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RENATA MANZINI
AS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO NO PROCESSOCIVIL BRASILEIRO
A importância do diálogo
Monografia do curso de especialização em DireitoProcessual Civil da Escola Paulista da Magistratura,sob a orientação do Prof. José Otávio de Souza
Ferreira
Campinas – 2008
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RENATA MANZINI
AS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO NO PROCESSOCIVIL BRASILEIRO
A importância do diálogo
Monografia do curso de especialização em direito processual civil da Escola Paulista da Magistratura,sob a orientação do Prof. José Otávio de Souza
Ferreira.
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À boa estrela.
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AGRADECIMENTOS
Ao Dr. José Otávio de Souza Ferreira, meu orientador, que demonstrou ao nosso grupo
o potencial do diálogo.
Ao meu sempre Professor José Roberto dos Santos Bedaque, pelos ensinamentos
fundamentais do processo civil e o estímulo constante e bem humorado durante esta
especialização. Ao Professor Carlos Alberto Carmona, a inspiração para o tema.
Ao meu marido que, embora a contragosto, suportou minha ausência nas noites de
curso e que, na época de reflexão para esta monografia, deu valiosas opiniões sobre Teoria
Geral do Direito.
À Corregedoria Geral da Justiça, pela disponibilidade dos dados estatísticos, a minha
irmã Roberta, pelas planilhas, aos colegas magistrados que participaram das pesquisas. Aos
meus jurisdicionados e seus patronos, pela experiência humana que sempre me
proporcionaram. Ao meu revisor, Clóvis, por tornar o texto mais limpo e, principalmente,
pelo estímulo constante da longa amizade.
Devo também registrar importantes fontes de inspiração prática na área de processo
civil: meus colegas José Walter Chacon Cardoso e Fábio Henrique do Prado Toledo, que
sabem aliar a boa técnica à habilidade humana do diálogo com as partes. Susana, Samuel,
Regina, Prof. Guilherme, colegas da Justiça do Trabalho, que me convenceram de que
simplificar vale a pena. Na pessoa deles, agradeço a todos os magistrados que ainda acreditam
na humanização da Justiça.
Finalmente, ao G5: vocês são prova viva de que o diálogo constrói. Muito obrigada.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ ......... .......6CAPÍTULO I: ..........................................................................................................................................................10A EVOLUÇÃO RECENTE DAS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO ...............................................................10CAPÍTULO II ......................................................................................................................................... ......... .......21A MOROSIDADE DA JUSTIÇA EM ASPECTOS NÃO PROCESSUAIS ................................................ .........21CAPÍTULO III: ................................................................................................................................................... ....27CONCILIAÇÃO E ACELERAÇÃO DO PROCESSO ..........................................................................................27CAPÍTULO IV ...................................................................................................................................................... ..36SANEADOR ESCRITO versus AUDIÊNCIA PRELIMINAR ..............................................................................36
.............................................................................................................................................................36CAPÍTULO V ............................................................................................................................................... ........ ..46
JULGAMENTO ANTECIPADO versus AUDIÊNCIA PRELIMINAR ................................................................46CAPÍTULO VI ...................................................................................................................................................... ..55A AUDIÊNCIA DO ART. 277 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .................................................. ........ ......55CAPÍTULO VII .......................................................................................................................................................60ORALIDADE, ARGUMENTAÇÃO E AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO ......................................................60CAPÍTULO VIII: ............................................................................................................................................. .......74CONCILIADOR LEIGO versus JUIZ CONCILIADOR .............................................................................. .........74CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ ......... .......84BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................................88PLANILHAS ...........................................................................................................................................................93
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INTRODUÇÃO
Os cientistas não conduzem pesquisas para descobrir
coisas de cuja existência não suspeitam.1
Assistimos a uma prolificação de processos. A diminuição do controle social, fruto da
desagregação contemporânea, somada à velocidade das relações, nas sociedades de consumo,
pode em parte explicar essa explosão; devemos considerar ainda, com Watanabe, que havia
no Brasil aquilo que o autor denominou “litigiosidade contida”, vinda à flor com o acesso das
camadas mais humildes à Justiça. A estrutura do Judiciário brasileiro não tem condições
materiais e humanas de crescer na mesma proporção em que surgem os processos. Tal
descompasso leva, por óbvio, a uma dilação dos tempos de tramitação processual, somando-
se, então, os milhões de processos que não findam rapidamente àqueles que vêm chegando.
Para fazer frente a essa desproporção, por um lado tenta-se agilizar o processo,
concretizando mudanças do Código de Processo Civil e, por outro, investe-se na conciliação,
com o auxílio de mediadores.
Não se pode esquecer, contudo, que o próprio Código de Processo Civil já prevê a
realização, no curso da lide, de audiências de conciliação, consoante a disciplina dos artigos
277 e 331 (audiência preliminar) do Código de Processo Civil, bem como em atendimento ao
princípio delineado pelo art. 125, IV, do mesmo diploma legal.
1 John TOOBY; Leda COSMIDES, apud Judith Rich Harris. Não há dois iguais, p. 401.
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Observa-se, entretanto, que estas audiências são vítimas de intenso desprestígio por
parte dos operadores do direito. Não poucas vezes o rito sumário – no qual a audiência de
conciliação ocorre logo no início – é substituído pelo rito ordinário, por iniciativa da parte ou
do juiz e, ainda mais freqüentemente, a audiência preliminar do rito ordinário deixa de ser
designada. Quando são realizadas, não é invulgar que o sejam de forma mecânica, sem
exploração de seu verdadeiro potencial para a pacificação e para o diálogo.
A disciplina da audiência preliminar, no procedimento ordinário, já foi alterada mais
de uma vez, e anuncia-se em breve nova alteração legislativa, o que indica a atualidade do
tema. Haverá esperança de que nova alteração faça finalmente vingar a prática da audiência
preliminar? O que pode ser feito para potencializar as audiências de conciliação em geral?
Aproveitando o momento de constantes mudanças do Código de Processo Civil, propus-me a
investigar o aproveitamento que vem sendo dado às audiências de conciliação e sugerir
medidas para torná-las verdadeiros instrumentos de eficácia do processo.
Esta investigação tem início em bases doutrinárias, com a reconstrução dos rumos que
recentemente tomaram as audiências de conciliação no moderno processo civil brasileiro,
partindo-se do Código de Processo Civil de 1939, mas está permeada por dados concretos da
atualidade, obtidos junto à Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, referentes
ao número de audiências de conciliação realizadas no ano de 2007, bem como ao número de
acordos delas resultantes. Estes dados foram trabalhados para que se obtivessem os
percentuais de acordos para certos tipos de audiência em determinadas competências (cível ou
família), analisando-se as variações dentro da mesma competência e da mesma abrangência
geográfica (análise por comarcas), a fim de obter a homogeneidade necessária ao tratamento
científico das referências estatísticas. Também foi realizada uma pesquisa com um grupo de
controle, composto por magistrados da Justiça Estadual Paulista que voluntariamente
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responderam a um questionário proposto por e-mail , contendo perguntas de ordem objetiva
(número de acordos e audiências realizados) e de ordem subjetiva. A análise cruzada das
informações permitiu aferir o grau de confiabilidade de pesquisa anteriormente realizada, que
havia tomado por base apenas respostas voluntárias.
Toda a análise de informações e dos institutos partiu de uma premissa bem clara, que
consumiu um capítulo inteiro da monografia: a crise do processo reflete um fenômeno maior,
que é a crise da Justiça, e não tem raízes exclusivamente processuais. Sem este norte,
poderíamos transformar a conciliação em panacéia – que ela não é – para todos os males do
processo civil e içá-la à categoria de salvadora de uma crise cujo alicerce não se encontra
preponderantemente nas deficiências dos institutos processuais.
O caminho traçado para este trabalho já era vislumbrado durante o curso de
especialização em processo civil, do qual este é a etapa conclusiva, e está em harmonia com
os esforços profissionais de meus últimos anos. De fato – e por questão de retidão é bom que
o leitor o saiba desde logo – acredito que as audiências de conciliação sejam um instrumento
de primeira grandeza para os juízes que, como eu, atuam na área de Direito Civil. Como todo
instrumento, porém, não é fim a si mesmo, e depende de um operador habilidoso para que os
frutos da pacificação social possam vir. Por isso a observação criteriosa dos dados me fez
concluir aquilo que eu já intuía: que o simples aperfeiçoamento do instrumento não é capaz de
resolver o problema de sua aplicação. É preciso envolver os sujeitos na filosofia que inspirou
a criação do instrumento. Uma faca apenas pode ser faca, no sentido em que cotidianamente a
entendemos, porque alguém nos ensinou a utilizá-la e nos convenceu de que deve ser usada
para cortar. Sem que soubéssemos que a faca corta, permaneceríamos perplexos diante dela;
sem o discernimento ético dos limites e objetivos pretendidos, podemos dela fazer um
instrumento de morte. Eis a razão pela qual procurarei, no desenrolar de minha argumentação,
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convencer o leitor de que as audiências de conciliação são úteis ao bom desenvolvimento do
processo civil e de que, mais do que reformas legislativas, precisamos apurar o uso correto e
ético do instituto existente, por meio da consolidação do diálogo a estabelecer entre os atores
do processo. Espero, com isto, dar alguma colaboração para a efetiva humanização do
processo.
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CAPÍTULO I:
A EVOLUÇÃO RECENTE DAS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO
A fim de que o presente estudo não se torne tão árido que apenas os processualistas
possam lê-lo – o que absolutamente não é meu intento –, gostaria de traçar um breve esquema
acerca das audiências preliminares nos procedimentos ordinário e sumário, conforme regem
as atuais redações dos artigos 331 e 277 do Código de Processo Civil, respectivamente.
No procedimento ordinário, geralmente, após a propositura da ação (inicial) e a
contestação, segue-se a réplica (que, em certos casos, é dispensável). Nesta fase, estabelecida
a controvérsia, e se não for o caso de extinguir o processo sem apreciação do mérito ou de
apreciar o mérito sem dilação probatória (art. 330, II, do Código de Processo Civil), será
designada audiência preliminar, nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil. Tal regra
comporta exceções, conforme veremos adiante, pois o processo poderá ser “saneado” por
escrito.
No procedimento sumário, proposta a ação (inicial), é desde logo designada audiência
de conciliação2. Nesta, será apresentada a defesa (oralmente ou por escrito), e o autor, se
necessário, manifestar-se-á, passando o juiz à decisão das questões processuais, determinando
a prova pericial, se necessária, e designando audiência de instrução, debates e julgamento, se
houver prova oral a nela produzir-se. Caso estejam configuradas as hipóteses de apreciação
2 Não obstante Athos Gusmão CARNEIRO ( Audiência de instrução e julgamento e audiências
preliminares) a denomine também audiência preliminar, prefiro chamá-la simplesmente “audiência deconciliação”, por duas razões: a primeira, de ordem didática, para evitar confusão com a audiência prevista noart. 331 do Código de Processo Civil; a segunda, de ordem prática, porque o Código de Processo Civil adota adenominação “audiência de conciliação”, não outra.
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imediata do mérito (art. 330 do Código de Processo Civil) ou de extinção sem julgamento do
mérito (art. 329 do Código de Processo Civil), será proferida sentença.
Nem sempre foi assim, porém.
Não obstante a adoção parcial do princípio da oralidade3, no Código de Processo Civil
de 1939 não estava prevista nenhuma espécie de audiência preliminar. Saneado o processo,
por escrito, passava-se à audiência de instrução e julgamento4, cuja importância não
desaparecia nas causas em que a pretensão das partes se fundasse em prova exclusivamente
documental: nestes casos, a audiência servia para o debate oral da questão5.
A propósito, LIEBMAN considerava indispensável a audiência: “suprimir a audiência
é o mesmo que suprimir a oralidade, ainda mais no sistema construído pelo legislador
brasileiro, em que a única audiência é a de instrução e julgamento, destinada ao conhecimento
do mérito”6.
No Dicionário de Processo Civil , Eliézer ROSA já advertia que a audiência de
instrução e julgamento – por ele definida como “ato processual público, solene, substancial do
processo, presidido pelo juiz, onde se instrui, discute e decide a causa” 7 – não tinha tomado
no Brasil o sentido tão enaltecido pela doutrina. Pondera Athos Gusmão CARNEIRO que nas
antigas ações executivas não contestadas, bem como nas demandas baseadas em prova apenas
3 A Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1939, de fato, mencionava a adoção do sistemaoral. Entretanto, este não foi de fato seguido em sua pureza, pois as partes deduziam suas pretensões em petiçõesescritas, não sendo estas meros escritos preparatórios para o debate, como preconizaria um sistemasubstancialmente inspirado na oralidade.
4 Conforme os artigos de 294 a 296 do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei 1608 de18/09/1939).
5 A lição é de Athos Gusmão CARNEIRO, Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares, p. 5, citando Pedro Batista Martins.
6 Enrico Tullio LIEBMAN, Estudos sobre o processo civil brasileiro, citado por Athos GusmãoCARNEIRO, Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares, p.6. Observe-se que, não obstante
não tenha adotado o sistema da oralidade pura, o Código de Processo Civil de 1939 dele seguia as regras daimediação, da concentração e da identidade física do juiz.
7 Eliézer ROSA. Dicionário de Processo Civil, apud Athos Gusmão CARNEIRO, Audiência de instruçãoe julgamento e audiências preliminares.
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documental, as audiências ficavam reduzidas à simples formalidade de um debate oral
simbólico, contribuindo mais para a procrastinação do que para o aperfeiçoamento do
processo. Nesta esteira, Galeno LACERDA (em sua tese intitulada Despacho Saneador, de
1953), sustentou pioneiramente a possibilidade de um julgamento antecipado no momento do
despacho saneador, impugnando o posicionamento doutrinário de LIEBMAN.
O Código de Processo Civil de 1973 mitigou a importância dos debates orais no
procedimento ordinário, trazendo do magistério de Galeno LACERDA a inovação do
julgamento antecipado da lide. A princípio, nele não se previa nenhuma audiência preliminar
à audiência de instrução e julgamento, sendo regra o saneamento8 escrito, quando não fosse o
caso de julgar antecipadamente a lide9.
Em 1994, sob a influência das novas tendências do processo civil, foi introduzida no
processo civil brasileiro a “audiência de conciliação” (Lei 8.952, de 13.12.1994). Notável a
influência que os resultados conciliatórios favoráveis dos Juizados Informais de Conciliação e
dos Juizados de Pequenas Causas exerceram sobre a opção legislativa, originando até mesmo
certa imprecisão terminológica para a expressão “audiência de conciliação” que, em verdade,
na letra do art. 331 do Código de Processo Civil reformado em 1994, era bem mais do que
mera tentativa de conciliação. A inspiração para o instituto, ademais, liga-se ao Código de
Processo Civil Modelo10 para a América Latina, de onde foram trazidos diversos princípios
para a audiência preliminar.
8 A expressão “despacho saneador” é imprecisa, primeiramente porque de despacho não se trata, mas simde decisão interlocutória; depois, porque não saneia, mas declara saneado o processo, decidindo então acerca dos pontos controvertidos e das provas a produzir.
9 O art. 331 do Código de Processo Civil, na redação original, previa que: “Se não se verificar nenhumadas hipóteses previstas nas seções precedentes, o juiz, ao declarar saneado o processo: I - decidirá sobre arealização de exame pericial, nomeando o perito e facultando às partes a indicação dos respectivos assistentes
técnicos; II - designará audiência de instrução e julgamento, deferindo as provas que nela hão de produzir-se”.10 Trata-se não efetivamente de lei, mas de trabalho doutrinário orientador para legisladores latino-
americanos. O Código de Processo Civil do Uruguai é aquele que, atualmente, melhor espelha os ideais doCódigo Modelo.
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Com a Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, passou o Código de Processo Civil a
ter a seguinte redação:
Art. 331. Se não verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos disponíveis, o juiz designaráaudiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de trinta dias, à qualdeverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.
§1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes edeterminará as provas a serem produzidas, designando audiência deinstrução e julgamento, se necessário.
Esperava-se que a realização da audiência revolucionasse o processo, trazendo-lhe
efetividade e celeridade. As esperanças, entretanto, caminharam lado a lado com a resistência
à novidade.
Os juízes, sob a alegação de que tais audiências lhes atravancavam as pautas, evitavam
designá-las. Passado o primeiro momento, e sobrevindo o entendimento jurisprudencial de
que a falta da audiência não comportaria nulidade do processo11, muitos magistrados apenas
designavam audiência nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil sob expressa
requisição das partes, às vezes nem mesmo assim. O requisito da conciliação era suprido por
meio de uma proposta no início da audiência de instrução, debates e julgamento, conforme
previsão original do art. 448 do Código de Processo Civil, que não sofreu alteração com a
reforma. Talvez uma reação enérgica dos advogados, exigindo a designação de tais
audiências, pudesse ter mudado o curso dos acontecimentos, mas o fato é que estes tampouco
pareciam empenhados em dar a este momento a importância alardeada.
11 “Não importa nulidade do processo a não realização da audiência de conciliação, uma vez que a normacontida no art. 331, do CPC, visa dar maior agilidade ao processo e as partes podem transigir a qualquer momento”. Acórdãos anteriores à Lei 10.444/2002. REsp nº 252.400/AM; STJ; Min.José Arnaldo daFonseca; 13/9/2000; un.; REsp nº 242.322/SP; STJ; Min. Eduardo Ribeiro; 21/2/2000; un.
13
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Tais dados, que trago de minha experiência concreta, do contato com outros
magistrados no Estado de São Paulo, não é um sentir isolado. Luiz Rodrigues WAMBIER já
acusava tal comportamento em artigo publicado na Revista de Processo de outubro/dezembro
de 1995. Dizia ele:
Entre tais problemas há um, levantado por diversos Juízes de primeiro grau,que vêem nessa audiência mais um fator de entulhamento do Judiciário, namedida em que, segundo essa opinião, estaria assoberbando ainda mais a
pauta das Varas Cíveis. Segundo esse ponto de vista, além da tradicionalaudiência de instrução e julgamento, haveria mais uma audiência em cada
processo de conhecimento, “dobrando” a pauta destinada a essa atividade processual. 12
Os motivos das desilusões eram tantos. Talvez se esperasse, com efeito, que a
audiência de conciliação resultasse em número bem mais expressivo de acordos. Mas para
isso seria necessário que os juízes e os advogados, como atores constantes do processo civil,
estivessem preparados plenamente a conciliar, o que não correspondia (e não corresponde
ainda, como veremos adiante) à realidade. Tal despreparo refletiu-se, por outro lado, na
mecanicidade com a qual as audiências vinham sendo realizadas, quase como obrigação 13, por
imposição da letra do art. 331 do Código de Processo Civil, sem que se explorassem os
potenciais conciliatórios do ato e sem aproveitamento da audiência para a organização da
instrução que se seguiria, já que o encontro entre as partes, seus procuradores e o juiz da causa
estaria a permitir uma prévia discussão acerca dos pontos controvertidos e das provas úteis
para a resolução do mérito.
Existia, portanto, anseio generalizado pela reforma do estatuto, desobrigando os juízes
de designar o ato.
12 Luiz Rodrigues WAMBIER. A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), p. 31.13 Interessante o depoimento de um processualista e juiz, Cleanto Guimarães Siqueira, citado por
BARBOSA MOREIRA (Vicissitudes da audiência preliminar, p. 149): “os acordos não surgiam; as agendasnaufragavam ao peso das centenas de audiências designadas, e os juízes se estonteavam ante aqueles atos que serevelavam cansativos, frustrantes e enfadonhos, não raro se estendendo para além do expediente normal”.
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Outras imperfeições havia, de fato.
A primeira delas referia-se à denominação da audiência, cuja finalidade não era, por
óbvio, apenas conciliar. A segunda residia na disponibilidade dos direitos em questão, pois,
muitas vezes, os direitos ditos “indisponíveis” estão entre aqueles que admitem maior número
de composições, como podem bem aferir aqueles que militam na área do Direito de Família.
Nesta seara, aliás, freqüentemente a única solução que pacifica é a autocomposição: em
alimentos, em guarda, em separação. Tanto assim que Cândido Rangel DINAMARCO 14
sustentava fervorosamente a obrigatoriedade do ato não apenas para as causas em que se
discutiam direitos disponíveis. Como já se disse, porém, não só não prevaleceu tal
entendimento, mas sequer no caso de direitos ditos disponíveis vingou a tese da
obrigatoriedade de designação da audiência.
Por fim, até mesmo os defensores mais ardorosos da audiência e da composição
reconheciam que havia certas situações que simplesmente não justificavam a adoção da
audiência de conciliação.
A disciplina instituída pela redação de 1994, ademais, não dizia como procederia o
juiz na hipótese de não caber a audiência, visto que indisponível o direito; na prática,
continuou-se a observar a técnica escrita. 15
Sobreveio então, com a Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, a alteração do texto de
lei. O art. 331 do Código de Processo Civil passou a vigorar nestes termos:
Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes eversar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designaráaudiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 dias, para a qual serão as
partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
14 Instituições de Direito Processual Civil , v. III, p. 558.15 José Carlos BARBOSA MOREIRA. Vicissitudes da audiência preliminar.
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§1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes edeterminará as provas a serem produzidas, designando audiência deinstrução e julgamento, se necessário.
§3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias dacausa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo,sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do §2º.
Como assinala Fredie DIDIER JÚNIOR 16, algumas imperfeições foram corrigidas,
enquanto outras permaneceram. O texto mudou a expressão “direitos indisponíveis” para
“direitos que admitam transação”; a rigor da letra do art. 841 do Código Civil de 2002, a
transação apenas seria possível em relação a direitos patrimoniais de caráter privado. Melhor
seria, portanto, que a menção do caput fosse a direitos que admitem conciliação, pois há
inúmeros exemplos de questões que envolvem direitos não patrimoniais e interesses
indisponíveis que, entretanto, admitem composição entre as partes, tais como anulação de
casamento, alimentos, declarações de paternidade, entre outras.
Também permaneceu a imprecisão referente às “questões processuais pendentes”,
pois, se cumpridos rigorosamente os artigos 329 e 330 do Código de Processo Civil, não
deveriam restar para este ato questões processuais a decidir. Entretanto, vê-se que há questões
que merecem prévio contato com as partes para que se possa decidir acerca da persistência ou
não de determinado vício processual – ou sobre a procedência ou improcedência de certas
impugnações (por exemplo, quando for discutida a competência territorial e o domicílio da
parte não estiver precisado) –, o que justifica a dicção do §2º do art. 331 do Código de
Processo Civil.
16 Cf. Curso de direito processual civil, v.1, p. 477.
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Merece ainda realce a ausência de menção, no texto de lei, acerca da obrigatoriedade
da designação nos casos que não se enquadrassem no §3º do dispositivo. DIDIER conclui que
a questão seria resolvida no plano das nulidades e que, não havendo prejuízo, não haveria
nulidade a declarar. Diante, entretanto, da amplitude do §3º, deixou-se à discricionariedade17
do juiz definir quais os casos em que se vislumbra probabilidade de transação concreta.
Eu definiria assustador, porém, o entusiasmo com que foi recebida a alteração por
alguns magistrados. Festejavam o fato de, finalmente, terem-se visto livres da obrigação de
designar tal audiência. Viam improbabilidade de composição em cada dobra do processo. A
audiência preliminar, como passou a chamar-se, perdeu força ainda e passou a ser quase
indicativo de uma opção pessoal do magistrado. Assim, em varas com distribuições muito
semelhantes, algumas tinham número considerável de audiências nos termos do art. 331 do
Código de Processo Civil, enquanto outras não tinham nenhuma audiência designada nestes
termos. Tamanha discrepância dá idéia de como se passou a, arbitrariamente, designar ou não
as audiências preliminares de acordo com a orientação pragmática de cada magistrado.
Preanunciam-se, agora, novas alterações no texto do art. 331 do Código de Processo
Civil. De fato, temos assistido, nos últimos dois anos, a uma saraivada de alterações em
processo civil e, na esteira destas, viria a nova redação do referido artigo, para ressuscitar este
momento processual e resgatar o espírito de composição.
17 BEDAQUE (em Discricionariedade judicial) sustenta que não haja espaço para a discricionariedade judicial, pois o juiz não age de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, mesmo quando tem eleampla margem para a interpretação da lei. Ouso divergir, neste ponto específico, de meu grande mestre, pois pelo menos em termos de procedimento – e o §3º do art. 331 é um excelente exemplo –, ao juiz é dado fazer
adaptações procedimentais que se baseiam justamente em conveniência e oportunidade, e não na interpretaçãolata da lei. José Carlos BARBOSA MOREIRA sustentava que não havia discricionariedade, pois incumbiria ao juiz justificar a opção por não designar a audiência preliminar, indicando as causas pelas quais entendeimprovável a composição.
17
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Sobre as propostas de alteração legislativa discorrerei mais tarde. Cumpre agora fazer
referência às audiências previstas no art. 277 do Código de Processo Civil (procedimento
sumário), a fim de melhor situar o leitor.
O Código de Processo Civil de 1939 não dispunha de um rito diferenciado, para maior
celeridade. Havia nele previsto o rito ordinário e diversos procedimentos especiais, mas não
um procedimento “acelerado”. Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, surgiu o
procedimento “sumaríssimo”, com abreviação substancial do iter processual. Prescrevia-se,
em origem, que ao receber a inicial o juiz designasse, desde logo, audiência de instrução e
julgamento, à semelhança do que hoje vem disposto na Lei 9.099/95. Na solenidade, o réu
deveria responder. Após a resposta, era proposta a composição e, se não obtida, passava-se
desde logo à colheita da prova oral. Os atos eram, portanto, muito concentrados.
Na primeira onda de reformas do Código de Processo Civil, o procedimento sofreu
substancial alteração, conforme a Lei 9.245, de 26 de dezembro de 1995. Além da alteração
da denominação do procedimento – que passou a ser chamado de procedimento sumário – e
da melhor sistematização dos casos em que poderia ser adotado (art. 275 do Código de
Processo Civil), o rito passou a ter uma audiência de conciliação cuja abertura prevê,
exatamente, a proposta de composição. Infrutífera que seja esta, é dada ao defensor do réu a
palavra para oferecer resposta, e, se necessário, o juiz designa audiência de instrução, debates
e julgamento.
A dualidade de audiências foi uma inovação trazida pela Reforma doCódigo de Processo Civil , a qual oficializou uma prática distorcida quevinha dos tempos do antigo procedimento sumaríssimo. Pelo que dispõe o§2º do art. 278, a audiência de instrução e julgamento deverá ser realizadasempre que (a) não haja ocorrido o efeito da revelia, (b) não se tenha obtidoa conciliação dos litigantes, (c) não seja o caso de extinção anômala do
processo (art. 329) e (d) não haja nos autos prova suficiente para o
julgamento do mérito. A implantação dessa segunda audiência, posto queaderente a uma prática que vinha grassando antes da Reforma, é um golpedesferido contra o postulado da concentração dos atos do procedimento, que
18
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constitui corolário do princípio da oralidade e que representa o núcleo da própria idéia de instituir no país um procedimento que se diz sumário. 18
As modificações empreendidas entre 1994 e 1995, como bem se vê, visaram
primordialmente à composição das partes. Observe-se que foi ainda introduzido o inciso IV
do art. 125 do Código de Processo Civil, que impõe ao juiz a tentativa de conciliar as partes a
qualquer tempo. Some-se a isto a introdução sistemática dos Juizados Especiais Cíveis, que
consagraram procedimento de grande concentração, primordialmente com intuito de
conciliação, fundado abertamente na oralidade e herdeiro de parte das práticas do antigo
procedimento sumaríssimo, com as alterações advindas da experiência frutífera dos Juizados
de Conciliação e de Pequenas Causas.
A alteração no procedimento sumário, entretanto, sofreu resistência assemelhada
àquela que se descreveu em relação ao art. 331 do Código de Processo Civil. A introdução de
mais uma audiência pareceu, a alguns juízes, um grande estorvo. Não sendo possível deixar
de designá-la, pois nela seria oferecida a resposta, a solução processual encontrada por vários
juízes consistiu na conversão, de ofício, do procedimento sumário em ordinário,
determinando-se a citação para responder em 15 dias ao invés de designar-se a audiência
prevista no art. 277 do Código de Processo Civil. Neste caos, não se desnaturou o
procedimento: ele apenas caiu em desuso.
Atualmente, com a possibilidade aberta pelo §3º do art. 331 do Código de Processo
Civil, sustenta parte da doutrina que o rito ordinário, em verdade, não é uno, compreendendo
dois procedimentos distintos: um com audiência preliminar; outro com saneador escrito.
Curiosamente, uma das propostas de alteração da disciplina da audiência preliminar
prevê a sua designação logo ao início do processo (Projeto de Lei n º 7.499, de 2002), o que,
18 Cândido Rangel DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, v. III, p. 711.
19
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de certa maneira, assemelharia os procedimentos sumário e ordinário, ora existentes. A
tendência à simplificação dos procedimentos, fortemente sentida no Código de Processo Civil
Modelo para a América Latina, apontaria para verdadeira unificação.
20
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CAPÍTULO II
A MOROSIDADE DA JUSTIÇA EM ASPECTOS NÃO PROCESSUAIS
A guiar-se pelo que correntemente se veicula, o leigo deve acreditar que o legislador
seja absolutamente incapaz de redigir um corpo de normas suficientemente bom para garantir
o andamento dos processos; que os juízes trabalhem poucas horas por dia e poucos dias por
ano; enfim, que melhorando o Código de Processo Civil e controlando juízes e procuradores
das partes é que teríamos garantida a celeridade processual almejada.
A propaganda ideológica está evidentemente endereçada a este escopo. A realidade,
entretanto, tem muros bem mais altos e mais difíceis de transpor e o estudioso sério das
causas da morosidade não se atreveria a ser leviano a ponto de atribuir a lentidão da
tramitação dos processos àqueles fatores, quer porque distorcidos, quer porque insuficientes
para a explicação do fenômeno.
É evidente que temos, sim, problemas de legislação, e que por vezes nosso legislador
se mostra menos hábil do que deveria. Mas deve-se observar que grande parte das alterações
processuais civis não foi obra do acaso e partiu não da iniciativa teórica de deputados e
senadores, mas sim de propostas de estudiosos sérios, da AMB e do Instituto Brasileiro de
Direito Processual, adotadas pelo legislador.
Quanto ao volume de trabalho desenvolvido por juízes, não posso falar pelo País, mas
pela realidade que conheço, a do Estado de São Paulo, que impõe duríssima rotina ao
magistrado em geral, dividido entre a pauta de audiências (a ponta do iceberg e, comumente,
21
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a única parte do trabalho que a imprensa toma em consideração), os despachos com os
advogados, o expediente diário de processos para decisões interlocutórias e os processos a
sentenciar, que invariavelmente invadem os finais de semana, as noites quietas e insones. Ao
contrário do que se divulgou recentemente nos meios de comunicação de massa, um juiz –
pelo menos na Justiça Comum do Estado de São Paulo – não pode trabalhar cento e oitenta
dias por ano, a menos que pretenda submergir nos autos que, acumulados, esperam decisão.
É preciso, pois, olhar com seriedade a crise. Para os partidários de que o problema seja
brasileiro, a recordação de que a morosidade da Justiça é um problema de proporções
mundiais, com raras exceções.
Uma das causas da lentidão dos processos é o excesso deles. E as causas do excesso de
processos são muitas e muito variadas.
Considero que litigamos pouco, e litigamos mal. Nos casos de direito do consumidor,
por exemplo, grande número de lides têm razões coletivas, mas os processos são individuais.
O individualismo reinante, a falta de informação e a dificuldade do operador médio do direito
para lidar com o processo coletivo deságuam em número enorme de processos, não obstante o
problema pudesse resolver-se uniformemente para todos. E “todos”, neste caso, seriam muitos
mais que aqueles que efetivamente se animam a ingressar com a ação judicial para ver
reconhecido seu direito individual. Deste modo, resolvemos número grande de processos
(lides repetitivas) para decidir uma questão uniforme (um único problema) e, contudo,
deixamos de fora da justiça um número considerável de consumidores.
Esta monografia não está centrada na morosidade da Justiça, mas entendo ser
imprescindível desmitificá-la para saber até que ponto as reformas processuais, que se
anunciam, podem ajudar e onde, efetivamente, serão inócuas. As audiências preliminares, por
22
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exemplo, não estão aparelhadas para a melhora dos processos coletivos nem se prestam
adequadamente à solução de lides repetitivas.
Outro fator de entulhamento do Judiciário é a falta de orientação jurídica. Quando a
Constituição Federal garante “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos” (art. 5º, inciso LXXIV), não limita a assistência ao processo
judicial. Falta aos necessitados assistência no momento de concluir contratos e, por vezes, a
situação de lide que surge não pode mais ser remediada por processo judicial, dada a
deficiência das cláusulas do contrato. A advocacia preventiva, por seu turno, é raridade. Quer
por falta de hábito (e a cultura de um povo não se muda por decreto), quer porque seu
exercício exige uma formação jurídica muito mais sólida do que aquela que a média das
instituições é capaz de fornecer, os problemas não são previstos e todas as questões são
deixadas para solução em juízo, em caso de desacordo.
Muitas faculdades de Direito dedicam-se a “treinar galos de briga”, profissionais
voltados para o duelo a priori, sem nenhum preparo para o consenso – que em verdade é o
cerne do Direito. Os bons profissionais do Direito, ao contrário, antes de conhecer processo
civil para resolver a patologia, estudam seriamente o direito material e suas implicações para a
vida19, buscando evitar o embate, sabendo planejar estrategicamente as relações, procurando o
consenso necessário à celebração dos contratos, conduzindo as tratativas com base na
conciliação quando surgirem as primeiras divergências, enfim, fazendo aquilo que podemos
chamar “profilaxia”, a fim de evitar que o mal se agrave a tal ponto que se torne necessário
intervir “cirurgicamente” – com processo.
19 Essa lição era repetida infinitas vezes pelo Prof. Fábio Konder COMPARATO em aulas de DireitoComercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Estou cada vez mais convencida de suaimportância vital para a correção dos rumos do ensino jurídico, não obstante o processo civil seja a minhaferramenta de trabalho imediata.
23
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O Direito, lembre-se, surge do consenso e é concebido para o consenso, para regrar
comportamentos evitando conflitos. Só quando o consenso falha e ocorre a lide é que
entramos na área contenciosa, que deveria ser evitada enquanto possível.
Que isso não se confunda com o desestímulo da luta pelos direitos. Estou apenas
recordando que o consenso é a regra e o desacordo é a anormalidade, de modo que devemos
envidar esforços a fim de programar as relações para que sejam harmoniosas.
Não se pode olvidar, ademais, que a sociedade massificada e individualista acabou
com as instituições de solução de conflito pré-processuais. Um problema entre marido e
mulher, antes resolvido pelo “conselho de família” ou pelo padre, hoje termina na sala de
audiências. Isso não significa que a solução laica seja pior: apenas quero demonstrar que há
hoje lacuna na solução destes conflitos (que quase nunca são efetivamente jurídicos, tais
como separação, guarda de filhos, alimentos, brigas entre vizinhos) e que o Judiciário foi
eleito como instituição substitutiva, nem sempre desempenhando a contento essa função, para
a qual não foi preparado20.
Para além do excesso de processos, reclama-se do excesso de recursos possíveis, com
certa razão, a meu ver, e neste ponto se poderia melhorar o sistema processual. Mas a
interposição dos recursos não é apenas questão de possibilidade: é também de hábito, é
questão cultural.
Obviamente a morosidade é capaz de se retroalimentar. Assim, um grande número de
causas acarreta lentidão do sistema, e, por seu turno, a lentidão do sistema estimula as pessoas
menos comprometidas com a lei a não honrar obrigações, confiantes que estão de que passará
ainda muito tempo até que sejam chamadas a cumpri-las.
20 Durante visita correcional à Delegacia da Mulher de Itapeva, no ano de 2002, ouvi da Delegadaresponsável que grande parte das mulheres que se dirigiam àquele órgão não queria processar criminalmente osmaridos e companheiros, mas queria, sim, que eles fossem chamados a consenso ou advertidos da inadequaçãode determinada conduta, o que obviamente não estaria dentro das competências da Justiça Criminal.
24
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Para arrematar esta digressão, lembro que há, efetivamente, pouco investimento em
Justiça. Estima-se que o processo passe 70% de seu tempo em “trâmites cartorários”21; um
sério investimento na estrutura do Judiciário, portanto, propiciaria sensível melhora na
tramitação. No Estado do Rio de Janeiro, onde a autonomia financeira do Judiciário foi levada
a cabo, as melhorias se fizeram sentir muito rapidamente. A este propósito, MONTIGELLI
ZANFERDINI aponta a opção dos detentores do poder como causa fundamental da lentidão
da Justiça:
Ora, estando a arrecadação de tributos afeta ao executivo, compete-lhetransferir para os demais poderes da República os recursos necessários parao seu bom funcionamento. Todavia, no Brasil, o Executivo e o Legislativovetam, ao seu próprio talante, e segundo seus interesses (quase sempre
políticos) as verbas destinadas ao Poder Judiciário ou, ainda, o executivo nãofaz o devido repasse. Com isso, o Judiciário vem enfrentando séria crisefinanceira, impossibilitado de estrutura-se para cumprir adequadamente suafunção.
Adverte LUIZ GUILHERME MARINONI que a morosidade processualestrangula direitos dos cidadãos e que, por vezes, “é opção dos própriosdetentores do poder”.
(...)
HAZARD, citado por VINCENZO VIGORITTI, afirma que o problema dademora não é apenas técnico e estrutural, sendo, sobretudo, político e social.O Estado, aduz, a quem cabe assegurar a eficiência da administração da
justiça, não tem interesse em fazê-lo. A demora e o custo do processoservem como filtros, buscando reduzir a demanda judicial.
Conclui: “a excessiva duração dos prazos, longe de ser um mero acaso, éexpressão desta escolha”.
(...)
É preciso consignar: aos juízes não interessa a morosidade da justiça e asinvestidas feitas ao Poder Judiciário, que passou a ser a “bola da vez” e estásempre na mídia, alvo de inúmeros ataques, muitos deles sem qualquer fundamento, são feitas, acreditamos, com o único propósito de denegrir suaimagem e torná-lo apático, que não incomode os demais22.
21 Conforme Dr. Claudemir José Ceolin Missagia, em palestra sobre a audiência preliminar, citando AnaAmélia Lopes, em uma de suas colunas no jornal Zero Hora, disponível em
http:/www.tj.rs.gov.br/institu/qualidade/palestras_mostra/25Dr.Clademir%20Jose%20Ceolin%20Missagiadef.doc.
22 Flávia de Almeida MONTIGELLI-ZANFERDINI. Prazo razoável – direito à prestação jurisdicionalsem dilações indevidas, p. 25-26.
25
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Concluo, pois, que às alterações da legislação processual deva ser dada a devida
importância, não mais do que isso: essas, conjuntamente com os esforços conciliatórios,
podem ser úteis para diminuir a duração dos processos, mas não acredito que sejam
suficientes. O que se propõe neste trabalho não é a solução da morosidade, mas sim uma
contribuição, por meio de mecanismos processuais de concentração e conciliação, para a
melhor solução da lide e para correta pacificação social.
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CAPÍTULO III:
CONCILIAÇÃO E ACELERAÇÃO DO PROCESSO
Os magistrados costumam identificar a crise da Justiça com o excesso de trabalho a
seu cargo. Trata-se de visão míope que, infelizmente, transforma muitos juízes em
verdadeiros “extintores de processos”, que medem a eficácia de sua atuação pelo número de
sentenças prolatadas no final de determinado espaço de tempo. O critério – parcial e
anacrônico – não considera que acabar com um processo não significa acabar com o problema
existente entre as partes; ademais, persistindo o problema, outros processos virão. Não
considera, também, que o juiz não é o melhor termômetro da duração do processo, já que o
maior percentual de tramitação se refere não à espera de decisões, mas à espera de
cumprimento de atos cartorários. De fato, dobrar o número de juízes, mantendo estáveis os
demais elementos, não comportaria aceleração substancial do processo, pois os cartórios não
poderiam dar cumprimento ao dobro de decisões, já que não trabalham com capacidade
ociosa.
Processo extinto sem julgamento do mérito não difere, em estatísticas formais, de
processo extinto por acordo entre as partes. Em termos sociológicos, entretanto, as diferenças
são substanciais. A conciliação, em regra, elimina a raiz do problema e não apenas o processo.
Trata-se de uma diferença tão substancial quanto a que há entre tomar um analgésico e tomar
um antibiótico. O primeiro trata o sintoma, o segundo cura o mal. O processo extinto em
função da existência de vícios processuais irá quase fatalmente se degenerar em outro
27
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processo, quando não em vários outros processos, enquanto o acordo é capaz, muitas vezes,
de acabar com o foco dos problemas.
A título ilustrativo, parece-me interessante citar o seguinte caso: o autor ingressou com
ação de reintegração de posse em face da requerida, alegando que esta teria, sem qualquer
justificativa, invadido seu imóvel. A requerida (ocupante do imóvel) não contestou, mas
houve intervenção de sua mãe, dizendo que sua filha era parte ilegítima, pois o imóvel teria
sido alugado a ela mesma (mãe da requerida) pelo irmão do autor. Convocada audiência de
conciliação, compareceram todos. O autor acabou reconhecendo a legitimidade do irmão para
locar o imóvel, validando o contrato entre as partes, e a mãe da requerida comprometeu-se a
providenciar a desocupação o imóvel – de lá retirando a filha, que, embora maior, era incapaz,
e cujo companheiro não mais pagava os aluguéis – em prazo exíguo, o que foi religiosamente
cumprido. Com todo o rigor da técnica, tratava-se de processo que, sem a utilização da via
conciliatória, estaria fadado a não apreciar o verdadeiro problema e produziria, quiçá, uma
ação de despejo por falta de pagamentos, uma prestação de contas entre irmãos e uma gama
inimaginável de recursos derivados.
As audiências preliminares são de utilidade ímpar no reconhecimento do problema que
deu origem à lide manifestada em juízo. Aquele que queira conduzir com êxito as
aproximações entre as partes deve, em primeiro lugar, desenvolver a capacidade de identificar
a origem da resistência à pretensão. Em muitíssimas vezes, a pretensão é apenas um pálido
reflexo do problema que estará a exigir pacificação social. Identificado o problema, a
composição torna-se mais fácil e, se esta for inviável, o caminho para a instrução ficará muito
mais claro. Para isto, entretanto, a estereotipada fórmula “há possibilidade de composição?” é
inócua. Veremos, adiante, como a postura ativa do juiz e o diálogo são importantes para dar
sentido verdadeiro à audiência.
28
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A conciliação como solução dos conflitos gera, deste modo, impactos globais sobre o
Judiciário. Não apenas tem a utilidade imediata de facultar a remessa para o arquivo de um
processo que deveria ser sentenciado, mas abrevia o cumprimento da decisão e evita a
proliferação de novos conflitos. Desta forma, o raciocínio vulgar do “menos um processo”
demonstra-se pessimista. Ao solucionar precocemente o impasse pela via conciliatória,
consegue-se um processo a menos para julgar na fase de conhecimento, um cumprimento de
sentença (com todos os consectários) com menor resistência, e evitam-se processos conexos
em potencial.
Tal espírito conciliatório norteou a reforma de 1994. Note-se que, além da introdução
de “audiências preliminares” nos ritos ordinário e sumário, o legislador introduziu o inciso
IV do art. 125 do Código de Processo Civil, dando ao juiz ampla margem de
discricionariedade para promover o encontro das partes em qualquer momento do processo.
Ademais, não alterou a dicção do art. 448 do Código de Processo Civil, tornando necessária a
proposta de composição novamente, na abertura da audiência de instrução e julgamento, se
esta vier a realizar-se.
O critério a ser usado pelo juiz, ao avaliar a conveniência da designação da audiência
de conciliação (o que lhe é permitido nos casos de audiência preliminar pela atual redação do
§3º do art. 331 do Código de Processo Civil), deve ser não o da economia do seu tempo, mas
o da economia possível dos tempos do processo. Não deve o magistrado calcular, por
conseguinte, que valha a pena designar audiência de conciliação porque dispensará menos
tempo a obter um acordo provável do que a instruir e sentenciar o processo, pondo em pauta
apenas aqueles casos em que o êxito do acordo é quase evidente. Deve ele calcular se há
alguma possibilidade de composição, ainda que remota, e neste caso deve convocar a
audiência preliminar, pois isto poderá abreviar enormemente os tempos futuros daquele
29
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processo (instrução, recursos, cumprimento de sentença), proporcionando, ademais,
pacificação social mais efetiva.
A desculpa de que as pautas de audiência são extensas, a meu ver, não vinga. Hoje,
podemos servir-nos de conciliadores – o que proporei mais adiante –, e, se somos poucos
juízes para o trabalho a desenvolver, isto significa que outros devam ser concursados e não
que devamos dar à lide, por isso, solução menos efetiva. Em medicina, não é ético deixar de
ministrar o tratamento porque a possibilidade de cura é inferior a 50%, mesmo que o
tratamento seja dispendioso. Acredito que uma interpretação ética do §3º do art. 331 do
Código de Processo Civil esteja apenas a indicar ao magistrado que a audiência não precisa
ser designada naqueles casos em que fatalmente será inócua a proposta de composição23, ou
seja, naqueles casos em que o tratamento, já reconhecidamente, não leva jamais à cura.
Uma das grandes frustrações dos operadores do Direito com relação às audiências
preliminares, como já tangenciei em itens anteriores, foi o baixo índice de acordos. Não sei
exatamente quais eram as expectativas, mas um estudo realizado por Fernando da Fonseca
GAJARDONI identificou, em 2001, que 28,9% dos processos levados à conciliação na fase
do art. 331 do Código de Processo Civil resultavam em composições frutíferas, na Justiça
Estadual Paulista, o que foi considerado pelo autor “muito pouco”.24
O método utilizado por GAJARDONI, embora fosse o único disponível para aferição
de resultados naquela ocasião (a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo ainda não
sistematizava dados acerca das conciliações realizadas na fase), era marcadamente impreciso,
pois dependia de dados fornecidos por magistrados que responderam voluntariamente aos
23 Diz DINAMARCO: “ Evidenciar uma probabilidade é uma contradição em termos, porque evidência é
a clareza de uma situação e probabilidade nada mais é que uma possibilidade potenciada.” ( Instituições de Direito Processual Civil , v. III, p. 559).
24 Fernando da Fonseca GAJARDONI. Breve análise estatística de alguns pontos da 1ª fase das reformas processuais civis no âmbito da justiça estadual paulista.
30
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questionários enviados por correio, o que torna a amostra muito heterogênea para fins
estatísticos.
Recentemente, repeti, em grandes linhas, a experiência feita pelo estudioso, a fim de
comparar o resultado obtido com os dados estatísticos de que a Corregedoria, atualmente,
dispõe. Utilizei como ferramenta de consulta nosso e-mail institucional (sou juíza estadual em
São Paulo), que proporcionaria uma resposta fácil e rápida, sem demasiado trabalho prático
para os juízes. O índice de respostas foi baixíssimo, cerca de 1,3 % dos magistrados atuantes
em varas de competência cível na Justiça Estadual em São Paulo. Comparando os dados
obtidos voluntariamente com os dados estatísticos colhidos pela Corregedoria Geral da Justiça
de São Paulo, observa-se desvio significativo, o que evidencia a imprecisão do método de
respostas voluntárias; os colegas que responderam à pesquisa – e nela se mostraram
interessados – estão nitidamente propensos a conciliar (isto talvez os tenha animado a
colaborar para a pesquisa), o que não é característica média ou homogênea.
De acordo com o estudo das planilhas da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo
(vide anexos), o índice de acordos em audiências preliminares (art. 331 do Código de
Processo Civil) foi de 22,16% no ano de 2007, para varas de competências cível, de família e
cumulativa, tomadas em seu conjunto. O índice de composição é muito superior nas varas de
competência específica na área de família (48,88%), significativamente inferior nas varas de
competência exclusivamente cível (i.e., sem competência de família: 15,24%) e ponderado
naquelas que cumulam as competências cível e de família (23,68%). Nas outras audiências de
conciliação (campo da planilha que deveria englobar as audiências do art. 277 do Código de
Processo Civil e outras audiências de conciliação, nos termos do art. 125, inciso IV, do
Código de Processo Civil) o percentual de solução consensual foi de 44,42 % para o conjunto
das varas.
31
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Tomadas globalmente todas as audiências de conciliação (artigos 125, IV, 277 e 331
do Código de Processo Civil), temos percentual de 39,10% das audiências terminadas em
acordo. Dizer que tais percentuais sejam satisfatórios ou insatisfatórios depende,
evidentemente, das expectativas. A mim parecem bastante satisfatórios. O que não se pode
negar é que, como fruto dessas audiências, 114.585 processos que estavam em curso foram
solucionados por acordo, em 2007 (15.524 deles após audiência preliminar nos termos do art.
331 do Código de Processo Civil), sendo que o número de distribuições, no mesmo período,
foi de 2.194.11725 (para as competências citadas).
A análise das planilhas de dados revela outros aspectos interessantes.
Nas varas de competência exclusivamente cível (excetuadas, portanto, as varas
cumulativas e as varas de família), onde, por via de regra, apenas direitos disponíveis estão
em jogo, o percentual de acordos é significativamente menor. Isso indica, efetivamente, a
necessidade de estender a conciliação para aqueles casos em que os direitos são
tradicionalmente considerados “indisponíveis”, mas admitem ampla gama conciliatória.
Considerado o cálculo que o juiz deveria fazer acerca da probabilidade de conciliação
para decidir sobre a designação de audiências preliminares (§3º do art. 331 do Código de
Processo Civil), esperar-se-ia que, quanto maior o número de audiências designadas, menor o
percentual de acordos obtidos, pois a “seleção” dos processos deveria ter sido menos
acurada26. Não é o que indica o estudo comparativo dos dados que elaborei.
Metodologicamente, eu não poderia comparar realidades desiguais. Assim, para o
estudo comparado das varas, selecionei varas de idêntica competência funcional e idêntica
25 Dado fornecido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.26 Esta também era a expectativa de GAJARDONI: “Acreditamos que, com a mudança, a tendência é uma
elevação no número de acordos obtidos na audiência preliminar, natural diante da exclusão, nos cálculos, devárias causas cuja autocomposição era improvável, mas que, mesmo assim, tiveram audiências realizadas”.Breve análise estatística de alguns pontos da 1ª fase das reformas processuais civis no âmbito da justiça estadual paulista.
32
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competência territorial, pressupondo uma distribuição de feitos praticamente homogênea27. O
que se nota é que as varas com maior número de feitos levados à pauta das audiências
preliminares não necessariamente obtêm percentual menor de acordos28 do que as varas com
um rol “seleto” de processos na mesma situação. Por vezes, ao contrário, os percentuais de
composição são superiores ao índice médio da comarca. Em suma, a distribuição dos
percentuais de composição depende não diretamente do número de audiências realizadas, mas
de um conjunto de fatores que os dados coletados, por si sós, não permitem revelar (maior ou
menor habilidade do agente conciliador, leigo ou juiz, por exemplo).
Vale dizer que, geralmente, o percentual de acordos nas varas que realizam mais
audiências é efetivamente maior se calculado em relação ao número de processos
distribuídos. Seria falacioso, consequentemente, dizer que o que efetivamente importa
seja o percentual de audiências que terminam em acordos. Tomemos duas varas
hipotéticas com distribuição mensal de cem processos, na mesma comarca. Uma delas tem
designadas apenas duas audiências e consegue obter um acordo. Obteve 50% de audiências
com acordos. A outra designa oitenta audiências e obtém vinte acordos; logo, apenas 25% de
audiências com acordos. No entanto, a primeira vara encerrou apenas 1% dos processos pela
via conciliatória, enquanto a segunda encerrou 20% da mesma forma, com todas as vantagens
da conciliação já anteriormente ponderadas29.
27 Para os que desconhecem os critérios de distribuição de processos entre varas de mesma competência,esclareço que não garantem idêntico número de processos para cada vara, pois há um sistema de pesos em razãoda suposta complexidade do procedimento, embora haja uma homogeneidade bastante segura na distribuição, para fins estatísticos. Para melhor compreensão dos critérios, remeto à leitura das Normas de Serviço daCorregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
28 Utilizei, para este estudo comparativo, os dados das varas cíveis do Foro Central da Capital, dasComarcas de Campinas (Central), Ribeirão Preto, Santos, Guarulhos, Franca e Araraquara, conforme tabelas queseguem nos anexos. A escolha se deu entre os locais que propiciavam número razoável de varas a comparar e,dentre esses, foi aleatória.
29 A utilização e o tratamento dos dados estatísticos devem estar sempre balizados por critériosinstrumentais; dados estatísticos parecem sempre excelente argumento mas, isolados de uma rigorosainterpretação, são uma poderosa arma de falácia. A propósito, consulte-se a obra de HUFF e GEIS, How to liewith statistics.
33
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Optei por tratar comparativamente os dados das audiências do art. 331 do Código de
Processo Civil porque, pelas planilhas fornecidas pela Corregedoria, é possível definir
especificamente esse ato processual. As audiências do art. 277 do Código de Processo Civil,
por seu turno, são computadas juntamente com as demais audiências de conciliação (campo
“outras audiências de conciliação”), não sendo possível isolá-las. Ainda considerei que,
tecnicamente, não haveria possibilidade de optar pela não designação da audiência nos termos
do art. 277 do Código de Processo Civil, de modo que as variações entre as varas, se
apuradas, apenas poderiam decorrer de variações na distribuição (o que deveria ser
irrelevante, em função da homogeneidade das distribuições). Adiante, porém, analisarei a
prática da “conversão de rito”, muitas vezes adotada no Estado de São Paulo.
Em síntese, parece-me que o percentual de conciliações obtidas (número de
acordos/número de audiências) é bastante estimulante e que o aumento do número de
audiências não implicaria a realização de maior percentual de atos “inúteis”, pois os dados
estatísticos demonstram que a “seleção” de menor número de processos para audiências de
conciliação não tem influência decisiva no aumento do percentual de acordos obtidos.
Ademais, o aumento do número de audiências de conciliação provocaria um aumento do
número efetivo de acordos obtidos e, conseqüentemente, elevaria o percentual de acordos
sobre o número de processos distribuídos.
Levado em conta que a conciliação é o melhor meio de abreviar o processo e de atingir
verdadeiramente a pacificação da lide (pacificação social pela eliminação das causas reais da
lide), os custos da realização da audiência (tempo do juiz e da tramitação) não justificam a
limitação do número de atos de conciliação por meio da simples seleção dos processos “mais
viáveis”.
34
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De vital importância notar que o estudo dos dados coligidos demonstrou que, ao
contrário do que preconizava BARBOSA MOREIRA 30, é a discricionariedade – e não a boa
escolha dos processos “viáveis” – que vem pautando a opção do magistrado pela designação
das audiências de conciliação, opção raramente justificada no “despacho saneador”, como
havia imaginado o processualista. Assim, com mais razão Ernane Fidélis dos Santos, por ele
citado no texto mencionado31.
30 José Carlos BARBOSA MOREIRA, Vicissitudes da audiência preliminar, p. 147.31 Ernane FIDÉLIS DOS SANTOS, Manual de Direito Processual Civil, v. 1, apud José Carlos
BARBOSA MOREIRA, Vicissitudes da audiência preliminar, p. 147.
35
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CAPÍTULO IV
SANEADOR ESCRITO versus AUDIÊNCIA PRELIMINAR
A posição adotada no capítulo anterior é inequívoca: quanto mais conciliações se
obtêm, melhor será para a pacificação social, e as audiências preliminares são um excelente e
eficaz meio de obter conciliações, de modo que todos os esforços possíveis devem ser
investidos, não sendo suficiente a justificativa de que mais audiências tomem mais tempo na
pauta do juiz.
Outra objeção se levanta constantemente, entretanto, contra a designação das
audiências preliminares: sustenta-se que ocorreria um alongamento do tempo de tramitação
do processo em caso de falência das propostas de acordo.
Tal conclusão é fruto, contudo, de interpretação restritiva do alcance da audiência
preliminar. Como já ressaltava DINAMARCO:
Infelizmente, há juízes que não se aperceberam da importância da inovaçãotrazida pelo novo art. 331 do Código de Processo Civil. Alguns sequer seaperceberam de que houve uma inovação e prosseguem saneando o processomediante ato escrito, fora da audiência, como se nada houvesse acontecidoem 1994 ( Reforma do Código de Processo Civil ). 32
32 Instituições de Direito Processual Civil , v. III, p. 559.
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A audiência preliminar não visa, pois, exclusivamente a tentativa de composição,
como bem sintetizou Luiz Rodrigues WAMBIER:
Na realidade, a nova audiência do art. 331 é uma oportunidade criada pelolegislador para que o juiz possa, antes da audiência de instrução e
julgamento, se não houver conciliação, organizar o feito, de molde a evitar discussões desnecessárias, na fase de produção das provas orais, quefrequentemente implicam a protelação do julgamento do processo deconhecimento.
Além disso, a audiência preliminar objetiva proporcionar um contacto maisdireto do Juiz com as partes e seus procuradores, exatamente na delicadafase do saneamento, em que, com a verificação da ausência de vícios
processuais relevantes, ou com sua correção, se definem os limites dentro
dos quais deve permanecer a discussão no processo, mediante a fixação dos pontos controvertidos33.
Uma vez bem entendidas essas finalidades, não persiste nenhuma razão para
considerar inútil a designação. Ou bem se obtém a conciliação, ou bem se colhe a ocasião
para, com a participação das partes e dos advogados, pôr o processo em bom rumo para a
instrução e julgamento, de onde decorre a utilidade da solenidade.
A audiência preliminar permite extraordinária concentração de atos; por isso, entendo
que deva ser realizada sempre que possível. Analisemos a situação reversa, do “saneamento”
por escrito.
Primeiramente, cumprirá ao juiz determinar às partes que especifiquem provas.
Embora as partes, a rigor de lei, devam indicar as provas que pretendem produzir na inicial
(art. 282, VI, do Código de Processo Civil) e na contestação (art. 300 do mesmo diploma)34, é
certo que a delimitação da prova necessária e útil apenas é possível após a estabilização da
lide, quando se sabe quais fatos permanecem controversos e dependem de prova. Tanto assim
o é que nas iniciais de procedimentos ordinários sempre se postula genericamente pela
33 Luiz Rodrigues WAMBIER. A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), p. 31.34 No formulário a que os magistrados responderam, era-lhes indagado quando determinavam a
especificação de provas. Mais de um objetou, alegando que a especificação de provas não deve ser determinada, porque há previsão legal de constar da inicial e da contestação.
37
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produção de “todas as provas em direito admitidas”, o que nada diz. Imagine-se que o
requerido não negue os fatos constitutivos do direito do autor: de que servia a postulação de
provas da inicial? Eis o motivo para as partes especificarem as provas que pretendem produzir
após a réplica (quando esta for necessária), entendendo DINAMARCO35 que a não-
especificação e não-justificação, neste momento – com indicação de quais os pontos de fato a
demonstrar mediante cada um dos meios de prova – implica a perda do direito à prova36. De
lege ferenda, o ideal seria mesmo que as partes especificassem as provas apenas no momento
anterior ao saneador, quando já podem ter boa noção do que ainda deve ser provado,
evitando-se a fórmula vazia que se repete nas petições iniciais e nas contestações, sem ligação
com o caso concreto.
Dada a determinação por escrito, deverão os autos ser baixados em cartório para a
intimação das partes pelo Diário Oficial, com a remessa e a certidão da publicação. Aguarda-
se pelo prazo de 5 dias (ou dez dias, como vem sendo deferido por vários juízos) que as partes
peticionem e, então, mais trinta dias, em média, para que se tenha segurança de que as
petições protocolizadas pelo sistema integrado tenham efetivamente chegado ao destino
final37. Caso uma das partes não tenha peticionado, isto deve ser certificado nos autos pelo
cartório em 48 horas. O processo então torna à conclusão, devendo-se fazer carga em livro
próprio, se o juiz não proferir decisão saneadora naquele mesmo dia. Saneado o processo,
deverão os autos baixar em cartório, com certidão de recebimento e baixa; a decisão será
enviada para publicação, que será certificada. Da publicação começam a correr os prazos para
custeios, quesitos e indicação de assistentes. Quando houver sido designada audiência, o
cartório deverá providenciar a intimação pessoal das partes, se determinada. Considerando
uma média de dez dias para que sejam efetivadas as publicações e certidões (prazo que muitos35 Instituições de Direito Processual Civil, v. III, p. 551.36 Neste sentido: “Descabe confundir o protesto pela produção de prova com o requerimento específico,
quando a parte interessada deve justificar a necessidade da prova produzida” (STF- Pleno, AÇOR 445-ES-AgRg,rel. Min. Marco Aurélio, j. 4.6.98, negaram provimento, v.u., DJU 28.8.98, seç 1e, p. 3).
37 Refiro-me especificamente aos prazos recomendados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
38
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cartórios no Estado de São Paulo extrapolam largamente), teremos cerca de dois meses e meio
decorridos desde o momento em que o juiz assina o despacho ordinatório de especificação de
provas até o momento em que o “saneador” se torna público, com grande número de atos
processuais e peças encartadas.
Se se designar audiência preliminar, torna-se desnecessária a determinação de
especificação de provas, pois esta ocorrerá em audiência, podendo o juiz, no mesmo despacho
que designa dia e hora para a solenidade, advertir os patronos da necessidade de especificar
provas naquela ocasião, aproveitando para dar ciência às partes de todo o processado,
inclusive de documentos novos juntados aos autos com a réplica. No dia prefixado, se não
houver acordo, as partes especificarão as provas, com todos os esclarecimentos e
questionamentos necessários, o juiz decidirá sobre elas, sobre as questões processuais
pendentes, sobre os pontos controvertidos, fluindo da data da audiência – ainda que os
patronos se ausentem – o prazo para a interposição de eventuais recursos e para dar
cumprimento às determinações de custeio de perícias, indicação de assistentes técnicos,
quesitos, etc., com enorme economia de atos burocrático-cartorários, que demandam tempo e
ocupam os funcionários do cartório. Da data da designação à data da audiência deveriam
decorrer apenas trinta dias, como diz a lei, mas o prazo é impróprio, e, então, podemos
imaginar que a audiência seja designada para sessenta dias após o despacho que determina a
intimação. Que atraso haveria? Nenhum. Os defensores do despacho escrito dirão que
algumas pautas de audiências são bem mais longas do que isso. É verdade. Mas em varas com
tal acúmulo de serviços, os prazos para publicação, certidão, intimação, juntada, enfim todos
os prazos cartorários são excedidos em iguais proporções, e o cumprimento do saneador
escrito também demoraria mais de sessenta dias.
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Não apenas a possibilidade de realizar número maior de atividades processuais em ato
concentrado (mais célere do que um conjunto de atividades burocráticas estanques) deve ser
considerada a favor da audiência preliminar. O fato é que tais atividades são mais bem
desenvolvidas em audiência, porque submetidas a rigoroso contraditório e mediadas pela
utilização de recursos dialéticos de diálogo entre os atores do processo. Estou convencida,
porém – como veremos adiante –, de que o verdadeiro obstáculo ao êxito das audiências
preliminares esteja, efetivamente, na incapacidade dos atores para o diálogo.
A audiência preliminar permite que seja utilizada a intuição para a deliberação de
provas. Por óbvio, refiro-me não aos pressentimentos e sexto sentido, mas à intuição no
sentido filosófico próprio da palavra, de apreensão clara, direta, imediata e atual de objeto da
realidade.
Lidos os autos previamente – o que é imprescindível para a realização da audiência,
mas igualmente imprescindível para o saneamento escrito –, o juiz já tem noção de quais
provas seriam pertinentes. No mesmo momento, ouve as partes e seus patronos a respeito
daquelas que tenham a produzir. Por vezes, uma prova é pertinente, mas a parte não a
especifica; pode o juiz indagá-la a respeito da ausência do requerimento. Fatos prováveis por
oitiva de testemunhas, por exemplo, muitas vezes não foram testemunhados, ou as
testemunhas não puderam ser localizadas, razão pela qual não veio e não virá o rol. Por outras
vezes, provas que imaginávamos inúteis revelam utilidade quando estamos face a face com as
partes e seus advogados, sem os “ruídos” característicos das comunicações escritas.
Recomenda-se vivamente, aliás, que a parte esteja presente, pois, mais do que o advogado,
tantas vezes é ela, a parte, quem sabe efetivamente de que cartas dispõe para a instrução. Em
enorme número de audiências preliminares, presenciei os advogados indagarem seu cliente
sobre a oportunidade de ouvir uma testemunha, em face dos fatos controvertidos. Por petição,
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tais peculiaridades da argumentação acerca da produção de prova ficariam para sempre
relegados às entrelinhas, enquanto na oralidade ganham vida. Ademais, a má-fé tem uma dose
de pudor nas audiências. O requerimento de prova absolutamente protelatório pode ser posto
no papel sem maiores constrangimentos, mas fazê-lo diante do juiz é bem mais difícil; a
situação torna-se ainda mais complicada quando lhe é requerido o contra-argumento para
eventual indeferimento, conforme diálogo com o juiz.
Para que o ato seja rico, para que efetivamente se prepare a instrução, é, todavia,
necessário que haja abertura para o diálogo. Ao fixar os pontos controvertidos, o juiz deve
abrir às partes a oportunidade de dizer que acreditam estar ou não provado determinado fato.
Isso em nada lhe retira a autoridade, já que a decisão é sua: tal prática traz a vantagem imensa
de alertá-lo para documentos cuja importância talvez tenha passado despercebida, para
confissões já feitas, enfim para particulares não revelados de imediato pela primeira leitura
dos autos. Diante do disposto no art. 400, inciso I, do Código de Processo Civil, pode até
mesmo notar o juiz que não seja o caso de designar audiência de instrução e julgamento,
como entendeu ao designar a audiência nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil,
mas, sim, de julgar antecipadamente o mérito. Deve-se considerar, nesse diálogo, que o
número de processos em que o advogado atua é sensivelmente menor do que o daqueles que
se encontram aos cuidados de um mesmo juiz; se a própria parte ali estiver, aquele talvez seja
o único processo (ou um dos poucos) que a envolve. Essa singularidade do processo faz que
as partes e seus advogados tenham, por vezes, condições efetivas de contribuir para um
melhor ordenamento do processo, o que não deve ser desprezado.
Mesmo a apreciação de algumas preliminares – sobretudo as preliminares de mérito –
se torna por vezes mais simples após o diálogo vis-à-vis com as partes e seus procuradores.
Outra vantagem do saneador em audiência é a possibilidade de intuir – no sentido expresso
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anteriormente – a utilidade da oitiva dos depoimentos pessoais das partes que, se presentes38,
já podem sair intimadas para tal finalidade, dispensando-se diligência cartorária e do oficial
de justiça. De grande utilidade para o dimensionamento da pauta é a oportunidade de
questionar aos patronos ou às partes quantas serão as testemunhas arroladas, a fim de deixar
para o ato o tempo necessário, evitando atrasos ou lacunas no dia da instrução. Neste
momento, também é útil lembrar a todos os eventuais impedimentos e suspeições das
testemunhas e a desnecessidade de se arrolar mais de três testemunhas para o mesmo fato (art.
407, par. un., do Código de Processo Civil): evitam-se intimações e deslocamentos inúteis de
testemunhas. Outro erro comum é o requerimento de oitiva de técnico da matéria discutida
como testemunha; se a parte pretende ouvir um técnico para dar parecer, deve nomeá-lo como
seu assistente. A testemunha deve vir para esclarecer fatos, não para emitir opinião (ainda que
técnica) sobre o desenrolar do mérito (art. 400, inciso II, do Código de Processo Civil).
Assim, pode o juiz saber, de antemão, que uma das “testemunhas”, a bem dizer, não o é,
evitando que tal ocorrência venha a lume na audiência de instrução e julgamento, quando – já
ouvidas outras testemunhas ou os depoimentos pessoais, por exemplo – não mais se poderia
retroceder para a oitiva de assistente técnico (em razão da ordem prevista no art. 452 do
Código de Processo Civil).
Abertas tais possibilidades na audiência preliminar – e a par da concreta possibilidade
de compor as partes no ato –, pareceria inevitável o êxito de sua introdução no Código de
Processo Civil. Como já vimos, porém, a resistência em designá-la e em dela participar é
muito grande, justamente porque aqueles que deveriam participar e dialogar não se encontram
preparados para isso.
38 Na hipótese de os depoimentos pessoais serem a única prova a produzir, não se vislumbra vedação àsua imediata colheita, para, em seguida, passar aos debates e ao julgamento, se não houver outras audiênciasdesignadas posteriormente cuja pontualidade pudesse ser comprometida. Assim expressamente prevê o CPC daColômbia, por exemplo, e preconizam as práticas do chamado Modelo de Stuttgard .
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Vencer a resistência em designá-la depende de convencer o juiz, condutor dos atos do
processo, de sua importância. Com relação à efetiva participação das partes, entretanto, reputo
extremamente útil a proposta de alteração legislativa que permitiria ao juiz dispensar a prova
da parte cujo patrono não comparecer à audiência (Projeto de Lei do Senado 135 de 2004). O
mais adequado, como já expus, seria adiar o momento da postulação de provas, transferindo-o
para depois da réplica (quando esta for cabível). Assim, nada melhor do que as especificar em
audiência, impondo à parte ausente não a “sanção” pela ausência, mas, sim, o ônus de
comparecer e especificar provas, sob pena de preclusão da oportunidade.
Em conformidade com a experiência prática, seria oportuno, também, que o agravo da
decisão que indefere a prova devesse ser feito oralmente, em audiência. A regra de nosso
sistema processual é, efetivamente, o agravo retido, mas, se fosse inevitável o agravo de
instrumento (por risco de a prova perder-se pelo decurso do tempo, por exemplo), a parte
deveria informar na própria audiência a intenção de recorrer, anunciando que interporia
agravo de instrumento no prazo legal, sob pena de preclusão. Isso possibilitaria eventual juízo
de retratação e a imediata resposta do agravo. Infelizmente, a alteração do art. 523 do Código
de Processo Civil deixou de tornar exigível tal conduta, pois apenas menciona a necessidade
de interposição oral de agravo nas audiências de instrução e julgamento, silenciando – de
forma injustificável, a meu ver – acerca das audiências preliminares e de conciliação (art. 331
e 277 do Código de Processo Civil). Não obstante isso, é de se avaliar que a parte (e seu
patrono), regularmente intimada para a audiência, sai fictamente intimada das decisões nela
tomadas, se ausente. Tais decisões não serão, portanto, publicadas no Diário Oficial, pois já o
foram em audiência, da qual se conta o prazo para eventuais recursos. Reputo, contudo, de
muita utilidade, para a melhor concentração dos atos, que esses pontos venham a ser tomados
em consideração, futuramente, pelo legislador, estimulando positivamente a aproximação das
partes em audiência.
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Para salientar a importância do saneador compartilhado, note-se que o Código de
Processo Civil Modelo para a América Latina, por exemplo, não faz distinção acerca de quais
os casos em que se deva designar a audiência preliminar; não há nem mesmo distinção para
direitos disponíveis e indisponíveis. Com efeito, a importância da audiência, na obra
doutrinária inspiradora de tantos códigos ibero-americanos, repousa muito mais na
humanização trazida ao processo pela audiência, na possibilidade de concentrar e sintetizar
atos, do que na mera conciliação. Dessa forma, torna-se quase irrelevante se a composição é
possível e é viável: a audiência realiza-se para atingir todos os demais objetivos.
A oralidade, nesse modelo, está expandida. Antes mesmo de se tentar a conciliação, as
partes devem, em audiência, ratificar a inicial e a contestação. No sentir de Jeffereson Carús
GUEDES:
Quando a comunicação se dá por meio da troca de escritos, peladesconcentração temporal entre atos de emissão e recepção, distancia-se do
(...) princípio cooperativo, capaz de contribuir para a direção e a qualidadedos “discursos”. 39
Esse acento marcado na cooperação e na oralidade exige, portanto, a ratificação oral.
A réplica, igualmente, ocorre em audiência, à semelhança do que prevê o rito sumário do
Código de Processo Civil brasileiro. O art. 300.1 do Código Modelo, topologicamente, situa a
tentativa de composição após a manifestação do autor em “réplica” ( ou “reposta do autor às
exceções opostas pelo réu”).
Segundo Angel Landoni SOSA40, a atuação dos princípios do Código Modelo, que
foram seguidos muito de perto pela legislação processual uruguaia, permitiu considerável
agilização dos processos no Uruguai. Os benefícios, na explanação do estudioso uruguaio,
não estão ligados necessariamente ao êxito das conciliações, mas principalmente à efetiva
direção do processo pelo magistrado, manifestada preponderantemente nas audiências.39 O princípio da oralidade, p. 158.40 Importancia del código del proceso civil modelo para iberoamerica en la perspectiva del Mercosur.
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Infere-se que a audiência preliminar, na experiência uruguaia, demonstrou ser eficiente
não apenas por abrir as portas à conciliação, mas também – e principalmente – por concentrar
atos processuais sob a direção do juiz. A idéia, portanto, de que tal audiência devesse ser
realizada apenas quando houvesse possibilidade de composição não se coaduna com os
resultados apresentados pelo país vizinho, mormente se considerarmos (pela análise das
planilhas de audiências e acordos do Estado de São Paulo, expostas anteriormente) que a
“seleção” de processos de boa probabilidade de composição não se vem demonstrando eficaz.
45
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CAPÍTULO V
JULGAMENTO ANTECIPADO versus AUDIÊNCIA PRELIMINAR
Como já se entrevia no capítulo anterior, pode a audiência preliminar ser designada a
fim de preparar a audiência de instrução e julgamento (se for frustrada a composição), e,
diante do debate oral que naquela se trava, pode o juiz perceber que se trata de caso que
independe de ulteriores provas. Nesse caso, teríamos o “julgamento antecipado” após a
audiência preliminar.
Se tal hipótese é plenamente possível, não vejo razão pela qual o juiz não possa e não
deva designar audiência preliminar quando, a contrario sensu, a primeira leitura dos autos
esteja a indicar ser o caso de julgamento antecipado da lide. Há três grandes vantagens. A
primeira: haverá a possibilidade de composição. A segunda: o magistrado poderá perceber, ao
dialogar com as partes, que as provas requeridas sejam efetivamente necessárias. A terceira:
se desnecessárias forem as provas, o imediato e justificado indeferimento não colherá de
surpresa as partes e evitará nulidades futuras.
Eis os motivos pelos quais, em meu entender, nada impede – aliás, tudo recomenda –
que a conciliação seja tentada mesmo nos casos em que o processo esteja em vias de ser
extinto por vícios processuais ou esteja pronto para o julgamento antecipado.
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Discordo frontalmente de CALMON DE PASSOS neste particular. Diz o
processualista, em seus Comentários ao Código de Processo Civil:
Entendíamos e entendemos, ainda em face da nova redação, comoinadequada, impertinente e desnecessária a audiência preliminar quando sejacaso de extinção do processo, quer por inadmissibilidade (sem exame domérito), quer por julgamento antecipado. Na primeira hipótese, seria umcontra-senso impor conciliação em processo inválido. Na segunda, já apto o
juiz a decidir sobre o mérito, deve reconhecer o direito a quem o tem e nãoinduzi-lo a ceder (toda conciliação importa concessão) algo do que já lhedeve ser atribuído.41
O autor demonstrou, nessa passagem, desconsideração da instrumentalidade do
processo. Primeiramente, a designação de audiência não pode ser impertinente, pois a
pertinência lhe vem dada pelo art. 125, inciso IV42.
No caso do processo que deveria ser extinto sem julgamento do mérito, a conciliação
pode superar o vício existente; lembre-se que, em processo civil, não há nulidade sem
prejuízo. Não se pode dizer, desse modo, que o processo seja “inválido”. Mesmo de inicial
inepta, por ausência de pedido determinado, por exemplo, pode florescer uma composição.
Alcançada esta, o processo não terá sido “inválido”, não obstante fosse o caso de – pelo rigor
da técnica processual – dar-lhe cabo sem voltar os olhos para o mérito: se o juiz não fez atenta
leitura da inicial43, o réu foi citado, contestou, juntou documentos, o autor replicou, enfim, se
longo tempo já foi gasto por todos, não vejo razão pela qual não possa ser tentada a
conciliação.
41 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 481.42 A propósito, o magistério de Fredie DIDIER JÚNIOR: “Nada impede, não obstante o texto legal (art.
331 do CPC), que o magistrado, mesmo sendo caso de julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC), marquea audiência preliminar, com o objetivo de tentar conciliar as partes. Isso com base no inciso IV do art. 125 doCPC, que atribui ao magistrado o dever de tentar conciliar as partes a qualquer tempo. Não obtida a conciliação,o magistrado julgaria a demanda procedente”. (Curso de direito processual civil v.1, p. 475).
43 O exame acurado da inicial é a melhor profilaxia das extinções sem apreciação do mérito, sobretudo emfase avançada. As iniciais inadequadas devem ser emendadas e, se não o forem, merecem precoce decreto de
indeferimento. São raras as nulidades processuais ensejadoras de extinção que não poderiam ser notadas desde oinício do processo. Evita-se, assim, desperdício de tempo e de atos processuais. Se, entretanto, o processochegou à fase do saneador sem que o magistrado tenha visto a nulidade, melhor será tentar saná-la – mormente por meio de conciliação – do que extinguir o processo em fase adiantada sem resolver o problema subjacente.
47
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Progressista, neste particular, a visão de BEDAQUE:
Afirmações peremptórias não precedidas de cuidadosa reflexão e infensas a
questionamentos são incompatíveis com a visão científica de um fenômeno.Para a Ciência não podem existir dogmas, nem conclusões insuscetíveis derevisão.
(...)
Os possíveis defeitos do instrumento, relacionados à forma dos atos do procedimento ou a elementos da própria relação jurídica processual, devemser examinados sempre à luz do critério teleológico. Necessárioconscientize-se o processualista de que a sua Ciência visa à sistematizaçãológica do instrumento estatal de solução de controvérsias, cuja importânciaestá muito mais nos resultados alcançados que na forma como ele é
concebido.
Em sede de nulidade dos atos processuais, a doutrina, atenta à naturezainstrumental do processo, admite a desconsideração do vício, por mais graveque ele seja, se alcançado o escopo maior de realização do direito material eda justiça. 44
Com relação à segunda hipótese aventada por CALMON DE PASSOS na passagem
transcrita (processo pronto para o julgamento de mérito), parecem-me inócuos os argumentos
levantados contra a designação de audiência preliminar. O juiz estaria apto a reconhecer desde
logo o direito? E se o Tribunal vier a entender diversamente? Veja-se que o Tribunal poderia
não só reformar a sentença, revertendo o julgamento em favor da parte contrária, mas também
anular aquela sentença, entendendo ser necessária a instrução. Como afirmar com segurança,
portanto, que algo “já” deva ser atribuído a uma das partes? Ademais, haverá ainda toda a fase
de cumprimento da sentença, longo iter a se percorrer, muitas vezes consagrando o popular
adágio “ganha, mas não leva”. Mesmo quando o juiz singular está seguro de que já poderia
julgar, não é mais prudente tentar a conciliação?
Pessoalmente, entendo que os casos em que o juiz pode julgar antecipadamente, sem
consultar em pormenores as partes, são raros. Quantas vezes, em contato com as partes,
44 Efetividade do processo e técnica processual , p. 164-166.
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convenci-me de que as provas postuladas se justificavam? Em quantas outras ocasiões as
partes, após dialogar, convenceram-se da inutilidade das provas requeridas?
A respeito do julgamento antecipado da lide, Fredie DIDIER JÚNIOR tece boas
observações, conforme transcrevo a seguir:
a) Em primeiro lugar, o princípio da cooperação impõe que o magistradocomunique às partes a intenção de abreviar o procedimento, julgandoantecipadamente a lide. Essa intimação prévia é importantíssima, porquanto
profilática: i) evita uma decisão-surpresa, que abruptamente encerre o procedimento, frustrando expectativas das partes; ii) se a parte não concordar com essa decisão, deve interpor agravo (no mais das vezes, será o agravoretido, art. 522-523 do CPC) – se não o fizer, não poderá, posteriormente,alegar cerceamento de defesa, pela restrição que se fez ao seu direito à
prova, em razão da preclusão.
b) Essa possibilidade de abreviação do procedimento deve ser utilizada comcautela e parcimônia, não só porque pode implicar restrição ao direito à
prova, mas também porque, sem a audiência de instrução e julgamento, podem os autos subir ao tribunal, em grau de recurso, com fraco conjunto probatório. Como não é praxe, em órgãos colegiados, a realização deatividade de instrução probatória complementar (embora isto não nos pareçavedado pelo sistema, à luz do art. 130 do CPC), é possível que, diante de um
processo “mal-instruído”, o tribunal resolva anular a sentença, para que sereinicie a atividade probatória – e isso não é desejável.
c) Não há questão de mérito que seja “ unicamente de direito”, como estáescrito no inciso I do art. 330. O fenômeno jurídico não prescinde do suportefático, sobre o qual incide a hipótese normativa. As hipóteses previstas noinciso I podem ser resumidas em uma: é possível o julgamento antecipadoquando não for necessária a produção de provas em audiência, ou seja,quando a prova exclusivamente documental for bastante para a prolação deuma decisão de mérito.
(...)
e) Não se permite que o magistrado, no julgamento antecipado da lide,conclua pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou oalegado. Se o magistrado convoca os autos para julgamento antecipado, é
porque entende provados os fatos alegados. Entende, enfim, que não hánecessidade de prova. Essa decisão impede comportamento contraditório do
juiz (venire contra factum proprium); há preclusão lógica para o magistrado,que, então, não pode proferir decisão com aquele conteúdo. A sentença deimprocedência por falta de prova, em julgamento antecipado da lide, além deviolar o dever de lealdade processual, a boa-fé objetiva, que orienta a relaçãoentre os sujeitos processuais, e o princípio da cooperação, poderá ser invalidada por ofensa à garantia do contraditório, em sua dimensão de direito
à prova. 45
45 Curso de direito processual civil , v. 1, p. 473-474.
49
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Embora extravagante, a proposta de DIDIER acerca da necessidade de o juiz
preanunciar sua intenção de julgar antecipadamente o mérito está muito bem fundamentada,
mesmo porque as dificuldades inerentes à definição da suficiência do conjunto probatório são
imensas. Qual o melhor momento, entretanto, para preanunciar, senão na audiência
preliminar, na qual as partes poderão ponderar com o juiz a impropriedade do julgamento
antecipado ou, se nada disserem, poderão dar aval à decisão de julgar antecipado? A sentença,
ademais, poderá ser proferida na própria audiência, saindo as partes já cientes e contando-se
os prazos para eventuais recursos. Pode-se ainda evitar, dessa feita, interposição de embargos
de declaração, pois as partes eventualmente poderão alertar de imediato o juiz em caso de
visível lacuna na sentença (como, a título ilustrativo, a falta de arbitramento de honorários).
Dessa forma, se alguma dúvida, por mais tênue que seja ela, pairar sobre a necessidade de
produzir prova ulterior, a designação de audiência preliminar parece-me, senão imperativa,
pelo menos altamente recomendável.
A questão do julgamento antecipado é, como bem expôs DIDIER, muito delicada.
Apenas caberia em casos extremados, quando o direito do autor já estiver plenamente
comprovado46 ou não for de forma nenhuma controverso. Se o réu tiver alegado fatos
modificativos ou extintivos do direito do autor, o julgamento antecipado em favor do autor
importaria violação do direito à prova do réu. Presumindo que o réu tenha provado o fato
modificativo documentalmente, poder-se-ia julgar antecipadamente em favor deste, desde que
o autor, em réplica, não tenha pleiteado a produção de prova para opor à prova do réu.
46 Oportuno ponderar, entretanto, que há casos em que os fatos alegados pelo autor não estão provados,mas não se admite outra prova senão a documental, que já deveria ter vindo com a inicial. Nesse caso, se
controversa a existência dos fatos narrados, por força de contestação, poder-se-ia admitir o julgamentoantecipado contra o autor, não a seu favor. O mesmo se diga quando a lei exige pelo menos início de provadocumental e esta não veio aos autos, ou quando o próprio autor diz que não tem outras provas a produzir,requerendo o julgamento antecipado.
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Em suma, a decisão de julgamento antecipado deve ser muito bem ponderada, e,
havendo dúvida, a consulta às partes é salutar para evitar nulidade, muito mais nociva à
celeridade do que a designação de audiência preliminar, na qual poderão ser esclarecidas as
pretensões probatórias, se a composição não for viável.
Veja-se, a propósito, o seguinte acórdão:
Julgamento antecipado da lide. Prova. Hipótese em que o autor colocoualternativa, requerendo o julgamento antecipado da lide, mas consignandoque produziria prova oral, se reputada necessária. Ação julgada procedente,conhecendo-se diretamente do pedido, mas reformada a sentença, emsegundo grau, por falta de prova do alegado na inicial. Cerceamento de
defesa reconhecido, determinando que, cassados sentença e acórdão, seensejasse a produção daquela prova. (STJ-RF 330/306, apud Código deProcesso Civil , anotado por Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa,São Paulo, Saraiva, 2008).
Já que falamos em celeridade processual, que é o mote do julgamento antecipado,
imagine-se quanto tempo decorreu desde o julgamento antecipado do processo supra referido
até a nova instrução (se é que ainda era possível produzir a prova, após os longos tempos dos
recursos ordinário e especial), com nova sentença e, eventualmente, com outro acórdão.
A situação ali delineada (pedido subsidiário de provas) não é incomum. Por vezes,
formulado sem clareza em petição escrita, o pedido não é notado pelo magistrado, que se
apressa a sentenciar diante da primeira proposição, a de julgamento antecipado do mérito.
Pessoalmente, perdi a conta das ocasiões em que, indagado o patrono, em audiência
preliminar, sobre as provas que pretendia produzir, ouvi como resposta: “Acho que já está
tudo provado nos autos mas, se entender que não, quero produzir prova oral (ou pericial)”.
Ora: seria como se eu devesse, antes de deferir a prova, produzir hipotético julgamento
antecipado, concluindo pela improcedência do pedido naquele estado do processo, externando
isso ao autor e determinando a produção da prova.
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Minha resposta a essa indagação é inflexível: o processo é um jogo de xadrez. Eu
posso estar considerando que ele está maduro para o julgamento antecipado, mas o Tribunal
pode considerar que não. A mim, portanto, nesta fase, cabe dizer não se a prova já seja
suficiente, mas se é pertinente. Ao advogado cabe projetar o próximo movimento e calcular os
riscos de pedir o julgamento antecipado, e perder, ou de produzir a prova suplementar, e
alongar a instrução.
Diante dessa ponderação, que é possível somente porque estamos em diálogo, quase
sempre a parte opta pela instrução, que, se pertinente, deve ser deferida, porque o julgamento
da suficiência da prova é extremamente delicado. Não há de se admitir, porém, que o
requerimento seja alternativo, porque não ao juiz, mas à parte, incumbe analisar o risco. Por
outro lado, uma vez tendo ela decidido pelo julgamento antecipado, deve arcar com as
conseqüências que dele decorram. Neste sentido, o magistério de DIDIER JÚNIOR,
anteriormente citado, e o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Se se trata de direito disponível e o autor requer o julgamentoantecipado da lide, fica ele sujeito à limitação que impôs ao juiz, não
podendo – depois de sentença desfavorável em razão da insuficiênciade provas – pretender a anulação do julgado. (STJ- 2ª Turma, Ag.133.929-SP, rel. Min Ari Pargengler, j. 16.5.97, negaram provimento,v.u., DJU 16.6.1997, p. 27.358, apud Código de Processo Civil , anotado
por Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, São Paulo, Saraiva, 2008.)
Para os casos em que aparentemente seria possível proferir sentença desde logo, volto
a sustentar, aqui, a pertinência da designação de audiência preliminar, a fim de dissipar
qualquer dúvida que possa levar a entendimento diverso e, futuramente, provocar a nulidade
do processo, com evidentes prejuízos à realização do escopo de pacificação.
Os casos de revelia, por exemplo, em que ocorre a confissão ficta, podem admitir a
produção de prova, não obstante a letra do art. 330, II, do Código de Processo Civil, em razão
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da interpretação sistemática, pois deve ser tido em conta o sistema de presunções que, por seu
turno, estabelece geralmente presunções relativas. Se, por exemplo, o réu intervier no feito,
ainda que intempestivamente, presumem-se verdadeiros – sim – os fatos alegados pelo autor,
mas não se pode – por outro lado – negar ao réu o direito de comprovar que tal presunção não
corresponde à realidade ou, ainda, que há fatos que modificam ou extinguem o direito do
autor. Nesse sentido: “Se o revel comparece antes do julgamento, está excluída a incidência
do art. 330-II.” (RTJ 75/275, apud Código de Processo Civil
, anotado por Theotônio Negrão e
José Roberto F. Gouvêa, São Paulo, Saraiva, 2008).
Para lembrar a utilidade de ouvir as partes: enquanto estudávamos a querela nullitatis,
nesta especialização que concluo, apareceu-me um processo que se amoldava perfeitamente
ao que tínhamos visto em seminários. Clássico caso de citação postal inválida: aviso de
recebimento da correspondência assinado por terceiro. Eu estava ansiosa por julgar
antecipadamente e logo aprontei a sentença, com base nos estudos daquela semana. Por praxe
do cartório, porém, a querela foi apensada ao processo reputado inválido, de modo que, no
momento em que fui sentenciar a querela, li este também. Era evidente, da análise conjunta
das alegações, que, em caso de repropositura do processo principal, após a procedência da
querela, o autor sairia vencedor. Domei o ímpeto de baixar a sentença e marquei audiência de
conciliação. O requerido, embora efetivamente não tivesse sido citado no processo originário,
após conversar com o autor (réu na querela) e ponderar sobre a incidência dos juros, decidiu-
se por reconhecer a procedência do pedido daquele primeiro processo, que era
“absolutamente” nulo. Teria sido mais rápido, sim, sentenciar antecipadamente, mas os
resultados efetivos da prestação de tutela foram incomparavelmente melhores com a
conciliação.
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Parece-me, concluindo o raciocínio deste capítulo, que o afã de sentenciar o processo
para “economizar” o tempo da audiência preliminar leve, muitas vezes, a desperdício de
tempo, em nível sistêmico. Devem ser ponderados não apenas os efeitos imediatíssimos da
sentença, mas, também, o leque de desdobramentos, tais como recursos, anulações de
sentença, infindáveis fases de cumprimento de sentença, novos processos conexos. A proposta
conciliatória é, quase sempre, excelente alternativa; se esta for inviável, o diálogo pode
prosseguir para consenso acerca do julgamento antecipado ou da produção de provas.
Bom seria que se realizasse estudo estatístico47 do percentual de anulações de sentença
após o julgamento antecipado nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil,
comparando-o com os casos em que o julgamento antecipado se deu após a realização de
audiência nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil, com a prévia oitiva das partes,
prática adotada por vários magistrados no Estado de São Paulo, conforme consulta realizada
por comunicação eletrônica com juízes de primeiro grau, contando-se com o aval de
DINAMARCO, que esclarece:
Esse conjunto de possibilidades indica que a designação de audiência preliminar, prevista no art. 331 do Código de Processo Civil, não énecessariamente o resultado de uma convicção definitiva quanto à ausênciados pressupostos para o julgamento antecipado ou para a extinção
processual. 48
Em Direito Comparado, encontramos a solução do julgamento antecipado em
audiência preliminar nas legislações processuais civis portuguesa e espanhola, o que revela
que o “julgamento antecipado”, anterior a qualquer tentativa de aproximação das partes, não é
dogma. Podemos, portanto, ponderar acerca da possibilidade de diálogo também na hipótese
de julgamento sem provas produzidas em audiência, como preconiza o Código Modelo.
47 Tal estudo esbarra, entretanto, na indisponibilidade imediata de tais dados, que deveriam ser antessistematizados, fugindo aos intuitos desta monografia. Espero, contudo, que a sugestão possa estimular outrosestudiosos a aprofundar o tema.
48 Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 557.
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CAPÍTULO VI
A AUDIÊNCIA DO ART. 277 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Nos capítulos precedentes, advoguei as vantagens da realização da audiência
preliminar prevista no art. 331 do Código de Processo Civil, e assim o fiz porque o §3º do
referido artigo, bem como o art. 330 do Código de Processo Civil, permitem dispensar a
realização da mesma no procedimento ordinário.
A audiência de conciliação do art. 277 do Código de Processo Civil (por alguns
doutrinadores, também denominada audiência preliminar) não careceria, em tese, de tal
prédica, porque sua realização é inerente ao rito sumário.
Infelizmente, como já citado anteriormente, se a repulsa pela oralidade não pôde
desnaturar sensivelmente o procedimento, acabou por trazer seu desuso. Assim, não obstante
o entendimento quase uniforme da doutrina no que diz respeito à obrigatoriedade de seguir o
rito sumário, quando houver enquadramento nas hipóteses do art. 275 do Código de Processo
Civil (indisponibilidade do procedimento), o que se vê são diversas iniciais de rito ordinário
que versam sobre causas arroladas no referido dispositivo. Poucos são os magistrados, por seu
turno, que determinam a conversão de ofício para o rito sumário. Em sentido oposto, emalgumas varas a conversão para o rito ordinário é automática, independentemente da
complexidade da causa ou da prova pericial, utilizando-se como motivação da decisão –
poucas vezes contestada pelo autor – a longa pauta de audiências ou a impossibilidade de
composição. Tal comportamento, além das distorções que comporta na distribuição de
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serviço49, atenta contra os princípios da celeridade e da concentração de atos, previstos
especificamente para tais casos.
Trata-se de evidente reflexo da dificuldade de juízes e advogados para o diálogo;
parece haver silencioso consenso sobre a repulsa do encontro, conluio para o fracasso das
audiências, sobre o que falaremos adiante.
De volta à audiência de conciliação do art. 277 do Código de Processo Civil, impera
dizer que, uma vez cindida pela Reforma em 1995, tem agora como primeiro intuito a
conciliação que, se obtida, é reduzida a termo e, por conseqüência, põe fim ao processo.
Exatamente em função dessa finalidade é que se requer a presença pessoal de ambas as partes.
Para o requerido, a ausência tem conseqüências claras: a revelia quanto à matéria de fato,
ainda que presente esteja seu advogado50. Para o autor, as conseqüências não vêm definidas
em lei.
Por analogia, alguns magistrados adotam a pragmática decisão de extinguir o feito sem
julgamento do mérito, como se faz com a ação de alimentos51. Outros determinam que se
aguarde por quarenta e oito horas a provocação. Alguns, por fim, julgam o processo, quando o
réu está presente e apresenta resposta. Há também entendimento de que a ausência de ambas
as partes importa a necessidade de nova designação.
49 Anotada a conversão junto ao Cartório Distribuidor, no Estado de São Paulo, altera-se o peso que o processo tem na distribuição daquela vara. Considerados de menor complexidade, os processos do procedimentosumário têm peso menor; portanto, as varas com mais procedimentos sumários tendem a ter maior número de processos. A distorção do equilíbrio da distribuição, como derivada da indiscriminada conversão do rito sumárioem ordinário, mereceria cuidadoso estudo e posterior correção.
50 Em crítica à redação do dispositivo, diz DINAMARCO: “ (...) peca por vincular a revelia à ausência do próprio réu, quando é a do advogado que acarreta a falta de resposta; como em todo processo de conhecimento, a parte só tem o ônus de comparecer quando intimada a prestar depoimento pessoal – e a conseqüência de suafalta, nessa hipótese, não é o efeito da revelia mas a chamada pena de confesso, que é muito menos gravosa do
que aquela.” Instituições de Direito Processual Civil, v. III, p. 723.51 Interessante observar que o Código de Processo Civil Modelo para a América Latina prevê que (300.2)
a ausência injustificada da parte à audiência preliminar será interpretada como desistência do pedido. Nestesentido, também, a legislação espanhola.
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O que não parece razoável, em nenhum aspecto, é que, ausentes ambas as partes e seus
procuradores, aplique-se ao réu a pena de revelia, sem nada aplicar ao autor, o que seria
contrário ao princípio da igualdade de tratamento, também considerando que, algumas vezes,
a razão para a ausência de ambos é a existência de acordo ou moratória entre as partes, não
comunicados ao juízo. As divergências substanciais sobre o destino do processo em caso de
ausência indicam a necessidade, de lege ferenda, de precisar o dispositivo em questão.
Presentes as partes e não havendo composição, cabe ao réu oferecer, por advogado,
defesa oral ou escrita.
A defesa oral é cada vez mais rara no foro em geral. Predomina amplamente a
contestação escrita; quando assim não é, a contestação oral limita-se a ditado do advogado ao
escrevente, o que desnatura o ato. DINAMARCO sugere, a seu turno, que, se comparecer o
requerido desacompanhado de advogado, seja tomado seu depoimento pessoal, a fim de
mitigar os efeitos da revelia, conforme previsão expressa do §2º do art. 277 do Código de
Processo Civil52. Recorde-se sempre que o juiz pode determinar, de ofício, a realização de
provas.
Após a apresentação de resposta – que poderá conter pedido contraposto – segue-se a
réplica, em audiência. Nesse particular, o procedimento é muitas vezes desvirtuado,
requerendo o autor prazo para a manifestação – o que quase sempre é deferido – mesmo sem
que haja questão de maior complexidade a exigir a dilação em favor do autor (como
aconteceria em razão de pedido contraposto ou alegação de falsidade de documento juntado
com a inicial). Dessa forma, interrompe-se prematuramente a audiência, golpeando-se o
objetivo de concentração e oralidade, pois o processo deveria ser saneado53 em audiência, com
52 Art. 277. (...)
§2º - Deixando injustificadamente o réu de comparecer à audiência, reputar-se-ão verdadeiros os fatosalegados na petição inicial, salvo se o contrário resultar da prova dos autos, proferindo o juiz, desde logo, asentença. (N.A.:Evidenciei a passagem)
53 Ao indagar aos magistrados se saneavam o processo em audiência no rito sumário, recebi de diversos
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a sucessiva designação de audiência de instrução e julgamento, se necessário, ou de perícia,
ou com a expressa conversão do rito em ordinário.
Valem, para esta audiência, as observações feitas anteriormente, quanto ao
saneamento compartilhado e eventual julgamento antecipado do mérito, merecendo ambos a
prévia discussão com as partes, colhendo-se a ocasião para o diálogo que o rito forçosamente
propicia.
Permito-me observar que a prática da apresentação de resposta escrita tem um pró,
consistente em permitir ao magistrado que, examinando a peça desde o início da audiência,
forme idéia da controvérsia efetiva, balizando assim proposta conciliatória mais concreta e
condizente. Ainda que a resposta deva ser feita oralmente, nada obsta que o magistrado, ao
aproximar as partes, indague informalmente o requerido e seu patrono acerca da razão da
resistência ao pedido, se houver.
Os índices de composição nas audiências do art. 277 do Código de Processo Civil são
sensivelmente superiores aos índices de composição nos termos do art. 331 do Código de
Processo Civil, o que dá força à proposta de reforma deste último dispositivo, com a
instituição de audiência de tentativa de conciliação já no início do processo (Projeto de Lei
7.499, de 2002).
Com base na experiência cotidiana, dir-se-ia que, em certos casos, a ausência de
contestação prévia favorece a composição, pois evita que o autor venha a tomar conhecimento
deles a lacônica resposta de que o procedimento sumário não tem saneador. Sobre o tema, confira-se a dicção deDINAMARCO, com base na qual foi elaborado o questionário: “Além disso, embora não o diga a lei
explicitamente, é nessa primeira audiência que o juiz apreciará também eventuais alegações de carência de ação,falta de pressupostos processuais, incompetência, nulidades em geral etc – o que significa sanear o processo.”( Instituições de Direito Processual Civil, v. III, p. 717). Também assim Jeffereson Carús GUEDES, O princípioda oralidade, p. 124.
58
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de uma série de alegações em seu desfavor que, por muitas vezes, só vêm a acirrar a
animosidade entre as partes54. Pondero, entretanto, que a maior simplicidade das causas
envolvidas nos procedimentos sumários pode ser um outro fator a influenciar o percentual de
êxito das conciliações, o que deve ser muito bem sopesado antes de se alterar o dispositivo
legal, conforme proposta de alteração legislativa.
54 Lamenta-se que alguns advogados – embora sejam técnicos e, como tais, devessem manter distânciadas paixões alimentadas pelas partes – tragam aos autos fatos que nenhuma relação concreta guardam com acontrovérsia, como a invocar do juízo julgamento moral, que o magistrado não está autorizado a proferir.
59
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CAPÍTULO VII
ORALIDADE, ARGUMENTAÇÃO E AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO
Interessante e bem humorada observação do Prof. Carmona, durante palestra sobre as
audiências preliminares, inspirou-me a escrever a monografia. Dizia ele que a derrocada das
audiências preliminares se deu porque os juízes não gostam muito de encontrar os advogados,
e estes também não gostam muito de encontrar os juízes, e às vezes os próprios advogados
não gostam de encontrar outros advogados em audiência. Ponderava ele, por fim, quanto à
alteração legislativa tendente a retomar a obrigatoriedade da designação de audiência
preliminar, que se trata de mal-estar passageiro e necessário, que deveremos suportar a bem
do processo.
Temos mesmo tanta fobia do outro?
Infelizmente, os dados estatísticos colhidos parecem indicar que sim. Digo “parecem
indicar” porque não há estatísticas acerca do percentual de processos levados à instrução e
julgamento sem a designação de audiência preliminar (tanto menos de julgamentos
antecipados não precedidos de conciliação). Entretanto – e sempre considerando uma
distribuição razoavelmente homogênea entre as varas de uma mesma comarca, na mesma
competência – de outro modo não se explicaria como uma das varas cíveis do foro central de
São Paulo tenha realizado 482 audiências preliminares (art. 331) no ano de 2007, enquanto
quatro varas cíveis não realizaram nenhuma audiência nestes termos. Destas quatro, duas
60
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também não realizaram nenhuma outra audiência de conciliação durante todo o ano de 2007,
o que indica que todo processo distribuído pelo rito sumário foi convertido para o rito
ordinário. Em Campinas, por exemplo, a vara campeã de audiências realizou 528 audiências
nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil e 524 outras audiências de conciliação; a
que realizou menos designou duas audiências nos termos do art. 331 e duas outras de
conciliação (em geral). Veja-se que as discrepâncias são muito grandes e estão a indicar que
há juízes que praticamente baniram as audiências preliminares e de conciliação de suas
pautas, sem observância do critério estabelecido pelo §3º do art. 331 do Código de Processo
Civil e da indisponibilidade do rito.
Muitas são as razões pelas quais tais audiências caíram em desprestígio.
A reprodução de lides repetitivas, o excessivo número de processos a cargo de cada
juiz e o despreparo dos operadores do direito para o diálogo estão entre os problemas que
atingem diretamente a eficácia das audiências de conciliação.
O horizonte da Justiça passou a ser a luta diária contra os processos existentes, que
devem ser extintos para dar lugar aos milhares de novos processos que surgem em ritmo
frenético. A pacificação social, escopo primeiro da Justiça e anseio verdadeiro dos
jurisdicionados, parece ter sido esquecida entre as páginas de manuais gerais de Direito.
Alguns vêem os processos com impessoalidade, muitas vezes esquecendo as angústias
humanas que estão por trás das teses propostas, e deles querem tratar com a maior assepsia, se
possível sem embates com a parte contrária, com o juiz, com o outro, como se o contato
humano distanciasse da razão.
Já abordei, anteriormente, a questão referente aos processos de massa para os quais
apenas o processo coletivo desponta como alternativa ao julgamento também massificado. A
61
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estes, a conciliação individual é dificilmente aplicável, pois muitas vezes nem o preposto tem
conhecimento direto dos fatos ocorridos, nem o advogado teve contato prévio com a causa,
sendo apenas correspondente de um grande escritório, cujas atribuições se limitam a dizer que
em tais casos a empresa informa que não faz acordos. Cito, como exemplos previsíveis, a
recente questão das assinaturas de linhas telefônicas e as correções monetárias dos Planos
Collor, Bresser e Verão.
Também já toquei a questão do excesso de trabalho dos juízes, posicionando-me pela
inviabilidade de utilizar tal dificuldade como justificativa para a exclusão da melhor solução
para o caso concreto.
Resta cingir a questão da dificuldade de estabelecer contato e combater o lugar-
comum de que o envolvimento das partes possa distanciar da razão. Trata-se de idéia
derivada da tentativa de aplicar à decisão judicial a lógica dedutiva (que não se amolda a este
tipo de conhecimento) – confundir a decisão não fundada no raciocínio analítico com a
decisão irracional , sem considerar que a dialética – na acepção aristotélica do termo – é modo
de raciocínio.
Vejamos. Se o postulado positivista clássico estivesse absolutamente correto, teríamos
normas e sanções aplicáveis em caso de desrespeito à norma posta. O julgamento, então, não
admitiria duas diversas interpretações do mesmo fato, pois bastaria identificar a norma à qual
subsumir dado fato que, provado, levaria a interpretação única e conforme a regra. Percebeu-
se logo, porém, que o julgamento não era algo tão simples que se pudesse realizar quase
maquinalmente (inserindo-se a conclusão de que tais e tais fatos ocorreram, teríamos a
resposta legal para a sanção aplicável). Havia lacunas e antinomias. Ao interpretar os fatos em
conformidade com as normas, muitos juízes deviam levar em consideração os “princípios”que inspiravam o sistema; tais princípios não são direito posto stricto sensu, e, por vezes, mais
62
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de um princípio incide, sendo necessário estabelecer uma hierarquia entre princípios. Enfim,
o julgamento não é algo tão automático como se poderia pretender e não prescinde da
assunção de certos valores éticos, ainda que com a roupagem de “princípios”.
Esta correção do positivismo foi realizada por Ronald Dworkin, aluno deHart, que em Taking rights seriously critica a tese positivista do direito comoconjunto de regras, enquanto os critérios por meio dos quais os juízesestabelecem direitos e deveres, absolvem ou condenam, são também outros,como os princípios, que não têm por conteúdo determinada conduta acomandar, proibir ou permitir, mas exprimem exigência geral de justiça,como, para usar o exemplo do próprio Dworkin,aquela segundo a qualninguém pode alegar sua própria torpeza em benefício próprio. Enquanto asregras são aplicáveis na base do tudo ou nada, o princípio não indicaconseqüências jurídicas automáticas. Mais do que alternativa ao direito
positivo, trata-se de uma expansão dos critérios com base nos quais os juízesdistribuem a justiça, uma expansão, ademais, que abraça princípiosgeneralíssimos de conduta, dos quais o próprio positivismo jurídico não senegou a tratar, se bem que em última instância55. (Tradução livre).
O esgotamento do modelo cientificista da teoria jurídica encontra em Chaim
PERELMAN teórico capaz de reformular conceitos. A preocupação básica de PERELMAN
era entender os meandros através dos quais os valores se introduzem no processo de
subsunção de fatos a normas gerais56, com a particularidade de enraizar sua solução em
pensamento filosófico de primeira ordem, o aristotélico. PERELMAN partiu do modo como o
raciocínio jurídico foi visto a partir da codificação napoleônica (que por muito tempo o
considerou operação dedutiva a partir de normas positivas, sem explicar, entretanto, a
inferência dos juízos de valor do aplicador da norma). Questionou, então, se os julgamentos
55 “Questa correzione del positivismo giuridico è stata avviata da Ronald Dworkin, allievo di Hart, che inTaking rights seriously (London 1977; tr. it., Bologna, 1982) critica la tesi positivistica del diritto come insiemedi regole (rules), mentre i criteri con cui i giudici stabiliscono diritti e doveri, assolvono o condannano, sonoanche altri, come i principi ( principles), che non hanno per contenuto una determinata condotta da comandare,vietare o permettere, ma esprimono un'esigenza generale di giustizia, come, per addurre l'esempio stesso diDworkin, che nessuno deve trarre profitto dal proprio illecito. Mentre le regole sono applicabili nella forma deitutto o niente, il principio non indica conseguenze giuridiche che seguono automaticamente. Più che diun'alternativa al diritto positivo si tratta di un allargamento dell'area dei criteri in base ai quali i giudici rendonogiustizia, un allargamento, tral'altro, che abbraccia principi generalissimi della condotta, di cui lo stesso positivismo giuridico non ha mai rifiutato di tenere conto, se pure in ultima istanza.” (Norberto BOBBIO.
Giusnaturalismo e giuspositivismo, p. 305-374.)56 A mesma preocupação já denotada por Recaséns Siches e Miguel Reale, por exemplo, conforme Fábio
Ulhoa COELHO em seu Prefácio à edição brasileira de Tratado da argumentação, de Chaim PERELMAN eLucie OLBRECHTS-TYTECA.
63
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expressariam apenas emoções, interesses e impulsos do julgador (o que poria a aplicação do
direito no campo do irracional) ou se existiria uma lógica dos julgamentos de valor:
Deveríamos, então, tirar dessa evolução da lógica [cartesiana] e dosincontestáveis progressos por ela realizados a conclusão de que a razão étotalmente incompetente nos campos que escapam ao cálculo e de que, ondenem a experiência, nem a dedução lógica podem fornecer-nos a solução deum problema, só nos resta abandonarmo-nos às forças irracionais, aos nossosinstintos, à sugestão ou à violência?57
Em Tratado da argumentação, o filósofo conclui pela racionalidade dos julgamentos,
baseados, entretanto, no raciocínio dialético em sua formulação aristotélica. Nega-se, com
isso, a existência de interpretações jurídicas “verdadeiras”, pois as premissas da argumentação
resultam de acordo entre quem argumenta e seu auditório, tratando-se, assim, não de excluir
interpretações “falsas” em face da interpretação “verdadeira”, mas, sim, de sustentar uma
decisão como mais justa, eqüitativa, razoável, oportuna ou conforme o direito do que outras
tantas decisões igualmente cabíveis. Ou, conforme Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, o problema da aplicação do direito residiria na adequabilidade dos meios (das muitas
interpretações possíveis de uma norma jurídica) para o alcance de dados fins (a administração
de conflitos sociais, a manutenção da organização econômica, política, social etc.), o que se
revela não por demonstração lógico-dedutiva, mas por argumentação retórica.
Aderindo à teoria da argumentação de PERELMAN, proponho que o processo seja
repensado à sua luz e visto, portanto, sob a ótica da necessidade essencial de dialogar
acerca da melhor solução para a pacificação social ou, se isto não for possível, para que,
pelo menos, haja diálogo acerca dos meios utilizados para a persecução da solução
concreta.
57 Chaim PERELMAN e Lucie OLBRECHTS-TYTECA. Tratado de argumentação, p. 3.
64
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Para isso, de início, é preciso que o magistrado esteja despido da pretensão da verdade
absoluta, pois esta – em nosso pressuposto – não existe em Direito. Isso não implica, é claro,
aceitar qualquer pressuposto, não equivale a aceitar o silogismo erístico, tal como já vinha
disposto nos Tópicos de ARISTÓTELES58. É preciso que haja pertinência, que se obedeça um
determinado método, que é, para nós, a medida dada pela lei. Bastante didática é a exposição
de Allaor Caffé ALVES:
Com uma formação dogmática, fecha-se o sistema em termos artificiais, para poder decidir e, portanto, agir.
Ora, nesse caso, o pressuposto é o de que há uma espécie de harmonia entreas minhas proposições e o resto do mundo. Parte-se de uma espécie de
plausibilidade.59
Se, todavia, por um lado, deve o magistrado ter a humildade de aceitar a participação
das partes no processo, se deve atentamente ouvir-lhes as razões e ponderar-lhe os
argumentos – sustento: não apenas quanto ao direito material, mas também quanto ao melhor
meio de se chegar à sua satisfação –, por outro lado incumbe às partes reconhecer a premissa
posta, segundo a qual ao magistrado incumbe a direção do processo e a decisão acerca da
melhor argumentação, sob pena de não chegarmos jamais a nenhuma conclusão.
As partes (e seus procuradores) devem, pois, ter a oportunidade de expor suas razões e
estar face a face com o seu auditório, que é o juiz, para que este possa objetar, pedir esclarecimentos, dialogar com a parte para entender perfeitamente o que ela quer e por que
assim quer, ainda que ao final venha a dizer que a razão não lhe assiste.
Destaca-se como vantajoso, nesses casos de procedimento oral, favorecido pela imediatidade e pela identidade física do juiz, porquanto pode este,incontinenti, ver aclaradas quaisquer manifestações das partes ou esclarecer
58 Chaim PERELMAN; Lucie OLBRECHTS-TYTECA. Tratado de argumentação, p. 3, p. XIII.59 Lógica, p. 374-375.
65
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as suas. Essa clareza comunicativa desobstruiu o andamento procedimental,livrando-o dos inconvenientes “ruídos” de questões já recorridas, tornando o
processo inteligível aos sujeitos e a terceiros que dele participam,consagrando garantias legais e constitucionais. 60
Ao proferir sua decisão, a seu turno, o juiz deve ter em mente que ela se destina às
partes. Quando ainda cursava as aulas preparatórias para o exercício da judicatura, foi-me dito
por um magistrado mais velho que deveríamos preparar nossas decisões considerando a
opinião dos tribunais, pois são eles que têm o poder de ratificar ou alterar nossas conclusões.
Discordei e continuo discordando. Quem tem interesse na decisão são as partes, não o
Tribunal; ela poderá ter implicações concretas para aquelas, não para este. São as partes que
podem convencer-se da justiça da decisão bem fundamentada, cumpri-la e não recorrer, caso
em que o Tribunal sequer saberá que tal julgamento existiu. Dito em outras palavras: ao
decidir, o juiz deverá tomar as partes como seu auditório e procurar convencê-las das razões
que o levaram a tomar aquela decisão, e não outra, assim como as partes tentaram, cada uma
por si, convencer o julgador de que suas razões deveriam prevalecer.
A nova retórica, como a chama PERELMAN, ou a dialética, se preferirmos, poderá
ser utilizada com sucesso nas audiências de conciliação apenas se nós, operadores do Direito,
estivermos todos – juízes, promotores, advogados – conscientes de que não somos detentores,
a priori, da única solução possível para um dado caso concreto. Se cada uma das partes, o
promotor e o juiz acreditam que não haja nenhuma verdade além daquela que já conceberam,
jamais poderão ouvir o outro e, assim, não haverá nenhuma possibilidade de diálogo.
É uma grande pena que se percam tantas oportunidades de dialogar , pois temos um
ambiente privilegiado, a considerar que o processo – ao estabelecer as audiências de
conciliação – já fornece um vínculo entre o “orador” e seu “auditório”, razão pela qual já
temos excelente base para exercer essa arte. Diz PERELMAN: “Para que uma argumentação
60 Jefferson Carús GUEDES O princípio da oralidade, p. 155.
66
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se desenvolva, é preciso, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem alguma
atenção.” 61 Mas não é só isto que basta:
Há seres aos quais não nos preocupamos em dirigir a palavra; há outrostambém com quem não queremos discutir, mas aos quais nos contentamosem ordenar.
Com efeito, para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão dointerlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental.
(...)
Não esqueçamos que ouvir alguém é mostrar-se disposto a aceitar-lheeventualmente o ponto de vista.62
Esta observação de PERELMAN focaliza um comportamento de alheamento que já
observei tantas vezes em audiências preliminares: o juiz explica por que tal e tal diligência são
impertinentes, ou por que esta e aquela argumentação não hão de prevalecer, e no rosto da
parte presente, completamente leiga, aparece a luz da compreensão, enquanto seu patrono ali
permanece, impassível, como se estivesse ouvindo um comentário geológico. Não sendo
aceitável a hipótese de que o advogado não tenha a capacidade de entender o que se diz, cabe
como luva a explicação de PERELMAN: ele não está ouvindo, no sentido dialético da
palavra. Está tão convencido de sua verdade que não veio disposto a aceitar outras
possibilidades. Por outro lado, o juiz convencido, igualmente, de sua verdade única, não está
apto nem a usufruir de sugestões úteis tecidas pelas partes, nem a tentar convencer as partes
da justiça de sua decisão.
A concepção argumentativa a que nos referimos veio traduzida, na doutrina
processual, como “princípio da cooperação”:
61 Chaim PERELMAN; Lucie OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação, p. 20.62 Chaim PERELMAN; Lucie OLBRECHTS-TYTECA, Tratado da argumentação, p. 18 e 19.
67
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(...) que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um merofiscal de regras.
Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutóriosou de efetivação das decisões judiciais. (...) O magistrado deveria adotar uma
postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo:esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver comdúvidas e ainda, dando orientações necessárias, quando for o caso. Encara-se o processo como o produto de atividade cooperativa: cada qual com assuas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do atofinal (decisão do magistrado sobre o objeto litigioso). Traz-se o magistradoao debate processual; prestigiam-se o diálogo e o equilíbrio. Trata-se de
princípio que informa e qualifica o contraditório. A obediência ao princípiode cooperação é comportamento que impede ou dificulta a decretação denulidades processuais – e, principalmente, a prolação do juízo de
inadmissibilidade. (...)63
O diálogo que idealizo para o processo civil poderia ocorrer, de fato, apenas em
audiência e mediante larga utilização do princípio da oralidade. Como poderia o magistrado
consultar, alertar, dialogar com as partes e seus patronos na fase do saneamento do processo
senão em audiência, quando a resposta a suas indagações e sugestões é imediata? Fazer cada
uma das indagações (por vezes a resposta de uma influirá na próxima indagação,
subseqüentemente) pela Imprensa Oficial e esperar os prazos de petição e protocolo integrado
seria eternizar aquilo que hoje se considera moroso. No vis-à-vis, entretanto, a imediatidade
torna efetivo o diálogo, o debate, a participação.
A audiência, como centro vivo do procedimento, exalta-se, assim, como
protagonista de outros valores: a) comunicação direta entre os sujeitos do processo; b) simultaneidade e instantaneidade de ações e reações;c)centralização da direção do ato na pessoa do juiz; d) exercício imediatodos poderes judiciais. São todos valores a exaltar a humanização como valor social do processo, surgido como elemento de pacificação social e dirigido
para o mesmo fim (...)
(...)
Com a alteração do conceito de oralidade, que se operou ao longo dos doisúltimos séculos, entende-se que a audiência preliminar , em toda a extensãodo conteúdo que sugere a doutrina, na atualidade, se caracteriza como uma
nova e última forma de valorização e aproveitamento dessa oralidade.
63 Fredie DIDIER JÚNIOR. Curso de direito processual civil v.1, p. 56.
68
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A audiência preliminar , com predomínio dos atos realizados oralmente, édirigida para múltiplas finalidades, que vão na lei expressamente arroladas.64
Certas circunstâncias levam à efetividade especial do ato assim realizado. Não são
raras as vezes em que as partes se compõem diante de uma proposta neutra do juiz presente,
ainda que hajam afirmado previamente a impossibilidade de composição.
A especificação de provas torna-se muito mais profícua. Aos advogados que não
entendam a diferença entre aquela postulação genérica (e a meu ver completamente inútil) e a
necessidade de argumentar sobre a pertinência de cada uma das provas, deve ser explicada a
finalidade da especificação. “Contribui nesse passo a imediatidade entre juiz e partes, juiz e
procuradores das partes, de modo a corretamente interpretar o requerimento das provas das
partes, bem como debater a utilidade desses meios”65.
Lembro novamente que é mais fácil ser antiético no papel do que face a face. Embora
costumemos lamentar as injustiças cometidas contra nós por parentes e amigos, devemos
refletir que lamúrias ocorrem não porque eles nos sejam menos éticos do que são a estranhos,
mas, sim, porque esperávamos deles um nível ético superior. Assim, ao ter contato direto com
a parte contrária e com o juiz, o ator processual tende a ser mais ético em suas formulações,
postulações e, por conseqüência, poderá acabar admitindo a completa impropriedade de
algumas preliminares argüidas e provas postuladas, delas desistindo, sem que haja
necessidade de afastamento por autoridade (do juiz), o que diminui a ocorrência de recursos
contra decisões interlocutórias. Havendo dúvida quanto a algum pressuposto processual, é
possível esclarecê-la.66 O analfabeto que passou – irregularmente – procuração por
64 Jefferson Carús GUEDES. O princípio da oralidade. p. 62 e p. 102.65 Jefferson Carús GUEDES. O princípio da oralidade. p. 10966 “Desse modo ainda mais se aproximará o juiz do que se tem denominado “diálogo com as partes”, ato
em que o juiz, para o exame dos ocasionais vícios do processo, ouve os interessados e decide sem surpreendê-los, decide e aponta os seus fundamentos imediatamente, decide pela provocação e perante as partes.” (JeffersonCarús GUEDES. O princípio da oralidade. p.108.)
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instrumento particular pode ratificar os poderes em audiência. Enfim, a presença das partes e
do juiz frente a frente traz uma série de benefícios que seria impossível aqui enumerar.
É claro que a condução de audiência tal como preconizamos exige do magistrado
energia muito superior à despendida em ato realizado mecanicamente (ou apenas por escrito),
levando muitas vezes a desgaste psicológico notável. Este, aliás, segundo os questionários
submetidos, é o motivo subjacente a muitas supressões de audiências preliminares.
Profissionais do Direito não preparados para o ato tendem a esvaziá-lo ou a reagir
violentamente à tentativa de argumentação. Estariam dispostos a ouvir indeferimento das
pretensões do cliente, mas não uma sugestão sobre como melhor proceder. Estariam
preparados para o “não” do juiz, mas não para a explicação oral da negativa, diante do cliente,
de forma clara e compreensível, sem possibilidade de alegar que o “não” tenha sido resultado
de incompreensão ou insensibilidade do julgador. Outro fator de relevo é a apreciação
“moral” que as partes presentes eventualmente pretendam que o juiz teça sobre elas, a fim de
lhes dar ou não prevalência nas questões jurídicas não afins. Essas são razões que levam a
meditar sobre o preparo teórico e psicológico que será necessário para tornar plenamente
viável a cooperação almejada.
Para que a audiência preliminar possa prevalecer, é imprescindível que, além da
bagagem teórica adequada e do preparo psicológico para o debate, todos tenham
conhecimento prévio dos autos. O ato não se pode iniciar com o completo desconhecimento
do juiz acerca do processo, e muito menos com advogados vindos “apenas para o ato”.
Retome-se a condição necessária para o diálogo: embora as conclusões possam ser diversas,
devemos estar de acordo acerca da existência de um assunto comum, que é aquele caso
concreto, e não apenas hipotético. Costumo citar uma ocorrência verdadeira, que muito meimpressionou. Era uma audiência preliminar e, tentada a composição, o patrono da requerida
70
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(pessoa jurídica cujo preposto não se fez presente) disse que não havia a mínima possibilidade
de acordo. Passamos à fase seguinte da audiência e lhe dei a palavra para especificar provas e
ele disse “mas eu vim apenas fazer a audiência”. Insisti que tomar a palavra para especificar
provas fazia parte da audiência, mas ele repetia vagamente a mesma justificativa, até que
enfaticamente disse: “Não sei do que se trata. Meu chefe disse que eu deveria vir aqui e dizer
que não havia acordo e assinar o papel. Está pronto o papel que eu tenho que assinar? Preciso
levar uma cópia desse papel para o escritório”. Nestes termos, por certo, nem Salomão seria
capaz de estabelecer um diálogo sobre o justo. Não havia nenhuma razão para que ele
estivesse ali, como também não haveria razão de um juiz presidir a audiência preliminar
limitando-se a indagar se havia composição e, diante da negativa, chamar os autos
mecanicamente à conclusão.
Os comportamentos de alheamento e as reações agressivas são muito nocivos às
composições, mas também bastante perigosos para o bom desenvolvimento da instrução.
Como egressa, que sou, da classe dos advogados, não ignoro que os patronos passam por uma
série de dificuldades. Por vezes se preparam para a audiência e encontram um magistrado
disposto apenas a perguntar se já há acordo e, em caso negativo, chamar os autos à conclusão,
frustrando todas as expectativas de diálogo efetivo. Além disso, a concorrência é acirrada, e
os bons profissionais nem sempre conseguem obter o justo valor de seu trabalho, pois há – e
disso se têm notícias concretas – outros profissionais que aceitam atuar por bagatela. O
raciocínio econômico que norteia muitas escolhas em nossa sociedade pode levar o leigo a
considerar desonesto o preço do bom profissional, ignorando as graves conseqüências que a
“atuação de bagatela” pode ter sobre seu direito material. Esta luta diária pode levar certos
profissionais a ter medo de, diante de seu cliente, demonstrar “fraqueza” ao aceitar o ponto de
vista do outro. De fraqueza, porém, não se trata: muitas vezes a melhor solução para todos se
encontra em posição racional diferente daquela da qual partiu o advogado.
71
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Na pesquisa realizada para a confecção desta monografia, alguns juízes responderam
que não realizam aquilo que chamei “saneador compartilhado” (na expressão de Luiz
Rodrigues WAMBIER 67) porque alguns advogados não estão preparados a colaborar.
Para romper as barreiras da insuficiência técnica de alguns operadores do Direito,
entretanto, nenhuma reforma processual será de utilidade. A crise do ensino jurídico vem
sendo discutida há anos, e agora os diplomas massificados trouxeram para um plano muito
prático as preocupações que nos pareciam apenas teóricas. Há muitos operadores do Direito
que apenas se deram ao aprendizado do Direito Positivo vigente, desconhecendo os
fundamentos da disciplina. Outros, ainda, mal conseguem manejar os instrumentos práticos
mais conhecidos. A tudo isso, porém, não se pode dar solução no âmbito do Direito
Processual, pois ela envolveria reforma séria das instituições de ensino.
Vislumbro, no entanto, a possibilidade de agir no cotidiano, preparando o espírito dos
operadores do Direito, disseminando a idéia do consenso e da sua utilidade para a agilização
do processo. Para isto, porém, será necessário congregar os órgãos de classe dos advogados e
os juízes para que sejam convencidos da utilidade do diálogo, uma vez que este não pode ser
imposto, como já se percebeu em exposição anterior. No plano da atuação dos juízes, por
exemplo, seria necessário criar fórmulas de estímulo que considerassem ponto de
merecimento a condução das audiências preliminares, com ou sem acordo em relação ao
mérito.
Uma última idéia acerca da oralidade e do preparo para as audiências preliminares: a
capacidade de expressão oral e espontânea, que parece ter sido perdida pela “geração dos
editores de texto”. As petições de processos são muitas vezes indistinguíveis umas das outras,
pois se copiam, em profusão de citações desconexas características do “recorta e cola” que os67 Luiz Rodrigues WAMBIER. A audiência preliminar como fator de otimização do processo. O
saneamento “compartilhado” e a probabilidade de redução da atividade recursal.
72
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computadores oferecem. No momento de articular idéias não padronizadas, entretanto, o
profissional emudece, pois não está pronto a enfrentar a multiplicidade de caminhos que uma
audiência pode tomar. É preciso investir, portanto, na capacidade de verbalização. Trata-se de
ter não o dom da oratória, mas a capacidade da argumentação verbal concisa e informal. Sim,
informal, pois o que o processo prevê não é um discurso dirigido ao juiz, tanto menos um
ditado autômato ao escrevente de sala, mas um diálogo autêntico que, concluído, será
resumido pelo magistrado em breves linhas para que do termo conste. O que disto se desvia é
deturpação das finalidades do ato, previstas em lei.
73
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CAPÍTULO VIII:
CONCILIADOR LEIGO versus JUIZ CONCILIADOR
Há, hodiernamente, enorme esforço para levar o conflito para longe do juiz,
estimulando o papel do conciliador leigo. Não comungo necessariamente desse intento
quando trato das necessidades da Justiça (vista como o conjunto dos operadores do Direito).
Explico-me: não nego a ajuda que os conciliadores leigos possam prestar e sua superioridade
para conciliar certos conflitos, sobretudo aqueles em que a lide sociológica está bem distante
de ter solução eminentemente jurídica. Porém não concordo com o alijamento do juiz do
conflito estabelecido.
A bem da verdade, o que o Estado vem procurando, à mingua de uma estrutura do
Judiciário capaz de dar vazão à imensa massa de conflitos que bate lhe às portas, é uma
solução alternativa, verdadeiro socorro para a crescente e invencível necessidade de juízes.
Não temos juízes suficientes para julgar com agilidade e segurança todas estas causas: vamos
tentar conciliar as partes. Assim, liberado da tarefa de conciliar, que demanda tempo, preparo
e paciência de que não dispõe, o juiz terá tempo para resolver as questões técnicas de direito
nos conflitos remanescentes.
Tal concepção do Judiciário, a meu ver, toca dois pontos sensibilíssimos: a figura
humana do juiz e a tarefa preponderante do Judiciário.
74
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O Judiciário deve atuar só em casos de conflito; o conflito está verdadeiramente
caracterizado só quando uma conciliação leiga não foi possível. Assim, a rigor, os casos de
fácil conciliação só chegaram ao Judiciário por grave falha na estrutura da Justiça, da qual o
Judiciário é apenas uma peça. A Justiça – composta por diversos operadores do Direito, em
diversos graus – pressuporia mecanismos de instrução cidadã, de orientação jurídica, de
igualdade de oportunidades, de controle social, de mediação e pacificação. Severas
deficiências do Executivo e da sociedade civil engendram falsos conflitos, gerando processos
em que há não lide, mas simplesmente falta de diálogo ou intuito meramente protelatório. Em
tais casos, o que se almeja é uma pré-estrutura de orientação e mecanismos dissuasórios, para
evitar que os falsos conflitos abarrotem uma estrutura (a do Judiciário) que só deveria ser
chamada a dizer o Direito no caso concreto quando há pretensão efetivamente resistida, ou
quando o interesse público assim demandar (jurisdição voluntária).
Acredito que haja, sim, no estado atual do sistema processual, imensa utilidade na
conciliação leiga, sobretudo naqueles casos em que a lide real não corresponde exatamente à
pretensão deduzida em juízo. Especificamente nesses casos, o conciliador leigo não é apenas
instrumento para “desafogar” o juiz, dando-lhe mais tempo para as decisões de mérito, mas é
conciliador mais capacitado do que a maior parte dos juízes. Refiro-me, principal e
especialmente, aos casos de família e àquelas causas que envolvem, de certa maneira, pessoas
cujas relações sociais sejam estreitas. Uma análise minuciosa das causas sociais ou
psicológicas do problema pode conduzir o conciliador leigo competente (e portador de
conhecimento direto de tal tipo de conflito: psicólogos, assistentes sociais etc.) a proposta
conciliatória muito mais consistente do que a de um técnico do Direito. Contudo, uma vez
mais, é preciso questionar se a competência seria do Judiciário ou se as tratativas deveriam ser
realizadas ainda antes de as partes ingressarem com o processo, por estruturas da Justiça que
não necessariamente comporiam o Judiciário.
75
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Quando, entretanto, há verdadeiro impasse na aplicação da lei, o juiz não mais pode
ser aquela figura que não dispõe de tempo, de paciência e de preparo para lidar com seres
humanos. Nós, juízes – digo isto porque escrevo sob tal condição e dela não me posso apartar
–, não somos meros produtores de decisões hipotéticas e não podemos trabalhar no vácuo.
Temos de estar preparados para o diálogo com as partes e seus procuradores, quer esse
diálogo conduza a consenso acerca da solução do mérito da causa, quer conduza apenas a
consenso acerca da condução da instrução do processo.
Seguindo a lição de Nélson NERY JÚNIOR, ao tentar a conciliação o juiz deverá
orientar-se pela
prudência e sensatez, aliadas à autoridade de que é revestido o magistrado; aele competirá propor a conciliação fazendo ver às partes os males que lhesresultam das demandas e abstendo-se de empregar algum meio violento oucaviloso (...) mas isto ainda é pouco, dentro do que se deve entender por tentativa de conciliação. Compete ao juiz ir mais além, sugerindo às partesas soluções que mais se coadunam com a equidade e o sentido de justiça,
quer dizer, com o equilíbrio mais justo e humano dos interesses emconflito.68 (Grifei.)
Intrigante questão se impõe acerca da suspeição do juiz que conduziu a conciliação –
com as ponderações de NERY JÚNIOR – para o julgamento posterior da causa, em caso de
fracasso da aproximação por ele tentada. A hipótese não é cerebrina: considerável número de
vezes, ao tentar aproximar as partes, o juiz ouve dizer que está “prejulgando” e que não mais
poderá continuar conduzindo aquele processo. Pessoalmente, nunca vi tal “ameaça”
concretizar-se em incidente processual de suspeição do juiz; parece mesmo que o objetivo de
tais patronos é acuar o magistrado quando se sentem incomodados com a argumentação em
prol da conciliação, a fim de fazer retroceder o juiz ao lugar em que estão acostumados a vê-
lo, sentado impassível, pensamentos inexpugnáveis!68 NERY JR. Nélson. Audiência preliminar e saneamento do processo, p. 341, apud Jefferson Carús
GUEDES. O princípio da oralidade. p. 104.
76
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O advogado que assim aventa, obviamente, acredita que o magistrado esteja
prejulgando contra a sua tese (a hipótese contrária, sim, é cerebrina!). Adotando a postura de
PERELMAN, bastaria dizer: “Se acredita que estou inclinado a adotar a posição contrária, e
já que estamos em diálogo, tente, em seguida, convencer-me da justiça das suas razões”.
CALMON DE PASSOS, refratário à idéia do consenso (assim como a quase todas as
inovações aportadas ao processo civil, incluídos os Juizados Especiais Cíveis, que reputa
inconstitucionais69), após louvar Kazuo WATANABE, acaba por dizer que com ele não
concorda, descrente da possibilidade de vingar a conciliação em terras brasileiras. E arremata,
dando armas aos adeptos da discórdia:
Poucos magistrados sabem conduzir uma conciliação. Isso menos por faltade capacidade que pela quase intransponível dificuldade de ser, ao mesmotempo, o juiz que tenta conciliar e o juiz que julgará a disputa, se não houver conciliação.
(...)
O que sempre nos pareceu quase impossível é que o juiz que tentou conciliar permaneça como responsável pelo julgamento da causa, caso não obtida aconciliação. 70
Novamente cito CALMON DE PASSOS para dele divergir radicalmente, quer porque
comungo de muitas das idéias de WATANABE, grande idealizador de reformas substanciais
de nosso sistema processual, quer porque identifico no ideal de juiz desenhado por CALMON
aquela figura empoeirada que permanece estaticamente a ouvir as partes, tomando todo
69 Diz CALMON DE PASSOS textualmente: “Muitos acreditam que temos uma espécie de rejeição atudo quanto tem sido ultimamente inovado em nosso processo civil. É uma acusação injusta. (...) O §3º do art.
277 diz que as partes comparecerão pessoalmente à audiência, podendo fazer-se representar por preposto. Causa-nos espécie que se atue coercitivamente para induzir alguém a conciliar”. Comentários ao Código de ProcessoCivil , vol. III., p. 159/160.
70 José Joaquim CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil , vol. III, p. 487.
77
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cuidado para não deixar transparecer por gestos, palavras ou olhares se já está inclinado a
julgar. Assim, mantendo-se como uma samambaia durante os debates, esse juiz ao final tem
uma “revelação”, quase divina, e profere de imediato julgamento que antes sequer lhe passara
pela mente, mas que nela se tornou claro assim que o advogado do réu colocou ponto final em
sua derradeira frase.
Essa figura, por certo, não existe, nem semelhante julgamento. Há teóricos, aliás, a
propugnar que, em verdade, o ser humano julga intuitivamente71 (no sentido filosófico antes já
referido), para, depois de acertar-se sobre quem tem razão, organizar os fundamentos pelos
quais assim decidiu. O contato direto com as partes, sem dúvida, forneceria à apreensão
imediata da realidade muitos elementos suplementares de convencimento.
Voltemos ao juiz real e humano, que discutiu com as partes os pontos controvertidos,
as provas pertinentes, os obstáculos processuais e tentou compô-las. Pode manter em uma
espécie de “caixa-preta” seu entendimento sobre o caso na audiência preliminar? Parece-me
que, se tomarmos em conta o princípio de cooperação, a que se refere DIDIER JÚNIOR, não
pode nem deve.
Exemplo disso: a possibilidade de inversão do ônus da prova com base no art. 6º do
Código de Defesa do Consumidor. Embora se trate, em meu entender, de matéria de
julgamento, porque só diante da concreta ausência de provas incumbe ao juiz decidir com
base na distribuição dos ônus, não me parece razoável que o juiz, sob o argumento da
imparcialidade, deixe de advertir o réu de que, no caso concreto, é possível inverter o ônus da
prova se não houver material probatório suficiente para a decisão isenta de sistema de
71 “A pré-compreensão (inafastável condição de possibilidade da compreensão) implica que o intérprete-aplicador, quando confeccione e manuseie os modelos de decisão, tenha já uma pré-visão do problema, fruto dasua experiência, dos seus conhecimentos, das suas convicções e da própria linguagem, Por essa razão, através da
análise dos fatores pré-firmados da decisão, e assumindo-se, designadamente, a dimensão prático-normativa dodireito, há que integrar, na medida do possível, o próprio pré-entendimento nos modelos de decisão, limandoarestas e valorizando os fatores fáticos e sistemáticos que porventura venha a incluir.” Atahualpa FERNANDEZ,A jurisprudência como fator determinante do conteúdo jurídico-normativo, p. 35.
78
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presunções legais. O réu tem o direito de saber que o magistrado está antevendo isso, a fim de
exercer plenamente o contraditório. Trata-se não de decidir segundo regra de procedimento
(como entendem alguns doutrinadores), mas, sim, de antecipar parte da decisão de mérito,
concernente à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto72.
É preciso de uma vez por todas discernir a imparcialidade da passividade. O juiz
imparcial é aquele que não tem a priori razões para julgar a favor ou contra e dá às partes a
possibilidade de trazer aos autos seus argumentos e suas provas. Não se confunde com o
apático que não se importa com o que ocorre durante a fase postulatória, não determina
emenda de inicial, não interfere na prova, apenas aguarda que cada um faça aquilo que bem
entender, para, ao final – de preferência no silêncio de seu gabinete – analisar o que do
processo se salva e julgar para extinguir o feito, pouco importando se com ou sem julgamento
do mérito.
Veja-se oportunamente o ministério de CARREIRA ALVIM:
Ninguém põe em dúvida que, sendo o juiz uma figura proeminente no processo, não deve assumir posições que competem aos advogados das partes, o que não significa que deva quedar-se como um ser inerte para nãocomprometer a sua "neutralidade", como se fosse esta o fiel da balança sobrea qual repousa a confiança na Justiça.
Vulgarmente, ser neutro significa não tomar partido nem a favor nemcontra, numa contenda, mas, definitivamente, não é essa a posição que seexige do juiz, mormente em face da desigualdade material das partes e da
grandiosidade da função jurisdicional no afã de prestar justiça justa.
Ser imparcial significa, de um lado, não ser parte (in parcial ), o quedistingue o juiz dos demais sujeitos processuais que são, pela sua próprianatureza, parciais e, de outro, que não tem interesse próprio na disputa, nema favor de um nem de outro litigante, senão em que a final seja reconhecidarazão a quem tem realmente a razão.
(...)
No tocante à tentativa de conciliação, existe uma diferença entre o juiz ativoe o juiz neutro, pois aquele se empenha em conduzir as partes a um acordo,
72 A hipótese não é singular. Ao decidir se o autor pode demandar em seu próprio domicílio contra ofornecedor, o juiz deve antecipar parcialmente o exame do mérito, qualificando aquela relação como relaçãoconsumerista, ou não.
79
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pondo fim ao litígio, enquanto este se detém na retórica de indagar se as partes têm interesse num acordo, contentando-se com a resposta negativa deuma delas ou de ambas. 73
Vejamos outra hipótese. O juiz, antes de presidir a audiência preliminar, se pretende
fazê-lo com dignidade, deve ter lido a inicial e a resposta, ainda que superficialmente. Com
isso, já tem idéia dos pontos controvertidos e já sabe quem, pelas provas dos autos, está em
vantagem, quem em desvantagem. Propõe acordo que não é aceito. Bem, o quadro pode
mudar radicalmente durante a instrução, mas então as partes declaram que não lhes resta
nenhuma prova a produzir. O juiz já sabe quem sairá vencedor no seu julgamento. Isso não
quer dizer que saiba quem sairá vencedor ao final – pois o Tribunal pode sempre reexaminar a
causa –, mas já tem idéia da sentença que está apto a proferir no próximo quarto de hora.
Deve permanecer estático? Ou deve tornar a propor acordo, considerando com as partes a
ausência das provas e ponderando que seu ponto de vista poderá ser sempre reformado em
segundo grau? A meu ver, um juiz comprometido com a pacificação social pode e deve
repropor o acordo, dialogando com as partes.
A questão assim se coloca: se o caso está pronto para o julgamento antecipado e as
partes não têm mais nenhuma carta a jogar (prova ou argumentação), o julgamento está
definido em primeiro grau, e ao juiz restam duas opções: propor o acordo fundado nas
definições que vislumbra ou fingir que não tem a mínima idéia do que decidir no caso
concreto. Se o caso ainda deverá ser objeto de instrução para futuro julgamento, a idéia que
tem do processo é provisória, e como tal poderia ser externada, a fim de orientar as partes
73 J.E. CARREIRA ALVIM, Neutralidade do juiz e ativismo judicial.
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acerca da utilidade e da conveniência da produção da prova. Ao dialogar acerca do material
probatório que as partes têm à disposição, ajudando-as a sopesar as chances e os riscos da
instrução, o magistrado pode estar, ao mesmo tempo, aproximando-as para um acordo, a fim
de mitigar os riscos da lide para ambas. Em qualquer caso: ainda que as partes vislumbrem a
tendência do magistrado para uma das teses, deverão sempre considerar que há o segundo
grau de jurisdição para reexame da matéria.
Em síntese: não acredito no modelo do juiz que finge nada saber, como não posso
pactuar com aquele que, por despreparo para o ato, nada sabe do caso concreto. Um e outro
podem ser tomados não como ícones de imparcialidade, mas apenas como tristes resultados
de uma justiça desumana. Se nos preparamos adequadamente para o diálogo, não haverá
receio de que o juiz isento, que não conhece nenhuma das partes nem tem motivos para
beneficiá-las, esteja perdendo sua retidão de julgar ao ponderar com as partes.
Há projeto de alteração do texto legal (Projeto de Lei nº 7.499, de 2002) para a
antecipação da audiência de conciliação, como já mencionado, podendo esta ser proposta por
conciliador. Retomo, aqui, a ponderação anterior: seria necessário, antes de promover a
alteração, verificar de modo mais acurado os benefícios que traria, pois os melhores
resultados percentuais de acordos nos procedimentos sumário e sumaríssimo podem ser
decorrentes da natureza das causas implicadas, e não da antecipação da audiência 74. Em
processos que envolvem Direito de Família, este expediente vem sendo largamente utilizado,
adaptando-se o procedimento já existente, com excelentes resultados75.
De qualquer forma, se infrutífera a composição prévia, tentada pelo conciliador, seria
necessário que o juiz novamente assumisse a direção do processo, não sendo suficiente que
74 No Direito Processual Austríaco, a audiência de conciliação antecede a contestação, mas pode ser
dispensada se o magistrado antevir que o requerido irá opor-se à conciliação e contestar o mérito.75 Confira-se o projeto de conciliação nos feitos de família do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cuja
central de conciliação obteve acordos em 62,45% das audiências prévias realizadas. In: A REFORMA silenciosada Justiça.
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haja proposta de acordo por conciliador leigo e que se abandone o processo por audiências,
cujos resultados mostraram-se tão animadores no Uruguai.
Sobre a presença e direção do juiz no processo civil uruguaio, disse SOSA:
A participação direta das partes no processo, a presença do magistrado nasaudiências, escutando as alegações das partes, recebendo a prova, propondomeios conciliatórios, enfim, dirigindo o processo, teve um efeito benéficoem relação a todos aqueles que acedem ao sistema de justiça, visto agoracomo adequado e colocado a seu serviço.
O novo Código cumpriu, neste aspecto, a promessa da mais modernadoutrina processual, preconizada por Cappelletti, de focar a perspectiva dos
consumidores do serviço da Justiça.76
Finalmente, uma sugestão que vem da prática cotidiana. Tratar-se-ia de um sistema
misto, cuja implantação me parece viável no Estado de São Paulo. A fim de agilizar as pautas
conciliatórias, haveria uma sala de “pré-audiência”, na qual as partes poderiam ser
primeiramente aproximadas por conciliador leigo. Se houvesse composição, obviamente,
submeter-se-ia ao juiz para homologação o termo de acordo, encerrando-se desde logo o
processo. Se o conciliador leigo não obtivesse êxito, as partes iriam da sala de “pré-audiência”
à sala de audiências propriamente dita, na qual o juiz togado tentaria novamente a
composição, com ponderações de cunho jurídico, e, se não obtida a conciliação, passaria a
apreciar as questões processuais inerentes à audiência, conforme o caso (art. 331 do Código
de Processo Civil: especificação de provas e saneamento; art. 277 do Código de Processo
Civil: resposta e decisão sobre as questões processuais). Considerando que a pré-aproximação
pode, por vezes, durar cerca de uma hora, a realização da pré-audiência serviria, quando
menos, como ato preparatório, possibilitando melhor aproveitamento da sala de audiências e
do tempo do juiz, sem nenhum prejuízo relevante para as partes e seus procuradores.
76 Angel Landoni SOSA, Importancia del código del proceso civil para iberoamerica en la perspectiva delMercosur. Tradução livre do trecho.
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CONCLUSÃO
Procurei, ao longo deste trabalho, demonstrar a utilidade das audiências de conciliação
já existentes em nosso sistema processual para a melhor consecução do fim primordial do processo civil, que é a pacificação social .
Após analisar as imensas vantagens da composição – quando esta é possível e viável –
sobre o julgamento do mérito, debrucei-me sobre a efetiva adequação desse meio (audiências)
para a aproximação das partes, concluindo que, quanto mais processos tiverem audiências de
conciliação designadas, mais acordos poderão ser obtidos durante a tramitação processual,
abreviando etapas processuais futuras e prevenindo a proliferação de lides derivadas.
Ainda que infrutífera a composição, entretanto, tais audiências têm, a meu ver,
utilidade ímpar para conduzir o processo a boa instrução e bom julgamento, de modo que
entendo oportuno designar audiências preliminares, no rito ordinário, mesmo quando se
vislumbre a possibilidade de julgamento antecipado (do mérito) ou de extinção sem
julgamento do mérito. Propus, outrossim, interpretação ética do art. 331, §3º, na atual
redação, de modo a relegar ao saneador escrito apenas aqueles casos em que seja fatalmente
inócua a realização da audiência, tendo sempre em consideração as imensas vantagens
oferecidas pela composição e pelo saneamento compartilhado, que, em minha opinião, pode
ser realizado em audiência sem prejuízo de tempo no andamento do processo.
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Em suma, afastei as suposições de que a audiência preliminar poderia dilatar os
tempos do processo, propugnando a sua realização sempre que possível. Em sentido contrário,
observei que sistematicamente – sob as alegações de ter caráter protelatório ou de serem
consumidoras do precioso tempo do juiz – as audiências de conciliação são ignoradas por
significativo percentual dos juízes, com aval de muitos advogados. Expus minhas
considerações acerca da irrelevância do argumento de que as audiências tomem tempo dos
juízes, quer porque a relevância do ato não pode ter como medida o tempo disponível dos
juízes, quer porque estes podem servir-se de conciliadores.
Identifiquei, portanto, como ponto frágil das audiências, a incapacidade das partes para
o diálogo, que deveria ser fomentado a partir de estímulos aos atores do processo. Tal
incapacidade, por outro lado, reflete-se na desconfiança em relação ao juiz conciliador, no que
tange à tarefa de conciliar sem perder a imparcialidade.
Como observei na primeira parte deste trabalho, com o advento do Código de Processo
Civil de 1973, a oralidade perdeu sua importância na fase de instrução e julgamento77, mas,
com a Reforma de 1994, tornou a ganhar forma na audiência preliminar; a reforma da
reforma, em 2002, reduziu-lhe a importância, introduzindo o §3º do art. 331, que, em
realidade, abriu verdadeira oportunidade para os juízes decidirem discricionariamente acerca
da realização do ato. Há tentativa de retornarmos à obrigatoriedade das audiências
preliminares, conforme proposta de alteração legislativa que reintroduziria a redação original
do art. 331 do Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 3.958, de 2000).
Um alerta, porém, é primordial.
77 Lembre-se que antes de prevalecer a tese de Galena Lacerda, o que só veio a acontecer com o Código deProcesso Civil de 1973, o julgamento deveria sempre ocorrer em audiência, ainda que nela não se produzisse prova.
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As leis não agem no vácuo. Dependem de intérpretes. Se os intérpretes não estiverem
de acordo com o espírito da lei, tratarão logo de esvaziar a fórmula. Assim se deu logo após a
reforma de 1994, quando as audiências preliminares eram, à letra da lei, obrigatórias,
obrigação reiteradamente ignorada em prol de mal comprovada “celeridade” dos julgamentos,
sem que os advogados e os Tribunais se tenham empenhado em anular os atos dos juízes de
primeiro grau que da determinação do art. 331 do Código de Processo Civil faziam letra
morta. A lei logo se curvou à realidade e, em 2002, foi alterada para adequar-se ao anseio
generalizado dos operadores do Direito, introduzido que foi o §3º. Não há de ser a
reintrodução da obrigatoriedade, por si só, que suscitará vivo interesse pelo ato. Quando
alguns juízes – pouco afeitos à conciliação e ao diálogo com as partes – ainda temiam a
nulidade de seus atos se a audiência não fosse realizada, então designavam audiências
preliminares aos montes, todas no mesmo dia, limitando-se a perguntar afoitamente se havia
conciliação, e, se o acordo não estivesse já na ponta da língua, chamavam o processo à
conclusão. Não vejo melhor destino para a alteração futura, a menos que haja um movimento
concreto dos idealizadores dessa nova reforma a fim de divulgar a importância do diálogo,
convencendo os operadores do Direito a adotar as técnicas que já expusemos brevemente
neste trabalho.
Se os defensores da composição estão apostando justamente no diálogo, implícito a
toda conciliação, devem priorizá-lo, em detrimento das decisões de mera autoridade. Como
dizia PERELMAN, temos mais consideração pelos seres que pretendemos convencer do que
por aqueles que pretendemos comandar. Justamente tal apreço pelos operadores do Direito
deve fazer com que os reformadores para eles se voltem, não para obrigá-los ao encontro em
audiência preliminar, mas, sim, para convencê-los da excelente oportunidade que se
descortina no ato.
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Minha derradeira recomendação, portanto, está em não agir com dois pesos e duas
medidas. Não se pode impor solução de consenso. É preciso persuadir. Persuasão sem a
ilusão, contudo, de que as audiências de conciliação promovam milagres, sem a miragem de
que sejam a solução definitiva para problema de múltiplas faces e inúmeras causas, qual é a
morosidade da Justiça.
Será preciso convencer os juízes de que o enorme número de processos com que têm
de lidar não é o único horizonte da Justiça e que a pacificação social não única e
primordialmente encontra medida no número de sentenças de mérito produzidas. Será preciso
persuadir os advogados de que o contencioso não é a única área de atuação, e que nem sempre
vencer a causa resolverá o problema real do cliente.
Tenho fé, entretanto, pois acredito que teremos argumentos suficientes para isso.
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