Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro out / dez 2006nº 7 p. 160-247v.2
EDITORIALOs Títulos de EspecialistaJoão Werner Falk ................................................................................................................................................. 162
ARTIGOSDificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica: consideraçõesa partir de um estudo qualitativo em uma unidade de Atenção Primária à SaúdeAngélica Manfroi e Francisco Arsego de Oliveira ................................................................................................ 165
Suicídio em jovens: fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal(Brasil, 1991-2001)Regina S. Rodrigues, Ana Claudia F. M. Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira .................. 177
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitários de Saúde da regiãometropolitana de Belo Horizonte - MGLidiane Cristina Custódio, Fabrício Silva Prata, Gabriel Sanábio, Janaína Félix Braga, Laura Amarale Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val ................................................................................ 189
Fortalecendo a Atenção Primária à Saúde no Brasil com a Medicina de Família eComunidadeCynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson ............................................................................ 196
As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre a abordagem dos problemaspsicológicos na prática médicaFernando Antônio Mourão Flora .......................................................................................................................... 203
Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobre os níveis de pressão arterial naAtenção Primária à SaúdeDaniel Victor Arantes ............................................................................................................................................ 217
RELATO DE CASOLeishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com FluconazolVicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras ..................................................................................... 228
RESUMOS DE TESEAvaliação da Implementação do Programa Saúde da Família no Município doRio de JaneiroCarla Moura Cazelli ............................................................................................................................................. 235
Atividade física no Programa Saúde da Família em municípios da 5ª Regionalde Saúde do Estado do Paraná - BrasilSilvano da Silva Coutinho .................................................................................................................................... 236
Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontrose desencontros entre profissionais de saúde e usuáriosPriscila Frederico Craco ....................................................................................................................................... 238
SumárioRBMFC
Summary
Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro oct / dec 2006nº 7 p. 160-247v.2
EDITORIALThe Especialist TitlesJoão Werner Falk .................................................................................................................... 162
ARTICLES
Difficulties in high blood pressure treatment compliance: considerations based on aqualitative study in a primary health care unitAngélica Manfroi e Francisco Arsego de Oliveira ..............................................................................................165
Suicide in young people: risk factors and quantitaive space-time analysisRegina S. Rodrigues, Ana Claudia F. M. Nogueira, Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira ................ 177
Assessment of occupational stress in Community Health Agents of the metropolitanregion of Belo Horizonte - MGLidiane Cristina Custódio, Fabrício Silva Prata, Gabriel Sanábio, Janaína Félix Braga, Laura Amarale Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val ..............................................................................189
Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in BrazilCynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson ..........................................................................196
The historical development of modern medicine: implications for an approach topsychological problems in the medical practiceFernando Antônio Mourão Flora ........................................................................................................................203
The impact of weight reduction therapy on blood pressure levels in primary careDaniel Victor Arantes ..........................................................................................................................................217
CASE RELATEAmerican Tegumentary Leishmaniasis: Fluconazole therapyVicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras ...................................................................................228
THESE ABSTRACTSImplementation Assessment of the Family Health Program in the city ofRio de JaneiroCarla Moura Cazelli ...........................................................................................................................................235
Physical Activity in the Health Family Program, in cities of 5th Regionalof Health in Paraná State - BrazilSilvano da Silva Coutinho .................................................................................................................................. 236
Communicative Action Toward The Health care of the Family:Meetings and failure in meetings among professionals of health and usersPriscila Frederico Craco .....................................................................................................................................238
RBMFC
Editorial
Os Títulos de Especialista
The Specialist Titles
João Werner Falk*
Cada vez mais, e nos diversos campos de atuação da Medicina, os Títulos de
Especialista passam a ser valorizados, inclusive com melhor remuneração e como pré-
requisito necessário para inscrição em concursos ou seleções públicas. Recentemente,
isso passou a ser mais evidente na Medicina de Família e Comunidade (MFC) do que na
maioria das outras especialidades médicas, uma vez que não há mercado de trabalho
na área de saúde que venha crescendo mais no Brasil do que o da Atenção Primária à
Saúde (APS), principalmente na Estratégia Saúde da Família.
Para qualquer uma das 53 especialidades médicas reconhecidas no Brasil, o
Conselho Federal de Medicina, por meio dos seus Conselhos Regionais (CRM), só pode
registrar como especialistas (concedendo o Certificado de Registro de Qualificação de
Especialista) os médicos que apresentarem pelo menos um destes dois documentos:
Certificado de Conclusão de Residência Médica credenciada pela Comissão Nacional
de Residência Médica (CNRM); Título de Especialista concedido por Associação ou
Sociedade Brasileira da respectiva especialidade, que seja filiada à Associação Médica
Brasileira (AMB) e cujo edital do concurso para Título de Especialista siga as normas da
AMB e seja aprovado pela mesma1. Esse é o caso da SBMFC e dos Editais de Concurso
para Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade (TEMFC).
Residência e Título de Especialista são certificados de natureza diferente, sendo
independentes. Um médico pode ter um ou ambos, mas um ou outro dá direito ao
especialista registrar-se como tal em um CRM. Por determinação da AMB, não é mais
permitido ser concedido Título de Especialista somente por excelente currículo ou por
comprovação de conclusão de Residência Médica. Atualmente, é sempre necessário no
mínimo uma prova escrita, além da análise de currículo2.
Já os Certificados de Conclusão de Cursos de Especialização têm seu
reconhecimento na Academia, bem como grau de importância no mercado de trabalho e
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
162
RBMFC
*Diretor de Titulação e Certificação SBMFC.
Sociedade Brasileira de Medicina de Família Editorial
nos currículos, inclusive na etapa de análise de currículos nos Concursos para Títulos de Especialista. Mas
estes certificados não são suficientes para registro do médico como especialista nos Conselhos de Medicina.
É bom lembrar que o Código de Ética Médica e as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM)
proíbem o médico de divulgar ser especialista, por meio de cartões de visita, receituários, placas de consultório,
convênios etc, sem que ele tenha o Registro de Qualificação de Especialista expedido por um CRM3.
Os Títulos de Especialista valorizam o trabalho do profissional, aumentando o seu prestígio e o de
sua especialidade perante os demais médicos e frente à sociedade como um todo. Isto é particularmente
relevante na MFC. Passou a época em que era freqüente alguém defender que todo médico, mesmo o
recém-formado, estaria em plenas condições de trabalhar em Atenção Primária à Saúde. Hoje, em todo o
mundo, a exigência é de especialistas em Medicina de Família e Comunidade, ou nomes equivalentes,
conforme o país. Isso vem qualificando a APS, aumentando a resolutividade e ajudando a reorganizar os
sistemas de saúde.
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem dando prioridade à
organização de Concursos para Título de Especialista em MFC, tendo realizado seis concursos em pouco
mais de três anos, dois dos quais policêntricos, com a aplicação de suas provas escritas, respectivamente,
em dez e oito capitais, simultaneamente. Contudo, após cinco concursos concluídos, somente 1.442 médicos
inscreveram-se e compareceram às provas e 605 conseguiram conquistar o TEMFC. Isso é muito pouco,
se comparado aos mais de 30 mil médicos atuando em APS no Brasil na atualidade. Mas é parcialmente
explicado pela baixa permanência, em média, dos profissionais na Saúde da Família, o que faz com que a
grande maioria destes raramente alcance o pré-requisito mais freqüente para se inscrever no TEMFC: três
anos completos de prática profissional em APS, trabalhando como Médico de Família e Comunidade. O
outro pré-requisito possível também é raro, Residência credenciada em MFC, e boa parte dos ex-residentes
já conseguiu o TEMFC.
Este ainda relativamente pequeno número de titulados em MFC restringe a possibilidade da maioria
das cidades exigir o registro de especialista em MFC para ingresso de médicos na APS, como alguns
municípios já fazem, e como deverá ser no futuro para todos, pois haverá poucos candidatos disponíveis
com esse pré-requisito. Assim, é muito importante aumentar o número de titulados, sem reduzir as exigências
de qualidade para aprovação no TEMFC, mas por meio do aumento do número de inscritos nos próximos
concursos. Nesse sentido, a SBMFC realiza o seu sexto concurso, e o Ministério da Saúde decidiu apoiar a
SBMFC, tanto na divulgação da importância do TEMFC, quanto financeiramente, no sétimo Concurso, de
forma que ele possa ter inscrições gratuitas e que sua prova objetiva, em dezembro de 2007, possa ser
aplicada simultaneamente em um número ainda maior de cidades que nas duas experiências policêntricas
anteriores.
Uma nova exigência refere-se a recertificação, a cada cinco anos, para os Títulos de Especialista de
todas as especialidades médicas, obrigatório para quem se titulou a partir de janeiro de 2006 e opcional para
os demais. É o chamado Certificado de Atualização Profissional, que somente precisará de provas para os
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
163
Sociedade Brasileira de Medicina de Família Editorial
médicos que não conseguirem um número de pontos de participação em eventos ou outras formas
comprovadas de atualização profissional. Essa pontuação não é difícil de ser obtida e estimula a educação
médica continuada, além da qualificação dos médicos de todas as especialidades4.
Pesquisa com base nos primeiros três concursos para TEMFC, relacionando as características de
formação e de experiência profissional dos candidatos com seus desempenhos nesses concursos, mostrou
a grande importância da Residência Médica em MFC para a formação desse especialista e a pouca efetividade
de Cursos de Especialização Multiprofissionais em Saúde da Família; além disso, evidenciou piora do
desempenho no concurso de médicos com mais idade e mais tempo transcorrido desde a graduação,
evidenciando a necessidade de programas de educação médica continuada, incluindo estratégias de ensino
à distância, que ajudem a superar a dificuldade das grandes distâncias em nosso país de dimensão
continental5.
O estímulo ao estudo e à atualização dos profissionais em MFC, tanto pela preparação para os
mesmos conquistarem o TEMFC, como para suas recertificações de especialistas, é uma das formas que
a SBMFC tem utilizado como contribuição para uma melhor atenção à saúde da população brasileira.
Referências:
1. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1785/2006. D.O.U. 22 de junho de 2006, Seção
I, p.127. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1785_2006.htm Acesso em:
28 jun. 2007.
2. Associação Médica Brasileira. Normativa de Regulamentação para Obtenção de Título de
Especialista ou Certificado de Área de Atuação. São Paulo: AMB; 2004.
3. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1246/1988. D.O.U. 26 de janeiro de 1988.
Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/index.asp?opcao=codigoetica&portal= Acesso em 28 jun. 2007.
4. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº. 1.772/2005. D.O.U. 12 de agosto de 2005,
Seção I , p. 141-142. Disponível em: http://www.cna-cap.org.br/resolucao.php4 Acesso em: 28 jun. 2007.
5. Falk JW. A Especialidade Medicina de Família e Comunidade no Brasil: aspectos conceituais,
históricos e de avaliação da titulação dos profissionais. 194f. [Tese]. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre (RS), 2005.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
164
RESUMO
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença crônica, cujo controle é essencial para a prevenção
de complicações, em longo prazo, relacionadas à morbidade e à mortalidade cardiovascular e cerebral,
dentre outras. O tratamento da HAS baseia-se em medidas não-farmacológicas e farmacológicas. Considera-
se adesão a um tratamento o grau de coincidência entre a orientação médica e o comportamento do paciente.
Na Unidade de Saúde Parque dos Maias, observa-se a dificuldade na manutenção da pressão arterial dos
hipertensos, de forma continuada, que pode estar relacionada à falta de adesão destes pacientes ao tratamento.
O objetivo do estudo é avaliar os fatores envolvidos na dificuldade de adesão ao tratamento anti-hipertensivo
sob o ponto de vista do paciente. Para isso, partimos da pesquisa qualitativa, com entrevistas abertas e
semi-estruturadas, individuais, com 13 pacientes adultos hipertensos, inscritos no Programa de Hipertensos
da Unidade de Saúde Parque dos Maias. Como resultado, verificamos questões que dificultam a adesão ao
tratamento: a) fase inicial assintomática; b) uso de medicamento somente quando pensam que a pressão
está elevada (relacionam o aumento a sintomas que crêem ser ligados à HAS, como cefaléia, náuseas, ou
quando “ficam nervosos”); c) impressão de cura com conseqüente abandono dos fármacos, quando, na
realidade, a pressão está controlada; d) desgosto de ter de tomar remédios continuamente, de ser
“dependentes” deles; e) sintomas adversos dos fármacos como disfunção erétil e tosse; f) dieta hipossódica
é difícil de ser seguida, principalmente pelo fato de os familiares terem de se habituar a ela; g) necessidade
de consultas médicas mensais para fornecimento de prescrições para a retirada do medicamento na unidade
de saúde; h) falta de medicamento gratuito na unidade de saúde, em algumas instâncias; i) alguns pacientes
ficam “escravos” dos horários da ministração de medicamentos, o que dificulta sua rotina diária. A conclusão
Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterialsistêmica: considerações a partir de um estudo qualitativo emuma unidade de Atenção Primária à Saúde
Difficulties in high blood pressure treatment compliance:considerations based on a qualitative study in a primary health care unit
Angélica Manfroi1
Francisco Arsego de Oliveira2
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Hipertensão;- Atenção Primária à Saúde;- Pesquisa Qualitativa.
1 Médica de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, SC, Brasil.2 Médico de Família e Comunidade, Serviço de Saúde Comunitária - Grupo Hospitalar Conceição, Departamento de Medicina Social, Faculdadede Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.
KEY-WORDS:- Hypertension;- Primary Health Care;- Qualitative research.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
165
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
é que é muito importante a equipe de saúde conhecer
as dificuldades dos pacientes em aderir ao tratamen-
to anti-hipertensivo com o objetivo de tentar corrigi-
las, juntamente com o paciente, para melhor controle
da HAS. Enfatiza-se, principalmente, a importância
da comunicação no relacionamento médico/equipe-
paciente, o que envolve a confiança e, por conseguin-
te, possibilidades de maior adesão ao tratamento.
ABSTRACT
Introduction: High blood pressure (HBP) is a
chronic disease whose control is essential for
preventing long-term complications related to
cardiovascular mortality and morbidity. The treatment
for HBP is based on non-pharmacological and
pharmacological measures. Treatment compliance is
characterized by the degree of coincidence between
medical orientation and patient behavior. On Primary
Health Care level there are often difficulties in
maintaining a systematic control over the blood
pressure of hypertensive patients, probably due to
the lack of treatment compliance of these patients.
Objective: Assess the factors involved in the difficulty
of compliance with anti-hypertensive treatment from
the patients’ point of view. Methodology: Qualitative
research, with open and semi structured individual
interviews with 13 hypertensive adults, enrolled in the
Program for Hypertensive Patients of a Primary
Health Care Unit in Porto Alegre, Brazil. Results:
Factors hampering treatment compliance were: a)
initial asymptomatic phase; b) use of medication only
when patients think their blood pressure is high (the
increase is associated with symptoms patients
believe to be a consequence of HBP such as
headache, nausea, or when they “get nervous”); c)
the idea of cure and abandonment of treatment while,
in fact, their blood pressure is but under control; d)
resistance in taking the medication in a systematic
way, making them “dependent”; e) side effects of the
drugs, such as erectile dysfunction and coughing ; f)
difficulty in following a hyposodic diet, besides the fact
that the relatives have to get used to it as well; g) the
need for monthly appointments in order to obtain a
refill of the medication at the health care unit: h) lack
of free medication at the health care unit; i) some
patients feel they are “slaves” of the schedule they
have to follow because it is interfering with their daily
routine. Conclusion: It is important that the health care
professionals know the patients’ difficulties to be
compliant with anti-hypertensive treatment so they
can try correcting the problems together with the
patient for a better control of HBP. It has to be pointed
out that the trust resulting from a good doctor/patient
relationship contributes greatly to a better treatment
compliance of the patient.
I. Introdução
Não há dúvidas de que, atualmente, a hiper-
tensão arterial sistêmica (HAS) constitui um sério pro-
blema de saúde pública em todo o mundo. A HAS é
comprovadamente um fator de risco para uma série
de outras doenças e agravos à saúde, sendo, por-
tanto, considerada a origem das doenças crônico-
degenerativas1. Em relação a dados brasileiros, sua
prevalência oscila entre 15 e 20% na população
adulta2. Em Porto Alegre (RS), a prevalência de HAS
atinge a cifra de 19,2%3.
A HAS é considerada uma doença crônica,
com longo curso assintomático, evolução clínica
lenta, prolongada e permanente, podendo evoluir para
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
166
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
situações de complicação, sendo um dos principais
fatores de morbidade e mortalidade cardiovascular e
cerebrovascular4.
Dessa forma, a HAS é um problema de saúde
pública cujo controle, de forma continuada, é
essencial e visa à prevenção de alterações irrever-
síveis no organismo e relacionadas à morbimorta-
lidade associadas à doença, exigindo, portanto,
ações nos níveis individual e coletivo.
O tratamento da HAS baseia-se em medidas
não-farmacológicas e farmacológicas. Em relação
aos cuidados não-farmacológicos, os objetivos refe-
rem-se a mudanças no estilo de vida, incluindo os
cuidados com dieta com restrição de sal, redução
de peso, atividade física regular, abandono do taba-
gismo e do álcool. Dentre as medidas farmacológicas,
há inúmeras classes de anti-hipertensivos disponí-
veis, variando o seu mecanismo de ação, a sua potên-
cia, posologia e efeitos adversos5.
Em que pese o grande avanço científico e
tecnológico no manejo da hipertensão arterial ocorrido
nos últimos anos, uma das grandes dificuldades
atuais refere-se à adesão dos pacientes aos
tratamentos instituídos, ou seja, até que ponto o
paciente segue as recomendações dadas pelo
médico ou outro profissional de saúde para o controle
do seu problema de saúde. Considera-se adesão a
um tratamento o grau de coincidência entre a pres-
crição médica – o que inclui as orientações não-
farmacológicas – e o comportamento adotado con-
cretamente pelo paciente. No caso da HAS, envolve
a extensão em que o comportamento do indivíduo
(em termos de uso efetivo do medicamento, reali-
zação de mudanças no estilo de vida e compare-
cimento às consultas médicas) coincide com o
conselho médico6. Assim, o controle inadequado da
pressão arterial pode estar relacionado à falta de
adesão do paciente hipertenso ao tratamento indi-
cado.
A adesão do paciente a uma determinada
terapia depende de vários fatores que incluem, dentre
outros, os relativos à relação médico-paciente, às
questões subjetivas do paciente, às questões refe-
rentes ao tratamento, à doença, ao acesso ao serviço
de saúde, à obtenção do medicamento prescrito e à
continuidade do tratamento7. Neste sentido, é de
fundamental importância que o médico esclareça,
continuadamente e em linguagem acessível ao nível
de compreensão do paciente, conceitos básicos
quanto ao significado da HAS, sua etiologia, evolução,
conseqüências, cuidados necessários, fármacos
utilizados e seus potenciais efeitos colaterais. Além
disso, é importante que haja vínculo suficiente entre
médico e paciente, para que este se sinta engajado
no seu tratamento. Uma vez que o paciente se sinta
esclarecido sobre sua doença, e que se estabeleça
o elo médico-paciente, o paciente tende a assumir
responsabilidade pelos cuidados com sua saúde, jun-
tamente com o médico8.
Além da relação médico-paciente, deve-se
considerar, também como fator importante, que os
pacientes hipertensos experimentam a influência de
variados determinantes de adaptação às doenças
crônicas que dependem da característica de perso-
nalidade do indivíduo, dos seus mecanismos de
enfrentamento de problemas, do seu autoconceito,
da sua auto-imagem e da sua auto-estima, da
experiência prévia com a doença e/ou doenças e,
ainda, das atitudes dos cuidadores da área de saúde.
As respostas emocionais dos pacientes devem ser
consideradas, já que, muitas vezes, está presente o
mecanismo de regressão, em que o paciente mani-
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
167
festa um comportamento infantilizado, apresentando-
se emocionalmente dependente na realização de
suas atividades, nas quais se incluem, principalmente,
os cuidados com sua saúde9.
Sendo a HAS uma doença sem manifesta-
ções clínicas, pelo menos precocemente, os paci-
entes também podem apresentar sentimentos
naturais de negação frente à doença, com uma
conseqüente não-adesão ao tratamento anti-
hipertensivo. Isto é, torna-se perfeitamente com-
preensível que um paciente que não se sente “doen-
te”, sob o ponto de vista estritamente biomédico, evite
o uso de medicamentos9.
Neste mesmo sentido, como a HAS é uma
doença assintomática até que as complicações
evidenciem-se em longo prazo, os pacientes podem
não perceber a importância de manter um tratamento
continuado. Além disso, as mudanças de estilo de
vida requerem dedicação e persistência. Muitos
fármacos, por sua vez, apresentam efeitos adversos,
exigem horários especiais para as ingestões diárias,
significam custo adicional no orçamento doméstico,
dentre outros inúmeros fatores que podem dificultar
o seguimento do tratamento da HAS por qualquer
pessoa.
Pelo fato de a HAS ser uma doença crônica
que exige cuidado continuado, dependendo desse
somatório de fatores e da relação entre eles, a terapia
proposta pode ter êxito completo ao que se propõe
ou fracassar parcial ou completamente.
Buscando explorar de forma mais apro-
fundada essas questões no âmbito da Atenção
Primária à Saúde (APS), foi realizada uma pesquisa
de caráter qualitativo junto à Unidade de Saúde
Parque dos Maias, em Porto Alegre (RS). A Unidade
de Saúde Parque dos Maias integra o Serviço de
Saúde Comunitária (SSC) do Grupo Hospitalar Con-
ceição (GHC), um complexo de saúde vinculado ao
Ministério da Saúde, que oferece atenção à saúde
nos níveis primário, secundário e terciário. Em relação
à APS, o Serviço de Saúde Comunitária é composto
de 12 Unidades Básicas de Saúde, situadas na zona
norte da cidade de Porto Alegre, cobrindo uma popu-
lação de mais de 120 mil habitantes. A Unidade de
Saúde Parque dos Maias presta atendimento, desde
1992, a uma população composta por 2.137 famílias
cadastradas, perfazendo 8.482 pessoas. Deste total,
a população adulta compreende 4.535 pacientes, ten-
do 327 hipertensos cadastrados.
É freqüente, nessa unidade de saúde, o relato
da equipe sobre a dificuldade de se manter a pressão
arterial dos pacientes hipertensos em níveis aceitá-
veis, de forma continuada, até mesmo entre os paci-
entes que se consultam regularmente. Uma das ex-
plicações para esse problema pode ser a falta de ade-
são dos pacientes ao tratamento proposto.
Dessa forma, este trabalho teve como objeti-
vo avaliar os fatores envolvidos na dificuldade de ade-
são ao tratamento anti-hipertensivo (medidas não far-
macológicas) sob o ponto de vista do paciente. Assim,
buscou-se entender os fatores que dificultam o segui-
mento adequado das orientações fornecidas pelo mé-
dico e demais integrantes da equipe de saúde.
II. Metodologia
Realizou-se uma pesquisa qualitativa, cujos
focos principais eram as entrevistas com os pacientes
moradores do bairro Rubem Berta, Vila Parque dos
Maias I, pertencentes à área de atendimento da
Unidade de Saúde Parque dos Maias e inscritos no
Programa de Hipertensos do SSC/GHC.
O Programa de Hipertensos desenvolvido na
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
168
unidade tem como objetivo o acompanhamento
sistematizado dos pacientes hipertensos, visando ao
manejo adequado da HAS. As atividades previstas
no programa são: o cadastro dos pacientes, a distri-
buição de medicamentos e o atendimento individual
ou em grupo mensal. Nesse Programa, estão incluí-
dos pacientes adultos hipertensos de ambos os se-
xos, de diferentes raças e variados níveis de formação
educacional, crenças religiosas e situação conjugal.
No presente estudo, não foram incluídos pacientes
pediátricos, pacientes com hipertensão secundária
nem gestantes com doença hipertensiva específica
da gestação. Também foram desconsiderados paci-
entes com outras doenças crônicas que requeiram
modificações no estilo de vida e uso de fármacos de
forma continuada. O estudo foi divulgado para todos
os pacientes hipertensos da Unidade. A participação
dos mesmos ocorreu de forma espontânea, com assi-
natura de termo livre-esclarecido.
Para a coleta das informações foram feitas
entrevistas individuais pela autora a pacientes
específicos, com duração média de 30 minutos, na
própria Unidade de Saúde. Ao final do estudo, foram
entrevistados 13 pacientes. A técnica utilizada nas
entrevistas foi a de entrevista aberta, conforme
metodologia de Minayo9, somada a um roteiro semi-
estruturado, a partir de um modelo citado na lite-
ratura10.
No decorrer das entrevistas, procurava-se
abordar questões relativas ao entendimento do
paciente a respeito da HAS, sua experiência prévia
com a doença, as formas de controle, a noção da
cronicidade da doença e a potencial lesão em órgãos-
alvo. Discutia-se, além disso, o seu conhecimento
acerca dos tipos de tratamento existentes, a sua
utilização, bem como as dificuldades encontradas no
tratamento anti-hipertensivo como um todo. As entre-
vistas foram gravadas em fita cassete, após ter sido
obtido o consentimento pós-informação do paciente
para participação na pesquisa. O projeto de pesquisa
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Grupo Hospitalar Conceição.
III. Resultados
Do total de 13 entrevistados, dez eram do sexo
feminino e três do sexo masculino. As idades variaram
de 34 a 70 anos. Grande parte desses informantes
não possuia o ensino fundamental completo, não ha-
vendo pacientes analfabetos. A maioria dos pacientes
não exercia atividade remunerada atualmente, rece-
bendo auxílio previdenciário em torno de um salário
mínimo. Uma única paciente não reclamou da sua
situação financeira atual, pois recebia de três a quatro
salários mínimos mensais, somando-se o auxílio pre-
videnciário à atividade de cozinheira em um restau-
rante. Apenas dois pacientes moravam sozinhos. Dos
13 entrevistados, cinco participaram, pelo menos
uma vez, da atividade em grupo do Programa de Hi-
pertensos, sendo uma delas freqüentadora assídua
dessa atividade.
Em uma perspectiva inicial, chamou atenção
o fato de que os pacientes entrevistados demons-
traram desconhecimento sobre o que significa “ter
hipertensão”. Muitos não sabiam tratar-se de uma
doença. Mesmo assim, pareciam estar cientes da
importância de realizar algum tipo de cuidado para
manter a pressão arterial controlada, como neste
depoimento de uma paciente de 70 anos:
“Eu não sei o que é [HAS], não sei se é
doença. Às vezes, eu penso que é até um senti-
mento, uma coisa que se altera com os problemas
da pessoa, assim, um mal-estar, acho que não chega
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
169
a ser doença.”
É importante comentar a questão da ausência
de sintomas da HAS, por longo período, até que, se
não tratada adequadamente, comecem a surgir as
complicações decorrentes da doença. Devido à au-
sência de sintomas, vários pacientes entrevistados
referiram que abandonaram o tratamento. Retomaram-
no após uma crise hipertensiva, alguma complicação
decorrente da HAS ou devido a outro problema de saú-
de em que o monitoramento da pressão se fez pre-
sente. Outros informantes, mesmo assintomáticos
e sem apresentar nenhuma complicação decorrente
da HAS, acreditam ser importante manter o tratamen-
to adequado, principalmente como prevenção de
complicações a longo prazo. Esses pacientes assin-
tomáticos informaram que “não se sentem doentes”,
por mais que tenham de tomar os medicamentos de
forma continuada. Há, por outro lado, os casos em
que os pacientes sentem-se doentes justamente de-
pois de iniciado o tratamento anti-hipertensivo. Isso se
explica pelo fato de que, antes de se saberem hiper-
tensos, esses pacientes tinham suas vidas livres de
cuidados e do uso de medicamentos. A partir do diag-
nóstico de HAS, entretanto, necessitaram usar medi-
camentos de forma contínua e buscar um estilo de
vida mais saudável. O fato de terem de usar medica-
mentos é que os fez se sentirem doentes, como é
exemplificado pelo comentário de um paciente de 63
anos:
“Antes de ficar hipertenso, eu não tinha
nenhum problema de saúde. Foi saber que minha
pressão é alta, que tudo começou a complicar. Tenho
que tomar remédio, sempre, todos os dias. Isso me
lembra, todo dia, que sou doente.”
Também há os que eram assintomáticos até
o diagnóstico de HAS feito pelo médico. Quando
iniciaram o uso de medicamentos, passaram a apre-
sentar efeitos adversos, o que fez esses pacientes
sentirem-se, a partir de então, “doentes”. Na reali-
dade, os sintomas do “sentir-se doente”, neste caso,
são os relativos aos efeitos colaterais dos medica-
mentos e não à HAS em si. Nessa situação, o fato de
estarem usando remédio devido à HAS significa que,
se há sintomas, estes são devidos à doença recém-
diagnosticada.
“Logo [após o diagnóstico de HAS] comecei a
usar remédio. Depois, eu parei uns quatro meses.
Não sentia nada antes, para que tomar, se me sentia
fraca tomando? Achava que iria dar certo, assim, sem
remédio, mas não adiantou, vim aqui, estava com a
pressão alta de novo... Voltei a tratar.”
Uma questão recorrente em alguns relatos foi
o que podemos chamar de “sonho de cura da HAS”.
Este desejo, na realidade, apareceu de forma um
tanto contraditória, em algumas respostas. Mesmo
os pacientes que referiram saber ter de usar medica-
mentos continuamente, cientes de não haver cura
da HAS, em algum momento da entrevista demons-
traram vontade de “um dia não precisar mais usar
medicamentos” para a HAS, devido justamente à sua
cura:
“Ah, mas eu imagino... Estou com essa idade,
mas imagino que um dia vou parar de tomar remédio
para a pressão. Imagino o médico me dizendo que
fiquei curada.”
Há também os que acreditam que “curaram”
a doença no momento em que atingem o controle
adequado dos níveis de pressão arterial com o uso
do tratamento prescrito. Assim, muitos pacientes
abandonam o tratamento farmacológico nesse
momento, ao invés de mantê-lo e seguir com o suces-
so no controle da HAS. Soma-se a isso o fato de esses
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
170
pacientes, muitas vezes, estarem previamente assin-
tomáticos:
“Eu estava com a pressão boa, não sentia
nada, parei de tomar os remédios. Para que tomar
se não tinha nada?”
Alguns pacientes referem sintomas especí-
ficos, como dor de cabeça e tonturas, quando julgam
estar com a pressão arterial elevada. É importante
ressaltar que os pacientes que referiram algum sinto-
ma, relacionando-o como conseqüência de pressão
arterial elevada, não a mediram para conferir se, de
fato, estava alterada, na vigência dos sintomas refe-
ridos. Além de relacionarem seus sintomas com au-
mento da pressão, não questionam que estes pos-
sam estar relacionados a outras causas, dentre elas
os efeitos colaterais dos fármacos utilizados para
tratamento da pressão arterial. Neste sentido, a partir
do momento em que o diagnóstico está consolidado,
parece haver uma ênfase em atribuir à pressão alta
qualquer sintoma apresentado pelo paciente.
Por outro lado, os pacientes demonstraram
ter uma boa noção das complicações cardiovascula-
res e cerebrovasculares relacionadas à HAS. Uma das
motivações para seguir o tratamento é o medo de ter
um acidente vascular cerebral (AVC) ou infarto agudo
do miocárdio, as complicações cardiovasculares mais
temidas pelos pacientes e atribuídas à HAS.
“Se eu não tratasse, eu já teria morrido, teria
sofrido alguma coisa. Acho que a pessoa tem um
limite. Quando fui parar no hospital, eu cheguei ao
meu limite. A pressão estava altíssima, e se a pessoa
não faz tratamento, assim, certinho, acho que não
tem como agüentar, o coração começa a disparar,
parece que a gente está subindo nas nuvens, pode
dar derrame, enfarte.”
Há alguns fatores que os pacientes relaciona-
ram ao controle/descontrole da pressão arterial e
dificuldades ou não em seguir o que consideram
correto fazer. Na grande maioria dos relatos, apare-
ceu o “problema de nervos” como sendo o respon-
sável pelo aumento da pressão arterial. Apesar de
não ter sido explicitado exatamente nestes termos
em nossa pesquisa, há relatos na literatura que rela-
cionam a própria expressão “hipertensão” a um estado
emocional em que o indivíduo estaria “muito tenso” 11.
Além disso, os informantes também referem
o uso inadequado dos medicamentos, a dieta com
muito sal (relacionam a dieta rica em gorduras como
responsável por alterar a pressão arterial), o taba-
gismo, a ingestão de bebidas alcoólicas e as dores
em geral. Aparece aqui o sentimento de “missão cum-
prida” quando se sentem cumprindo aquilo que julgam
ser “o correto” e, juntamente, a sensação de controle
da pressão arterial, bem como dos sintomas
atribuídos ao aumento da pressão arterial. Por outro
lado, o contrário também ocorre, ou seja, o sentimen-
to de culpa caso não sigam as recomendações médi-
cas.
“Antes [do diagnóstico], era liberado tudo
assim. Não tinha preocupação em ter que ficar me
cuidando. Depois, é tomar remédio para cuidar da
pressão, é parar com sal, cafezinho, cigarro, coisas
que eu estava sempre fazendo. Agora é tentar
diminuir. Assim, os remédios ajudam a cuidar e lutam
contra as outras coisas que fazem mal, entende? Só
que as coisas que fazem mal eu estava acostumada,
gosto de fazer, então complica, né?”
Foi interessante notar que, mesmo quando
seguiam as orientações médicas, tais como
modificações no estilo de vida, uso correto de medi-
camentos, consultas e aferições da pressão arterial
freqüentes, alguns pacientes demonstraram insatis-
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
171
fação com o descontrole dos seus níveis tensionais.
Esse sentimento pode ser melhor exemplificado com
o depoimento de uma informante de 70 anos:
“Meu Deus, eu faço tudo tão direitinho, então
por que tem dia que ela está 13 por 7, hoje está 15
por 8. Então é com isso aí que eu me irrito, e às vez
parece que quanto mais se mede a pressão, mais
sobe, mais fica sem aquele controle. Então eu fico
irritada com isso aí.”
Outra questão que chamou atenção é a per-
cepção de que há uma pressão certa para cada
paciente: “o meu normal” de pressão arterial. Os
pacientes se acostumam com certos valores que se
repetem e acreditam ser este o seu padrão normal
de pressão arterial, mesmo conhecendo os valores
ideais. Fica, então, a questão do papel dos profis-
sionais de saúde, principalmente o do médico, na
educação do paciente e no ajuste adequado dos
medicamentos, visando ao melhor controle da pres-
são arterial desses pacientes. É comum observar que
muitos médicos deixam-se influenciar por este padrão
próprio estabelecido pelos pacientes, tolerando níveis
mais elevados da tensão arterial.
Mesmo tendo a consciência da importância
do uso do medicamento para controle da HAS, alguns
pacientes demonstraram inconformidade em ter de
“depender do remédio”. O fato de terem de tomar um
remédio continuamente, como em qualquer trata-
mento de longo prazo, visando à manutenção da
saúde, gera insatisfação. Melhor seria, segundo
esses pacientes, “não ter de tomar nenhum medica-
mento”. Soma-se a isso, mais uma vez, a questão
da ausência de sintomas. Isto é, parece realmente
incompreensível ficar dependente de medicamentos
para tratar uma “doença” que não apresenta nenhum
sintoma. Em um estudo qualitativo com o objetivo de
avaliar a decisão dos pacientes hipertensos em tomar
ou não os medicamentos, Benson e Britten apontam
esta questão como importante, na qual se enfatiza a
resistência ao uso de medicamentos de uma maneira
geral, o que se reflete, também, no uso dos anti-hiper-
tensivos12. A fala de uma informante de 64 anos nos
ajuda a entender essa questão:
“Eu gostaria de não depender do remédio,
mas fazer o quê? E, na minha idade, a tendência é a
gente ir tomando cada vez mais remédios. Com a
idade, as coisas começam a aparecer. Por tudo isso,
estou me cuidando agora, para não ficar uma velha
cheia de coisas.”
Quando nos referimos a tratamentos de uso
contínuo, não podemos esquecer a questão dos efei-
tos adversos dos medicamentos como um motivo
importante para o abandono do tratamento. Dois en-
trevistados relataram que quase abandonaram o
tratamento devido a efeitos indesejáveis provocados
pelos fármacos. Porém, após a troca destes, os pa-
cientes sentiram-se motivados a seguir o tratamen-
to, uma vez que os sintomas adversos foram supri-
midos.
Uma vez que o esquecimento de tomar a
medicação pode ser um fator importante na dificulda-
de de adesão ao tratamento, tentou-se abordar esta
questão durante as entrevistas. Contrariamente à nos-
sa idéia inicial, os informantes não pareceram ter difi-
culdades em lembrar de tomar os remédios. Quando
percebem a importância de se tratar, os medicamen-
tos passam a ser parte de sua rotina. Também é im-
portante ressaltar os horários prescritos pelos médi-
cos, o que, em algumas situações, pode dificultar o
dia-a-dia dos pacientes, principalmente se estes não
sabem como adaptar os horários de uma forma ade-
quada e cômoda.
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
172
“Eu não esqueço não. Só que antes tomava
de manhã, e agora mudou para de 8 em 8 horas, e
isso ficou ruim, eu quase esqueci de tomar o da tarde,
esses dias. Teve outro dia que eu estava cansada,
queria tirar uma sesta, mas estava preocupada com
o horário do remédio, dormi olhando para o relógio
para não esquecer.”
Em se tratando de uma população de baixa
renda, é importante que os medicamentos sejam
fornecidos gratuitamente, uma vez que a necessidade
de compra destes pode interferir negativamente no
orçamento doméstico e, assim, ser um fator de não-
adesão ao tratamento. Alguns pacientes também
relacionam à baixa renda a dificuldade de manter uma
“dieta saudável” conforme prescrição médica. Além
disso, surgiu o problema da chamada “peregrinação”
a outras unidades de saúde para se tentar conseguir
um determinado medicamento, quando este estava
em falta na unidade de origem. Percebe-se, então,
que tal “peregrinação” é uma constante na vida
desses pacientes, em sua busca por medicamento
gratuito, considerado um direito, que em princípio
deveria ser disponibilizado pelo município, para todas
as unidades de saúde; porém, na prática, muitas
vezes, isso não ocorre.
“Quando a gente vai à farmácia [da unidade
de saúde] pegar e não tem. Aí, vai à outra [unidade
de saúde] e também não tem. Semana passada eu
consultei, não tinha o remédio, o rapaz disse para vir
na segunda-feira, não tinha chegado. Daí, tive de
comprar duas vezes o captopril, isso não pode ser
assim.”
Na Unidade de Saúde Parque dos Maias, a
prescrição dos medicamentos anti-hipertensivos, na
sua maioria, tem validade mensal. Dessa forma, os
pacientes consultam mensalmente para revisão com
os médicos e para renovação das prescrições. Nos
casos em que o paciente está com sua pressão sob
controle, alguns médicos fazem prescrições para
dois ou três meses. Percebemos que essa sistemá-
tica gera satisfação para o paciente, que se sente
adequadamente atendido. Porém, há casos em que
o paciente necessita de consulta mensal para obter
as receitas, ou porque o médico assim o prefere,
mesmo sendo o caso de um paciente com pressão
sob controle, ou porque a pressão está continuamente
“descontrolada”. Nessa situação, há certa insatisfa-
ção por parte do paciente, pois é ele que tem de
marcar consulta sempre que os fármacos estão por
acabar, mesmo havendo facilidade na marcação de
consultas para as pessoas vinculadas ao grupo de
hipertensos. Em muitos casos, os pacientes saem
de uma consulta com o seu retorno no mês seguinte
agendado. Mesmo havendo a facilidade de acesso
para esses pacientes, o fato de terem de se consultar
mensalmente com o médico, simplesmente para re-
ceberem a prescrição, não seria uma forma desesti-
mulante à adesão, muito pelo fato de o paciente ser
lembrado, a cada mês, de que “está doente”: esse é,
na verdade, o motivo da consulta com o médico.
Assim, cabe o seguinte questionamento: os pacientes
cuja pressão encontra-se sob controle e que necessi-
tam apenas dos medicamentos para a manutenção
de sua saúde não deveriam ter mais liberdade “em
cuidar-se sem tanta dependência do médico?”
“O problema é que para ti pegar remédio tem
que ter receita. Então, eu queria que se agilizasse a
receita. Lá no Postão [unidade de referência], dão um
tipo de receita que dura seis meses, mas eles dão o
primeiro mês, depois tenho que pegar no posto
próximo de casa, que é aqui. Por que tem que con-
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
173
sultar todo o mês para contar a mesma coisa, só
porque tem que ter receita? Eu acho muita coisa vir
todo mês. Minha mãe vai ao grupo de hipertensos
do posto onde mora e não precisa nem de receita,
eles deram uma ficha para ela, e ela vai sempre ao
grupo, eles anotam na ficha os remédios que ela
pega.”
Acredita-se que a relação médico-paciente é
um fator importante, se não fundamental, para a
manutenção do tratamento. Nessa relação, faz-se
necessário que o médico esteja disponível para o paci-
ente na compreensão de seu processo saúde/
doença, com o objetivo de auxiliá-lo nos cuidados com
a sua saúde. Resolvemos expandir esse conceito,
aqui, para a relação com a equipe de saúde como
um todo e percebemos que os pacientes sentem-se
bem atendidos pela equipe da Unidade de Saúde. Fica
uma dúvida, no entanto: o sentir-se bem atendido
significa ser, de fato, bem orientado pela equipe sobre
sua doença e os cuidados necessários para o seu
tratamento, ou os pacientes referem-se ao fato de
serem tratados com respeito e cordialidade enquanto
usuários da Unidade de Saúde? Além disso, pelo fato
de muitos pacientes considerarem os médicos (ou a
equipe) os detentores do conhecimento, por mais que
a saúde seja sua, e por mais que deva haver uma
aliança com objetivos comuns estabelecidos entre
ambos para o sucesso terapêutico, parece estabele-
cer-se uma relação em que o paciente assume uma
atitude passiva. Muitos profissionais, obviamente,
assumem uma atitude paternalista, de “donos da ver-
dade”, direcionando as condutas a serem desempe-
nhadas pelos pacientes. Dessa forma, este tipo de
relação médico-paciente faz com que esse último
não se sinta responsável por sua saúde, pois essa
responsabilidade é transferida para o médico ou a
equipe. Tal tipo de relacionamento deve ser enfatiza-
do, pois é muito comum em nosso país, com conse-
qüências desastrosas no seguimento desses indiví-
duos. A seguir, um bom exemplo de como a paciente
expressa a sua culpa por não ter seguido as orienta-
ções do médico:
“Eu sei que fui bem orientada pelos médicos,
entendeu? As falhas que aconteceram, no caso,
foram minhas mesmo, sabe? Porque eu fui rebelde,
não quis fazer [o tratamento]. Aqui no posto, todos
são bons para a gente.”
Por fim, outra questão que consideramos rele-
vante valorizar foi o acesso aos serviços prestados
pela Unidade de Saúde. Como os pacientes atendi-
dos pertencem à sua área de atuação, a maioria deles
mora muito perto, o que facilita o acesso, sendo um
aspecto facilitador para a adesão ao tratamento anti-
hipertensivo.
IV. Considerações Finais
Em se tratando da adesão a um tratamento,
percebemos que há inúmeras questões envolvidas
no sucesso ou no fracasso em obtê-la. Neste trabalho,
abordamos algumas das questões que surgiram em
entrevistas com alguns pacientes. Evidentemente, a
HAS e o seu tratamento adequado envolvem uma
multiplicidade de fatores extremamente complexos,
que exigem de todos os envolvidos o emprego de
estratégias combinadas que dêem conta dessa
complexidade13. De qualquer forma, ao falarmos de
adesão, devemos sempre considerar a subjetividade
que faz com que cada indivíduo, de acordo com as
suas vivências, conhecimentos, crenças e valores,
tenha um comportamento muito próprio em relação
ao significado de “sentir-se doente”. Isso reflete na
forma como esse indivíduo manifesta-se quando
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
174
abordamos essas questões. Da mesma maneira,
também não podemos desconsiderar as crenças do
médico, ou da equipe de saúde, as quais, muitas
vezes, podem não coincidir com as crenças e os
interesses do paciente.
Um dos aspectos principais neste tema diz
respeito, então, às percepções diferentes em relação
à saúde e à doença por parte do médico – e da equipe
de saúde – e dos pacientes. Esse é um dos fatores
determinantes sobre a “aceitação” ou não do “diag-
nóstico” de HAS dado pelo médico e o tratamento a
ser seguido.
Nesse sentido, como afirma Chockalingam e
cols., a educação dos pacientes hipertensos é
essencial, mas, em determinadas situações, não
será suficiente para fazer com que o paciente siga
as recomendações estabelecidas como corretas à
luz do conhecimento científico atual14.
O que a experiência desta pesquisa aponta é
o caminho inverso: não somente educar o paciente,
mas iniciar uma abordagem terapêutica que inclua
uma negociação sobre o tratamento e o seu segui-
mento partindo das concepções que o paciente tem
a respeito da sua doença. É bom ressaltar que, com
isso, não se está negando o conhecimento técnico
ou se abandonando as convicções profissionais. O
que se propõe é o estabelecimento de uma parceria
entre pacientes e médicos, cujo objetivo maior é o
controle adequado da HAS e uma redução nas suas
complicações.
Isso pode parecer óbvio à primeira vista, mas
acreditamos que os médicos possam estar falhando
nesta área. De pouco adianta saber de forma
aprofundada a fisiopatologia da HAS e os tratamentos
mais modernos disponíveis se não se consegue uma
comunicação adequada com os pacientes. E um
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
paciente que não se comunica com o seu médico é
um candidato muito forte a abandonar o seu trata-
mento. Ao longo do tempo, nós, médicos, deixamos
de nos comunicar com eles e, sem dúvida, uma co-
municação adequada entre médico e paciente melho-
ra o desfecho clínico15.
É, portanto, fundamental enfatizar que o foco
passa, conforme esta visão, do seguimento ade-
quado para a comunicação adequada. E essa é
uma mudança radical no sentido de que a respon-
sabilidade do tratamento volta a ser dividida entre
médico e paciente. Não bastará, por exemplo, simples-
mente prescrever um determinado tratamento e es-
perar que o paciente “educado” o siga. O médico e
toda a equipe de saúde terão mais uma atribuição: a
arte da comunicação, pois esta será fundamental no
caminho para o sucesso terapêutico, no que diz res-
peito a toda a sua complexidade, tanto individual como
coletivamente.
V.Referências
1. Fuchs FD. Hipertensão arterial sistêmica. In:
Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária
baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre (RS):
Artmed; 2004. p. 641-56.
2. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. Rev
Bras Clin Terap. 1998; 24 (6):231-72.
3. Fuchs FD, Moreira LB, Moraes RS, Bredemeier M,
Cardozo SC. Prevalência de hipertensão arterial
sistêmica e fatores associados na região urbana de
Porto Alegre. Arq Bras Cardiol. 1994; 63:473-9.
4. Lessa I. Doenças crônicas não transmissíveis. In:
O adulto brasileiro e as doenças da modernidade:
Epidemiologia das doenças não transmissíveis. São
Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1998. p. 29-42.
5. Joint National Committee on Prevention, Detection,
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
175
Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. The
seventh report of the Joint National Committee on
Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of
High Blood Pressure. JAMA. 2003; 289: (19): 2560-72.
6. Horwitz RI, Horwitz SM. Adherence to the treatment
and health outcomes. Arch Intern Med. 1993;
153:1863-8.
7. Chizzola PR, Mansur AJ, Luz PL, Bellotti G.
Compliance with pharmacological treatment in
outpatients from a brazilian cardiology referral center.
São Paulo Med Journal. 1996; 114:1259-64.
8. Unger T. Patient-doctor interactions in hypertension.
J Hum Hypertens. 1995: 41-6.
9. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 1993. 269 p.
10. Nobre F, Pierin A, Mion Júnior D. Adesão ao
tratamento: o grande desafio da hipertensão. São
Paulo: Lemos Editorial; 2001. p. 26.
11. Center for Disease Control and Prevention. Health
beliefs and compliance with prescribed medication
for hypertension among black women – New Orleans
1985-86. In: Brown Peter J. Understanding and
applying medical anthropology. Mountain View:
Mayfield; 1998. p. 248-50.
12. Benson J, Britten N. Patient’s decisions about
whether or not to take antihypertensive drugs:
qualitative study. BMJ. 2002; 325; 873-7.
13. Schroeder K, Fahey T, Ebrahim S. How can we
improve adherence to blood pressure-lowering
medication in ambulatory care?: systematic review
of randomized controlled trials. Arch Int Med. 2004;
164 (7):722-32.
14. Chockalingam A et al. Adherence to management
of high blood pressure: recommendations of the
Canadian Coalition for High Blood Pressure Prevention
and Control. Can J Public Health. 1998; 89 (5): 15-7.
15. Van Wieringen, JCM, Harmsen JAM, Bruijnzeels
MA. Intercultural communication in general practice.
Eur J Public Health. 2002; 12: 63-8.
Endereço para correspondência:
Angélica Manfroi
Rua Antônio Dias Carneiro, 557
Florianópolis – SC
CEP: 88051-200
Endereço eletrônico:
Angélica Manfroi e Francisco A. de Oliveira Dificuldades de adesão ao tratamento na hipertensão arterial sistêmica
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
176
RESUMO
O suicídio representa atualmente um sério problema de Saúde Coletiva, sendo a segunda causa de
morte em jovens na Itália, na França e no Reino Unido e a terceira nos EUA. Este trabalho objetiva estudar a
mortalidade por suicídio em adolescentes residentes nas cinco regiões do Brasil, comparativamente, no
período de 1991 a 2001, revendo também os principais fatores de risco (FR) descritos na literatura. Metodologia:
trata-se de um estudo epidemiológico, com enfoque sobre a Saúde Mental Juvenil. Foram utilizados os
dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde. Realizou-se a revisão da literatura
por meio dos Sistemas Lilacs e Medline, além de livros temáticos. A discussão, de forma contextualizada,
teve por base o Pensamento da Complexidade proposto por Edgar Morin. Resultados: foram registrados
69.811 óbitos por suicídio no período estudado, sendo 6.985 casos no grupo dos adolescentes. Os maiores
Coeficientes de Mortalidade/100 mil habitantes ocorreram preponderantemente na região sul (1992 a 1994;
1996 a 1998; 2001), seguida pela região centro-oeste. Os principais FR descritos foram história de tentativas
anteriores, ideação suicida, maus tratos, condições socioeconômicas precárias, doenças crônicas severas,
impulsividade, depressão e esquizofrenia. O suicídio reflete características e valores relevantes de uma
sociedade. Representa um sistema complexo e deve ser sempre analisado no contexto individual, social e
coletivo. A atuação do profissional de Atenção Primária à Saúde (APS) é fundamental para a prevenção, por
meio da identificação dos fatores e situações de risco, no contexto individual, familiar e comunitário.
Suicídio em jovens: fatores de risco e análisequantitativa espaço-temporal (Brasil, 1991-2001)
Suicide in young people: risk factors andquantitaive space-time analysis
Regina S. Rodrigues*Ana Claudia F. M. Nogueira**
Jorge Antolini***Victor Berbara****Cátia Oliveira*****
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Suicídio;- Saúde do Adolescente;- Epidemiologia;
KEY-WORDS:- Suicide;- Adolescent Health;- Epidemiology;
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
177
* Médica, especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria e especialista em Epidemiologia aplicada à Saúde Mental, Universidade Federal do Riode Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.** Médica Clínica Geral, Secretaria Municipal de Saúde e Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil.*** Médico Clínico Geral, Hospital Universitário Gaffré Guinle, UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil.**** Médico Epidemiologista, Secretaria Municipal de Saúde, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil.***** Sanitarista, Mestre em Saúde Pública, Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria de Estado de Saúde, Rio de Janeiro, Brasil.
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
ABSTRACT
Suicide is today a huge public health problem
(OMS, 2000). It is the second leading cause of death
among young people in Italy, France and the United
Kingdom and the third in the United States. The aim
of this paper was to develop a comparative study of
mortality from suicide in adolescents living in the five
regions of Brazil during the period 1991-2001, and to
review the risk factors (RF) described in the literature.
Methodology: this is an epidemiological study
focusing on juvenile mental health using the data of
the Mortality Information System of the Ministry of
Health. The review of the literature was performed
using the data- bases Lilacs and Medline as well as
books dealing with the issue. The discussion is based
on Edgar Morin’s concept of “complexity” in a
contextualized form. Results: 69.811 deaths from
suicide were registered during the period under study,
6.985 from these in the group of adolescents. The
highest mortality coefficients/100 thousand
inhabitants occurred in the south of the country (1992
to 1994; 1996 to 1998; 2001), followed by the central-
west. The principal risk factors described in the
literature were history of previous attempts, suicidal
ideas, ill treatment, precarious socio-economic
conditions, severe chronic disease, impulsivity,
depression and schizophrenia. Suicide reflects
characteristics and relevant values of a society. It
represents a complex system that should always be
analyzed in the context of the individual, the society
and the community. The acting of the primary health
care professional in the sense of identifying the risk
factors in the individual, familiar and community
context is fundamental in the prevention of suicide.
I. Introdução
A adolescência é um dos períodos de
desenvolvimento caracteristicamente marcado por
intensas transformações biológicas, sociais e psico-
lógicas, sendo vulnerável a diversos agravos, inclusi-
ve relativos à saúde mental.
O suicídio representa atualmente um grave
problema de Saúde Coletiva. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS-2000)1, as estimativas rea-
lizadas indicam que, em 2020, as vitimas poderão
ascender a 1,5 milhões. Estima-se ainda que um nú-
mero de 10 a 20 vezes superior tentará o suicídio2. Os
jovens representam um grupo de elevada vulnerabi-
lidade em diversos países: o suicídio representa a
segunda causa de morte de jovens na Itália, na França
e no Reino Unido e a terceira causa nos EUA, tendo
dobrado a taxa de mortalidade entre 1960-20013.
O suicídio é a principal causa de morte na
Suíça, na faixa dos 14 aos 25 anos, correspondendo
a um suicídio a cada três dias e 15 a 20 mil tentativas/
ano4.
No Brasil, os Coeficientes de Mortalidade por
suicídio entre 1980 e 2000 foram considerados relati-
vamente baixos quando comparados a outros países,
ocupando o 71º lugar na classificação mundial, segun-
do a OMS1. Em jovens residentes em capitais brasilei-
ras, estudo realizado por Souza et. al.5 apontou para
uma certa elevação das taxas de suicídio entre 1979
e 1998, e, entre as causas externas, o suicídio ocupa
a sexta posição.
Deve-se considerar, contudo, a baixa qualida-
de dos dados registrados no boletim de óbito como
possível fator de subestimativas dos óbitos por suicí-
dio no Brasil.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
178
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
179
II. Objetivos
Este trabalho objetiva estudar os Coeficientes
de Mortalidade (CM) por suicídio em jovens no Brasil,
no período de 1991 a 2001, nas diversas regiões do
país, além de analisar os principais fatores e compor-
tamentos de risco neste grupo etário, incluindo a
ideação suicida e as tentativas, em uma abordagem
reflexiva e transdisciplinar.
III. Material e Método
Trata-se de um estudo epidemiológico
descritivo aplicado à Saúde Mental de Adolescentes.
Para os cálculos de CM, foram utilizados os dados
do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)
referentes ao período de 1991 a 2001. As taxas foram
calculadas por 100 mil habitantes. Foram analisadas
as variáveis sexo e faixa etária em cada região do
país, de forma comparativa, na construção desta
série histórica.
Para a avaliação dos fatores e comporta-
mentos de risco, realizou-se a revisão da literatura
por meio dos Sistemas Lilacs e Medline, além de con-
sulta de livros temáticos.
Considerando o suicídio resultante da intera-
ção de múltiplos fatores, optou-se, a nível reflexivo
na discussão, pela Abordagem do Paradigma da Com-
plexidade proposto por Edgar Morin.
IV. Resultados
Segundo Friedrich, citado por Feijó, o “suicídio
é cometido quando o indivíduo sente-se incapaz de
dominar uma situação insuportável, tem a convicção
de que não pode sair dela, desespera-se pela perda
de controle sobre o ambiente; enfim, quando todas
as maneiras de agir fracassaram”6.
Segundo a OMS1, a maioria dos indivíduos que
cometeram suicídio apresentavam algum dos seguin-
tes transtornos, em ordem decrescente de risco: de-
pressão (todas as formas), transtornos de personali-
dade (anti-social e border-line com traços de impulsi-
vidade, agressividade e freqüentes alterações de hu-
mor, alcoolismo e especialmente para adolescentes,
abuso de substância, esquizofrenia e problemas afeti-
vos).
- Epidemiologia:
Foi analisada a série histórica de suicídios em
adolescentes nas regiões brasileiras entre 1991 e
2001.
No período de 1991 a 2001 foram registrados
69.811 óbitos por suicídios no Brasil. Destes, 6.985
(10,05%) ocorreram em adolescentes (entre 10 e 19
anos de idade).
Os Coeficientes de Mortalidade (CM)/100 mil
habitantes para a população geral brasileira oscilaram
entre 3,51, em 1991 e 1992 (menores índices), e 4,47,
em 2001 (maior índice).
Em adolescentes, o menor CM foi registrado
em 1992 (1,49) e o maior, em 2001 (2,26).
Quando são analisadas as cinco regiões
brasileiras, para a população geral o maior CM ocor-
reu no sul em todos os anos da série, variando de
6,63, em 1993, a 8,86, em 1998. Em 2001, o CM desta
região representou 1,89 vezes a taxa nacional (8,47
e 4,47, respectivamente).
A região centro-oeste ocupou o segundo lugar
em CM em todo o período. Em 2001, último ano da
série histórica, o CM foi de 5,78 (gráfico 1).
Para os adolescentes, o sul apresentou os
maiores CM nos anos de 1992 a 1994, 1996 a 1998 e
2001, seguido pelo centro-oeste, o qual ocupou o
primeiro lugar nos demais anos da série (gráfico 2).
Os menores CM, tanto para a população geral
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
180
quanto para os adolescentes, ocorreram na região
nordeste em todo o período estudado. Para a faixa
Coeficiente de Mortalidade por Suicídio/100.000 habitantes no Brasile Regiões - População Geral 1991-2001
Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde.
de 10 a 19 anos, os CM variaram de 0,65 (1992) a
1,46 (2001), representando um aumento de 2,24 vezes
Coeficiente de Mortalidade por Suicídio por 100.000 habitantesno Brasil e Regiões - Adolescentes 1991-2001
Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde.
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
nas taxas entre estes anos.
A região norte apresentou-se em terceiro lugar
em relação aos CM mais baixos (exceto em 1994)
para os adolescentes.
A região sudeste apresentou desenho da
tendência próxima à curva nacional. Ocupou o terceiro
lugar para os menores CM dentre as regiões para a
população geral e o segundo para os adolescentes.
V. Discussão
O diagnóstico precoce do risco para suicídio
é fundamental para a prevenção, sendo o profissional
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
181
da APS o mais capacitado para perceber e atuar em
tempo hábil: estudos realizados por Le Heuzey7
indicaram que 70% dos adolescentes haviam procu-
rado um médico generalista ou da área de Saúde
Escolar dias antes da concretização do ato.
A OMS sumariza os principais itens para
avaliação e manejo de pacientes com risco para suicídio1.
Fatores de risco (FR) para o suicídio em jovens
Le Heuzey3 cita a seguinte classificação para
avaliação de jovens com risco de suicídio:
- “Suicidé”: é um indivíduo que alcançou a morte por
Risco de suicídio: identificação, manejo e plano de ação.
Risco de Sintoma Avaliação AçãoSuicídio
0 Nenhum - -
1 Com problemas Perguntar sobre pensamentos Escutar com empatiaemocionais suicidas
2 Idéias vagas de morte Perguntar sobre pensamentos Escutar com empatiasuicidas
3 Ideação suicida vaga Avaliar a intencionalidade Explorar as(plano e método) possibilidades
Identificar apoio
4 Idéias suicidas Avaliar a intencionalidade Explorar assem transtornos (plano e método) possibilidadespsiquiátricos Identificar suporte
5 Idéias suicidas e Avaliar a intencionalidade Encaminhar para umtranstornos (plano e método) psiquiatrapsiquiátricos ou fatores Estabelecer um contratoestressores graves
6 Idéias suicidas e Ficar com o paciente Hospitalizartranstornos (para prevenir o acesso aospsiquiátricos ou fatores meios letais)estressores graves ouagitação e tentativasprévias
Fonte: OMS, 2000.
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
suicídio.
- “Suicidant”: é o indivíduo que realizou pelo menos
uma tentativa de suicídio.
- “Suicidaire”: possui idéias de suicídio ou expressa
desejos de suicidar-se.
Tentativas
Histórias de tentativas anteriores são um dos
principais fatores de risco para o suicídio em qualquer
grupo etário.
As tentativas são de 30 a 60 vezes mais
freqüentes que o suicídio, sendo mais comuns em
jovens que em idosos e ocorrendo principalmente no
sexo feminino. A taxa de recidivas entre jovens é de
30 a 40%, ocorrendo principalmente nos seis primei-
ros meses após a tentativa7.
Estudos apontaram que 56% dos suicidas
morrem na primeira tentativa, especialmente os ho-
mens, com 62% de mortalidade comparados com
38% das mulheres. Dentre os sobreviventes, até 12%
acabam se suicidando, representando um risco 38
vezes maior que a população em geral7.
Ideação
Estudos realizados por Rey Gex e analisados
por Le Heuzey3 indicaram que entre 9.268 adoles-
centes, 26% apresentavam idéias suicidas. Estudos
realizados por Miotto citado por Santos, Anelli e
Sermous8, em 2003, em adolescentes italianos de
15 a 19 anos, revelaram presença de ideação suicida
em 30,8% das jovens e 25,3% dos rapazes.
Kandel, ao avaliar o risco para suicídio em 597
adolescentes, encontrou forte associação entre
ideação suicida e uso de drogas. Em muitos casos
houve relação entre o uso de drogas e sentimentos
depressivos, principalmente em mulheres9.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
182
Maus-tratos na infância
A violência durante a infância ou, às vezes,
na própria adolescência representa considerável fator
de risco (FR) para o suicídio. Estes jovens apresentam
um risco três vezes superior de suicídio quando com-
parados a adolescentes sem história de violência fí-
sica, sexual ou psíquica. Situações de abandono e
frieza afetiva, principalmente por parte dos pais,
também representam FR para o suicídio de jovens10.
Condições socioeconômicas precárias
Marx aponta as injustiças sociais e a opressão
como causa de suicídio em mulheres jovens, citando
diversos casos, representando um dos diversos
sintomas das desigualdades sociais11. Estudos re-
centes corroboram esta análise7,12 : elevadas taxas
de condições socioeconômicas precárias (p<0,0001)
estão associadas a doenças psiquiátricas (p<0,0001)13.
Doenças crônicas
Doenças crônicas estigmatizantes, dolorosas
e/ou incapacitantes também representam FR para o
suicídio entre jovens. Dentre estas, destacam-se o
diabetes mellitus, a insuficiência renal crônica, a
asma, a obesidade e a mucoviscidose. Estudos reali-
zados por Marcelli (1995) apontam para um processo
de ódio contra o corpo-sede da doença e responsável
pelos sofrimentos do adolescente7,11,14.
A AIDS representa importante fator de risco
para o suicídio, o qual deve ser sempre investigado
nestes pacientes8.
Impulsividade
Determinadas características comuns aos
adolescentes, como a natural impulsividade que os
leva a “atuar em um curto-circuito de pensamento
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
183
transformado em ação”, podem ser consideradas fa-
tores suicidas10.
Antecedentes familiares
Estudos apontaram para 40% de estresse pós-
traumático e 31% de idéias suicidas em adolescentes
após o suicídio realizado por familiar15.
Suicídio de amigos e colegas
Já foram relatadas “epidemias” de suicídio
entre adolescentes após o suicídio de um amigo ou
colega de escola, conhecido como “efeito Werther”,
em alusão ao clássico romance de Goethe, principal-
mente nos primeiros seis meses após o óbito. Nos
dois anos seguintes, há um risco elevado de depres-
são, porém sem ideação suicida4,15.
Drogas e álcool
Um estudo realizado por Garfinkel et al. em
1982, em um hospital de emergências pediátricas,
com 505 crianças e adolescentes internados por
tentativa de suicídio, apontou uma elevada prevalên-
cia de uso abusivo de drogas e/ou álcool pelos famili-
ares e/ou pelos próprios pacientes. A maior parte das
tentativas ocorreu à noite, após a escola, na própria
residência e devido à overdose de drogas16.
Alcoolismo é menos freqüente em adolescen-
tes do que em adultos jovens, porém mais da metade
das tentativas de suicídio envolveram ingestões
prévias de álcool, que parece funcionar como fator
de desinibição e impulsividade3.
A autópsia psicológica realizada por Shafü et
al., em 20 crianças e adolescentes entre 12 e 19 anos
que haviam cometido suicídio, revelou que 85%
haviam manifestado ideação suicida, 40% já haviam
cometido pelo menos uma tentativa, 70% abusavam
de álcool e/ou drogas e 70% tinham comportamento
anti-social17.
Usuários de heroína apresentaram uma taxa
14 vezes maior para suicídio, segundo Darke et al.18.
Estudos realizados por Sher & Zalsman
apontaram para a elevada associação entre abuso
de álcool e depressão em adolescentes suicidas17,19.
Fleischmann et al. observaram também que
o abuso de substâncias estava presente em 40,8%
dos suicídios em jovens20.
O uso de drogas aumenta consideravelmente
o risco de depressão, idéias, tentativas e suicídio
consumado entre os jovens.
Segundo pesquisa coordenada pelo Centro
para o Avanço da Ciência com 19 mil adolescentes
de 132 escolas, os profissionais de saúde devem
pensar seriamente no risco de suicídio em adolescen-
tes que relatem episódios de uso de drogas21.
Outros transtornos mentais – Patologias psiquiá-
tricas
Há uma elevada prevalência dos seguintes
transtornos psiquiátricos em jovens suicidas, tais
como a depressão, a ansiedade e o abuso de subs-
tâncias. A esquizofrenia e os transtornos alimentares
também representam fatores de risco, segundo os
estudos de Evans et al., em 200522.
Depressão e suicídio em adolescentes
Estudos epidemiológicos verificaram que
8,3% dos adolescentes nos EUA apresentaram
transtorno depressivo23, sendo que 4,9% podem
apresentar a forma “major” da doença24.
Determinados transtornos do sono, como
insônia e pesadelos, têm sido associados a um risco
aumentado de suicídio. Contudo, parece que o link
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
entre insônia e suicídio passa pela presença de
transtornos depressivos25. O gesto suicida em jovens
pode revelar uma esquizofrenia ou outro transtorno
mental severo que até então encontrava-se silenci-
oso26.
V. Conclusão
“O suicídio não é apenas um problema mé-
dico, mas de toda a sociedade”3.
Abordagens simplistas não possibilitam per-
cepções profundas. A complexidade, enquanto teoria
científica, inspira-se nos Sistemas Complexos. Para-
digmas com base em visões unilaterais e certezas
absolutas e simples não oferecem base segura à
análise de situações tão complexas quanto o suicídio
de jovens. Segundo Edgar Morin, “quando o simples
já não basta, é preciso passar ao elo, à espiral, inte-
grando a velha lógica ao jogo complexo”. O todo é
mais que a soma das partes: a abordagem do suicídio
enquanto problema coletivo, dadas as cifras mundiais,
requer a visão da parte (o indivíduo) na rede do todo
(a família, a comunidade, a sociedade pós-moderna):
as relações funcionam de forma complexa, ultrapas-
sando a linearidade parte/todo, uno/diverso27.
Alguns fatores podem ser levantados como
hipóteses explicativas para a diferença observada na
mortalidade por suicídio entre os adolescentes resi-
dentes nas diversas regiões.
São relevantes as diferenças entre os Coe-
ficientes de Mortalidade entre as regiões. Além dos
fatores relativos à qualidade dos dados nos boletins
de óbito, outros fatores podem, ao menos em parte,
explicar as altas taxas na região sul: fatores de ordem
afetivo-culturais e antropológicos, como explica
Durkheim, citado por Silva, 2005. “Cada sociedade
tem portanto, em cada momento de sua história, uma
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
184
aptidão definida para o suicídio”28, além das baixas
temperaturas (invernos mais rigorosos), fato ampla-
mente estudado como “Depressão do Inverno” e/ou
“Suicídio Sazonal”29,30,31.
As taxas relativamente baixas observadas nas
regiões mais quentes, sob o ponto de vista climático
(nordeste, norte e sudeste), poderiam corroborar a
hipótese do efeito climático. Além disso, estas regiões
são compostas na maioria dos estados, de clima
afetivo mais caloroso, informal, cordial e predisposto
ao lazer: fatores que podem ser considerados bené-
ficos para um psiquismo resiliente12,32. Nos Estados
Unidos da América, foram observadas baixas taxas
de suicídio em adolescentes de origem hispânica
quando comparados aos de origem anglo-saxônica,
os quais apresentam taxas elevadas, apesar do
melhor padrão aquisitivo e menor risco de discrimi-
nação social deste segundo grupo. Fatores proteto-
res, como maior afetividade, ternura e apoio, são
utilizados para justificar esta diferença, reforçando a
importância do território familiar e comunitário para a
saúde mental, principalmente em faixas etárias mais
vulneráveis como a adolescência33. Estudos mais
aprofundados, do tipo qualitativo, de base antropoló-
gica-cultural, psicossocial e psicológicas são neces-
sários para compreender melhor estas diferenças
entre os Coeficientes de Mortalidade entre as regiões.
Dessa forma, a abordagem inter e trans-
disciplinar, por meio do diálogo de respeito e abertura
entre os diferentes olhares e distintos saberes (mé-
dico, psicológico, psicossocial, sociológico, antropoló-
gico etc.), torna-se fundamental para a compreensão
e intervenção sobre o suicídio e tentativas a nível
individual, familiar e comunitário. Como nos ensina
Morin: “Hoje, a nossa necessidade histórica é encon-
trar um método capaz de detectar, e não ocultar, as
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
185
ligações, as articulações, as solidariedades, as inter-
dependências e as complexidades34,35,36,37,38,39.
A fragmentação do indivíduo dificulta a
abordagem do mesmo como ser-de-relações: com
sua família, com seu grupo social, com sua comu-
nidade. A formação atual das Universidades das áreas
Biomédicas não prepara os estudantes para serem
profissionais capazes de abordar seus futuros paci-
entes de forma não-especializada. Fenômenos com-
plexos, quando se transformam em epidêmicos1 a
nível mental, exigem uma avaliação profunda, sem
separar indivíduo e sociedade. E aí se encontra a
questão do suicídio.
Na atual sociedade pós-moderna, na qual a
produtividade e o progresso são valores essenciais,
a morte prematura de jovens, que significa a opção
voluntária pelo auto-extermínio, traduz questiona-
mentos silenciosos e constitui um dos fenômenos
mais intrigantes para os profissionais das áreas da
saúde e sociais. O problema crucial é saber quando
e de que forma indivíduos com potencial suicida
transformarão suas fantasias ou ideações em atos
concretos27.
A intencionalidade revela o papel consciente
do jovem para o auto-extermínio, a motivação revela
as razões psíquicas para o desejo da morte, os
precipitadores são os agentes, fatos ou circuns-
tâncias, que, de maneira aguda ou crônica, conside-
rando-se também o tipo de personalidade da vítima,
“justificariam” o ato, e os métodos escolhidos indicam
uma trajetória entre ideação, tentativas e morte
opcional que deve ser percebida durante a avaliação
do profissional de saúde responsável pelo paciente a
fim de que medidas intervencionistas sejam instituídas
em tempo hábil17,40,41.
Este estudo revelou que os maiores CM no
sul e os menores no nordeste podem indicar caracte-
rísticas socioculturais distintas, ocorrendo maior risco
para o suicídio em adolescentes em culturas euro-
peizadas. Contudo, deve-se atentar para a possibi-
lidade de uma melhor qualidade dos dados nos esta-
dos do sul42.
Segundo Minayo et al., o diálogo entre os
diferentes saberes, na busca da compreensão das
interfaces entre os campos subjetivo e objetivo,
possibilita uma abordagem mais profunda desse
fenômeno43.
Os questionamentos sobre o auto-extermínio,
principalmente em jovens, segundo Hillman,
proporcionam a análise da intensa situação de sofri-
mento humano, tornando-se, assim, um “Paradigma
de Vida”43.
Diversas especificidades situacionais, de
cunho orgânico, familiar, antropológico-culturais e
psicossociais podem associar-se como possíveis
fatores desencadeantes da concretização do desejo
de auto-extermínio, culminando no ato suicida. Este
estudo não pode estabelecer qualquer relação por
não dispor de dados relativos às questões subjetivas
dos jovens que se mataram. “Para mensurar o
desespero humano e medir as potencialidades para
o suicídio, individuais e grupais”14, abordagens qualita-
tivas são necessárias.
Além disso, não se pode deixar de mencionar
que óbitos por suicídio, devido ao tabu que cerca este
evento, podem ser notificados no boletim de óbito
como causa externa do tipo ignorado, induzindo à
subnotificação do agravo, fato esse que pode ocorrer
em qualquer região, mas principalmente naquelas de
organização religiosa mais rigorosa.
Nosso estudo busca constituir um alerta para
os profissionais de saúde que atendem crianças e
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
186
adolescentes, na tentativa de diagnosticar precoce-
mente situações de risco para o suicídio.
Referências
1. OMS. Prevenção do Suicídio: Um Manual para
Profissionais de Saúde em Atenção Primária. [s.l.]:
OMS; 2000.
2. Bertolote JM, Fleishmann A. A Global Perspective
in the Epidemiology of Suicide. Suicidologia. 2002;
7(2): 6-7
3. Le Heuzey MF, Suicide de l’Adolescent. Ed. Le
Quotidien du Medecin – Paris. 2001: 4-5; 5-8; Bah
4. Haemmerle P, Irminger F. Swissinfo - 13 de maio
de 2005. Disponível em: http://www.swissinfo.org/por/
swissinfo.html. Acesso em: 12/06/06
5. Souza ER , Minayo MCS, Malaquias JV. Suicídio
de jovens nas principais capitais do Brasil. Cad. Saúde
Pública. [online]. 2002, vol. 18, no. 3 [citado 2006-08-
21], 673-683. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102.
6. Feijó M. Suicídio: Entre a Razão e a Loucura. São
Paulo: Lemos Editorial; 1998. p.40.
7. Meleiro A, Teng CT, Wang YP. Suicídio - Estudos
fundamentais Segmento. São Paulo: Fanna Editorial;
2004. p.125.
8. Santos O, Anelli M, Sermous G. Suicidi in Itália:
Comportamenti e Credenze – Occhio Clínico n.9/
novembre 2004. Disponível em:
http://occhioclinico.it/occhio/2004/9articolo.php
Acesso em: 03/08/06
9. Kandel DB, Ravels VH, Davies M. Suicidal Ideation.
In: Adolescence: depression, substance use and other
risk factors.
Disponível em: http://www.springerlink.com/content/
n77105867m1357w2/ Acesso em: 21/08/2006
10. Cassorla, RMS. Comportamentos Suicidas na
Infância e na Adolescência. In: Do Suicídio. São Paulo:
Papirus; 1998. p. 61-87.
11. Marx K. Sobre o suicídio. São Paulo: Boitempo;
2006. p.13-30.
12. Chavagnat JJ. Prévention du Suicide. Motrouge
(FR): John Libbey Eurotext; 2005. p.57-69.
13. Beautrais A, Joyce P, Mulder R. Risk Factors for
serious Suicide Attempts among youths aged 13
through 24 years. Journal of the American Academy
of Child and Adolescent Psychiatry. sept.1996;
35(9):1174-1182.
14. Kurella M, Kimmel PL, Young BS, Chertow GM.
Suicide in the United States End Stage Renal Disease
Program. J Am Soc Nephrology. 2005; 16:774-781.
15. Brent D, Bridge J, Connolly J. Suicidal Behavior
runs in families: A Controlled Family Study of
Adolescent Suicide Victims. Arch Gen Psychiatry.
1996; 53: 1145-1152.
16. Garfinkel BD, Froese A, Hood J. Suicide Attempts
in Children and Adolescents. Am J Psychiatry.
1982;139:1257-1261.
17.Shafü M, Carrigan S, Whittinghill JR, Derrick A.
Psycological Autopsy of Completed Suicide in Children
and Adolescents. Am J Psychiatry.1985; 142:1061-
1064. Disponível em: http://ajp.psychiatryonline.org/cgi/
content/abstract/142/9/1061 Acesso em: 11/06/2006
18. Darke S, Ross J. Suicide Among Heroin Users:
Rates, Risk Factors and Methods. “Addiction”.
Disponível em: http://www.blackwell-synergy.com/
links Acesso em: 12/07/2006
19. Sher L, Zalsman G. Alcohol and Adolescent
Suicide. Int J Adolesc Med Health; Jul-Sep. 2005;
17(3):197-203.
20. Fleischmann A, Bertolote JM, Belfer M, Beautrais A.
Complete Suicide and Psychiatric Diagnoses in Young
People: a Critical Examination of the Evidence. Am J
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
Orthopsychiatry. Oct. 2005; 75(4): 676-83.
21. FAPESP Notícias - Fundação de Amparo à Pesqui-
sa do Estado de São Paulo. Disponível em: http://
www.fapesp.br Acesso em: 14/09/2004
22. Evans Dl, Foa EB, Gur R E, Hendin H, O´Brian
CP, Seligman MEP, Walsh BT. Treating and Preventing
Adolescent Mental Health Disorders: What we know
and what we don‘t know. Am J Psychiatry. Apr. 163:4;
206:753-754.
23. Weissman MM, Wolk S, Goldtein RB, Moreau D,
Adams P, Greenwald S, Klier CM, Ryan ND, Dahl RE,
Wickramaratne P. Depressed Adolescent and Grown
up. J Am Med Assoc. May. 1999; 281(18): 1707-1713.
24. National Institute of Mental Health. USA: NIMH;
Sept 2000.
25. Liu X, Buysse D. Current Opinion in Psychiatry.
may. 2006; 19(3): 288-293.
26.Cunha JA. Psicodiagnóstico. Porto Alegre (RS):
Artmed; 2000. p.196-201.
27. Morin E. Le Paradigme Perdu: La Nature Humaine.
Paris : Du Sevil; 1973. p.16-37.
28. Silva AO. Suicídio, Literatura e Sociologia. Revista
Espaço Acadêmico. Disponível em: http//
www.espacoacademico.com.br/044/44eozai.htm
Acesso em: 06/02/07.
29. Breuer HW, Breuer J, Fischbach-Breuer BR.
Social, toxicological and meteorological data on
suicide attempts. Eur Arch Psychiatry Neurol Sci.
1986; 235(6): 367-70.
30. Nosad S. Dépression Saisonnièr :Blues de l’hiver :
les enfants et les adolescents peuvent aussi souffrir
de la Déprime Hivernale. Disponível em: http//
www.alpha_lite.com/depression_saisonniere_enfant_
adolescents.pdf - Acesso em: 06/02/07.
31.Seminário Nacional dePrevenção ao Suicídio –
PUC/RS – Porto Alegre – 17 e 18/08/06
32. Mimouni M, Dellad JS, Kebdani K. Le Suicide Chez
les Jeunes de 15 à 25 ans dans la Wilaya d’Oran-
Guide des Recherches et des Chercheurs 2003-2004
– Centre de Recherche en Anthropologie Sociale et
Culturelle. Disponível em:
http//www.crasc.org/contacts/projets_etablis/
projet20.php Acesso em: 06/02/07.
33. Castro JZ. O Suicídio entre Adolescentes
Americanos. Revista Espaço Acadêmico Disponível
em: http//www.espacoacademico.com.br/044/
44eozai.htm Acesso em: 06/02/07.
34. Morin E. O Pensar Complexo. Rio de Janeiro:
Garamond ; 1999. p. 21-34.
35. Morin E. Ciência com Consciência. São Paulo:
Bertrand Brasil; 1996. p.119-123; 135-156; 252-275.
36. Morin E. Saberes Globais e Saberes Locais: o
olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond;
2001. p.35-68.
37. Pena V. O Despertar Ecológico: Edgar Morin e a
Ecologia Complexa. Rio de Janeiro: Garamond; 2003.
p.19-44.
38. Costa C. Sem medo do Complexo. Idéias Livros.
Jornal do Brasil. 12 de jun. 1999.
39. Teixeira E. As Três Metodologias: acadêmica, da
ciência e da pesquisa. Petrópolis (RJ): Vozes; 2005.
p. 94-114.
40. Fairbairn GJ. Reflexões em Torno do Suicídio: a
lingüagem e a ética do dano pessoal. São Paulo:
Paulus; 1999.
41. Rodrigues RS, Antolini JL, Berbara VA, Oliveira
C. Suicídio de Adolescentes no Brasil: diferenças
regionais. 2006. Anais do último Congresso de MGC
/ SF. Jun. 2006.
42. Minayo MCS, Cavalcante FG, Souza ER. Proposta
Metodológica para a Abordagem do Suicídio como
Fenômeno Complexo. Cad Saúde Pública. ago. 2006;
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
187
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
22(8): 1587-1596.
43. Hillman J. Suicídio e Alma. Petrópolis (RJ): Vozes;
1998. p.49-60.
Endereço para correspondência:
Ana Claudia F. M. Nogueira
Rua Conde de Bonfim, n° 370/815
Rio de Janeiro – RJ
CEP: 20520-054
Endereço Eletrônico:
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
188
Regina S Rodrigues, Ana Claudia F M Nogueira,Jorge Antolini, Victor Berbara e Cátia Oliveira
Suicídio em jovens:fatores de risco e análise quantitativa espaço-temporal
RESUMO
Estudo de revisão que buscou justificar a importância de se avaliar o estresse dos Agentes Comunitários de
Saúde e a correlação deles com a atividade ocupacional, uma vez que as situações vivenciadas pelos
mesmos, nas diferentes áreas de risco, bem como o contato direto com a comunidade, representam agentes
estressantes de relevante magnitude. Sabe-se que a presença de trabalhadores estressados na equipe
resulta em insatisfação, diminuição da produtividade e má assistência de saúde à comunidade. Portanto,
especial atenção deve ser dada aos profissionais propensos a reações mais intensas aos agentes geradores
de estresse, o que resulta em benefícios tanto para a equipe de Saúde da Família quanto para a comunidade
assistida.
ABSTRACT
This review aims at showing the importance of assessing stress in Community Health Agents and the
correlation of this stress with their activity, given that the situations they face in the different risk areas and the
direct contact with the community are considered highly stressing factors. It is known that the presence of
stressed agents in a team leads to discontent, reduced productivity and low-quality health assistance for the
community. Special attention should thus be paid to professionals with an inclination to react intensely to
stress factors, not only in benefit of the Family Health team but also of the assisted community.
Avaliação do estresse ocupacional em AgentesComunitários de Saúde da região metropolitanade Belo Horizonte - MG
Assessment of occupational stress in CommunityHealth Agents of the metropolitan region of Belo Horizonte - MG
Lidiane Cristina Custódio*Fabrício Silva Prata**
Gabriel Sanábio**Janaína Félix Braga**
Laura Amaral e Silva**Priscilla das Graças Morreale**
Ricardo Costa-Val***
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Estresse;- Auxiliares da Saúde Comunitária;- Saúde do Trabalhador.
KEY-WORDS:- Stress;- Community Health Aides;- Occupational Health.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
189
*Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Vale do Rio Verde, Professora do curso de Fisioterapia do Centro Universitáriode Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.**Graduandos doCurso de Fisioterapia do Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.***Mestre, Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-graduação em Ciências daSaúde da Universidade Vale do Rio Verde, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
I. Introdução
O interesse pelo estudo do estresse no
trabalho tem-se destacado nos últimos anos devido
ao impacto negativo que ele é capaz de proporcionar
na saúde e no bem-estar dos empregados e,
conseqüentemente, no funcionamento e na efetivi-
dade das organizações. Sabe-se que trabalhadores
estressados possuem capacidade produtiva dimi-
nuída, abstém mais do serviço, causam maior número
de acidentes de trabalho e aumentam os custos finan-
ceiros das empresas e organizações, investidos em
seus problemas de saúde1.
Miyamoto e Selye definem o estresse como o
resultado inespecífico de qualquer demanda capaz
de resultar em um efeito negativo na esfera mental,
física ou emocional do ser humano, provocado por
um agente estressante2,3. Seus estudos revelaram
que a exposição prolongada ao agente estressante
resulta em reações de defesa e adaptação, designada
à síndrome geral de adaptação. Essa síndrome
caracteriza-se por três fases, assim designadas3:
- Fase de alarme: reação do organismo à excitação
de agressão ou de fuga ao estressor, podendo ser
manifestada clinicamente por taquicardia, tensão
crônica, dor de cabeça, sensação de esgotamento,
hipocloremia, pressão no peito, extremidades frias,
dentre outros.
- Fase de resistência: fase de alerta, acrescida de
reações orgânicas direcionadas a um determinado
órgão-alvo, desencadeando a Síndrome de Adapta-
ção Local (SAL), na qual predominam sintomas
psicossociais como ansiedade, medo, isolamento
social, oscilação de apetite, impotência sexual, dentre
outros.
- Fase de exaustão: fase avançada na qual se obser-
va extenuação do organismo pelo excesso de ativi-
dade e pelo alto consumo de energia despendido nas
fases anteriores, com falência do órgão mobilizado
na SAL e manifestação de doenças orgânicas.
Estresse ocupacional é determinado pela
percepção que o trabalhador tem das demandas
existentes no ambiente de trabalho e por sua habili-
dade para enfrentá-las4. Segundo Jex5, as definições
de estresse ocupacional são determinadas pelos
agentes estressantes.
Os eventos são considerados estressantes
quando são percebidos desta forma pelo indivíduo.
Os fatores cognitivos têm um papel central no pro-
cesso que ocorre entre estímulos potencialmente es-
tressantes e as respostas do individuo a eles6. Carac-
terísticas situacionais e pessoais podem, assim, inter-
ferir no julgamento do indivíduo.
De acordo com Glowinkowski e Cooper7,8, es-
tes agentes constituem-se em fatores intrínsecos ao
trabalho, como repetição de tarefas, pressões de
tempo e sobrecarga. Este último pode ser dividido
em dois níveis: quantitativo e qualitativo. A sobrecarga
quantitativa diz respeito ao número excessivo de tare-
fas a serem realizadas. Já a sobrecarga qualitativa
refere-se à dificuldade do trabalho, ou seja, as deman-
das que estão além das habilidades ou aptidões do
trabalhador.
Inúmeras variáveis de natureza pessoal e
situacional também influenciam o estresse ocupacio-
nal. Em relação às variáveis situacionais, destaca-
se o suporte social encontrado pelo trabalhador, o
qual pode ser recebido do supervisor, dos colegas
de trabalho ou mesmo de pessoas fora do trabalho.
Quanto às variáveis pessoais que influenciam o
estresse ocupacional, o estilo de enfrentamento
(coping) do empregado frente aos eventos geradores
de estresse consiste na principal variável individual,
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
190
foco central de muitos estudos1.
II. Avaliação do estresse
A avaliação do estresse e sua relação com a
atividade ocupacional nos profissionais que compõem
a equipe de Saúde da Família, especialmente nos
Agentes Comunitários de Saúde, possibilitam a
compreensão e a correlação do estresse com a
complexa atividade ocupacional desenvolvida por
estes.
Essa avaliação pode ser realizada utilizando-
se instrumentos elaborados pelos próprios
profissionais do programa de saúde ou pelos gerentes
das unidades, executores de políticas organizacio-
nais. Outros instrumentos específicos, validados e
auto-aplicados podem também ser utilizados, como
o Inventário de Sintomas de Stress (ISSL) e a Job
Stress Scale.
O Inventário de Sintomas de Stress para
Adultos de Lipp – ISSL foi validado em 1994 por Lipp
e Guevara com base nos conceitos de Selye9,10. O
instrumento é composto de três quadros, cada um
se referindo a uma das fases do estresse, segundo
o modelo trifásico de Selye (alerta, resistência e
exaustão). Permite avaliar os sintomas de estresse
tanto a nível cognitivo quanto somático e possibilita
ainda identificar a fase de estresse em que o indivíduo
se encontra. O respondente aponta o sintoma de es-
tresse que tem apresentado, especificado em cada
quadro, em 24 horas, uma semana ou um mês. Os
dois primeiros quadros referentes às fases de alarme
e resistência, respectivamente, contam com 15 itens
cada e o terceiro quadro, que permite o diagnóstico
do estresse já em fase de exaustão, possui 23 itens.
A avaliação é feita em termos percentuais do teste.
O Job Stress Scale11, foi validado para o
português e tem como objetivo correlacionar o
estresse com a atividade ocupacional realizada pelo
trabalhador. Uma versão reduzida desse questionário,
originalmente elaborado por Karasek (49 perguntas),
foi elaborada na Suécia por Tores Theorell em 1988,
contendo 17 questões que avaliam: a demanda (5
questões), que é caracterizada por tempo e veloci-
dade na realização do trabalho e presença de tarefas
contraditórias; controle (6 questões), que é definido
como a possibilidade do trabalhador utilizar suas
habilidades intelectuais para a realização de seu tra-
balho, bem como possuir autoridade suficiente para
tomar decisões sobre a forma de realizá-lo, e apoio
social (6 questões), que são os níveis de interação
social, existentes no trabalho, tanto com os colegas
quanto com os chefes. Para ambas as dimensões,
as opções de resposta são apresentadas em escala
tipo Likert (1-4), variando entre freqüentemente, nun-
ca/quase nunca e concordo totalmente e discordo
totalmente.
Esses instrumentos permitem a exploração
de algumas dimensões do estresse no ambiente de
trabalho que pode ser complementada com a utili-
zação de outros métodos qualitativos contribuindo
assim para a elaboração de medidas mais efetivas
de controle e combate aos agentes estressantes rela-
cionados à atividade ocupacional.
III. O profissional da saúde e o estresse
A área de saúde é sabidamente caracterizada
por uma atividade profissional estressante. É comum
a queixa de estresse por parte dos profissionais deste
setor, sejam eles médicos, enfermeiros, psicólogos,
dentre outros. Espera-se, entretanto, que o estresse
apresentado por esses profissionais venha acompa-
nhado por esforços de enfrentamento capazes de
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
191
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
gerenciar as conseqüências das fontes de estresse
e retornar o indivíduo a um nível estável de funciona-
mento homeostático12.
Em 1994, o Ministério da Saúde definiu a Es-
tratégia Saúde da Família como o eixo de reorgani-
zação da Atenção Básica à Saúde com o objetivo
geral de melhorar o estado de saúde da população
por meio da construção de um modelo assistencial
de atenção fundamentado na promoção, proteção,
diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da
saúde, em conformidade com os princípios e as
diretrizes do Sistema Único de Saúde13. Atenção es-
pecial deve ser dada aos agentes comunitários de
saúde, que representam o elo entre a equipe de Saúde
da Família e a comunidade. Dentre as suas atribui-
ções profissionais, destaca-se o mapeamento da
comunidade com a identificação de microáreas de
risco, bem como o cadastramento das famílias por
meio de visitas domiciliares13.
Estudos sobre a realidade da Estratégia de
Saúde da Família no Brasil apontam para a existência
de pontos positivos na proposta, principalmente no
que diz respeito à ruptura com a lógica taylorista de
organização e gestão do trabalho, e também para
problemas em relação às condições de trabalho14.
IV. O trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde
O trabalho desenvolvido pelos Agentes
Comunitários de Saúde mostra algumas situações
na relação trabalhador-usuário, que demandam certo
gasto de energia e adaptação em virtude do contato
direto com a realidade. O fato de residirem na área
de abrangência de trabalho somado às caracterís-
ticas individuais de cada trabalhador podem desen-
cadear o processo de estresse9,12. O estresse repre-
senta uma situação de risco, e, dependendo da inten-
sidade, as reações orgânicas direcionadas a um de-
terminado órgão-alvo com sintomas psicossociais,
características da fase de resistência, podem levar à
extenuação do organismo na fase de exaustão3.
Se, durante as atividades, a equipe de saúde
se depara com situações conflituosas ou de difícil
resolução, os profissionais da saúde poderão apre-
sentar alterações psicofisiológicas, as quais são
capazes de causar reações no organismo com
componentes físicos e/ou psicológicos causando o
estresse15.
Os Agentes Comunitários de Saúde consti-
tuem o primeiro contato entre a unidade e a população
de seu território de abrangência. Assim, atenção deve
ser dispensada aos mesmos, uma vez que repre-
sentam um elo entre a equipe de saúde e a comu-
nidade, sendo essencial capacitá-los para terem um
discernimento em relação a quais informações
poderão ser compartilhadas com o restante da equipe
e se tais informações são ainda potencialmente
benéficas à comunidade10,13. Associado a esse fato,
algumas atividades exercidas pelos Agentes Comuni-
tários de Saúde exigem certo conhecimento sobre
patologias e noções do processo saúde-doença,
exigindo maior conhecimento dos mesmos sobre
quais os cuidados devem ser providenciados e
tomados nos enfermos em consonância com os de-
mais profissionais do Programa de Saúde da Famí-
lia16.
Freqüentemente, o trabalho da equipe de
Saúde da Família e especialmente dos Agentes
Comunitários de Saúde exige a necessidade de se
produzir muito em pouco tempo, bem como a repe-
tição de tarefas. Segundo Glina17, os trabalhadores
recebem sobrecargas tanto qualitativas, quanto
quantitativas, representando alto volume de trabalho
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
192
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
mental por unidade de tempo e complexidade do
trabalho frente a capacidades e experiências do
trabalhador.
Essas sobrecargas representam fatores
estressantes em um ambiente ocupacional represen-
tando uma preocupante situação, potencialmente
causadora de doenças nos trabalhadores, já que a
combinação entre altas demandas e baixos controles
sobre o trabalho é sabidamente situação de estresse
ocupacional.
Glina18 et. al. avaliaram a correlação entre a
saúde mental e o trabalho, concluindo que, de manei-
ra geral, quanto menor a autonomia do trabalhador
na organização de suas atividades, maiores as
possibilidades destas gerarem transtornos na esfera
mental. Além disso, o excesso de trabalho e a pres-
são por maior produtividade estão presentes em todos
os degraus da hierarquia profissional.
Quanto ao suporte social, a existência de um
ambiente calmo e agradável de trabalho e um bom
relacionamento entre os profissionais constituem fato-
res determinantes para a efetividade do trabalho em
equipe. Segundo Tamayo19, variáveis de suporte or-
ganizacional que envolvem processos de gestão e
gerenciamento podem diminuir a exaustão emocional.
Esses processos devem ser executados de forma
participativa e colaboradora, tendo ainda a caracte-
rística de tornarem elementos incentivadores do sen-
timento de valorização profissional nos subordinados.
Ações que melhoram as relações sociais dentro do
ambiente de trabalho e a presença de políticas claras
de divulgação de informação, atualização e planeja-
mento são também medidas sabidamente redutoras
do estresse ocupacional18.
Siqueira20 sugeriu que os gerentes devem
conscientizar-se da importância de seus papéis como
executores de políticas organizacionais, visto que, no
esquema mental de reciprocidade dos trabalhadores,
a noção de organização doadora é estruturada a partir
de atos gerenciais, sendo essas ações o início da
troca social que, por sua vez, levam os empregados
a se posicionarem como beneficiários e a acredita-
rem no suporte organizacional. O resultado final des-
sa atitude é a criação de vínculos afetivos entre
trabalhadores e a estrutura organizacional na qual
estão inseridos, o que leva a um maior comprometi-
mento dos mesmos.
V. Conclusão
A avaliação da incidência de sintomas psico-
lógicos, a determinação das fases de estresse apre-
sentadas pelos agentes comunitários de saúde e sua
correlação com as situações vivenciadas pelos
mesmos, nas diferentes áreas de risco, justificam-
se, uma vez que o contato direto com a comunidade
é um agente estressante de relevante magnitude.
Além disso, sabe-se que, dentre os profissionais da
área da saúde, aqueles que atuam na comunidade
têm maior dificuldade adaptativa aos fatores estres-
santes, uma vez que não só se expõem continua-
mente a problemas de naturezas diversas, mas são
frequentemente surpreendidos por eles9,12.
Em relação ao contexto organizacional, a pre-
sença de trabalhadores estressados na equipe é ca-
paz ainda de provocar o desenvolvimento de ativida-
des ineficientes, desorganizadas e com comunicação
deficitária, o que leva a uma insatisfação e diminuição
da produtividade, resultando em uma má assistência
de saúde à comunidade9,12. A presença do estresse
e a incapacidade para enfrentá-lo podem resultar ainda
em enfermidades físicas e mentais.
A avaliação do estresse ocupacional dos Agen-
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
193
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
tes Comunitários de Saúde se justifica, visto que o
baixo controle e as altas demandas exigidas pelo tra-
balho podem contribuir para o desenvolvimento do
estresse em relação à atividade ocupacional.
Especial atenção deve ser dada aos profis-
sionais propensos a reações mais intensas aos estí-
mulos estressantes, o que resulta em benefícios tanto
para a equipe de Saúde da Família quanto para a co-
munidade assistida.
VI. Referências
1.Tamayo A. Validação da Escala de Estresse no
Trabalho. Estudos de Psicologia. 2004; 9(1):45-52.
2. Miyamoto ST. Fisioterapia Preventiva Atuando na
Ergonomia e no estresse no Trabalho. Rev. Fisioter.
Univ. São Paulo. 1999; 6(1):83-91.
3. Selye H. The stress of life. New York: Mc Graw
Hill;1956.
4. Lautert L. O estresse na atividade gerencial do
enfermeiro. Rev. Panam. Salud. Publica/Pan Am J
Public Health.1999; 6(6).
5. Jex S. M. Stress and Job performance. Londres
Sage;1998.
6. Lazarus R.S. Psychologcal stress in the
workplace;1995.
7. Glowinkowski SP, Cooper CL. Managers and
professional in business/industrial settings: the
research evidence;1987.
8. Cooper C, Sloan S, Wiliams S. Occupational stress
indicator management guide. Londres:Thorbay; 1988.
9. Lipp MEN. Inventário de Sintomas de Stress para
Adultos de LIPP (ISSL). São Paulo: Casa do
Psicólogo; 2000.
10. Lipp MEN, Guevara AJH. Validação Impírica do
Inventário de Sintomas de Stress (ISS). Estudos
Psicológica. 1994; 11(3):43-49.
11. Alves MGM. Versão resumida da “job stresss scale”
adaptação para o português. Rev Saúde Pública.
2004; 38(2): 164-71.
12. Camelo SH. Sintomas de Estresse nos
Trabalhadores Atuantes em Cinco Núcleos de Saúde
da Família. Rev Latino-am Enfermagem. 2004;
12(1):14-21.
13. Brasil. Ministério da Saúde. Programa de Saúde
da Família. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1994.
14. Ribeiro EM. A teorização sobre o processo de
trabalho em saúde como instrumental para análise
do trabalho no Programa Saúde de Família. Cad.
Saúde Pública. 2004; 20(2):438-446.
15. Lipp MEN. Stress: conceitos básicos. In: Lipp ME,
Organizadora. Pesquisas sobre stress no Brasil:
saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas (SP):
Papirus; 1996. p.17-31.
16. Roteiro de Visita Domiciliar para ACS’s e Equipes
de Saúde da Família. Secretaria Municipal de Saúde
de Belo Horizonte; 2003.
17. Glina DMR. Fatores de Estresse no Trabalho de
Operadores de Centrais de Atendimento Telefônico
de um Banco em São Paulo. Rev Bras Méd Trab.
2003;1(1):31-39.
18. Glina DMR. Saúde mental e trabalho: uma reflexão
sobre o nexo com o trabalho e o diagnóstico, com base
na prática. Cad Saúde Pública. 2001;17(3):607-616.
19. Tamayo MR. Exaustão emocional: relações com
a percepção de suporte organizacional e com as
estratégicas de coping no trabalho. Estudos de
psicologia. 2002; 7(1):37-46.
20. Siqueira MM. Esquema mental de reciprocidade
influência sobre afetividade no trabalho. Estudos de .
2005; 10(1),83-93.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
194
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
Endereço para correspondência:
Lidiane Cristina Custódio
Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH
Depto. de Fisioterapia
Av. Professor Mário Werneck, 1685
Belo Horizonte – MG – Cep: 30455-610
Endereço eletrônico :
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
195
Lidiane C Custódio, Fabrício S Prata, Gabriel Sanábio, Janaína F Braga,Laura Amaral e Silva, Priscilla das Graças Morreale e Ricardo Costa-Val
Avaliação do estresse ocupacional em Agentes Comunitáriosde Saúde da região metropolitana de Belo Horizonte - MG
ABSTRACT
This paper reviews the development of the specialty of family medicine with attention to strategies that
may be used to strengthen Brazilian health care with appropriately trained family doctors. These strategies
include establishing academic departments of family and community medicine in all Brazilian medical schools,
ensuring a common core curriculum in training programs, and defining standards for the evaluation and
certification of family doctors. These strategies could enhance the quality, scope and effectiveness of the
Brazilian Family Healthcare Program.
RESUMO
O presente artigo resgata o desenvolvimento da Medicina de Família e Comunidade como
especialidade, com enfoque nas estratégias capazes de fortalecer o sistema de saúde brasileiro com médicos
de família adequadamente capacitados. Tais estratégias envolvem o estabelecimento de departamentos de
Medicina de Família e Comunidade em todas as escolas médicas brasileiras, a garantia de um currículo
básico comum para os programas de treinamento e a definição de padrões para a avaliação e a certificação
de médicos de família. A implementação destas estratégias pode contribuir para um aumento da qualidade,
abrangência e eficácia do Programa Saúde Família Brasileiro.
Atenção Primária; Medicina de Família e Comunidade; Avaliação Profissional.
Strengthening Primary Health Care withFamily and Community Medicine in Brazil
Fortalecendo a Atenção Primária à Saúde no Brasilcom a Medicina de Família e Comunidade
Cynthia Haq*Gustavo Gusso**
Maria Inez Padula Anderson***
RBMFC
KEY WORDS:- Family Practice;- Employee Performance Appraisal;- Primary Health Care;
PALAVRAS CHAVE:- Medicina de Família e Comunidade;- Avaliação de Desempenho;- Atenção Primária à Saúde.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
196
*Professor of Family Medicine and Community Health Sciences, University of Wisconsin School of Medicine and Public Health, USA**Family and Community Doctor, Director of Brazilian Society of Family and Community Medicine and Consultant of Department of Primary HealthCare of Ministry of Health.***Professor of Family and Community Medicine, Head of Department of Family and Community Medicine, Rio de Janeiro State University andPresident of Brazilian Society of Family and Community Medicine
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
197
I. The development of family medicine
Since the beginning of western medical
science most physicians have been generalists who
could provide care for patients of all ages and for most
problems. The exponential rise of medical information
and technology that began after WW II resulted in rapid
developments in medical therapies and specialization
among doctors. Specialists offered new therapies to
improve the quality and duration of life for many
patients. Yet, most people still desired personal
relationships with health professionals who could
provide comprehensive care for common problems,
who could care for all members of the family and who
could coordinate referrals to specialists as needed.
The growth of medical information and
therapies in the last century resulted in the need for
physicians to master a greater body of knowledge for
providing high-quality comprehensive primary health
care. Specialty training and certification after medical
school can ensure that family doctors demonstrate
required competencies. Family medicine training
programs are a manifestation of the response of health
systems and academic medical centers to provide
comprehensive health services to meet the needs of
individuals, families and communities1.
As early as 1963, a World Health Organization
Expert Committee on Professional and Technical
Education of Medical and Auxiliary Personnel defined
family physicians as “practicing physicians that have
the essential characteristic of offering to all members
of the families they serve direct and continuing access
to their services… These doctors accept responsibility
for total care either personally or by arranging for the
use of specialized clinical or social resources.” The
committee noted that “in every country of the world
there appears to be a dearth of family physicians, this
applies to all countries irrespective of their stage of
development”. It recommended that every medical
school provide opportunities for students to train in
family practice settings and that, in order to raise the
standards of family medicine, all graduates choosing
family practice should undergo a period of postgraduate
training specifically designed to meet their needs in
this field of medicine2. This concern was again
reflected in the 1995 World Health Assembly Resolution
WHA 48.8 that urged all member countries to support
reform of basic medical education “to take account of
the contribution made by general practitioners to primary
health care-oriented services” 3.
While medical school training introduces
students to the basics of primary health care,
postgraduate training for family medicine was
developed to provide opportunities for medical school
graduates to become ‘specialists in primary health
care’, to ensure delivery of comprehensive high-quality
health care services across the life span. Family
medicine postgraduate training evolved at different
rates in different areas of the world. In 1966, the United
Kingdom started a general practice vocational training
program. During the same decade Canada, the United
States and several other countries initiated programs
specifically designed to train family doctors. By 1995,
at least 56 countries had developed family medicine
training programs4. Family medicine training programs
have been established through a variety of
mechanisms, most often in partnerships with medical
schools, in community hospitals and/or with practicing
community physicians5,6 .
Family medicine postgraduate or residency
training programs engage students and faculty in
providing comprehensive care for patients of all ages
as well as orientation to the care of families and
communities. In this process, family doctors become
familiar with the problems, resources and special
needs of the people they serve, and are able to adapt
education, research and service programs to respond
to these needs. Numerous studies have confirmed that
well-trained family physicians provide high-quality, cost-
effective health care services to patients of all ages.
Health outcomes of individuals and populations can be
improved through access to family doctors and
comprehensive primary health care services7.
Despite the demonstrated value of family
doctors, family medicine is not yet recognized or
established as a distinct medical specialty in many
nations. However this situation is rapidly changing as
many countries are working to establish formal
programs to train and certify family doctors. Family
medicine training programs have been established in
most Latin American countries and are in various stages
of development in many African and Asian nations.
II. The Development of Family and Community
Medicine in Brazil
In Brazil, although programs to train generalist
physicians started in the 1980s, family medicine is still
not considered an attractive specialty and the field has
not been able to attract a sufficient number of trainees
to meet the needs of the population.
The Brazilian National Committee of Medical
Residency recognized the specialty of General
Community Medicine in 1981. For many years this
discipline was restricted to a few places and educational
institutions such as UERJ in Rio de Janeiro, Murialdo
and GHC in Porto Alegre among others. Some family
doctors worked in the private sector in locations such
as Fundação Rubem Berta (RS), Cassi (diverse
states) and Firjan (RJ). One reason why these
programs were not popular was that there weren´t
places to work as “General Community Doctors”.
Health centers were organized based on policlinic
model:one internist, one pediatrician and one gynecologist.
But other reasons could be appointed as well like the
current distrust in the specialty by medical students
because of lack of contact during medical school. In
2001, the name of General Community Medicine was
changed to Family and Community Medicine but the
program reminded the same. Today, Family and
Community Medicine is one of the 52 specialties
recognized by the Brazilian Medical Association, the
Federal Medical Council and the National Committee
of Medical Residency (Comissão Nacional de
Residência Médica-CNRM), a committee of the Ministry
of Education, which regulates all Medical Residency
programs in Brazil.
In 1994 the Brazilian government launched the
Family Health Program (FHP) and in 1998 the FHP
was adopted as a strategy for reorganizing primary
care (Brazil, Ministry of Health 1994 and 1998). The
FHP provided employment opportunities for family
doctors in the public sector so the specialty could expand
to other cities and institutions.
Despite the advent of the FHP and incentives
provided by the Federal Government (National
Directives for the Curriculum of the Graduate Course
in Medicine - Diretrizes Nacionais do Curso de
Graduação em Medicina - RESOLUÇÃO CNE/CES Nº
4, de 7 de novembro de 2001) to teach undergraduate
medical students primary health care (PHC), few
students choose the specialty of Family and Community
Medicine. Factors that discourage student selection
include unattractive work places, insufficient information
about the specialty and shortage of teachers. There
are only few departments and teachers of family
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
198
medicine in the medical schools. Many students and
faculty do not understand that family medicine is a
comprehensive discipline nor do they realize that
postgraduate training is required. Many young
physicians opt for established specialties such as
pediatrics or internal medicine and then seek employment
in the FHP.
III. Establishing Departments of Family and
Community Medicine
Many actions are needed for promoting family
and community medicine among medical students.
The first priority is to develop academic departments
in order to recruit and prepare highly qualified family
physicians. Universities are in urgent need of family
and community medicine faculty. Family and community
medicine faculty who understand and can demonstrate
comprehensive primary health care will be able to show
that this specialty is much more than an amalgam of
internal medicine, gynecology, pediatrics and surgery.
Family and community medicine includes a defined
body of knowledge. Family and community medicine
faculty are able to practice and teach more effectively
when supported in academic environments.
Departments or units of family and community
medicine provide leadership for establishing the
discipline in academic settings and for organizing
resources to conduct teaching, patient care, and
research programs that address the health needs of
the community. Departments of family and community
medicine require participation of leaders who
understand and support the important principles,
functions and roles of family medicine. These leaders
may include government authorities, medical association
representatives, practicing family doctors in the
community, staff from medical schools and teaching
hospitals, public health officials and private insurers.
Departments of family and community medicine
require human and physical resources to deliver the
full spectrum of family medicine education, services
and research programs. Human resources include
faculty, physicians and staff with time available to teach
and adequately supervise trainees, develop curricula,
and conduct research. Practicing community family
doctors may be recruited as part-time clinical supervisors
or tutors. Physical resources include centers that
integrate teaching and clinical services. In these
centers, patient care may be provided by teams that
include practicing physicians, residents or students
in training, nurses, social workers, and other health
professionals. Family medicine teaching centers, which
may be incorporated into community physicians’ practices
or community health centers, may also serve as
important sites for primary care research.
Departments of family and community medicine
often require governmental and institutional financial
support. Once established, clinical revenues, research
grants and hospitals often finance a substantial
proportion of services. Departments usually begin with
a small number of faculty and staff members. As
teaching, clinical and research programs grow and
resources increase, additional members may be
recruited. Specialists in other fields and those with
PhD degrees can be valuable teachers of family
medicine, however community-based family physicians
that understand the practice and who have interest in
teaching are essential. Community or district hospitals
are often important partners in the development and
support of departments of family and community
medicine. Faculty physicians and residents in training
provide important clinical services for these institutions.
A partnership approach ensures mutual benefits for
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
199
the community, the hospital and the department.
In some countries, departments of family and
community medicine are well established and enjoy
a reputation similar to that of any other department in
their respective academic institutions. In other
countries, where family medicine is not fully recognized
as a discipline and a specialty, the establishment of a
department may contribute to creating the momentum
that will lead to full recognition and development of the
profession.
IV. How to attract students to family and
community medicine careers
Academic departments of family and
community medicine can provide opportunities for
students to interact with family physicians during
medical school. When interacting with family physicians
in classroom and clinical settings and perceiving
family doctors as valued members of health teams,
students are more likely to consider family practice
careers8.Enthusiastic family doctors who demonstrate
humanistic values, provide high-quality patient care
and excellent teaching can serve as positive role
models that many students will wish to emulate. On
the other hand, if students are not put in contact with
family medicine during their education they may be
unaware of the content and challenges associated
with family practice and will be less likely to select this
as a career.
In some countries, government policies
regulate the number of specialty training positions for
family medicine and other medical disciplines through
financial incentives or legislation. If these policies are
based on sound information regarding projected health
workforce needs, incentives can be provided for attracting
students to select careers that match the care needed
by the population. Strategies to attract students to
careers in family medicine are summarized below:
• Recruit and admit students interested in primary care
and community service.
• Emphasize primary care in the required curriculum.
• Offer high-quality rotations in health centers with
family doctors.
• Provide opportunities for students to work one on
one with family doctors.
• Ensure sufficient family and community medicine
specialty training programs.
• Provide incentives to encourage selection of careers
in family practice.
• Offer a variety of career opportunities in family
medicine.
• Support family medicine graduates with competitive
salaries and career paths.
V. Establishing associations, standards for training,
quality and certification
Family practice associations provide a rich
array of expertise and resources to assist in the
development of the specialty. They provide opportunities
to locate colleagues with shared interests and to
collaborate on joint projects. Providing appropriate
continuing medical education for family doctors is an
important service of national associations. This
includes conducting educational programs, sponsoring
educational journals, and certifying that educational
activities are well designed and appropriate for
improving the skills of family doctors. Family medicine
networks at the local, regional, national and international
levels allow colleagues to develop specific aspects
of the specialty such as teaching, research or quality
improvement in greater depth.
Another important activity of professional
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
200
organizations is training new doctors in their chosen
discipline and certifying that they are properly trained.
Currently, in Brazil, there are wide variations in the
curriculum and qualifications of those identifying
themselves as family doctors. Until standards are
established, disseminated and enforced, there will be
wide variations in the skills and confusion as to the
identity and even the value of family doctors. National
organizations can exert considerable influence on
training programs by establishing minimum training
requirements and core competencies for certification9.
The process of certification can be supervised
by professional family medicine associations or
certifying bodies can be organized independently.
There are a variety of approaches to certification10.
Certification can be obtained through two separate
pathways in Brazil: 1) studying in a residency training
program recognized by the ministry of education; or
2) meeting defined standards of professional
performance in the setting of the practice and passing
an examination. The Certification of Family and
Community Medicine (TEMFC) examination given by
the Brazilian Society of Family and Community
Medicine is the only exam authorized by the Brazilian
Medical Association. This certification includes two stages:
1) analysis of the curriculum, which requires at least
3 years of medical practice; and 2) passing an exam.
Completion of a medical residency recognized by the
Ministry of Education and the TEMFC have the same legal
value in Brazil. Legally, only a residency recognized by
the National Committee of Medical Residency can be
called “medical residency” (Art 1° § 2.º It is forbidden
to use the term “Medical Residency” for any medical
training program that has not been approved by the
National Committee of Medical Residency, Law Nr.
6.932, of July 7, 1981). Those activities not recognized
as legal residency must be called Continuing Medical
Education.
Another option for family and community medicine
physicians to achieve standards is through Continuing
Medical Education. The Royal New Zealand College of
General Practitioners, for example, provides options
for candidates to qualify for specialty certification
through clinical training and examinations or through
practice eligibility routes. In some countries, the standards
for training and re-certification of family doctors are
more stringent than for other specialties. The
certification process for family doctors may include
assessments of consultation and communication
skills, practice management skills, ethical standards,
patient satisfaction and medical chart audits. In many
countries, family doctors are required to complete a
minimum number of hours of continuing medical
education annually in order to maintain their certification.
In the United States, the American Board of Family
Practice was the first specialty society to require
members to pass a re-certification examination every
seven years. In Brazil, this process started in 2006;
from this year forward all specialists must achieve
100 points every 5 years through distance education
courses, attending meetings or engaging in other
activities approved by the Brazilian Medical Association.
VI. Summary:
During the last 12 years, the Brazilian Ministry
of Health has been developing the “Programa de
Saúde da Família” (Family Health Program) to provide
high-quality health care for the Brazilian population.
Today there are more than 27,000 physicians engaged
with this program although less than 2.000 are family
physicians. Family and community medicine is already
strengthening primary health care and improving the
quality of the Brazilian Family Health Program.
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
201
However, many more family and community medicine
physicians need to be trained, certified and recruited
to fully address the primary health care needs of the
country. Family and community medicine faculty,
departments, certification and continuing medical
education programs are essential to enhance the
growth and quality of this specialty.
VII. References:
1. Boelen C, Haq C, Hunt V, Rivo M, Shahady E.
Improving Health Systems: the Contribution of Family
Medicine; a Guidebook. Singapore: Wonca (World
Academy of Family Doctors), Bestprint publications;
2002.
2. World Health Organization. Training of the physician
for family practice. Eleventh report of the Expert
Committee on Professional and Technical Education
of Medical and Auxiliary Personnel. Geneva: World
Health Organization; 1963. (WHO Technical Report
Series; 257).
3. World Health Organization. The Reorientation of
Medical Education and Medical Practice for Health for
All. World Health Assembly Resolution WHA48.8.
Geneva: World Health Organization; 1995 (WHA48/
1995/REC/1: 8-10).
4. Haq C, Ventres W, Hunt, Mull D, Thompson R, Rivo
M, Johnson P. Where There is No Family Doctor:
The Development of Family Medicine Around the
World. Academic Medicine. May. 1995;70(5): 370-80.
5. Hansen M. An educational program for primary
care: definitions and hypotheses. Journal of Medical
Education. 1970; 45: 1001-1015.
6. Golden A, Carlson DG, Hagen JL. A definition of
primary care for educational purposes in. In: The art
of teaching primary care. New York: Springer; 1982.
7. Starfield B, Shi L, Macinko J. Primary care impact
on health outcomes: A literature review. Milbank
Quarterly. 2005; 83(3): 457-502.
8. Campos-Outcalt D et al. The effects of medical
school curricula, faculty role models, and biomedical
research support on choice of generalist physician
careers: a review and quality assessment of the
literature. Academic Medicine, 1995, 70: 611-619.
9. Pereira Gray DJ. History of the Royal College of
General Practitioners — the first 40 years. British
Journal of General Practice. 1992; 42: 29-35.
10. Royal College of General Practitioners. Fellowship
by assessment. London, Royal College of General
Practitioners, 1995 (Occasional Paper 50, 2nd ed.).
Address:
Cynthia Haq
University of Wisconsin School of Medicine and Public
Health 4235 Health Sciences Learning Center
750 Highland Avenue - Madison, WI 53705 - EUA
E-mail:
Cynthia Haq, Gustavo Gusso e Maria Inez Padula Anderson Strengthening Primary Health Care with Family and Community Medicine in Brazil
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
202
RESUMO
Os problemas psicológicos são muito comuns nos consultórios dos médicos generalistas. Incluem,
pela incidência, os transtornos somatomorfos e os episódios depressivos com sintomas somáticos. Esses
distúrbios não apresentam nenhuma patologia orgânica. A Clínica foi, em seus primórdios, classificadora. A
doença recebeu uma organização hierarquizada em famílias, gêneros e espécies. O papel do médico era o
de descobrir a doença no doente. A doença se apresentava segundo os sintomas e os sinais. A Clínica
baseava-se na anatomia patológica e na fisiopatologia. Devido a esta longa tradição secular, que o condicionou
a investigar o “orgânico”, o médico não está preparado para cuidar de pacientes com problemas psicológicos.
Isso porque não encontra o substrato anátomo e fisiopatológico a que foi exercitado a descobrir. Uma proposta
para capacitar o médico generalista a lidar com as emoções na prática médica é o “grupo Balint”. Trata-se
de um método de capacitação em seminários de grupo, com sessões semanais e duração de dois anos,
fundamentado em apresentação de casos. O objetivo é obter uma mudança de personalidade do generalista,
limitada, porém significativa, de maneira a habilitá-lo a cuidar de seus pacientes com problemas psicológicos.
ABSTRACT
Patients with psychological problems are very common in the offices of general practitioners. Grouped
according to their incidence these problems include somatoform disorders and episodes of depression with
somatic symptoms. These disorders have no organic basis or known physiological cause. In its early
beginnings, medicine and medical regard were classificatory. Disease was organized hierachically into families,
As origens históricas da Clínica e suas implicaçõessobre a abordagem dos problemas psicológicos naprática médica
The historical development of modern medicine: implicationsfor an approach to psychological problems in the medical practice
Fernando Antônio Mourão Flora*
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Medicina Clínica;- Relação Médico-Paciente;- Somatização;
PALAVRAS CHAVE:- Clinical Medicine;- Physician-Patient Relations;- Somatoform disorders.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
203
*Médico, Mestre em Saúde Pública, SMS Belo Horizonte, MG, Brasil.
genera and species. The role of the physician was to
discover the patient’s disease. The disease presented
itself through symptoms and signs. Medical practice was
based on anatomical pathology and physiopathology.
Due to this secular tradition during which he was
conditioned to investigate the “organic”, the physician
is not prepared for providing care to patients whose
problems are of psychological nature. The anatomical
and physiopathological substrate he was trained to
discover is lacking.
The “Balint group” represents a proposal for
capacitating the general practitioner for dealing with
the emotional in his medical practice. This is done in
two-weekly seminars during a two-years’ period, based
on case reports. The objective of this initiative is to
provoke a limited but significant change in the personality
of the general practitioner for enabling him to provide
care to his patients presenting with psychological
problems.
I. Introdução
Um paciente chega à consulta do generalista
com o problema de distúrbios neurovegetativos que
o impedem de adormecer; outro se queixa de
fraqueza, perda de peso e de apetite. Em um aten-
dimento de urgência, uma cliente apresenta uma “dra-
mática” dispnéia, simulando uma crise de asma. Os
exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente.
Esse é o cotidiano do médico: uma parte de seus
pacientes apresenta uma sintomatologia em que não
é detectada nenhuma patologia orgânica. Muitas
vezes, o médico considera que esses pacientes “não
têm nada”1 ou que são pessoas “nervosas”, cujas
doenças estão “em suas cabeças”2. A peça teatral O
doente imaginário, de Molière, é uma sátira deste tipo
de patologia.
Nos exemplos citados acima, o paciente com
distúrbio neurovegetativo é um homem de meia-idade
com problemas financeiros, a senhora emagrecida
perdeu seus sobrinhos, assassinados, e a cliente
dispnéica está em uma crise conjugal devido à infi-
delidade do marido. Portanto, são pacientes que se
consideram doentes fisicamente, mas que, inconsci-
entemente, apresentam problemas psicológicos co-
mo causa de seus sintomas.
As estimativas variam; todavia, calcula-se que
entre um quarto e um terço dos pacientes que re-
correm ao generalista estão em uma condição de
estresse psicossocial3. O que se constata é que o
médico não está preparado para atender a estes
casos nem sabe qual conduta adotar2,4.
Procuremos, inicialmente, delimitar este
contingente de pacientes. Pode-se entender por
“problemas psicológicos” na prática médica uma
ampla rede de patologias, que abarca, pela incidência,
os transtornos somatomorfos e os episódios depres-
sivos com sintomas somáticos5,6. Trata-se de uma
série significativa de patologias atribuídas à influência
exercida sobre o corpo pelas emoções7.
Um expressivo número de indivíduos rotulados
como nervosos, neurastênicos, psicastênicos, histé-
ricos, neuróticos e psicopatas, doentes funcionais,
doentes psicógenos, doentes psicossomáticos pode
apresentar distúrbios funcionais8.
Detenhamo-nos aos transtornos somato-
morfos pelo seu mimetismo com as doenças físicas5.
Incluem o transtorno de somatização, o transtorno
conversivo, o transtorno doloroso, a hipocondria e o
transtorno dismórfico corporal7,9.
Segundo H. J. Weitbrecht8, os transtornos
somatomorfos (ou funcionais) do organismo com-
põem um grupo heterogêneo de distúrbios que não
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
204
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
apresenta nenhuma patologia orgânica. O primário
nestes pacientes é uma atitude ou desenvolvimento
psíquico anormais, que secundariamente dão lugar
a disfunções vegetativas, vasculares ou neuroendó-
crinas.
Os transtornos somatomorfos situam-se na
fronteira da Medicina e da Psiquiatria. Possuem os
atributos seguintes: (a) a tendência do paciente a “ex-
perienciar” e a comunicar sintomas somáticos; (b) os
sintomas não são sustentados por achados patoló-
gicos; (c) o paciente atribui suas queixas a uma doen-
ça física; (d) o paciente procura ajuda médica para
os sintomas; (e) o estresse psicossocial, assim como
a vulnerabilidade da personalidade ao estresse, pode
ser uma característica associada (embora o paciente
não reconheça e até mesmo negue qualquer ligação
entre os sintomas e causas psicológicas). O denomi-
nador comum desses distúrbios é que tendem a se
manifestar como se a anatomia não existisse4.
A maioria destes pacientes é vista e tratada
sintomaticamente por médicos generalistas, por es-
pecialistas (não-psiquiatras) ou por adeptos da medi-
cina alternativa. São muito comuns nos consultórios
dos médicos generalistas. Calcula-se em um terço
o número de consultas em Atenção Primária à Saúde
em que nenhuma patologia orgânica é identificada
(na experiência de consultório do médico de família
de Waco, Texas, em uma amostra de 1.073 pacientes
foram identificados 120 com transtornos somatomor-
fos)3.
Existe o risco de diagnosticar erroneamente
um transtorno funcional neurótico onde na realidade
existe uma doença orgânica. Não é fácil fazer o diag-
nóstico de transtorno somatomorfo. É evocado pelo
generalista quando o paciente apresenta, repetida-
mente, queixas vagas e variadas, sem uma etiologia
estabelecida. Esses pacientes requerem mais tempo
de consulta e são considerados “difíceis”, ou no termo
em inglês, doctor shoppers 1.
Esses problemas clínicos, pois, são freqüen-
tes e associados com altos custos diretos e indiretos.
Os pacientes com transtornos somatomorfos são
submetidos a uma enorme bateria de exames com-
plementares e procedimentos diagnósticos inúteis.
Os resultados falso-positivos podem levar a trata-
mentos equivocados, complicações, morbidade des-
necessária e desperdícios7.
Por se situarem na fronteira entre disciplinas,
existe pouca pesquisa sobre o diagnóstico e o
tratamento dos transtornos somatomorfos. A avalia-
ção de seu tratamento pelo generalista pode ser
considerada como insatisfatória3. Os médicos cen-
tram-se no alívio dos sintomas, por meio da prescri-
ção de medicamentos, como é o procedimento pa-
drão. Várias tentativas terapêuticas acabam não dan-
do resultado, frustrando o médico e o paciente10,11.
A questão a ser elucidada neste artigo refere-
se à abordagem dos problemas psicológicos (em
sentido genérico) na prática médica e a falta de pre-
paro dos generalistas para abordá-los. Assim, a pri-
meira pergunta a ser respondida é explicar por que o
generalista está despreparado para lidar com estas
patologias de fundo emocional, tão freqüentes em sua
prática. O meio para decifrar este paradoxo será a
análise de discurso do ensaio O Nascimento da Clíni-
ca, do filósofo estruturalista Michel Foucault.
Uma vez explicado o paradoxo, o ponto é
como capacitá-lo para cuidar dos clientes com esses
distúrbios. Por fim analisa-se o método Balint como
estratégia para habilitar os generalistas no manejo
dos problemas psicológicos de seus clientes.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
205
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
II. O Nascimento da Clínica
O médico, condicionado a se ocupar do
“orgânico” por uma longa tradição secular, não está
preparado na sua prática cotidiana para lidar com os
problemas psicológicos de seus pacientes. Isso
porque não encontra o substrato anátomo e fisio-
patológico a que foi exercitado a descobrir. É costume,
então, emitir o seguinte juízo, eivado de conseqüên-
cias: “O doente não tem nada”. Somente é possível
entender esta postura à luz da história da estruturação
da Clínica através do tempo.
O Nascimento da Clínica é o título do livro do
filósofo Michel Foucault12 que faz um estudo arqueo-
lógico do saber médico ocidental, por meio de uma
análise estrutural de seus textos. Procedemos a um
sumário de sua obra, apresentada a seguir.
Desde a Renascença, ocorreu uma mudança
na tradição médica, que vinha desde o século V, na
Grécia, com a longa história dos sistemas, ou seja,
da influência da metafísica. Pode-se situar o nasci-
mento da medicina moderna no final do século XVIII.
Passou-se a privilegiar o empírico (a percepção) e a
razão, com o abandono das teorias, dos velhos sis-
temas e de suas especulações imaginárias. A experi-
ência clínica pôs por terra o dogma aristotélico e ini-
ciou o discurso científico.
Nos seus primórdios, esta medicina era clas-
sificatória. A experiência médica do século XVIII ocu-
pou-se, constitucionalmente, de organizar um campo
nosológico. Estudava-se “a maneira como a natureza
produz e entretém as diferentes formas de doenças”,
no dizer de Sydenham13. A doença recebeu uma orga-
nização hierarquizada em famílias, gêneros e espé-
cies. Frier14 ensinava: “O conhecimento das doenças
é a bússola do médico; o sucesso da cura depende
de um conhecimento exato da doença”.
A medicina das espécies patológicas consi-
derava o hospital um lugar artificial, onde a doença
alojada incidia no risco de perder suas características
originais. Ela podia sofrer toda forma de complicação,
que os médicos chamavam de “febre” dos hospitais
ou das prisões. O lugar natural da doença era o da
vida: a família. Diferente do internista, que lidava com
doenças desfiguradas, o médico que tratava em
domicílio “adquire em pouco tempo uma verdadeira
experiência, fundada sobre os fenômenos naturais
de todas as espécies de doenças”15. O papel do mé-
dico era o de descobrir a doença no doente, escondida
nele como um criptograma. A doença possuía uma
organização que lhe era própria. O doente era um
“acidente” da doença, o objeto transitório do qual ela
se apossava. Segundo Cabanis16: “as diferentes do-
enças servem de texto”. O doente era o veículo por
meio do qual este texto se exprimia, às vezes de
forma complicada e embaralhada. Girbal descrevia
o domínio clínico17:
“Esclarecer o princípio e a causa de uma do-
ença através da confusão e da obscuridade dos sin-
tomas; conhecer sua natureza, suas formas, suas
complicações; distinguir na primeira olhada todas as
suas características e todas as diferenças [...]”.
O exame clínico procurava estabelecer a
relação entre os fenômenos, os antecedentes e os
distúrbios constatados, de forma a poder pronunciar
um nome: o da doença. Uma vez feita essa desig-
nação, deduzia-se facilmente as causas, o prognós-
tico, as indicações. Tratava-se, portanto, da desco-
berta de uma “verdade”, escondida, já presente no
corpo do doente: o nome da doença.
A clínica consistia na arte de “demonstrar
mostrando”. Cabanis18 assim explicava o ensino mé-
dico: “O professor indica a seus alunos a ordem pela
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
206
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
qual os objetos devem ser observados, para serem
melhores percebidos e gravados na memória”.
Acompanhe-se a descrição das aulas de clínica cirúr-
gica de Desault, em 1781, no Hôtel-Dieu:
“Sob os olhos de seus expectadores, fazia
trazer os doentes mais graves, classificava suas
doenças, analisava as características, definia a conduta
a ser adotada, praticava as cirurgias necessárias,
prestava conta dos seus procedimentos e de seus
motivos, mostrava as mudanças diárias e apresentava
o estado das partes após a cura... ou demonstrava
sobre o corpo privado de vida as alterações que
haviam tornado a arte inútil” 19.
Desde a Renascença, a Clínica foi, provavel-
mente, a primeira tentativa para fundar uma ciência
fundamentada unicamente no campo perceptivo e
uma prática guiada pelo exercício do olhar. Segundo
Petit20: “É preciso, tanto quanto possível, tornar a
ciência ocular”. Na tradição médica do século XVIII, a
doença se apresentava ao observador segundo os
sintomas e sinais.
O sintoma ocupava um lugar especial porque
era a forma sob a qual se apresentava a doença. De
tudo o que era visível, era o mais próximo do essencial
e era a primeira transcrição da natureza inacessível
da doença. Os sintomas deixavam transparecer a fi-
gura invariável, retraída, visível e invisível da doença.
Para Broussonnet21:
“Nós entendemos por fenômeno, toda mudan-
ça notável do corpo sadio ou doente; daí a divisão
entre aqueles que pertencem à saúde e os que
designam a doença: estes últimos confundem-se
facilmente com os sintomas ou aparências sensíveis
da doença”.
Por essa simples oposição às formas da saú-
de, o sintoma deixava de ser um fenômeno natural
passivo e tornava-se representação da doença.
A clínica supunha a visibilidade da doença, o
olhar e o objeto entrelaçados pela natureza e pela
origem. Era o olhar médico que abria o segredo da
doença e era essa visibilidade que a tornava penetrá-
vel à percepção. O olhar que observava evitava intervir:
era mudo e sem gesto. A pureza do olhar do clínico
estava ligada a certo silêncio que permitia escutar:
“Toda teoria silencia ou sempre some ao pé do leito
do doente”, na expressão de Corvisart22. Também de-
via ser contido o imaginário, que antecipava sobre o
que se percebia, descobria relações ilusórias e fazia
falar o que era inacessível aos sentidos. O olhar clí-
nico tinha esta propriedade paradoxal de ler a nature-
za no momento em que percebia um espetáculo. Pinel23
assim o descrevia:
“Os sinais exteriores pegos do estado do pul-
so, do calor, da respiração, das funções de raciocínio,
de alteração dos traços do rosto, das afecções ner-
vosas ou espasmódicas, da lesão dos apetites natu-
rais, formam, por suas diversas combinações, qua-
dros diversos, mais ou menos distintos ou claramente
delimitados [...]. A doença deve ser considerada como
um todo indivisível, desde o seu início até o seu tér-
mino, um conjunto regular de sintomas característicos
e uma sucessão de períodos”.
O exercício da observação clínica abria um
novo espaço: o espaço concreto do corpo, massa
opaca onde se escondiam segredos, lesões invisíveis
e o mistério mesmo da vida. A medicina dos sintomas
engendrou aquela dos órgãos e das causas, uma
clínica com base na anatomia patológica, a idade de
Bichat.
A Medicina só podia ter acesso ao que a fun-
dava cientificamente, contornando, com lentidão, os
obstáculos da religião, da moral e dos preconceitos.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
207
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
Isso até se admitir que o cadáver fazia parte, sem
contestação religiosa ou moral, do campo da Medici-
na. Morgagni, na metade do século XVIII, não teve
dificuldades para fazer suas autópsias. Como o
Sepulchretum (Bonet, 1700), o tratado de Morgagni
(De sedibus, 1760) procurava estabelecer que a ana-
tomia patológica fundava a Clínica, que as lesões ex-
plicavam os sintomas. A concepção era de que a ana-
tomia definia a forma fundamental da espacialização
local e, por uma relação de contigüidade, as vias da
comunicação fisiológica ou patológica.
A maior descoberta de Bichat foi um princípio
para decifrar o espaço corporal, que era ao mesmo
tempo intra, inter e trans-orgânico. O elemento
anatômico foi deslocado de sua condição primeira
na espacialização, que passou a ser o tecido. Bichat24
comparava a sua descoberta com a de Lavoisier:
“A química tem seus corpos simples que
formam compostos pelas combinações diversas
possíveis [...]. Igualmente, a anatomia tem seus te-
cidos simples que [...] por suas combinações formam
os órgãos”.
Os diferentes tecidos eram as matérias-
primas dos órgãos, mas os ultrapassavam, formando
vastos sistemas nos quais o corpo humano encon-
trava sua unidade concreta. A análise tecidual de
Bichat tornava possível estabelecer formas patoló-
gicas gerais, para além das repartições geográficas
de Morgagni. A anatomia patológica tinha construído
um fundamento sólido: a análise real segundo super-
fícies perceptíveis. Desenhavam-se, por meio de uma
leitura diagonal do corpo, grandes famílias de doen-
ças, tendo os mesmos sintomas maiores e o mesmo
tipo de evolução. Alcançava-se, enfim, um funda-
mento objetivo, real e indiscutível, de uma descrição
das doenças: “Uma nosografia baseada na alteração
dos órgãos será necessariamente invariável” 25. Da
mesma forma que as nosologias tradicionais come-
çavam por uma definição das classes mais gerais, a
anatomia patológica lançava as bases de uma história
das alterações comuns a cada sistema, quaisquer
que fossem os órgãos ou as regiões afetadas.
A questão era como ajustar a percepção ana-
tômica à leitura dos sintomas. Corvisart buscava a
confirmação da nosologia pela autópsia: era preciso
“comparar sempre os fenômenos sensíveis e pró-
prios da vida saudável de cada órgão, com as alte-
rações que cada um deles apresenta na sua lesão”22.
Laënnec26 seguia a direção inversa:
“A anatomia patológica é uma ciência que tem
por objetivo o conhecimento das alterações visíveis
que o estado doentio produz sobre os órgãos do corpo
humano. A abertura de cadáveres é o meio de adquirir
este conhecimento; mas para que tenha uma utili-
dade direta [...] é preciso juntar a observação dos
sintomas ou as alterações de funções que coincidem
com cada espécie de alterações de órgãos”.
Com a anatomia patológica, a relação médico-
paciente tornou-se uma experiência na qual o olhar
do médico era o elemento decisivo do espaço pato-
lógico e de sua armação interna. O contato não era
possível senão sobre o fundo de uma estrutura, na
qual o medical e o patológico se entrelaçavam, do
interior, na plenitude do organismo. A medicina e a
cirurgia não eram mais que uma só e mesma coisa,
na medida em que o deciframento dos sintomas se
ajustava à leitura das lesões.
O olhar médico passou por uma verdadeira
“revolução” (a medicina das reações patológicas)
com o tratado de Broussais, em 1816, Examen de la
doctrine27. Nele foi exposto um método clínico aplicado
ao agravo orgânico, que propunha “extrair da fisiologia
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
208
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
os traços característicos das doenças e discernir, por
uma análise cuidadosa, os apelos muitas vezes con-
fusos dos órgãos doentes”. Esta medicina de órgãos
afetados comportava três momentos: 1) determinar
qual órgão estava em sofrimento, o que se faz a partir
dos sintomas manifestos; 2) “Explicar como um órgão
entra em sofrimento” e 3) “Indicar o que é preciso
fazer para que deixe de sofrer”. Broussais tinha fixado
o último elemento da “maneira de ver” do clínico.
A evolução histórica e concreta do olhar mé-
dico moderno havia acabado a sua estruturação.
III. A tradição clínica e os seus efeitos
Vamos revisitar o texto de Foucault e procurar
extrair, a partir da proto-clínica do século XVIII, os
efeitos sob o conhecimento, as habilidades e as atitu-
des do médico nos dias de hoje.
Vimos que, na Renascença, ocorreu uma ver-
dadeira mutação do saber médico, com a recusa das
teorias, o abandono dos velhos sistemas e da meta-
física da Idade Média. Em seu lugar, passou-se a
valorizar o empírico, a experiência clínica. Era o início
da Ciência moderna, que nos dias atuais tem sua
expressão mais estruturada na chamada Medicina
Baseada em Evidência. O termo evidência expressa
o que é comprovado cientificamente, o que é demons-
trado experimentalmente.
Essa é a habilidade essencial que foi trans-
mitida desde os primórdios da Clínica: observar as
evidências, o que pode ser percebido. A advertência
subtendida nesta instrução é de que devem ser conti-
dos: o imaginário, a teoria, o que é inacessível aos
sentidos. A prática deve ter base no exercício do “olhar”.
Isso está emblematicamente expresso na
chamada “Observação clínica”, o roteiro de sistema-
tização das informações sobre o paciente, por meio
de seu depoimento a respeito de seu estado interior,
o interrogatório de seus antecedentes patológicos e
familiares, de seu perfil pessoal, dos diversos apare-
lhos do organismo, o exame físico e os exames com-
plementares. Nas palavras de Sournia28:
“Para poder propor a cada um de nossos do-
entes um tratamento perfeitamente adaptado à sua
doença e a ele mesmo, nós procuramos ter uma idéia
objetiva e completa de seu caso, reunimos num pron-
tuário que lhe é pessoal (sua “observação”) a tota-
lidade de informações que dispomos sobre ele. Nós
o “observamos” da mesma maneira que nós observa-
mos os astros ou uma experiência de laboratório”.
O olhar clínico, além de herdar uma “ordem
pela qual os objetos devem ser observados para
serem melhor percebidos e gravados na memória”,
prossegue com o hábito de recolher os sinais e os
sintomas da doença. O doente é a fonte primária das
informações, que são processadas pelo observador.
Seu discurso dá acesso à percepção que possui do
próprio corpo e de suas alterações. O exame “físico”
(em inglês, médico é physician), método de investi-
gação do espaço concreto do corpo, guarda toda sua
centralidade enquanto exercício da habilidade do
clínico na identificação dos sinais patológicos, mesmo
com todos os avanços científicos dos exames com-
plementares. É uma etapa indispensável da experiên-
cia clínica, usando praticamente os mesmos meios
que a invenção de Laënnec29.
No plano do conhecimento, a influência da me-
dicina classificadora, calcada no modelo botânico,
perpetuou-se até hoje. O conhecimento das doenças,
apesar do acúmulo de informações, é um saber indis-
pensável para o clínico. O trabalho investigativo, desde
o primeiro olhar sobre a aparência do paciente, de-
sencadeia o raciocínio clínico e constitui um “vai e vem”
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
209
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
entre as informações colhidas e a memória do apren-
dido pelo médico. Cada caso é a montagem de um
quebra-cabeças e, com o auxílio de um raciocínio hi-
potético-dedutivo, o clínico vai estabelecendo a rela-
ção entre os fenômenos, comparando com o que sabe,
até descobrir a doença, nomear o diagnóstico e esta-
belecer a terapêutica30.
A atitude do médico foi se cristalizando até
chegar ao papel social de um observador neutro, com
a atenção voltada para a doença e os seus múltiplos
disfarces. Este investigador das pistas que o levam
a identificar o mal que acomete o doente, incorre, por
vezes, no erro de “esquecer” a pessoa por trás da
doença. Tal é o risco a que o expõe o personagem que
encarna, e que foi moldado através de, pelo menos,
três séculos.
Então, o médico adquiriu uma segunda natu-
reza que o condicionou a aceitar somente o que pas-
sa pelo crível do empírico, da percepção. Uma das
mais poderosas influências que herdou foi a valori-
zação do conhecimento extraído da morte e consubs-
tanciado na anatomia patológica. A autópsia permitiu
que o olhar clínico penetrasse no espaço interno do
corpo, para assim constatar as lesões nos órgãos.
Chegamos, pois, ao comentário de Foucault:
“o cadáver aberto e exteriorizado é a verdade interior
da doença, é a profundidade exposta da relação
médico-paciente”12. Nele estão sintetizados os princi-
pais efeitos da tradição clínica sob o médico de hoje:
a habilidade aguçada da percepção (o olhar clínico),
o conhecimento racional do “espetáculo” da doença,
em toda a sua crueza concreta (“orgânico”), e a atitu-
de neutra de observador/investigador dos fenômenos
patológicos do corpo humano.
IV. O doutor, o seu paciente e a doença
Os médicos foram habilitados para lidar com
os distúrbios orgânicos; quando se deparam com as
dificuldades emocionais de seus pacientes, encon-
tram-se despreparados para abordá-las. Esta é a
necessidade que levou aos seminários sobre “proble-
mas psicológicos em Medicina Clínica”, organizados
pelo pioneiro, Dr. Michael Balint, psiquiatra e psicana-
lista.
Vejamos os resultados da investigação sobre
este tema, efetuada por Balint e compilada em sua
obra: O Doutor, o seu Paciente e a Doença31. Esta
pesquisa levou mais de cinco anos, iniciando-se em
1952, na Tavistock Clinic (Londres), e realizada com
14 generalistas.
A constatação inicial foi a mesma que já tinha
sido feita nos primórdios da Clínica: existe uma
clivagem entre a ciência médica tal como é exercida
nos hospitais e a prática geral que se faz no consultó-
rio do generalista.
Os especialistas-professores dos generalis-
tas nas escolas de Medicina inclinam-se a diagnosti-
car patologias no âmbito de suas especialidades, até
porque não atendem longitudinalmente. As doenças
descritas pelos “rótulos” da medicina hospitalar,
nestes casos, não ajudam o generalista a compreen-
der os verdadeiros problemas com os quais se defron-
ta.
Nos consultórios dos generalistas, os proble-
mas dos pacientes apresentam-se, muitas vezes,
sob a forma de “uma doença da pessoa inteira”. Os
casos analisados revelam que algumas pessoas não
conseguem enfrentar as dificuldades de suas vidas
e “fogem” ficando doentes.
A estimativa é de que pelo menos um quarto
dos pacientes consultados sejam casos psicológicos.
Se o médico tem a oportunidade de vê-los no início
do processo patológico, pode perceber que tais pa-
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
210
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
cientes “oferecem” ou propõem diversas doenças,
até que se fixam a uma doença precisa e “organiza-
da”. No entanto, os generalistas, influenciados pelos
especialistas, evocam preliminarmente um diagnósti-
co “orgânico”, mesmo quando as evidências apontam
para um problema psicológico. Os médicos conside-
ram que a doença física é mais séria e perigosa que
uma doença funcional. Conhecem mais as patologias
orgânicas e, então, sentem-se seguros, em um terre-
no mais firme do que quando se deparam com altera-
ções funcionais ou psíquicas. As doenças são catalo-
gadas em uma sorte de classificação hierárquica, cor-
respondendo à gravidade das lesões anatomopato-
lógicas.
Cada médico tem um modelo ideal do com-
portamento que deve adotar uma pessoa quando está
doente. Esta missão ou “função apostólica” se ex-
pressa em sua conduta. Trata-se da tendência do
médico de alimentar expectativas ilusórias sobre o
paciente, com base em seus próprios valores. Espera
enquadrá-lo em um diagnóstico e “convertê-lo” às
virtudes da medicalização.
O roteiro habitual seguido pelo generalista é
dominado pelo medo de deixar passar alguma doença
física. O receio é o de fazer um diagnóstico de trans-
torno funcional neurótico onde possa existir uma do-
ença orgânica. Utiliza-se de duas estratégias securi-
zantes: os exames complementares e a referência a
especialistas.
A “eliminação por exames físicos apropriados”
constitui uma rotina obrigatória na prática diária. O
método de escolha é pedir exames complementares
à exaustão, até que um sinal físico acidental, e muitas
vezes sem significação, possa ser responsabilizado
pela sintomatologia. Esta “resposta” do médico tem
a conseqüência iatrogênica de induzir, levar, o paci-
ente a “organizar” a sua doença em torno do desvio
encontrado. O passo seguinte será convencer o pa-
ciente da utilidade da prescrição para os seus sin-
tomas, embora precise de algo diferente.
O outro recurso utilizado pelo generalista
diante de um “caso difícil” é o de encaminhar o
paciente ao(s) especialista(s) para um diagnóstico
mais preciso (“perpetuação da relação professor-
aluno”). Em toda situação deste tipo, em que o doente
“oferece” uma doença “atípica” ao generalista, le-
vando-o a pedir ajuda ao especialista, ocorre uma
“colusão no anonimato” ou de “diluição de responsa-
bilidades”. O sentido desta expressão é a de que o
paciente pode ser referenciado a diferentes especia-
listas, sem que ninguém assuma a responsabilidade
por ele enquanto pessoa. O doente vira um prontuário
impessoal, freqüentemente circulando entre diferen-
tes especialistas, que também se confundem diante
de um quadro rebelde a se encaixar nos rótulos ou
esquemas. O generalista, que não deveria deixar de
conhecer as conseqüências das condutas dos espe-
cialistas, acaba por delegar suas responsabilidades.
Assim, podem ser tomadas decisões vitais – às ve-
zes após terem sido consultados diferentes especia-
listas –, sem que ninguém se sinta plenamente res-
ponsável.
Os doentes cujos distúrbios possam ser
atribuídos a prováveis alterações anatômicas e fisio-
lógicas são de uma categoria superior, enquanto os
neuróticos engrossam o contingente do que sobrou,
uma vez realizado o diagnóstico diferencial. O genera-
lista orgulha-se de ter despistado uma doença física,
mas incomoda-o defrontar-se com uma neurose. Está
despreparado para lidar com os problemas psicoló-
gicos. Diante da angústia e da pressão crescente do
paciente, pode mesmo se sentir culpado: seus exa-
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
211
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
mes mais criteriosos não esclareceram a “doença”
e o tratamento atualizado que instituiu, não trouxe o
alívio esperado. O paciente, por sua parte, quer saber
o nome da sua doença, o diagnóstico, a razão da
medicação não ter funcionado. Diante desta deman-
da, recebe como resposta que “nada tem”, o que equi-
vale a ter a sua “oferta” rejeitada e a ficar com o seu
problema não resolvido.
A solução de Balint já estava contida em sua
tese inicial, exposta acima: “Nós pensamos que cer-
tas pessoas que, por uma razão ou por outra, não
podem enfrentar os problemas de suas vidas se li-
vram ficando doentes” 31.
O generalista deve ter discernimento para
saber quais são os casos em que é essencial tratar
uma doença física e em quais ele precisa ajudar o
paciente a assumir os seus problemas pessoais.
Para chegar ao nível de desvelar o que está
oculto, é preciso que o generalista proceda a um diag-
nóstico “aprofundado”, isto é, que contemple os pro-
blemas da personalidade global. A metodologia a
seguir, “a entrevista prolongada”, implica na habilidade
da “escuta” por parte do médico.
É necessário ampliar os limites da anamnese
padrão, sem deixar de reconhecer o valor das infor-
mações pertinentes assim obtidas, porque “aquele
que faz perguntas obtém respostas, mas nada além
disso”.
O generalista responsável pelo paciente deve
estar em condições de acompanhar o curso de sua
história de vida, de forma a poder contextualizar uma
eventual doença psicológica. Só assim pode alcançar
uma ampla compreensão das “ofertas” de seus
pacientes, ou seja, fazer um diagnóstico “aprofun-
dado”. Trata-se de bem “administrar” o “fundo mútuo
de investimento”, isto é, todas as experiências e a
confiança compartilhadas entre o médico e o pacien-
te, que foram acumuladas, às vezes, durante anos
de convívio.
O “remédio médico”, sendo o doutor em si
mesmo uma poderosa “medicação”, é o “medica-
mento” mais usado na prática, mas pode ser decisivo
para a cura naqueles episódios em fases precoces
“desorganizadas”. Muitos casos poderão ser solucio-
nados nesses estágios, tornando desnecessário o
encaminhamento para psicoterapia com um psicote-
rapeuta. Trata-se, de fato, de uma psicoterapia breve,
em que o médico aprende a se servir de si mesmo
como instrumento terapêutico, assim como um cirur-
gião usa um bisturi.
Resta abordar a questão de como os genera-
listas podem adquirir o mínimo de aptidões para lidar
com as emoções de seus clientes.
Comecemos por compreender por que, psico-
logicamente, evitam explorá-las. Deixemos de lado a
questão de sua formação voltada para o “orgânico”
ou a sua falta de preparo para lidar com as emoções.
A explicação do autor é que, quando uma pessoa está
doente fisicamente, o clínico está em uma situação
diferente e distante de sua condição, embora se soli-
darize com ela. Mas, quando o paciente está infeliz
em sua relação com o mundo, o médico pode sentir-
se pessoalmente implicado, devido a seus próprios
problemas. Procura, a partir daí, evitar situações que
poderiam levá-lo a examinar os seus conflitos pesso-
ais.
Segue-se que o generalista tem a necessida-
de de “uma mudança de personalidade considerável,
ainda que limitada”. Como obtê-la?
Balint propõe como método seminários de
grupo, de oito generalistas coordenados por um
psiquiatra/psicanalista, em encontros semanais. O
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
212
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
número foi fixado para proporcionar uma participação
intensa e um material suficientemente diversificado.
Isso porque se trata de provocar uma nova atitude no
médico, o que implica em expô-lo à situação real e
levá-lo a reconhecer os problemas e as formas que
podem ser empregadas para tratá-los. As discussões
semanais de casos são as matérias-primas para a
da relação de cada generalista com os seus clientes.
É possibilitado ao generalista, sob demanda, uma su-
pervisão individual de seus casos, ou seja, uma hora
por semana de “entrevista particular”.
Um dos objetivos é o de desenvolver nos mé-
dicos a sensibilidade diante dos problemas emocio-
nais de seus pacientes, de modo que possam com-
preendê-los melhor e com maior profundidade. Um
outro é ajudá-los a aprender a empregar esta com-
preensão de forma a obter um efeito terapêutico. Para
alcançar esses fins, é indispensável modificar a perso-
nalidade do médico, particularmente quando atua no
exercício profissional. Deve aprender a perceber e a
tolerar os fatores emocionais de seus pacientes, que
antes rejeitava ou ignorava, além de aceitá-los como
dignos de sua atenção. Balint chamou a totalidade
deste processo como “mudança de personalidade limi-
tada, todavia significativa”.
A essência do método de capacitação, o “grupo
Balint”32
, é fazer com que o médico tome consciên-
cia de toda sua responsabilidade terapêutica, cerce-
ando-lhe qualquer rota de fuga; comparar sua manei-
ra de tratar a seus pacientes com a de outros colegas
do seminário; utilizar o grupo para demonstrar que
toda terapia necessariamente implica um tipo especí-
fico de interação entre o paciente e o médico.
O foco está centrado no subjetivo e pessoal,
muitas vezes fora do controle consciente. O mais
importante nos seminários de grupo é a análise da
relação médico-paciente, das emoções na interação.
É a chamada “contratransferência”, isto é, a forma
como o generalista utiliza sua personalidade, suas
crenças, seu saber, seus modos habituais de reação
etc. As discussões dos seminários fornecem o motor
da “mudança de personalidade considerável, ainda
que limitada”. O que se produz durante os seminários
é que o generalista toma consciência de seu envolvi-
mento pessoal e de suas resistências em suas rela-
ções com o paciente e com o resto do grupo.
Esses seminários duram dois anos, em ses-
sões semanais, capacitando o generalista a tratar
uma grande parte dos seus pacientes com problemas
psicológicos. Habilitam-no a impedir, com uma inter-
venção precoce, o paciente de “organizar” sua doen-
ça em torno de qualquer sinal físico de pouca impor-
tância. A profundidade da penetração do generalista
no conflito do paciente depende de sua própria
personalidade, isto é, de sua função apostólica.
Assim, pode chegar a identificar o “conflito” que levou
o paciente a se queixar, descobrindo o verdadeiro pro-
blema em sua vida. Em outras palavras, o generalista
é capaz de manejar com competência o “remédio
médico”, o “medicamento” mais freqüente da prática
geral.
Por fim, conheçamos a avaliação do método
dos seminários de discussão em grupo para os gene-
ralistas32. Dentre os chamados “desertores”, aqueles
que abandonavam os seminários após certo tempo,
podem ser descritos os seguintes grupos: os médi-
cos que padeciam de uma patologia mental grave
(neurose severa ou borderline; os “superiores”, médi-
cos prestigiosos, de profundo “fervor apostólico”, co-
mo possível defesa contra a insegurança; os médicos
escrupulosos e sensitivos, que necessitavam de
“receitas” para as situações; os médicos com uma
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
213
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
ansiedade neurótica diante da mudança; os médicos
com defesas sólidas e eficazes, que preferiam evitar
uma série de temas.
Na avaliação de Balint, os generalistas que
acompanharam até o fim os seminários eram médi-
cos “natos” ou muito talentosos, que “experienciavam”
uma satisfação “profunda” no exercício profissional.
Citemos dois depoimentos de generalistas
que participaram dos grupos Balint: “O maior benefí-
cio veio de escutar as estórias das relações médico-
paciente contadas pelos outros participantes do
grupo”33. E ainda: “Acredito que os seminários torna-
ram-me melhor em meu trabalho [...]. Posso afirmar
que certamente me ajudaram a lidar com menos
ansiedade com pessoas diferentes ou difíceis” 34. Os
seminários permitiram aos médicos perceber que as
pessoas “difíceis” eram suas semelhantes, que esta-
vam pedindo ajuda, e não tentando criar situações
sem saída.
Todavia, o generalista precisa de pelo menos
dois anos de capacitação para se beneficiar de um
grupo Balint.
V. Conclusões
A moderna concepção sobre a etiologia das
doenças é a de que muitos fatores interagem para
produzi-las35. De acordo com este modelo de Engels,
os fatores biopsicossociais estão envolvidos nas
causas, manifestações, curso e evolução da saúde
e das doenças. Os papéis relativos dos fatores bio-
lógicos, psicológicos ou sociais podem variar entre
os indivíduos ou entre os períodos da duração da vida.
Procuramos demonstrar, ao longo deste tra-
balho, que os médicos possuem “pontos cegos” em
relação aos fatores psicológicos e sociais, privile-
giando os biológicos, devido à sua formação36.
Mostramos que os fatores estressantes psico-
lógicos e sociais podem se “metamorfosear” em
distúrbios somatomorfos ou outros, camuflando-se
atrás dos sintomas, e que os esforços terapêuticos
são de utilidade duvidosa se as verdadeiras causas
não forem abordadas.“Uma doença ‘funcional’ signi-
fica que o paciente teve um problema que tentou
resolver com uma doença”31.
Os fatores estressantes psicológicos e soci-
ais mais comuns na vida adulta abarcam a ruptura
de relações afetivas íntimas, a morte de um familiar
ou amigo próximo, as dificuldades econômicas, a sa-
úde física precária e os acidentes e a violência que
atingem a integridade física. Esses fatores desenca-
deiam distúrbios em pessoas vulneráveis, isto é, com
maior risco de adoecer.
Propusemos o grupo Balint como um método
que capacita o médico generalista a lidar com as
emoções na prática médica, por meio de uma “peque-
na“, mas significativa mudança de personalidade”32.
O objetivo é que saiba se servir do “remédio médico”,
ou seja, de si mesmo, na relação com o paciente.
VI. Referências
1.Koyazu T. Schematic understanding of the worried
patient with somatoform disorder. In: On Y. (Eds.)
Somatoform Disorders. A Worldwide Perspective.
Keio University: Springer; 1999. p.218-221.
2.Kirmayer LJ. Rhetorics of the body: medically
unexplained symptoms in sociocultural perspective. In:
Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide
Perspective. Keio University: Springer; 1999. p. 271-283.
3.Couchman G. Approach to the treatment of
somatoform disorders in general practice. In: Ono Y.
(Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide Perspective.
Keio University: Springer; 1999. p. 229-231.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
214
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
4.Jablensky A. The concept of somatoform disorders:
a comment on the mind-body problem in psychiatry.
In: Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A Worldwide
Perspective. Keio University: Springer; 1999. p. 3-10.
5.Tierney Jr LM, McPhee SJ, Papadakis MA. Medical
Diagnosis & Treatment. 35* ed. Stamford: Lange
Medical Publications; 1996. p.924-7.
6.Hoff H, Ringel E. Problemas generales de la medicina
psicosomatica. Madrid. Ediciones Morata; 1969.
7.Frances A, Vance B. The differential diagnosis of
somatoform disorders. In: Ono Y. (Eds.) Somatoform
Disorders. A Worldwide Perspective. Keio University:
Springer; 1999. p. 19-25.
8.Weitbrecht HJ. Errores del diagnóstico psiquiátrico
en la práctica médica. Barcelona: Ediciones Toray;
1968. p.134-167.
9.Barsky AJ. Hypochondriasis. In: Ono Y. (Eds.)
Somatoform Disorders. A Worldwide Perspective.
Keio University: Springer; 1999. p.73-79.
10.Burke Jr JD, Burke KC, Couchman G. Problems
in pharmacology management of somatoform
disorders. In: Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A
Worldwide Perspective. Keio University: Springer;
1999. p. 222-225.
11.Nomura S, Kuboki T, Yamanaka G. Approaches to
the treatment of somatoform disorders in internal
medicine. In: Ono Y. (Eds.) Somatoform Disorders. A
Worldwide Perspective. Keio University: Springer;
1999. p. 240-245.
12.Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris:
Presses Universitaires de France; 1963.
13.Sydenham TH. Médecine pratique. Paris, 1784.
Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1963. p.3.
14.Frier F. Guide pour la conservation de l’homme,
Grenoble, 1789. Foucault M. Naissance de la Clinique.
Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p 7.
15.Dupont de Nemours P. Idées sur les secours à
donner aux pauvres malades dans une grande ville,
Paris, 1786. Foucault M. Naissance de la Clinique.
Paris: Presses Universitaires de France; 1963. p.18.
16.Cabanis PJG. Observations sur les hôpitaux. Paris,
1790 63 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris:
Presses Universitaires de France; 1963. p.59.
17.Girbal A. Essai sur l’esprit de la clinique médicale
de Montpellier, Montpellier, 1858 Foucault M. Naissance
de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France;
1963. p.67.
18.Cabanis PJG. la Clinique, Observations sur les
hôpitaux, Paris, 1790 Foucault M. Naissance de la
Clinique. Paris: Presses Universitaires de France;
1963. p.120.
19.Petit MA. Médecine du Coeur, Paris, 1781 Foucault
M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires
de France; 1963. p.88.
20.Petit MA. Discours sur la manière d’exercer la
bienfaisance dans les hôpitaux, 1797 Foucault M.
Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires
de France; 1963. p.126.
21.Broussonnet JLV. Tableau élémentaire de la
séméiotique, Montpellier, ano VI Foucault M. Naissance
de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France;
1963. p.90.
22.Corvisart JN. Essai sur les maladies et les lésions
organiques, du coeur et des gros vaisseaux, 1818.
Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1963.p.107,137.
23.Pine, P. La médecine clinique, Paris, 1815 Foucault
M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1963. p.94.
24.Bichat X. Traité des membranes, 1807 Foucault M.
Naissance de la Clinique. Paris: Presses Universitaires
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
215
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
de France; 1963. p.133.
25.Bichat X. Anatomie générale appliquée à la
physiologie et à la médecine, 1801 Foucault M. Naissance
de la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France;
1963. p.130.
26.Laënnec R. Article Anatomie pathologique, Dictionnaire
des Sciences Médicales). Foucault M. Naissance de
la Clinique. Paris: Presses Universitaires de France;
1963. p.137.
27.Broussais FJV. Examen de la doctrine, Paris.
Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1963. p.189.
28.Sournia JCh. Logique et morale du diagnostic, Paris,
1962 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1963. p.112. 2002; 30.
29.Laënnec R. Traité de l’auscultation médicale, Paris,
1819 Foucault M. Naissance de la Clinique. Paris:
Presses Universitaires de France; 1963. p.137.
30.Cutler P. Como solucionar problemas em clínica
médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999.
31.Balint M. Le médecin, son malade et la maladie. 3.
ed. Paris: Éditions Payot & Rivages; 1996.
32.Balint M. La capacitación psicológica del médico.
Barcelona: Editorial Gedisa S. A. 1* ed. 1984.
33.Southgate L. Journal of the Balint Society. 2002; 30.
34.Horder J. Journal of the Balint Society. 2002; 30.
35.A Report of the Surgeon General. Disponível em
htpp://www.surgeongeneral.gov./library/mentalhealth/
chapter2/sec3.html, 1999.
36.Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre
necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília:
Ministério da Saúde, Unesco; 2002. p.291-312.
Este artigo foi adaptado da Monografia apresentada
pelo autor ao Curso de Especialização em Saúde da
Família da Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG.
Orientadora: Profa. Ocirema T. Rothe-Neves
Endereço para correspondência:
Fernando A. M. Flora
Rua Santa Rita Durão, 466/1702
Belo Horizonte–MG
CEP 30140-110
Endereço eletrônico:
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
216
Fernando Antônio Mourão Flora As origens históricas da Clínica e suas implicações sobre aabordagem dos problemas psicológicos na prática médica
RESUMO
A prevalência de sobrepeso/obesidade cresce em ritmo acelerado nas últimas décadas em todo o
mundo.Dados recentes do IBGE mostram que no Brasil 41,1% dos homens e 40,0% das mulheres apresentam
excesso de peso, sendo os índices para obesidade respectivamente 8,9 e 13,1% de toda a população brasileira.
A situação é ainda mais crítica em pessoas de baixa renda e escolaridade, onde os índices cresceram mais
expressivamente. A obesidade figura como um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares
e há vasta evidência científica de que pequenas reduções ponderais promovem benefícios clínicos
significativos. Fica evidente então que oferecer tratamento adequado para sobrepeso/obesidade na Atenção
Primária à Saúde pode ter grande impacto na saúde e qualidade de vida da população e nos custos finais
com saúde. O objetivo deste estudo é avaliar o impacto e a replicabilidade de um programa de redução do
sobrepeso/obesidade nos níveis de pressão arterial de um grupo de pacientes da Estratégia de Saúde da
Família (ESF). Realizou-se um estudo retrospectivo analítico dos dados clínicos de pacientes submetidos a
tratamento para a redução ponderal da USF Bandeiras, em Anápolis/GO. O consentimento livre e informado
foi obtido dos pacientes. Os critérios de inclusão/exclusão foram aplicados para corrigir desvios, resultando
numa amostra homogênea de 28 pacientes. Foram obtidos os níveis de pressão arterial e peso antes e após
o tratamento. Foram calculadas as médias aritméticas de peso, altura e pressão arterial e comparadas
entre o início e seis meses de acompanhamento. Houve redução média de 8,42kg no período de seis meses
na população avaliada e dos níveis de Pressão Arterial Sistólica (PAS) em 0,64mmHg e Pressão Arterial
Diastólica (PAD) em 0,84mmHg para cada redução de 1kg. Os dados do estudo corroboram com os
encontrados na literatura, onde para cada 1kg de perda ponderal há redução de 0,88 e 0,72 mmHg nas PAS
e PAD, respectivamente. O tratamento da obesidade engloba mudanças de hábitos de vida que em conjunto
com a redução ponderal promovem benefícios clínicos significativos já observáveis em reduções inferiores
Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
The impact of weight reduction therapy onblood pressure levels in Primary Care
Daniel Victor Arantes*
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Sobrepeso;- Obesidade;- Hipertensão;
PALAVRAS CHAVE:- Overweight;- Obesity;- Hipertension;
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
217
*Médico de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde de Anápolis, Anápolis, Goiás, Brasil.
a 10% do peso inicial, em especial naqueles que
apresentam comorbidades. O diagnóstico é simples
e o acompanhamento de baixo custo, principalmente
se for estruturado com atividades educativas em
grupo e motivação para mudanças de hábitos de
vida. A farmacoterapia pode ser útil e segura, desde
que figure como coadjuvante no tratamento. Este
estudo mostra como pode ser simples executar um
programa estruturado, de baixo custo e efetivo, com
replicabilidade dos benefícios descritos na literatura
científica.
ABSTRACT
In the last decades the incidence and prevalence
of overweight and obesity are increasing drastically
over the world. It is estimated that in Brazil 32% of adults
are overweight and 8% obese, totalizing 40% of adults
over the weight levels recommended for a healthy life.
The situation is even more critical in the low-income
population with poor educational level, where the problem
is advancing even faster. Obesity figures among the
most important risk factors for cardio-vascular diseases
and there is strong scientific evidence that even modest
weight reduction leads to significant clinical benefits.
Thus, offering treatment for overweight and obesity in
primary care can evidently improve the health and
quality of life of the population and reduce the final
public health expenditures. The purpose of this study
is to evaluate the applicability and impact of a weight
reduction program on the blood pressure levels of a
group of patients assisted in a public primary care
program called ‘Estratégia de Saúde da Família’ (Family
Health Strategy) and to propose ways for standardizing
this program. A retrospective analytic study was
conducted for comparing the clinical data of patients
submitted to weight reduction therapy in a public
primary care unit called ‘Unidade de Saúde da Família
Bandeiras’ in Anápolis, State of Goiás, Brazil. Informed
consent from the patients was obtained. Exclusion and
inclusion criteria were applied to correct deviations,
resulting in a homogeneous sample of 28 patients.
Blood pressure and weight levels were obtained before
and after the treatment. The arithmetic means of
weight, height and blood pressure at the beginning of
the treatment were compared with those obtained six
months after the treatment was started. There was a
mean reduction of 0,64mmHg in the systolic blood
pressure (SBP) levels and of 0,84mmHg in the
diastolic blood pressure (DBP) levels for each 1kg of
weight loss. These data confirm those found in the
literature, indicating for each weight loss of 1kg a
reduction of 0,88 and 0,72mmHg in SBP and DBP
respectively. Weight reduction of at least 10%
provides significant clinical benefit, especially in
patients with metabolic syndrome and/or cardiovascular
disease. The diagnosis is simple and the treatment
cost effective, especially if provided by means of a
standardized program including educational group
activities motivating the patients to change their life
habits. Pharmacotherapy may be useful and secure
in primary care if offered as adjunctive treatment. This
study shows that a standardized primary care-based
weight reduction program can be inexpensive and
effective for promoting the clinical benefits well
described in the scientific literature.
I. Introdução
A prevalência de obesidade vem crescendo
nas ultimas décadas em ritmo acelerado, inclusive
no Brasil. A Organização Mundial de Saúde estima
que 1 bilhão de pessoas esteja acima do peso em
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
218
todo o mundo, sendo que destes 310 milhões já fi-
guram nos índices que caracterizam obesidade (IMC
= 30 kg/m²)1. Os países desenvolvidos já apresentam
índices alarmantes, como 65% da população nos
Estados Unidos com sobrepeso/obesidade, sendo
31% já obesos2,3,4. No Brasil os índices estão em
expansão nas últimas décadas. Cerca de 40% da
população adulta esta acima do peso, sendo os índices
de obesidade 8,9 e 13,1% da população adulta de
homens e mulheres, respectivamente1. Há crescente
magnitude da obesidade em crianças, adolescentes
e adultos. Os índices crescem mais entre mulheres
em idade reprodutiva e nas classes menos favorecidas.
Estudos nacionais alertam para a importância de
ações de iniciativa pública e privada que abordem o
problema de forma mais ampla5,6,7.
A obesidade tem sido ainda apontada como o
maior componente da síndrome metabólica8, que
originalmente foi descrita por Reaven9, composta por
obesidade, resistência insulínica, hipertensão, diabetes
ou intolerância a glicose, hiperinsulinemia e dislipidemia,
esta caracterizada por elevação dos triglicérides e
baixos índices de HDL colesterol. Todos são fatores de
risco para a aterosclerose, comprometimento vascular
freqüentemente associado aos maiores índices de
mortalidade no Brasil e no Mundo10. Descobertas re-
centes identificaram mecanismos envolvidos no de-
senvolvimento de obesidade, dentre eles a leptina,
um potente anorexígeno endógeno secretado pelo
tecido adiposo. Assim como a insulina, a leptina
freqüentemente encontra-se aumentada no indivíduo
obeso, caracterizando o processo denominado resis-
tência leptínica. Seu mecanismo regulatório é comple-
xo e ainda não foi elucidado, mas promete revolu-
cionar o tratamento da obesidade assim como ocor-
reu com o tratamento da hipertensão com o desen-
volvimento dos anti-hipertensivos. Os principais me-
canismos envolvidos na associação entre obesidade
e hipertensão parecem ser o aumento do tônus do
Sistema Nervoso Simpático decorrente de maiores
concentrações de leptina, insulina, ácidos graxos li-
vres, aldosterona e também maior atividade do Sis-
tema Renina-Angiotensina-Aldosterona, aumento de
endotelina-1 e diminuição de óxido nítrico. Todos es-
ses processos em interação promovem maior reten-
ção de água e sódio e vasoconstricção, desencade-
ando a hipertensão arterial11.
Programas de redução ponderal são efetivos
tanto em subgrupos populacionais com hipertensão
quanto na população geral, embora os resultados
sejam mais animadores em pacientes obesos hiper-
tensos em uso de medicações, com efeito aditivo aos
anti-hipertensivos12,13. Estruturar então um programa
com prioridade de atendimento ao nível de saúde
pública para pacientes que já apresentem comorbi-
dades, como hipertensão arterial, pode ser estratégia
válida tanto pela maior necessidade quanto pela pos-
sibilidade de melhores benefícios nestes pacientes.
O estilo de vida contemporâneo tem sido
implicado como grande responsável pela ocorrência
da epidemia. A urbanização, a proliferação de cargos
sedentários, a tecnologia, a maior oferta de alimentos
densamente energéticos, promovem um balanço
calórico positivo que, em interação com fatores ge-
néticos, leva ao fenótipo obesidade2,3,4,14. No Brasil a
obesidade tem crescido principalmente em classes
de baixa renda e escolaridade5,6,7. Supõe-se então
que atividades educativas constituem instrumento
muito válido no combate à obesidade. Devem ser
esclarecidos os benefícios de mudanças de compor-
tamento, com incentivo à prática regular de exercícios
e a hábitos alimentares saudáveis, não só por meio
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
219
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
de campanhas educativas de divulgação na grande
mídia, mas também pela orientação individualizada
oferecida a pacientes selecionados. Políticas públicas
que visem à educação e à adequação de áreas para
lazer podem ser de baixo custo e ter grande impacto
nos custos finais com saúde.
O tratamento da obesidade engloba mudan-
ças de hábitos de vida que, em conjunto com modes-
ta redução ponderal (10% do peso inicial), promovem
benefícios clínicos significativos, em especial para
aqueles que já apresentam comorbidades15,16,17,18. O
diagnóstico é simples e o acompanhamento pode ser
de baixo custo, principalmente se for estruturado com
atividades educativas em grupo e motivação para
mudanças de hábitos de vida, com incentivo à prática
de atividade física regular. A farmacoterapia pode ser
útil e segura, desde que figure como coadjuvante no
tratamento19. O objetivo deste estudo é implantar um
programa piloto de tratamento de sobrepeso/
obesidade em pacientes do Programa de Saúde da
Família e, a partir dos resultados e da experiência,
abrir discussão e propor caminhos para intervir de
forma efetiva neste quadro alarmante.
II. Material e métodos
Foi realizado um estudo prospectivo e analítico
com base na implantação de ambulatório piloto para
tratamento de sobrepeso/obesidade na Unidade
Bandeiras do Programa Saúde da Família (ESF) de
Anápolis/GO, no ano de 2004. Sessenta pacientes
com indicação de redução ponderal, hipertensos ou
não, com pressão arterial sistêmica (PAS) compensa-
da, foram acompanhados ambulatorialmente em pro-
tocolo de tratamento para sobrepeso/obesidade. O
ambulatório foi estruturado da seguinte forma: os 60
pacientes foram subdivididos em quatro grupos de
15 pacientes e o atendimento de cada grupo foi rea-
lizado em período de quatro horas/semana; cada gru-
po se reunia então mensalmente (45 minutos), para
discutir a necessidade e os benefícios de práticas re-
gulares de atividade física (30 a 60 min de caminhada
por dia) e alimentação (dieta hipocalórica balanceada
de 1200 a 1500 kcal/dia). Após a reunião, cada paci-
ente era atendido individualmente em triagem de enfer-
magem, que coletava dados sobre pressão arterial e
peso, além da consulta médica, onde era realizada
avaliação clínica. O suporte medicamentoso era ofe-
recido quando indicado, de acordo com consenso vi-
gente20. Para uma avaliação objetiva dos resultados,
foram propostas comparações clínicas e laboratoriais
antes e após o tratamento. Devido à limitação de re-
cursos, apenas os valores diretamente obtidos na uni-
dade de saúde foram escolhidos para comparação,
como os níveis de PAS e peso dos pacientes antes e
após os seis meses de acompanhamento. Agentes
Comunitários de Saúde realizaram a pesagem dos
pacientes em uma única balança, calibrada mensal-
mente. Os níveis de PAS foram aferidos pela única
técnica de enfermagem da unidade por meio de esfig-
momanômetro, calibrado mensalmente. Todos os da-
dos foram coletados imediatamente antes de cada
consulta e registrados nos prontuários médicos. As
atividades educativas foram conduzidas pelo médico
e pela enfermeira da unidade com os pacientes
reunidos antes das consultas individualizadas. Foram
abordados temas como causas da obesidade e seus
riscos, doenças relacionadas, benefícios da redução
ponderal, necessidade de reeducação alimentar e ati-
vidade física regular, indicações, contra-indicações,
vantagens e desvantagens da farmacoterapia. Na fa-
se final do estudo, foram analisados os prontuários
dos pacientes e os dados coletados em ficha individual
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
220
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
que continha código identificador do paciente, sexo,
altura, peso e pressão arterial da primeira (pré-
tratamento) e última consulta (após seis meses de
tratamento). Os seguintes critérios de inclusão/ex-
clusão foram aplicados na análise de dados: foram
incluídos nos resultados apenas os pacientes que
obtiveram alguma redução de peso ao final dos seis
meses; foram excluídos os pacientes do sexo mas-
culino por sua pequena expressão na amostra inicial;
foram excluídos os que apresentavam alguma altera-
ção na prescrição dos medicamentos anti-hiper-
tensivos no período do estudo; foram excluídos do
estudo os pacientes que não cumpriram pelo menos
cinco das seis consultas ou que abandonaram o
tratamento. Foram consideradas na discussão as
principais estratégias para um tratamento efetivo e
as potencialidades e vantagens de um programa efe-
tivo de tratamento de sobrepeso/obesidade na APS.
V. Resultados e discussão
Vinte e oito pacientes dos 60 inclusos no
programa preencheram os critérios de inclusão/
exclusão, e seus dados foram selecionados para
compor os resultados. A amostra final foi composta
por pacientes do sexo feminino, com idades entre 34
e 60 anos. Não foram obtidos dados de escolaridade
e renda. A altura média do grupo selecionado foi
1,59m. Os pesos médios, inicial e final, do grupo foram
84,26 e 75,84kg. Houve redução média de 8,420kg
no período de seis meses. O IMC variou de 33,2 para
29,9kg/m². Os níveis de PAS no início e fim dos seis
meses foram, respectivamente, 125x85 e 112x75mmHg.
Houve redução dos níveis de pressão PAS em
0,64mmHg e PAD em 0,84mmHg para cada 1kg de
redução ponderal na população estudada. Os dados
foram avaliados por meio do teste de diferença entre
médias populacionais para dados pareados através
do teste t de Student, que a 1% de significância
concluiu que há significância estatística nos resulta-
dos obtidos.
Os resultados obtidos no ambulatório piloto
de sobrepeso/obesidade estruturado na Unidade de
Saúde da Família Bandeiras, descritos neste estudo,
como a redução de 0,64/0,84mmHg na PA para cada
1kg de peso perdido, corroboram com os dados da
literatura, onde para cada 1kg de peso há redução de
0,88 e 0,72mmHg nas pressões sistólica e diastólica,
respectivamente12,13. Há inequívoca evidência na
literatura de que a perda de peso é uma importante
contribuição para o tratamento de hipertensão, em
especial em pacientes que já utilizam anti-hiperten-
sivos. Os resultados encontrados neste estudo mos-
tram que benefícios clínicos podem ser alcançados
em programas de redução ponderal em uma unidade
pública de APS.
O tratamento de sobrepeso/obesidade exige
uma equipe bem capacitada para que os resultados
sejam obtidos, o que seria mais bem alcançado em
programas estruturados especificamente para aten-
ção à redução ponderal ou com treinamento adequa-
do das equipes de Saúde da Família, nos moldes do
que já é feito para hipertensão e diabetes. O diagnós-
tico é simples e de baixo custo, exigindo apenas
medidas simples como a medida do peso, altura e
da circunferência abdominal. Há melhora clínica com
modestas reduções ponderais, inclusive de doenças
correlacionadas, como hipertensão arterial, diabetes
e dislipidemias15,16,17,18. A ênfase na importância de
educação quanto aos hábitos de vida e de acompa-
nhamento contínuo do paciente são regra nos estudos
internacionais que se referem ao tratamento de sobre-
peso/obesidade17,18,19,20,21.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
221
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
A prática regular de atividade física deve ser
extensivamente encorajada, incluindo-se atividades
domésticas, pequenas caminhadas e atividades de
lazer em geral 22. Caminhadas regulares ou exercício
equivalente são imprescindíveis para adequada perda
e manutenção do peso. Devem ser iniciadas aos pou-
cos, de acordo com a tolerabilidade e avaliação indivi-
dualizada de cada paciente, sendo o nível aumenta-
do gradativamente até um ritmo entre o caminhar e o
correr cerca de uma hora, todos os dias23,24,25. Mesmo
pacientes idosos com insuficiência cardíaca e/ou pós-
infarto do miocárdio se beneficiam do treinamento fí-
sico, incluso em programas de reabilitação cardiores-
piratória26,27,28,29.
Ainda há muitos mitos acerca do tipo ideal de
alimentação para perda e controle do peso, o que fa-
vorece proliferação de dietas da moda que, em sua
maioria, não promovem perda significativa em longo
prazo. De uma forma geral deve-se incentivar redução
gradativa de alimentos ricos em carboidratos simples
(açúcar em geral), gorduras (principalmente satura-
das) e aumento da ingestão de frutas e verduras. É
recomendado seguir dieta regular e balanceada,
contendo pelo menos um representante de cada gru-
po alimentar em cada refeição (carboidrato, proteína
e gorduras insaturadas), sempre em pequena
quantidade e rica em vitaminas, sais minerais e fi-
bras, além de ingerir leite e seus derivados, de prefe-
rência desnatados, no mínimo duas vezes ao dia.
Deve-se realizar pelo menos cinco refeições ao dia
com intervalos de três horas30,31,32,33.
Atualmente já estão disponíveis medicações
eficazes e seguras para o tratamento de obesidade.
Sibutramina e orlistat são as mais estudadas e já foram
aprovadas para uso em longo prazo pelo FDA 20,34.
Um aumento discreto da pressão arterial pode ser
observado com o uso de sibutramina, com redução
posterior, de acordo com a redução ponderal, prática
de atividade física e dieta balanceada hipossódica.
Orlistat não é absorvido pelo lume intestinal e impede
a absorção de gorduras quando ingerido às refeições.
Eventos adversos como flatulência, cólica abdominal
e esteatorréia têm sido observadas principalmente
se utilizado com dietas ricas em gorduras, no entanto
constitui medicação extremamente segura e útil.
Atenção deve ser dada à redução de absorção de vi-
taminas lipossolúveis20,34. Outros medicamentos, como
dietilpropiona e femproporex, encontram-se disponí-
veis em nosso meio, mas carecem de estudos de efi-
cácia e segurança a longo prazo20,35,36,37. Podem ser
utilizados em doses baixas em monoterapia, em pa-
cientes bem selecionados, evitando-se uso abusivo,
desenvolvimento de tolerância e ocorrência de
eventos adversos sérios. As famosas “fórmulas para
emagrecer”, difundidas em nosso meio, não devem
ser utilizadas. Estas, freqüentemente, contém benzo-
diazepínicos, hormônios tireoidianos, preparações her-
bais, laxativos e diuréticos, não indicados para perda
de peso. São utilizados para controle de efeitos cola-
terais de anorexígenos em altas doses e para poten-
cializar a perda de peso. Levam a iatrogenia, como
supressão do hormônio tireotrópico (TSH), com hipo-
tireoidismo após descontinuação (triac, tiratricol), inte-
rações medicamentosas, dano hepático grave (kawa
kawa), síndrome serotoninérgica (fluoxetina), colite
(laxativos, como cáscara sagrada), taquiarritimias e
infarto do miocárdio (efedrina), acidentes, lapsos de
memória, dependência, ansiedade de rebote, insônia
crônica (benzodiazepínicos)38,39,40,41,42.
Essas estratégias podem ser utilizadas em
obesos com comorbidades nos quais determinadas
medicações sabidamente promovem perda de peso.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
222
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
Bupropiona, sertralina e fluoxetina podem ser de es-
colha em pacientes obesos com transtorno depres-
sivo, sendo as duas últimas também indicadas em
transtornos de ansiedade (transtorno obsessivo com-
pulsivo, estresse pós traumático, pânico, ansiedade
generalizada, fobia social generalizada) e transtornos
alimentares (bulimia nervosa, transtorno de compul-
são alimentar periódica). Deve haver cuidado com
polifarmácia pela possibilidade de graves interações
medicamentosas20,42. Metformina constitui boa opção
em diabéticos tipo 243,44,45,46 e topiramato em pacien-
tes com epilepsia ou com necessidade de prevenção
de crises de enxaqueca47. Hormônios tireoidianos,
freqüentemente incorporados em ‘fórmulas para
emagrecer’, somente estão indicados no caso de
disfunções tireoidianas como o hipotireoidismo clínico
e subclínico48. Novos medicamentos em breve devem
ser lançados, como rimonabant, um antagonista cana-
binóide com resultados promissores nos estudos pré-
comerciais realizados até o momento49.
É ainda importante frisar que todas as estra-
tégias acima descritas, em especial se associadas,
conduzem a redução ponderal de cerca de 10% do
peso inicial em seis meses a um ano com conseqüen-
te redução dos níveis de pressão arterial em longo
prazo. O tratamento é considerado efetivo se há ma-
nutenção do peso ao longo dos anos.
Com base nesses dados, quando se pensa
em estruturar um programa de tratamento de obesi-
dade ao nível de saúde pública, algumas reflexões
são imprescindíveis para o melhor gerenciamento de
recursos. A maior demanda consiste em pacientes
com sobrepeso/obesidade com IMC entre 28 e 40mg/
kg2, onde o tratamento clínico é pelo menos a primeira
escolha. Coincidentemente estes são os pacientes
que mais se beneficiariam de modestas reduções
ponderais. Uma equipe composta por médico, enfer-
meiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários
de saúde, todos devidamente capacitados para o
acompanhamento do paciente obeso, pode ser o sufi-
ciente para oferecer atendimento adequado à maior
parte da população. Uma equipe adicional, responsá-
vel pela assistência a várias unidades de saúde, com-
posta por educador físico, fisioterapeuta e nutricionis-
ta, poderia oferecer grandes benefícios ao acompa-
nhamento de pacientes especiais, portadores de dis-
túrbios que dificultem a dieta e exercícios, como osteo-
artrose avançada, associação de vários distúrbios me-
tabólicos ou obesidade refratária. Um programa es-
truturado com meta de redução de 10% do peso inicial
já traria benefícios clínicos significativos com impacto
na saúde e qualidade de vida da população e redução
subseqüente dos custos com saúde. Seis meses nor-
malmente são o suficiente para alcançar esta meta,
tempo durante o qual o paciente deve ser assistido
mensalmente para verificar aderência e monitorar o
tratamento. Desta forma, um programa nos moldes
do avaliado por este estudo atenderia efetivamente
1.200 pacientes por ano. Como infra-estrutura mínima
é exigida balança, fita métrica, esfigmomanômetro e
estetoscópio, além de dois ou três consultórios e um
pequeno auditório para atividades educativas em gru-
po. Pacientes com obesidade mórbida são ainda mi-
noria e exigem maior infra-estrutura e conseqüen-
temente maiores custos, devendo ser referenciados
para centros de atendimento secundário e terciário.
VI. Comentários finais
A obesidade vem crescendo em níveis alar-
mantes e está relacionada a maior mortalidade e a
piora da qualidade de vida. O diagnóstico é simples e
de baixo custo, exigindo apenas medidas como peso,
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
223
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
altura e da circunferência abdominal. Há melhora
clínica com modestas reduções ponderais (5 a 15%
do peso inicial), inclusive de doenças relacionadas,
como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemias.
Vários estudos apontam para a necessidade de pro-
gramas efetivos no controle de peso da população.
Os profissionais de saúde precisam assumir seu
papel na construção de um plano de atividades, jun-
tamente com os usuários dos serviços de saúde e
organizações do primeiro ao terceiro setor. Devem
ser propostos e implementados projetos e programas
intersetoriais que tenham metas bem definidas, que
levem a uma redução na velocidade do crescimento
da prevalência do sobrepeso/obesidade no Brasil, por
meio da conjugação de ações individuais e coletivas
na efetivação de uma vida mais saudável para toda a
população. O estudo mostra como pode ser simples
executar um programa estruturado, de baixo custo e
efetivo, com replicabilidade dos benefícios descritos
na literatura científica. Também não restam dúvidas
de que o sucesso no controle da obesidade terá gran-
de impacto na ocupação dos serviços médicos, cus-
tos com a saúde, pensões e auxílios doença e na
qualidade de vida da população.
V. Referências
1.IBGE - Pesquisa de Orçamentos Familiares de
2002-2003. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/
servidor_arquivos_est/ [acessado 20/05/2007].
2.Stubbs CO, Lee AJ. The obesity epidemic: both
energy intake and physical activity contribute. Med J
Aust. 2004 Nov 1;181(9):489-91.
3.Stein CJ, Colditz GA. The epidemic of obesity. J Clin
Endocrinol Metab. 2004 Jun;89(6):2522-5.
4.Davey RC. The obesity epidemic: too much food
for thought? Br J Sports Med. 2004 Jun;38(3):360-3;
discussion 363.
5.Kac G, Velásquez-Meléndez G. A transição
nutricional e a epidemiologia da obesidade na América
Latina. Cad. Saúde Pública. 2003; 19(supl.1).
6.Pinheiro AR, Freitas SF, Corso AC. Uma abordagem
epidemiológica da obesidade. Rev. Nutr. out./dez.
2004; 17(4):523-533.
7.Mendonça CP, Anjos LA. Aspectos das práticas
alimentares e da atividade física como determinantes
do crescimento do sobrepeso/obesidade no Brasil.
Cad. Saúde Pública. maio./jun. 2004; 20(3):698-709.
8.Nesto RW. Obesity: a major component of the metabolic
syndrome. Tex Heart Inst J. 2005;32(3):387-9.
9.Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin
resistance in human disease. Diabetes. 1988;37:1595–
1607.
10.Criqui MH. Obesity, risk factors, and predicting
cardiovascular events. Circulation. 2005 Apr
19;111(15):1869-70.
11.Rahmouni K, Correia ML, Haynes WG, Mark AL.
Obesity-associated hypertension: new insights into
mechanisms. Hypertension. Dec 6.2005 Jan;45(1):9-
14. Epub 2004 Dec 6.
12. Davy KP, Hall JE. Obesity and hypertension: two
epidemics or one? Am J Physiol Regulatory Integrative
Comp Physiol. may 1, 2004; 286(5): R803 - R813
13.Neter JE, Stam BE, Kok FJ, Grobbee DE, Geleijnse
JM. Influence of weight reduction on blood pressure:
a meta-analysis of randomized controlled trials.
Hypertension. 2003 Nov;42(5):878-84. Epub 2003 Sep 15.
14.Ledikwe JH, Ello-Martin JA, Rolls BJ. Portion sizes and
the obesity epidemic. J Nutr. 2005 Apr;135(4):905-9.
15.Bagby SP. Obesity-initiated metabolic syndrome
and the kidney: a recipe for chronic kidney disease? J
Am Soc Nephrol. 2004 Nov;15(11):2775-91.
16.Rosa EC, Zanella MT, Ribeiro AB, Kohlmann Junior
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
224
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
O. [Visceral obesity, hypertension and cardio-renal
risk: a review] Arq Bras Endocrinol metabol. 2005
Apr;49(2):196-204. Epub 2005 Sep 12.
17.Douketis JD, Paradis G, Keller H, Martineau C.
Canadian guidelines for body weight classification in
adults: application in clinical practice to screen for
overweight and obesity and to assess disease risk.
CMAJ. 2005 Apr 12;172(8):995-8.
18.St Jeor ST, Hayman LL, Daniels SR, Gillman MW,
Howard G, Law CM, Lewis CE, Poehlman E; American
Heart Association. Prevention Conference VII: Obesity,
a worldwide epidemic related to heart disease and
stroke: Group II: age-dependent risk factors for obesity
and comorbidities. Circulation. 2004 Nov
2;110(18):e471-5.
19.Wadden TA, Berkowitz RI, Womble LG, Sarwer DB,
Phelan S, Cato RK, Hesson LA, Osei SY, Kaplan R,
Stunkard AJ. Randomized trial of lifestyle modification
and pharmacotherapy for obesity. N Engl J Med. 2005
Nov 17;353(20):2111-20.
20.Pharmacological and Surgical treatment of obesity
AHRQ Publication No. 04-E028-2 July 2004
21.Vincenza S, Patricia B, Pharmacologic and Surgical
Management of Obesity in Primary Care: Clinical Practice
Guideline from the American college of Physicians Ann
Intern Med. 2005;142:525-531
22.Castaneda TR, Jurgens H, Wiedmer P, Pfluger P,
Diano S, Horvath TL, Tang-Christensen M, Tschop MH.
Obesity and the neuroendocrine control of energy
homeostasis: the role of spontaneous locomotor
activity. J Nutr. 2005 May;135(5):1314-9.
23.Nutr Rev. 2006 Feb;64(2 Pt 2):S57-61. Treatment
and prevention of obesity: what is the role of exercise?
Jakicic JM, Otto AD. Department of Health and
Physical Activity, Physical Activity and Weight
Management Research Center, University of
Pittsburgh, 140 Trees Hall, Pittsburgh, PA 15261, USA.
24.U.S. Public Health Service. Physical activity and
health: a report of the Surgeon General. Atlanta: U.S.
Department of Health and Human Services, Centers
for Disease Control and Prevention, National Center
for Chronic Disease Prevention and Health Promotion,
1996.
25.Pollock ML, Franklin BA, Balady GJ, Chaitman BL,
Fleg JL, Fletcher B, et al. AHA Science Advisory.
Resistance exercise in individuals with and without
cardiovascular disease: benefits, rationale, safety, and
prescription: an advisory from the Committee on
Exercise, Rehabilitation, and Prevention, Council on
Clinical Cardiology, American Heart Association.
Circulation 2000;101:828-33.
26.Lavie CJ, Milani RV. Effects of cardiac rehabilitation
programs on exercise capacity, coronary risk factors,
behavioral characteristics, and quality of life in a large
elderly cohort. Am J Cardiol 1995;76:177-9.
27.Lavie CJ, Milani RV, Littman AB. Benefits of cardiac
rehabilitation and exercise training in secondary
coronary prevention in the elderly. J Am Coll Cardiol
1993;22:678-83.
28.Wenger NK, Froelicher ES, Smith LK, Ades PA,
Berra K, Blumenthal JA, et al. Cardiac rehabilitation
as secondary prevention. Agency for Health Care
Policy and Research and National Heart, Lung, and
Blood Institute. Clin Pract Guidel Quick Ref Guide Clin
1995;(17):1-23.
29.Wannamethee SG, Shaper AG, Walker M. Physical
activity and mortality in older men with diagnosed
coronary heart disease. Circulation. Sep 19.
2000;102(12):1358-63.
30.Recomendações de Alimentação e Nutrição
Saudável para a População Brasileira. Arq Bras
Endocrinol Metab 2000;44(3): 227-32.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
225
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
31.Rolls BJ, Roe LS, Beach AM, Kris-Etherton PM.
Provision of foods differing in energy density affects long-
term weight loss. Obes Res. 2005 Jun;13(6):1052-60.
32.Strychar I. Diet in the management of weight loss.
CMAJ. 2006 Jan 3;174(1):56-63.
33.Raynor HA, Jeffery RW, Phelan S, Hill JO, Wing
RR. Amount of food group variety consumed in the
diet and long-term weight loss maintenance. Obes
Res. 2005 May;13(5):883-90.
34.Li Z, Maglione M, Tu W, Mojica W, Arterburn D,
Shugarman LR, Hilton L, Suttorp M, Solomon V,
Shekelle PG, Morton SC. Meta-analysis:
pharmacologic treatment of obesity. Ann Intern Med.
2005 Apr 5;142(7):532-46.
35.Halpern A, Mancini MC. Diabesity: are weight loss
medications effective? Treat Endocrinol. 2005;4(2):65-74.
36.Halpern A, Mancini MC. Treatment of obesity: an
update on anti-obesity medications. Obes Rev. 2003
Feb;4(1):25-42.
37.Nappo SA. Consumption of anorexigenic
amphetamine-like drugs (diethylpropion, fenproporex
and mazindol) and of d,1-fenfluramine in Brazil during
the years of 1988 and 1989. Pharmacoepidemiol Drug
Saf. 1996 Jan;5(1):19-25.
38.Coffey CS, Steiner D, Baker BA, Allison DB. A
randomized double-blind placebo-controlled clinical
trial of a product containing ephedrine, caffeine, and
other ingredients from herbal sources for treatment
of overweight and obesity in the absence of lifestyle
treatment. Int J Obes Relat Metab Disord. 2004
Nov;28(11):1411-9.
39.Oria E, Jauregui A, Iriarte A, Olondriz J, Anderiz B,
Perez de Ciriza JA, Lafita J, Cameo MV, Roldan E.
[Weight-loss drugs: composition of diet pills prescribed
in Navarra] An Med Interna. 1997 Jun;14(6):275-81.
40.Agarwal SC, Crook JR, Pepper CB. Herbal
remedies-how safe are they? A case report of
polymorphic ventricular tachycardia/ventricular
fibrillation induced by herbal medication used for
obesity. Int J Cardiol. 2006 Jan 13;106(2):260-1.
41.Heber D. Herbal preparations for obesity: are they
useful? Prim Care. 2003 Jun;30(2):441-63.
42.Ricca V, Mannucci E, Di Bernardo M, Rizzello SM,
Cabras PL, Rotella CM. Sertraline enhances the
effects of cognitive-behavioral treatment on weight
reduction of obese patients. J Endocrinol Invest 1996;
11: 727-33.
43.Norris SL, Zhang X, Avenell A, Gregg E, Schmid
CH, Lau J. Pharmacotherapy for weight loss in adults
with type 2 diabetes mellitus. Cochrane Database Syst
Rev. 2005 Jan 25;(1):CD004096.
44.Kim YW, Kim JY, Park YH, Park SY, Won KC, Choi
KH, Huh JY, Moon KH. Metformin restores leptin
sensitivity in high-fat-fed obese rats with leptin
resistance. Diabetes. 2006 Mar;55(3):716-24.
45.Bekker D. The “worried-well”, insulin resistance and
metformin therapy. S Afr Med J. 2005 Nov;95(11):814.
46.Levri KM, Slaymaker E, Last A, Yeh J, Ference J,
D’Amico F, Wilson SA. Metformin as reatment for
overweight and obese adults: a systematic review.
Ann Fam Med. 2005 Sep-Oct;3(5):457-61.
47.Astrup A, Toubro S. Topiramate: a new potential
pharmacological treatment for obesity. Obes Res.
2004 Dec;12 Suppl:167S-73S.
48.Grover, GJ, Mellstrom, K, Ye, L, et al. Selective
thyroid hormone receptor-beta activation: a stategy
for reduction of weight, cholesterol, and lipoprotein (a)
with reduced cardiovascular liability Proc Natl Acad
Sci U.S.A.2003; 100:1006-1072.
49.Bays HE. Current and investigational antiobesity
agents and obesity therapeutic treatment targets.
Obes Res. 2004 Aug;12(8):1197-211.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
226
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
Agradecimentos
À Equipe de Saúde da Família da Unidade
Jaiara e à acadêmica de enfermagem Karina Valle,
pelo auxílio na condução do estudo.
Endereço para correspondência:
Daniel Victor Arantes
Praça James Fanstone,10, Ed. D. Dayse
(Plamheg), 2º Andar, Centro.
Anápolis, GO - CEP 75020-330
Endereço eletrônico:
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
227
Daniel Victor Arantes Impacto do tratamento de sobrepeso/obesidade sobreos níveis de pressão arterial na Atenção Primária à Saúde
RESUMO
O tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) se constitui em um desafio à saúde
pública, devido a diversos fatores, dentre eles: a dificuldade de acesso às regiões florestais, a via de
administração da droga de primeira escolha ser exclusivamente parenteral e a necessidade de monitoramento
de seus efeitos adversos. Este estudo relata três casos de LTA tratados com Fluconazol. Utilizou-se esse
medicamento pelos seguintes motivos: existência de alguma contra-indicação, efeitos adversos e resposta
parcial ou inexistente ao uso do Antimoniato. Verificou-se a completa reepitelização da lesão nos três casos.
Sabe-se, no entanto, da necessidade de estudos clínicos posteriores mais abrangentes, tendo um grupo
controle, para confirmação dos resultados aqui obtidos.
ABSTRACT
The treatment of American Tegumentary Leishmaniasis (ATL) constitutes a challenge for public health.
This is due to a series of factors, amongst them: difficult access to the forest regions, the exclusively parenteral
route of administration of the first-choice drug and the need of monitoring adverse effects. This study describes
three cases of ATL treated with Fluconazole. This drug was used for the following reasons: existence of some
contraindication, adverse effects and only partial or inexistent response to Antimony treatment. Complete
reepitheliazation of skin wounds was verified in all three cases. However, further and more extensive clinical
studies including control groups will be necessary for confirming the results obtained in the present study.
Leishmaniose Tegumentar Americana:terapêutica com Fluconazol
American Tegumentary Leishmaniasis:Fluconazole therapy
Vicente Lopes Monte Neto*Mirella Maia Soares Véras**
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Leishmaniose Americana;- Fluconazol / uso terapêutico.
PALAVRAS CHAVE:- Leishmaniasis Cutaneos;- Fluconazole / Therapeutic Use.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
228
*Médico de Família e Comunidade, especialista em MFC – Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Ceará.**Fisioterapeuta, mestre em Saúde Pública, especialista em Saúde da Família, professora da Universidade Federal do Ceará – UFC.
Relato de Caso
I. Introdução
Não obstante o grande avanço da civilização,
lamentavelmente a humanidade ainda padece sob o
julgo de algumas moléstias infecto-parasitárias com
idade milenar. É o caso da Leishmaniose Tegumentar
Americana (LTA), enfermidade polimórfica da pele e
das mucosas, não-contagiosa, de evolução crônica,
caracterizada pela presença de lesões ulcerosas,
únicas ou múltiplas, localizadas ou difusas, causadas
por parasitos protozoários do gênero Leishmania1.
Estima-se que, no mundo, 90% dos casos de
Leishmaniose Cutânea ocorram no Brasil, Afeganis-
tão, Irã, Peru, na Arábia Saudita e na Síria e 90% dos
casos de Leishmaniose Cutâneo-Mucosa ocorram
no Brasil, na Bolívia e no Peru2.
No Brasil, onde a LTA distribui-se em todos
os estados federativos, no período entre 1980 e 2005,
foram confirmados, em valores absolutos, 610.256
casos – dos quais 24.291 em 2005. No Ceará, nesse
mesmo período, registraram-se 54.379 casos – dos
quais 1.666 em 20053. No município de Meruoca, local
onde foi realizado este trabalho, notificaram-se 65
casos de LTA em 20054.
Não é difícil suspeitar que esses números
reflitam a inexistência de um sistema de saúde efici-
ente e eficaz capaz de atuar em medidas preventivas
e de educação, a fim de contribuir para um controle
epidemiológico rigoroso, atuando na cadeia de trans-
missão, no diagnóstico e na condução clínica efetiva
dos casos de LTA.
Outro fator que contribui para alta prevalência
de LTA e como um dos obstáculos para o controle
dessa enfermidade é a terapêutica ora existente. Isso
devido a alguns aspectos peculiares como: o difícil
acesso às regiões florestais, lugares de maior inci-
dência de LTA; a via de administração da droga de
primeira escolha – no caso o Antimoniato pentavalente
– ser exclusivamente parenteral e a necessidade de
monitoramento dos efeitos adversos desse medica-
mento5.
Neste contexto, o presente trabalho objetiva
descrever três casos de pacientes com Leishmaniose
Tegumentar Americana, no município de Meruoca
(CE), período de julho a dezembro de 2005, tratados
com Fluconazol, medicamento de fácil posologia e,
provavelmente, com menos efeitos adversos do que
o Antimoniato pentavalente.
II. Material e Método
Trata-se de um estudo do tipo exploratório e
descritivo com abordagem qualitativa realizado, no
período de julho a dezembro de 2005, em Meruoca,
cidade localizada na zona fisiográfica do sertão
centro-norte do Ceará, região serrana, fazendo divisa
com Coreaú, Massapê, Alcântaras e Sobral. Sua
população, de 11.340 habitantes, divide-se na mes-
ma proporção entre urbana e rural6. Possui três
equipes de Saúde da Família, criadas em 2001, e
um Hospital Municipal.
A coleta das informações foi realizada por
meio de análise dos prontuários dos pacientes
constantes em arquivos do Hospital Municipal e das
três equipes de PSF daquela cidade. Utilizou-se,
ainda, o serviço de informática da secretaria de saúde
do município para obtenção de outros dados neces-
sários para a realização desta pesquisa.
O estudo foi realizado, tendo como base a evo-
lução clínica de três casos de pacientes acometidos por
LTA, escolhidos para serem tratados com Fluconazol,
tendo em vista apresentarem algum tipo de contra-
indicação, reações adversas, resistência ou resposta
parcial ao Glucantime®.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
229
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
Os critérios utilizados para definição dos
casos de LTA foram: diagnóstico clínico-epidemio-
lógico e o resultado positivo na pesquisa direta de
parasitas em material de raspado ou punção aspi-
rativa da lesão corado pelo método de Giemsa7.
O estudo foi conduzido de acordo com os
preceitos éticos constantes na Resolução 196/96 das
diretrizes e normas reguladoras de pesquisa envol-
vendo seres humanos, incorporando sob a ótica do
indivíduo e das coletividades os quatro referenciais
básicos da bioética: autonomia, beneficência, justiça
e não-maleficência, visando a assegurar os direitos
e deveres que dizem respeito à comunidade científica,
aos sujeitos da pesquisa e ao Estado8.
III. Descrição dos casos
Caso 1
Paciente de 59 anos, masculino, pardo,
casado, agricultor, natural de Meruoca (CE). Compa-
receu à Unidade referindo ferida única, em região de
coxa direita, coincidindo com surgimento de
linfadenopatia inguinal, há 30 dias, negando febre e a
presença de outros ferimentos. Residia em casa de
sítio, feita de tijolos, dentro de zona florestal e apre-
sentava nível socioeconômico baixo. Em seu exame
físico, tinha bom estado geral, eutrófico, hipertenso,
deambulação normal, apresentando lesão única,
úlcero-crostosa, em região látero-proximal de coxa
direita, drenando secreção seropurulenta, indolor,
associada à linfadenopatia inguinal direita, de pequeno
volume, móvel e de consistência elástica. Devido ao
fator clínico-epidemiológico sugestivo, solicitou-se
pesquisa direta de leishmanias, tendo resultado
positivo. Visto isso, a fim de se iniciar o tratamento
convencional para LTA, foram solicitados: eletrocar-
eletrocardiograma (ECG), hemograma completo e
função hepática e renal. Em seu ECG foi observada
alguma alteração e, por conseguinte, contra-indicação
expressa pelo cardiologista a fazer uso de Glucantime®.
Decidiu-se, assim, iniciar o tratamento com Fluconazol,
via oral, na dose de 300mg/dia, instituído em oito
semanas e retorno programado para 15 dias. Passa-
dos esses dias, o paciente voltou apresentando feri-
mento já com sinais evidentes de melhora e foi agen-
dada nova consulta em 20 dias. Após esse período,
o paciente retornou com lesão evoluindo progres-
sivamente para reepitelização e, no final de oito sema-
nas de terapia, verificou-se a cicatrização total da
lesão.
Caso 2
Paciente de 54 anos, parda, feminina, casada,
agricultora, natural de Meruoca, compareceu à Unida-
de referindo surgimento de três lesões ulceradas,
dolorosas e edema em membro inferior esquerdo,
associada à linfadenopatia inguinal, há três meses,
que não melhorava com o uso de medicamentos
tópicos. Negou a presença de febre ou episódio de
trauma em região da perna. Residia em casa de
tijolos, próxima à zona de florestas, e tinha condição
socioeconômica razoável. Seu exame físico apresen-
tava bom estado geral, eutrófica, normotensa,
apresentando três lesões úlcero-crostosas, doloro-
sas, em região de maléolo medial de membro inferior
esquerdo, com drenagem de secreção seropurulenta,
associada à linfadenopatia indolor, móvel, consistên-
cia elástica, de moderado volume em região inguinal
esquerda, com deambulação levemente claudicante.
Solicitou-se, então, pesquisa direta de leishmanias,
com resultado positivo. Visto isso, a fim de se iniciar
o tratamento convencional, foram solicitados: hemo-
grama completo, função renal, função hepática e
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
230
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
ECG, com respectivos resultados sem quaisquer
alterações. Iniciou-se um ciclo de 20 dias com
Glucantime®, com uma aplicação diária, endovenosa,
na dosagem de 15mg/kg peso. No decorrer do pri-
meiro ciclo, a paciente começou a referir intensa mial-
gia, sendo-lhe prescritos analgésicos e antiinflama-
tórios, com melhora de quadro álgico. Ao término de
20 dias, não se verificou resposta ao tratamento. Fez-
se uma pausa de 15 dias para posterior reavaliação
da lesão. Terminado esse tempo, a paciente compa-
receu com quadro inalterado. Um novo ciclo de 30
dias foi iniciado, com a paciente voltando a referir
intensa mialgia, não obstante uso de analgésicos e
antiinflamatórios. Mesmo assim, prolongou-se o trata-
mento até os 40 dias, associando-se a antibiotico-
terapia oral, tendo em vista a suposta existência de
infecção secundária. Concluído esse último ciclo, não
se verificou resposta favorável, e a paciente estava
bastante sintomática, queixando-se de fortes dores
musculares e artralgia, relatando, ainda, que um outro
médico sugerira seu internamento para realização de
terapêutica com Anfotercina B. Decidiu-se fazer uso
de Fluconazol na dosagem de 300mg/dia, via oral,
uma tomada diária, durante seis semanas, programan-
do-se seu retorno em 15 dias. Conforme agendamen-
to, paciente retornou apresentando melhora conside-
rável – a lesão mostrava sinais evidentes de reepiteli-
zação. Ao final da sexta semana, verificou-se a cicratri-
zação completa da lesão e a paciente assintomática.
Foi dada alta após três meses de cicatrização da lesão.
Caso 3
Criança de oito anos, parda, sexo masculino,
natural de Meruoca, acompanhada da mãe, compare-
ceu à Unidade referindo duas lesões ulceradas,
profundas e dolorosas, há 30 dias. A mãe relatava
que três membros da família, inclusive ela, estavam
em tratamento para LTA. Também referiu que a crian-
ça estava inapetente e astênica. Negou, porém, a
presença de febre ou linfadenopatia. Residia em casa
de tijolos de estrutura ruim, dentro de zona florestal e
apresentava condições socioeconômicas precárias.
Segundo o exame físico, tinha bom estado geral,
mucosas hipocoradas (++/4+), emagrecida, presen-
ça de duas lesões em membro superior esquerdo,
úlcero-crostosas, com discreta drenagem de secre-
ção seropurulenta, odor fétido e sinais de infecção
secundária. Solicitou-se, então, considerando o fator
clínico-epidemiológico bastante sugestivo, pesquisa
direta de leishmanias, hemograma completo, função
renal, hepática e ECG; com resultado positivo para
formas de leishmanias. Os demais exames solicita-
dos não tiveram alterações, exceto uma leve anemia,
condição já esperada, conforme exame físico. Iniciou-
se, portanto, um ciclo de 20 dias de Glucantime® na
dose de 15mg/kg/peso/dia, endove- nosa, com uma
aplicação diária, e, simultaneamente, introduziu-se
antibioticoterapia oral e tópica, devido à coexistência
de infecção secundária. No final do ciclo, não se veri-
ficou grande resposta à terapêutica instituída, decidin-
do-se prolongar o tratamento por mais dez dias,
sendo, na ocasião, solicitados novos exames, para
monitoramento. Ao término de 30 dias, observou-se
pouca resposta. A mãe foi orientada a voltar com a
criança, após 15 dias, para reavaliação. No período
programado, a criança retornou com as lesões evolu-
indo com pouca melhora. Optou-se por um novo ciclo
de 20 dias, com a mesma posologia aplicada anterior-
mente. Ao término de 20 dias, observou-se apenas
resposta parcial, quando, enfim, decidiu-se pelo uso
de Fluconazol na dose 50mg/kg/peso/dia, uma toma-
da, durante seis semanas e programado retorno em
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
231
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
15 dias. Mais uma vez, percebeu-se reposta favorá-
vel, com o processo de reepitelização das lesões
evoluindo progressivamente. No final de seis sema-
nas, verificou-se cicatrização total das lesões.
IV. Discussão
É oportuno iniciar esta discussão mencio-
nando que várias podem ser as causas de falhas te-
rapêuticas quanto ao uso de Glucantime® na LTA.
As variações da eficácia terapêutica dessa droga na
LTA podem ser conseqüências de diferentes es-
quemas posológicos, podendo apresentar falha na
forma de Leshmaniose Cutânea e, principalmente,
na forma mucosa9.
Embora os estudos não possam ser absolu-
tamente comparáveis, devido a diferentes esquemas
posológicos utilizados, o insucesso terapêutico pode
ocorrer com estes medicamentos na LTA10.
Sobre os três casos, aqui estudados, vale
relatar algumas características: a semelhança na
história epidemiológica, pois a residência desses
pacientes era localizada próxima ou dentro da zona
florestal; as condições socioeconômicas precárias
– exceto a paciente do caso 2 –; a existência de ex-
tremo de idade – no caso 3, uma criança –, fato que
poderia favorecer a falha terapêutica com o
Glucantime® pela baixa imunidade comumente
encontrada nesses hospedeiros11.
No caso 2, a paciente apresentava três lesões
em maléolo de membro inferior esquerdo, o que
facilitaria surgimento de infecções bacterianas
secundárias. As lesões localizadas abaixo dos joe-
lhos são as mais freqüentemente infectadas, porém
sem nenhuma influência no processo de cura da LTA12.
Observou-se, contudo, em inúmeras vezes,
a inegável resposta positiva à terapêutica instituída,
fosse com Glucantime, fosse com Fluconazol, após
se debelar o processo infeccioso bacteriano com
antibioticoterapia oral e/ou tópica, diferentemente da-
quilo que supõe Merchan-Hamann12.
Considerando as semelhanças e diferenças
dos casos relatados e as possíveis falhas terapêu-
ticas, porventura existentes na condução da LTA,
verificou-se, neste estudo, que o Fluconazol agiu de
forma muito positiva, quando usado posteriormente
ao Glucantime® ou isoladamente, constituindo-se em
uma valiosa alternativa de tratamento nos casos
escolhidos para tal terapêutica, porque apresentavam
alguma contra-indicação e/ou efeitos adversos ao uso
do Antimoniato pentavalente - Glucantime® ou porque
respondiam parcialmente ou eram resistentes a essa
droga.
Observou-se, ainda, uma eficácia de 100%,
nos três casos tratados com essa droga, percentual
esse superior ao encontrado por Alrajhi, em seu
estudo preliminar13, o qual indicou uma eficácia de
79% no tratamento de Leishmaniose causada por L.
major, quando comparado ao placebo (34%).
V. Considerações Finais
Verificou-se uma excelente resposta, ao se
prescrever Fluconazol, de forma isolada, em paciente
com cardiopatia, cujo uso de Glucantime® é contra-
indicado. Percebeu-se, também, a efetividade do
Fluconazol, após uso do Antimoniato, em pacientes
com resposta parcial ou provavelmente resistentes
a essa droga.
Em vista disso, sugere-se, que o Fluconazol
constitui em uma valiosa alternativa de terapêutica,
podendo ser usado isoladamente ou como coadjuvan-
te no tratamento de pacientes portadores de
Leishmaniose Tegumentar Americana – LTA –, os
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
232
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
quais apresentem alguma contra-indicação para o
uso do Antimoniato pentavalente, na existência de
resposta parcial ou de resistência a essa droga.
Apesar disso, sabe-se da necessidade da
realização de estudos clínicos mais aprofundados,
com grupo-controle para confirmação dessa hipótese.
Ressalta-se, ainda, a necessidade de se in-
vestir na descoberta de novas drogas que facilitem o
tratamento da LTA, devido às dificuldades que se
enfrenta na terapêutica, ora existente, conforme fato-
res já mencionados. Porém, qualquer esforço na bus-
ca de tratamento ideal não terá muito valor se não
houver um sistema de saúde eficiente e eficaz no
diagnóstico e na condução clínica dos casos de LTA,
capaz de promover um controle epidemiológico
rigoroso que atue na cadeia de transmissão, bem co-
mo estimulando medidas educativas e, quiçá, a des-
coberta de uma vacina eficaz.
VI. Referências
1.Genaro O. Leishmaniose Tegumentar Americana.
In: Neves Davi P et al. Parasitologia Humana. 9 ed.
São Paulo: Atheneu; 1998. 41p.
2.Paraguassu-Chaves CA. Geografia Médica ou da
Saúde (Espaço e doença na Amazônia Ocidental).
Rondônia: Edufro; 2001.
3.Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. Disponível em: [http/
www.portal.saúde.gov.br]. Acesso em: 05.09.2006.
4.Ceará. Secretaria de Saúde do Estado. Indicadores
e Dados Básicos para a Saúde no Ceará. Fortaleza
(CE): SSE; 2005. p 104.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Manual
de recomendações para diagnóstico, tratamento e
acompanhamento da co-infecção Leishmania-HIV.
Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.
6. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Disponível em: [http//www.Ibge.gov/censo] Acesso
em: 20.06.2006.
7. Brasil. Ministério da saúde. Fundação Nacional de
Saúde. In: Guia de Vigilância Epidemiológica. 2002.
p. 501-524.
8.Guathier JHM et al. Pesquisa em enfermagem:
novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1998.
9.Romero GA, Guerra MV, Paes MG, Macedo VO.
Comparison of cutaneous leishmaniasis due to
Leishmania (Viannia) braziliensis and L. (V.) guyanensis
in Brazil: therapeutic response to meglumine
antimoniate. The American Journal of Tropical Medicine
and Hygiene. 2001. p.456-465.
10.Oliveira MRF, Macêdo VO, Carvalho M, Barral A,
Marotti JG, Bittencourt A, Abreu MVA, Orge MGO, Lessa
HA, Marsden PD. Estudo evolutivo da leishmaniose
mucosa causada por Leishmania (Viannia) braziliensis
em Três Braços, Bahia. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. 1995.
11.Dietze R, Araújo RC, Lima MLR, Venexat JÁ,
Marsden PD, Barreto AC. Ensaio terapêutico com
Glucantime em sagüis (Callithrox jacchus) infectados
com uma cepa de Leishmania donovani aparentemente
resistente ao tratamento. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. 1985. p.39-42.
12.Merchan-Hamann E. Ensaio terapêutico com
quatro esquemas de antimonial no tratamento da
leishmaniose cutânea causada por Leishmania (Viannia)
braziliensis. [Dissertação], Universidade de Brasília.
Brasília (DF), 1989.
13.Alrajhi AA, Ibrahim EA, De Vol EB, Khairat M, Faris
RM, Maguire JH. Fluconazol for the treatment of
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
233
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
cutaneous leishmaniasis caused by Leishmania major.
N Engl J Med. 2002. p.891-895.
Endereço eletrônico:
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
234
Vicente Lopes Monte Neto e Mirella Maia Soares Véras Leishmaniose Tegumentar Americana: terapêutica com Fluconazol
RESUMO
O Programa de Saúde da Família (PSF) do Município do Rio de Janeiro teve o seu primeiro projeto
implantado em 1995, na Ilha de Paquetá, sofrendo sua efetiva expansão em 1999, para as comunidades do
Borel (Tijuca), Parque Royal (Ilha do Governador), Canal do Anil (Jacarepaguá), Vilas Canoas (São Conrado)
e Vilar Carioca (Campo Grande). O objetivo deste trabalho é avaliar o processo de implementação do Programa
nessas comunidades, com vistas à identificar aspectos problemáticos e estratégias de melhoria para a sua
efetiva atuação. Além disso, ainda que sem perspectiva de generalização dos seus achados, ele pretende
prover elementos a serem considerados na expansão do Programa, especialmente no contexto de um
grande centro urbano como o Rio de Janeiro.
A pesquisa realizada constitui-se em um estudo de casos múltiplos, focado em um grande
centro urbano. Envolveu investigação documental, a análise de indicadores de desempenho do Sistema de
Informações da Atenção Básica (SIAB), e a análise de entrevistas com o Gerente Central do PSF na Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro bem como profissionais das Equipes de Saúde da Família (ESF) e
moradores das comunidades selecionadas. Entre os aspectos cobertos destacam-se: condições físicas do
Programa, composição, forma de seleção, contratação e acompanhamento das equipes de profissionais,
mecanismos de educação continuada para as equipes, participação do PSF na referências de pacientes
para especialistas ou outros níveis de atenção e o papel da violência urbana.
Os resultados obtidos permitiram a sistematização de fatores facilitadores e limitantes da
implementação do PSF nas comunidades estudadas, incluindo perspectivas da gestão central, das equipes
e dos usuários.
Dissertação de mestrado. Disponível em:
Orientadora: Margareth Crisóstomo Portela http://teses.cict.fiocruz.br/cgi-
Escola Nacional de Saúde Pública-Fiocruz bin/wxis1660.exe/lildbi/iah/
Rio de Janeiro, 2003.
Avaliação da Implementação do Programa Saúde daFamília no Município do Rio de Janeiro
Carla Moura Cazelli
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Programa de Saúde da Família;- Avaliação de Programas;
- Serviços Básicos de Saúde;- Serviços de Saúde Comunitária.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
235
Resumo de Tese
Implementation Assessment of the Family HealthProgram in the city of Rio de Janeiro
RESUMO
Atividade física no Programa Saúde da Família em municípiosda 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná - Brasil
Silvano da Silva Coutinho
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Atividade física;- prevenção de doenças;
- Programa Saúde da Família;- promoção da saúde.
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
236
Resumo de Tese
Physical Activity in the Health Family Program, in citiesof 5th Regional of Health in Paraná State - Brazil
O objetivo geral desta pesquisa foi identificar e analisar as percepções dos Secretários Municipais de
Saúde da 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná acerca da realização de atividades físicas no Programa
Saúde da Família (PSF). Como objetivos específicos elegemos caracterizar e analisar a prática da atividade
física nos PSFs dos referidos municípios, bem como, verificar a inserção de profissionais de educação
física nessas equipes do PSF. Tomamos como pressuposto teórico as discussões sobre promoção da
saúde presentes nas Conferências Internacionais de Promoção da Saúde, buscando articulá-las à teoria e a
prática da atividade física. Trata-se de um estudo descritivo exploratório (TRIVIÑOS, 1992), com abordagem
qualitativa, sendo os sujeitos constituídos de onze secretários de saúde dos municípios da regional citada, e
também nove profissionais da área da saúde que são responsáveis pelas atividades físicas realizadas no PSF
destes municípios. Os dados empíricos foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas realizadas
com os secretários de saúde, e também dos questionários aplicados com os profissionais de saúde responsáveis
pela realização das atividades físicas. A organização dos dados foi feita conforme ferramenta metodológica do
Discurso do Sujeito Coletivo - DSC (LEFÈVRE, 2000). Após construirmos os DSCs, elegemos três unidades
temáticas, a partir dos conteúdos: Processo de Educação em Saúde, Atividades Físicas no PSF, Prevenção e
Promoção da Saúde. Como considerações finais, ressaltamos: o processo de educação em saúde demonstra
ter um caráter mais modelador que emancipatório. O entendimento de promoção da saúde está mais ligado à
uma visão limitada do processo saúde-doença, pautado no conceito de saúde como ausência de doenças, com
alguns apontamentos para uma visão mais ampliada, abarcando aspectos sociais e psicológicos. Verificamos
de forma incipiente a realização de atividades físicas em nove equipes de PSF nos municípios participantes
da pesquisa, principalmente a caminhada, sob a iniciativa e responsabilidade de profissionais da saúde
(quatro enfermeiras, três fisioterapeutas e dois profissionais de Educação Física). Sobre a prática da atividade
física no PSF, os gestores a identificam como uma estratégia na prevenção de doenças crônicas, em especial,
obesidade, diabetes e hipertensão. Na perspectiva de se aproximar à um conceito mais ampliado de promoção da
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
237
Silvano da Silva Coutinho Atividade física no Programa Saúde da Família em municípiosda 5ª Regional de Saúde do Estado do Paraná - Brasil
saúde, os gestores ressaltaram que a atividade física
inserida na estratégia do PSF pode trazer outros
benefícios além dos biológicos, tais como: desenvol-
vimento da autonomia para realização dos afazeres
do dia-a-dia, melhoria do convívio social, interferência
em situações de risco social, educação em saúde e
como opção de lazer, no entanto, ainda de forma inci-
piente. Para tanto, sugerimos que é preciso se (re)
pensar a formação dos profissionais da saúde, em
especial, a do profissional de Educação Física,
buscando uma visão de promoção da saúde, que
abarque todas as suas possibilidades, potenciali-
dades, bem como, sua complexidade. Também é pre-
ciso vislumbrar outras estratégias que ampliem as
possibilidades da atividade física ser incorporada de
forma mais sistematizada e ampliada, na atenção à
saúde, valorizando o conhecimento da área de Edu-
cação Física na construção do SUS.
Dissertação de Mestrado
Orientadora: Pereira, Maria José Bistafa Pereira
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP)
Ribeirão Preto, 2005
Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/
tde-03122005-102018/
RESUMO
Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontrose desencontros entre profissionais de saúde e usuários
Priscila Frederico Craco
RBMFC
PALAVRAS-CHAVE:- Comunicação;- Cuidado;- Saúde da Família
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
238
Resumo de Tese
Communicative Action Toward The Health care of the Family: Meetingsand failure in meetings among professionals of health and users
Na atualidade vivenciamos, nacional e internacionalmente, uma crescente revalorização do tema
família com priorização e expansão de serviços de Atenção Primária à Saúde, como estratégia de
reorganização do setor saúde e de mudança do modelo assistencial. Novas propostas em discussão e
aplicação têm ocupado um lugar de destaque na reconstrução das práticas de saúde no Brasil. Neste cenário,
ressalta-se a dimensão comunicacional do encontro entre profissionais de saúde e usuários, como um
processo de diálogo, que garanta e estimule uma crescente integração entre as finalidades técnicas do
trabalho e os projetos de vida dos usuários. Este estudo teve por objetivo compreender as comunicações e
ações dos sujeitos (profissionais de saúde e usuários) envolvidos no cuidado à saúde da família e interpretar
as possibilidades e dificuldades da ação comunicativa neste cuidado. A Teoria da Ação Comunicativa defendida
por Habermas (1987) é a referência teórica fundamental. A esta foram acrescidas a conceituação de Dialógica
do Cuidado proposta por Ayres (2002) e a categoria do trabalho vivo em ato proposta por Merhy (2000).
Utilizamos a abordagem qualitativa de pesquisa, com a observação participante e a entrevista semi-
estruturada como métodos de coleta de dados. A pesquisa foi desenvolvida em uma Unidade de Atenção à
Saúde da Família do município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. A interpretação dos dados teve
como eixo norteador os horizontes normativos dos profissionais de saúde e dos usuários, basicamente com
relação aos ideais de: vida, saúde, trabalho, família, assistência à saúde (cuidado) e relacionamento. A
discussão da temática teve como preocupação central a necessidade de reorganização das práticas de
saúde, apostando no cuidado como categoria central e na comunicação como elemento transformador na
construção de novos modos de cuidar, mais humanos e acolhedores, na saúde e na enfermagem e em
especial na saúde da família. Destacamos as dimensões da ação comunicativa e da linguagem nos
movimentos ora de aproximações (encontros), ora de distanciamentos (desencontros) entre os profissionais
de saúde e os usuários. Uma categoria empírica central que emergiu do material empírico foi os encontros
e desencontros dos sujeitos em interação. Foi possível identificar que os desencontros entre o saber popular
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
239
Priscila Frederico Craco Ação comunicativa no cuidado à Saúde da Família: encontrose desencontros entre profissionais de saúde e usuários
e o saber técnico-científico geraram importantes
assimetrias comunicacionais. A linguagem codificada,
as invasões, controles e cobranças no espaço das
visitas domiciliares e os diferentes horizontes
normativos, onde o “campo da amizade” e o “campo
do tratamento” presentes no ato de cuidar, muitas
vezes se mesclam e se confundem, revelaram-se
como barreiras na comunicação, que clamam por
cuidados. A hierarquia e a falta de solidariedade entre
os profissionais da equipe de saúde geraram,
também, significativos entraves no diálogo e “esbar-
rões” de espaços, tempos, ritmos e saberes. A
classificação das famílias em vermelha, amarela e
verde, mostrou-se como um veio que questionava
se estávamos ainda sob o paradigma do risco ou se
deslocamos os horizontes normativos para o conceito
de vulnerabilidade. Já, a atitude cuidadora de “escutar/
ouvir” e estar sensível aos sofrimentos e dores do
outro surgiu como um valor importante compartilhado
por ambos os sujeitos em interação. Entre os encon-
tros visualizados na comunicação destacamos o en-
contro de sentimentos e a emergência do “Cuidado
Afetuoso/Amoroso”, onde o afeto e a espiritualidade
foram valorizados no ato de cuidar. O encontro de
valores humanos e éticos, onde o alfabeto do bom
cuidado foi composto por quatro atitudes: calor hu-
mano, respeito, confiança e envolvimento. O encontro
de sujeitos, onde o grupo de artesanato surgiu como
uma opção por uma melhor qualidade de vida e de
saúde. E o encontro de alegrias e risos, onde o ritual
festivo e a descontração surgiram deslizando para o
espaço do cuidado. Concluímos que o amadureci-
mento do diálogo entre os sujeitos transita pela
construção de pontes lingüísticas e pelo compartilha-
mento de horizontes normativos entre os técnicos
(profissionais de saúde, os que querem ser cuida-
dores) e os não-técnicos (usuários, famílias, as que
necessitam de cuidados).
Dissertação de Mestrado
Unidade Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
(EERP)
Orientadora:, Maria Cecilia Puntel de Ayres Almeida,
Ribeirão Preto, 2006
Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/
tde-27112006-155728/
Instrução aos autores da Revista Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade
A Revista Brasileira de Medicina de Família e
Comunidade (RBMFC) é uma publicação trimestral da
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comu-
nidade, que tem por finalidades: sensibilizar profissio-
nais e autoridades da área de saúde sobre a área de
interesse da Medicina de Família e Comunidade; esti-
mular e divulgar temas e pesquisas em Atenção Pri-
mária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio entre
academia, serviço e movimentos sociais organizados;
promover a divulgação da abordagem interdisciplinar
e servir como veículo de educação continuada e per-
manente no campo da Medicina de Família e Comuni-
dade, tendo como eixo temático a APS.
Os trabalhos serão avaliados por editores do
Con- selho Científico e Editorial, como também por
pareceristas convidados ad hoc. O processo de ava-
liação por pares preserva a identidade dos autores e
suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho
Editorial somente na fase final de avaliação.
Todos os trabalhos deverão ser escritos em
português, com exceção dos redigidos por autores es-
trangeiros não-residentes no Brasil, que poderão fazê-
lo em inglês ou espanhol.
Tipos de Trabalho
A revista está estruturada com as seguintes
seções:
Editorial
Artigos Originais
Artigos de Revisão
Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade En-
saios
Relatos de Experiência
Resumos de Tese
Cartas ao Editor
O Editorial é de responsabilidade do editor da
revista, podendo ser redigido por terceiros por solici-
tação dele.
A seção Artigos Originais é composta por arti-
gos resultantes de pesquisa científica, apresentando
dados originais de descobertas com relação a aspec-
tos experimentais ou de observação, voltados para
investigações qualitativas ou quantitativas em áreas
de interesse da APS. Artigos originais são trabalhos
que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência,
tecnologia e arte das ciências da saúde que contribu-
em para a evolução do conhecimento sobre o homem,
a natureza e a inserção social e cultural. O texto –
contendo introdução, material ou casuística, métodos,
resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25
laudas.
A seção Artigos de Revisão é composta por arti-
gos nas áreas de Gerência, Clínica, Educação em
Saúde. Os artigos de revisão são trabalhos que apre-
sentam síntese atualizada do conhecimento disponí-
vel sobre matérias das ciências da saúde, buscando
esclarecer, organizar, normalizar e simplificar aborda-
gens dos vários problemas que afetam o conhecimento
humano sobre o homem e a natureza e sua inserção
social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar,
avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publi-
cados em revistas científicas e devem ter até 20
laudas, contendo introdução, desenvolvimento e con-
clusão.
A seção Diretrizes em MFC é composta por
artigos estruturados dentro das normas da Associa-
ção Médica Brasileira para diretrizes clínicas, valida-
dos pela SBMFC. Sua confecção, sob orientação da
Diretoria Científica da SBMFC, é uma proposta de or-
ganizar e referendar o trabalho dos MFC no Brasil.
RBMFC Instrução aos autores
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
240
A seção Ensaios visa à divulgação de artigos
com as análise crítica sobre um tema específico rela-
cionado à Medicina de Família e Comunidade e deve
ser apresentada em uma média de 5 a 10 laudas.
A seção Relatos de Experiência é composta
de artigos que relatam casos ou experiências os quais
explorem um método ou problema por meio do exem-
plo. Os relatos de caso apresentam as característi-
cas do indivíduo estudado – com indicação de sexo e
idade, podendo este ser humano ou animal –, ressal-
tam sua importância na atuação prática e mostram
caminhos, condutas e comportamentos para a solu-
ção do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas,
com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimen-
to e conclusão.
A seção Resumos de Tese, que deve ter ape-
nas 1 lauda, tem como proposta a divulgação da pro-
dução científica na temática do periódico. Nela, de-
vem ser expostos resumos de dissertações de
mestrado ou teses de doutoramento/livre-docência
defendidas e aprovadas em universidades brasileiras
ou não. Os resumos deverão ser encaminhados com
o título oficial da Tese, informando o título conquistado,
o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igual-
mente, o nome do Orientador e o local onde a tese
está disponível para consulta.
Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su-
gestões sobre a revista são bem recebidas. As car-
tas, contendo comentários sobre material publicado,
devem ter no máximo 2 laudas.
Os trabalhos a serem submetidos à aprecia-
ção do Conselho Científico deverão ser encaminhados
por e-mail para a Secretaria da Sociedade Brasileira de
Medicina de Família e Comunidade ou ao Editor da re-
vista. O padrão de formatação exigido é Word for
Windows – versão 6.0 ou superior -, página padrão A4,
letra Arial (tamanho 11), espaçamento entre linhas 1,5 e
numeração seqüencial em todas as páginas. As notas
de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível,
assim como as tabelas e os quadros – que devem ser
de compreensão independente do texto.
Os autores deverão informar seus nomes e
ende- reços completos e quais organizações de fomen-
to à pesquisa apoiaram os seus trabalhos, fornecendo
inclusive o número de cadastro do projeto.
Os trabalhos que envolverem pesquisas com
seres humanos deverão vir acompanhados da devida
autorização do Comitê de Ética da Instituição.
Os trabalhos devem obedecer à seguinte se-
qüência de apresentação:
1. Título em português e também em inglês(*).
2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s)
sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indi-
cação da Instituição a qual está vinculado, cargo e
titulação.
3. Resumo do trabalho em português, no qual
fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos
empregados e as principais conclusões do trabalho.
4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo
de 5 palavras-chave ou descritores do conteúdo do
trabalho, apresentados em português de acordo com
o DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da
BIREME - Centro Latino Americano e do Caribe de
Informação em Ciências da Saúde – URL: <http://
decs.bvs.br/>.
5. Abstract – versão do resumo em inglês(*).
6. Key words – palavras-chave em inglês, de
acordo com DeCS(*).
7. Artigo propriamente dito, de acordo com a
estrutura recomendada para cada tipo de artigo, ci-
tada no item 2.
RBMFC Instrução aos autores
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
241
8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) de-
vem ser enviadas à parte, com indicação na mar-
gem do local de inserção no texto; as fotografias em
preto e branco devem ser apresentadas em papel
brilhante.
9. Referências: são de responsabilidade dos
autores e deverão ser limitadas às citações do texto,
além de numeradas segundo a ordem de referência,
de acordo com as regras propostas pelo Comitê In-
ternacional de Revistas Médicas (International
Committee of Medical Journal Editors). Requisitos uni-
formes para manuscritos apresentados a periódicos
biomédicos. Disponível em: <http://www.icmje.org>.
(*) A versão do título do trabalho, do resumo e das
palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo
da própria revista, salvo eventual decisão ao contrá-
rio em época futura que, se vier ao caso, será
comunicada no Editorial da revista.
Exemplos:
Periódico
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000;
(5): 46-53.
Livro
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar; 1994. 204p.
Capítulo de livro
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro
do Centro de Saúde. In: ________. Educação popu-
lar nos serviços de saúde. 3. ed. São Paulo:
HUCITEC; 1997. p. 65-69.
Dissertação
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhado-
res. [Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medi-
cina Social, Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro; 1993.
Evento
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implan-
tação das ações de assistência integral à saúde da mu-
lher no PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde
Coletiva; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasi-
leira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328.
Documento eletrônico
Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Mari-
nho. Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católi-
ca de Minas Gerais, 1995-1998.
Apresenta textos sobre urbanismo e desenvol-
vimento de cidades. Disponível em:
www.gcsnet.com.br/oamis/civitas.
Acesso em: 27 nov. 1998.
Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação.
Os artigos são de total e exclusiva responsa-
bilidade dos autores.
Avaliação por pares: os artigos recebidos são
protocolados na secretaria da revista e encaminha-
dos tanto ao editor geral quanto aos editores associ-
ados, para a triagem, a avaliação preliminar e a pos-
terior distribuição ao Conselho Editorial e Científico,
em conformidade com as áreas de atuação e espe-
cialização dos membros, bem como o assunto tra-
tado no artigo. Todos os textos são submetidos à
avaliação de dois consultores – provenientes de ins-
tituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um
processo duplo cego, que os analisam em relação
aos seguintes aspectos: adequação do título ao con-
teúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência
RBMFC Instrução aos autores
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
242
dos objetivos; metodologia; informações inteligíveis;
citações e referências adequadas às normas técni-
cas adotadas pela revista e pertinência à linha edito-
rial da publicação. Os consultores preenchem o for-
mulário de parecer, aceitando, recusando ou reco-
mendando correções e/ou adequações necessárias.
Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s)
autor(es), para os ajustes e reenvio, e aos consulto-
res para nova avaliação. O resultado é comunicado
ao(s) autor(es), e os artigos aprovados ficam dispo-
níveis para publicação em ordem de protocolo. Não
serão admitidos acréscimos ou modificações após
a aprovação.
Declaração de responsabilidade dos autores
Todas as pessoas responsáveis como auto-
res devem responder pela autoria dos trabalhos, ten-
do como justificada a sua participação de forma sig-
nificativa no trabalho para assumir responsabilidade
pública pelo seu conteúdo. Deverão, portanto, assi-
nar a seguinte declaração de autoria e de responsa-
bilidade:
“Declaro que participei de forma significativa
na construção e formação deste estudo ou da análi-
se e interpretação dos dados, como também na re-
dação deste texto, tendo, enquanto autor, responsa-
bilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão
final deste trabalho e aprovo para ser submetido à
publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem
outro com conteúdo semelhante de minha autoria foi
publicado ou submetido à apreciação do Conselho
Editorial de outra publicação.”
Artigos com mais de um autor deverão con-
ter uma exposição sobre a contribuição específica
de cada um no trabalho. Os autores de cada artigo
receberão, após a publicação de seu trabalho, três
exemplares da revista em que o seu estudo foi publi-
cado.
Ética em pesquisa
Com relação às pesquisas iniciadas após ja-
neiro de 1997, nas quais exista a participação de se-
res humanos nos termos do inciso II.2 da Resolução
196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde (“pesquisa
que, individual ou coletivamente, envolva o ser hu-
mano de forma direta ou indireta, em sua totalidade
ou partes dele, incluindo o manejo de informações
ou materiais”), sempre que pertinente, deve ser de-
clarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo Co-
mitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.
Os trabalhos devem ser enviados para:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Co-
munidade - SBMFC
Correspondência
Rua 28 de Setembro, 44 sala 804
Rio de Janeiro - RJ
Cep: 20551-031
Tel/fax: 21 2264-5117
Endereço eletrônico:
RBMFC Instrução aos autores
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
243
Instructions to authors of the Brazilian Journal
of Family and Community Medicine
The Brazilian Journal of Family and Community
Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of
the Brazilian Society of Family and Community
Medicine, aimed at sensitizing professionals and
health authorities to this field of interest, stimulating
and disseminating Primary Health Care (PHC) issues
and investigations, and facilitating interchange between
academic institutions, health care services and
organized social movements. The periodical also
aims to promote an interdisciplinary approach to this
area and to serve as a vehicle for continued and
permanent education in the field of Family and
Community Health, with emphasis to the central
subject PHC.
Manuscripts will be reviewed by members of
the Scientific and Editorial Board as well as by outside
referees. This peer-review process safeguards the
identity of authors and their institutions of origin, which
only will be revealed to the Editorial Board in the end
of the evaluation process.
All manuscripts should be prepared in
Portuguese language. Foreign authors, not living in
Brazil, can submit their papers in English or Spanish.
Categories and formats of papers
The journal is divided into the following
sections:
Editorial
Original articles
Review articles
Directives in Family and Community Medicine
Essays
Case reports
These Abstracts
Letters to the Editor
The Editorial is responsibility of the editor of
the journal, but can be prepared by third persons on
his request.
The section Original Articles is dedicated to
reports on scientific investigations, presenting origi-
nal data on findings from experiments or observation
with emphasis to qualitative or quantitative studies in
fields of interest for PHC. Original articles are
criticisms or creations on science, technology and
the art of health sciences, contributing to the evolution
of knowledge about Man, nature and social and cultu-
ral inclusion. The papers - including introduction,
material or rationale, methods, results, discussion and
conclusion – should not exceed 25 pages.
The section Reviews is composed by articles
about Health Management, Clinics and Health
Education. Review articles are papers presenting an
up-to-date synthesis of available knowledge on health
science subjects, with the intent to elucidate, organi-
ze, normalize and simplify approaches to the different
problems affecting human knowledge about Man and
nature and social and cultural inclusion. These papers
are aimed at summarizing, analyzing, evaluating and
synthesizing investigations already published in
scientific journals and should not exceed 20 pages,
including introduction, rationale and conclusion.
The section Directives in FCM receives articles
prepared according to the norms for Clinical Directives
of the Brazilian Association of Physicians, validated
by the BSFCM. The purpose of these articles -
prepared under the guidance of the Scientific Board
of the BSFCM – is to organize and reference the work
RBMFC Instructions to authors
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
244
of physicians involved in FMC in Brazil.
The section Essays publishes critical analyses
regarding specific topics related to Family and
Community Medicine. Articles should have 5 to 10
pages.
Case Reports are articles addressing cases
or experiences by exploring a method or problem
based on an example. These articles indicate details
such as sex and age of the studied individual – human
or animal – emphasize their importance in practice
and indicate ways, procedures and conducts for
solving the problem. Articles for this section should
not exceed 8 pages and include introduction, rationale
and conclusion.
The section Abstracts of Theses is aimed at
publishing scientific production in the field covered by
the journal in form of abstracts of master’s and
doctor ’s dissertations defended in Brazilian
universities or abroad. Abstracts should not exceed
one page, state the official title of the dissertation, the
academic degree achieved, date and place where the
thesis was defended and indicate the name of the
supervisor and where the dissertation is available for
consultation.
In the section Letters to the Editor, readers are
invited to express their opinion and make suggestions
to the journal.
Articles should be submitted by electronic mail,
directed to the Secretariat of the Brazilian Society of
Family and Community Health or to the Editor. Papers
should be typed in word processor Word for Windows
– version 0.6 or superior – paper size ISO A4, font
Arial, size 11, space between lines 1,5, and all pages
should be numbered sequentially. References should
be kept to the necessary minimum. The same refers
to tables and figures, which should be understandable
independently from the text. Corresponding authors
should inform their full names and addresses. The
funding sources by which the work was supported
should be stated.
Articles describing investigations on human
subjects must include a statement referring institutional
ethics committee clearance.
Manuscripts should be structured as below:
1. Title
2. Complete names – first name(s) followed
by family name(s) of the author(s)
3. Abstract giving a clear synthesis of the
purpose, describing the methods used and main
conclusions of the study.
4. Key words – a minimum of 3 and a
maximum of 5 key words or describers of the contents
of the work, following the norms of DeCS, available at
http://decs.bvs.br/
5. Text of the article, according to the
recommendations for each category given above.
6. Figures (graphs, diagrams and tables)
according to the recommendations given above.
7. References: are responsibility of the authors
and should be arranged numerically according to the
order in which they appear in the text, according to
the rules of the International Committee of Medical
Journal Editors, Uniform Requirements for
Manuscripts Submitted to Biomedical Journals,
available at http://www.icmje.org
Examples:
Periodical
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000;
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
245
RBMFC Instructions to authors
(5): 46-53.
Book
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar; 1994. 204p.
Book chapter
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro
do Centro de Saúde. In: ________. Educação popu-
lar nos serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo:
HUCITEC; 1997. p. 65-69.
Dissertation
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhado-
res. [Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medi-
cina Social, Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro; 1993.
Event
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implan-
tação das ações de assistência integral à saúde da
mulher no PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on
Collectyive Health; 2000, Salvador. Salvador: Associ-
ação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coleti-
va; 2000. p.328.
References from the internet
Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Ma-
rinho. Developed by: Pontifícia Universidade Católi-
ca de Minas Gerais, 1995-1998. Presents texts on
urbanism and city development. Available at: <http//
www.gcsnet.com.br/oamis/civitas>. Accessed: Nov
27. 1998.
Review procedures and publication of
submitted manuscripts.
The articles are of the full and exclusive
responsibility of the authors.
Peer-review procedure: received articles are
registered by the Secretariat of the journal and
submitted to the Scientific and Editorial Board for
screening, preliminary evaluation and posterior
distribution to ad hoc referees with specific expertise
in the subject addressed by the article. All
manuscripts are submitted to two referees, coming
from institutions different from those of the author(s)
who, in a double-blind review process, assess them
with respect to the following aspects: pertinence of
the title in relation to the content, structure of the
manuscript, pertinence and clearness of objectives,
methodology, intelligible information, conformity of
citations and references with the technical norms
and alignment with the editorial line of the journal.
The referees fill in the review form accepting or
rejecting the manuscript or suggesting
improvements and/or necessary corrections. In this
case, the manuscript is returned to the author(s) for
revision and resubmission, followed by a new
evaluation. The result is communicated to the
author(s) and accepted articles will be published
following the order of registry. No additions or
modifications in manuscripts already accepted for
publication will be admitted.
Responsibility Statement
All individuals named as authors for having
participated substantially in the submitted study have
to take public responsibility for the integrity of their
work and consequently sign the following
Responsibility Statement:
“I hereby declare to have participated
substantially in the conception and design of the
present work and in the writing of the manuscript,
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
246
RBMFC Instructions to authors
taking public responsibility for its integrity. I have read
the final version of this work and agreed to its
submission for publication. The work in its present or
a similar form has not been published elsewhere, nor
is it currently under consideration for publication in
another periodical.”
Articles prepared by more than one author
should state the specific contribution of each of them.
The authors of each article will receive three
exemplars of the edition in which their study was
published.
Ethics in experimentation
Articles based on investigations involving
human subjects should declare in the text that the
investigation has beencleared by the responsible
Ethics Committee on Human Experimentation.
Manuscripts should be submitted electronically to:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Co-
munidade - SBMFC
Contact Address:
Rua 28 de Setembro, 44 sala 804
Rio de Janeiro - RJ
Cep: 20551-031
Tel/fax: 21 2264-5117
e-mail: [email protected]
Rev Bras Med Fam e ComRio de Janeiro, v.2, n° 7, out / dez 2006
247
RBMFC Instructions to authors
Projeto gráfico e diagramação (miolo)www.itpropaganda.com.br
Top Related