais os dois
países e entendendo a imagem do outro como uma grande ameaça para suas ambições, seu
relacionamento durante a Segunda Guerra Mundial foi conturbado. Agora sob o poder de
Joseph Stalin, ambos simultaneamente comemoraram a vitória dos Aliados sobre os países do
Eixo e entraram em controvérsias a respeito de demarcações territoriais e áreas de influência. Nas
palavras de John L. Gaddis:
A resposta a todas as perguntas é praticamente a mesma: venceu a guerra uma coalizão cujos membros mais importantes já estavam em guerra – ideológica e geopoliticamente, se não militarmente – entre si. Quaisquer que fossem os triunfos da Grande Aliança na primavera de 1945, seu êxito sempre dependera da busca de objetivos compatíveis por sistemas incompatíveis. A tragédia foi esta: aquela vitória exigiria que os vencedores deixassem de ser o que eram ou desistissem de muito do que desejavam atingir com aquela guerra.50
As negociações entre URSS, EUA e Inglaterra a respeito de “quem vai ficar com o que”,
foram inteiramente mediadas pelos seus respectivos líderes. Com medo de que a URSS
assinasse um novo tratado com a Alemanha, Roosevelt e Churchill lidavam com Stalin de
47 LAFEBER, Walter. America, Russia and the Cold War 1945-2006. 10ª edição. New York: Mcgraw-hill,
2006. p.03 48 Idem, p.04 49 GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p.06 50 Idem, p.06
22
forma diplomática, cautelosa. A movimentação dos exércitos inglês e americano na Itália e na Grécia,
fez o soviético negar aos demais um papel relevante na ocupação da Romênia, Bulgária e Hungria,
já que ele sequer foi avisado sobre o assunto. Em outubro de 1944, Churchill e Stalin
concordaram que a URSS deveria sim ter influência nessas regiões e que os ingleses seriam
reconhecidos na Grécia. Roosevelt não gostou de não ter sido consultado a esse respeito e excluiu
Stalin das negociações sobre os termos de rendição do exército alemão no sul da Itália, fato que fez
Stalin a quase entrar em pânico.51 Sempre quando um dos três homens de Estado tomava
alguma atitude sem consultar os demais, acabava por ser deixado de lado em alguma outra
negociação. Esse jogo de relacionamentos permaneceu ativo durante toda a fase de negociações do
pós-guerra e alimentou a sensação de que qualquer um deles poderia ser enganado a qualquer
momento.
A desconfiança existente entre Washington, Londres e Moscou desde o início da Segunda
Guerra (principalmente entre Roosevelt e Stalin), e o medo do poder devastador da bomba
atômica fez com que as relações entre esses três líderes ficassem muito mais conturbadas. Cada
crise a respeito de fronteiras, instauração de governos e regiões de influência que deveriam
pertencer a um, mas estavam sobre esfera do outro, viraram discussões constantes. Uma tensa
situação parecia levar diretamente a outra. Depois de conseguir os territórios que queria na
Europa oriental, Stalin retardou a retirada de suas tropas do Irã e exigiu uma parte considerável
da Turquia. Isso foi suficiente para os Estados Unidos começar a sua estratégia de ação.
Em 1946, um relatório conhecido como “longo telegrama” foi escrito por George F.
Kennan a respeito da estratégia soviética, tanto para o âmbito doméstico quanto para as relações
internacionais. Um ano mais tarde o artigo do Sr. X (que tempos depois descobriu-se ser
Kennan), intitulado “The Sources of Soviet Conduct”, foi publicado na Foreign Affairs e obteve
grande impacto em toda a sociedade americana. Ambos acabaram tornando-se fundamentais
para o comportamento de Washington durante toda a Guerra Fria.52 Segundo Kennan:
A política Soviética orientava-se pelos princípios do antagonismo entre socialismo e capitalismo e pela infalibilidade do Kremlin (...) identificando as sociedades capitalistas como suas opositoras e como destinadas à destruição por suas próprias fraquezas e vícios. (...) Repetia-se uma constante da história russa: justificar o autoritarismo em casa e a expansão externa como forma de defender e preservar o país dos inimigos que desejavam unicamente a sua destruição.53
51 Idem, p.19 52 GADDIS, op. cit., p.28 53 PECEQUILO, Cristina Soreanu. A Política Externa dos Estados Unidos: continuidade ou mudança. 2. ed.
Porto Alegre: Editoria da Ufrgs, 2005. p.147
23
Com o artigo do Sr. X, e a política do novo presidente Henry S. Truman determinando a
postura estadunidense, e com o relatório de 1947 de Nikolai Novikov, embaixador em
Washington, a respeito das políticas exteriores norte-americanas (que foi especialmente
requisitado por Stalin em resposta ao “longo telegrama”), as diretrizes básicas para a Guerra Fria
estavam traçadas.
Muitos acontecimentos ocorreram nesse mesmo período. Dentre eles estavam a Doutrina
Truman e o Plano Marshall, que já haviam sido aprovados e já estavam em andamento. O golpe
de Estado na Tchecoslováquia em 1948, a primeira crise de Berlim nesse mesmo ano (que
levou Stalin a construir o muro que dividiu a Europa),54 a criação da OTAN em 1949 e todas as
outras instituições cujo objetivo era moldar a nova ordem mundial (Banco Mundial, FMI, etc.),
a situação da China com Mao Tse-tung, além da Guerra da Coréia, são apenas alguns exemplos do
conturbado início da Guerra Fria.
Mas quando exatamente esse conflito começou? Um fato curioso para os estudantes da
Guerra Fria diz respeito ao seu início e seu fim. Parte dos historiadores afirma não conseguir
firmar uma data exata em que a guerra foi desencadeada. O próprio Gaddis acredita que, como
um “redemoinho”, os acontecimentos provenientes da Segunda Guerra Mundial caíram nesse
repetitivo padrão, em que sem ataques surpresa, sem declarações de guerra e nem mesmo uma
ameaça de rompimento de relações diplomáticas,55 o mundo se viu, repentinamente, imerso em
uma disputa entre capitalistas e comunistas.
Outros autores possuem opiniões diferentes. Alguns acreditam que o marco inicial do
conflito foram as decisões políticas de Stalin de 1946, em resposta ao discurso Iron Curtain de
Churchill,56 já que tais ações determinaram a política externa russa até metade dos anos 1980.
Outros consideram as declarações de guerra que Stalin e Churchill fizeram no verão de 1946.57
Diferente das suposições anteriores, o fato que foi popularmente aceito pela comunidade
acadêmica de Relações Internacionais como o princípio do conflito aconteceu no dia 12 de março
de 1947, onde o presidente americano “dramatically presenting the Truman Doctrine to
Congress, asked Americans to join in a global commitment against communism.”58
Por mais que seja difícil para a comunidade acadêmica chegar a um consenso sobre o
início da guerra, essa divergência de opiniões não pairou durante seu desenvolvimento. Quando a
Segunda Guerra mundial acabou, as duas maiores nações que existiam naquele período
54 GADDIS, op. cit., p.31 55 GADDIS, op. cit., p.26 56 LAFEBER, op. cit., p.43 57 Idem, p.46 58 Idem, p.57
24
disputavam o controle do mundo. Uma queria a completa destruição do capitalismo que já estava
fadado ao fracasso, enquanto a outra queria o fim do comunismo que representava exatamente
o oposto de todas as bases das sociedades ocidentais. O mundo se encontrava em um cenário
bipolar onde as duas potências mantinham um equilíbrio de poder delicado que, se abalado,
poderia causar sérios danos à comunidade internacional.
A bomba atômica, com seu enorme poder de devastação, curiosamente acabou por ser uma
variável favorável ao equilíbrio de poder. Como mostra a história, os EUA usou a bomba pela
primeira vez no dia seis, e uma última vez no dia nove de agosto de 1945 contra o Japão durante
a Segunda Guerra Mundial. Nunca mais esse armamento foi acionado em um ataque entre
nações. Seu poder fez o mundo parar perante tamanha potência de destruição e os norte-
americanos, convictos de que eram os únicos a possuir tal arsenal, imaginaram que o monopólio
da arma significava vantagem perante seus inimigos. Truman torcia para que Stalin olhasse
para Hiroshima e Nagasaki, temesse seu poder e moderasse suas ambições. Mais uma vez os
americanos subestimaram o ditador soviético que sabia da importância de nunca demonstrar
medo, por mais que estivesse aterrorizado.59
Quando os EUA descobriram não ser o único a ter domínio do processo de fabricação da
bomba, por intermédio do ministro do exterior soviético Vyacheslav M. Molotov em novembro
de 1945,60 o fato de agora também ser um alvo em potencial foi um estímulo para agir com
muita cautela. Afinal, se os dois Estados mais poderosos do mundo podiam se ameaçar com a
“bomba A”, o estrago causado não mudaria somente o curso de uma guerra. Absolutamente tudo
o que existe estaria no campo de batalha.61 Com esse novo cenário o objetivo da bomba
mudou: aquele que acumulasse maior número de ogivas teria maior segurança. Ficar atrás na
corrida armamentista seria correr o risco de destruição. Ao mesmo tempo, ter essa quantidade tão
grande de bombas atômicas ou bombas de hidrogênio (que foi testada em agosto de 1949 pelos
estadunidenses) significaria, indiretamente, ter condições de destruir o mundo. Portanto, o
objetivo das armas nucleares na Guerra Fria era convencer o oponente a nem ir à guerra.62
Claro que tanto americanos quanto soviéticos acreditavam que seu oponente usaria de todo seu
poder caso achasse necessário, por mais que Stalin e Truman desejassem que isso nunca
acontecesse.
Um bom exemplo sobre essa tensão em torno das armas nucelares foi a crise dos mísseis
de Cuba. John F. Kennedy teve um conturbado primeiro ano de mandato: o fracasso do 59 GADDIS, op. cit., p.53 60 LAFEBER, op. cit., p.31 61 Idem, p.49 62 Idem, p.69
25
desembarque na Baia dos Porcos de Fidel Castro em 1961, a URSS colocando um marco na
corrida espacial ao lançar um satélite e depois um homem ao espaço antes dos americanos, a
retomada dos testes de armas nucleares pelos soviéticos e a construção do muro de Berlim.63 Em
1962, ainda dez anos atrás na corrida armamentista em relação à capacidade de lançamento de
mísseis de longo alcance,64 Nikita Khruschev enviou para o companheiro comunista Fidel
Castro uma generosa quantidade de mísseis de médio alcance que possuía em abundância. Seu
objetivo principal era estimular a revolução marxista-leninista na América Latina, já que os
cubanos implantaram o novo sistema sem nenhuma pressão de Moscou, de forma totalmente
independente. E também, ao mesmo tempo, ensinar a Washington, nas palavras do próprio
Khruschev, “o que é sentir que existem mísseis apontados para você; estaríamos simplesmente
dando a eles um pouco do seu próprio remédio”.65
Kennedy interpretou a colocação dos mísseis soviéticos em Cuba como um ato de preparação
para a guerra, produzindo efeitos psicológicos e políticos muito piores do que se existissem
mísseis de longo alcance apontados para os EUA a partir da União Soviética.66 E a tensão se
agravava ainda mais por parte dos norte-americanos quando souberam que os dirigentes
cubanos estavam autorizados a utilizar as armas em caso de invasão, o que mantinha o país
seguro, pelo menos enquanto aquelas ogivas permanecessem em solo cubano.
Por mais que os EUA tivessem entre oito e dezessete vezes o poderio da URSS em
armas nucleares, a idéia de perder duas ou três cidades americanas em ataque soviético-cubano
foi o suficiente para Kennedy negociar publicamente com Khruschev. Para retirar os mísseis
da América Central, Kennedy se comprometeu a não fazer novas tentativas de invadir a país de
Castro e em retirar seus mísseis de alcance intermediário da Turquia.67 Por mais que a situação
tenha se resolvido (tanto que Fidel permaneceu no poder em Havana até início de 2008 com o
mesmo sistema político que Kennedy e seus sucessores tentaram derrubar), a crise dos mísseis
de Cuba foi o que mais aproximou o mundo de uma terceira guerra mundial. Foram treze
agonizantes dias para os dois blocos.
Inicialmente, as populações americana e a soviética sentiram-se mais seguras em relação ao
inimigo se um grande arsenal estivesse à disposição caso alguma crise ocorresse, como aconteceu
no caso de Cuba. Mas com o passar do tempo, a corrida armamentista foi lentamente
perdendo sua força e, na década de 1980, ogivas e tanques de guerra perderam espaço perante a
63 Idem, p.71 64 Idem, p.72 65 GADDIS, op. cit., p.73 66 GADDIS, op. cit., p.74 67 Idem, p.75
26
nova realidade internacional.68 Com movimentos sociais em ascensão e novos atores políticos, a
sociedade passou a trocar o medo da guerra, da violência, por uma postura mais ativa que
ansiava por Paz. Por mais que fossem eficientes para reprimir as pessoas, metralhadoras e
granadas começaram a ser desafiadas pelo diálogo.
Mas outros fatores colaboraram para o equilíbrio de poder. O cenário internacional da
época foi marcado por competições entre as duas superpotências. Disputas por armamentos, pela
conquista do espaço, por expansão territorial, por avanços tecnológicos. Foi exatamente nessa
situação, em meio a uma Cortina de Ferro que dividia a Europa, em que os EUA e a URSS se
viram travando uma disputa de influências pelos Estados da América do Sul, América Central,
África e Oriente Médio. Alguns historiadores acreditavam que esse equilíbrio proporcionado pelo
conflito evoluíra para uma “paz duradoura”,69 uma era de estabilidade.
Em um mundo em que a cidade de Berlim era dividida ao meio, dentro de uma
Alemanha dividida, dentro de uma Europa também dividida, para toda a geração pertencente ao
período pós-guerra, essa era uma situação perfeitamente normal das relações internacionais.70 Tão
normal que era fácil aceitar a idéia da existência de duas Coréias e dois Vietnãs. O jogo de
influências e poder que Washington e Moscou travavam após a Segunda Guerra Mundial era
bem compreendido pelos demais atores da comunidade internacional.
Assim, após alguns anos os demais Estados aprenderam a lidar com essa situação, muitas
vezes tirando proveito dela. Dois ótimos exemplos são Mao Tse-tung na China comunista, e
Charles de Gaulle na França capitalista. A França teve sua reconstrução financiada por
Washington depois da Segunda Guerra, recebeu segurança por meio da OTAN e teve seu
projeto nuclear apoiado. A China recebera da URSS inspiração ideológica para sua revolução, além
de ajuda, tanto econômica quanto militar, para a fabricação da sua bomba atômica.71 Pequim e
Paris mantiveram um bom relacionamento com seus respectivos “patrocinadores” até o final dos
nos 1950, quando, por não aceitarem que a Guerra Fria durasse indefinidamente,72 mudaram
radicalmente suas posições a respeito da ordem bipolar em que o mundo se encontrava.
Nos primórdios dos anos 1960, de Gaulle deixou claro que seu objetivo era frustrar ao
máximo as políticas dos Estados Unidos na Europa.73 Recusou-se a coordenar a estratégia
nuclear da França com a dos EUA e Inglaterra, vetou a entrada dos ingleses na Comunidade
Econômica Européia, em 1964 concedeu reconhecimento diplomático à China e em 1966 retirou- 68 Idem, p.187 69 GADDIS, op. cit., p.188 70 Idem, p.188 71 Idem, p.132 72 Idem, p.188 73 Idem, p.133
27
se definitivamente da cooperação militar com a OTAN. As respostas de Washington foram
inefetivas em todos os sentidos, o que dava ainda mais força à França em recuperar sua
autonomia política.74
Já no Oriente a situação foi um pouco mais complicada. A situação entre a França e os EUA não
era nada perto dos problemas que a China causava à URSS. Mao Tse-tung e Khruschev, por
mais comunistas que fossem, tinham preconceitos nacionalistas que os separavam. Por
inúmeras vezes Mao atacou o vizinho do norte com humilhações mesquinhas e pronunciamentos
enigmáticos.75 Mao tinha o dom para sempre conseguir problemas tanto com a URSS, em seus
ataques pessoais a Khruschev, quanto com os EUA, de forma a conquistar um diferente tipo
de equilíbrio. Nas palavras de Gaddis:
Como, então, de Gaulle e Mao, lideres de potências médias, foram capazes de tratar dessa forma superpotências? (...) Parte da resposta tem a ver com o novo tipo de equilíbrio de poder que estava acontecendo aqui: a estratégia de ‘defesa em todas as direções’ de de Gaulle não diferia muito da adotada por Mao, ‘ataque em todas as direções’. Ambos achavam no desafio da autoridade externa um modo de reforçar sua legitimidade interna. (...) Também parte da resposta esteve na extinção do medo. Por volta de 1960, a França e a China estavam bastante fortes no quadro das alianças que integravam, a ponto de não mais sofrerem das inseguranças que as levaram a buscar aquelas mesmas alianças.76
Ao perceberem que estadunidenses e soviéticos estavam mais preocupados com soviéticos
e estadunidenses do que com a Europa que tinham recém dividido à cerca de dez anos, Mao e de
Gaulle perceberam uma boa oportunidade para levantar o moral de seus países que fora
perdido após a Segunda Guerra. Conseguiram com sucesso. Mas não foram somente eles que
aprenderam a lidar com as premissas do conflito.
A Segunda Guerra Mundial desencadeou um processo que encerraria o sistema adotado
pelos grandes impérios europeus por quinhentos anos. O colapso do colonialismo coincidiu
com o começo da Guerra Fria77 e tanto a URSS (antiimperialista como sempre), e os Estados
Unidos (que não viam nisso um grande problema), não deram devida atenção aos novos Estados
independentes, que acabaram por seguir o exemplo da já extinta Iugoslávia.
Josip Broz Tito, líder dos iugoslavos, em 1948 rompeu relações com Stalin para não
sacrificar sua soberania por solidariedade ideológica, mesmo sendo ambos bons comunistas.
Nas palavras de LaFeber, “Tito’s belief in communism had never been in question. (...) Tito’s
nationalism, however, had never been questioned either. When Stalin began to demand full 74 Idem, p.134 75 GADDIS, op. cit, p.135 76 Idem, p.136 77 Idem, p.116
28
Yugoslav adherence to the new economic and mutual assistance pacts, Tito balked”.78 Quando
ouviu sobre a ruptura, Washington rapidamente enviou ajuda econômica à Iugoslávia e
demonstrou certa simpatia por ele não ter submetido seu país ao controle da URSS. Tito
percebeu sua chance nesse momento. Será que Moscou arriscaria atacá-lo sabendo que os
americanos lhe prestavam assistência? Ao mesmo tempo, Tito não poderia ficar muito
dependente dos EUA. Não sabia se a OTAN lhe daria proteção caso precisasse ou se tentariam
implantar o sistema capitalista em troca de ajuda.
Tito, então, foi o pioneiro no sistema de “não-alinhamento” adotado por vários países durante
a Guerra Fria. Seu objetivo não era fazer de suas ações um ato isolado e sim com que outros
líderes o seguissem. Percebeu a maré nacionalista na Ásia e passou a se relacionar com a Índia e
China. Em 1955, convocou a primeira conferência de nações “não-alinhadas” na Indonésia e cujo
objetivo era expandir a autonomia, encorajando a neutralidade na guerra.79
A política do “não-alinhamento” foi muito importante para o equilíbrio de poder. Tito,
Nasser do Egito, Nehru da Índia e Chou Em-lai da China provaram que ser superpotência na
Guerra Fria não significava conseguir tudo que queria.80 A União Soviética e os Estados Unidos
aprenderam na prática que não poderiam jogar facilmente com pequenas Nações, pois elas
poderiam se aliar ao bloco inimigo. Dessa forma, conquistaram sua autonomia.
O cenário internacional estava mudando. A situação econômica e social em que a Europa se
encontrava na final da Segunda Guerra fez com que dois outros países fizessem dela o que
bem entendessem – tanto que a dividiram e aplicaram nela seus próprios princípios. Na época os
europeus não tinham como responder ao que estava sendo feito. Com o enorme número de
baixas, cidades destruídas, fome e pouco acesso à educação, os cidadãos nada tinham a fazer além
de aceitar o que lhes era imposto. Afinal, sair de uma guerra era um grande alívio; e receber
ajuda para se reerguer também era.
Essa situação mudou em meados dos anos 1960. Com as atenções voltadas para as
Alemanhas, uma nova geração acompanhou a disputa entre capitalismo e comunismo no único
lugar possível em observá-los lado a lado: Berlim Oriental e Berlim Ocidental. O contraste
entre os dois pólos da mesma cidade era espantoso. Os cidadãos podiam, em questão de minutos
e sem nenhum meio de transporte, sair de um mundo comunista e ir para outro completamente
78 LAFEBER, op. cit., p.85 79 GADDIS, op. cit., p.120 80 Idem, p.123
29
diferente. Até então os berlinenses podiam transitar de um lado para o outro sem maiores
problemas.
Berlim Ocidental, com suas universidades, centros culturais, bibliotecas e outros fatores
impulsionados pelo Plano Marshall, transformou-se em uma grande propaganda das
qualidades do capitalismo.81 Por mais que as tensões no lado ocidental da cidade fossem
intensas (afinal, estava rodeada de soviéticos por todos os lados), a zona americana começou a
atrair pessoas que abandonavam Berlim Oriental com o objetivo de chegar tanto ao lado
ocidental da cidade quanto na Alemanha Ocidental. Essa liberdade de ir e vir começou a
representar um grave problema à URSS. Berlinenses começaram a demonstrar insatisfação com a
diferença nos padrões de vida. Grande parte das pessoas que abandonavam a zona soviética eram
mais instruídas e bem treinadas82 que acabavam aderindo ao lado ocidental devido à repressão
política ou dificuldades econômicas. Até então, um total 2,7 milhões de alemães fugiram da área
soviética.83
Com medo de que esse êxodo representasse uma falha explícita do marxismo-leninismo,
Khruschev e os dirigentes do Kremlin, no dia 13 de agosto de 1961, decidiram erguer uma
barreira em volta de Berlim Ocidental, primeiro com uma cerca de arame farpado, depois com
um muro de concreto com torres de segurança protegidas por soldados autorizados a atirar a
quem tentasse atravessá-lo.84 Agora que o lado oeste estava isolado e as pessoas perderam seu
direito de ir e vir, por mais que cidades e países divididos ideologicamente fosse uma idéia
normal para a primeira geração de pessoas que acompanharam a Guerra Fria, a nova geração
encontrou dificuldade em aceitar um muro que dividia berlinenses de outros berlinenses.
No verão de 1967, seis anos após a construção do Muro de Berlim, a insatisfação atingiu os
estudantes berlinenses, inclusive os da Free University. A universidade, que foi criada com
investimentos de Washington, concentrava milhares de manifestantes que apontavam os EUA
e seus aliados na Europa como “imperialistas”. Acabaram transformando a Casa da América, que
tinha como objetivo aproximar a cultura norte-americana da alemã, em alvo de manifestações
hostis.85
No ano seguinte, a situação dos manifestantes nos EUA beirou a perda do controle. No
mesmo ano em que Martin Luther King e Robert Kennedy foram assassinados, o presidente
81 Idem, p.108 82 LAFEBER, op. cit., p.223 83 GADDIS, op. cit., p.109 84 Idem, p.110 85 Idem, p.138
30
Lyndon Johnson não podia nem participar das reuniões do seu partido por medo do perigo.86
Manifestações contrárias à Guerra do Vietnã mobilizavam o país, e quando o presidente anunciou a
invasão americana ao Camboja, quatro manifestantes universitários foram mortos pela Guarda
Nacional de Ohio – a situação estava, segundo o novo presidente Richard Nixon, tão “anárquica” que,
sem conseguir dormir, saiu da Casa Branca no meio da madrugada e foi discutir com
estudantes que ali por perto estavam.87
As manifestações chegaram ao pólo soviético também em 1968, quando os soldados russos
marcharam pela Tchecoslováquia para impedir que as reformas da “primavera de Praga”
pudessem se propagar.88 O Kremlin realmente acreditava que a invasão resolveria essa questão e
que seria fácil encontrar Tchecos dispostos a assumir o governo sob ocupação soviética. Os
soldados, em vez de serem aclamados como achavam que seriam, foram vaiados de forma
nunca antes vista. A Tchecoslováquia, que foi um dos países do leste europeu que mais
conseguiu manter sua autonomia perante Stalin e os demais governantes seguintes, teve sua
invasão repercutida em protestos na Iugoslávia, Romênia e China. Houve até uma pequena
manifestação em frente ao túmulo de Lênin na Praça Vermelha em Moscou, fato inédito que
surpreendeu os chefes do Kremlin.89
Existem motivos que explicam a súbita aparição das forças sociais nesse período da história. O
primeiro deles é que havia mais jovens do que nunca no passado. Após a Segunda Guerra
Mundial, a taxa de natalidade alcançou grandes níveis, enquanto a taxa de mortalidade declinou
incrivelmente (fenômeno conhecido como baby boom). Esse foi um fenômeno geral, não foi
isolado somente nos EUA ou na URSS. Com isso, segundo Gaddis, “no final dos anos 60 e
começo dos 70, a geração pós-guerra estava em torno dos vinte anos: idade suficiente para criar
problemas, se assim desejasse”.90 Outro fator importante, também comum ao mundo todo, foi a
educação. Diferente de seus antecessores, os jovens nascidos durante a Guerra Fria cresceram
em um mundo marcado pela corrida armamentista e pela corrida espacial, que dependiam do
avanço da ciência e tecnologia. Com isso, os próprios Estados não perceberam que, investindo em
educação, também se investia no senso crítico das pessoas. As matrículas em universidades entre
1950 e 1970 foram quase triplicadas nos EUA, na URSS, na França e até mesmo na China.91 Os
líderes do Kremlin começaram a se preocupar com o fato de pessoas instruídas estarem
86 LAFEBER, op. cit., p.270 87 GADDIS, op. cit., p.139 88 GADDIS, op. cit., p.145 89 Idem, p.146 90 Idem, p.140 91 Idem, p.140
31
insatisfeitas com o sistema em que estavam inseridas, e se essa insatisfação geraria problemas
no futuro.
Os anos 70, período conhecido como détente, foi uma época de mudanças para os Estados
Unidos e União Soviética. Os americanos, pela primeira vez desde 1945, entraram em um
crescente processo de perda de terreno no campo econômico, aumentando sua dívida interna e
diminuindo sua participação na produção mundial. Esse declínio da economia e o avanço da URSS
ficou conhecido como o término da pax americana.92 Foi nesse período que o Vietnã foi
unificado, que o escândalo do Watergate obrigou Nixon a renunciar à presidência e que o SALT
(Strategic Arms Limitation Talks), tratado cujo objetivo era controlar as armas, tornou-se
pauta de discussões. Já a URSS apresentou crescimento econômico e foi escolhido para ser sede
das Olimpíadas de 1980. Apesar das tentativas, a détente teve seu fim no final dos anos 70,
pois falhou em deter a corrida de armas nucleares, em acabar com a rivalidade das
superpotências no “terceiro mundo” e também em impedir que a URSS empregasse força militar
em nome do socialismo, já que foi isso que fez contra o Afeganistão.93 Foi um período
relativamente tranqüilo nas relações entre as duas nações, já que estavam mais preocupadas com seus
problemas internos e manifestações dos membros da nova geração.
Mas não foram somente os universitários que sentiram necessidade de realizar mudanças no
sistema bipolar da Guerra Fria. Apareceram outros importantes atores no cenário internacional
que colaboraram para o início do fim desse conflito. As revoltas começaram de baixo, primeiro
nos centros estudantis das universidades, depois em bandas de rock que cantavam a favor de
mudanças,94 mais tarde conseguiram organizar movimentos que ultrapassaram limites
territoriais e, finalmente, chegaram a posições com destaque internacional, como o Papa.
Karol Wojtyla tornou-se Papa em 1978, com 58 anos (o mais jovem em 132 anos), foi o
primeiro não-italiano em 455 anos e o primeiro eslavo em toda a história.95 Ter um homem
nascido em um país socialista, eleito em um conclave no Vaticano para ser Papa ultrapassou o
limite da compreensão dos membros dos partidos comunistas da Europa. E ter um cidadão de
Wadowice (pequena cidade a cinqüenta quilômetros ao sul de Cracóvia) no mais alto cargo da
igreja católica surtiu grande efeito na população polonesa. João Paulo II chegou a Varsóvia e foi
recebido por uma multidão de compatriotas, cena que se repetiu em todas as cidades por onde
passou nos nove dias que visitou a Polônia, em junho de 1979. Para muitos, a visita do Papa
92 PECEQUILO, op. cit., p.189 93 GADDIS, op. cit., p.203 94 Idem, p.183 95 Idem, p.184
32
polonês a seu país natal foi o que “deflagrou o processo pelo qual o comunismo na Polônia – e
depois em toda parte na Europa – teria fim”.96
O Papa João Paulo II, por mais fundamental que seu papel tenha sido para o choque do
comunismo no leste europeu, não foi a única figura que colaborou para as críticas a respeito do
cenário bipolar em que o mundo se encontrava até então. Outros atores de peso, como Margaret
Thatcher (a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro, de homem de Estado, da
Inglaterra), Deng Xiaoping (sucessor de Mao Tse-tung que fez mudanças econômicas de grande
importância na China) e Lech Walesa (jovem eletricista polonês que criou o primeiro sindicato
independente da história de um país marxista-leninista) também ajudaram a mudar o rumo das
relações internacionais.97 Cada um deles com características marcantes bem diferentes. Thatcher
tinha fama de mulher firme, talvez mais que os homens. Xiaoping, o mais pragmático sucessor
de Mao, fez mudanças nas restrições do comunismo à livre empresa, o que fez melhorar o poder
aquisitivo dos chineses.98 Quando Walesa foi preso em dezembro de 1981, por ordem do
governo polonês para evitar uma invasão soviética, disse aos homens que foram prendê-lo: “Este é o
momento da derrota de vocês. São os últimos pregos no caixão do comunismo”.99 Frase memorável.
O Papa João Paulo II, Margaret Thatcher, Deng Xiaoping e Lech Walesa e a onda de
manifestações da sociedade civil foram os responsáveis em preparar o mundo para o que ainda
estava por vir. Como a détente falhara, tornou-se necessária a criação de uma nova forma de
relacionamento entre as duas superpotências, forma que determinava que a simples coexistência
entre comunistas e capitalistas não era o suficiente para por um fim ao conflito que se estendia
desde o final dos anos 40. Os acontecimentos dos anos 80 foram fundamentais para o novo
diálogo que se estenderia até o final da Guerra Fria. Esse novo diálogo só foi possível com a
chegada de dois novos e importantes atores na política internacional, que acabaram por ter um
papel muito mais relevante do que os citados acima.
Ronald Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos humilhando Jimmy Carter nas
eleições de 1980. Conquistou essa vitória assumindo publicamente sua opinião a respeito da
détente, com um discurso que a acusava de perpetuar a Guerra Fria e que a única resposta para
a resolução das controvérsias entre EUA e URSS era sua extinção.100
O discurso que Reagan adotou durante seu primeiro mandato, entre 1981e 1985, foi bem
diferente do adotado pelos demais presidentes americanos. Diferente de seus antecessores (e
96 Idem, p.185 97 GADDIS, op. cit., p.188 98 Idem, p.189 99 Idem, p.213 100 Idem, p.109
33
de seu vice-presidente, George H. W. Bush), ele não via a Guerra Fria como uma constante no
cenário internacional. Acreditava que ela teria fim caso o diálogo entre os dois países mudasse. E
mudou tanto que os próprios cidadãos ficaram pasmos quando o discurso “devemos aceitar a
URSS como superpotência concorrente e impedi-la, a todo custo, a vencer o capitalismo”
mudou para “não devemos tentar conter o comunismo, pois este se encontra a beira de uma crise
revolucionária; o Ocidente aguarda sua extinção”.101 Com essa mudança de perfil, aproveitando que
a guerra do Afeganistão se transformara em um impasse sangrento, que o preço do petróleo
declinara, piorando sua situação econômica e que o cenário político se encontrava em um período
de transição, do falecido Leonidi Brejnev para Iuri Andropov, Reagan colocou sua nação em um
patamar acima dos soviéticos, fazendo com que todos acreditassem que a crise ideológica que
pairava na Europa Oriental seria a sua ruína e que os EUA iriam prevalecer.
Em 1983, após seu discurso do “império do mal” em que atacava a legitimidade dos líderes
comunistas, o Chefe de Estado norte-americano começou a mudar sua estratégia na corrida
armamentista: em vez de anunciar um novo arsenal de armas nucleares, anunciou um sistema
de interceptação de mísseis balísticos que os impediria de alcançar seus objetivos (sistema que
ficou conhecido como Star Wars). Tornou-se também o primeiro anticomunista, pró-militar,
bom republicano a querer transformar as bombas nucleares em armas impotentes102 criando o
START (Strategic Arms Reduction Talks). A real ameaça de destruir o mundo não fazia tanto
sentido nos pensamentos de Reagan.
A política de defesa americana, inédita na Guerra Fria, tornou-se a responsável pela dor de
cabeça dos dirigentes do Kremlin. Depois de anos gastando seus recursos em mísseis ofensivos,
a URSS se viu em um beco sem saída, pois além de todos os seus esforços na corrida
armamentista terem se tornado em vão, essa era uma estratégia que demandava conhecimentos
que eles não tinham idéia nem por onde começar.103 Andropov e seus companheiros de partido
quase entraram em pânico quando, por informações da KGB, concluíram que os EUA estariam
planejando um ataque surpresa. O medo se intensificou quando os EUA e seus aliados da
OTAN fizeram manobras militares conjuntas em um exercício chamado Able Archer em
novembro de 1983, com participação de comandos em nível superior, o que era normal. Como
exercícios como esses eram comumente realizados no outono, a inteligência soviética enviou à
presidência relatórios que interpretavam o Able Archer como um iminente ataque nuclear
surpresa. Segundo Gaddis: “Provavelmente, foi o instante mais perigoso desde a crise dos
101 Idem, p.214 102 GADDIS, op. cit., p.218 103 Idem, p.218
34
mísseis de Cuba e ninguém em Washington se deu conta disso, até que um espião bem-
posicionado no escritório da KGB em Londres alertou a inteligência inglesa, que passou as
informações aos americanos”.104
A crise do exercício Able Archer convenceu Reagan a mudar seu discurso. Resolveu
tentar apaziguar as tensões e melhorar as relações soviético-americanas. Ao mesmo tempo em que
era reeleito por uma diferença esmagadora contra o candidato democrata, Andropov faleceu e
Konstantin Chernenko assumiu a liderança soviética. “Debilitado idoso que parecia um zumbi,
incapaz de interpretar relatórios de informações, alarmantes ou não”,105 Chernenko morreu em maio
de 1985. Por mais que a fatalidade tenha irritado Reagan, por não conseguir chegar a lugar
nenhum com os russos que “viviam morrendo”,106 seu substituto foi uma das melhores coisas
que aconteceram para a Guerra Fria. Ele e Reagan foram os dois atores mencionados
anteriormente como mais importantes para o desfecho do conflito.
Mikhail Gorbatchev, aos seus cinqüenta e quatro anos, foi o mais jovem líder do Estado
soviético desde Stalin e o primeiro desde Lênin a ter educação universitária (era advogado
formado). Foi também o primeiro, desde a Revolução Russa, a enxergar tanto os erros que foram
cometidos em seu país quanto os fracassos causados pela ideologia marxista-leninista.107 O
novo líder da União Soviética tinha um perfil tão diferente de seus antecessores que o Ocidente
demonstrou certa simpatia por ele. Reagan e Bush ficaram espantados com sua postura e
cordialidade, diferentes do jeito “sinistro, grosseiro, senil e perigoso”108 predominante até então.
Gorbatchev, o homem educado, inteligente e provido de novas idéias, fazia parte daquela nova
geração de líderes que queriam fazer diferente dos antigos. LaFeber e Wendt sintetizam bem
essa questão:
Gorbachev was not an isolated, weird phenomenon. He represented a new Soviet generation that had become adult after Stalin’s death, was well educated in the professions, had been inspired by Khrushchev’s attempted reforms, was repelled by what it termed Brezhnev’s repressive “stagnation,” knew something about the West, and understood how far the country was falling behind the West in technology. This new class’s politics ranged from radical to reactionary, but numerically it was the largest professional class in the world. Gorbachev and this new class demanded what they soon called “new thinking”.109
New Thinking embodies such critical theorizing. Gorbachev wants to free Soviet Union from the coercive social logic of the cold war and engage the West in far-
104 Idem, p.219 105 GADDIS, op. cit., p.220 106 Idem, p.220 107 Idem, p.220 108 Idem, p.221 109 LAFEBER, op. cit., p.338
35
reaching cooperation. Toward this end, he has rejected the Leninist belief in the inherent conflict of interest between socialist and capitalist states and, perhaps more important, has recognized the crucial role that Soviet aggressive practices played in sustaining that conflict. 110
Agora que os líderes das duas superpotências sabiam ao menos como tratar o outro de
forma diplomática, e com o “new thinking” soviético, logo no início do governo Gorbatchev em
1985, a corrida armamentista virou pauta de discussões, por insistência de Reagan que afirmava
não querer nada além de criar uma defesa contra o terror das armas. Gorbatchev lidava com o
líder americano com desconfiança, pois não sabia das suas reais intenções. O debate se estendeu até
abril de 1986 quando o líder russo, abalado com a explosão da usina nuclear de Chernobyl e
inconformado com o enfermo sistema em que sua nação se encontrava, determinou que passasse
a haver glasnost (transparência e publicidade na política) e perestroika (reestruturação da
economia) dentro da URSS.111 Chernobyl foi como um golpe na consciência dos membros do
Kremlin e nos cientistas e especialistas que diziam que o sistema era desprovido de falhas.
A explosão da usina nuclear fez Gorbatchev repensar o sistema político que era adotado
em toda a esfera de influência da URSS. Passou a se encontrar periodicamente com o Secretário
de Estado americano George P. Shultz, que fora professor de economia em Stanford, para
entender melhor como a centralização da economia havia resultado em um padrão de vida tão
inferior ao padrão dos ocidentais. Chegaram à conclusão que para igualar a economia com as dos
países do oeste, reformas radicais deveriam ser feitas. Também estava preocupado com a
insatisfação da população, que desde os anos 1970 era controlada somente sob ameaça de emprego
da força.112
Esse último ponto foi levado a sério pelo homem de Estado soviético. Ele sabia que
qualquer tentativa de controle da população por meio da força iria somente prejudicar o sistema
soviético fazendo as pessoas desacreditarem em sua ideologia. Foi por isso que em dezembro
de 1988, na assembléia geral das Nações Unidas, Gorbatchev informou ao mundo que recolheria
seus exércitos que ainda se situavam nos países membros do Pacto de Varsóvia,113 retirou suas
tropas do Afeganistão e decidiu não mais se envolver com líderes revolucionários do terceiro
mundo que buscavam apoio ideológico.
No período em que Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchev estavam à frente de seus
respectivos países, as relações entre URSS e EUA alcançaram patamares incríveis. Havia alguma
coisa entre eles que fez o líder soviético acreditar na palavra do americano, e este, sem saber ao 110 WENDT, op. cit., p.421 111 GADDIS, op. cit., p.223 112 Idem, p.227 113 Idem, p.227
36
certo o porquê, acreditou na intenção das mudanças que o russo havia aplicado. No entanto, esse
período chegou ao fim em 1989 com a posse de George H. W. Bush no cargo de presidente
dos EUA. Mesmo tendo sido vice-presidente de Reagan, Bush era bem diferente de seu
antecessor, principalmente por não ter essa “simpatia” especial por Gorbatchev. Por mais que o
admirasse como um sujeito educado e não-amedrontador, não tinha certeza sobre as “reais
intenções” dos soviéticos e duvidava do caráter revolucionário das medidas que foram tomadas após a
morte de Chernenko.114 Por sua vez, Gorbatchev era cauteloso em relação a Bush. Tinha a
sensação que o republicano tinha medo, por mais que Reagan e Gorbatchev lutaram contra essa
idéia, de pertencer ao lado perdedor no final da Guerra Fria.115
Por mais que as desconfianças entre esses dois atores pudessem resultar em problemas
para suas relações diplomáticas, as duas maiores lideranças do mundo tiveram seus papéis
ofuscados pelos acontecimentos que se iniciaram em 1989 e que se estenderiam até o final da
Guerra Fria. Por mais que fuja a lógica do conflito, nada poderia ser feito para deter esses
acontecimentos (nem mesmo o poder dos líderes), que passaram de manifestações para ação.
As mudanças na zona de influência soviética que ocorreram em 1989 foram radicais: em
junho o novo primeiro-ministro húngaro autorizou, ao mesmo tempo, um novo funeral a Imre
Nagy (primeiro-ministro que liderou a rebelião de 1956 contra o sistema autoritário soviético e
que fora executado mais tarde por ordens de Khruschev) que contou com a presença de
duzentos mil húngaros, e, mais audaciosamente ainda, cortou a verba para continuar a
manutenção da cerca de arame farpado ao longo da fronteira entre a Hungria e a Áustria (por onde
os refugiados tentaram fugir em 1956).116 Em agosto, o primeiro governo não comunista subiu
ao poder na Europa Oriental após a Segunda Guerra, decidida em eleições sem fraudes onde os
candidatos do partido de Lech Walesa conquistaram todas as cadeiras, menos uma.117
Gorbatchev passou de um líder soviético a nova esperança dos povos, percebendo pela primeira
vez a chamada “Gorby Fever”118 quando, também em junho, visitou a China e foi aclamado pela
população de um Estado que se encontrava em plena crise política a respeito de sua abertura
(manifestantes tomaram a Praça da Paz Celestial e foram repreendidos de forma brutal – ainda
não se sabe ao certo quantos morreram em choque com a polícia).119 A “Gorby Fever” também
mostrou-se presente em Berlim Oriental, quando os participantes de um desfile de
114 GADDIS, op. cit., p.231 115 Idem, p.231 116 Idem, p.232 117 Idem, p.233 118 LAFEBER, op. cit., p.245 119 GADDIS, op. cit., p.234
37
comemorações oficiais trocaram suas frases decoradas por “Gorby, Socorro! Gorby, fique
aqui!”120
De todas essas mudanças, a mais importante aconteceu na Alemanha Oriental em
resposta às mortes ocorridas na Praça da Paz Celestial, em Pequim. O governo japonês transmitiu
pela televisão um documentário sobre a eficiência da polícia chinesa em controlar agitadores
descontrolados. A exibição desse documentário alcançou espectadores alemães na mesma época que
a notícia sobre a extinção da cerca de arame farpado da Hungria se espalhou pela Alemanha
Oriental. O resultado não poderia ter sido diferente:
Quando as autoridades húngaras retiraram o arame farpado ao longo de sua fronteira com a Áustria, pretendiam apenas facilitar a travessia para seus cidadãos. Mas a noticia se espalhou e logo milhares de alemães orientais estavam dirigindo seus minúsculos, resfolegantes e poluentes Trabants através da Tchecoslováquia e da Hungria para chegar à fronteira, onde abandonavam os carros e atravessavam a pé. (...) Em setembro, havia 130 mil alemães orientais na Hungria e o governo anunciou que, por motivos humanitários, não tentaria impedi-los de migrarem para o ocidente.121
A Europa Oriental sempre foi aterrorizada e reprimida pelos chefes soviéticos. Agora que
ele, o homem de Estado da União Soviética, nada fazia para deter a autonomia dos Estados
menores que abriram suas fronteiras e não ameaçava com força a migração dos alemães, que foram
estimulados a aproveitar a chance concedida pela Hungria por horror ao que aconteceu na
China socialista. Assim, o próprio socialismo foi perdendo a força dentro do bloco soviético que já
há algum tempo vinha sofrendo crises ideológicas.
A migração em massa dos alemães e as manifestações contra o governo que se intensificaram
após o retorno de Gorbatchev a Moscou, significaram que o governante da Alemanha Oriental,
Erich Honecker, que se considerava “o socialista número um” do mundo,122 finalmente perdera
sua autoridade. Foi obrigado a renunciar nove dias depois. O novo e desorganizado governo
procurou formas alternativas de resolver a situação em vez de usar a força, como fizera Deng na
China. Em uma reunião feita às pressas, com um relatório improvisado e entregue ao porta-voz
do governo, Günter Schabowski, que não esteve presente durante sua elaboração e que, também às
pressas, passou os olhos no documento, divulgou em entrevista coletiva que os cidadãos da
Alemanha Oriental estavam livres para sair por qualquer dos postos da fronteira.123 O objetivo
da reunião era relaxar (e não abolir) as regras que limitavam a travessia de pessoas para o
120 Idem, p.236 121 GADDIS, op. cit., p.235 122 Idem, p.236 123 Idem, p.237
38
Ocidente. O erro de Schabowski resultou no que muitos acadêmicos acreditam ser o marco
final da Guerra Fria:
Krenz (novo chefe do governo da Alemanha Oriental), retido em uma reunião do comitê central, não fazia idéia do que estava ocorrendo e, quando descobriu, a quantidade de gente era grande demais para ser controlada. Finalmente os guardas da fronteira da Bornholmer Strasse abriram os portões por conta própria e os extasiados berlinenses do leste invadiram Berlim Ocidental. Logo, alemães de ambos os lados estavam sentados, em pé e até dançando sobre o Muro. Muitos trouxeram marretas e talhadeiras e começaram a derrubá-lo. (...) Com o Muro vazado, tudo era possível.124
Com a queda “acidental” do Muro de Berlim em nove de novembro de 1989, uma onda de
reformas avançou pela Europa Oriental: em 10 de novembro o governante comunista da
Bulgária, Toder Zhivkov, anunciou seu afastamento do cargo e seu partido iniciou negociações
com a oposição para a realização de eleições livres. Também em novembro as manifestações iniciadas
em Praga se espalharam pela Tchecoslováquia e no final do ano Alexander Dubcek, que
liderou a Primavera de Praga em 1968, assumiu o cargo de presidente da assembléia nacional,
que se reportava diretamente ao novo presidente, Václav Havel. Em dezembro, o ditador
Romeno Nicolai Ceausescu matou noventa e sete pessoas com esperança de manter seu
regime, mas acabou preso, julgado e sacrificado com sua mulher no dia de Natal.125
Era inevitável, com a queda do Muro, falar sobre a reunificação alemã. Esse era um assunto
delicado, pois o mundo inteiro ainda sofria com o fantasma dos acontecimentos realizados
pelo último Estado alemão unificado.126 Apesar das lembranças de Hitler ainda assombrarem a
comunidade internacional, os cidadãos alemães deixaram claro que não aceitariam nada menos
que a reunificação. Essa era uma questão complexa porque o lado leste da Alemanha fazia parte
do Pacto de Varsóvia e ainda havia cerca de 300 mil soldados soviéticos na região. Já o lado oeste,
que integrava a OTAN, continha 250 mil soldados americanos em seu território.
Esse foi um ponto de divergência entre os dois Estados. Cada um queria que a Alemanha
fosse reunificada abandonando a proteção concedida pelo outro. Gorbatchev chegou a sugerir
que a nova Alemanha unificada pertencesse tanto ao Pacto de Varsóvia quanto a OTAN,
simultaneamente,127 mas a idéia não obteve sucesso. Ele, George H. W. Bush e Helmut Khol
(chanceler da Alemanha Ocidental) debateram diferentes idéias por oito meses em busca de
alguma conclusão que agradasse às duas partes, o que se mostrou realmente difícil. Finalmente,
124 GADDIS, op. cit., p.238 125 Idem, p.238 126 Idem, p.241 127 Idem, p.242
39
em julho de 1990, os ocidentais conseguiram convencer o líder soviético de que era melhor a
Alemanha integrar a OTAN, do que não ter vínculo algum de responsabilidade internacional.128
Afinal, ter um país com o histórico da Alemanha livre de influências pela primeira vez desde o
término da Segunda Guerra Mundial era um tanto preocupante. Mas agora a Alemanha estava
unificada dentro da OTAN e Gorbatchev, graças a seu “new thinking” em evitar a todo custo
conflitos e desentendimentos, foi cada vez mais aclamado.
Isto é, aclamado fora de sua nação. Com a unificação alemã dentro dos limites da OTAN, a
“Gorby Fever” crescia no ocidente e decaía no oriente. Ao verem a URSS estagnada
economicamente desde meados de 1970, que a liberdade política começou a parecer mais uma
anarquia pública129 e com a “derrota” na Alemanha, líderes dos Estados menores o os próprios
dirigentes do Kremlin passaram a duvidar da continuidade da URSS.
Além da revolta da população que se manifestava contra o partido de Lênin, socialismo e até
mesmo contra Gorbatchev, muitos Estados que foram incluídos na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas já sondavam seguir o mesmo caminho que a Alemanha, ou seja, a
conquista de relativa autonomia não era nada perto da conquista da independência. Quando Lênin
organizou a URSS, até o dia em que Gorbatchev assumiu o poder, havia tantas repúblicas não-
russas quanto russas dividindo a mesma “União”,130 sendo que muitas dessas não-russas nunca
abriram mão de sua identidade cultural e lingüística. Então, em 1991, o primeiro dos países bálticos,
a Lituânia, proclamou sua independência depois que soldados soviéticos atiraram em
manifestantes em Vilna. A Letônia e a Estônia seguiram seus passos no mesmo ano. Depois
vieram a Ucrânia, as repúblicas transcaucasianas, Moldávia e muitas outras.
Em junho de 1991 a maior república de todas as que pertenciam a URSS, a Rússia, elegeu
seu próprio presidente, Boris Yeltsin. Gorbatchev caiu definitivamente depois de um golpe
malsucedido que não o depôs, mas deu ainda mais legitimidade a Yeltsin.131 E foi assim, em 25
de dezembro de 1991, que o último chefe da União Soviética ligou para o presidente americano
para desejar-lhe Feliz Natal, entregou a Yeltsin os códigos de segurança para lançar um ataque
nuclear e assinou o decreto que colocava um fim definitivo a URSS. Após assinar o decreto,
disse as seguintes palavras em seu discurso de despedida: “Foi posto um ponto final na Guerra
Fria, na corrida armamentista e na insana militarização de nosso país, que debilitou nossa
128 Idem, p.243 129 GADDIS, op. cit., p.244 130 Idem, p.244 131 Idem, p.248
40
economia, distorceu nosso pensamento e solapou nosso moral. A ameaça de uma guerra
mundial já não existe.”132
Como foi dito no começo deste capítulo, um dos principais pontos de discordância entre
membros da comunidade acadêmica é a respeito das datas inicial e final da Guerra Fria. Por
mais que Gorbatchev tenha colocado um ponto final no conflito em seu último discurso, o
marco determinante do fim da guerra ainda está em debate. Alguns acreditam que teve seu fim
decretado quando o último líder da URSS subiu ao poder em 1985 e apresentou reformas que
mudariam o sistema soviético. Outra parte deles acredita que tudo estava terminado quando
Gorbatchev recolheu o meio milhão de homens pertencentes ao Exército Vermelho dos países
que integravam o Pacto de Varsóvia. Outros acreditam que foi a queda do Muro de Berlim, o
maior símbolo de poder do império socialista, que mostrou que não só o sistema estava prestes a
ruir, mas toda a ideologia por trás dele entrou em colapso. Outros ainda preferem tomar como
marco a assinatura que colocou um fim na URSS e que, sem ela, não existiria mais disputa pela
hegemonia internacional.
Alexander Wendt tem uma posição interessante a respeito. Para ele, a Guerra Fria acabou
quando os dois Estados pararam de ver um no outro uma ameaça. Nas palavras do próprio:
If the United States and Soviet Union decide that they are no longer enemies, “the Cold War was over”.(…) Without the Cold War’s mutual attributions of threat and hostility to define their identities, these states seem unsure of what their “interests” should be.133
Então, a Guerra Fria chegou ao fim porque a imagem que um Estado havia criado do
outro mudou, alterando também seus objetivos de política internacional. Quando as identidades
dos agentes mudaram, o cenário internacional também mudou, o que significou em uma mudança
no significado da própria Guerra Fria. Em outras palavras, a guerra acabou porque as duas
nações, que desde o final da Segunda Guerra Mundial se viam como inimigas, passaram a se
entender de outra forma, não mais como ameaça. Sem essa ameaça, a Guerra Fria chegou ao fim.
Existe ainda um grupo mais radical, do qual o próprio LaFaber faz parte, que acredita não
ser possível falar no término da guerra. Parte de seu argumento defende que, por mais que o
Muro tenha caído e que a URSS tinha deixado de existir, EUA e Rússia ainda eram partes
importantes do cenário internacional durante os anos 1990 e que suas diferenças, tanto
ideológicas quanto diplomáticas, estavam longe de serem resolvidas. Por mais que o “disfarce” da
Guerra Fria tenha chegado ao fim para a maioria, a disputa por poder e influência continuou 132 Idem, p.249 133 WENDT, op. cit., p.397/399
41
entre Estados Unidos e Rússia, e se segue até hoje, atravessando momentos de aproximação de
distanciamento de suas relações. Como diria LaFeber: “The Cold War was over, but the roots of
the century-long competitions between Americans and Russians remained, not least because
of the thousands of nuclear weapons whose triggers were finger by Moscow and Washington
officials.”134
Se o conflito chegou ou não ao seu fim, aquele jogo de relações que era bem compreendido
pelos demais membros da comunidade internacional terminou nos anos 90. Foi colocado um
ponto final na disputa entre americanos e soviéticos daquela forma disfarçada e dissimulada,
que em pouco mais de quarenta anos de conflito só trocaram tiros diretos apenas uma vez,
entre caças que cobriam os ares durante a Guerra da Coréia nos anos 1950.135 Agora começava
um novo período das relações internacionais em que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra
Mundial, o mundo não estava dividido em dois pólos distintos e os Estados tinham autonomia
para escolherem seus próprios caminhos. O equilíbrio de poder que antes era assegurado pelas
armas nucleares e pela política do não-alinhamento, tornou-se um terreno novo em que as nações
ainda não sabiam ao certo o que esperar. Uma nova etapa da história começava agora.
134 LAFEBER, op. cit., p.349 135 GADDIS, op. cit., p.58
42
CAPÍTULO 3
Os Quatro Momentos
Como dito anteriormente no final ao Capítulo 2, o fim da Guerra Fria nos primórdios dos
anos 90 não encerraram as relações entre Rússia e Estados Unidos da América (EUA). O cenário
agora mudou: os EUA saíram da Guerra Fria com uma agradável sensação de vitória por terem
sobrevivido à disputa com a outra grande potência do mundo e se encontravam em uma
confortável posição econômica. Já a Rússia, maior república que pertencia a já extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), estava passando por uma grave situação econômica e não
mais tinha controle sobre as regiões que antes lhe eram anexadas.
Mesmo que cada um dos protagonistas da guerra tenha entrado na década de 1990 em
situações opostas, as diferenças entre russos e americanos permaneceram em cena, fazendo com
que suas relações diplomáticas passassem por momentos de aproximação e distanciamento. Nas
palavras de LaFeber: “The end of the Soviet Union certainly did not mean the end of crises
with Russia. It did mean, however, the end of a kind of predictability that had become a most
important part of the Cold War.”136 E é sobre o novo e incerto relacionamento entre
estadunidenses e russos que esse terceiro capítulo é dedicado.
No decorrer da demonstração e ilustração dos acontecimentos que ocorreram entre 1990 e
2008, quatro momentos receberão atenção especial: a Guerra do Golfo, a tentativa de expansão da
OTAN pelos estadunidenses, a Guerra do Iraque e a crise do Escudo de Mísseis. Esses
acontecimentos, mesmo que tenham tido participação de outros atores da comunidade
internacional, serão analisados observando como os dois Estados soberanos, Rússia e EUA, se
relacionaram, tendo cada um com um posicionamento. Esse relacionamento será avaliado
pelos conceitos teóricos que foram apresentados no primeiro capítulo, com o objetivo de
verificar se as hipóteses que foram apresentadas na parte introdutória dessa monografia foram
úteis para o estudo.
Como já dito, o cenário internacional mudou com o decorrer da Guerra Fria. Como os
Estados passaram a exercer grandes investimentos em educação e tecnologia a partir dos anos
1950, o perfil dos anos 1990 foi marcado por um grande avanço no setor de comunicações,
especificamente nas telecomunicações e nos computadores com a expansão da world wide web.
136 LAFEBER, op. cit., p.349
43
A internet e os grandes canais de notícias fizeram com que as pessoas tivessem acesso a
informação vinte e quatro horas por dia e permitiram que a troca de conhecimentos fosse feita
de forma muito mais rápida que qualquer outro sistema criado anteriormente. Logo, a
velocidade em que a informação era transmitida pelo mundo é uma variável de peso para novo
cenário internacional.
Outra diferença importante entre o esse cenário e aquele já conhecido do período Guerra
Fria é de cunho ideológico. Durante os anos que se seguiram ao término da Segunda Guerra
Mundial, EUA e URSS travaram uma batalha entre democracia e comunismo, entre dois
diferentes modos de vida que implicavam no desaparecimento do outro.137 Agora que a URSS
não mais existia e a Rússia começou a abrir a sua economia, esse debate cedeu seu lugar a uma
outra disputa ideológica: a questão da religião. As diferenças religiosas não foram uma variável
muito importante para os Estados durante a Guerra Fria (tanto que a antiga Iugoslávia possuía
em seu território servos cristãos ortodoxos, croatas católicos romanos e bosnianos em grande
parte muçulmanos).138 Agora que a Guerra Fria acabou, muitos daqueles que foram
prejudicados pelo descaso das superpotências por suas crenças resolveram aproveitar o
momento de incerteza dos anos 1990 para realizarem suas próprias revoluções. As diferenças
religiosas assumiram um papel importante nos acontecimentos do pós-Guerra Fria, trazendo
problemas tanto para americanos quanto para russos.
Outra variável fundamental para o comportamento dos Estados no novo cenário que é
importante destacar é o petróleo. Muitos acontecimentos ocorridos desde os anos 1970 até o ano
2000 têm relação ao petróleo e em como as nações que possuem grandes quantidades o administram.
Agora que grande parte dos países possui um perfil capitalista, o preço do petróleo reflete nos
índices econômicos dos membros da comunidade internacional e influência suas decisões políticas.
É uma situação delicada, pois alguns dos grandes produtores de petróleo são países localizados no
Oriente Médio, como Irã, Arábia Saudita e Iraque, que possuem convicções religiosas muito rígidas
e certa antipatia pelo Ocidente. Esse ponto será explicado mais adiante.
Esses fatores que foram citados até aqui, os avanços da comunicação, diferenças religiosas e a
relativa dependência dos Estados ao petróleo são variáveis importantes para a análise dos quatro
momentos que serão estudados a partir de agora.
137 PECEQUILO, op. cit., p.149 138 LAFEBER, op. cit., p.384
44
3.1. Guerra do Golfo.
A Guerra do Golfo foi um conflito armado localizado na região do golfo pérsico, quando o
ditador Saddam Hussein invadiu seu vizinho Kwait. O líder iraquiano construiu um estreito
relacionamento com Washington a partir de 1968, quando assumiu o poder do Iraque por
meio de um golpe militar.139 Relacionamento, contudo, foi repleto de altos e baixos: quando
foi colocado um fim no relacionamento entre EUA e Irã pela revolução de 1978, Reagan se
aproximou bastante de Saddam e até condenou o ataque de Israel de 1981 que destruiu os
planos do ditador para desenvolver armas nucleares. Nessa mesma época, o governo Reagan
enviou ao Iraque “informações ultra-secretas” que os ajudou a construir armas químicas e
biológicas, arsenal que mais tarde, em 2003, se tornou a razão dos EUA em derrubar Saddam do
poder.140
Por mais que tenham apoiado Saddam em seu conflito contra o Irã, os americanos não
concordavam com as políticas domésticas e exteriores do iraquiano. Era um líder que havia
pessoalmente executado oponentes políticos e pendurado seus corpos em áreas públicas, que
usava armas químicas tanto em seus inimigos quanto em seu próprio povo que se opunha a ele,
ameaçava publicamente Israel (o maior aliado dos EUA naquela região) e ordenou que milhares
de iraquianos morressem em ataques suicidas ao Irã. A “sorte” de Saddam foi que os Estados
Unidos consideravam os iranianos como seus inimigos número um, e não o Iraque.
Saddam atacou o Kwait por diversos motivos. Odiava a delimitação da fronteira entre os
dois países (que foi imposta pelo império britânico em 1922); detestava a concorrência do petróleo
barato dos kwatianos contra o seu petróleo mais caro; estava dedicado em dominar o mundo
árabe e achava que a comunidade internacional não iria dar atenção a invasão, que não iriam
responder.141 Por um lado estava certo a respeito dos americanos. Bush disse ao Congresso
que não queria se envolver nesse conflito, pois o Kwait sempre fora pró-Soviético e anti-Israel
por toda a Guerra Fria e Saddam não era uma de suas pessoas favoritas. No entanto, sua opinião
mudou por influência de Margaret Thatcher que, por coincidência, estava em um encontro com
o líder americano no Colorado no dia da invasão e lembrou que tanto Londres quanto
Washington tinham milhões de dólares investidos no petróleo kwatiano. Ambos chegaram à
conclusão que se a invasão de Saddam fosse bem sucedida e controlasse essa enorme
139 LAFEBER, op. cit., p.361 140 Idem, p.362 141 Idem, p.361
45
quantidade de petróleo, a economia do mundo perderia o controle e a nova ordem mundial
estaria em risco.142
Com a aprovação do congresso, Bush conseguiu autorização para utilizar todos os recursos
disponíveis para enfrentá-los. Em 27 de fevereiro de 1991, o general Colin Powell ordenou as
forças americanas e das Nações Unidas a botarem em prática a “Operation Desert Storm”, que em
apenas 100 horas libertou o Kwait da ocupação iraquiana e ocupou a região sul da nação de
Saddam.143
Nesse meio tempo o líder Gorbatchev, que até então ainda estava no comando da URSS,
havia apoiado a ação americana ao contrário de seu exército. O homem de Estado soviético parecia
querer evitar qualquer tipo de conflito, investindo em sua nova imagem da “gorby fever” que
prezava pela paz. Mas seu exército, que além de ter treinado e equipado os iraquianos, acabou
apoiando Saddam até o fim. Esse foi um dos fatores que colaborou com a queda de Gorbatchev
do poder, pois os soldados treinados pelo exército vermelho sofreram uma vergonhosa derrota
no Iraque ao mesmo tempo em que homem de Estado retirava outras frentes dos países
membros do Pacto de Varsóvia e em que a Alemanha estava sendo unificada. A vergonha
dessas três derrotas foi o que bastou para oficiais militares se aproximarem de civis frustrados
que queriam se livrar de Gorbatchev.144
Já os estadunidenses estavam relativamente satisfeitos com o resultado do conflito. Os
números estatísticos apontavam uma grande vantagem a eles: 146 americanos mortos contra
100.000 fatalidades iraquianas, muitos deles civis.145 Não estavam completamente satisfeitos
porque seus principais objetivos não foram alcançados. Como estabilizador da nova ordem
mundial, Bush esperava ser capaz de prever e bolar uma estratégia eficiente. Tudo o que ele e
Powell conseguiram foi a libertação do Kwait, pois a diplomacia americana falhou em prever a
invasão, impedir a mesma e, principalmente, remover a causa do problema: Saddam.146 Bush
esperava que o ditador se retirasse do poder após a derrota ou que seu próprio povo o
derrubasse, mas não foi o que ocorreu. Saddam só vai ser retirado do governo na administração do
filho de Bush, 12 anos mais tarde.
142 LAFEBER, op. cit., p.363 143 Idem, p.363 144 Idem, p.364 145 Idem, p.364 146 Idem, p.364
46
3.1.1 Análise do momento.
No momento Guerra do Golfo existem três personagens importantes que colaboraram
para o desenrolar dos fatos. Saddam Hussein, George H. W. Bush e Margaret Thatcher
formam esse grupo.
Bush e Thatcher, líderes respectivamente de Estados Unidos e Inglaterra, devido ao
longo relacionamento histórico que passa por períodos de colonização, conflito e cooperação entre
suas nações, fazem parte de um grupo real muito específico. Geralmente os líderes desses dois
países tendem, por princípio solidificado, a priorizar a cooperação tomando para si os mesmos
objetivos.
Margaret Thatcher tinha um objetivo e o conquistou por meio da persuasão. Em um
encontro com Bush no Colorado, disse chamando-o pelo primeiro nome147 que os dois não
poderiam permitir que Saddam, um homem de Estado completamente diferente deles em
relação a seus métodos de governo e valores ideológicos, pudesse tomar medidas radicais de
cunho internacional que poderiam de alguma forma prejudicá-los. Abusando da confiança do
americano em seu julgamento e aproveitando que o outro grande líder influenciador
(Gorbatchev) estava mais preocupado em evitar conflitos a assumir uma posição política mais
firme, Thatcher conseguiu deter Saddam por meio de Bush, que acabou conquistando
satisfatórios resultados com o conflito, pois o Kwait foi libertado e seus exércitos sofreram
poucas baixas.
Bush, por sua vez, não perdeu seu tempo tentando negociar ou persuadir o homem de
Estado iraquiano, pois não pertencem ao mesmo grupo real. Por mais que Saddam tenha lutado
na guerra Irã-Iraque com a devida aprovação americana, não havia um relacionamento de confiança
entre eles, não possuíam uma imagem boa um do outro. O estadunidense então partiu direto para
o uso da violência, usando praticamente tudo o que estava a sua disposição como meio para
derrotá-lo. Avaliou os riscos e interpretou que se tratava de um risco menor, onde apenas
algumas poucas vidas (de seus compatriotas) entrariam em risco. Para ele, não se envolver no
conflito significaria arriscar a estabilidade do sistema internacional, o que era muito pior.
Já a respeito do equilíbrio de poder é possível observar que nesse momento foi utilizado o
padrão da competição. O Iraque começou a aplicar uma política imperialista ao Kwait de forma a
alterar sua política externa e dominar sua população. Os EUA, na posição de país mais forte,
impediram que o Kwait perdesse sua independência e que os planos da nação imperialista se
concretizassem. O Iraque, pelo menos até o ano 2008, não realizou nenhuma tentativa de invadir
147 LAFEBER, op. cit., p.363
47
os vizinhos kwaitianos mais uma vez. A União Soviética, ocupada com suas crises internas,
manteve-se fora dessa situação.
A questão da imagem permite avaliar diferentes pontos de vista, um mais diferente que o
outro. Do ponto de vista de Saddam Hussein, o Kwait representava uma ameaça tanto à
economia quanto à soberania iraquiana devido ao seu petróleo mais barato e sua diferente
convicção religiosa. Como ainda estava se recuperando do confronto com o Irã, o dado econômico
pesou na sua decisão de invadir, criando a ilusão de que esse seria o caminho mais rápido para
resolver seus problemas – sendo que acreditava que a comunidade internacional não daria atenção
a sua manobra. Estava certo em relação a URSS, mas errou em relação aos EUA.
Os Estados Unidos criaram uma imagem diferente. Quando investiu em Saddam durante
os anos 1980 devido ao conflito com o Irã, Reagan queria mesmo era mantê-lo longe da
influência soviética, para não se transformar em um problema maior no futuro.148 Mas no
momento estudado, George H. W. Bush nunca identificou Saddam como uma vítima das
circunstâncias e que a invasão a nação Kwaitiana foi a sua “única saída”. Após seu encontro com
Margaret Thatcher, chegou à conclusão que se não se envolvesse no conflito, o prejudicado seria
seu próprio Estado, o de Thatcher e toda a nova ordem mundial. Avaliou os riscos, recebeu
apoio tanto do Congresso quanto da aliada Inglaterra e resolveu seguir seu próprio julgamento,
por seus próprios meios. Assumiu a identidade de Saddam como a de um homem perigoso que
colocava em risco a integridade de uma pequena nação soberana para resolver seus problemas e
conquistar seus objetivos, colocando em risco o equilíbrio de poder e a segurança dos demais
membros da comunidade internacional.
É possível dizer, então, que esse não foi um momento de distanciamento entre EUA e Rússia.
Mas ao mesmo tempo, também não foi exatamente um momento de cooperação já que Gorbatchev
estava mais preocupado com questões domésticas e deixou claro que esse problema era
exclusivo dos norte-americanos. Este foi apenas mais um momento da história em que cada um
estava mais ocupado com seus problemas internos, como a economia, do que com os dos
outros.
3.2. Expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
148 LAFEBER, op. cit., p.362
48
OTAN é uma organização originada logo após o término da Segunda Guerra Mundial, mais
precisamente em 1949. Esse item tem como objetivo estudar como ela foi relevante para o
período pós-Guerra Fria e como os líderes do governo dos dois países se relacionaram por meio
dela (aproximando-se ou se distanciando). O período estudado começa em 1994 e termina por
volta de 2003, tempo em que os dois Estados passam pelo poder de dois presidentes com
perfis totalmente diferentes.
A OTAN foi um pacto ratificado pelo senado americano em 1949 junto a outras onze
nações (Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Portugal, Normandia, Grã-Bretanha e Benelux –
Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) que determinava que, com base do artigo 5, “The Parties
agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be
considered an attack against them all.”149 Isso significa que os países-membros possuíam a
obrigatoriedade de enfrentar qualquer um que atacasse algum signatário do tratado. Sendo
assim, os Estados Unidos articularam um bom sistema de alianças contra a União Soviética, que
respondeu com a criação do Pacto de Varsóvia, seu próprio sistema de alianças. Esses dois pactos
colaboraram para a manutenção do equilíbrio de poder durante a Guerra Fria, impedindo que
qualquer ataque a esmo ocorresse, já que se um país membro de algum dos blocos atacasse um
membro do outro, a probabilidade de estourar uma terceira guerra mundial era enorme. O
conflito mundial era um risco real encarado por ambos.
Mas o cenário internacional, como já foi dito anteriormente, mudou com o final da Guerra
Fria. O momento que está sendo estudado conta com a presença de um novo ator importante
para essa situação da OTAN: William “Bill” Clinton. Clinton foi o primeiro presidente democrata
em anos a chegar ao poder, foi o primeiro presidente americano a visitar o Vietnã, aplicou a
Clinton Doctrine voltada para os direitos humanos e o único, até então, que deixou o poder
manchado por um escândalo sexual com uma estagiária da Casa Branca. A expansão da OTAN
também foi um plano originado por ele, em resposta às iniciativas francesas em criar uma força
militar multinacional independente das políticas norte-americanas.150
Em 1994, com medo dessa estranha iniciativa dos franceses (que chamou atenção dentre
os membros da comunidade européia), Clinton rompeu a promessa que George H. W. Bush
fizera a Gorbatchev no período da reunificação alemã e resolveu expandir os limites da OTAN em
direção à Rússia. Polônia, República Tcheca e Hungria tornaram-se os novos membros do tratado
que manteve os pressupostos de defesa coletiva e preventiva, mas com novas missões e
149 LAFEBER, op. cit., p.91 150 Idem, p.383
49
prioridades.151 Os novos objetivos da organização eram: ampliar a esfera sem limites de ação para
os interesses comuns de seus membros, prevenção e administração dos conflitos regionais e
combate à proliferação de armas de destruição em massa e terrorismo. Nas palavras de Cristina
Pecequilo:
A OTAN assumiu um papel bastante amplo, havendo a possibilidade de que suas ações se projetassem extracontinentalmente, ampliando-se o seu leque de prioridades e de suas preocupações estratégicas. Para alguns, o rumo que tomou a reformulação do conceito estratégico indica que os Estados Unidos pareciam dispostos a tornar a OTAN um fórum preferência de decisões e ações em detrimento das Nações Unidas. (mas) dificilmente os demais Estados aceitariam as resoluções da OTAN, não lhe conferindo a mesma legitimidade que a ONU.152
Segundo LaFeber, um outro objetivo dessa medida expansionista realizada pelo
presidente Clinton era continuar com a proposta dos anos 40 em conter duplamente o poder
alemão e o poder russo. Os alemães, agora integrantes da organização, eram obrigados a manter a
ótima postura como “bons cidadãos” e os russos se viam encurralados por barreiras militares por
toda sua fronteira oeste.153
Quando a expansão começou, os oficiais russos da época identificaram a movimentação da
OTAN não como uma tentativa de aproximação americana, mas como uma ameaça militar direta e
como uma quebra da promessa feita nos primórdios dos anos 90 por H. W. Bush.154 Clinton
demonstrou interesse em integrar também os Países Bálticos, região que sempre fora de interesse
russo e que só despertou mais tensões entre os dois países.
A expansão foi um assunto de debates desde 1994 com a iniciativa Clinton até 2001 entre
dois novos líderes da política internacional, Vladimir Putin e George W. Bush. 2001 foi um ano
interessante porque os dois países demonstravam incrível tolerância com o outro, o que resultou
em um dos períodos de maior cooperação entre eles. Também foi nesse ano que o assunto foi
abordado pela primeira vez de forma mais “tranqüila” pelos homens de Estado, que até chegaram
a um acordo histórico quando foi determinado que, pela primeira vez desde a criação da
organização em 1949, a expansão continuaria seguindo a direção leste, contanto que a Rússia
participasse formalmente de discussões de temas políticos (como terrorismo), mas nunca de
assuntos como políticas militares.155
3.2.1 Análise do momento
151 PECEQUILO, op. cit., p.332 152 Idem, p.332 153 LAFEBER, op. cit., p.384 154 Idem, p.383 155 Idem, p.439
50
Em relação à expansão dos domínios da OTAN, seis atores foram importantes para suas
negociações. Três deles foram americanos (George H. W. Bush, Bill Clinton e George W. Bush)
e três russos (Mikhail Gorbatchev, Boris Yeltsin e Vladimir Putin). Os primeiros de cada
Estado já foram devidamente explicados no capítulo anterior a respeito da unificação alemã. A
análise será feita a respeito dos últimos quatro líderes.
A relação de Clinton e Yeltsin não era das melhores. Yeltsin nunca conseguiu quebrar a
imagem de bêbado e “indiscreto” com as mulheres que os americanos criaram ao longo do
tempo. Quando o democrata começou sua política de expansão, o líder Yeltsin, mais velho,
experiente e com lembranças recentes da Guerra Fria, interpretou a imagem das negociações
americanas com a República Tcheca, Hungria e principalmente a Polônia como uma forma de
ataque à área de influência da nação russa, deixando claro que os objetivos do novo presidente
americano eram firmar cada vez mais o poder estadunidense no leste europeu – mesmo que
para isso tenha entrar em conflito com os russos.
Esse ambiente incerto e conflitante, de certa forma constante nas relações entre os dois
países, começou a mudar em 2001 com dois novos presidentes, Bush e Putin. O novo líder russo
havia sido um oficial da KGB que coordenava o setor de espionagem durante a Guerra Fria e
ganhou fama de “Bruce Willis russo” por ser um excelente lutador de judô.156 Ele não tinha
absolutamente nada a ver com Yeltsin, começando pela aparência saudável e pela postura de
homem forte que faz o que julga necessário fazer. Já o americano ganhou as eleições porque as
pessoas acreditavam em sua experiência tanto como governador do Texas, quanto como filho
de um ex-presidente.
Quando se conheceram logo após Bush ganhar as eleições, os dois tiveram uma boa
primeira impressão um do outro. A impressão foi tão boa que levou Bush a dizer publicamente
que conseguiu ver na alma de Putin um “honest, straightforward man... who loves his
family”.157 Os dois ensaiaram uma bela aproximação entre as duas nações, relação essa inédita no
período pós-Guerra Fria e que trouxe bons frutos para as negociações com a OTAN. Putin
conseguiu o que queria, que era ser incluído nos debates políticos junto aos demais membros da
organização, o que o fez ganhar credibilidade e se aproximar dos demais líderes europeus de
forma mais amigável. O clima tranqüilo que pairava entre os dois fez com que esse período de
negociações a respeito da OTAN fosse o menos tenso em muitos anos, fazendo até com que Putin
156 LAFEBER, op. cit., p.395 157 Idem, p.436
51
fosse o primeiro a ligar para oferecer assistência aos norte-americanos quando o ataque
terrorista ao World Trade Center ocorreu.158
Esse período de cooperação entre os dois Estados não durou muito. Suas relações foram
abaladas pelo desencadear dos eventos que ocorreram em 2003, onde os líderes tinham
diferentes posicionamentos a respeito do terrorismo.
As relações entre esses seis homens de Estado não foram das melhores. O único período
diplomaticamente bom entre os dois países foi de 2001 a 2002 quando ainda era discutida a
questão da OTAN e quando Putin apoiou o bombardeio americano ao Afeganistão para
encontrar o responsabilizado pela queda do World Trade Center, Bin Laden. Em troca, e isso
foi muito bem negociado por Putin, Bush não se intrometeria na sua conturbada situação na
Tchetchênia.159 É possível dizer que o objetivo de ambos os líderes era praticamente o mesmo:
impedir que o outro se intrometesse na forma em que lidava com assuntos de cunho
internacional mal-resolvidos (e relativamente pequenos). Para isso, utilizaram-se da negociação
como meio de abordar o assunto e viram que os riscos para conquistar tal objetivo eram quase
nulos, pois trariam benefícios para a diplomacia entre os dois países, fazendo-os cooperar, por
mais que seja somente por um breve período da história.
É possível separar em duas fases as negociações para a ampliação da OTAN. A primeira, em
1994, gerou tensões no lado russo, fazendo com que a expansão fosse interpretada como uma
ameaça, como uma forma de intimidação da força estadunidense. Mesmo assim, os dois países não
entraram em confronto direto, conseguiram se resolver utilizando canais diplomáticos. A
segunda fase foi a de cooperação, em que os homens de Estado priorizaram o diálogo e a
negociação em vez de tomarem medidas mais drásticas, como movimentação de exércitos. Tanto os
EUA quanto a Rússia perceberam que esse momento não precisava ser compreendido como
uma ameaça e sim como uma chance para se aproximarem e crescerem diplomaticamente. Em
ambas as fases o poder dos dois Estados permaneceu equilibrado, mostrando ser possível os
dois países se relacionarem por outros motivos além da disputa por zonas de influências.
Não é possível, então, determinar que a ampliação da área de atuação da OTAN resultou somente
em um distanciamento ou somente em uma aproximação entre as duas nações. Entre 1994 e 2002
os dois países passaram pelas duas situações e mudaram suas interpretações dos fatos devido à
mudança do líder. Diferente do momento anterior, onde foi possível observar um
comportamento neutro, na expansão da OTAN pode-se perceber os dois comportamentos, de
aproximação e distanciamento, ao longo do tempo.
158 LAFEBER, op. cit, p.415 159 Idem, p.437
52
3.3. A Guerra do Iraque
Para entender exatamente o que foi a Guerra do Iraque e como os EUA e a Rússia se
relacionaram perante ela é necessário voltar um pouco no tempo e explicar as circunstâncias que
levaram esse conflito a acontecer. Também é importante lembrar os pontos que foram expostos
no início desse capítulo a respeito dos novos componentes do cenário internacional.
Antes de tudo é necessário lembrar da invasão soviética ao Afeganistão, que começou em 1979
e terminou com a retirada do Exército Vermelho em 1989. Osama Bin Laden, aos seus vinte e
dois anos, deixou a Arábia Saudita para se juntar a outros muçulmanos na resistência a invasores
soviéticos. Quando a URSS retirou seus soldados, Bin Laden voltou-se contra a outra
superpotência, os Estados Unidos. Acreditava que o colapso da URSS fez com que os
americanos ficassem cheios de si e se proclamassem os “mestres” do mundo estabelecendo o
que chamavam de Nova Ordem Mundial.160 Acabou tendo seu sentimento anti-americano
alimentado pela Guerra do Golfo e conquistou o respeito de muçulmanos ao redor do mundo
por dizer a quem quisesse escutar que os EUA profanaram o centro da religião islâmica.161 Seu
fanatismo por idéias anti-ocidentais aumentaram a ponto de fazer com que líderes sauditas o
expulsassem do país em 1991.
O fato de os estadunidenses terem ganhado a Guerra Fria fez com que ficassem
displicentes em relação a esses pequenos países do Oriente Médio, não os ajudando com assistência
médica e buscando um bom relacionamento semente quando o assunto tinha relação a petróleo.
Esse descaso em atenção a uma área que foi devastada pela Guerra Fria fez com que Bin Laden e
os membros do Al Qaeda realizassem uma série de ataques a patrimônios americanos, como
embaixadas na África (244 pessoas morreram) e ao navio de guerra USS Cole que se
encontrava no Iêmen, ambos em 1998.162 Em 11 de setembro de 2001 o alvo foi um tanto
maior, assim como as conseqüências para os norte-americanos e para a comunidade
internacional com um todo.
O líder do Estado americano na época era George W. Bush. O presidente e sua
administração, logo no início de 2001, ficaram conhecidos como “neoconservadores”. Esses
neoconservadores eram uma corrente formada pelo atual presidente e remanescentes de outras
administrações que tinham uma idéia muito específica de como se governa uma superpotência
como os Estados Unidos da América.
160 LAFEBER, op. cit. p.405 161 Idem, p.407 162 Idem, p.403
53
(Dick) Cheney, (Condoleezza) Rice e (Donald) Rumsfeld defendiam a agenda de Internacionalismo empregada por Bush. Denominados de falcões neoconservadores, esses nomes representavam a linha estratégica dominante, centralizando decisões nos Departamento de Defesa e no Conselho de Segurança Nacional. (...) possuem uma visão minimalista do poder norte-americano e de sua forma de exercício, encarando a força como o componente essencial da hegemonia.163
Os americanos e os neoconservadores não estavam preparados para o choque de dois
aviões contra as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque e para o avião que colidiu
contra o Pentágono, em Washington. Ataques terroristas ao redor do mundo era uma coisa,
mas ser atingido em seu próprio território era outra completamente diferente. Bush e seus
administradores pareciam encontrar dificuldade em lidar com a ameaça vinda de uma entidade
não-estatal, nesse caso, um grupo organizado chamado Al Qaeda.164 Talvez essa tenha sido a
principal seqüela da Guerra Fria: a incapacidade de determinar fisicamente seu alvo, que no
caso da Al Qaeda era formada por “células” que podiam facilmente se deslocar por todas as
partes do mundo sendo impossível apontar com o dedo a sua localização no mapa, como a Casa
Branca, o Parlamento, etc.
No dia 12 de setembro, Bush fez um pronunciamento onde classificou o ataque
terrorista como um ato de guerra. Mas essa era uma imagem nova em que o próprio Bush tinha
dificuldade em interpretar. Uma guerra sem campos de batalha, sem invasão, cujos inimigos se
encontram em vários países (incluindo dentro do próprio EUA) era uma situação no mínimo
complexa. O líder estadunidense conseguiu confundir ainda mais a cabeça do cidadão americano
quando, ao concluir seu discurso, não convocou a população a se juntar a ele na guerra contra o
inimigo (como Truman fez em seu discurso de 1947 ao falar da Guerra Fria ao Congresso),
mas estimulou o país à “go down to Disney World” e a gastar dinheiro nos diversos centros de
compras.165
Enquanto Bush dizia ao governo Talibã que controlava o Afeganistão para entregar Bin
Laden “vivo ou morto”, Rumsfeld e Paul Wolfowitz começaram a discutir que o Iraque deveria
ter alguma ligação com os ataques de 11 de setembro. Segundo LaFeber:
Rumsfeld and Wolfowitz, the two top Defense Department officials, began to argue that Iraq should have to pay, and heavily. No credible evidence emerged that al Qaeda was linked to Iraq’s Saddam Hussein. Al Qaeda was devoutly religious, while Saddam’s regime was secular, even as it ruled an Islamic country. In the 1980s and 1990s, Saddam had deeply mistrusted and even fought such religious groups. (…)
163 PECEQUILO, op. cit., p.369 164 LAFEBER, op. cit., p.411 165 Idem, p.412
54
Saddam, (Wolfowitz) argued, had to be involved – even though U.S. intelligence reports clearly told Bush that Saddam was not connected to 9/11.166
Ao mesmo tempo em que Rumsfeld e Wolfowitz (e mais tarde Rice) planejavam em
como envolver o Iraque na história, Bush, com a devida aprovação dos russos e chineses, começou
uma série de bombardeios e depois mandou um pequeno número de tropas para encontrar Bin
Laden no Afeganistão (mais tarde descobriu-se que esse “pequeno número” enviado para achar o
terrorista era pequeno mesmo – havia mais policiais em Manhattam que no Afeganistão).167
No dia 7 de outubro de 2001 as forças aéreas americana e britânica começaram a atacar o
Afeganistão. Após o início dos ataques aéreos, de repente um vídeo é divulgado pela rede de
televisão Al-Jazeera onde Bin Laden surge aparentando boa saúde enquanto discursa sobre
como a ameaça ao mundo islâmico (os EUA) será completamente destruída por um grupo
abençoado por Deus (o al Qaeda) e que, mais uma vez, o mundo estava dividido em dois: os
fiéis e os infiéis. Bush mais tarde seguiu essa mesma linha de raciocínio, quando convocou as
demais nações para se juntarem aos americanos contra o terrorismo – dizendo também que “either
you are with us or you are against us.”.168
Com a divulgação do vídeo, a Al-Jazeera se tornou uma das redes de telecomunicações mais
influentes do mundo, alcançando uma audiência no Oriente Médio de 35 milhões de pessoas e
lançando, na Europa e nos EUA, programas em língua inglesa que, geralmente, possuíam teor
anti-ocidental.169 Como os EUA são um país democrático que acredita na liberdade de expressão,
nada puderam fazer para evitar o crescimento da Al-Jazeera. Não foram somente os
americanos que se beneficiaram da tecnologia e globalização.
Quando decidiu que iria mesmo virar as atenções para o Iraque, Bush passou a definir o
mundo com termos simplistas. Insistia que valores morais eram globalizados, descartou
completamente a influência da relatividade cultural no julgamento das pessoas e dizia
publicamente que a realidade possuía uma única verdade. Começou, após os atentados de 11 de
setembro, a criar uma esfera de perigo iminente para os EUA fazendo com que todos tivessem
a sensação de que os inimigos iriam atacar a qualquer momento e que o mundo não era mais tão
seguro para os americanos. Adotando um discurso que convenceu a população e confundindo
seus valores pessoais com os do Estado americano, Bush conseguiu articular os fatos de
forma a moldar a sua própria realidade, capaz de colocar os EUA na posição de responsáveis em
deter seus inimigos. Segundo LaFeber, “for the president, his ‘own reality’ became a view of 166 LAFEBER, op. cit, p.413 167 Idem, p.417 168 Idem, p.416 169 Idem, p.416
55
the world witch justified seeing it in black/white, good/evil, terms, and a view of Iraq witch
justified war.”170
Apoiado por essa nova construção da realidade que o concedia “legitimidade” para fazer o
que bem entendesse contra o Iraque, Saddam e qualquer um que passasse por seu caminho,
em 2002 Bush anunciou a existência de um “eixo do mal” em que seus membros (Iraque, Irã e
Coréia do Norte) eram os responsáveis por tudo o que há de ruim no mundo. Em julho desse
mesmo ano, o líder americano se viu obrigado a remover Saddam, um homem que, segundo
sua interpretação, era uma das grandes ameaças para à paz e à ordem mundial. Para isso teve que
procurar uma justificativa plausível para a invasão, porque aparentemente somente seu discurso
não foi o suficiente para convencer os demais membros da comunidade internacional. Em
2003, contra vontade, Colin Powell apresentou dramaticamente perante as Nações Unidas as
“provas” que determinavam que Saddam estava produzindo armas de destruição em massa
(WMD) e que a inteligência americana descobriu onde elas estavam escondidas.171
Quando o assunto chegou às Nações Unidas o relacionamento entre Putin e Bush já não era
aquele marcado pela cooperação durante as negociações da OTAN. A Rússia e a França realmente
acreditavam que o time de inspetores da ONU havia destruído todas as WMD nos anos 1990
(crença que mais tarde foi comprovada) e ameaçavam vetar a medida a favor da guerra caso ela
chegasse ao Conselho de Segurança.172 Outro motivo que os faziam ser contra a iniciativa é que
ambos haviam assinado com Saddam contratos milionários relativos à compra de petróleo. Ter o
Iraque invadido resultaria em um prejuízo imensurável para Putin e Jacques Chirac. Um
terceiro motivo para a falta de apoio russo é justificado pela aproximação que Putin realizou com
o Iraque e Irã no final de 2001173 em resposta a saída dos americanos do Tratado dos Mísseis
Antibalísticos (que será devidamente explicado no próximo momento) permanecendo
economicamente e militarmente próximo dessas duas nações apesar dos protestos americanos.
Os Estados Unidos pareciam contar somente com o apoio dos ingleses para a invasão, já
que a China e a Alemanha já haviam expressado seu descontentamento a respeito logo quando
Bush desviou a atenção de Bin Laden para Saddam. Mesmo tendo a comunidade internacional
se posicionando ou contra a invasão ou a favor de buscas mais rigorosas dos inspetores da
ONU pelo Iraque, a aprovação da população estadunidense foi o suficiente para levar Bush à
guerra. Com mais de 70% do povo norte-americano apoiando o conflito mesmo sem um
170 LAFEBER, op. cit., p.420 171 Idem, p.425 172 Idem, p.425 173 LAFEBER, op. cit., p.440
56
mandato da ONU,174 Bush liderou a “Coalition of the Willing” e atacou na noite do dia 19 de
março de 2003. Depois de apenas duas semanas os militares iraquianos foram liquidados.175
Em setembro de 2003, dois anos após os ataques terroristas em Nova Iorque e
Washington e seis meses após a invasão, o homem de Estado americano finalmente teve que
admitir que não havia comprovação do envolvimento de Saddam Hussein nos atentados do 11 de
setembro.176 Nos primeiros três anos de conflito, a resistência iraquiana afirmou ter tirado a vida
de 2500 soldados americanos, número que foi superado pelas milhares de baixas iraquianas,
tanto militares quanto civis. As armas de destruição em massa nunca foram encontradas. Em
2006, quando todos os trinta e cinco aliados há um tempo já tinham começado o processo de
retirada de suas tropas, os americanos e britânicos continuavam a lutar e a lucrar com a
reconstrução iraquiana. Bush começou a perder apoio da população durante seu segundo mandato.
Aparentemente a realidade criada pelos neoconservadores não podia mais controlar o opinião
pública, que resultou na queda de sua popularidade e no surgimento de movimentos sociais
anti-americanos por todo o mundo.
3.3.1 Análise do momento
Existem vários personagens importantes na Guerra do Iraque. O primeiro deles é Osama
Bin Laden (que não é exatamente “líder” no sentido de homem de Estado), o responsável por
diversos ataques terroristas contra patrimônios americanos ao redor do mundo, que teve a
responsabilidade por seu ataque as torres gêmeas transferida por George W. Bush e seus
subordinados neoconservadores para Saddam Hussein, o governante de um país abalado
economicamente e que vivia em relativa paz com seus vizinhos. Tony Blair, o primeiro-
ministro inglês, Vladimir Putin e Jacques Chirac também são atores importantes no desenrolar
dos acontecimentos.
George W. Bush é, indiscutivelmente, o ator mais importante desse momento. Quando
chegou ao poder em 2001, nomeou rapidamente aqueles que participariam de sua gestão,
criando assim um grupo real muito bem selecionado em que seus membros estavam em posições
privilegiadas dentro do governo e possuíam basicamente o mesmo raciocínio lógico. Eram
conhecidos como os neoconservadores, uma nova corrente que se iniciou dentro do partido
republicano.
O homem de Estado, quando percebeu que se encontrava em uma situação que fugia de
seu controle, resolveu tentar transformar o significado dos fatos em uma realidade mais
174 PECEQUILO, op. cit., p.405 175 LAFEBER, op. cit., p.426 176 Idem, p.426
57
conveniente para seu governo. Conseguiu, transformando um período de relativa paz do início
de 2001 em um ambiente que estava a todo o momento sendo ameaçado por inimigos terríveis,
como em 2003. A imagem dos EUA no mundo, de Saddam e Bin Laden foi alterada de forma
muito audaciosa pela administração Bush, que com o passar do tempo, foi cada vez mais
estendendo seus poderes dentro dos EUA – o Congresso e o povo americano pouco fizeram a
respeito.177
Bush, Blair e seus companheiros neoconservadores deixaram o terrorista Bin Laden
escapar e ainda conseguiram invadir, prender e julgar o líder do Iraque, Saddam Hussein. E
por mais que a comunidade internacional assumisse uma posição não favorável à invasão, o
equilíbrio de poder acabou sendo modificado por parte dos americanos e britânicos, que
assumiram uma política imperialista quando decidiram atacar o Iraque sem ter nenhuma
evidência concreta tanto da sua participação nos ataques terroristas, quanto na produção de armas
de destruição em massa. Conseguiram conquistar seus objetivos enquanto disfarçavam suas
políticas intervencionistas de obrigatoriedade moral, como se estivessem fazendo um favor ao
mundo dilacerando os iraquianos.
O relacionamento entre Bush e Putin nesse período foi muito conturbado. É difícil dizer se,
devido ao bom relacionamento entre eles durante 2001/2002, Bush esperava que o russo o
apoiasse na invasão do Iraque. Putin não teve nada contra o governo americano enviar tropas ao
Afeganistão para encontrar Bin Laden. Afinal, ele era um terrorista que há anos vinha atacando
entidades americanas e tirou muitas vidas nos atentados de 11 de setembro. Mas tentar ligar
tudo a Saddam Hussein, lá no Iraque, não fazia sentido. Putin, da mesma forma que a França e a
China depois expressaram, tinha a imagem de que essa liberdade americana em “criar a sua
própria realidade” era uma política de dominação territorial. Talvez, se ninguém da comunidade
internacional tivesse se pronunciado contra as políticas exteriores da administração Bush, não só o
Iraque, mas o Irã, a Coréia do Norte e até mesmo a Rússia já teriam sido invadidas.
As forças sociais estiveram presentes nesse momento desde que Bush começou a desviar o
debate sobre o terrorismo para a situação do Iraque. Por mais que grande parte da população dos
EUA tenha apoiado a invasão devido ao medo que tinha de mais ataques, uma pequena parcela
da população, basicamente formada por estudantes universitários e pessoas bem instruídas,
sempre se mostrou contra as políticas expansionistas americanas e, com o passar do tempo,
foram ganhando mais adeptos. Em 2004 foram organizadas passeatas nas grandes capitais do
mundo, mostrando que não era só a população americana que tinha uma opinião sobre o assunto.
177 LAFEBER, op. cit., p.413
58
Atualmente a popularidade de George W. Bush alcançou níveis recordes de rejeição, deixando a
corrida pela presidência da Casa Branca esperançosa para o candidato democrata, Barack
Obama.
Então, a Guerra do Iraque, diferente dos momentos anteriores, pode ser determinado
como um período de afastamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Federação
Russa. Os dois líderes seguiram seus julgamentos, avaliaram os riscos envolvidos e aplicaram
suas políticas, que acabaram por decidir de forma totalmente diferente. O melhor exemplo
dessa divergência foi a ameaça russa em utilizar o poder de veto no Conselho de Segurança das
Nações Unidas caso a invasão do Iraque tornasse pauta de discussões. Putin estava disposto a deter
a politicagem fantasiosa de Bush.
Em momento algum os dois líderes se agrediram a ponto de um ameaçar o outro
publicamente com risco de guerra, mas deixaram claro que suas políticas internacionais só
serviram para intensificar as tensões existentes entre as duas nações, fazendo com que a história de
suas relações internacionais ficasse marcada, mais uma vez, pela divergência de opiniões.
3.4. Escudo de Mísseis
O último momento que será estudado nesta monografia trata do impasse a respeito do
escudo de mísseis. Por mais que a idéia tenha sido pela primeira vez discutida por Ronald
Reagan em 1983, foi no período Bush-Putin que os debates se intensificaram, tornando essa
crise a mais recente na história das relações diplomáticas entre esses dois países e que ainda não
alcançou uma conclusão.
Reagan nunca entendeu direito a lógica da corrida armamentista da Guerra Fria. Não fazia
sentido os dois mais poderosos Estados disputar entre si quem tinha maior quantidade de
armas capazes de destruir o mundo. Previa que dessa forma, ambos apontariam suas armas
para o outro indefinidamente, só esperando que o rival cometa um pequeno deslize que
justificaria apertar o botão vermelho e destruir metade do planeta. Valeria a pena viver em uma
sociedade em que o mundo pode acabar a qualquer momento?
Foi daí que em março de 1983, durante um discurso transmitido em cadeia nacional,
Reagan perguntou “E se (...) nós pudéssemos interceptar e destruir mísseis balísticos estratégicos
antes de atingirem nosso território ou de nossos aliados?”178 A resposta a essa pergunta era
simples naquela época: essa proteção não poderia existir, pois o que equilibrava as relações de poder
entre Estados Unidos e União Soviética era justamente o poder de destruição. Se qualquer um dos
178 GADDIS, op. cit., p.217
59
lados tivesse criado uma forma de proteção de mísseis, o equilíbrio seria abalado e um dos dois
Estados poderia ser destruído.
Quando foi eleito em 2000, George W. Bush se fez essa mesma pergunta. Mas diferente
de Reagan, não encontrou uma resposta que justificasse a não utilização desse interceptor. O
equilíbrio de poder não era mais dependente da corrida armamentista como foi durante a Guerra
Fria e o “eixo do mal” representava uma ameaça em que todos os métodos de defesa se tornaram
válidos. Ficou determinado, então, em construir a National Missile Defense (NMD) que seria
apontado para países como Coréia do Norte e Irã.
Inicialmente, os países da Europa, China e Rússia não questionaram essa iniciativa. Os
russos principalmente, pois em 2000 se negaram a redefinir questões relacionadas ao Tratado
sobre Mísseis Antibalísticos (TMA), um tratado que fora assinado por Nixon em 1972 para o
controle de armas nucleares que tinha como objetivo “bans space-based defensive missile
systems and limits the United States and the Soviet Union to one ground-based defensive
missile site each.”179 Ou seja, por mais que os EUA tivessem a tecnologia necessária para deter
um suposto ataque, o tratado assinado em 1972 proibia essa defesa contra mísseis de longo
alcance.
Os problemas começaram quando o presidente Bush resolveu se livrar do TMA a todo
custo para começar a construir um escudo antimísseis de última geração em volta dos Estados
Unidos. Rússia e, especialmente, China viam essa estratégia americana como uma séria ameaça
para seus sistemas nucleares. Em dezembro de 2001, Bush anunciou que os EUA iriam se
retirar do tratado de 1972 justamente para testar o sistema do escudo. Inicialmente Putin
respondeu moderadamente, dizendo que considerava tal atitude um erro e que não deveria
existir um “vácuo legal” no ramo da estabilidade estratégica,180 comentário que não fez a menor
diferença para Bush.
A crise começou a se intensificar quando o líder americano, ao mesmo tempo em que se
retirava do TMA, deu a ordem para seus militares instalarem bases ao longo da fronteira
russa.181 Esse acontecimento mexeu com os nervos do líder russo, que resolveu não só assinar
um contrato milionário de negociação de armas com o Irã, como também se aproximou de Saddam
econômica e militarmente (como já foi dito anteriormente no momento Guerra do Iraque). Um
outro fator que preocupou Putin foi a criação de bases militares permanentes nos novos Estados
que surgiram com extinção da União Soviética, mais especificamente no Cazaquistão,
179 LAFEBER, op. cit., p.368 180 Idem, p.439 181 LAFEBER, op. cit., p.440
60
Turcomenistão e Uzbequistão182 entre 2002 e 2004. Agora que essas três nações não se encontravam
mais na zona de influência russa, países como a Geórgia e a Ucrânia se tornaram alvo de disputa
de localização estratégica entre Putin e Bush, que até final de 2004 transformaram sua amigável
relação do início de 2001 em uma grande competição.183
O escudo de mísseis voltou a ser assunto entre os dois líderes na última viagem de
Vladimir Putin aos EUA como presidente da Federação Russa, em 2007. Putin, ao descobrir que
Bush pretendia ampliar a tecnologia do escudo de mísseis para alguns países da Europa,
resolveu tentar, em um de seus últimos atos como presidente, melhorar as relações diplomáticas
entre os dois Estados, que nunca estiveram tão ruins desde a Guerra Fria.184
Bush anunciou em janeiro de 2007 que a República Tcheca e a Polônia seriam sedes de um
novo sistema de defesa de antimísseis. Putin, anunciou mais tarde, tinha certeza absoluta que
esse sistema de defesa estava todo apontado para a Rússia e não para países que fazem parte do
chamado “eixo do mal”, como o Irã.185 Tentou fazer Bush mudar de idéia persuadindo-o a utilizar
estações já construídas no Azerbaijão e talvez com o apoio da OTAN (o que no fundo significava
que não seria mais necessário construir mais nenhuma base na Europa). Não deu certo. A visita
de Putin e a rodada de discussões que eles tiveram um mês antes durante a visita à Alemanha
também não foi muito produtiva. Não chegaram a nenhuma conclusão sobre o assunto.
Em abril de 2008 foi a vez do chefe de Estado americano fazer a sua visita ao país de
Putin. Essa foi a reunião de despedida dos dois homens de Estado e o novo presidente eleito
democraticamente, Dmitri Medvedev, estava presente durante as discussões.
Mais uma vez o encontro não chegou a nenhuma conclusão sobre o impasse. Quem sabe
na próxima reunião entre Dmitri Medvedev e o governante norte-americano que sucederá George
W. Bush na Casa Branca, alguma solução poderá ser encontrada.
3.4.1 Análise do Momento
A criação do escudo de mísseis foi uma situação marcante do relacionamento entre Estados
Unidos e Rússia no pós-Guerra Fria. Por mais que a Guerra do Iraque e a ampliação da OTAN
também tenham ocorrido nesse período, as raízes do escudo se originam na Guerra Fria onde a
sua aplicação acabaria com o equilíbrio de poder que havia na época. Os principais (e únicos)
atores que participaram dos eventos foram os dois homens de Estado, cada um com sua forma 182 Idem, p.443 183 Idem, p.444 184 BAKER, Peter. Putin Proposes Broader Cooperation on Missile Defence. WashingtonPost.com.
Kennebunkport, July 2 2008, Disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/07/02/AR2007070200131.html?sub=AR. Acesso: 13 de junho de 2008
185 MURTA, Andrea. Escudo Antimísseis dos EUA na Europa pode vir a deter armas russas. Folha Online. São Paulo, 5 de maio de 2007, Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u107057.shtml. Acesso: 13 de junho de 2008
61
de lidar com diferentes situações. Vladimir Putin é um homem forte, seguro de si. Estava
disposto a se entender com Bush, mas nunca a abaixar a cabeça para ele. Já o americano se
escondia por trás de uma equipe competente e deixava transparecer a falsa impressão de que
como sua atenção estava direcionada a situação no Iraque, os outros assuntos não eram tão
relevantes.
Os dois homens que inicialmente se entenderam e chegaram a cooperar por um breve
período de tempo, não conseguiram chegar a nenhuma conclusão a respeito dos benefícios do
escudo para a comunidade internacional como um todo. Cada movimentação de exércitos ou
aproximação ocidental a algum Estado do leste europeu tinha sua imagem interpretada como
uma provável ameaça pelo líder russo, que tentou a todo custo persuadir seu oponente a mudar
seus planos. Não foi bem sucedido. Putin acreditava saber que as intenções dos americanos na
verdade se tratavam em encurralar a Rússia trazendo para sua esfera de influências os pequenos
e novos Estados.
Em 2002, ano em que o escudo realmente começou a significar um problema para a
Rússia, o equilíbrio de poder era mantido de forma diferente, basicamente dependente ao
relacionamento entre os líderes. De certa forma, o debate a respeito da ampliação do escudo
colaborou para o equilíbrio de poder durante os anos 2000 evitando uma situação conflituosa
entre eles.
CONCLUSÃO
O estudo das relações diplomáticas entre EUA e Rússia é importante para compreender a
situação do atual cenário internacional. Seus períodos de conflitos e cooperação foram capazes de
influenciar o curso dos acontecimentos desde o final da Segunda Guerra Mundial até hoje. É
possível, agora que todos os fatos foram explicados e devidamente analisados, retomar a
discussão proposta na fase introdutória do trabalho, quando foram expostos os problemas de
pesquisa.
62
Essa parte final do estudo a respeito da diplomacia russa e norte-americana tem como
objetivo resgatar os dois problemas de pesquisa que foram expostos durante a introdução do
trabalho, assim como as hipóteses criadas com o objetivo de respondê-las. Será nessa etapa em
que as hipóteses serão verificadas como úteis ou não.
O primeiro problema de pesquisa consiste em determinar se existem momentos de
aproximação ou distanciamento no relacionamento entre os dois Estados depois da Guerra Fria,
ou seja, nos anos 1990 e 2000. O segundo consiste em determinar os fatores determinantes
para essa mudança de padrão, o que fez diferença para os diferentes tipos de relacionamento.
As hipóteses afirmam que a resposta para o primeiro problema é que sim, é possível
observar momentos de aproximação e distanciamento entre as duas nações. Já a segunda hipótese
afirma que três conceitos teóricos foram importantes para determinar a postura de aproximação e
distanciamento, as mesmas que foram explicadas pelo Capítulo 1 e que aqui terão sua utilidade
avaliada.
De acordo com o que foi estudado e mostrado no terceiro capítulo, o relacionamento
entre americanos e russos, principalmente entre seus homens de Estado, não foi muito
proveitoso. A Guerra do Golfo não pode ser considerada nem como momento de aproximação,
nem como de distanciamento. A Rússia (na época ainda União Soviética) foi um mero
coadjuvante quando disse que preferia não se envolver nesse conflito. Não houve envolvimento
diplomático nesse caso.
Já no caso da OTAN aconteceu algo interessante. Quando o Estado russo era governado
por Yeltsin, a expansão da Organização foi vista como uma ameaça à segurança nacional dos
orientais. Mas quando Putin assumiu o poder em Moscou, as negociações com a OTAN se
mostraram produtivas, permitindo tanto que a expansão continuasse, quanto a participação oficial
de um líder russo nas discussões políticas pela primeira vez desde 1949, ano de sua criação.
É possível então observar que dentro de um mesmo momento podem existir períodos de
aproximação e distanciamento. Foi exatamente isso que aconteceu no caso da OTAN, que teve
um início conturbado com interpretações a respeito das intenções americanas serem ou não uma
ameaça para os russos, mas depois da mudança dos líderes o relacionamento mudou, fazendo
com que o período de negociações fosse o mais cooperativo durante todo o pós-Guerra Fria.
Infelizmente, a cooperação teve um período ativo curto, durando até o final daquele ano.
A paz e cooperação que haviam sido conquistados por Putin e Bush no início de 2001
tiveram vida curta devido à iniciativa americana em relação ao escudo de mísseis e a Guerra do
Iraque. Quando Bush retirou os EUA do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (TMA) em
dezembro de 2001, Putin resolveu se aproximar dos governos iraquiano e iraniano como uma
63
forma de demonstrar sua insatisfação com a decisão estadunidense. As tensões já estavam grandes
nesse período e só pioraram com a invasão americana ao Iraque.
A Guerra do Iraque pode ser classificada inteiramente como um momento de
distanciamento das relações diplomáticas entre EUA e Rússia. Antes mesmo do desencadear da
guerra os dois líderes já estavam envoltos a uma rede de provocações que só piorou durante as
discussões no Conselho de Segurança da ONU. Esse distanciamento foi estimulado ainda pelos
movimentos sociais anti-americanos que se tornavam cada vez mais populares conforme a
continuidade da invasão. Esse foi um período que o distanciamento alcançou grandes patamares.
A crise do escudo de mísseis também pode ser classificada como um momento de
distanciamento, principalmente depois que os russos perderam uma poderosa proteção: o TMA,
que até então era aderido pelos EUA. Agora que o sistema do escudo está em andamento e que o
TMA não tem mais a superpotência americana como membro, os Estados Unidos possuem tanto
o poder das armas nucleares que podem causar grande devastação, quanto um sistema que os
protege dessas mesmas armas. Do ponto de vista das relações internacionais, caso o ocidente
entrasse em guerra com o oriente, a Rússia não teria a menor chance contra os americanos, pois
ela não tem um sistema de defesa como o escudo de mísseis, e seus inimigos, imunes às suas
armas, são cheios de ogivas nucleares.
Desses quatro momentos que foram estudados, dois são classificados como casos de
distanciamento entre as duas nações, um foi considerado tanto distanciamento quanto aproximação
(as duas posições foram observadas ao longo de suas negociações) e o último não foi classificado
nem como distanciamento nem como aproximação, já que os dois Estados praticamente não se
relacionaram.
Uma variável comum a todos os momentos (independente se são de cooperação ou não) é a
idéia do líder. O papel do líder, seus julgamentos, cálculos de riscos, meios que usa para
conquistar seus objetivos e suas redes de influências se mostraram fundamentais para as relações
internacionais que nesta monografia foram estudadas. O homem de Estado possuiu função
determinante para o comportamento dos Estados, confirmando que, por enquanto a segunda
hipótese é útil, pois esse é um referencial muito importante na aproximação ou distanciamento entre
os dois países.
A manutenção do equilíbrio de poder também foi uma variável importante, tanto durante a
Guerra Fria, quanto nos momentos estudados no terceiro capítulo, principalmente nas
negociações da OTAN e na crise do escudo de mísseis. O equilíbrio internacional foi abalado em
períodos de conflito armado, mas na relação entre EUA e Rússia foi o responsável por evitar um
conflito de grandes proporções, que poderia resultar até em uma Terceira Guerra Mundial. Por
64
mais que tenham ocorrido conflitos armados nos anos 1990, o equilíbrio de poder permaneceu
estável, evitando uma guerra que envolveria todo o sistema. Isso afirma, então, a utilidade da
hipótese de que esse equilíbrio seria o suficiente para controlar o comportamento dos Estados.
Imagem, o terceiro conceito teórico utilizado, possui grande importância para o
comportamento do Estado porque o próprio líder depende dela para interpretar a realidade que
está á sua volta. É uma idéia que independe do período histórico, sempre o que alguém diz ou faz
alguma coisa, o outro interpreta o fato e lhe da significado, criando assim a identidade.
Em todos os momentos estudados e durante o período Guerra Fria, a interpretação dos atos
de uma nação pela outra determinou sua identidade, e foi a essa identidade a qual os Estados
respondiam quando se relacionavam das mais diferentes formas. A idéia de imagens, então,
também comprova a utilidade da segunda hipótese.
Assim, imagens, líder e equilíbrio de poder foram determinantes para o comportamento
dos Estados. Isso prova que a segunda hipótese é útil já que todos os conceitos se mostraram úteis
para a pesquisa.
Em suma, os estudos das relações diplomáticas entre Rússia e Estados Unidos no período pós-
Guerra Fria afirmaram a utilidade da hipótese de que existiram momentos de aproximação e
distanciamento entre as duas nações (por mais que a aproximação não tenha durado nem um ano,
seus resultados foram históricos). Também comprovou que a segunda hipótese é útil, já que os
conceitos teóricos ajudaram a determinar o relacionamento dos dois Estados ente 1990 e 2008.
REFERÊNCIAS
BAKER, Peter. Putin Proposes Broader Cooperation on Missile Defence.
WashingtonPost.com. Kennebunkport, July 2, Disponível em:
http://www.washingtonpost.com/wp-
dyn/content/article/2007/07/02/AR2007070200131.html?sub=AR. Acesso: 13 de junho
de 2008.
DUROSSELE, Jean-Baptist. Todo Império Parecerá. São Paulo: Universidade de Brasília,
2000, 484 p.
GADDIS, John L. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. 308 p.
65
GRIFFITHS, Martin. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais. 2ª edição. São
Paulo: Contexto, 2005. 396p.
LAFEBER, Walter. America, Russia and the Cold War 1945-2006. 10ª edição. New York:
Mcgraw-hill, 2006. 476p.
MORGENTHAU, Hans J. A Política Entre as Nações: a Luta Pelo Poder e Pela Paz. São
Paulo: Universidade de Brasília, 2003. 1093 p.
MURTA, Andrea. Escudo Antimísseis dos EUA na Europa pode vir a deter armas russas.
Folha Online. São Paulo, 5 de maio de 2007, Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u107057.shtml. Acesso: 13 de junho de 2008
NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes
e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A Política Externa dos Estados Unidos: continuidade ou
mudança. 2. ed. Porto Alegre: Uditoria da Ufrgs, 2005. 500 p.
VASQUEZ, John. The post-positivist debate. In: BOOTH, Ken & SMITH, Steve (Orgs.).
International Relations Theory Today. Pensylvania: The Penn State University, p. 217-240,
1995.
WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it: The Social Construction of Power
Politics. International Organization. Cambridge, v.46, n.2, p.391-425, 1992
YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2ª edição. Porto Alegre: Bookman,
2003. Caps. 1, 2 e 3.
Top Related