9
UNISALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Língua Portuguesa e
Literatura
Luciana Vieira Bomfim
AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO
AMBIENTE ESCOLAR
LINS – SP
2011
10
LUCIANA VIEIRA BOMFIM
AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Língua Portuguesa e Literatura sob a orientação dos Professores Heloísa Helena Rovery da Silva e José Antônio Fregonezi.
Lins – SP
2011
11
LUCIANA VIEIRA BOMFIM
AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,
para obtenção do título de especialista em Língua Portuguesa e Literatura.
Aprovada em: ___/___/____
Banca Examinadora:
Prof. Dr. José Antônio Fregonezi
Doutor em Linguística pela UNESP/Araraquara/SP
_______________________________________________________________
Profª Ms. Heloisa Helena Rovery da Silva
Mestre em Administração pela CNEC/FACECA-MG
_______________________________________________________________
Lins – SP
2011
12
Ao meu marido, Roberto dos Reis Pinto, dedico este
trabalho assim como todos os dias de minha vida. A
ele, que confia e acredita em mim, fazendo-me ver
que posso ir além das limitações que a vida nos
impõe e que sou mais forte do que eu mesma
poderia imaginar.
13
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por todos os momentos que me permitiu viver, alegres
ou tristes. Sei que Ele me preparou a cada dia, para que agora eu pudesse
dizer com sabedoria: “Tudo posso naquele que me fortalece”.
Agradeço também a todos que em algum momento contribuíram para a
minha formação acadêmica: pais, marido, irmãos, amigos e professores.
Obrigada por acreditarem em mim.
14
RESUMO
A leitura tem papel fundamental no crescimento e desenvolvimento
intelectual do ser humano. Para praticamente tudo ela é exigida, desde uma simples consulta à lista telefônica até a necessidade de extrair informações científicas de uma obra qualquer. A leitura, porém, não pode ser vista como mera decodificação de palavras. Trata-se de um processo amplo e complexo que exige do leitor uma gama de conhecimentos, além do conhecimento linguístico que em conjunto e simultaneamente devem ser trabalhados com o objetivo de ampliar a capacidade leitora dos indivíduos. Para tanto, é necessário que os educadores trabalhem e treinem com seus alunos algumas estratégias que os ajudarão na compreensão global do texto, ou seja, tudo que se lê e a forma como se lê são influenciados pela intenção de cada leitor. A forma como a leitura deve ser feita e até mesmo o tempo gasto com ela partirá desse objetivo previamente traçado pelo leitor e outras estratégias também devem ser utilizadas, ora automaticamente, ora intencionalmente, pelo leitor consciente de seu papel como, por exemplo, o resgate do seu conhecimento prévio sobre determinado tema, a elaboração de hipóteses, de inferências e de possibilidades para determinado texto. Tudo isso, portanto, deve ser incansavelmente trabalhado e treinado pelos professores, a fim de que os educandos tornem-se leitores ativos, capazes de buscar e selecionar informações principais de um texto e possam, assim, tecer simultaneamente os dois caminhos para a compreensão: um objetivo – a decodificação – e outro subjetivo, no qual lançará mão de seus conhecimentos prévios, fará previsões, antecipações, inferências. Diante de tudo isso, o presente trabalho tem por objetivo ressaltar a importância de que o significado de um texto não está apenas naquilo que nele está escrito, mas também no íntimo de cada leitor que leva consigo sua bagagem, depositando-a sobre a leitura e que o mesmo deve ser capacitado para empregar as mais diversas estratégias em qualquer tipo de texto com o qual se deparar.
Palavras-chave: Leitura. Estratégias de leitura. Ensino-aprendizagem.
15
ABSTRACT
Reading has a fundamental role in intellectual growing and development in a human being. It is required for almost everything, from a simple lookup at the phonebook to the need of extracting information from a scientific work. The reading, however, can not be seen as mere decoding of words. It is a wide and complex process that requires from the reader a gamma of knowledge beyond the linguistic knowledge that jointly and simultaneously must be worked with the aim of expanding the reading capacity in individuals. Therefore, it is necessary that educators work and train with their students some strategies that will help in understanding the overall text, in other words, everything that is read and the way is read are influenced by the intention of each reader. The way that reading should be done and even the time spent with it will start from this goal previously planned by the reader and other strategies should also be used, sometimes automatically, sometimes intentionally, by the reader conscious of his/her role as, for example, the rescue of his/her previous knowledge about a particular theme, the development of hypotheses, inferences and possibilities for a certain text. All this, therefore, should be tirelessly worked and trained by teachers, so the students can become active readers able to search and select main information in a text, and, thus they can make at the same time two ways of comprehension: one objective – to decode - and the other subjective, in which they will use their previous knowledge, make predictions, expectations, inferences. Given all that, the present work aims to highlight the importance that the meaning of a text is not only in the written words, but also in the intimate of each reader who carries a knowledge, placing it on the reading and he/she should be able to use several strategies in any text which he/she faces. Keywords: Reading. Reading Strategies. Teaching-Learning.
16
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Pluralidade de leituras: .................................................................... 16
Figura 2: Esquema organizacional: ................................................................ 29
Figura 3: Charge de Jean: .............................................................................. 33
17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 09
CAPÍTULO I – LEITURA: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO .............. 11
1 CONCEITO DE LEITURA .................................................................... 11
1.1 O Processo de leitura ........................................................................... 11
1.2 Objetivos de Leitura............................................................................... 14
1.3 O conhecimento prévio.......................................................................... 15
CAPÍTULO II – O ENSINO DA LEITURA ...................................................... 20
2 ESCOLA E ENSINO ............................................................................ 20
2.1 Estratégias de leitura no contexto escolar ............................................ 20
2.2 O processo de ensino-aprendizagem de leitura nas escolas ................ 22
2.3 Condições para o ensino da leitura ....................................................... 24
2.4 A leitura eficiente ................................................................................... 25
2.5 O ensino da Leitura ............................................................................... 27
CAPÍTULO III – ESTRATÉGIAS DE LEITURA: UM CAMINHO P OSSÍVEL
PARA A AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE LEITORA ................................... 31
3 A UTILIZAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS NO AMBIENTE ES COLAR ..... 31
3.1 A compreensão e a formação do leitor ativo......................................... 31
3.2 Gêneros textuais e estratégias de leitura ............................................. 32
3.3 A charge e o conto: temas complementares em gêneros distintos ...... 32
CONCLUSÃO................................................................................................. 38
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 40
9
INTRODUÇÃO
Nota-se que, atualmente, há uma certa dificuldade em se formar leitores
competentes, capazes de compreender os mais diversificados gêneros textuais
de maneira autônoma. Portanto, o ensino de leitura e compreensão deve ser
minuciosamente planejado para que haja um crescimento significativo nos
educandos.
Como afirma Solé (1998), o ato de ler é um processo complexo, não
havendo um método rígido de ensinar leitura, mas o professor pode lançar mão
de estratégias que facilitam o seu trabalho de ensinar os caminhos que seu
aluno deve seguir, para aperfeiçoar a compreensão leitora.
O desenvolvimento da compreensão é um tema amplo e de extrema
importância nos dias atuais, visto que a leitura é um elemento básico para o
crescimento pessoal e intelectual de todo ser humano.
O presente trabalho tem como objetivo geral a identificação de
estratégias de leitura eficientes no processo de ensino-aprendizagem, capazes
de auxiliar o educando no caminho da formação de um leitor ativo e consciente.
Os objetivos específicos da pesquisa foram selecionar estratégias de
leitura diversificadas propostas por autores especialistas na área; verificar a
funcionalidade e aplicabilidade de uma prática docente através das estratégias
de leitura e propor um trabalho baseado na construção do conhecimento
através das estratégias e da intertextualidade.
O fio condutor desta pesquisa está ligado ao seguinte questionamento
inicial: até que ponto as estratégias de leitura estimulam e colaboram para o
crescimento da compreensão leitora dos educandos?
Para respondê-lo, foi utilizado o método de estudo de caso, no qual
foram levantados alguns conceitos sobre a leitura e seu ensino no contexto
escolar, sobre as propostas de trabalho com estratégias de leitura e, por fim,
chegou-se a uma proposta de interpretação textual baseada em uma leitura
dinâmica e interativa.
O primeiro capítulo, que tem como base as autoras Koch e Elias (2009),
Solé (1998), Leffa (1996), Neis (1982), PCN (1997) e Kleiman (1984), trabalha
com os objetivos de leitura, seus conceitos e com a importância do
conhecimento prévio para a interpretação. Todos esses elementos são
10
importantes para que o leitor possa alcançar a compreensão de um texto e
construir o seu significado. O capítulo trata ainda sobre a interação entre os
seguintes elementos: texto e leitor.
O segundo capítulo trata do ensino da leitura. Levanta algumas questões
referentes ao processo de ensino-aprendizagem nas escolas, apresenta
caminhos para a formação de um leitor ativo e as estratégias de leitura como
base para alcançar esse objetivo. Para isso, baseia-se em: Colomer e Camps
(2008), Solé (1998), Rojo (2009) e Lerner (2002).
Finalizando, o terceiro capítulo apresenta uma proposta de trabalho com
as estratégias de leitura. Para isso, foi utilizada uma charge e um conto, ambos
com a temática dos trabalhadores. Através de textos pertencentes a gêneros
distintos, a presente pesquisa enfatiza a importância de se trabalhar com o
conhecimento de mundo que os alunos possuem e a necessidade de orientá-
los na construção dos sentidos, tendo como base as estratégias, as quais
deverão ser ativadas em vários momentos, para que haja uma leitura eficaz,
com o objetivo principal de se formarem leitores ativos e conscientes de sua
função. Para tanto, foram utilizadas considerações de Fregonezi (2003), Koch e
Elias (2009) e Solé (1998). Propõe, ainda, um estudo da charge de Jean (2002)
e do conto de Giudice (1986).
Contudo, esta pesquisa apresenta o leitor como peça fundamental na
construção de sentidos e capaz de obter sucesso na atividade leitora a partir do
momento em que é orientado a praticar e treinar a leitura através de algumas
estratégias. Ao selecioná-las, este trabalho contribui com os estudos de leitura
e orienta a prática docente, a fim de que a educação, em especial o ensino da
língua materna, possa ser mais eficiente, transformando os educandos em
leitores ativos, capazes de compreender bem o meio que os cerca.
11
CAPÍTULO I
LEITURA: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
1 CONCEITO DE LEITURA
1.1 O processo da leitura
A leitura tem papel fundamental na construção de conhecimento e
crescimento intelectual dos indivíduos de maneira geral. Sabe-se que, nem
sempre, ela é realizada de maneira eficaz, eficiente, devido a lacunas no
processo de ensino-aprendizagem nas escolas. Muitas vezes, isso ocorre pela
própria falta de conhecimento do educador ou de posicionamento perante um
conceito de leitura.
A respeito do leitor competente os PCNs (1997, p.54) afirmam:
Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequadas para abordá-los de forma a atender a essa necessidade.
Os PCNs consideram, portanto, que a atividade de leitura rompe com a
antiga concepção de que ler é apenas decodificar palavras e pregam uma
leitura seletiva que, para tanto, exigirá do leitor uma intensa participação nesse
processo.
Segundo Leffa (1996, p.24) :
Ler é um fenômeno que ocorre quando o leitor, que possui uma série de habilidades de alta sofisticação, entra em contato com o texto, essencialmente um segmento da realidade que se caracteriza por refletir um outro seguimento. Trata-se de um processo extremamente complexo, composto de inúmeros subprocessos que se encadeiam de modo a estabelecer canais de comunicação por onde, em via dupla, passam inúmeras informações entre o leitor e o texto.
12
Através desse olhar sobre a leitura, pode-se observar que ela é muito
mais que mera decodificação de palavras. A leitura é um processo amplo e
complexo, que exige mais do leitor do que simplesmente o conhecimento
lingüístico.
Lê-se em todos os momentos da vida. Não apenas as palavras soltas
em fachadas de lojas e propagandas pela cidade, mas também os símbolos
nas placas de trânsito, a alegria de uma criança ao receber um presente, ou a
tristeza de um garoto ao ver a derrota de seu time favorito.
Desta forma, pode-se concluir que a leitura exige de cada um uma gama
de elementos que devem ser trabalhados a fim de elevar a capacidade leitora
dos indivíduos.
Para o pesquisador, existem duas definições sobre o processo de
leitura: (a) ler é extrair significados do texto e (b) ler é atribuir significado ao
texto.
Por essas definições observam-se dois enfoques diferentes no olhar
sobre a leitura. O primeiro dá ênfase ao texto, como se toda a significação
estivesse basicamente nele, enquanto a segunda definição apresenta o leitor
como peça fundamental para o processo de construção de significado.
Ao observar e constatar que a cada nova leitura um mesmo leitor pode
ter uma visão diferente da realidade e que leitores diferentes podem lançar
sobre o texto olhares distintos e levantar aspectos novos, vê-se que, de fato, o
significado não está preso apenas naquilo que foi escrito, pois cada indivíduo,
no processo de leitura, leva consigo sua bagagem e, sendo esta única, há
várias possibilidades de enfoque sobre o mesmo texto.
O processo de leitura pode ser visto de duas maneiras distintas,
seguindo dois modelos hierárquicos: o ascendente – buttom up – e o
descendente – top down – ou ainda de forma interativa.
O primeiro modelo apresenta o texto como centro, dando enfoque à
decodificação. Já o segundo enfoca o leitor e suas habilidades, como se vê no
trecho de Solé (1999, p.23): “o leitor não procede letra por letra, mas usa seu
conhecimento prévio e seus recursos cognitivos para estabelecer antecipações
sobre os conteúdos do texto, fixando-se neste para verificá-las”.
O modelo interativo, por sua vez, não é centralizado nem no leitor, nem
no texto, esses elementos se completam em busca dos objetivos de leitura.
13
Ao levantar todos esses aspectos pode-se observar, como já foi dito,
que a leitura exige domínios diferentes em um mesmo processo. Esses
domínios foram trabalhados por Neis (1982), e separados em quatro grupos:
domínio linguístico, que exige o conhecimento do funcionamento da língua, que
por muito tempo foi considerado único elemento necessário para o processo de
leitura; o conhecimento referencial, que envolve os elementos extralingüísticos
sobre determinado tema; o componente pragmático, que auxilia na
interpretação dos elementos lingüísticos selecionados pelo autor e, por fim, o
domínio propriamente textual, que se trata da forma como o leitor receberá o
objeto de estudo.
Se todos os elementos acima destacados são necessários para boa
compreensão textual, não se pode considerar texto ou leitor como fatos
isolados, mas, parafraseando Leffa (1996), a leitura surge de um processo
amplo, no qual o papel do leitor, o papel do texto e a interação entre ambos
constituem o ato da leitura, no qual o sentido do texto é construído.
A esse respeito Koch e Elias (2009, p.11) afirmam:
a leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.
Os PCNs (1997, p.53) por sua vez, contribuem com essa concepção de
leitura ao afirmarem:
não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam a ser construídos antes da leitura propriamente dita.
Desta forma, conclui-se que a leitura não se resume a mera
decodificação de elementos lingüísticos; vai muito além do desenho das letras
no papel. É um processo complexo e rico, que envolve a interação entre os
elementos trazidos pelo texto e aqueles que o leitor carrega consigo. É nesse
encontro de universos distintos que a leitura será efetivada, levando ao seu
objetivo primeiro: à compreensão.
14
1.2 Objetivos de leitura
De modo geral, tudo aquilo que se lê é influenciado pela intenção que
cada leitor leva a um texto.
Parafraseando Koch e Elias (2009), existem vários objetivos que nos
levam à leitura de textos no dia-a-dia. Há momentos em que lemos para
ficarmos informados, outros para elaboração de trabalhos ou ainda por puro
deleite. Cada objetivo de leitura conduzirá a forma como ela deverá ser feita e
até mesmo o tempo gasto com ela.
Ao ler um manual de instruções, por exemplo, procura-se no folheto o
subtítulo que informará exatamente aquilo que se quer saber sobre
determinado produto, fazendo, portanto, uma leitura seletiva.
Por outro lado, uma leitura feita por prazer encaminha o leitor a dedicar
mais tempo a ela e uma atenção diferente da utilizada no exemplo anterior.
Desta forma, observa-se que a prática leitora rompe com a mera
decodificação, pois o mesmo texto poderá receber olhares ora mais, ora menos
atentos ou dedicados, de acordo com os objetivos de leitura e o conhecimento
de mundo que cada ser levará ao texto.
Sobre a linha de pensamento traçada acima, Solé (1998, p.93) trabalha
com os objetivos de leitura, enfatizando a importância de cada um deles, de
acordo com a situação na qual esta inserida, como se observa no trecho:
Os objetivos dos leitores com relação a um texto podem ser muito variados, e ainda que os enumerássemos nunca poderíamos pretender que a nossa lista fosse exaustiva; haverá tantos objetivos como leitores, em diferentes situações e momentos.
Quando uma leitura é feita para localizar uma informação precisa, não
há necessidade de ler todas as páginas de um determinado texto. Ao
exemplificar essa situação de leitura, Solé (1998) cita uma consulta a um
número telefônica em uma lista, na qual o leitor direciona o seu objetivo à
página da lista onde constam nomes com a inicial que procura e, dessa forma,
encontra aquilo que busca.
Nos momentos em que se precisa fazer uma leitura com a finalidade de
adquirir conhecimentos, já não é possível conduzir o ato de ler da mesma
15
maneira que o exemplo anterior, pois o objetivo é diferente. O posicionamento
do leitor perante o texto deverá ser mais atento e, por vezes, questionador.
Provavelmente, haverá a necessidade de retomar alguns trechos e fazer
algumas relações com seu conhecimento prévio para que aquele conteúdo
seja, de fato, assimilado.
Solé (1998) cita ainda outros tipos de leitura: aquela feita para seguir
instruções, para obter uma informação geral, para revisar, para comunicar,
para verificar o que se compreendeu, para praticar a leitura em voz alta e, por
fim, a leitura por prazer. A linguista conclui afirmando que não há uma ordem
de importância entre os inúmeros objetivos da leitura, mas lembra que o ato de
ler deve ter, sempre, alguma finalidade.
1.3 Conhecimento Prévio
A leitura é um processo amplo, e como citado anteriormente, visa à
compreensão efetiva dos elementos linguísticos presentes no texto.
Segundo Koch e Elias (2009, p. 21): “A leitura e a produção de sentido
são atividades orientadas por nossa bagagem sociocognitiva: conhecimentos
da língua e das coisas do mundo (lugares sociais, crenças, valores, vivências)”.
Todos esses elementos são, portanto, importantes para a construção do
conhecimento durante o ato de ler; são ferramentas que auxiliam na
compreensão leitora e direcionam os caminhos percorridos na leitura. Nossa
bagagem é essencial para compreender melhor um texto, dessa forma,
observa-se a necessidade de ampliar o conhecimento prévio dos educandos,
seja a nível lexical, linguístico, textual ou ainda temático, pois tudo auxiliará na
evolução da capacidade leitora de qualquer ser humano.
Pensando nisso, são inúmeros os estudos que trabalham a importância
do conhecimento prévio para efetivação do ato de ler, afinal, para compreender
um texto não basta apenas decodificar o que está no papel.
A esse respeito Kleiman (1984, p.13) afirma:
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele
16
já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.
De acordo com a autora, pode-se refletir sobre as diferentes
interpretações que leitores distintos têm diante de um mesmo texto. Seja um
poema, um romance ou até mesmo um acontecimento do cotidiano, pode-se
encontrar várias opiniões cabíveis e diferentes, afinal, cada olhar traz consigo
sua bagagem, seu conhecimento de mundo, sua vivência e interpretará tal
verso, capítulo ou fato com seus princípios e pontos de vista.
A título de exemplificação, Koch e Elias (2009, p. 21) apresentam uma
tirinha de Galhardo que leva à reflexão sobre a pluralidade de leituras possíveis
a respeito de um mesmo fato.
Fonte: Koch; Elias, 2009, p.21
Figura 1: Pluralidade de leituras
Através da ilustração acima, observa-se que o sentido não se encontra
pronto, nem no leitor, nem no texto, mas é construído na interação autor-texto-
leitor. Um leitor consciente deve estar atento a esse processo de interação, no
qual é peça importante na construção do sentido. A esse respeito, Koch e Elias
(2009, p.32) afirmam:
Depois de escrito, o texto tem uma existência independente do autor. Entre a produção do texto escrito e a sua leitura, pode passar muito tempo, as circunstâncias de escrita (contexto de produção) podem ser absolutamente diferentes das circunstâncias de leitura (contexto de uso), fato esse que interfere na produção de sentido.
Essa afirmação deixa clara a necessidade de se ampliar, cada vez mais,
o conhecimento de mundo, para que se possa compreender uma quantidade
maior de textos. Quando algo é escrito em determinada época, retratando
17
algum fato político, por exemplo, certamente será muito bem compreendido na
data de publicação por uma quantidade de pessoas muito maior do que se
fosse apresentado após dez anos, uma vez que os leitores poderão não
possuir o conhecimento de mundo adequado para aquela leitura.
Para compreender um texto é necessário que o conhecimento prévio
que se tem sobre tal tema seja buscado pela memória do leitor para que ele
possa fazer as inferências necessárias durante o processo da leitura e, dessa
forma, fazer antecipações, previsões e até mesmo relações com o que já
conhece para poder refletir melhor sobre o que está sendo lido.
A pesquisadora Solé (1998, p.27), com relação a esse tema afirma:
A leitura é um processo de emissão e verificação de previsões que levam à construção da compreensão do texto. A compreensão de um texto envolve a capacidade de elaborar um resumo, que reproduz seu significado global de forma sucinta.
A autora mostra a importância de um intenso trabalho mental durante o
processo de leitura, no qual aquele que lê faz previsões, antecipações e
levanta hipóteses, as quais são confirmadas ou substituídas ao decorrer do
texto. Essas ações são realizadas de acordo com os elementos textuais, tais
como título, organização, gênero ou até mesmo as ilustrações.
Após esse processo dinâmico, o leitor ativo deve ser capaz de elaborar
um resumo em sua mente, que abarca o significado global do texto, baseado
no essencial. Embora seja este um processo interno, deve ser ensinado; esse
ensino deve, por sua vez, garantir que o leitor seja capaz de compreender os
mais variados textos com os quais se deparar.
Contudo, apenas a figura de um mediador apresentando aos educandos
as possibilidades de previsões e inferências, por exemplo, não basta. A
compreensão precisa ser executada, ou seja, os próprios alunos devem
trabalhar com os dados oferecidos pelos textos e treinar.
Desta forma, o que seria mais relevante? A intervenção do professor ou
a autonomia dos educandos? Parafraseando Solé, esse processo deve ser
dinâmico, havendo momentos em que o modelo do professor é necessário e,
em outros, poderá ser omitido.
Sobre o ensino de leitura, Solé (1998, p.61) afirma: “Aprende-se a ler e a
escrever lendo e escrevendo, vendo outras pessoas lerem e escreverem,
18
tentando e errando, sempre guiados pela busca do significado ou pela
necessidade de produzir algo que tenha sentido”.
A partir dessa citação observa-se a importância de um modelo a ser
seguido pelos educandos e a necessidade da prática de leitura e escrita. Só se
pode aperfeiçoar, quando se está aberto para o treino, para a prática. Neste
momento é extremamente importante que o leitor em formação não seja
severamente punido pelos seus erros, mas que se apontem caminhos para o
acerto e possibilidades para a construção de novas formas de raciocínio a
serem seguidas.
Ao adotar determinado texto para utilizar em sala de aula, o educador
deverá estar atento ao seu público, afinal, cada ser é único e carrega consigo
conhecimentos próprios que o difere dos outros no modo de agir, pensar e,
porque não, de ler e compreender. Sendo assim, o professor deve explorar
esses diferentes mundos e possibilidades de interpretação de um texto escrito
e direcionar a leitura, mostrando os elementos textuais que comprovem
determinadas afirmações ou que mudem certas previsões feitas pelos alunos.
Desta forma, progressivamente os alunos vão assimilando as técnicas
usadas e apresentadas pelo professor e realizando uma leitura mais ativa.
Solé (1998) afirma que a leitura e a escrita são procedimentos que
envolvem ações coordenadas que visam uma meta e precisam ser mostrados
para que se alcance uma prática independente.
Para que se consiga compreender a linguagem escrita, o leitor,
consciente de seu papel, tece, simultaneamente, dois caminhos que se
completam. O primeiro deles é o da decodificação. Sabe-se que havendo
algumas dificuldades nessa etapa o entendimento do texto provavelmente
ficará comprometido, portanto um bom leitor necessita, primeiramente, dominar
as estruturas da língua e o léxico do determinado gênero textual e área a qual
se propôs a ler.
O segundo caminho a ser percorrido é mais subjetivo, no qual o leitor
lançará ao texto os seus conhecimentos prévios e objetivos iniciando um
processo de utilização de estratégias tais como, antecipações, inferências e
previsões.
Esse processo deverá ser capaz de fazer com que o leitor construa
mentalmente um resumo do texto lido, evidenciando os pontos, os quais, seus
19
objetivos elenquem como essenciais.
Portanto, a leitura deve ser vista como um processo de interação, no
qual o leitor construirá os significados a partir do que foi oferecido pelo autor
através do texto e levará para este os seus saberes, como afirmam Koch e
Elias (2009, p.57):
[...] a leitura é uma atividade altamente complexa de produção de sentidos que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes.
20
CAPÍTULO II
O ENSINO DA LEITURA
2 ESCOLA E ENSINO
2.1 Estratégias de Leitura no contexto escolar
O cotidiano de todas as pessoas é baseado no uso de estratégias. Para
conceituar esse termo, segue abaixo a segunda definição apresentada por
Houaiss e Villar (2008): “planejamento de uma ação para conseguir um
resultado”.
Como se vê, as estratégias regulam várias ações no cotidiano. É através
de avaliações e seleções, por exemplo, que se pautam as decisões a serem
tomadas e, porque não, a leitura feita por cada pessoa.
Ao determinar seu objetivo, o leitor deve passar a selecionar os itens que
mais lhe interessam e dirigir a sua leitura conforme os resultados que deseja
obter.
Solé (1998) elenca dois motivos para se ensinar estratégias.
Primeiramente, as estratégias são fundamentais para a compreensão de textos,
por isso devem ser ensinadas em sala de aula, uma vez que não surgem por si
só em determinada época no indivíduo. Em seguida, afirma que as estratégias
contribuem para o desenvolvimento, pois auxiliam na capacidade de se analisar
diferentes contextos com a maior flexibilidade, a fim de encontrar uma solução.
São elas as responsáveis pela interpretação textual e facilitadoras na
resolução de possíveis dificuldades com as quais o leitor se deparar, mas não
apenas de estratégias uma boa compreensão é feita, é necessário também o
domínio do léxico e o conhecimento prévio exigido por determinado tema a ser
lido.
Um leitor ativo deve saber utilizar as estratégias ora automaticamente,
ora intencionalmente. Enquanto a leitura é realizada e não se encontram
21
problemas na compreensão, usam-se as estratégias automaticamente, mas ao
deparar-se com alguma dificuldade, inicia-se um processo de encadeamento de
estratégias, a fim de romper com as barreiras para o entendimento e chegar ao
objetivo de leitura. A autora nomeia essas fases de leitura como estado de
piloto-automático e estado estratégico.
Porque é necessário ensinar estratégias de compreensão? Em síntese, porque queremos formar leitores autônomos, capazes de enfrentar de forma inteligente textos de índoles muito diversas, na maioria das vezes diferentes dos utilizados durante a instrução. (SOLÉ, 1998, p.72)
Ao ensinar estratégias, o educador poderá apresentar diferentes gêneros
textuais, porém mesmo que não seja abordado um número significativo, o leitor
conseguirá transferir as técnicas para outros tipos de textos com os quais vier a
se deparar e mais que isso, será capaz de aprender com eles.
O leitor, primeiramente, precisa sentir essa necessidade de fixar um
objetivo para aquilo que se quer ler e procurar extrair dele significados que
ampliem o seu repertório e gerem algum aprendizado, seja esse conceitual,
estrutural ou lingüístico.
Pensando em como e quais estratégias ensinar, Solé (1998, p. 73-74)
elenca um lista de perguntas que auxiliam o leitor na compreensão daquilo que
ele se propôs a ler, entre elas: “O que tenho que ler? Qual é a informação
essencial proporcionada pelo texto e necessária para conseguir meu objetivo de
leitura? Quais informações são pouco relevantes? Esse texto tem sentido? As
idéias têm coerência?”.
Essas perguntas orientam o processo de leitura e auxiliam o leitor na
atribuição de significado ao texto, ajudando-o a seguir uma linha de raciocínio e
a não se perder no decorrer da leitura. Um dos grandes problemas do ensino
está no fato de muitos educadores não trabalharem com a compreensão de
textos da forma como ela vem sendo abordada nesta pesquisa, fazendo da
leitura apenas uma atividade de decodificação e de localização de informações
secundárias no texto, como afirmam Colomer e Camps (2002, p.72):
Embora continue presente a concepção segundo a qual o aluno já sabe ler quando é capaz de decifrar um texto, hoje se admite facilmente que um dos objetivos da aula de língua, inclusive nos níveis médios de ensino, é ensinar a ler. Porém, o que a escola faz
22
para ensinar a ler nesses níveis mais elevados nem sempre, e nem mesmo comumente, tem muito a ver com a compreensão do texto.
Com a afirmação anterior, as autoras deixam claro que atividades de
simples verificação de informações no texto, não auxiliam no crescimento da
compreensão leitora, pois não exigem dos alunos uma compreensão global do
texto, afinal, mesmo que não tenha assimilado o texto como um todo é capaz
de identificar elementos isolados no texto. Tais atividades não indicam aos
educandos um caminho a percorrer para a construção do significado,
revelando-se altamente insuficiente para o ensino de leitura.
2.2 O processo de ensino-aprendizagem de leitura nas escolas
Ao observar o processo de ensino-aprendizagem da grande massa de
escolas brasileiras chega-se a conclusão de que ainda há muito para melhorar.
Novos caminhos devem ser traçados e utilizados pelos educadores.
São vários os especialistas que se debruçam sobre a língua materna e
sobre a prática docente, mas observa-se ainda que grande parte dos
professores demonstra uma aparente resistência a seguir novas prescrições.
A escola, de modo geral, apresenta-se ainda conservadora em alguns
aspectos sobre a Língua Portuguesa, em especial sobre o ensino da análise
linguística.
É sabido que os docentes mais inovadores, mesmo que rodeados de um
espírito de mudança e abertos ao novo, enfrentam, muitas vezes, uma
dificuldade em implementar essas novas formas de trabalho, tanto na
compreensão de como fazê-lo, como na dificuldade de modificar um sistema
muitas vezes tão engessado como o do ensino.
Dessa forma, o ensino da alfabetização passa a ser, simplesmente, um
processo de decodificação de palavras. O ensino da língua materna, por sua
vez, baseia-se na gramática normativa tradicional em inúmeras instituições de
ensino.
Os estudos de Colomer e Camps (2002) revelam, portanto, uma gama de
limites e contradições no que diz respeito ao ensino da língua. Algumas
23
atividades gramaticais apresentam-se totalmente desconectadas das atividades
textuais, por exemplo. Porém, é unânime a opinião de que o trabalho com
gêneros textuais e estratégias de leitura é o ponto alto do ensino. A esse
respeito Rojo (2009) afirma:
[...] as práticas didáticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas pela sociedade abrangente: aquelas que interessam à leitura para o estudo na escola que devem ser entendidos e memorizados para que o currículo se cumpra.
Com esse tipo de prática, o ensino da leitura acaba por ficar fraco e
perder seus objetivos principais. Ser letrado é muito mais do que interpretar
apenas os chamados textos escolares, sejam eles de qualquer disciplina. O
educando precisa aprender a ler a vida e para a vida, fazendo inferências,
relações com outros discursos, ter a capacidade de avaliar e discutir sobre os
mais diversos textos com os quais poderá se deparar um dia.
Para que esse tipo de ensino seja consolidado, é necessário que o
educando possua alguns procedimentos e capacidades de leitura, que devem
ser treinados e trabalhados pelos professores.
A esse respeito, Rojo (2009) afirma:
Podemos dizer que no início da segunda metade do século passado, ler era visto - de maneira simplista – apenas como um processo perceptual e associativo de decodificação de grafemas (escrita) em fonemas (fala), para se acessar o significado da linguagem no texto. [...] No desenvolvimento das pesquisas e estudos sobre o ato de ler, através destes 50 anos, muitas outras capacidades nele envolvidas foram sendo apontadas e desveladas: capacidades de ativação, reconhecimento e resgate de reconhecimento, capacidades lógicas, capacidades de interação social, etc.
Na primeira teoria, as capacidades eram baseadas em mero ato de
decodificar, enquanto a segunda teoria envolve mais o leitor e mostra que este
precisa interagir com o texto.
As teorias vão se aperfeiçoando e, com elas, os educadores devem
desenvolver um trabalho mais sólido e capaz de preparar seus alunos à leitura
da vida.
Para Colomer e Camps (2002, p.59)
A concepção que a escola tem sobre o que é ler reflete-se
24
necessariamente na proposição de seu ensino, de maneira que, quando se analisa a evolução das atividades de leitura mais frequentes na escola, pode-se ver sua correspondência com a evolução dos conceitos envolvidos nessa aprendizagem.
A aprendizagem tradicional vê a leitura como um processo centrado no
texto, do qual se retira os significados (processo ascendente), fazendo com que
o leitor seja passivo, recebe o que foi imposto pelo texto apenas.
Segundo Colomer e Camps (2002), após a Segunda Guerra Mundial a
leitura passa a ser vista como um processo psicológico específico, integrando
diversas habilidades.
Nos últimos anos, portanto, a leitura deixa de ser processo psicológico
específico e inclui-se entre os processos gerais de representação humana da
realidade, adotando um modelo psicolingüístico-cognitivo.
2.4 Condições para o ensino da leitura
Ainda sobre o ensino de leitura Colomer e Camps (2002) elencam
algumas condições sem as quais o ensino seria prejudicado.
Primeiramente, o educador deve partir do que os alunos já sabem
quanto às características do texto escrito (estrutura) como os conhecimentos
prévios sobre o tema da aula. Deve-se conhecer a bagagem dos alunos para
que se possa ampliá-la com conhecimentos novos. Esse conhecimento de
mundo poderá ser observado a partir de atividades orais, dessa forma o
educador também observará elementos linguísticos diferenciados entre seus
alunos, que retratam o ambiente sociocultural em que vivem; poderá ainda
preparar atividades mais adequadas às necessidades dos educandos.
Através de diversas atividades orais e escritas o professor deve
fomentar a consciência metalinguística em seus alunos, procurando apresentar
a eles níveis linguísticos diferentes aos utilizados basicamente na fala,
orientando-os sobre as diferentes situações comunicativas com as quais eles
podem se deparar.
Para que haja uma familiarização com o mundo da escrita, Colomer e
Camps (2002) salientam a importância de apresentar os mais diversos gêneros
25
textuais aos educandos, englobando, além dos objetos de leitura (livros,
anúncios, jornais) como também as situações da vida em que se lê (por prazer,
para lembrar, para informar-se) e os lugares nas quais se produz (biblioteca,
secretarias). Nesse sentido Colomer e Camps (2002, p.65) afirmam:
O contato com o escrito tem de implicar a tomada de consciência de seu uso funcional, do saber por que as pessoas leem, de maneira que a ideia de sua aquisição se distancie da concepção de uma tarefa eminentemente escolar, sobretudo por parte dos meninos e das meninas que unicamente associam a língua escrita com as exigências do seu ingresso no mundo escolar.
2.5 A leitura eficiente
Colomer e Camps (2002, p.33) definem:
Ler é o processo que se segue para obter informação da língua escrita, do mesmo modo de “escutar” é o que fazemos para obter informação da língua oral (...). Qualquer ato de compreensão é entendido como uma alternação das redes de formar, elaborar e modificar as estruturas de conhecimento que o sujeito tinha antes de entender essa nova informação.
Com esse olhar, observa-se que a leitura eficiente é uma tarefa
complexa, que depende de processos perceptivos, cognitivos e lingüísticos. É
uma mistura de elementos que levam o leitor à compreensão e ao seu objetivo
final, traçado do início da leitura, de alcançar determinados conhecimentos e/ou
informações.
As ações de formar elaborar e modificar as estruturas de conhecimento
citadas por Colomer e Camps (2002) são, de fato, complexas, por isso devem
ser trabalhadas no ambiente escolar, a fim de treinar a mente do educando para
que ele passe sozinho a utilizar essas estratégias ao seu favor, de forma
consciente ou inconsciente e assim, ampliar a sua capacidade leitora.
Para Colomer e Camps (2002) o estudo de como se compreende deve
estar inteiramente ligado ao estudo de como se retém as informações. Citam
ainda diferentes tipos de memória, tais como a visual a verbal e a significativa.
Com essas informações trabalham ainda com a memória a curto prazo e a
memória a longo prazo. Esta é caracterizada pela sua grande duração e aquela
26
pela capacidade limitada de duração da informação.
Ao ler um texto, seleciona-se a memória de acordo com a funcionalidade
que aquilo tem no cotidiano de cada leitor. Desta forma, a mesma informação
pode tornar-se duradoura para um e passageira para outro, de acordo com os
objetivos leitores de cada indivíduo.
Para que a interpretação seja concluída, as autoras citam como
elementos fundamentais a formulação de hipóteses a verificação das hipóteses
e a integração da informação e o controle da compreensão.
No plano da formulação de hipóteses e leitor ativa o seu conhecimento
de mundo sobre determinados aspectos e antecipa algumas informações
possíveis de serem apresentadas por determinado texto. Essas hipóteses
podem ou não ser confirmadas no decorrer da leitura, na qual ele fará a
verificação das hipóteses.
Por fim quando a informação obtida através da leitura é coerente com as
antecipações feitas, o leitor integrará essa nova informação com seus
conhecimentos prévios e continuará trabalhando nesse processo: hipótese,
verificação e integração, construindo assim a significação global do texto.
Outros fatores ainda citados por Colomer e Camps (2002) incidem na
compreensão leitora, tais como: a intenção da leitura, os conhecimentos
trazidos pelo leitor sobre o escrito (paralinguísticos, das relações grafofônicas,
morfológicos, sintáticos, semânticos e textuais) e sobre o mundo.
Para que o leitor consiga concluir com êxito sua leitura é necessário que
ele possua conhecimentos variados e saiba ativá-los e selecioná-los conforme a
necessidade de determinado texto e com seus objetivos de leitura. A
compreensão, portanto, é muito determinada pela quantidade de
conhecimentos e capacidades de selecioná-los no momento ideal.
O leitor precisa ser capaz de observar todos os aspectos textuais e
trabalhar com eles para ampliar a compreensão. Devem ser observados, por
exemplo, a separação das palavras no texto, o tamanho das letras, os
parágrafos, capítulos assim como ter o conhecimento das unidades sonoras
(fônicas) que por vezes atribuem significações diversas para determinados
textos, a pontuação, a ordem e significado das palavras até chegar a
compreensão dos elementos textuais, tais como o grau de coesão do texto,
dentro de sua estrutura (narrativa, argumentativa, descritiva, etc.)
27
No entanto, todos esses elementos citados anteriormente podem não
concluir a compreensão, pois muitos textos exigem do leitor alguns
conhecimentos de mundo que, se não houver, podem prejudicar a
compreensão. Esse caso ocorre frequentemente nas charges que remetem,
muitas vezes, a alguns fatos acontecidos em determinadas épocas e sem esse
conhecimento dos fatos não se pode compreender a crítica feita.
Portanto o grau de conhecimento que o leitor possui sobre aquilo que o
autor escreve é essencial para que se obtenha uma boa compreensão. “Quanto
mais conhecimentos o leitor acrescenta mais fácil será compreender o texto.”
(COLOMER; CAMPS, 2008, p.56)
Concluindo, as autoras (2008, p.57) afirmam:
(...) a compreensão leitora é o resultado de uma atividade complexa na qual o leitor deve realizar muitas operações e recorrer a muitos tipos de conhecimentos. Parece que o processo em diferentes níveis não segue uma única direção ascendente (da letra ao texto) ou descendente (dos conhecimentos e hipóteses globais à letra), mas que há uma inter-relação constante entre eles.
Portanto, observa-se que o processo leitor deve ativar a todos os
momentos uma gama de conhecimentos e que todos eles são necessários para
uma boa compreensão, não sendo possível então valorar uma ou outra
operação realizada no decorrer do processo.
2.6 O ensino da Leitura
Embora grande parte das atividades escolares esteja apoiada em textos
escritos, muitos alunos encontram dificuldades na compreensão dos mesmos.
Colomer e Camps (2002) apresentam estudos que apontam a ineficiência do
ensino da leitura e uma concepção errônea de que se o aluno lê bem, ou seja,
decodifica bem, entenderá o texto em toda a sua complexidade, enquanto, na
realidade, apenas oralizar bem um texto não é sinônimo de sucesso na
compreensão.
Dentro da grande quantidade de textos utilizados no ambiente da sala de
aula, as autoras dividem as atividades feitas em dois grupos; aquela nas quais
28
os textos são lidos para aprender algo e aquelas nas quais o aluno é orientado
a aprender a ler.
As primeiras atividades ocorrem nas mais diferentes disciplinas, cujos
textos, predominantemente informativos, são instrumentos de aprendizado sem
que se dedique um tempo para explicar sua função e suas características
básicas e como utilizá-lo como ferramenta de estudo, retirando dele o mais
essencial.
Por outro lado, as atividades destinadas a aprender a ler, nem sempre
ensinam a compreender o texto, porque não indicam o caminho para os alunos,
no qual conseguirão construir o significado.
O educador deve conduzir os seus educandos à compreensão sendo,
pois, um mediador entre o texto e o aluno. Para tanto, ele não pode sentir-se ou
colocar-se como monopolizador do saber e sim um colaborador na construção
do sentido, para que os educandos, por sua vez, possam realizar a leitura e a
compreensão cada vez mais de forma autônoma.
Para que isso ocorra, é necessário ensinar a compreender, pois a escola
deve posicionar–se de modo a realizar uma aprendizagem significativa do ato
de ler e não apenas focar-se na decodificação e oralidade.
Para ensinar a compreender, Colomer e Camps (2002) elencam algumas
orientações de atuação que serão aqui apresentadas e comentadas são elas:
incrementar a iniciativa de alunos e alunas, utilizar formas gráficas de
representação, oferecer modelos de compreensão e controle, aumentar a
sensibilidade às incoerências do texto, utilizar técnicas de discussão coletiva,
ajudar a interiorizar orientações a serem seguidas e relacionar a compreensão
com a produção de textos.
Todas essas orientações têm como objetivo tornar o leitor mais ativo e
dessa forma, tornar a leitura mais significativa.
Ao iniciar a leitura de um texto informativo, por exemplo, o professor
poderá ajudar e grifar os fragmentos mais significativos, resumir e informatizar,
por exemplo, mas o ideal é que aos poucos os próprios alunos possam iniciar
esse processo de leitura, fazendo suas próprias inferências e antecipações,
sendo capazes de selecionar a idéia principal e resumi-lo ora em palavras, ora
em frases.
Colomer e Camps (2002) ressaltam ainda a importância da produção de
29
textos para o crescimento da compreensão, uma vez que o aluno entenderá
melhor, e na prática, os mecanismos necessários para que se construa um bom
texto. A fim de auxiliar o trabalho do educando, apresentam uma ficha que
deverá anteceder a produção.
Fonte: Colomer; Camps, 2002, p.88
Figura 2: Esquema organizacional
Através da ficha o aluno terá em mãos um esquema daquilo que deve
escrever e uma linha de raciocínio para seguir. Essa atividade auxilia na
30
compreensão textual de modo muito positivo, ao fazer com que o educando
treine os mecanismos de elaboração de um texto, a coerência e coesão,
necessários para que um texto alcance seus objetivos e, ao ler, terá mais
facilidade em procurar e encontrar os elementos essenciais para a
compreensão.
Acerca da transformação que o ensino de um modo geral necessita,
Lerner (2002, p.38) enfatiza a necessidade da capacitação dos educadores e
afirma:
É necessário introduzir modificações no currículo e na organização institucional, criar consciência em relação à opinião pública e desenvolver a pesquisa no campo da didática da leitura e da escrita. É necessário também traçar novamente as bases da formação dos professores e promover a hierarquização social de sua função.
Segundo Lerner (2002), se o objetivo é formar leitores ativos, as
propostas educacionais devem estar centradas na construção do significado
também desde o começo, apresentando aos alunos diferentes gêneros textuais,
bons textos, dar-lhes possibilidades de fazer antecipações, inferência e até
mesmo a oportunidade de produzir textos oralmente, mesmo antes de saberem
escrever.
Dessa forma, a leitura deve ser praticada e treinada com objetivos mais
próximos à realidade rompendo com o abismo entre o que é praticado em sala
de aula com o que é realizado nas mais diversas situações fora dela.
31
CAPÍTULO III
ESTRATÉGIAS DE LEITURA: UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A
AMPLIAÇÃO DA CAPACIDADE LEITORA
3 A UTILIZAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS NO AMBIENTE ESCOLAR
3.1 A compreensão e a formação do leitor ativo
Nos capítulos anteriores foram trabalhados conceitos importantes para a
evolução das atividades acerca da leitura eficaz. A partir dessa reflexão,
observa-se a necessidade de intensificar a utilização das estratégias de leitura
no ambiente escolar e, para tanto, o professor deve posicionar-se como
mediador e, consciente de seu papel, encaminhar seus alunos para uma leitura
significativa, na qual eles são peças fundamentais para a construção dos
significados.
Sobre a leitura, Fregonezi (2003, p. 5 e 6) afirma que “a leitura constitui-
se, portanto, de dois tipos de informações: as informações advindas do código,
presentes no código linguístico e as informações presentes no mundo do leitor”.
Com isso, assim como citado anteriormente, o leitor não ocupa um lugar
passivo no processo de leitura, e sim contribui com esse processo, confirmando
que a leitura é algo superior à mera decodificação, é um trabalho mais
complexo.
Importa, neste momento, elencar as possibilidades de trabalho que
contribuem para o aperfeiçoamento da capacidade leitora e através das
considerações feitas, apresentar uma proposta de trabalho que ative as
estratégias e proporcionem uma leitura eficaz.
Para isso, seguem dois textos pertencentes a gêneros distintos, com o
objetivo de envolver os alunos e fazê-los compreender o texto em sua
totalidade.
32
3.2 Gêneros textuais e estratégias de leitura
A noção de gêneros textuais não pode ser confundida com tipologia textual.
Segundo Koch e Elias (2009) os tipos textuais são: narrativos, descritivos,
argumentativos, expositivos ou injuntivos. Em meio a esses tipos surgem os
gêneros textuais, que podem abarcar em si mais de um tipo textual, o que de
acordo com as autoras é denominado heterogeneidade tipológica, conforme
afirmam no trecho (2009, p. 120): “A presença de vários tipos textuais em um
gênero é denominada de heterogeneidade tipológica”.
Sendo os gêneros tão ricos e tão presentes em nosso cotidiano, constituem
uma fonte inesgotável de possibilidades de estudo e tornam-se, nos dias atuais,
enfoque nos estudos de língua materna.
Comunicamo-nos através dos mais variados gêneros textuais e eles, com
sua estrutura e elementos básicos, asseguram sua identidade e contribuem
para o ensino de leitura.
Ao final do percurso escolar o educando deverá ser capaz de utilizar as
mais variadas estratégias de leitura em todos os gêneros com os quais precisar
trabalhar, mesmo que alguns não tenham sido estudados em ala de aula. Para
Koch e Elias (2009, p.122):
O estudo dos gêneros constitui-se, em dúvida, numa contribuição das mais importantes para o ensino da leitura e redação. Para reforçar esse posicionamento, afirmamos que, somente quando dominarem os gêneros mais correntes na vida cotidiana, nossos alunos serão capazes de perceber o jogo que frequentemente se faz por meio de manobras que pressupõem esse domínio.
Pensando nessa necessidade de se trabalhar com diferentes gêneros a
fim de ampliar o conhecimento textual dos alunos, esta pesquisa selecionou a
charge e o conto como parceiros em um mesmo trabalho, visando uma
atividade interacionista, baseada no ensino de estratégias e reconhecimento
dos gêneros textuais.
3.3 A charge e o conto: temas complementares em gêneros distintos.
33
A presente proposta visa um trabalho baseado na interação dos alunos
com os textos, extraindo de cada um seus conhecimentos prévios e propondo
uma leitura dinâmica, baseada nas estratégias apresentadas nos capítulos
iniciais.
A idéia inicial é a leitura do conto O arquivo, de Giudice (1986), um dos
contos brasileiros mais publicados no exterior. Giudice trabalhou como
professor, músico e jornalista, publicou ensaios, resenhas e seis livros.
O conto em questão trabalha a temática do emprego e a desvalorização
de um funcionário levando à reflexão acerca desse ambiente social.
O texto, nesta proposta, será lido em um segundo momento. Para refletir
e discutir sobre ele será apresentado aos alunos uma charge de Jean publicado
na Folha de São Paulo em 1º de Maio de 2002. A charge também traz a
temática dos trabalhadores, auxilia na construção de sentidos e levantamento
de hipóteses para com o conto O arquivo.
Fonte: Jean, 2002, p.A2
Figura 3: Charge de Jean
Ao apresentar a charge, o educador deverá explicar a sua função social
34
e de modo especial as características básicas desse gênero. O aluno deve
compreender que consiste em um desenho que faz críticas ou satiriza
elementos históricos, políticos ou atualidades, por exemplo. A charge é um
gênero que exige muito o conhecimento de mundo do leitor para que sua
interpretação seja eficaz.
Sobre a charge em questão o educador poderá iniciar sua atividade
questionando seus alunos sobre a relação da data de publicação com o assunto
trabalhado pelo autor. A saber, trata-se do dia 1º de Maio, comemoração do Dia
do Trabalho e a charge apresenta um mural com possíveis vagas de emprego.
Após essa observação, pode-se questionar e abrir discussão sobre a
adequação da data de publicação da charge e a crítica feita pelo autor através
da imagem.
Feitas essas observações, pode-se ainda debruçar-se sobre detalhes:
que tipo de pessoa está representada na charge? O que isso significa? Na
cidade dos alunos há murais como esse? Onde e como procura-se emprego?
Onde se encontra normalmente a placa “Sorria, você esta sendo filmado!”e qual
a sua contribuição para a crítica feita pela charge?
Após esse trabalho de reflexão sobre a temática através do gênero
charge, o professor deverá motivar os alunos para a leitura do conto abaixo.
O arquivo
Victor Giudice
No fim de um ano de trabalho, João obteve uma redução de quinze por
cento em seus vencimentos.
joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou
orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-
se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer o chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da
cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entendo,
estava satisfeito.
Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.
O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.
35
Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi
um pouco maior: dezessete por cento.
Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora, joão acordava às cinco da manha. Esperava três conduções. Em
compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos
rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.
Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas
invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não
desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.
Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório
principal.
Respirou descompassado:
- Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
- Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova
substancial de nosso reconhecimento.
O coração parava.
- Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado,
resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.
A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.
- De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com
menos cindo dias de férias. Contente?
Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a
diretoria, voltou ao trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do
subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço
reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não
havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira,
pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada.
Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência.
36
A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O
organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz
das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de
moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se
com o farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
O corpo era um monte de rugas sorridentes.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho.
Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:
- Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá
mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos
sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido
tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos
os objetivos. Tentou sorrir:
Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer
minha aposentadoria.
O chefe não compreendeu:
- Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê?
Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso
quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está
forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta.
joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa.
A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-
se, planas, compactas.
Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.
joão transformou-se num arquivo de metal.
Antes da leitura do conto o educador deverá praticar com os seus alunos
algumas estratégias já citadas, como exemplo, o levantamento de hipóteses
através do título.
Pode-se então ler o primeiro parágrafo e fazer um levantamento de
inferências
37
O que João pode ter feito para reduzirem o seu salário? Como ele deve
ter se sentido? A redução de salário é algo legal (autorizado por lei)? No que
esse fato pode acarretar?
Esse momento deve ser bem trabalhado, contar com o envolvimento da
maior parte possível dos alunos e no decorrer do texto, essas inferências
poderão ser confirmadas ou anuladas, dando lugar a outras.
A leitura poderia ser interrompida mais algumas vezes, a fim de aguçar o
envolvimento da turma com o texto e fazê-lo treinar o raciocínio pelas
estratégias.
A partir desse texto, pode-se ainda refletir sobre os aspectos gráficos, em
especial o uso de letra maiúscula, para o nome João no primeiro parágrafo e o
uso de letra minúscula para o mesmo nome em todo o restante do texto,
refletido sobre a sua contribuição para a construção do significado global, uma
vez que o personagem através desse recurso passou a ser algo comum, sem
valor, perdendo a importância enquanto pessoa, o que foi representado pelo
seu próprio nome, que deixou de ser um substantivo próprio (relembrar
conceitos) e passou a ser um substantivo comum, sem valor até mesmo ao
iniciar uma frase.
É possível também e enriquecedor trabalhar o recurso ironia, figura de
linguagem que consiste em dizer o contrário daquilo que está pensando em
dizer, normalmente utilizada para criticar algo ou alguém.
Em todos os momentos, o educador poderá ativar os conhecimentos
prévios dos alunos para que a relação dele com o texto seja mais próxima e
esteja constantemente construindo o sentido.
A tudo o que foi dito sobre estratégias Solé (1998, p. 74) acrescenta: “as
estratégias devem ajudar o leitor a escolher outros caminhos quando se
deparar com problemas na leitura”.
Dessa forma, mesmo que não se trabalhe todos os gêneros existentes, o
leitor eficiente será capaz de transferir seus conhecimentos e estratégias para
qualquer outro texto com o qual se deparar e conseguirá retirar dele o
essencial.
38
CONCLUSÃO
A presente monografia visou enfatizar a importância da leitura e de se
fazer uma prática docente baseada em estratégias, as quais levarão o leitor a
compreender que o ato de ler deve ser um processo de interação entre ele e o
texto, e não apenas um processo passivo, no qual ele apenas retiraria
informações contidas no texto.
Para compreender bem o conceito de leitura, foi preciso recorrer a
diversos autores, buscar a essência de cada um deles e selecionar algumas de
suas contribuições para essa temática. Através dos estudos realizados,
podemos observar os motivos de ainda existirem práticas docentes tão
distantes daquilo que foi colocado no decorrer desta monografia como o ideal.
Deparamo-nos com situações de ensino-aprendizagem que pouco, ou
nada, auxiliam no crescimento dos educandos e, diante disso, direcionamos
nossa atenção à importância de se ensinar leitura por meio de estratégias que
devem ser treinadas pelos leitores em todo o percurso escolar, a fim de que
elas se tornem cada vez mais automáticas e possam ser selecionadas de
acordo com os objetivos de cada leitor.
O ensino da compreensão leitora deve ser eficaz e, para tanto, os
educadores devem estar atentos e fazer com que esse momento se torne
significativo para seus alunos. O trabalho através de estratégias se apresenta
como uma ferramenta para o momento da leitura. Por elas, os leitores iniciam
um processo de reflexão sobre o texto, antes mesmo do início de sua leitura. A
partir de um título, pode-se abrir discussão sobre um determinado tema, por
exemplo, e assim, iniciar o levantamento de hipóteses, que serão confirmados,
ou não, no decorrer do texto.
Esta pesquisa deixou clara também a importância de valorizar tudo
aquilo que os leitores já trazem consigo. O conhecimento de mundo de cada
indivíduo contribui para a compreensão textual, é por meio dele que alguns
leitores serão capazes de realizar certas previsões que outros jamais
pensariam, por não terem a mesma bagagem cultural, por exemplo. O
conhecimento prévio deve ser ativado em vários momentos da leitura, não só
aqueles sobre a temática do texto, mas também sobre o gênero textual a ser
lido, pois isso ajudará o leitor no momento de escolher determinadas
39
estratégias de leitura e excluir outras.
Outro item trabalhado aqui e de grande importância no processo de
leitura é o de atribuir objetivos no momento de ler. Esses objetivos também
auxiliarão no trabalho com as estratégias, afinal, como já foi citado no decorrer
desta pesquisa, não lemos de uma mesma maneira um texto informativo, como
uma bula de remédio e um conto.
Pensando nisso, foram trabalhados, no último capítulo, dois gêneros
distintos com temáticas semelhantes, a fim de ilustrar e comprovar a
importância da ativação de estratégias no decorrer da leitura.
Constatei, portanto, que a partir do momento em que os leitores
organizam seu pensamento de forma lógica e aplicam seus conhecimentos
prévios sobre o tema e sobre o gênero a eles apresentado, juntamente com a
ativação de estratégias específicas para cada um os textos, pode-se, com mais
facilidade, alcançar a compreensão textual de modo efetivo e eficaz.
Desta forma, o questionamento motivador desta monografia foi
respondido, uma vez que ficou clara a importância de que o trabalho com
estratégias de leitura estimulam e colaboram para o crescimento da
compreensão leitora, sendo indispensáveis no processo de ensino-
aprendizagem, devendo ser ensinadas e treinadas em todo o percurso escolar.
Portanto, foi válida a oportunidade de reflexão sobre a leitura e seu
ensino realizada por esta monografia. Sendo este um tema muito amplo, é
necessário que outros trabalhos também enfoquem o ensino da leitura como
tema principal, para que, desta forma, possamos ampliar nossos horizontes e
aperfeiçoar-nos em nossa prática docente, transformando os educandos em
sujeitos de sua leitura, ativos no papel que se propõem a desempenhar perante
qualquer texto e capazes de interagir, nas mais diferentes situações
comunicativas e sociais, de forma sábia e eficaz.
40
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais : Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. COLOMER, T.; CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Artmed, 2002.
FREGONEZI, D. E. O professor, a escola e a leitura . Londrina: Edições Humanidades, 2003.
GIUDICE, V. O arquivo. Setecontos setencantos. São Paulo: FTD, 1986. HOUAISS, A.; VILLAR, M.S. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. JEAN. Trabalhadores. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2002, p. A2.
KLEIMAN, A. Texto e leitor : aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1984.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender : os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2009. LEFFA, V. J.; Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolingüística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996. LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. NEIS, I. A.; A competência de leitura. Letras de hoje 15 (2). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica, 1982.
ROJO, R. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. In: AZEREDO, C.S.L. Língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2009. SOLÉ, I. Estratégias de leitura . Tradução Cláudia Schilling. Porto Alegre:
41
Artmed, 1998.
Top Related