UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE INCLUSÃO DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
RAFAEL CAETANO CHEROBIN
Itajaí, novembro de 2009
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A POLÍTICA DE INCLUSÃO DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
RAFAEL CAETANO CHEROBIN
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Guilherme Bez Marques
Itajaí, novembro de 2009
AGRADECIMENTO
Agradeço ao meu professor e orientador Guilherme Bez Marques pela atenção e
dedicação prestada durante todo o percurso desta monografia, dignos de um professor honesto e
seriamente comprometido com a atividade acadêmica.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Rubens Marcos Cherobin e Vera Caetano Cherobin, aos
meus irmãos, Juliano Caetano Cherobin, Fernando Caetano Cherobin e Bruno Caetano
Cherobin, e às minhas avós, Dina Augusta Barbieri Cherobin e Maria Anunciação Silva
Caetano, pela presença constante em todos os aspectos de minha vida.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, novembro de 2009.
Rafael Caetano Cherobin Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rafael Caetano Cherobin, sob o
título “As ações afirmativas e a política de inclusão dos negros nas universidades
brasileiras”, foi submetida em 20/11/2009 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: Prof. Guilherme Bez Marques e Prof. Msc Clóvis Demarchi
e aprovada com a nota
Itajaí, novembro de 2009.
Professor Guilherme Bez Marques Orientador e Presidente da Banca
Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................VVII
INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
1. AS AÇÕES AFIRMATIVAS.................................................................................4
1.1 HISTÓRICO .......................................................................................................4 1.2 DEFINIÇÃO .......................................................................................................7 1.2.1 DIFERENÇA ENTRE AÇÃO AFIRMATIVA E DISCRIMNIAÇÃO POSTIVA 8 1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS......10 1.3.1 A TEORIA COMPENSATÓRIA....................................................................12 1.3.2 A POLÍTICA DE COTAS PARA NEGROS É UMA FORMA DE PRECONCEITO INVERTIDO?..............................................................................14 1.3.3 AS COTAS IRÃO PREJUDICAR A QUALIDADE DO ENSINO NAS UNIVERSIDADES? ...............................................................................................16 1.3.4 O PRINCÍPIO DO MÉRITO ..........................................................................18
2. A AFIRMAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL ...................................................23
2.1 O HISTÓRICO ESCRAVOCRATA..................................................................23 2.2 UM RETRATO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ................................................31 2.3 DA IGUALDADE INDIVIDUAL À COMUNITÁRIA..........................................35 3. ANÁLISE JURÍDICA DAS COTAS ESTUDANTIS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS ........................................................................48
3.1 DA IGUALDADE FORMAL À MATERIAL......................................................48 3.2 DA FLEXIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE .................................53 3.3 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ................................................58 3.4 O QUE PRESCREVE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/88 ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS?.... ......................................62 3.5 QUEM SÃO OS NEGROS NO BRASIL?........................................................67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................72
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..............................................................78
RESUMO
Esta monografia teve por objetivo investigar a possibilidade
jurídica da política de cotas para negros nas universidades brasileiras. A
dificuldade relacionada ao tema se dá em razão de que a reserva de vagas nas
universidades a um grupo racial implica necessariamente em discriminação de
pessoas conforme as suas raças e conseqüentemente numa suposta violação do
princípio da igualdade, de modo que a implementação de tal política pública se
torna bastante controversa e questionável perante a Ordem Jurídica vigente.
Assim, buscou-se na presente pesquisa analisar as bases teóricas – éticas e
jurídicas - na qual se fundamenta a política das cotas, o que, por conseguinte,
impôs também uma reflexão sobre os pressupostos na qual se valem as ações
afirmativas em geral. Desse modo, a pesquisa se deu em três frentes principais,
correspondentes aos três capítulos do presente trabalho. No Capítulo 1, tratou-se
dos aspectos teóricos mais genéricos envolvendo as ações afirmativas e a política
de cotas para negros nas universidades brasileiras – história, definição e aspectos
político-sociais. No Capítulo 2, discutiu-se o histórico escravocrata brasileiro e o
problema da discriminação racial no País, bem como a conseqüência dessas
questões no que concerne ao número reduzido de negros nas universidades
brasileiras. E ainda, a relação entre ações afirmativas e as diferentes teorias da
igualdade. Por fim, no Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros nas
universidades brasileiras no que se refere à sua possibilidade jurídica consoante a
Ordem Jurídica vigente no Brasil. Concluiu-se, ao final, que as cotas para negros
nas universidades brasileiras são passíveis de aplicação prática consoante a
Ordem Jurídica vigente, dado o teor socializante da Constituição brasileira,
condizente com uma perspectiva comunitarista e material da igualdade. Porém,
para que sejam realmente implementadas num caso em concreto, devem se
subordinar às circunstâncias objetivas constatadas na sociedade quando da
aplicação, que por sua vez, irão justificar ou não tal política pública conforme as
exigências legais. E em decorrência dessa primeira constatação, outra conclusão
a que se chegou ao longo do trabalho é a de que o tema das cotas é
viii
constantemente cingido por um caráter político, não se limitando a uma
racionalidade estritamente jurídica. Porquanto as circunstâncias objetivas que
servem de justificativa ou não à aplicação prática das cotas raciais nem sempre
são claras e levam a uma mesma conclusão, abre-se espaço, portanto, para que
tanto opiniões a favor como opiniões contrário às cotas raciais sejam
juridicamente argumentáveis num caso em concreto, de modo que as diferentes
posições sobre o tema acabam por ser inevitavelmente recheadas de
ponderações éticas e político-sociais que vêm camufladas por uma pretensa
lógica e neutralidade jurídica. Por isso, destarte, a segunda conclusão de que há
uma constante politização do tema.
PALAVRAS-CHAVE
Ações afirmativas, cotas, negros e princípio da igualdade.
INTRODUÇÃO
Segundo os últimos números da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)1, em 2008, dentre os ocupados, 7,8 milhões de pessoas (8,4%)
não tinham instrução ou tinham menos de um ano de estudo. O alarme
decorrente de tal número expressivo evidencia a escassez de um bem que no
Brasil possui relevância fundamental como meio de mobilidade social, a
educação.
Logicamente, portanto, que sendo a educação um bem
disputado em um cenário de tão grande competitividade, mormente quanto às
vagas nas universidades públicas, que conseqüentemente a política de inclusão
dos negros nas universidades brasileiras, através de cotas raciais, tornou-se tema
de grandes controvérsias e divergências, que vão desde uma luta política por
interesses de grupos sociais até um amplo debate teórico sobre a legitimidade
ética e jurídica desse tipo de política pública: as chamadas ações afirmativas.
A dificuldade atinente ao tema se acha primordialmente em
razão das ações afirmativas se embasarem - e isso é evidente no caso das cotas
raciais - justamente no princípio da igualdade para legitimar a discriminação de
pessoas. Ou seja, é com fundamente na noção de igualdade que se tenta
justificar a classificação de pessoas em raças. Portanto, o que ainda não está
claro e figura como a grande fonte de divergências é a fixação do que o princípio
da igualdade exige como medida de justiça; se é possível, através dele,
discriminar pessoas ou não. E se a resposta for que sim, pergunta-se então de
que maneira tais discriminações podem ser realizadas.
Nessa seara, a presente monografia teve como objetivo
averiguar a possibilidade jurídica da política de cotas para negros nas
universidades brasileiras, buscando abordar o tema no contexto teórico das ações
1 Cfr em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1455&id_pagina=1
2
afirmativas, abrangendo questões históricas, filosóficas e jurídicas, bem como a
análise desses aspectos em relação à realidade brasileira.
O que se buscou como objetivo principal, em análise última,
foi se defrontar com todos os pontos que poderiam servir de entrave – jurídicos e
éticos - à aplicação prática desta ação afirmativa e, ao final, chegar-se a uma
conclusão quanto à sua possibilidade de aplicação diante da Ordem Jurídica
brasileira.
Diante desse foco principal de buscar uma solução jurídica
para a questão das cotas raciais aplicadas nas universidades brasileiras, diversos
outros objetos também tiveram que ser pesquisados e ponderados, seguindo uma
seqüencia lógica até que finalmente se tivesse uma sustentação sólida para poder
se concluir algo sobre a legitimidade jurídica ou não desta ação afirmativa. Esses
diversos objetos são justamente os temas que compõem os três capítulos do
presente trabalho.
Assim, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos aspectos
teóricos envolvendo as ações afirmativas em geral. Analisou-se, então, a história
das ações afirmativas, sua definição e diferentes modos de aplicação prática, e,
ainda, assuntos controversos relacionados à aplicação das cotas para negros nas
universidades brasileiras, a dizer, se as cotas visam compensar ou não a
população negra em razão do histórico escravocrata brasileiro, se são ou não
uma forma de preconceito invertido, se irão ou não prejudicar a qualidade do
ensino nas universidades e, por último, se são condizentes ou não com o princípio
do mérito.
Já no Capítulo 2, tratou-se da necessidade de afirmação da
raça negra no Brasil. Para tanto, foram analisados a formação étnica e racial no
País e, mais especificamente, os efeitos da escravidão aqui deixados, o processo
de seleção do vestibular e suas conseqüências quanto ao acesso aos bancos das
universidades brasileiras e, por fim, se as cotas se fundamentam somente numa
posição de política de redistribuição de renda ou se num projeto mais amplo, de
reconhecimento e afirmação da raça negra no País, consoante as duas teorias da
igualdade abordadas: liberal-individualista e comunitarista.
3
E, no Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros
nas universidades brasileiras quando à sua possibilidade jurídica. Assim, foram
analisados a transformação histórica do alcance formal do princípio da igualdade
para a sua dimensão material, as vedações e permissões do princípio da
igualdade quanto às políticas públicas, o princípio da proporcionalidade como
método mais seguro e eficiente de se avaliar se a aplicação das cotas seriam
viáveis ou não num caso em concreto, o que prescreve exatamente a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 acerca do tema e a
avaliação da possibilidade ou não de se classificar a população brasileira em
grupos raciais.
O presente relatório de pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados os pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre as cotas para negros nas universidades brasileiras.
Quanto à metodologia empregada na pesquisa, registra-se
que a investigação do objeto foi realizada conforme o Método Indutivo2 e o
relatório dos resultados composto na base Lógica Indutiva.
Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas ainda as
técnicas do Referente3, da Categoria4, do Conceito Operacional5 e da Pesquisa
Bibliográfica6.
2 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10
ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 104. 3 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10
ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 62. 4 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10
ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 31. 5 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10
ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 45. 6 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10
ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007, p. 239.
CAPÍTULO 1
AS AÇÕES AFIRMATIVAS
1.1 HISTÓRICO
As ações afirmativas tiveram sua origem no ano de 1941,
nos Estados Unidos, por ocasião de um ato executivo emitido pelo então
presidente norte americano Franklin D. Roosevelt. Nele, ficou estabelecido que as
empresas bélicas deveriam abrir vagas de emprego não somente aos brancos,
mas também aos negros7, dando, assim, um primeiro passo no combate à
discriminação por raça, já que antes a abertura de vagas a apenas pessoas de
uma única raça não era proibida por lei.
No entanto, foi somente na administração Kennedy (1961-
63) que se usou pela primeira vez a expressão “ação afirmativa” (affirmative
action), quando o Governo passou a obrigar às empresas que quisessem
contratar com o Poder Público a adotarem “medidas positivas” a fim de uma maior
inserção no mercado de trabalho de pessoas cuja etnia ou raça era socialmente
discriminada. É importante lembrar que tal política foi à época um grande avanço,
principalmente ao se considerar o fato de que se deu num País em que somente
em 1954 foi declarada a inconstitucionalidade das segregações raciais nas
escolas, pela Suprema Corte, através da famosa emenda 14 8.
Mas como o banimento formal dos atos discriminatórios
providos pelas administrações anteriores não surtiu grandes efeitos para uma
7 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no
Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 10. 8 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. Impulso: revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 73-89, mai-ago. 2006.
5
inclusão mais abrangente das categorias discriminadas, o governo americano
passou então a tomar medidas mais específicas. Tais medidas foram postas em
prática na administração Nixon. Foi ele quem em 1972, sob a égide do Plano
Filadélfia, modificou as leis existentes para que a discriminação positiva fosse
possível, o que significou, em outras palavras, que o critério raça agora poderia
ser tomado como fator de discriminação, desde que tivessem o intuito de incluir
categorias discriminadas no seio social9. Diferentemente das políticas públicas
anteriormente mencionadas, em que os objetivos eram, sobretudo, o de pôr fim às
discriminações negativas; agora as políticas públicas buscavam elas mesmas
discriminar, todavia, discriminar positivamente com o escopo de atuar de forma
mais direta na diminuição das diferenças entre os diferentes grupos étnicos e
raciais.
Embora os Estado Unidos tenham sido o precursor das
ações afirmativas, houve um declínio de sua utilização a partir do Governo
Reagan10, em 1981, de modo que as decisões judiciais e de governos passaram
aos poucos a vetarem a discriminação positiva, contribuindo assim para um
declínio das ações afirmativas naquele País. De outra face, se nos Estado Unidos
a década de oitenta representou uma saturação do uso de ações afirmativas, no
Brasil passaram a fazer parte do ideário político nacional.
Os anos 1980 no Brasil, embora muitas vezes sejam
lembrados como um período de grande instabilidade econômica, ao que depois
veio se chamar de “década perdida”, foram também marcados por um grande
avanço dos movimentos sociais. Foi o período em que diversas novas demandas
de grupos sociais começaram a surgir no cenário nacional, desde as associações
de bairro, os conselhos profissionais, grupos pró-ecológicos até os movimentos
de homossexuais, de mulheres, de consumidores e, também, do movimento
9 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no
Brasil. 2002. p. 10. 10 XAVIER, Juarez Tadeu de Paula. Cotas raciais: sem o ranço do conservadorismo. Impulso:
revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 141-142, mai-ago. 2006.
6
negro11. Por conseguinte, nas últimas três décadas o Brasil tem assistido a uma
multiplicação dos mais diversos movimentos por parte dessas minorias, nas quais
se caracterizam por uma diversidade de causas em que nem sempre a
homogeneidade é característica.
Para o movimento negro, no entanto, algumas vitórias ao
longo desses anos merecem ser descritas, a começar por duas datas simbólicas:
o Centenário da Abolição da Escravatura, em maio de 1988, e o Tricentenário da
morte de Zumbi dos Palmares, em novembro de 1995, data na qual se promulgou
o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro, e tornada, inclusive,
feriado nacional. Mas a data mais marcante para o movimento negro foi sem
dúvida por ocasião do seminário internacional sobre ações afirmativas, ocorrido
na cidade de Brasília, em julho de 1996, com o tema definido em
“Multiculturalismo e racismo: o papel das ações afirmativas nos Estados
democráticos contemporâneos”, quando pela primeira vez um presidente da
República, no caso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, assumiu a
existência do racismo no Brasil, de maneira a desfazer formalmente a prevalência
das teorias de que o povo brasileiro é caracterizado primordialmente pela
miscigenação e de que no Brasil não há racismo12.
Já no âmbito internacional, os movimentos negros ganharam
maiores repercussões a partir da III Conferência Mundial de Combate ao
Racismo, discriminação Racial, Xenefobia e Intolerância Correlata, realizada na
África do Sul, em 2001, a orientar, assim, uma nova agenda mundial a fim de
estabelecer metas de combate à discriminação e desigualdade racial.
11 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. Impulso: revista de ciências sociais e humanas, p. 73-89, mai-ago. 2006.
12 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas, implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.
7
1.2 DEFINIÇÃO
As ações afirmativas surgiram como uma ferramenta de
inclusão das categorias historicamente discriminadas, sempre com o objetivo final
de estabelecer um processo real de igualdade. Num sentido genérico, sempre
houveram e, permanecem nos dias atuais, certas discriminações no seio das
sociedades, relacionados aos mais diversos preconceitos, seja por raça, gênero,
idade, classe social ou qualquer outro, daí, portanto, a justificativa do Estado (ou
mesmo entidades privadas) em utilizar políticas públicas a fim de nivelar essas
categorias mais fragilizadas em face de outras dominantes. As ações afirmativas,
destarte, funcionam sempre como uma atenuante dessas desigualdades
constatadas nos meios sociais. Para Joaquim B. Barbosa Gomes13, as ações
afirmativas
consistem em políticas públicas e (também privadas) voltadas à concretização do princípio da igualdade material à neutralização dos efeitos da discriminação de raça, de gênero, de idade, de origem nacional e da compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados ou até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.
É importante acrescentar que as ações afirmativas possuem
sempre um caráter temporário, haja vista que sua função é somente a de corrigir
as desigualdades decorrentes das discriminações, porém, uma vez cessada tais
anomalias sociais, não há sentido na sua utilização. Isto é, a sua utilização
exacerbada e de modo indiscriminado acabaria por ter um sentido reverso, o de
implantar privilégios.
1.2.1 Diferença entre ação afirmativa e discriminação positiva
13 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o
direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 6-7.
8
Para os doutrinadores europeus, há uma distinção a ser feita
entre ação afirmativa e discriminação positiva. Ao contrário do que predomina na
América Latina e nos Estado Unidos, na Europa tais conceitos não se confundem
integralmente: a ação afirmativa é considerada gênero da espécie discriminação
positiva14.
Ação afirmativa em sentido genérico é qualquer atuação
pública ou privada que através das mais diversas políticas de inclusão, havendo
ou não discriminação no seu conteúdo, pretende ajustar as desigualdades. Já as
discriminações positivas possuem uma atuação mais enfática, pois nestas há
discriminações obrigatoriamente, como o próprio nome sugere. Como sua
utilização resulta em efeitos mais diretos, já que discriminar positivamente
também significa, de certo modo, prejudicar aqueles que possuem a totalidade
dos bens ou serviços, é também verdade que necessita de maior rigor em sua
aplicabilidade.
Assim, uma grande campanha estabelecida pelo Governo
Federal com o objetivo de divulgar a cultura afro-brasileira, sua história, música,
religião, vestuário, culinária e coisas do gênero, por exemplo, encaixar-se-ia na
definição dada para ação afirmativa em sentido amplo, posto que se estaria
apenas promovendo a raça negra sem no entanto haver qualquer discriminação
(positiva) na medida adotada.
Já num caso de reserva de cotas para estudantes negros
nas universidades, ao contrário, estar-se-ia discriminando os negros dos brancos
a fim de manter uma parte das vagas nas universidades para aquele grupo racial.
Nesse segundo caso, há um prejuízo a um grupo racial, os de raça branca, em
prol de outro, os de raça negra.
É importante notar que as discriminações para os fins do
que propõem as ações afirmativas só são possíveis se forem positivas, isto é,
visam somente ascender na sociedade grupos que se encontram marginalizados,
através de políticas de melhor distribuição dos bens escassos, e sempre no intuito
de se amenizar as diferenças. O que se busca, em análise última, é desfazer o
14 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas) – Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra. p. 30.
9
status quo em evidência. Ou seja, as discriminações positivas não se confundem
em hipótese alguma com discriminações negativas, que teriam o condão, caso
fossem aplicadas políticas públicas nesse sentido, não de desfazer o status quo,
mas de afirmá-lo. Em outras palavras, as ações afirmativas procuram sempre
fomentar a igualdade entre os diferentes grupos raciais e nunca sobrepor uma
raça perante a outra.
As discriminações positivas podem ainda se subdividirem
em dois tipos: a que busca fomentar uma igualdade de oportunidades e a que
atua diretamente visando materializar uma igualdade de resultados15.
No primeiro caso, embora sejam políticas discriminatórias,
não garantem que qualquer indivíduo da categoria discriminada e, portanto, alvo
da ação afirmativa em questão, irá se beneficiar dos objetivos finais da própria
iniciativa afirmativa. Trata-se apenas de uma “ajuda”, todavia, não materializa
diretamente a inclusão social, ou seja, fica dependente do mérito posterior do
indivíduo ajudado.
Seria exemplo dessa situação, se o Estado patrocinasse,
através de bolsas para cursos pré-vestibulares, estudantes de baixa renda
exclusivamente negros. O fim visado por esta política estatal seria obviamente o
de tentar aumentar o número de negros nas universidades preparando-os melhor,
todavia, nada garante que os estudantes que fizessem o curso iriam
necessariamente ser aprovados no vestibular.
Já as que visam uma igualdade de resultados, garantem por
si só que pelo menos alguns indivíduos da categoria discriminada em questão
sejam abarcados pelos propósitos finais da ação afirmativa, como é o caso das
cotas para estudantes negros nas universidades, posto que a discriminação,
neste caso, reserva uma parcela de vagas a uma categoria na qual alguns
indivíduos desta categoria irão, com certeza, se beneficiar; a própria medida
garante por si só a inclusão.
15 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas
raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 31.
10
1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
A justificativa para a aplicação numa situação em concreto
de uma determinada ação afirmativa, como no caso das cotas para negros nas
universidades brasileiras, por exemplo, só poderá ser elaborada em consonância
com uma avaliação das razões objetivas constatadas na sociedade. Ou seja,
embora se possa até afirmar a possibilidade jurídica das ações afirmativas de
maneira genérica, para a aplicação prática há sempre a necessidade de
obediência a certos requisitos estabelecidos constitucionalmente, requisitos que
só serão satisfeitos conforme o que ficar constatado objetivamente.
A validade de uma ação afirmativa dependerá,
conseqüentemente, dos argumentos utilizados decorrentes dos fatos observados
na sociedade, que irão, desse modo, justificar a efetivação de uma determinada
ação afirmativa quanto à sua validade jurídica num caso em concreto. É como se
as regras jurídicas servissem de “filtro” a fim de estabelecer quando uma ação
afirmativa num caso concreto pode ou não ser aplicada. O problema está,
contudo, no fato que esses “dados objetivos” são bastante imprecisos e os
argumentos subjetivos posteriores, que encontram fundamento nos “dados
objetivos”, sustentam quase sempre tanto uma posição a favor como uma posição
contrária às cotas raciais. Isto é, as regras jurídicas não ajudam tanto quanto se
espera, pois numa situação prática, alguns sempre dirão que naquele caso
específico a ação afirmativa poderia ser aplicada porque passou pelo “filtro” da
legalidade enquanto outros dirão que não passou e não poderia ser aplicada.
Diante do exposto, já é possível notar por que fazer uma
análise jurídica do caso das cotas estudantis para negros nas universidades
brasileiras se torna algo tão controvertido. A dificuldade em se posicionar pela
validade ou invalidade das cotas no âmbito jurídico se dá especialmente porque a
linha que separa as razões jurídicas das razões políticas é bastante tênue. Uma
posição jurídica quase sempre vem na esteira de um posicionamento político
anterior, ao que se pode concluir que há na questão das cotas raciais muitos
argumentos políticos camuflados em discursos jurídicos.
11
Portanto, a sua admissão jurídica dependerá, em análise
última, de uma posição política e, por conseguinte, moral, de quem as avalia.
Nesse sentido está-se de acordo com o que muito bem demonstra Ronald
Dworkin16, no começo de seu livro, “Uma questão de princípio”, que embora muito
se diga que as decisões dos juízes são decisões técnicas e imparciais (com
fundamento no princípio da legalidade e da taxatividade), os fatos parecem
realmente constatarem que decisões políticas são sim tomadas por aqueles que
prestam o poder jurisdicional.
Logicamente que este espaço de decisão política ou
moralidade só é possível nos limites impostos por nossa Ordem Jurídica, o que
advém daí que as ações afirmativas não são implementadas apenas pelo puro
arbítrio de quem possui competência para aplicá-las, entretanto, precisam antes
se adequar a uma racionalidade jurídica sem a qual se torna ilegítima. Mas isso,
obviamente, não retira o caráter político antes mencionado.
Agora, se é possível afirmar que as discriminações positivas
são também uma questão de decisão política e em razão disso vinculadas a uma
posição moral, seja numa decisão de um juiz, seja na elaboração de uma lei na
qual se pressupõe legitimidade constitucional (pois se presume que os
legiferantes ao aprovarem uma lei, atribuem-lhe legitimidade constitucional), então
o que irá determinar, por parte de um juiz ou de um órgão parlamentar, a validade
de determinada discriminação positiva, será a qualidade de justiça inerente a essa
discriminação positiva.
Destarte, de volta ao que havia se falado antes, embora esta
pesquisa tenha por objetivo último uma análise jurídica das cotas para negros nas
universidades brasileiras, esta análise não poderá prescindir de também fazer
menção aos diversos argumentos a favor e contra as cotas do ponto de vista ético
e de sua justiça, já que se utilizará desses diversos argumentos para se
fundamentar uma posição jurídica no sentido de se validar ou invalidar a ação
afirmativa no caso em concreto.
Nos próximos tópicos se abordarão justamente algumas
dessas posições a favor e contra as cotas estudantis para negros nas
16 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed. São
Paulo: Martins Fontes. 2005. p. 3-39.
12
universidades brasileiras, em que os argumentos são, sobretudo, de caráter
político-social e não fundados em raciocínios jurídicos.
1.3.1 A teoria compensatória
Um dos argumentos muito utilizados por aqueles que são a
favor das cotas é o de que a sua justiça está no histórico escravocrata brasileiro.
Os negros foram escravizados no passado, utilizados como mão-de-obra sem ter
participado das benesses desse trabalho. Além disso, após o fim da escravidão, a
maior parte dos negros foi excluída do mercado de trabalho, seja por preconceito,
seja por não estarem aptos a disputarem vagas no mercado que então se
desenvolvia. E, esse quadro de exclusão na qual os negros nunca conseguiram
se inserir tem sido a sina dos negros na história do Brasil. Diante disso, as ações
afirmativas se justificariam por poder compensar essa descendência dos
indivíduos negros. Daí se chamar de teoria compensatória.
Por outro lado, embora não há que se discutir o histórico
escravocrata brasileiro e nem a herança de exclusão de boa parte dos negros de
hoje, o argumento da compensação encontra fortes objeções.
Em primeiro lugar, hodiernamente só é possível algum
cidadão receber algum tipo de compensação se efetivamente tenha sofrido algum
dano17. Como não foram os negros da atualidade os que foram escravizados,
torna-se difícil sustentar a teoria da compensação como argumento a favor das
cotas.
Note-se que outra questão bem diferente seria dizer que
essa descendência escravocrata dos negros gerou no sentimento coletivo
brasileiro uma estigmatização do negro como um sujeito inferior ou qualquer outra
coisa na qual o negro seja visto de forma pejorativa e, posto isso, utilizar-se-ia as
cotas com o fito de desfazer esse preconceito em evidência. A diferença é
grande, pois nesse segundo caso não se tentará compensar nada com as cotas,
pelo contrário, buscar-se-á combater preconceitos existentes no tempo atual, mas
que tiveram origem no passado. Refletir sobre a herança escravocrata dos negros
17 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 61.
13
possuiria aqui o simples condão de se explicar por que os negros são
discriminados ainda hoje, o que é bem diferente de tentar compensá-los pelas
repressões a que foram submetidos os seus ascendentes.
Em segundo lugar, uma das conseqüências inerentes às
ações afirmativas, quando se utilizam nelas discriminações positivas, é a de que a
reserva de vagas a um determinado grupo, inevitavelmente irá excluir essas
mesmas vagas de outro grupo. Há com certeza a perda de uns em benefício de
outros. Por tal razão, para que haja legitimidade nessa perda, os que perdem
devem ter sido aqueles que praticaram o ato discriminatório. Ora, assim sendo, a
teoria compensatória acha-se novamente infundada, posto que aqueles que
praticaram a escravidão não foram os brancos de hoje, porém serão eles os que
efetivamente irão ser prejudicados pelas as cotas18.
Note-se que se está diante de um difícil argumento em favor
da não aplicação das cotas, já que não é difícil de imaginar que a maior parte
daqueles que irão estar no grupo desfavorecido pelas cotas, talvez nunca tenha
praticado nenhum ato discriminatório contra os negros, e mesmo que tivessem,
esses atos discriminatórios precisariam ser provados judicialmente, o que
inviabilizaria a aplicação das cotas na prática.
Apesar desse entrave às cotas, alguns doutrinadores19 têm
argumentado que a questão das cotas raciais não diz respeito somente aos
indivíduos envolvidos diretamente nela, porém a todo um grupo racial. Em outras
palavras, não se está somente a falar daqueles negros beneficiados ou daqueles
supostos brancos desfavorecidos, mas sim dos negros e dos brancos em sua
totalidade, como grupos raciais. Nesse sentido, aqueles que estão envolvidos
diretamente apenas representam os direitos ou deveres dos grupos em questão,
de maneira a poder se concluir, inclusive, que as ações afirmativas são,
sobretudo, um direito e um dever comunitário, e nunca individual; os fins visados
são sempre ponderados consoantes os benefícios sociais que a ascensão de um
determinado grupo excluído irá trazer.
18 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas
raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 61. 19 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.
14
Considerado o exposto, as cotas encontram fundamento
pelo fato que aqueles que serão prejudicados pela discriminação positiva pagam
pelo grupo como um todo. Isto é, embora possam não ter praticado diretamente
nenhum ato discriminatório, fazem parte do grupo que pratica tais atos e, desse
modo, podem legitimamente figurar no pólo passivo da demanda.
De qualquer maneira, toda essa discussão entre direitos
individuais e comunitários, dado a sua importância, será pormenorizada no
capítulo segundo. Para o momento, o que importa é a conclusão de que a teoria
compensatória segundo a qual as cotas serviriam como compensação aos negros
de hoje em razão do que passaram seus antepassados não encontra fundamento
jurídico que a sustente.
1.3.2 A política de cotas para negros é uma forma de preconceito invertido?
Num primeiro momento, a resposta contrária mais comum (e
impulsiva) à idéia de cotas é a de que elas são uma forma de preconceito contra
os brancos. De modo geral, os que utilizam esse argumento reconhecem, na sua
maioria, o histórico escravocrata brasileiro e, muitas vezes, até mesmo a
existência de preconceitos ainda hoje perceptíveis nos meios sociais, todavia,
acham que as discriminações positivas não são a melhor medida para se reparar
essas desigualdades entre os grupos raciais e de pôr fim ao preconceito.
Basicamente argumentam que as discriminações positivas
ferem o princípio da igualdade, já que se daria tratamento diferenciado entre
negros e brancos, e, por isso, mesmo que reconhecidamente haja preconceito,
não justifica a utilização de discriminações, ainda que positivas.
O que se pode observar é que esta posição parte de uma
concepção formal do princípio da igualdade, pois considera qualquer tratamento
diferenciado entre pessoas como uma afronta ao princípio da igualdade, mesmo
que o tratamento diferenciado em questão vise à igualdade real; isto é,
radicalizam o tratamento igualitário entre os diferentes grupos, mas
desconsideram as diferenças pré-existentes que impossibilitam a igualdade
verdadeira. Em outras palavras, fazem “vista grossa” para o fato de que o
15
tratamento igualitário em absoluto muitas vezes mantém ou aprofunda as
desigualdades.
Já numa concepção material do princípio da igualdade, o
processo é o inverso, reconhecem-se as desigualdades pré-existentes e,
especialmente, o que a efetivação da igualdade requer para sanar essas
desigualdades. Se há a necessidade de tratamento diferenciado para a igualdade
real, então que as discriminações (positivas) sejam utilizadas. Esta posição se
enquadra, conforme coloca Alexandre de Moraes20, numa definição do princípio
da igualdade em que as vedações são voltadas apenas para as discriminações
absurdas ou arbitrárias, mas não para o tratamento desigual dos casos desiguais,
pois quando assim realizadas, faz-se jus ao próprio conceito de justiça –
entendido a justiça como a igualdade –, já que o próprio princípio mesmo é quem
requer esse tratamento diferenciado. Em suma, o princípio da igualdade material
requer que se tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais para que
a igualdade substancial seja sempre atingida.
Assim, por todo o exposto, o argumento de que a política de
cotas implica em racismo contra os brancos parece mais, como aponta o militante
do movimento negro Hélio santos21, em entrevista à revista “Caros Amigos”, ser
uma opinião prematura e geralmente proferida sem uma análise mais cautelosa
da questão. O referido autor faz ainda referência de como esse discurso foi
utilizado pelos grandes veículos da mídia no Brasil, segundo ele contrários à
adoção das cotas raciais, para que se criasse no imaginário brasileiro o falso mito
do “racismo às avessas”.
De fato, a idéia de que supostamente se estaria promovendo
um racismo contra os brancos não encontra fundamento substancial. É que uma
coisa é a discriminação no seu sentido negativo, consubstanciado na idéia de que
existem raças superiores a outras e sendo utilizada para se manter ou aumentar
as desigualdades entre as diferentes raças numa determinada sociedade; para
sobrepor uma raça à outra As discriminações positivas, se utilizadas em
consonância com suas raízes teóricas, não se encaixa em hipótese alguma nessa
descrição, muito pelo contrário, trabalha no sentido inverso.
20 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: editora Atlas. 2005. p. 31. 21 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.
16
Em primeiro lugar, a justificativa para as discriminações
positivas não partem nunca do pressuposto de que uma raça é superior à outra,
mas sim de que todas as diferentes raças merecem a mesma consideração. Por
outro lado, reconhece-se que existem discriminações reais entre os diferentes
grupos raciais, de modo que muitas vezes há um desequilíbrio na igualdade entre
eles.
Em segundo lugar, as discriminações positivas objetivam
sempre promover a igualdade entre as raças. Sua legitimidade se alicerça no fato
de que a discriminação aqui é feita para fortalecer o grupo historicamente
enfraquecido em face do grupo predominante, sempre com o intuito final de
diminuir a distância social entre os dois, por isso, inclusive, do nome
discriminação positiva, já que visa ascender socialmente uma raça buscando a
igualdade entre todos, e, não a repressão de algum grupo visando o oposto, a
desigualdade.
Em conclusão, as discriminações negativas visam manter o
status quo enquanto que as discriminações positivas intencionam desfazê-lo.
1.3.3 As cotas irão prejudicar a qualidade do ensino nas universidades?
Outra questão também muito debatida no que se refere às
cotas foi a preocupação de que ao se aprovar alunos por meio de cotas sem um
processo seletivo mais amplo, como o vestibular, em tese, estar-se-ia aprovando
alunos menos preparados para o ensino superior e, em razão disso, a qualidade
do ensino iria piorar, já que haveria por parte dos professores uma necessidade
de diminuição do rigor das exigências para que esse novos aluno cotistas
pudessem acompanhar as aulas e não fossem prejudicados em razão de sua pior
formação.
É importante lembrar que no Brasil as cotas foram até o
momento, aplicadas com duplo critério: os alunos cotistas devem ser negros
(incluindo na categoria os pardos) e ao mesmo tempo serem alunos provenientes
de escolas públicas. E, como é do conhecimento de todos, no Brasil o ensino
primário e secundário oferecido nas escolas públicas é de qualidade muito inferior
ao ensino ministrado nas escolas particulares, de modo que ao se reservar cotas
17
aos alunos negros somente das escolas públicas se estaria automaticamente
aprovando alunos menos preparados (pelo menos em teoria) do que os alunos
aprovados em um processo seletivo, como é o vestibular.
Ou seja, um aluno (logicamente, negro) aprovado por cota
numa universidade precisa apenas passar por um processo seletivo interno na
sua própria escola pública, portanto, pode se considerar que este processo é mais
fácil, pois em teoria os alunos com quem ele compete também são menos
preparados. Enquanto que sem o auxílio das cotas, um aluno de escola pública
que queira pleitear uma vaga numa universidade precisa necessariamente ser
aprovado no vestibular, que é um processo seletivo mais amplo em que
competem alunos provenientes tanto de escolas públicas como privadas, a exigir,
assim, que este aluno procedente de escola pública supere alunos de qualquer
tipo de escola, independentemente de ser ela pública ou privada e, dessa
maneira, comprove que mesmo que possua uma formação de pior qualidade,
posto que estudasse numa escola pública, ainda assim conseguiu provar que está
apto a acompanhar as exigências universitárias.
Embora esse raciocínio tenha lógica quanto ao seu
fundamento de que as cotas iriam prejudicar a excelência do ensino nas
universidades, os fatos não indicam nessa direção. Consoante o que relata a ex-
Ministra de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, Matilde
Ribeiro22, segundo opinião sustentada pelos próprios Reitores da Universidade de
Brasília – UnB, os alunos cotistas apresentam um maior grau de aproveitamento e
de inserção do que os alunos aprovados no vestibular, pela própria consciência
da oportunidade que estão tendo.
Ademais, explica a ex-Ministra que a “qualidade do ensino
não é prerrogativa do aluno, e sim do professor e da universidade”. Isto é, a
universidade e os professores são quem tem que estimular o aluno a se
desenvolver conforme as possibilidades oferecidas e de acordo com as condições
de cada aluno em particular. Não é o aluno o responsável pelo nível de excelência
da universidade.
22 Caros amigos, São Paulo, v. 10, n. 116. p. 30-37, nov. 2006.
18
Mas existe ainda mais um motivo relevante para se
contrapor à idéia de que as cotas iriam prejudicar o ensino. É que uma
universidade, quanto mais cosmopolita e plural for, mais rica será culturalmente e,
em função disso, maior será a possibilidade de surgirem nela a criação de idéias
inovadoras. Com efeito, uma mescla entre negros e brancos, entre classes sociais
distintas, entre pessoas do centro e da periferia, entre alunos provenientes de
escolas públicas e privadas, só teria a reforçar a qualidade da educação.
Para Hélio Santos23, é justamente a mistura que produz
sinergia para a inovação. O referido autor menciona que um grupo diversificado
entre homens e mulheres, por exemplo, sempre terá resultados mais positivos
que um grupo formado somente por homens ou apenas por mulheres. Ao seguir
esse raciocínio, destarte, poderá dizer-se o mesmo com relação a qualquer tipo
de mistura, seja entre gerações, gênero, raça, classes sociais e ou qualquer outro
tipo de combinação. Nesse sentido, a questão racial no Brasil não é um problema,
porém parte da solução.
Em conclusão, o argumento de que as cotas iriam prejudicar
a excelência do ensino nas universidades não prevalece, já que os relatos de
pessoas envolvidas diretamente na aplicação de políticas de cotas raciais têm
apontado que os alunos cotistas possuem aproveitamento tão bom ou melhor do
que os alunos aprovados pelo vestibular, além ainda de ajudarem a desenvolver
um espaço multicultural dentro das universidades.
1.3.4 O princípio do mérito
Numa sociedade capitalista e de mercado aberto, os
indivíduos estão permanentemente em competição pelos bens escassos. Assim,
o princípio do mérito serve como a afirmação de justiça nesse modelo de
distribuição de bens e serviços: o que justifica a tutela de um bem ou serviço a um
dos diversos pretendentes em detrimento dos outros é o mérito pela qual este
sujeito tutelado conseguiu obter o bem ou o serviço. O mérito, então, está
vinculado ao merecimento de alguém, numa competição em igualdade de
23 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.
19
condições e com regras pré-estabelecidas, de adquirir determinada pretensão por
ter se sobressaído dos demais.
Note-se, sobretudo, que o mérito requer uma igualdade de
condições e que as regras estejam previamente estabelecidas.
Ninguém poderia defender, por exemplo, que haveria mérito
numa corrida entre dois carros semelhantes, em que um carro saísse alguns
quilômetros à frente do outro. Claro está que não há igualdade de condições entre
os dois concorrentes e por isso não haveria também justiça na vitória do carro que
saiu na frente. Da mesma maneira, poderia se objetar que um jogador que
vencesse outro jogador que não conhecesse as regras previamente, em um
determinado tipo de competição, também obteria uma vitória sem mérito, posto
que o perdedor não conhecia as regras. Ou não haveria como medir se existiu
mérito ou não por não se ter nenhum regra definida para o jogo.
Agora, se por um lado o princípio do mérito exige que as
regras estejam fixadas com antecedência da disputa, nada estabelece no sentido
de definir quais são as regras corretas. Não há regra imutável para qualquer tipo
de disputa, o importante é somente que elas estejam estabelecidas previamente e
que os concorrentes estejam de acordo com elas. Por conseguinte, o princípio do
mérito não impõe abstratamente quais as regras que uma determinada disputa
requer, apenas obriga que estejam pré-fixadas24. A única maneira de se poder
afirmar que as regras para uma disputa tenham que ser exatamente certas regras
e não outras seria partindo de uma concepção jusnaturalista das normas, isto é,
que de um “ser” surgisse um “dever ser” obrigatório25. Entretanto, como muito
bem demonstra Norberto Bobbio em seu livro, “A era dos direitos”, há argumentos
bastante convincentes para se desacreditar as antigas concepções racionais de
Direito26.
Posto isso, pode-se pensar então no princípio do mérito no
que tange às cotas.
24 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 446. 25 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 22. ed. São Paulo: Forense. 1994. p. 363. 26 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1996. p. 16-18.
20
Em primeiro lugar, carece de força o argumento, muito
comum nos meios jornalísticos27, de que as cotas seriam uma espécie de
caridade a desfazer o mérito daqueles que possuem notas mais altas. Se o
princípio do mérito exige que as condições sejam as mesmas, e havendo prova
objetivas de que negros de escolas públicas não disputam em igualdade de
condições com brancos de escolas privadas, dado o diferente grau de preparação
de ambos os grupos, em média, não há espaço para se argumentar que se faz
caridade com as cotas e nem que existe mérito daqueles (brancos de escolas
particulares) que são aprovados. É por isso, inclusive, que é muito comum se
ouvir ironicamente de que as cotas já existem há muito tempo: elas estariam
destinadas aos brancos componentes das elites28.
Entretanto, uma ressalva precisa ser feita aqui, pois é
provável que haja também aqueles que reconhecem as condições desiguais entre
os candidatos no vestibular, mas que por força do princípio do mérito, consideram
uma melhor alternativa para o problema, ao invés do uso de cotas, o fomento de
meios para que os negros (de escola pública) possam se educar melhor e assim
disputar em igualdade com os brancos uma vaga na universidade.
Por essa concepção, o princípio do mérito condena uma
ação afirmativa que vise uma igualdade de resultados, mas por outro lado, não se
opõe a uma ação afirmativa que busque materializar a igualdade de condições.
Agora, ser contrário às cotas por elas garantirem uma igualdade de resultados,
mas ao mesmo tempo reconhecer a desigualdade de condições e poder até
mesmo consentir ações afirmativas que visem à igualdade de condições é bem
diferente de alegar que as cotas sejam uma forma de caridade, a desfazerem o
mérito dos alunos com notas mais elevadas.
Ademais, o mérito dos negros aprovados pelas cotas está
em ter que passar também por um processo seletivo, mais restrito, logicamente,
mas precisam superar outros candidatos de qualquer maneira. Aliás, neste
processo, o mérito se constata pela igualdade de condições entre os candidatos.
27 PRATES, Luiz Carlos. Cotas. Diário Catarinense, Santa Catarina, 4 ago 2009. 28 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.
21
Até o momento falou-se em igualdade de condições,
contudo, o ponto mais controvertido está nas regras de seleção.
Destarte, em segundo lugar, só é possível se falar em mérito
uma vez estabelecido as regras na qual ocorrerá a disputa. No caso de seleção a
uma vaga na universidade, portanto, precisam-se fixar antes os critérios pela qual
serão escolhidos os candidatos. Esses critérios, por seu turno, poderão ser os
mais variados, não existindo nenhum critério abstrato que obrigatoriamente tenha
que ser seguido, a não ser que, como antes discutido, se aceite uma concepção
jusnaturalista do Direito. Mas ao se partir do pressuposto que a base de escolha
não seja dada em função de nenhuma formulação metajurídica, mas tão-somente
tendo a Constituição como limite, os critérios deverão ser estabelecidos conforme
os interesses sociais que estejam em jogo e desde que em harmonia com os
preceitos constitucionais.
Assim, uma primeira pergunta a ser feita deve ser qual o
critério usado atualmente? E, em seguida, o critério usado atualmente é para
sociedade o melhor ou o mais correto?
O critério usado é o do mérito intelectual: aqueles mais
capazes intelectualmente para fazer a prova do vestibular são os que serão
aprovados. Poderia então perguntar-se: mas por que o critério de escolha é o
mérito intelectual e não outro?
Para o filósofo australiano Peter Singer29, a agudeza
intelectual tem sido o critério de seleção mais escolhido porque tem se
considerado que é o critério que mais traz benefícios para a sociedade consoante
os fins das universidades. Se os objetivos de uma universidade são produzir
conhecimento e preparar indivíduos intelectualmente mais capacitados para as
respectivas funções de suas áreas de estudo porque assim serão mais eficazes
para o rendimento do país, então a capacidade intelectual como critério de
seleção é condizente com os objetivos últimos das universidades. O importante
dessa conclusão, todavia, é que quando uma universidade seleciona alunos de
maior capacidade intelectual, ela não o faz em consideração ao maior interesse
29 SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 1984. p. 58.
22
desses mesmos alunos, mas porque esses alunos lhe servirão melhor conforme
seus próprios interesses, ou, aos interesses da sociedade.
Ora, como mencionado antes, os interesses sociais visados
pelas universidades podem ser alterados dependendo das circunstâncias, de
modo que o critério de seleção também possa sê-lo. E, nada impede que se altere
o critério de “alunos intelectualmente mais capacitados” para o de “alunos de raça
negra”. Bastaria apenas que o novo critério fosse condizente com os objetivos
sociais da universidade. Lógico que alguém sempre poderá alegar que o critério
de seleção com base na capacidade intelectual é um critério melhor ou mais
benéfico para a sociedade do que o critério com base na raça, porém isso não
retira a legitimidade de se poder alterar o critério em si, mesmo que seja pelo de
seleção em função da raça.
Obviamente que isso não significa também que qualquer
critério possa ser utilizado, há de se ter alguma justificativa plausível e que
encontre fundamentos não somente políticos, mas também que consigam ser
argumentados com base na ordem jurídica vigente. Há de se concordar, no
entanto, que o critério de seleção em função da raça, no intuito de se buscar
ascender a raça negra nos meios sociais com o fito de que haja um maior
equilíbrio social, é no mínimo um argumento que pode ser discutido do ponto de
vista não só político como também jurídico.
Contudo, a todo esse raciocínio poderia se alegar que o
critério com base na capacidade intelectual é diferente do critério com base na
raça porque não diferencia ninguém a priori, pois tanto negros como brancos
possuem a mesma capacidade intelectual, o que os diferencia no momento da
prova é tão-somente o fato de uns (os brancos) terem obtido melhor preparo do
que os outros (os negros). Ou seja, uma preparação igual colocaria todos em
igualdade. Já não se pode dizer o mesmo do critério com base na raça, já que os
que nascessem com a pele clara não poderiam em hipótese alguma competir com
os que nascessem com a pele escura. No primeiro caso o respeito ao princípio da
igualdade é garantido em função da possibilidade de tratamento igual a todos
(mesmo que isso não ocorra na prática) enquanto que no segundo caso o
tratamento será sempre diferenciado, a infringir o princípio da igualdade, portanto.
23
Esse argumento é somente em parte verdadeiro porque não
há nenhuma prova de que todos os sujeitos sejam intelectualmente iguais, isto é,
que todos possuirão sempre o mesmo desenvolvimento intelectual caso tenham a
mesma preparação e se esforcem na mesma medida. Pelo contrário, as
diferenças parecem sim existir, tanto fisicamente quanto intelectualmente. Seria
difícil afirmar, por exemplo, que se todos se esforçassem proporcionalmente e
tivessem os mesmo recursos que o Pelé, conseguiriam jogar futebol como ele, ou,
no mesmo sentido, elaborariam teorias como fez Albert Einstein. Parece que isso
seria improvável. Agora, as diferenças não significam, obviamente, que um sujeito
mais propício a desenvolver determinadas atividades seja superior a outro
indivíduo menos propício a desenvolver aquela mesma atividade, do ponto de
vista do seu valor como ser humano. Até porque de um “ser” não cabe um “dever
ser”. Quiçá a beleza esteja justamente na diversidade.
Mas então uma vez admitido a existência de diferenças
entre as pessoas, poderá se afirmar também que o critério com base na
capacidade intelectual não respeita em absoluto o princípio da igualdade. Ele
simplesmente é um critério mais sutil, já que as diferenças de capacidade
intelectual muito provavelmente são menores do que a diferença entre um negro e
um branco, além de que um sujeito com menor capacidade intelectual ainda
assim poderia talvez conseguir aprovação no vestibular se compensasse essa
deficiência dedicando-se mais do que os outros, enquanto que pelo critério racial,
os que não fossem parte da raça escolhida nunca poderiam conseguir uma vaga.
Porém, não obstante a maior sutileza do critério com base na capacidade
intelectual em comparação com o critério racial, ele também não trata todas as
pessoas em igualdade absoluta. Ele simplesmente, como antes ponderado, é um
critério que até o momento tem encontrado mais aprovação porque atende melhor
aos objetivos das diversas universidades.
Em conclusão, o princípio do mérito não parece ser óbice às
cotas, já que as condições de disputa entre brancos das escolas particulares e
negros das escolas públicas não são as mesmas, além de que as regras de
seleção podem ser alteradas a todo instante, a modificar o que se entenderá por
mérito no caso em concreto.
CAPÍTULO 2
A AFIRMAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL
2.1 O HISTÓRICO ESCRAVOCRATA
O problema social brasileiro, no que se refere ao acesso dos
negros às universidades, diz respeito a duas questões: ao histórico escravocrata
do País e à situação precária na qual se encontram as escolas públicas do ensino
fundamental. São esse dois fatores que impossibilitam ou dificultam a entrada dos
negros nas universidades brasileiras. O histórico escravocrata explica a
marginalização da maior parte população negra no Brasil, o que tem por
conseqüência o fato de diversos bens considerados essenciais a uma vida digna
serem excluídos deste grupo racial, inclusive o acesso à cultura e à educação de
qualidade. Enquanto que o ensino fundamental no Brasil, dado a sua
precariedade, não é suficiente para funcionar como veículo de afirmação da raça
negra, já que a maior parte da população negra estuda (quando estuda) em
escolas públicas e a má formação educacional fornecida por essas instituições
impossibilita a mobilidade de classes deste grupo racial.
Logicamente que cidadãos brancos, porém pobres, também
irão sofrer as conseqüências de uma má formação educacional. Entretanto, o que
diferencia os dois grupos raciais – brancos e negros – é a constatação, possível
através de pesquisas que mais adiante se mencionará, de que número de negros
pobres é muito mais elevado do que o número de brancos pobres e, no mesmo
sentido, de que o número de negros ricos é muito menor do que o número de
brancos ricos, de modo que as vagas no ensino superior acabam por serem
ocupadas na sua maioria por cidadãos brancos. De qualquer maneira, o que se
quer enfatizar unicamente neste momento são as razões de por que há um
número reduzido de negros nas universidades brasileiras, sendo que as causas
25
estão atreladas a esses dois motivos que se fez referência: o histórico
escravocrata do País e a situação precária na qual se encontram as escolas
públicas do ensino fundamental.
Este capítulo trata do tema da afirmação dos negros no
Brasil. Portanto, em primeiro lugar, discutir-se-á a formação étnica e racial no País
e, mais especificamente, dos efeitos da escravidão aqui deixados. Já no segundo
tópico, o foco será traçar de maneira sucinta o processo de seleção e suas
conseqüências quanto ao acesso aos bancos das universidades brasileiras. E por
último, debater-se-á se as cotas se fundamentam somente numa posição de
política de redistribuição de renda ou se num projeto mais amplo, de
reconhecimento e afirmação da raça negra no País.
A começar, então, pela questão da exclusão dos negros e
dos efeitos das máculas da escravidão no Brasil, pode-se afirmar que as
conclusões acadêmicas sobre a questão estão divididas em dois períodos
principais30.
O primeiro período baseava-se na prevalência da idéia de
que a constituição da sociedade do trabalho no País encontrou seu momento
inaugural na imigração européia. O capitalismo moderno brasileiro teria surgido
então dos capitais liberados pela produção de café, sobretudo em São Paulo, e
da vasta imigração de mão-de-obra européia recém chegada para satisfazer a
demanda de produção possível em razão do capital acumulado pela cafeicultura.
Por essa visão, a consolidação do mercado de trabalho e do capitalismo no Brasil
teve um inegável caráter “são-paulocêntrico”31.
De outro vértice, a explicação de que a chave da imigração
estrangeira tenha se dado por causa do fim da escravidão e conseqüentemente
da transição do escravismo para o trabalho livre evidencia uma ruptura cabal
entre o passado escravista e o novo ambiente competitivo, a ensejar, assim, a
30 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
Novos Estudos, n. 80, p. 71-88, mar. 2008. 31 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
p. 71-88, 2008.
26
perspectiva de que tudo se passou como se a ordem escravocrata tivesse sido
enterrada com a abolição da escravatura (1888), não transferindo ao momento
posterior nada de sua dinâmica (e inércia) mais geral32.
Já no segundo período, faz-se uma releitura mais complexa
da formação capitalista do Brasil, a colocar justamente o histórico escravocrata
como fator proeminente das características posteriores das relações de trabalho
que aqui iriam se desenvolver, a dizer, o preconceito de classe e o demérito dos
trabalhos manuais. Além de que desfigura o modelo paulista de transição para o
trabalho livre - baseado na imigração européia como a única solução possível
para o problema de mão-de-obra - como o modelo típico ou mais representativo
de nossa formação capitalista. Na verdade, para essa nova visão, São Paulo faria
parte de uma exceção ao restante do País, onde a produção já era formada em
boa parte por quadros de mão-de-obra compostos por ex-escravos e seus
descendentes. A transição do modo de produção escravista para o trabalho livre,
portanto, deu-se de uma forma gradual, tendo um marco apenas convencional em
1850, ano da proibição do tráfico negreiro, e em 1888, com a abolição da
escravatura 33.
No entanto, o mais importante desse processo de transição
são os seus estigmas deixados nos inconscientes das elites brasileiras, mais
especificamente na elite paulistana. Combinava uma mistura de preconceito racial
e desprezo pelo trabalhador livre nacional, vistos como homens primitivos,
inconfiáveis e carentes de uma mentalidade burguesa e adepta das regras de
mercado e da acumulação. Consubstanciava-se na idéia de que os trabalhadores
– grande parte deles negros ou mestiços – eram homens pouco civilizados e
propensos à vadiagem, de modo que a única maneira de fazê-los trabalhar seria
pelo meio da repressão ou exploração34.
32 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
p. 71-88, 2008. 33 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
p. 71-88, 2008. 34 CARDOSO, Adalberto. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
p. 71-88, 2008.
27
Como se pode observar, essa descrição em nada se
assemelha à outra teoria na qual o capitalismo brasileiro iniciou-se
especificamente em São Paulo, baseado numa mão-de-obra européia. Na
verdade, já existiam outros setores de produção no País e muitos deles moldados
com mão-de-obra compostas por ex-escravos, mulatos e pardos. Além disso, a
segunda teoria refuta a versão de que a vinda dos imigrantes europeus e a
inauguração do capitalismo brasileiro tenha se dado sem maiores influências da
escravidão. Pelo contrário, a nova visão da formação capitalista no Brasil chama a
atenção justamente para o fato de que esse novo capitalismo ainda trazia muito
da cultura de repressão e exploração típica do modelo escravista de produção,
em que o preconceito de classe e de cor bem como a desvalorização do
trabalhador de maneira geral eram ainda bastante presentes; e os negros eram
sem dúvida as principais vítimas desse processo antiliberal, muitos deles
marginalizados por serem considerados mão-de-obra inferior aos imigrantes
europeus.
Inclusive foi justamente nesse período de formação
capitalista que o preconceito contra os negros acirrou-se, pois os negros não
eram mais somente vistos como “fatores de produção”, sem quaisquer direitos,
como à época da escravidão, porém como “cidadãos” que disputavam vagas no
mercado de trabalho, embora seja verdade que a maioria acabava não
conseguindo inserir-se e encontrava-se marginalizada35. Mas de qualquer
maneira, o racismo emergiu mais significativamente à medida que os negros iam
adquirindo a afirmação de suas cidadanias, quando começaram a competir nos
meios sociais com os brancos e a lutar pela ampliação de novos direitos36. A
Abolição da escravatura foi seguida, conseqüentemente, à imposição de
instituições jurídicas mantenedoras do processo de exploração racial, que
encontravam sua materialidade na forma de um Estado burguês centralizado, e,
35 BURITY, Joanildo A. Desigualdades e a abolição inconclusa. Impulso: revista de ciências
sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 21-31, mai-ago. 2006. 36 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira, necessidade ou
mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa dos negros nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: livraria do advogado. 1997. p. 112.
28
pouco desenvolvido quanto às garantias liberais. Há um trecho interessante na
obra “A teoria geral do direito e o marxismo”, de Pasukanis37, sobre esta questão:
[...] Por outro lado, o capitalismo transforma precisamente a propriedade fundiária feudal em propriedade fundiária moderna, liberando-a inteiramente das relações de domínio e servidão. O escravo é totalmente subordinado ao seu senhor e é precisamente por esta razão que esta relação de exploração não necessita de nenhuma elaboração jurídica particular. O trabalhador assalariado, ao contrário, surge no mercado como livre vendedor de sua força de trabalho e é por isso que a relação e exploração capitalista se mediatiza sob a forma jurídica de contrato. Eu creio que estes exemplos são suficientes para colocar em evidência a importância decisiva da categoria sujeito na análise da forma jurídica.
Pasukanis refere-se a outro momento histórico, mas
analogamente, pode-se dizer que o surgimento do sujeito portador de direitos
formaliza o processo de luta de classes típica da sociedade moderna, que no
caso brasileiro, adquiriu um novo elemento quando os negros adquiriram suas
alforrias institucionalmente e passaram então a compor os estratos explorados e a
reivindicar sua afirmação como raça igual. E, a contraposição veio na forma da
exacerbação do racismo pela classe dominante.
É importante ressaltar também que a vinda de uma grande
massa de europeus para o Brasil corroborou com uma tentativa de
“embranquecer” a sociedade, firmada no estereótipo do negro como um elemento
incapaz de satisfazer eficazmente a demanda por mão-de-obra que o surgimento
do capitalismo requeria. Essa visão negativa do elemento negro chegou até
mesmo ao ponto de ser inclusive defendida intelectualmente em teses de
eugenia. Não eram raros os trabalhos cujo tema tratava da purificação do sangue
brasileiro mediante processos de seleção racial38. Apenas para ilustrar a
proporção da imigração incentivada de europeus, em 30 anos, de 1880 a 1910,
37 PASUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A teoria geral do Direito e o marxismo. Tradução de
Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar. 1989. p. 82. 38 SOUZA, Telma Regina de Paula. Relações étnico-raciais: pra que lado mesmo? Impulso:
revista de ciências sociais e humanas, Piracicaba, v. 17, n. 43, p. 7-18, mai-ago. 2006.
29
imigraram 4 milhões de pessoas, quantidade igual à de escravizados trazidos em
300 anos (1550-1850)39.
A segunda visão opõe-se também à teoria de que a
escravidão e conseqüentemente o racismo no Brasil tiveram um caráter mais
benigno do que em outras colônias, como por exemplo, a do Caribe inglês. A
atenuação do racismo no Brasil advém da presunção de que a partir da abolição
da escravatura (1888) - ou mesmo antes, posto que já no século XIX muitos
crioulos e mulatos obtinham a alforria e chegavam até mesmo a constituir ramos
da indústria - o elemento negro se integrou à sociedade brasileira, sendo de certa
maneira aceitos pelos então senhores de fazenda ou indústria como seus
companheiros. Ou ainda, encontra ressonância no paternalismo brasileiro, na qual
ensejava a mistura entre brancos e negros e, por sua vez, desenhava a
sociedade brasileira como miscigenada. Tal assertiva, todavia, custou caro à
historiografia brasileira, pois a falsa visão de que o negro (ou pardo) inseriu-se
nos meios sociais veio a se converter, posteriormente, no mito da “democracia
racial”, consubstanciado nas teses de Gilberto Freyre e Frank Tannenbaum40. Ou
seja, converteu-se na sensação de que o Brasil é um país etnicamente e
racialmente miscigenado e de aqui não há o racismo constatado em outros
países, mas sim uma integração multirracial das culturas.
Logicamente que não se nega que a sociedade luso-
brasileira possui um processo único de miscigenação, originado do paternalismo,
clima e aptidões essenciais daqui, porém indaga-se o quanto dessa mistura tem
validade (num pressuposto de exclusividade) para se pensar a questão do negro
no Brasil, pois é cada vez mais flagrante, por conta de dados e mesmo
argumentos históricos e sociológicos, de que o mito miscigenação tem se tornado
39 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade
socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
40 MARQUESE, Rafael De Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos estudos, n. 74. p. 107-123, mar. 2006.
30
uma miragem a esconder muitos preconceitos ainda fortemente presentes na
sociedade brasileira41.
No Brasil, por exemplo, a diferença entre os Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) entre brancos e negros retratam bem o
fenômeno de exclusão dos negros. Elaborado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), o IDH abrange a renda, a alfabetização, anos de escolaridade
média e anos de expectativa de vida ao nascer. Conforme o relatório de
desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), de 2005, no ranking do IDH das nações, os brancos
brasileiros estão em 44º lugar enquanto que os negros brasileiros em 105º. Um
contraste de 61 posições42.
Em relação à mortalidade infantil no Brasil, dados do IBGE
de 2003 apontam que os filhos de mulheres negras têm 47% mais chances de
morrer nos primeiros anos de vida, sendo a taxa de 22,9% para mães brancas e
33,7% para negras e pardas. No quesito renda, em que se leva em conta como
indicadores o salário, a aposentadoria, programas sociais e aplicações
financeiras, 74,1% da renda nacional ficam com os brasileiros brancos, enquanto
que dos 25,9% restantes, 4% ficam com os pretos e 21,9% entre os pardos. Isso
está em clara desproporção com a presença dos brancos na população, que é de
53,8%, em geral, e 53,1% dos que possuem rendimentos. Já a expectativa de
vida, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde divulgados em agosto de
2004, a dos negros é de seis anos a menos do que a dos brancos (74 anos)43.
O alarme decorrente do contraste desses números dá-se
principalmente em razão de que se trata de diversos aspectos da vida, o que
dado as diferenças exorbitantes constatadas, pode-se concluir que os negros em
41 GOMES, Flávio; FERREIRA, Roquinaldo. A miragem da miscigenação. Novos estudos, n.
80. p. 141-159. mar. 2008. 42 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade
socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
43 BURITY, Joanildo A. Desigualdades e a abolição inconclusa. p. 21-31, 2006.
31
sua maioria fazem parte de uma camada populacional marginalizada, a sofrer as
conseqüências desse atraso social em diversos aspectos da vida, e não somente
na educação. Ou seja, é um processo de exclusão generalizada de todo um grupo
étnico, a encaixar-se perfeitamente, portanto, nas descrições históricas na qual se
desfaz o mito da “democracia racial”.
2.2 UM RETRATO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
O outro aspecto que impossibilita a ascensão dos negros na
sociedade está inserido no problema educacional brasileiro, isto é, está
diretamente relacionado à pior qualidade das escolas do ensino fundamental
mantidas pelo governo em comparação com as escolas privadas, o que por
conseguinte impede que um número significativo de negros ingresse nas
universidades.
É que de maneira geral a situação de pobreza na qual vivem
a maioria dos negros obriga-os a estudarem nas escolas públicas custeadas pelo
Estado durante o ensino fundamental, enquanto que os bancos das escolas
particulares acabam sendo ocupados pelos brancos. Disso resulta numa disputa
desigual quando do vestibular, já que as escolas particulares fornecem uma
preparação muito mais aprofundada.
Além disso, as universidades públicas no país possuem em
média, ao contrário do que acontece no ensino fundamental, melhor qualidade do
que as universidades particulares, além de logicamente serem custeadas pelo
Estado e conseqüentemente se poder estudar nelas sem a cobrança de qualquer
taxa, o que também aumenta a competição pelas vagas.
Nesse contexto, pode-se concluir que a situação no Brasil
parece ir contra o bom senso, pois contribui para que os indivíduos de menor
poder aquisitivo paguem para estudar nas universidades particulares, já que não
conseguem competir no vestibular em igualdade com os indivíduos vindos das
32
escolas particulares do ensino fundamental, enquanto os que possuem melhores
condições financeiras estudam de graça nas universidades públicas, por terem
desfrutado de uma melhor preparação durante o ensino fundamental. É lógico que
esse fato se traduz num número reduzido de negros nas universidades, pois estes
não conseguem competir para entrar numa universidade pública e muitas vezes
também não conseguem pagar uma universidade particular.
Em síntese, faz-se um diagnóstico na qual boa parte dos
negros não terminam o ensino secundário ou, terminam, mas não conseguem
entrar numa universidade pública, seja porque não estão preparados para
disputarem o vestibular, seja porque não conseguem manter-se economicamente
e precisam abandonar os estudos para trabalhar. Alguns até conseguem entrar
numa universidade pública, porém raramente num curso em que a concorrência é
mais acirrada. Por fim, alguns estudam em universidades privadas, todavia ao
custo de quase sempre terem que se auto-sustentar, o que os impedem de
poderem se dedicar exclusivamente aos estudos, além de que recebem um
ensino de menor qualidade, já que no Brasil há de se falar também em níveis de
qualidade de ensino consoante as universidades.
Os números no âmbito educacional também só vêm a
reforçar a afirmação da exclusão generalizada dos negros no País. Em relatório
do PNUD, por exemplo, apenas 2,5% da população negra tinham nível superior
no Brasil em 2001, índice próximo ao da África do Sul à época do apartheid e dos
Estados Unidos à época da segregação racial. Ou seja, sem leis racistas a
sociedade brasileira produzia (em época praticamente atual) um quadro de
desigualdade na educação superior igual à de países que possuíam legislações
abertamente discriminatórias. Por outro lado, cerca de 10,5% dos brancos em
2001 tinham diploma de ensino superior. A situação de desequilíbrio é tão grave
que se fossem reservadas 100% das vagas de todos os cursos superiores de
medicina para negros, demorariam 25 anos para que houvesse uma proporção
equivalente entre os médicos negros e brancos no Brasil44.
44 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade
socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação
33
Por outro lado, poder-se-ia pensar que o problema é o
oferecimento de poucas vagas, isto é, que uma grande expansão de vagas
poderia reduzir ou eliminar essa desigualdade. Porém, os dados históricos
mostram o contrário: em 1960, 1,4% dos brancos haviam completado o Ensino
Superior contra cerca de zero por cento dos negros. Em 1999, após uma
expansão expressiva do número de vagas, cerca de 10,9% dos brancos tinham
Ensino Superior completo, em face de 2,6% dos negros, de maneira a concluir-se
que apesar do aumento brutal de vagas no período, a desigualdade entre esses
grupos aumentou de 1,4 para 8,4%45.
Além disso, acrescenta-se que essa desigualdade não se
restringe somente ao ensino superior, ela se estende ao longo de toda a trajetória
educacional, desde a educação infantil até o ensino médio. Segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 10% dos brancos eram analfabetos contra
25% dos negros, no ano de 2000. A população branca tinha em média 6,6 anos
de estudo contra 4,4 anos da população negra. E, haviam concluído o ensino
médio 22,7% dos brancos em face de 13,3% dos negros46.
Como se observa, as constatações empíricas são bastante
conclusivas por si só, de modo que há pelo menos uma certeza possível de ser
extraída: a de que existe de fato uma exclusão generalizada de todo um grupo
racial no País, e, o acesso à educação não está de fora desse processo de
marginalização. Por conseguinte, o ingresso no ensino superior por parte dos
negros é condição essencial para a afirmação da raça, já que a educação é talvez
a forma mais eficiente de mobilidade social, além de que a representação
intelectual por parte de negros aumentaria o prestígio social do grupo como um
do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
45 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
46 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 4. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
34
todo e proporcionaria também uma maior consciência da questão do negro no
Brasil.
Pois, enquanto os negros não passarem a ocupar
expressivamente cargos importantes na sociedade, especialmente os cargos de
caráter intelectual, dificilmente se eliminará do imaginário coletivo a falsa idéia de
que indivíduos de raça negra são aptos apenas para a música, a dança, os
esportes ou os “trabalhos braçais”, enquanto que os brancos são quem possuem
maior aptidão para a ciência e a intelectualidade. Nesse contexto, destarte, a
educação se torna o ponto-chave para a construção do respeito à raça negra nos
meios sociais.
Em conclusão, o debate na qual existe uma necessidade de
se encontrar mecanismos de inclusão de negros nas universidades, seja pelo
meio de cotas ou outra maneira qualquer, encontra sua legitimidade naquilo que é
fato empírico e precisa ser revertido.
Por último, faz-se importante apresentar alguns dados a fim
de demonstrar em que fase está o programa nacional de cotas para negros nas
universidades brasileiras.
As universidades federais com cotas para negros, neste
momento, são as universidades de Brasília, a Escola Superior de Ciências da
Saúde/DF, do Pará, do Paraná, de Santa catarina, de Juiz de Fora, de Alagoas,
de São Paulo, de Tocantins, da Bahia, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte,
do Piauí, do Maranhão, do Recôncavo da Bahia e do ABC/SP. Nas universidades
estaduais, há cotas para negros nas universidades da Bahia, do Rio de Janeiro,
do norte fluminense, da zona oeste do Rio de Janeiro, a FAETEC/RJ, de
Londrina, de Ponta Grossa, UNICENTRO/PR, de Maringá, a UNIOESTE/PR, do
Maranhão, do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso, de Montes Claros/MG, de
Minas Gerais, do Amazonas, de Feira de Santana, do Rio Grande do Norte, de
Pernambuco, de Campinas, de São Paulo, a FATEC/SP, do Rio Grande do Sul e
de Goiás. O Centro Universitário de São José/SC é municipal e também aplica as
cotas. Além dessas, discutem a adoção de cotas as universidades federais de
São Carlos, de Uberlândia, do Mato Grosso, a Fluminense, do Ceará e do Espírito
35
Santo. E, as universidades estaduais do Sudoeste da Bahia, de Santa Cruz/Bahia
e de Santa Catarina (UDESC)47.
E, conforme pesquisa realizada pelo DATAFOLHA de julho
de 2006, 87% dos eleitores brasileiros são favoráveis a cotas nas universidades
públicas e particulares brasileiras para pessoas de baixa renda, enquanto que
65% entende que as cotas deveriam ter critério duplo, isto é, que fossem
destinadas à pessoas de baixa renda, porém também negras48.
Enfim, resta dizer que o programa de cotas para negros no
Brasil já se encontra de certa maneira avançado, posto que está concretizado em
diversas instituições e conta também com o apoio de mais da metade da
população, considerando-se a população aqueles que são eleitores. Números,
destarte, relativamente expressivos.
2.3 DA IGUALDADE INDIVIDUAL À COMUNITÁRIA
Como se pôde notar nas estatísticas citadas, a maior parte
da população brasileira não nega a marginalização dos negros e nem sequer é
contra as ações afirmativas em geral. Acredita-se ser possível afirmar sem
maiores problemas que a grande maioria dos brasileiros não se opõe a
programas de difusão da cultura negra ou a um combate permanente a qualquer
manifestação de racismo. Pelo contrário, evidencia-se na população um senso de
igualdade e justiça consideravelmente desenvolvido.
De outra face, se por um lado não parece haver grandes
47 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
48 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Comissão de acesso e diversidade socioeconômica e étnico-racial. Proposta de programa de ações afirmativas para ampliação do acesso à Universidade Federal de Santa Catarina com diversidade socioeconômica e étnico-racial. p. 3. Disponível em: www.acoes-afirmativas.ufsc.br.
36
controvérsias quanto à necessidade de intolerância a qualquer perspectiva
intelectual e política na qual a situação dos negros permaneça estagnada, há
muitas dúvidas sobre quais medidas práticas devem ser efetivadas sem que haja
ao mesmo tempo uma cisão naquilo que a maioria das pessoas entende por
igualdade e justiça, posto que toda ação afirmativa implica necessariamente em
algum tipo de restrição à igualdade e, de modo geral, a igualdade é encarada
como o alicerce da justiça, inclusive pela maioria dos pensadores49.
Nessa seara, pode-se dizer que as cotas impõem,
sobretudo, uma reflexão filosófica sobre o que significa a igualdade; ou melhor,
sobre o que requer o princípio da igualdade. Em outras palavras, faz-se
necessário indagar quando o tratamento diferenciado entre pessoas assume ser
medida de justiça? Ou, quando e em que medida a própria igualdade requer a
diferenciação? Como antes dito, positivamente parece estar disseminado na
consciência do brasileiro a idéia de igualdade, a igual consideração por todos,
como fala Ronald Dworkin50. E mais, que por exigência do princípio da igualdade
os negros precisam se integrar na sociedade de forma mais ampla, cabendo ao
Estado tomar as providências para que isso aconteça efetivamente. No entanto, o
que não está claro é uma definição de um processo justo para que isso seja posto
em prática; em outras palavras, se a igualdade pressupõe uma igualdade de
condições, uma igualdade de resultados, ou ainda, um sistema limite que garanta
pelo menos os direitos fundamentais, na linha garantista de Luigi Ferrajoli51. Por
outro lado, o certo é que na conjuntura na qual vivemos a igualdade não é
concretizada em nenhum dessas formas, ela continua a ser concretizada tão-
somente em sua vertente formal, a depender quase sempre das contingências
das leis de mercado.
Não se pretende aqui responder tal questão complexa sobre
49 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo:
Martins Fontes. 2000. p. 14. 50 Igualdade como ideal: entrevista com Ronald Dworkin. Novos Estudos, n. 77. p. 233-239,
mar. 2007; DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes. 2005. p. 3.
51 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 682-756.
37
a igualdade, sugere-se apenas que novas concepções de igualdade podem e
devem ser discutidas, mormente considerando o inconformismo geral diante do
que a história vem nos escrevendo em termos de desigualdades sociais, a
ensejar, de outra face, que intelectuais dos mais refinados debatam sobre a
imprescindibilidade de se ampliar a noção de igualdade para esferas mais
consistentes e, conseqüentemente, também repensarem uma nova noção de
estado de direito e democracia. O tema é ingrato, claro está, posto que a
concretização da igualdade, como se sabe, muitas vezes adentra a esfera da
liberdade individual, donde o maior problema da democracia num estado de
classes ser o da manutenção dos seus princípios – igualdade e liberdade – sob os
efeitos da desigualdade real52. O paradoxo de tentar harmonizar esta aporia
resultante desses dois princípios constitui o cerne na qual a nova filosofia política
pós-queda do muro de Berlim vem se deparando.
Além disso, o tema da igualdade suscita ainda outras
questões quanto à sua natureza. Até agora se fez referência à igualdade sob o
aspecto econômico ou, pode-se dizer, sob a perspectiva da redistribuição. Tratou-
se de evidenciar que a igualdade pode implicar numa igualdade de condições, de
resultados ou mesmo conforme uma abordagem garantista, porém, todas essas
modalidades encaixam-se num viés liberal-individualista da igualdade, em que a
igual consideração por parte do Estado é materializada através de uma
redistribuição equitativa da renda. Já num outro sentido, a igualdade pode ser
pensada de maneira ainda mais ampla. Uma vertente da igualdade na qual a
faceta do reconhecimento social é quem a sedimenta, de modo que não basta a
redistribuição da renda consoante uma perspectiva liberal-individualista, mas
torna-se peremptório como exigência de igualdade a afirmação do ethos
pertencente a cada indivíduo, a desenvolver, assim, uma sociedade multicultural:
passa-se, então, de uma perspectiva liberal-individualista para outra comunitarista
do princípio da igualdade53. A igual consideração por parte do Estado na versão
comunitarista, destarte, consubstancia-se então em materializar o reconhecimento
52 CONGRESSO SOBRE DIREITOS HUMANOS (2006: Brasília). CHAUÍ, Marilena. Direitos
Humanos e Educação. p. 1-14. 53 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.
38
de cada cidadão na sociedade consoante a sua origem antropológica.
Assim, o que constitui o paradigma na qual a discussão das
ações afirmativas recai é estabelecer se a igualdade parte do pressuposto de uma
perspectiva puramente liberal-individualista, segundo a qual a emancipação e
transcendência do homem são postas sob o plano da realização individual, de
modo que depende unicamente de cada um realizar-se e encontrar a sua própria
felicidade. E, assim sendo, portanto, a promoção da igualdade enquanto função
do Estado seria sempre pensada restritamente em termos de uma distribuição
dos bens e recursos escassos de maneira mais justa e equitativa, posto que uma
vez dado a cada um o necessário em termos de bens e recursos, o Estado
haveria cumprido sua responsabilidade em oferecer condições a cada cidadão de
se desenvolver como ser humano, além, é lógico, da liberdade individual sem
distinções materializada através dos limites aos poderes do Estado. Ou seja, a
igual consideração por parte do Estado, segundo a perspectiva liberal-
individualista da igualdade, estaria associada tão-somente a uma melhor
distribuição da renda e à ampliação da liberdade individual, porquanto são os
bens e recursos juntamente com a liberdade individual que materializam a
possibilidade de emancipação e transcendência de cada cidadão.
Ou, se a igualdade parte do pressuposto de uma perspectiva
comunitarista, na qual a realização individual depende de uma dimensão ainda
mais elevada, pois estaria diretamente relacionada a uma aceitação social do
indivíduo consoante a sua origem antropológica, de maneira que apenas uma
distribuição mais equitativa dos bens e recursos e a liberdade individual não
seriam suficientes como medidas de igualdade. Isto é, não seria o simples acesso
aos bens e recursos e à liberdade perante o Estado que sustentariam o
reconhecimento do ser individual perante a comunidade, a realização individual
também se vincularia ao reconhecimento social de cada um, que dependeria
automaticamente da aceitação do seu grupo, independentemente das
características dele e da prevalência de suas características serem de ordem
étnica, racial, religiosa, sexual ou qualquer outra que a diferencie. Nesse contexto,
a melhor distribuição da renda e a liberdade, na verdade, constituiriam apenas um
39
dos elementos da igualdade54.
Em suma, existem dois aspectos da igualdade. O primeiro
chama a atenção para a necessidade da igualdade do ponto de vista político-
econômica. Nesse sentido, a igualdade se consubstancia na perspectiva liberal-
individualista de inspiração Kantiana, em que a realização individual depende
especialmente das limitações do Estado na esfera do arbítrio individual, devendo
o Estado limitar-se a harmonizar as relações entre os indivíduos a fim de
encontrar um meio-termo em que a liberdade seja sempre preservada, porém
sem que interfira na liberdade do próximo, e, também no acesso aos bens e
recursos necessários para que cada um possa se desenvolver individualmente.
John Rawls e Ronald Dworkin foram talvez os que mais deram continuidade
nesse aspecto do princípio da igualdade, com teorias bastante elaboradas do
ponto de vista de uma justiça redistributiva55.
O segundo aspecto, por outro lado, reivindica a igualdade
sob o âmbito simbólico-cultural, a enfatizar o reconhecimento social do indivíduo
frente à comunidade sem ignorar que o indivíduo acha-se sempre inserido num
grupamento social com características peculiares, e que assim sendo, a aceitação
sem qualquer restrição dos diferentes grupos, destarte, é condição para a
aceitação e realização individual. Reconhece-se que os indivíduos são quase
sempre vistos em associação a algum grupo social e uma vez que as pessoas
são classificadas assim, para o bem ou para o mal, o respeito e a aceitação de
cada grupo são imprescindíveis à aceitação individual. Desse modo, portanto, a
igual consideração por cada cidadão requer como fim a afirmação dos diferentes
grupos nos meios sociais. Esta visão consubstancia-se na perspectiva da
fenomenologia da consciência de Hegel, que foi quem inaugurou o termo
reconhecimento na história da filosofia social. E, Nancy Fraser e Axel Honneth
são provavelmente os grandes expoentes atuais dessa perspectiva mais ampla
54 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006. 55 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas,
implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.
40
da noção de igualdade56.
Essa distinção é basal para o tema das cotas, pois analisar a
reserva de vagas nas universidades a um determinado grupo racial sob o prisma
de uma teoria da igualdade liberal-individualista implica em reconhecer obstáculos
jurídicos instransponíveis à política de cotas.
A dificuldade evidencia-se porque o motivo pela qual os
negros não conseguem ingressar nas universidades não possui relação direta
com a cor de suas peles. Aqueles que corrigem as provas no vestibular nem
sequer sabem se os candidatos das respectivas provas são brancos ou negros. O
que acontece é que os negros compõem de modo geral as camadas mais pobres
e por isso estão menos preparados para o vestibular do que os indivíduos
provenientes de classes sociais mais altas - na sua grande maioria composta por
brancos -, o que resulta em piores notas dos indivíduos negros e
conseqüentemente menor aprovação desse grupo racial nos vestibulares. No
entanto, um negro de classe social mais abastada deverá (em tese) conseguir
também encontrar mais facilidade no vestibular, posto que sua preparação será
melhor. Por outro lado, um branco pobre e excluído socialmente deverá (em tese)
ter também mais dificuldade de ser aprovado num vestibular mais concorrido,
dado a sua pior preparação.
Ora, seguindo esse raciocínio, se as cotas partem do
pressuposto da igualdade no seu sentido liberal-individualista, com o objetivo
apenas de redistribuir a renda retirando de indivíduos brancos e ricos para outros
indivíduos negros e pobres, ela não encontra sentido qualquer sob o âmbito da
igualdade, pois a idéia de redistribuição aqui só beneficia aqueles indivíduos que
receberam os bens e recursos diretamente, aqueles que não adquiriram nada
com a política de redistribuição não podem ser considerados como figurantes do
pólo ativo dessa demanda.
Com efeito, ao se considerar a política de cotas por essa
visão restritiva da igualdade ela se torna bastante injusta, já que abre espaço para
56 CÂMARA, Daniela Bogêa Bastos. Ação afirmativa: matrizes teóricas e normativas, implementação norte-americana e debate acadêmico brasileiro. p. 73-89, 2006.
41
o questionamento: o que diferencia os indivíduos brancos e ricos de outros
indivíduos negros e ricos por essa acepção da igualdade? Ou, no mesmo sentido,
qual a diferença entre indivíduos negros e pobres de outros indivíduos brancos e
pobres? Se a política de cotas tem por intuito apenas redistribuir a renda, por que
as cotas são reservadas apenas aos indivíduos negros e pobres e não também
aos indivíduos brancos e pobres, já que não há diferença entre eles dado que
ambos os indivíduos desses grupos vivem na pobreza? Não dá para consentir
que um branco pobre sofra menos que um negro pobre do ponto de vista do
acesso aos bens e recursos se ambos vivem no mesmo estado de miséria. Se a
aflição da marginalização é considerada apenas pelo grau de disposição a
determinados bens e recursos, não há diferença nenhuma entre um branco pobre
e um negro pobre bem como entre um branco rico e um negro rico.
Mas há ainda outros motivos para se refutar as cotas
analisando-as sob a perspectiva liberal-individualista: em primeiro lugar, uma
política redistributiva deveria enfatizar mais o ensino fundamental público, pois
uma educação de qualidade na base da formação serviria para diminuir essa
discrepância entre alunos de escolas públicas e escolas privadas quando do
vestibular.
Além disso, as cotas não irão exatamente redistribuir os
bens e recursos das classes dominantes para as classes inferiores. As crianças
das classes mais baixas muitas vezes nem conseguem terminar o ensino
fundamental e, ademais, na disputa entre os negros pobres para averiguar qual
deles irão se beneficiar com as cotas, considerando que o critério é o de notas, é
muito provável que os negros mais estabilizados socialmente se sobressaiam
sobre os negros menos estabilizados, pois é lógico pressupor que os jovens com
melhores condições de recursos também consigam ir melhor nos estudos. Além
disso, o grupo de indivíduos que será mais prejudicado com as cotas (em tese)
não será o grupo dos mais ricos, porém o segundo grupo mais desprivilegiado: os
últimos que foram aprovados. Os grupos com mais recursos provavelmente irão
42
ocupar as primeiras posições e não serão afetados57.
E, por último, há ainda a questão que foi colocada no
primeiro capítulo: só podem figurar no pólo ativo da demanda (só podem receber
as cotas) aqueles que de fato sofreram preconceitos, o que nem sempre irá
acontecer. Muitos que irão se beneficiar com as cotas talvez nunca tenham
sofrido qualquer tipo de preconceito ou podem até ter sofrido, porém menos que
outros que não irão se beneficiar. No mesmo sentido, só poderia fazer parte da
demanda no seu pólo passivo aqueles que praticaram a discriminação e
provavelmente muito daqueles indivíduos que serão prejudicados com as cotas
nunca tenham tido qualquer conduta preconceituosa.
Agora, ao se considerar a igualdade também pelo âmbito do
reconhecimento social, as cotas adquirem outra dimensão, pois neste caso, a
aflição entre um branco pobre e um negro pobre não é exatamente a mesma. Ela
é a mesma ao se considerar o sofrimento causado pela disposição a bens e
recursos, porém a do negro pobre seria maior pelo adicional da marginalização
sofrida em virtude do preconceito racial. Neste passo, Hélio Santos58 traz um
exemplo interessante em sua entrevista à revista “Caro Amigos”. Ele diz que um
branco pobre provavelmente irá ter mais facilidade para conseguir um emprego
na padaria da esquina do que um negro pobre. E, pode-se complementar esse
raciocínio dizendo que provavelmente um branco rico vá conseguir subir mais
facilmente dentro de uma multinacional do que um negro rico. Em síntese, o fator
raça é também causa de aflição, para além da disposição a bens e recursos. Só
assim então se justificam as cotas, com vista a afirmar uma raça socialmente e
pôr fim ao preconceito.
As cotas, nessa esteira, não visam beneficiar alguns
indivíduos no âmbito de seus direitos particulares. Na verdade elas têm por intuito
ascender todo um grupo étnico na sociedade. Logicamente que apenas alguns
indivíduos são beneficiados diretamente - apenas os negros contemplados com
57 MESQUITA, Nuno Coimbra. Cotas, educação e justiça. Impulso: revista de ciências sociais
e humanas, Piracicaba, v. 16, n. 30, p. 107-116, mai-ago. 2005. 58 Caros amigos, São Paulo, v. 6, n. 69. p. 31-37, dez. 2002.
43
as cotas -, porém os outros indivíduos do mesmo grupo também são beneficiados
indiretamente, pois à medida que alguns negros consigam ocupar cargos
importantes na sociedade e pouco a pouco a cultura negra vá se inserindo nos
centros de poder nos meios sociais, os outros negros não contemplados
diretamente pelas cotas acabam também se beneficiando uma vez que o
preconceito como um todo vai diminuindo. É a igualdade sob o ponto de vista
comunitarista, da afirmação dos diversos grupos numa sociedade multicultural.
Em epítome, não se aplica as cotas em reconhecimento
àqueles indivíduos negros, pobres e vítimas de preconceito (nem se sabe se eles
sofreram mesmo algum preconceito) que irão ser escolhidos para preencher a
reserva de cotas, aplica-se porque se sabe que o preconceito está impregnado
nos meios sociais e o benefício comum para toda sociedade com a aplicação das
cotas é a diminuição desse preconceito visando à paz social. A sua amplitude é
tão maior ao ponto de se poder dizer que as cotas são também aplicadas em
benefício inclusive dos brancos ricos, já que a extinção do preconceito racial é de
benefício para todos.
Por fim, há mais um ponto que não poderia ser passado sem
discuti-lo. As cotas têm por objetivo último extinguir o preconceito racial.
Entretanto, e se elas ganhassem justamente a outra direção: se ao invés delas
conscientizarem a população de uma maior tolerância racial, acirrassem ainda
mais as avenças entre os diferentes grupos raciais?
Muitos dos que argumentam em desfavor das cotas expõem
justamente este ponto de vista: a de que os malefícios sociais a serem causados
pelo reconhecimento oficial (do Estado) de diferentes raças poderiam ser
desastrosos. Partem da idéia de que é um tema extremamente perigoso a ser
deixado nas mãos do Estado, pois em outros contextos históricos o critério raça
foi usado posteriormente para a supressão de algumas delas em prol de outras. O
sociólogo Demérito Magnoli59, em entrevista à revista “Veja”, ressalva que as
políticas raciais pretendem, na verdade, que seus promotores possam erguer-se
como lideranças políticas no futuro e chega mesmo a afirmar que “querem criar
59 Veja, ano 42, n. 35, p. 88-93, 02 de setembro de 2009.
44
um racismo de massas” no Brasil. Na mesma reportagem, argumenta-se ainda
que o critério raça devesse ser superado e extinguido, já que não existem raças
do ponto de vista genético. Cita-se, como exemplo, que dois negros podem ser
geneticamente mais distintos entre si do que a diferença genética constatada
entre um negro e um branco, de maneira que o Estado passar a classificar as
pessoas em raças seria ao mesmo tempo um perigo e um retrocesso.
Não se nega (até por ser um tema fora do alcance das
Ciências Sociais) que geneticamente falando a distinção entre dois negros possa
ser menor do que entre um negro e um branco e nem se discorda que ao se
considerar essa possibilidade realmente o critério raça simplesmente não existe,
pois se não há como fazer distinções genéticas ao ponto de se definir um padrão
para o que seria cada raça, seria impossível de existir qualquer classificação das
pessoas em raças: como haveria de se classificar as pessoas nessa ou naquela
raça sabendo que duas pessoas classificadas numa mesma raça podem ser mais
distintas geneticamente do que duas pessoas classificadas em raças diferentes?
No mesmo sentido, entende-se também que pode até haver
líderes de movimentos negros que estejam a se aproveitar de ações afirmativas
para se fortalecerem politicamente bem como que o critério raça possa adquirir
em algum momento conotação política. Entretanto, com a devida vênia ao
Sociólogo e à reportagem da Veja, há algumas questões a serem consideradas
sucintamente a essas objeções.
O primeiro ponto é que embora possa argumentar-se que
não existem raças no que concerne à genética, não há como defender que elas
não se evidenciam socialmente60. Os judeus discriminados durante o nazismo ou
a escravidão brasileira não se deram com base em elementos da genética de
cada indivíduo, existiram simplesmente como expressão de fatores sociais. O
racismo é, portanto, fato do mundo dos homens, da sociedade, da política, e não
da Biologia. Quando um pai não quer que sua filha se case um negro, não o faz
porque conhece o DNA dele, ele o faz pela cor da pele, pelo estigma de uma
60 KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira, necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa dos negros nos Estados Unidos da América e no Brasil. 1997. p. 239.
45
expressão cultural que este negro traz consigo.
Por conseguinte, parece constar não querer se reconhecer
que o racismo está explícito nos meios sociais como resultado cultural. E, o
Estado ignorar a realidade flagrada com o falso argumento ideológico de que as
pessoas não devem ser classificadas, pois formamos uma unidade no seio do
espaço social, enquanto que as diferenças já foram simbolicamente construídas
ao longo da História, não seria a medida cabível para se eliminar de uma vez por
todas o preconceito racial61. É importante dizer que diferentemente da
classificação das pessoas em raças com vista a estabelecer estamentos étnicos
ou raciais, com base em pretensões de superioridade e inferioridade, as ações
afirmativas diferenciam as pessoas, classificando-as neste ou naquele grupo, com
o fim último de buscar a igualdade, de garantir que todos os grupos sejam
respeitados e possuam direitos e deveres em igualdade real. É uma situação bem
diferente, destarte.
A outra questão colocada era de que há líderes de
movimentos negros que estão se aproveitando das políticas de ações afirmativas
para se reforçarem politicamente e que isso pode representar no futuro um risco
de se descambar para um racismo de massas, inclusive, de modo a ameaçar o
estado de direito. O assunto trata da estabilidade, portanto, um tema bastante rico
na Ciência Política e que seria impossível de refleti-lo adequadamente neste
trabalho. No entanto, algumas palavras merecem ser ditas já que adentra a esfera
das ações afirmativas.
O fato é que a possibilidade de que haja líderes de
movimentos negros que possam se aproveitar das ações afirmativas para atingir
fins políticos particulares e de que o tema raça seja politizado, isso não constitui
um aspecto ruim em si e nem ameaça o estado de direito, pelo menos em
consonância com o que se propõe as ações afirmativas.
61 BISOL, Jairo. Dogma e dogmatismo. As ideologias e a filosofia. Direito: positivismo e
jusnaturalismo. Nova ciência antidogmática do direito. (Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da Nova Escola Jurídica Brasileira – NAIR), Brasília, p. 17 – 19.
46
Segundo Luigi Ferrajoli62, o que embasou os Estados
totalitários e ditatoriais na História foram as concepções de Estado definidos em
uma ética a priori: a política que resultou nos regimes antiliberais foram aquelas
que se desenvolveram partindo de uma ética a ser imposta a todos, na qual o
indivíduo e suas garantias eram menos importantes do que o interesse coletivo,
isto é, um modelo de sociedade consubstanciado numa concepção de virtude
anterior e que deveria ser submetida forçadamente às pessoas.
Nessa vereda, Norberto Bobbio63 adverte que a inovação
trazida pela formação dos Estados modernos foi justamente a possibilidade da
pluralidade de culturas e pensamentos e da liberdade individual garantida pelas
limitações do Estado; ou seja, na inversão de um modelo de Estado organicista,
na qual os indivíduos eram vistos de maneira unitária e indivisível, e, o Estado
personificado em ser aquele que deveria impor o modelo de vida adequado, para
um modelo liberal-individualista, em que cada indivíduo é responsável pelo seu
modo de viver consoante seus próprios valores, sem que nenhuma virtude lhe
seja imposta de cima para baixo. O Estado limita-se, nesse aspecto, apenas em
garantir a coexistência pacífica entre as pessoas e coage tão-somente diante
daquelas condutas não condizentes com a possibilidade de um convívio
harmonioso.
Agora, retornando à questão das cotas, elas não se
coadunam com uma virtude a priori a ser imposta, pois somente se o elemento
raça fosse utilizado com base em pretensões de superioridade de uma raça em
prol de outra, de maneira que a raça considerada inferior devesse ser suprimida
ou restringida em direitos, como foi feito no caso do nazismo, da escravidão
brasileira e em muitas outras situações, é que se estaria a formular uma
concepção de moralidade anterior a criação do Estado, a dar um fim último à sua
própria razão de ser. E, inclusive, a vislumbrar novamente uma concepção
metajurídica de Direito, na qual de um “ser” (a diferença da cor da pele das
62 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.705-708.
63 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 4.
47
pessoas) geraria um “dever ser” dogmático (a raça superior deve prevalecer sobre
a inferior). A doutrina nazista partia justamente da desumanização dos judeus e o
mesmo aconteceu com os negros e índios no Brasil, por exemplo.
A moralidade a priori se faz presente, destarte, somente
quando o elemento raça é utilizado com base em pretensões de superioridade e
inferioridade, pois o simples fato de coexistirem negros e brancos no mesmo
ambiente social não traz prejuízo nenhum a cada pessoa dentro de sua
individualidade por si só: a cor da pele do próximo não causa nenhuma aflição à
liberdade do outro, de modo que a formulação de que uma raça deva ser extinta
como parte dos fins último do Estado surge com base na moralidade de alguns (a
de que uma raça é superior à outra) que querem impor aos demais a sua vontade
(extinguir ou limitar a raça inferior). A moralidade criada aqui, invade a esfera de
liberdade daqueles que pertencem à raça a ser excluída. A concepção do que é
correto por parte de alguns, então, impõe restrições sobre o espaço de liberdade
de outros, sem que a simples existência destes traga qualquer prejuízo àqueles
que querem impor seus valores morais.
Por outro lado, as ações afirmativas não se inserem no
vislumbrado, pois elas possuem uma concepção liberal64 em sua origem: elas não
vêm para sobrepor uma raça sobre a outra e nem partem de uma concepção a
priori de que uma raça é superior enquanto outras são inferiores, pelo contrário,
são implementadas para buscar a igualdade entre as raças e afirmarem
justamente que todas elas merecem a mesma consideração independentemente
de suas formas de ser. O que se busca não é suprimir a raça branca ou desfazer
sua cultura, mas tão-somente afirmar a cultura negra nos meios sociais. É por
isso, inclusive, que as ações afirmativas devem ser temporárias, pois servem até
o momento em que a igualdade é atingida.
Em suma, o que fez com que o elemento raça tenha servido
à formação de Estados totalitários e ditatoriais foi a moralidade instituída
percussora dos fins últimos do Estado criado. O Estado era criado com
determinados fins e, entre esses fins, estava a formulação de que uma raça era
64 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 293-294.
48
superior à outra e que por isso a raça inferior deveria ser extinta ou restringida.
Diferentemente da concepção liberal em que o Estado não possui fim moral
nenhum a ser imposto às pessoas, não há nenhum modelo correto de vida pré-
determinado. O Estado simplesmente é visto como um mal necessário e que
serve para se garantir a liberdade e a igualdade. Assim, as ações afirmativas
enquanto não passarem de um meio na qual sirvam à afirmação da liberdade e da
igualdade não representam perigo nenhum ao estado de direito. Em outras
palavras, a garantia do estado de direito está nas restrições às próprias ações
afirmativas, ou seja, na medida em que elas percam a sua finalidade consoante o
que prescreve um estado de direito, elas também se tornam ilegítimas e devem
ser combatidas com todos os meios possíveis, como qualquer outro tipo de
política que ponha em iminência a desconstrução das liberdades adquiridas.
Claro que se pode objetar que garantir a liberdade e a
igualdade conforme a formulação de um estado de direito já é também uma
formulação a priori, no entanto, como diz Ferrajoli65, defende-se essa formulação
de Estado porque ela não impõe ao próximo nenhum modelo correto de vida:
cada qual vive como bem entender desde que suas condutas não interfiram no
espaço de liberdade de outrem.
Por último, quanto ao fato de que o termo raça adquira
conotação política, isso não é um mal em si desde que se utilize a idéia de raça
consoante um visão liberal, isto é, que não seja embasada em pretensões de
superioridade de uma raça face à outra, mas tão-somente apareça no cenário
político por seus representantes em defesa da afirmação de uma determinada
cultura ou dos direitos do grupo racial respectivo. Nesse sentido, o termo raça não
seria diferente de outras representações tão comuns numa sociedade plural,
como por exemplo, os representantes dos trabalhadores, dos sem-terras, dos
interesses das multinacionais ou dos pequenos empresários, dos homossexuais e
assim por diante. Aliás, esse embate social66 entre os diversos interesses no seio
65 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002. P. 745. 66 CONGRESSO SOBRE DIREITOS HUMANOS (2006: Brasília). CHAUÍ, Marilena. Direitos
Humanos e Educação. p. 1-14.
49
de uma sociedade plural, na qual também se vislumbra ressonância na
representação política, desde que respeitado os limites impostos pelo estado de
direito, só tem a enriquecer a democracia.
CAPÍTULO 3
ANÁLISE JURÍDICA DAS COTAS ESTUDANTIS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS
3.1 DA IGUALDADE FORMAL À MATERIAL
As ações afirmativas estão intimamente vinculadas ao
princípio da igualdade, de maneira que qualquer investigação acerca de sua
possibilidade jurídica há de se iniciar, inevitavelmente, por uma análise do
princípio da igualdade. Até porque foi sempre calcada na restrição deste princípio
a justificativa que tem se dado às ações afirmativas.
Considerando isso, o primeiro objeto a ser investigado é o
de reconhecer a origem jurídica do princípio da igualdade e suas transformações
no decorrer da História, o que nos remete às Revoluções Burguesas ocorridas no
final da Idade Moderna. Porque embora já houvesse no mundo Antigo uma
preocupação sobre a importância da igualdade como ideal de justiça, como nas
obras de diversos pensadores, tais como Sólon, Péricles, Platão, Aristóteles,
Cícero, Sêneca, entre outros, foi somente com a passagem da Idade Moderna
para a Idade Contemporânea que o princípio da igualdade, juntamente com
outros direitos considerados partes do rol dos Direitos Humanos, pôde ser
reconhecido juridicamente67.
Como afirma Bobbio68, foi somente com as Revoluções
Burguesas, com destaque para as experiências inglesa, francesa e americana,
que se deu o início do reconhecimento jurídico dos direitos humanos e, por
conseguinte, da formalização do princípio da igualdade; tendo sido consagrado
67 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas
raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 15. 68 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1996. p. 4.
51
pela primeira vez em 1776, quando da edição do Virgínia Bill of Rights, e
posteriormente plasmado na Déclaration des Droits de L’Homme et du Citoyen, de
178969. A nova roupagem política formada após as Revoluções foi o marco de
uma nova concepção do homem frente ao Estado, concepção que tinha na sua
base justamente a igualdade jurídica dos homens.
Foi com as Revoluções Burguesas, portanto, que o princípio
da igualdade adquiriu pela primeira vez um status jurídico e apareceu plasmado
em textos legais. E é provável que dado sua importância e ligação com os ideais
de justiça e da persecução do princípio da dignidade humana, muito dificilmente
hoje se encontrará qualquer Constituição que não vislumbre tal dispositivo.
No entanto, vale a ressalva de que assim como os direitos
humanos não são estáticos, também o princípio da igualdade passou por diversas
acepções.
Inicialmente, era encarado de forma absoluta, no sentido de
que todos os indivíduos deveriam receber o mesmo tratamento por parte do
Estado e estarem submetidos às mesmas regras. As normas tinham sempre um
caráter genérico e abstrato, sem considerar as diferenças entre as posições
sociais dos indivíduos. O princípio visava apenas proibir privilégios de nascença,
típicos da sociedade estamental do período anterior, porém, as diferenças, que
são frutos das próprias relações sociais, não eram reconhecidas conforme esta
acepção do princípio da igualdade. Aliás, era justamente a desconsideração das
leis pelas diferentes posições dos indivíduos numa sociedade heterogênea que
mantinha ou gerava grandes desigualdades70.
Consubstanciado na idéia da prevalência da lei (só há
Direito onde haja norma) e coincidente com aquele momento liberal (o Estado
tratava apenas de questões ligadas à soberania), o princípio da igualdade
acabava por ter, então, um sentido apenas formal. A separação entre Estado e
sociedade, isto é, a abstenção do Estado em regular as relações entre
69 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula “Carregada” de Sentido? Boletim do Ministério da Justiça, Portugal, n. 358. jul. 1986. p. 20.
70 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula “Carregada” de Sentido? 1986. p. 26-27.
52
particulares permitia que diversos tipos de preconceitos ainda pudessem ser
admitidos no seio da sociedade, apesar da igualdade de todos perante a lei.
Inclusive, este período – que foi o período imediatamente
pós-Revoluções, ou seja, o período liberal – foi justamente maculado pelas
grandes desigualdades sociais decorrentes dessa interpretação literal do princípio
da igualdade. Era justamente essa limitação do princípio de apenas vedar que o
Estado privilegiasse algum grupo social sem levar em conta as diferenças reais
entre os privados que consentia que aqueles que estivessem nas posições mais
privilegiadas economicamente pudessem explorar os de condições inferiores. Em
suma, a igualdade formal camuflava a desigualdade e era conivente com os
preconceitos enraizados na sociedade.
Mas posteriormente reconheceu-se que não era bem
verdade que todos competiam e relacionavam-se dentro das mesmas
oportunidades. Muito pelo contrário, as diferenças sociais dos indivíduos eram
nítidas, sendo que era justamente a abstenção por parte do Estado nas relações
entre particulares que permitia as grandes desigualdades, de modo que surgiu a
necessidade de uma maior intervenção do Estado, no sentido de compensar os
mais fragilizados dessas relações. Eis que surge, então, o chamado Estado
Providência, já que agora o Estado passava a atuar como provedor direto de
diversos bens e serviços à população71.
Não obstante essa nova função estatal de corrigir as
anomalias sociais, quanto ao princípio da igualdade, o único avanço foi o do
reconhecimento das diferenças entre os indivíduos, da consideração de cada
cidadão conforme a sua posição relativa na sociedade. No entanto, o princípio
continuava a ter uma perspectiva predominantemente formal, já que sua atuação
como mecanismo de conformação social era muito limitada posto que não
permitia discriminações no seio da própria lei.
A possibilidade de igualdade estava vinculada ao Estado
Social que se formava, não cabendo ao princípio da igualdade, através de sua
interpretação, regular os desequilíbrios causados pelas relações econômicas de
forma mais direta. O Estado atuava apenas através dos mecanismos mais
71 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula
“Carregada” de Sentido? 1986. p. 30.
53
tradicionais, como as leis trabalhistas e da seguridade social, por exemplo, mas
não conseguia vencer aqueles preconceitos mais sutis, como as questões de
exclusão relacionadas à origem étnica, racial e de gênero72.
Como se nota, embora o princípio tivesse um alcance maior
que no seu estágio absoluto, já que havia uma iniciativa do Estado de compensar
com serviços os descompassos sociais, ainda assim, prevalecia uma concepção
predominantemente formal.
Surgiu, então, a necessidade do alargamento do princípio
para a possibilidade de certas discriminações, de maneira pela qual as diferenças
fossem levadas em consideração no seio da própria lei. Desse modo, passou a
vigorar a idéia de que somente ao se tratar os iguais como iguais e os desiguais
como desiguais seria possível superar os desequilíbrios sociais e chegar-se a
uma igualdade material73.
Foi com a constatação do pluralismo existente nas
sociedades, seja ele decorrente das diferentes características naturais entre as
pessoas, seja pela natureza classista e muitas vezes marginalista do sistema
capitalista, que se imputou ao princípio da igualdade uma aplicabilidade mais
próxima da realidade. Agora, sendo possível – embora não de forma pacífica –
certas discriminações no próprio conteúdo da norma. É no sentido do princípio da
igualdade sob um âmbito material, portanto, que surge uma nova dimensão do
seu alcance, a das chamadas ações afirmativas.
E, as ações afirmativas, nada mais são do que um meio para
a efetivação do princípio da igualdade quando interpretado no seu sentido
material. Ou seja, elas se caracterizam pelo reconhecimento das diferenças entre
as pessoas, devendo ser essas diferenças respeitadas e garantidas, e, também,
pela admissão das desigualdades sociais entre as pessoas, sendo que tais
desigualdades devem ser removidas no sentido de se atingir uma igualdade
substancial: as diferenças devem ser afirmadas e as desigualdades suprimidas74.
72 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula
“Carregada” de Sentido? 1986. p. 32-33. 73 PINTO, Maria da Glória Ferreira. Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou Fórmula
“Carregada” de Sentido? 1986. p. 35. 74 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002, p. 726-727.
54
Por outro enfoque, essa nova dimensão do princípio da
igualdade não veio sem controvérsias, pois é justamente pela especificidade das
distinções agora possíveis onde residem as grandes dificuldades. Não se trata
somente de compreender que é necessário o tratamento igual aos iguais e
desigual aos desiguais para que se atinja a igualdade material, a dificuldade está
também em saber até onde podem ir tais discriminações e quais os seus
parâmetros valorativos. Em outras palavras, faz necessário detalhar mais o que
princípio da igualdade, afinal, permite ou não.
3.2 DA FLEXIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Como fora constatado, as ações afirmativas implicam em
discriminações legais, mormente quando nelas se utilizam discriminações
positivas. Assim, para que se chegue a alguma conclusão acerca do assunto é
necessários antes estabelecer quais os tipos de diferenciações nos conteúdos da
lei o princípio da igualdade permite.
E, para analisar se uma lei é condizente ou não com o
princípio da igualdade, há dois aspectos da lei que devem ser considerados e
relacionados entre si: a possibilidade ou não de repetição do evento regulado em
lei e a individualização ou não do destinatário no momento da edição da lei75.
Quanto à possibilidade ou não de repetição do evento
regulado em lei, está se ponderando se a situação descrita na norma (sua
hipótese de incidência) pode se repetir constantemente ou não. Por exemplo: uma
norma que estabelecesse a cobrança de uma taxa para se poder trafegar com
automóvel numa determinada estrada seria um tipo de lei em que a conduta que
dá ensejo à aplicação concreta da norma tem por característica a sua
repetibilidade, já que a hipótese de incidência acontecerá sempre que alguém
75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 3.ed.
São Paulo: Malheiros Editores. 2002. p. 23-35.
55
quiser dirigir na estrada na qual se está cobrando o pedágio. Em outras palavras,
o evento poderia se repetir constantemente76.
Diferente seria, de outra face, uma norma que destinasse
um prêmio ao vencedor de determinado concurso realizado na cidade de Itajaí,
numa data específica e sob condições pré-fixadas: a hipótese de incidência nesse
caso não poderia acontecer duas vezes, pois a norma que declara a concessão
do prêmio estabeleceu que ele somente seja dado naquela situação específica e
na qual a repetibilidade do evento é impossível de acontecer. Não haveria outro
concurso na cidade de Itajaí, na mesma data e com as mesmas regras, o que faz
com que a hipótese de incidência só pudesse acontecer uma única vez77.
Assim, há dois tipos de normas quanto à repetibilidade do
evento regulado em lei: as normas abstratas, que abarcam situações
reproduzíveis, e, as normas concretas, que abarcam situações já de antemão e
definitivamente postas e, portanto, não reproduzíveis78.
Já no que se refere à individualização ou não do destinatário
no momento da edição da lei, há também duas situações possíveis. A primeira
espécie de norma é aquela que individualiza o seu destinatário, isto é, quando o
destinatário é reconhecível (ou os destinatários são reconhecíveis)79. Por
exemplo: uma norma que estabelecesse um regime previdenciário especial ao
Presidente Lula estaria destinada a somente uma pessoa específica, dando
preferência a ela em prol dos demais sem uma razão plausível. Logicamente,
esse tipo de norma é vedado pelo princípio da igualdade, pois a norma é
estabelecida para uma pessoa específica (ou algumas pessoas específicas) e
serve para que se implante privilégios ou para que se prejudique alguém (ou
algumas pessoas) em especial.
76 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.
27-28. 77 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.
26. 78 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no
Brasil. 2002. p. 45. 79 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.
24.
56
Encaixa-se nessa primeira situação também quando a
norma não define diretamente o(s) destinatário(s), porém aponta características
dele(s) de maneira tão detalhada que na prática se sabe que a norma foi prescrita
visando uma pessoa em particular (ou algumas pessoas)80. Um exemplo dessa
situação seria se uma norma estabelecesse um regime previdenciário especial a
todo presidente que tivesse trabalhado como metalúrgico anteriormente à sua
eleição e fosse reeleito. Nesse caso, a norma não se destinaria somente ao
Presidente Lula, outra pessoa poderia satisfazer os requisitos apontados, todavia,
a chance disso acontecer seria muito pequena, o que faz com que se presuma
que a norma foi emitida, na verdade, visando uma única pessoa, o Presidente
Lula.
Por outro lado, há situações em que a norma possui apenas
um único destinatário e ao mesmo tempo é legítima conforme o princípio da
igualdade81. Seria o caso, por exemplo, de uma lei que concedesse um título de
honra ao mérito a quem escrevesse o melhor livro de literatura no ano de 2009. A
legitimidade da lei se concretizaria aqui em razão de que o beneficiário da norma
não é pré-estabelecido, mas pelo contrário, ele é indeterminado, já que não se
sabe quem escreverá o melhor livro de literatura em 2009, podendo qualquer um
disputar o título. Nesse caso, portanto, a lei não foi promulgada visando uma
pessoa em especial (ou algumas pessoas), mas apenas com a finalidade de
incentivar à prática da literatura no País por meio de recompensas.
A segunda situação quanto à individualização ou não do
destinatário no momento da edição da norma seria quando a norma é genérica o
suficiente para que um número indeterminado de pessoas possa se encaixar no
que ela prevê, em oposição à norma na qual o seu destinatário é reconhecível (ou
seus destinatários são reconhecíveis)82. Por exemplo, uma norma que previsse
um direito a qualquer trabalhador assalariado e celetista. Nessa situação, a norma
80 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002.
p.25. 81 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.
25-26. 82 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p.
26.
57
visaria um grupo de pessoas indeterminado e não a um destinatário reconhecível
(ou alguns destinatários reconhecíveis), pois qualquer pessoa pode um dia vir a
ser um trabalhador assalariado e celetista, pelo menos em teoria. E mesmo que
houvesse alguém que nunca pudesse se encaixar na situação descrita, ainda
assim, a norma estaria abrindo espaço para um número indeterminado de
pessoas.
Em suma, relativamente à individualização ou não do
destinatário no momento da edição da lei, existem três classificações possíveis
para a norma: ou ela é geral, quando abrange em seu comando uma classe de
sujeitos na qual é impossível determiná-los, ou é individual, em que tem por
destinatário uma única pessoa reconhecível (ou um grupo de pessoas
reconhecíveis). Ou ainda, a norma é de individualização abstrata, quando o futuro
beneficiário é somente uma pessoa (ou algumas pessoas), porém essa mesma
pessoa destinatária da norma (ou essas pessoas destinatárias da norma) é
indeterminável (ou são indetermináveis), dado a irrepetibilidade da hipótese de
incidência regulado pela lei83.
Desse modo, pode-se sintetizar o que foi dito até agora para
o fim de avaliar se determinada lei é constitucional ou não do ponto de vista do
seu respeito ao princípio da igualdade da seguinte forma:
1. Possibilidade de repetição do evento regulado em lei e
indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da
edição da lei: constitucional;
2. Possibilidade de repetição do evento regulado em lei e
determinação do(s) destinatário(s) no momento da
edição da lei: inconstitucional;
3. Impossibilidade de repetição do evento regulado em lei e
indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da
edição da lei: constitucional;
83 SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no
Brasil. 2002. p. 45-46.
58
4. Impossibilidade de repetição do evento regulado em lei e
determinação do(s) destinatário(s) no momento da
edição da lei: inconstitucional;
Assim sendo, não parece haver obstáculos maiores quanto a
uma lei que estabelecesse reserva de vagas a cidadãos negros nas
universidades, pois embora se saiba que um branco jamais seria abarcado por
uma norma dessa natureza, ela se faz legítima - pelo menos neste ponto em que
se está discutindo – porque estaria destinada a um grupo de pessoas na qual não
há como saber quais serão exatamente os sujeitos a serem beneficiados pela
norma. Ou seja, a lei teria a característica de “possibilidade de repetição do
evento regulado em lei” e “indeterminação do(s) destinatário(s) no momento da
edição da lei”, o que faria com que ela fosse considerada constitucional nesse
aspecto.
Mas além disso, para que uma lei seja considerada
constitucional relativamente ao princípio da igualdade, não é suficiente avaliá-la
apenas sob o aspecto da “possibilidade ou não de repetição do evento regulado
em lei” e da “individualização ou não do destinatário no momento da edição da
lei”. Faz-se importante também que as discriminações acolhidas na lei sejam
condizentes com as diferenças antes constatadas na sociedade; que corrijam, de
maneira efetiva, as desigualdades constatadas a fim de estabelecer uma
igualdade real84.
E há ainda que se balizar essas diferenciações
estabelecidas na lei com outros interesses garantidos constitucionalmente, já que
toda diferenciação no seio da lei implica também numa restrição ao princípio da
igualdade85. Assim, para que uma ação afirmativa seja posta em prática, seus
objetivos finais devem compensar essa restrição à igualdade, ou seja, o fim de
uma ação afirmativa deve estar em consonância com um bem também tutelado
84 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p. 21.
85 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade. 2002. p. 22.
59
pela Constituição, para que se possa justificar uma restrição à igualdade. Pois,
como se sabe, em muitos casos a ampliação dos direitos de alguns impõe
restrições aos direitos de outros ou que a atenção maior a um bem
constitucionalmente garantido faça com que outro bem também
constitucionalmente garantido seja menos considerado. Por isso, o ideal é sempre
encontrar um equilíbrio entre os diversos institutos, sendo que esse equilíbrio
deve ser balizado quando da efetivação de uma determinada ação afirmativa.
Para tanto, um dos princípios que servirá a essa ponderação
entre os diversos institutos protegidos constitucionalmente e suas antinomias
decorrentes será o princípio da proporcionalidade, na qual se constituirá na
próxima etapa a ser avaliada quanto à permissão ou não de nossa Constituição
às cotas raciais para negros nas universidades brasileiras.
3.3 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Conforme já colocado, a aplicação prática do princípio da
igualdade material não se confunde com o puro subjetivismo, pois, ainda que a
efetivação da igualdade prescinda de certa valoração, há determinados critérios
limitantes que devem ser obedecidos, como o da proporcionalidade da conduta. O
princípio da proporcionalidade atua, portanto, como um procedimento mais seguro
na qual se pode restringir ou até mesmo dar preferência a um (ou mais de um)
direito fundamental em prol de outro (ou outros) sem afrontar à ordem jurídica.
Segundo Joaquim Gomes Canotilho86, esse procedimento
requerido pelo princípio da proporcionalidade obedece a três subprincípios: a
adequação, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade stricto sensu.
O subprincípio da adequação é o ato de verificar se
determinada medida está em conformidade com o seu fim, isto é, se irá resolver
86 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5º Ed. Coimbra:
Editora Almedina. 2002. p. 269-270.
60
um problema constatado na sociedade87. Assim, para o caso de uma ação
afirmativa, pondera-se se ela iria igualar de fato uma determinada desigualdade
encontrada na sociedade. Por exemplo, seria o caso de avaliar se as cotas raciais
para negros nas universidades brasileiras iriam mesmo ajudar ou não a diminuir
as diferenças sociais entre negros e brancos na sociedade e estabelecer uma
harmonia maior entre as diferentes raças.
Já o subprincípio da necessidade ou exigibilidade avalia se a
conduta considerada “adequada”, dentre todas as outras opções que também
resolveriam o problema, e, portanto, também fossem consideradas “adequadas”,
é a que causaria menos dano a terceiros. Parte de raciocínio lógico de que uma
ação que solucione um problema e ao mesmo tempo invade de maneira menos
intensa nos direitos de outros cidadãos, ou traga menos prejuízos sociais, é a
melhor alternativa. Assim, ao percorrer este subprincípio é necessário visualizar
todas as medidas “adequadas” e depois escolher a que traria menos prejuízos à
sociedade88. Seria o caso então de se averiguar se não haveria outros modos de
se diminuir as diferenças sociais entre negros e brancos e se combater o
preconceito racial no País sem que houvesse a necessidade de se aplicar as
cotas; que se encontrassem outras políticas públicas menos incisivas na esfera
dos direitos privados e também que fossem menos polêmicas. O último subprincípio, o da proporcionalidade stricto sensu,
seria comparar os benefícios trazidos ao grupo alvo da ação afirmativa com os
malefícios que tal medida iria ocasionar a terceiros, no intuito de reconhecer qual
seria a opção mais coerente com os valores encontrados na ordem jurídica
vigente. O princípio da proporcionalidade stricto sensu é, destarte, um “juízo de
ponderação” entre meios e fins: ele avalia se os ganhos adquiridos com a
aplicação da ação afirmativa são maiores do que as perdas advindas dela e
desse modo tenta se chegar a uma conclusão se compensa ou não aplicar a ação
afirmativa no caso em concreto89. Para o caso das cotas, haveria de se balizar se
87 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 269-
270. 88 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 270. 89 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2002. p. 270.
61
a reserva de vagas nas universidades brasileiras a cidadãos negros iria trazer
mais benefícios à sociedade do que malefícios.
Consoante Joaquim Gomes Canotilho, portanto, seriam
essas as três etapas requeridas pelo princípio da proporcionalidade a fim de se
justificar se uma determinada política pública pode ser posta em prática ou não.
Nesses termos, no caso das cotas, como se trata de uma política pública que
restringe o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade serviria como
uma espécie de filtro para que se faça um juízo mais coerente contrabalançando
a igualdade final pretendida em relação à diferenciação necessária imposta na lei,
bem como cotejar a ação afirmativa em face de outros princípios constitucionais.
Ora, como se nota, toda essa verificação só poderia ser feita
num caso em concreto, pegando os dados objetivos constatados na sociedade e
deles avaliando se determinada ação afirmativa seria viável de ser posta em
prática ou não. Haveria, então, de se flagrar uma desigualdade social, e, a partir
dela, definir suas causas, a melhor maneira de combatê-la, a ação afirmativa ideal
para saná-la, etc. Em outras palavras, a aplicação prática de uma ação afirmativa
qualquer, bem como a discussão acerca da pertinência de se aplicarem cotas
raciais para negros nas universidades brasileiras, dependem, sobretudo, da
determinação de meio e fins, que, por sua vez, pressupõe um juízo político da
questão90, em que todos aqueles pontos referidos nos capítulo primeiro e
segundo, bem como outras questões que pudessem suscitar, deverão ser
discutidos.
Por isso também que este trabalho se limitou a fazer uma
avaliação teórica do assunto, pois um juízo num caso prático dependeria dos
dados constatados na sociedade detalhadamente. Conforme essa acepção,
portanto, as cotas poderiam ser legítimas e viáveis na Universidade Federal de
Santa Catarina, por exemplo, porém ilegítimas ou inviáveis de serem aplicadas na
Universidade Federal do Paraná. Tudo dependeria de uma avaliação no caso em
concreto.
90 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros
Editores. 2005. p. 421.
62
Além disso, é provável que muitos casos práticos fiquem
ainda numa “zona cinzenta”, em que alguns poderiam dizer que as cotas são
legítimas e viáveis, enquanto outros diriam exatamente o contrário. Por exemplo,
numa situação hipotética alguém poderia achar que diante do princípio da
proporcionalidade as cotas atenderiam às três etapas requeridas pelo princípio da
proporcionalidade, enquanto outros poderiam achar que não, que de repente as
cotas não atenderiam ao “subprincípio da necessidade ou exigibilidade”, por
exemplo, alegando que outras políticas públicas pudessem chegar ao mesmo
resultado pretendido pela ação afirmativa em questão de maneira menos maléfica
à sociedade. Assim sendo, a aplicação prática de uma ação afirmativa repousa
em certa dose de subjetivismo, daí de ter se afirmado anteriormente que os
posicionamentos a favor e contra as cotas numa situação prática quase sempre
vêm de uma posição política anterior e, por conseguinte, moral, de quem as
avalia, tema na qual Ronald Dworkin91 trata no seu livro “Uma questão de
princípio”.
De qualquer maneira, mesmo considerando que certa dose
de politização esteja quase sempre presente diante do tema, pois sempre haverá
casos em que tanto uma posição a favor como uma posição contrária às cotas
são argumentáveis do ponto de vista de sua constitucionalidade, ainda assim, os
limites constitucionais à flexibilidade do princípio da igualdade, bem como as
etapas de justificação exigidas pelo princípio da proporcionalidade, fazem com
que esse espaço de arbitrariedade seja diminuído e, por sua vez, condizente com
o que prescreve um estado de direito.
A essa altura do trabalho, já fica evidente que há um
posicionamento genérico a favor da possibilidade jurídica da aplicação das cotas,
ou seja, que embora a legitimidade delas dependa do caso em concreto, há por
parte da Ordem Jurídica brasileira espaço para a sua aplicação, desde que
atendidos os requisitos impostos por nossa Constituição. Por outro lado, ressalva-
se que a afirmação pela possibilidade jurídica de se aplicar a política de cotas não
significa que elas sejam necessariamente viáveis do ponto de vista político-social,
91 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2005. p. 3-39.
63
apenas se está dizendo que juridicamente não há vedações à sua aplicação
quando todas as exigências constitucionais forem satisfeitas.
E, resta dizer ainda que para que essa posição genérica a
favor da possibilidade jurídica da aplicação das cotas para negros nas
universidades brasileiras seja mantida de maneira mais sólida, faz-se
imprescindível também analisar o que dispõe exatamente o texto constitucional
acerca do princípio da igualdade e seus limites. Assunto tratado no tópico a
seguir.
3.4 O QUE PRESCREVE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/88 ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS?
Como se constatou, a validade constitucional das ações
afirmativas está ligada a admissibilidade de uma restrição ao princípio da
igualdade, já que haverá um favorecimento de uma categoria em face de outras.
Há, portanto, de existir uma maleabilidade constitucional no sentido de
harmonizar suas normas e valores à realidade concreta.
Nesse sentido, a doutrina dispõe de três tipos de normas
restritivas de direitos fundamentais: aquelas plasmadas na própria constituição;
aquelas expressamente autorizadas pela constituição, sobre as quais dependem
de leis infraconstitucionais posteriores; e aquelas implícitas no contexto
sistemático da Constituição92.
No que tange às cotas universitárias para negros, no Brasil,
encaixar-se-ia no terceiro caso, já que não há por parte da Constituição brasileira
nenhuma norma literal que reserve um número de vagas para os negros nas
universidades brasileiras e nem mesmo qualquer preceito que autorize práticas de
discriminação por raça. Pelo contrário, a Constituição93 adota, inclusive, uma
92 PINHEIRO, Leila Teixera. Ação afirmativa e princípio da igualdade: a questão das quotas
raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. 2005. p. 134. 93 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988.
64
conotação formal do princípio da igualdade no seu artigo 5º, caput, ao afirmar
que:
Art. 5º, caput. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Não obstante tal fato, ao se fazer uma leitura sistemática de
nossa Constituição, é flagrante uma preocupação constante de seu texto em
garantir uma igualdade substancial, bem como um teor socializante, conforme o
seu próprio Preâmbulo94 evidencia:
[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
O texto constitucional é ainda recheado de passagens que
garantem diversos tipos de discriminação, por vezes definindo seu conteúdo, ou,
pelo menos, autorizando a tais medidas. Apenas para ilustrar algumas dessas
passagens, encontramos no artigo 7º, XX, a “proteção do mercado de trabalho da
mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”95; no artigo 37º, VIII,
que estabelece que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua
admissão”96; no artigo 170, IX, que prevê “tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País”97. Por tais razões, analogicamente, a Constituição
parece validar as discriminações quando não fogem de uma real intenção de
promover uma sociedade mais fraterna e igualitária.
94 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. 95 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. 96 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. 97 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988.
65
Há também de se considerar as normas de Direito
Internacional quando conjugadas ao artigo 5º, § 2º, de nossa Constituição 98:
Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte;
Para o caso das cotas para negros nas universidades
brasileiras, então, vale lembrar o artigo 1º, nº 4, da Convenção Internacional sobre
a Eliminaçãos de Todas as Formas de Discriminação Racial, promulgada no
Brasil pelo Decreto nº 65.810/196999:
Art. 1º, nº 4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem alcançado seus objetivos.
Como se verifica, a própria Constituição reclama em
diversos trechos a utilização de medidas diferenciadoras quando necessárias à
igualdade de fato, de maneira que se há fundamento para tais discriminações no
próprio texto constitucional e uma abertura constitucional aos Direitos Humanos a
nível internacional, alargar a interpretação do texto constitucional a fim de
satisfazer uma maior igualdade entre os diversos grupos raciais não pode ser
considerado, em absoluto, um desrespeito à Constituição. Principalmente, ao se
atentar para a preocupação constante evidenciada na Constituição em
salvaguardar a cultura afro-brasileira e combater com rigor qualquer manifestação
de racismo. Inclusive, a característica da Constituição brasileira de diferenciar os
diferentes grupos sociais, raciais e étnicos, seja no sentido de proteger, seja no
sentido de incentivar, só vem a reforçar – formalmente - o caráter plural da
98 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. 99 ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação racial. Adotada pela Resolução 2.106-A (XX), em 21.12.1965. Ratificada pelo Brasil em 27.03.1968.
66
sociedade brasileira, desfazendo a antiga idéia de unidade do povo brasileiro na
qual as distinções da população em diferentes grupos eram encaradas como uma
afronta à igualdade. Nesse contexto, dispõem os seguintes preceitos
constitucionais100:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 3º - A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
V - valorização da diversidade étnica e regional.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei.
100 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988.
67
Quanto ao fato das cotas promoverem uma igualdade de
resultados, também não parece ser argumento suficiente para sucumbir sua
validade, pois conforme o exposto acima, já há por parte da própria Constituição a
adoção de cotas, como para as pessoas portadoras de deficiência. De resto, para
alguns casos mais extremos urgem-se medidas mais incisivas como a promoção
de uma igualdade de resultados, sob pena de transformar as ações afirmativas
num mecanismo inócuo, apenas parte de uma retórica “politicamente correta”.
Portanto, em conclusão, é possível afirmar, genericamente,
a permissividade da Constituição da República Federativa do Brasil para que se
adotem ações afirmativas no País, mesmo que haja discriminações positivas em
seus conteúdos.
3.5 QUEM SÃO OS NEGROS NO BRASIL?
Há mais um item ainda na qual se faz necessário confrontá-
lo sob pena de tornar todas as conclusões deste trabalho inúteis, a dizer, a
definição de quem é considerado negro ou não no Brasil. De nada adiantaria se
falar em cotas para negros nas universidades brasileiras se não se conseguisse
um meio eficaz de definir quando uma pessoa deve ser classificada como negra e
quando não deve.
Portanto, a pergunta que se faz é a seguinte: existem de fato
características físicas existentes numa pessoa que a diferencia de outra do ponto
de vista político-social? Ou ainda, tais características chegam ao ponto na qual
seja possível classificar uma pessoa como negra nos meios sociais? Fala-se do
“ponto de vista político-social” ou nos “meios sociais” porque como já discutido ao
longo do trabalho, não há certeza nenhuma de que geneticamente seja possível
se classificar as pessoas em raças, pelo contrário, a Biologia tem posto de lado
68
este conceito101. E mesmo que fosse possível, não seriam as diferenças
existentes entre os genes das pessoas que resultariam em preconceitos nos
meios sociais, a não ser quando os genes resultassem em características físicas
bastante diferentes. Porém, se as pessoas tivessem genes diferentes e
classificáveis, mas que fisicamente não fossem perceptíveis, não surgiria
preconceitos decorrentes dessas diferentes classificações, até porque, neste
caso, no convívio social as pessoas não teriam como saber em qual classificação
genética cada pessoa se inseriria. Em outras palavras, os preconceitos surgem
com os estereótipos e não de acordo com a configuração genética das pessoas
(WAGLEY, 1995 apud SELL, 2002, p. 60). Assim, por exemplo, um rapaz filho de
mãe negra e pai branco, que por acaso tivesse a cor da pele mais parecida com a
do pai, não sofreria preconceito por ser de certa maneira geneticamente negro (se
essa classificação fosse possível), já que embora fosse filho de mãe negra, o seu
estereótipo é de raça branca. O máximo que poderia ocorrer nessa situação
hipotética seria esse indivíduo sofrer algum tipo de discriminação por pessoas que
soubessem que ele tem a mãe negra, pois do contrário, pelas pessoas que não
soubessem que sua mãe é negra, ele seria sempre tratado como um branco, e,
assim, não sofreria discriminação pelo fato de ser negro geneticamente (repete-
se: não se conhece qualquer classificação na qual possa se afirmar que alguém é
“negro geneticamente”, apenas se supôs hipoteticamente essa classificação para
fins didáticos).
Nesse sentido, uma ação afirmativa para ser condizente com
o propósito de desfazer preconceitos deve beneficiar aqueles que sofrem ou
possam vir a sofrer preconceito por causa de sua raça e se a discriminação racial
surge a partir do estereótipo, a classificação do grupo a ser contemplado com as
cotas também deve se basear nas características físicas do indivíduo e não em
sua ascendência; em suma, as discriminações se dão no seio das relações
sociais e não no âmbito da biologia e da genética (pelo menos não de maneira
direta), de modo que a classificação para efeitos da aplicabilidade das ações
101 TORODOV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Rio
de Janeiro: Zahar, 1993. p.108.
69
afirmativas deve se pautar em diferenças físicas e determináveis por todos nos
meios sociais.
Mas, voltando à pergunta inicial, toda ação afirmativa, para
que seja posta em prática, necessita que o grupo privilegiado por ela seja
determinável. Há de existir nesse grupo um conjunto de características nas quais
uma pessoa possa ser inserida ou excluída dele. Conforme coloca Renata Vilas-
Bôas (2003 apud PINHEIRO, 2005, p. 82), um dos requisitos às ações
afirmativas, mormente quando há no conteúdo delas discriminações positivas, é
que realmente se possa notar nas pessoas, coisas ou situações características,
traços que sejam diferenciados. Destarte, para o caso das cotas para negros,
haveria de se definir, então, quem seria considerado negro ou não a partir de
características físicas classificáveis: o tipo do cabelo, a cor da pele, a cor dos
olhos etc. Por isso da pertinência das perguntas iniciais: existem de fato
características físicas existentes numa pessoa que a diferencia de outra do ponto
de vista político-social? Tais características chegam ao ponto na qual seja
possível classificar uma pessoa como negra nos meios sociais?
Determinar com precisão características físicas na qual uma
pessoa possa ser classificada como negra ou não seria uma tarefa bastante
complicada no Brasil, já que há muitas pessoas concebidas da mistura entre
diversos tipos étnicos e raciais e por isso não possuem características físicas
extremas, de modo a gerar dúvidas sobre qual grupo étnico ou racial elas se
inseririam caso houvesse uma classificação das pessoas em raças por parte do
Estado brasileiro. Ou seja, haveria um risco de se efetivar grandes injustiças, pois
se estaria abrindo espaço para que duas pessoas bastante semelhantes
fisicamente pudessem ser classificadas em grupos raciais diferentes, de maneira
que talvez uma delas fosse considerada negra e assim lhe fosse permitido os
benefícios das cotas, enquanto a outra fosse impedida dos benefícios das cotas
por não ter sido classificada como negra.
De outro vértice, alegar que no Brasil é impossível aplicar as
cotas para negros nas universidades porque aqui não há como classificar as
pessoas em raças, mesmo no âmbito político-social, parece também não ser
70
argumento plausível. Embora o Brasil possua uma população em que o grau de
miscigenação é bastante intenso e que haveria certas pessoas na qual a
classificação racial seria difícil, inclusive, abrindo margem para que injustiças
ocorressem, ainda assim, admitir a impossibilidade de classificação das pessoas
em raças seria o mesmo que dizer que não existe preconceito racial no País: a
discriminação racial só ocorre porque as pessoas conseguem classificar umas as
outras nessa ou naquela raça, porque determinadas características físicas podem
ser reconhecidas e classificadas. Se isso não fosse possível, como um indivíduo
racista identificaria as pessoas na qual ele discrimina? Então, se o Brasil possui
uma população inclassificável quanto à raça, conseqüentemente se estaria
admitindo também que aqui não existe racismo, o que parece ser um argumento
fora de cogitação.
Agora, uma vez admitido que o racismo ocorra no Brasil e
que, por conseguinte, seja possível um indivíduo qualquer classificar as pessoas
nessa ou naquela raça no seu convívio social, e, desse modo, inclusive, ter
condutas preconceituosas, haveria de se admitir também que uma comissão
preparada para avaliar se determinada pessoa poderá ou não ser contemplada
com as cotas consoante a sua raça, também conseguiria obter certo êxito em
classificar as pessoas em grupos raciais. Haveria apenas de se chegar a um
consenso de quais características físicas caracterizariam uma pessoa como
negra.
Em síntese, portanto, conclui-se que o racismo ainda vigora
no País e que em razão disso também pode se falar na possibilidade de
classificar as pessoas em raças no âmbito político-social, ficando preenchido,
assim, o requisito de diferenciação notável nas pessoas para que se aplique as
cotas para negros nas universidades brasileiras, conquanto se admita, por outro
lado, que dado o grau relativamente alto de miscigenação da população brasileira,
haverá pessoas nas quais a classificação nessa ou naquela raça será duvidosa,
abrindo-se margem para que erros de classificação e conseqüentes injustiças
possam ocorrer.
71
Sobre a questão, a ex-Ministra de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial do Brasil, Matilde Ribeiro102, deu uma declaração interessante,
que vale ser reproduzida aqui:
Então, por mais que seja difícil identificarmos dentro da mistura quem é negro ou não, acho que a somatória de critérios sociais com os raciais e étnicos dá conta do recado, consegue trabalhar com um marco que não segrega, porque não estamos falando de negro e ponto, estamos falando de, entre os pobres, entre os que a vida inteira estudaram em escola pública atender ao critério social, racial e étnico.
O que se pode notar é que mesmo a Ex-Ministra admite que
a dificuldade em estabelecer quem é negro ou não no País é grande. Embora
faça a ressalva de que “a somatória de critérios sociais com os raciais e étnicos
dá conta do recado”, não afirma que esse conjunto de critérios seja infalível e que
não haverá erros quando da classificação das pessoas nesse ou naquele grupo
racial. Em conclusão, o seu discurso parece sugerir que apesar da dificuldade em
classificar as pessoas em raças, ainda assim compensa aplicar as cotas, pois o
método de classificação baseado nos critérios apontados por ela é suficiente para
se ter um índice de acertos relativamente alto e satisfatório, em que eventuais
falhas no sistema seriam realmente exceções, não obstante, é verdade,
pudessem ocorrer.
Diante de tudo o que foi dito, destarte, novamente a
discussão acerca da possibilidade ou não da aplicabilidade das cotas para negros
nas universidades brasileiras recai sobre um juízo de ponderação entre meios e
fins, que por sua vez, significa dizer que este ponto do tema também será
considerado nas etapas exigidas pelo princípio da proporcionalidade. Pois, se por
um lado é verdade que a população brasileira, de modo geral, é classificável em
diferentes grupos raciais e por isso está preenchida a condição de que haja
diferenciação notável nas pessoas para que se apliquem as ações afirmativas,
por outro lado, há de se ter em mente que erros de classificação podem ocorrer,
mesmo que sejam exceções, e isso servirá como argumento em desfavor da
aplicação das cotas para negros.
102 Caros amigos, São Paulo, v. 10, n. 116. p. 30-37, nov. 2006.
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O fato de reconhecer-se que erros de classificação possam
existir e, principalmente, se caso as cotas sejam aplicadas, esses erros realmente
passem a se concretizar, serve como fator de ponderação para se avaliar se o
programa de cotas realmente compensa ou não, do ponto de vista do ganho
social. Se os benefícios sociais atingidos pelas cotas ainda prevalecerem sobre
essas injustiças decorrentes dela, então as cotas se farão legítimas, caso
contrário, se as injustiças alcançarem tal amplitude que o programa de cotas não
compense em termos de ganhos sociais, então sua aplicação deve ser encerrada.
Mas como se pode observar, essa valoração se compensa ou não pode ser
bastante duvidosa, o que faz com que haja espaço para posições tanto a favor
como contrário às cotas, de maneira a se poder afirmar, inclusive, que este ponto
da discussão também está mergulhado no espaço dos posicionamentos políticos
na qual tanto se enfatizou ao longo do trabalho, já que deverá ser balizado em
conjunto com todos os outros aspectos atinentes ao tema, de modo a se chegar
ao final em uma conclusão se as cotas compensam ou não num caso em
concreto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo último desta monografia foi averiguar a
possibilidade jurídica da política de cotas para negros nas universidades
brasileiras. Para tanto, buscou-se analisar o tema em três aspectos,
correspondentes aos Capítulos 1, 2 e 3.
O primeiro aspecto está relacionado com o significado social
das políticas de ações afirmativas e constatou-se que elas tratam-se, desde sua
invenção nos Estados Unidos até as aplicações práticas no Brasil, de políticas de
inclusão, visando, sobretudo, a igualdade real entre as pessoas. Partindo do
pressuposto que certas desigualdades surgem dentro da sociedade civil, o Estado
deve também, por isso, utilizar-se de medidas de inclusão a fim de corrigir essas
anomalias sociais e promover, assim, a ascensão dessas categorias
marginalizadas.
Como objetivo do Capítulo 1 foi entender o significado social
das ações afirmativas, nele buscou-se também dar a dimensão histórica delas,
bem como discutir algumas controvérsias de caráter político-social que orbitam
em torno do tema da política de cotas para negros nas universidades brasileiras,
na qual se chegou às seguintes conclusões: as cotas não se legitimam quando
aplicadas no intuito de compensar a população negra atual em razão do histórico
escravocrata brasileiro, elas justificam-se, isso sim, quando aplicadas tão-
somente a fim de atenuar discriminações raciais que ainda hoje podem ser
evidenciadas; elas também não são uma forma de preconceito invertido, posto
que as discriminações feitas numa ação afirmativa não possuem cunho negativo,
não têm o condão de manter o status quo com base em argumentos de
superioridade racial, pelo contrário, possuem justamente a finalidade oposta, de
desfazer o status quo para que a igualdade e o respeito entre as raças sejam
efetivados substancialmente; também não há evidências de que as cotas irão
prejudicar o ensino nas universidades, já que os dados têm apontado na direção
de que os alunos cotistas possuem aproveitamento tão bom ou melhor do que os
alunos aprovados pelo vestibular, além ainda de ajudarem a desenvolver um
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espaço multicultural dentro das universidades; e, por último, as cotas são
condizentes com o princípio do mérito, já que as condições de disputa entre
brancos das escolas particulares e negros das escolas públicas não são as
mesmas, além de que as regras de seleção podem ser alteradas a todo instante,
a modificar o que se entenderá por mérito no caso em concreto.
Já no Capítulo 2, tratou-se da necessidade da afirmação da
raça negra no Brasil. Para tanto, analisou-se sucintamente, em primeiro lugar, a
formação étnica e racial no País e os efeitos da escravidão aqui deixados,
chegando-se à conclusão de que os negros em sua maioria fazem parte de uma
camada populacional marginalizada, a sofrer as conseqüências desse atraso
social em diversos aspectos da vida e não somente na educação. Ou seja, é um
processo de exclusão generalizada de todo um grupo racial, a encaixar-se
perfeitamente, portanto, nas descrições históricas na qual se desfaz o mito da
“democracia racial”.
Em segundo lugar, abordou-se a relação entre a situação de
exclusão dos negros em geral e a educação no Brasil, em que se extraiu a
constatação de que existe de fato uma exclusão generalizada de todo um grupo
racial no País e o acesso à educação não está de fora desse processo de
marginalização. Por conseguinte, o ingresso no ensino superior por parte dos
negros é condição essencial para a afirmação da raça, já que a educação é talvez
a forma mais eficiente de mobilidade social, além de que a representação
intelectual de negros aumentaria o prestígio social do grupo como um todo e
proporcionaria também uma maior consciência da questão do negro no Brasil. Por
essa perspectiva, portanto, o debate na qual existe uma necessidade de se
encontrar mecanismos de inclusão de negros nas universidades, seja pelo meio
de cotas ou outra maneira qualquer, encontra sua legitimidade naquilo que é fato
empírico e precisa ser revertido.
E, o último ponto discutido no Capítulo 2 foi se as cotas se
fundamentam somente numa posição de política de redistribuição de renda ou se
num projeto mais amplo, de reconhecimento e afirmação da raça negra no País,
consoante as duas teorias da igualdade abordadas: liberal-individualista e
75
comunitarista. Concluiu-se que a única maneira de legitimar a política de cotas
seria por uma perspectiva comunitarista do princípio da igualdade. Nessa esteira,
as cotas não visam beneficiar alguns indivíduos no âmbito de seus direitos
particulares, mas têm por intuito, na verdade, ascender todo um grupo étnico na
sociedade. Logicamente que apenas alguns indivíduos são beneficiados
diretamente - apenas os negros contemplados com as cotas -, porém os outros
indivíduos do mesmo grupo também são beneficiados indiretamente, pois à
medida que alguns negros consigam ocupar cargos importantes na sociedade e
pouco a pouco a cultura negra vá se inserindo nos centros de poder nos meios
sociais, os outros negros não contemplados diretamente pelas cotas acabam
também se beneficiando uma vez que o preconceito como um todo vai
diminuindo. A legitimidade das cotas se concretiza segundo a teoria comunitarista
da igualdade porque a realização individual, aqui, depende também da aceitação
do grupo na qual cada indivíduo pertence, de maneira que as políticas de inclusão
por meio das ações afirmativas visem, sobretudo, o reconhecimento social desses
diversos grupos dentro de uma sociedade multicultural e não apenas o benefício
do acesso a determinados bens e recursos por aqueles que são contemplados
diretamente pela ação afirmativa num caso em concreto.
No Capítulo 3, abordou-se o tema das cotas para negros nas
universidades brasileiras quando à sua possibilidade jurídica, na qual cinco
aspectos foram considerados.
Em primeiro lugar, analisou-se a dimensão histórica do
princípio da igualdade, que coincide também com a passagem da igualdade em
sentido formal para a igualdade em sentido material, sendo que pela atual
acepção material da igualdade, este princípio se materializa através do tratamento
igual aos iguais e desigual aos desiguais para que se atinja, finalmente, a
igualdade real.
Em segundo lugar, constatou-se que não parece haver
obstáculos maiores, quanto aos limites impostos pelo princípio da igualdade, a
uma lei que estabelecesse reserva de vagas a cidadãos negros nas universidades
brasileiras, pois embora se saiba que um branco jamais seria abarcado por uma
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norma dessa natureza, ela se faz legítima porque estaria destinada a um grupo de
pessoas na qual não há como saber quais serão exatamente os sujeitos a serem
beneficiados pela norma. Ou seja, a lei teria a característica de “possibilidade de
repetição do evento regulado em lei” e “indeterminação dos destinatários no
momento da edição da lei”, o que faria com que ela fosse considerada
constitucional nesse aspecto.
Em terceiro lugar, verificou-se que para que uma ação
afirmativa seja posta em prática num caso em concreto, ela precisa ser balizada
conforme as etapas requeridas pelo princípio da proporcionalidade (adequação,
necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade stricto sensu) que servem de
“filtro” a avaliar se a ação afirmativa é condizente com a Ordem Jurídica vigente.
Em quarto lugar, concluiu-se que o texto da atual
Constituição brasileira “abre espaço” em suas normas para que seja possível
afirmar, genericamente, a permissividade da Constituição da República
Federativa do Brasil para que se adotem ações afirmativas no País, mesmo que
haja discriminações positivas em seus conteúdos.
E, em quinto lugar, quanto à possibilidade de se distinguir
quem é negro ou não no Brasil, conclui-se que o racismo ainda vigora no País e
que em razão disso também pode se falar na possibilidade de classificar as
pessoas em raças no âmbito político-social, ficando preenchido, assim, o requisito
de diferenciação notável nas pessoas para que se aplique as cotas para negros
nas universidades brasileiras, conquanto se admita, por outro lado, que dado o
grau relativamente alto de miscigenação da população brasileira, haverá pessoas
nas quais a classificação nessa ou naquela raça será duvidosa, abrindo-se
margem para que erros de classificação e conseqüentes injustiças possam
ocorrer. Assim, no caso em concreto das cotas raciais, deve-se avaliar se elas
compensam ser efetivadas mesmo sabendo que esses eventuais erros e
injustiças possam vir a acontecer.
Finalmente, resta dizer que se entendeu ao longo desta
pesquisa que as cotas para negros nas universidades brasileiras são passíveis de
ser aplicadas consoante a Ordem Jurídica brasileira, porém, para tanto, a
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efetivação das cotas num caso em concreto dependerá de uma análise das
circunstâncias objetivas constatadas na sociedade quando de sua aplicação, na
qual dependendo das considerações a que se cheguem, elas se justificarão como
políticas públicas viáveis sob o ponto de vista de sua legitimidade. Ou seja, de
maneira genérica, há “abertura” da Ordem Jurídica brasileira para a aplicação das
cotas, mas isso não significa que se pode usá-las de modo indiscriminado, elas
precisam ser justificadas socialmente como promovedoras da igualdade no caso
em concreto.
Assim sendo, o tema das cotas é quase sempre um tema
politizado, pois as circunstâncias objetivas na qual se falava nem sempre são
claras, pelo contrário, geralmente há muitas dúvidas a respeito das
conseqüências sociais desse tipo de política pública, abrindo-se espaço, portanto,
para que tanto opiniões a favor, como opiniões contrário às cotas, sejam
argumentáveis quando de sua aplicação prática, sendo que esses argumentos
são inevitavelmente recheados de ponderações éticas e político-sociais,
escapando de uma análise estritamente jurídica. Todavia, o procedimento jurídico
da qual se falou ao longo do trabalho obtém sua pertinência na medida em que
serve de limite para que qualquer ação afirmativa não perca sua finalidade
principal de promover (ou tentar promover) a igualdade real e chegue ao ponto,
inclusive, de atentar contra o Estado de Direito.
Em suma, a análise jurídica serve para garantir que a
política de cotas não seja usada de maneira camuflada a fim de se instalar um
regime de segregação racial no País, porém, como se disse, os raciocínios
jurídicos não são suficientes para se chegar a uma conclusão absoluta sobre
quando as cotas devem ser aplicadas ou não. Tal conclusão pode variar e ser
argumentável em diversas direções conforme o caso.
Por fim, fica aqui constatado o incentivo à continuação do
debate sobre as cotas para negros nas universidades brasileiras, tanto em razão
da importância do tema em si, como também porque o tema será assunto refletido
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em audiência pública a ser realizada pelo Supremo Tribunal Federal no período
de 3 a 5 de março de 2010, na qual todos são convocados a participarem103.
103 Cfr em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=113555
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