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Revista de Estudos sobre Teatro de Formas AnimadasMIN-MIN
A mscara e a formao do atorFelisberto Sabino da Costa
Universidade de So Paulo
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MIN-MIN
Pgina 26: Miroku Denshu espetculo da Cia. Dondoro Theater ( Japo)
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No transcurso da nossa civilizao, a mscara utilizada
sob mltiplos aspectos, possibilitando o contato com o lado
primitivo do homem, a sua poro lmbica e animal,
encampando conceitos, idias ou arqutipos. Enquanto objeto,
ela redimensiona os sentidos alterando a percepo espao-
temporal. Cabe ao ator promover a ao que anima esse objeto
por intermdio de procedimentos especficos, constituindo-
se numa via dupla. O ator relaciona-se com o mundo sob a
perspectiva de um outro ser, e opera na fronteira entre o perigo
e o aconchego. Recorrendo a uma imagem, dir-se-ia que a
experincia da travessia numa corda esticada, em que o
indivduo organiza o seu corpo-outro para interagir nesse
entremeio. Assim, a mscara instaura um corpo no cotidiano
que dialoga com o objeto e este,
Quando sabiamente animado com o uso de uma tenso
apropriada da coluna vertebral e com tremores delicados e
com inclinaes que exploram o jogo de luz e sombra, esse
objeto, que parece morto, adquire uma vida miraculosa.
(BARBA, 1995:118).
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Descortina-se, desse modo, um vasto campo de
experimentao para o ator. Alm da relevncia no mbito da
formao teatral, a mscara insere-se numa gama ampla de
expresses artstico-culturais. Desde h muito est presente
nos ritos e celebraes do homem, quer como elemento
mgico-religioso quer como artefato cnico.
A mscara cnica um elemento de comunicao e
constitui-se territrio da alteridade. Ela (trans)forma e pe
em relevo o sujeito que deve ceder lugar a um outro.
Diferentemente de outras manifestaes mascaradas em que
se tem o ocultamento daquele que a veste, (in)vestir-se de
uma mscara em cena ocultar-se e, simultaneamente, dar-se
a conhecer. Para alguns, como, por exemplo, Dario Fo, o
rosto do ator por trs do objeto permanece impassvel e
inexpressivo (2004:48), para outros se verifica o processo
contrrio:
Seria um erro, pensar que, se um ator usa uma mscara,
seu rosto esquecido. De acordo com o hbito balins, o
rosto embaixo da mscara deve representar. Mais ainda, se se
deseja que a mscara viva, o rosto deve assumir a mesma
expresso que a mscara: o rosto deve rir ou chorar como a
mscara. (BARBA, 1995:118)
As formas teatrais contemporneas tendem a diluir a
distino entre os gneros e a mscara no mais cola ao rosto
do ator, mas pode se tornar a embalagem ou o invlucro que
cobre todo o seu corpo e, at mesmo, ampliar para o espao
citadino como as mscaras urbanas de Donato Sartori.
Denominadas pelo seu autor como performances de
encantamento, Sartori busca a participao do pblico
mediante a utilizao de uma fibra acrlica especial, cuja
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extensibilidade permite pessoa envolver-se a si e ao ambiente
pelo entretecer da fibra, resultando na interao espao urbano,
pblico e artistas.
O jogo com a mscara requer, antes de tudo, a investigao
corporal. Ao subtrair o sistema de expresso do rosto desvela-
se o corpo, que se torna a ferramenta da tessitura gestual no
espao. O homem danava para os deuses, e essa dana
configurava um entretecido por intermdio de aes, gestos,
movimentos, ritmos e silncios. Esse danarino (ou ator-
mascarado) o pai do dramaturgo, como j observara Gordon
CRAIG (1963). Ele ainda acrescenta que o novo dramaturgo
criar com novos materiais e o ator torna-se esse novo
dramaturgo. Assim, esse artigo contempla a mscara naperspectiva da formao do ator e da elaborao da sua
dramaturgia.
A mscara como instrumento deaprendizagem
Enquanto experincia pedaggica, a mscara tem sido
utilizada h bastante tempo, porm, nas primeiras dcadas
do sculo XX que se desenvolve como suporte didtico para
a formao do ator. Jacques Lecoq observa que no fim do
sculo XIX e no inicio do sculo seguinte, d-se o fenmeno
da redescoberta do corpo, marco de um novo olhar sobre a
corporeidade no renascimento dos exerccios fsicos, na
ascenso do esporte, no advento da cronofotografia
(precursora do cinema), na dana, entre outros. Nesse perodo,
inclusive, as mscaras africanas so trazidas para a Europa
por intermdio de artistas, soldados, missionrios, e
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7 Nos EUA, training utilizado sem distino abarcando trs finalidades diferentesdo treinamento: a formao, a produo e o desenvolvimento da arte do ator.Segundo Feral, na Europa, a partir dos anos 80, tem-se preferido a utilizao dotermo training a treinamento.8 Por exemplo, a atriz, butosta e ex-professora da EAD/USP, Dorothy Leiner, emmeados da dcada de 60, faz um curso de mask work, em Londres, e passa trabalharcom esse procedimento quando de seu retorno ao Brasil.9 Os cursos so promovidos por instituies, associaes, ou por intermdio doprprio profissional. A ttulo de ilustrao, podemos citar os promovidos peloSesc-Pompia ou a Atravez (Associao Artstico Cultural de So Paulo), que,em 1987, realiza o curso Mscaras em Cena, ministrado por Aude Kater (criaoe confeco de mscaras) e Maria Helena Lopes (utilizao das mscaras nainterpretao teatral), em So Paulo.
mercadores, integrando-se a uma ambincia receptiva ao
trabalho com elas.
No apenas o treinamento com a mscara, mas o
treinamento (ou training 7) em si, algo recente. Conformeatesta FERAL, a noo de treinamento do ator e, mais ainda,
as prticas que essa noo encerra, na Europa e na Amrica
do Norte, recuam, no mximo, ao incio do sculo XX.
(2003:50)
Antes dos anos 808, j existiam experincias com a mscara
no Brasil, porm, a partir dessa dcada que ela ganha impulso
no pas, perodo em que h o retorno de diversos pesquisadores
e artistas que foram estudar na Europa e nos Estados Unidos
e, ao regressarem, contriburam para disseminao de um
trabalho mais sistemtico, estendendo-se a espetculos,
oficinas9, palestras, disciplinas em escolas tcnicas e
universitrias.
A tradio europia, principalmente a francesa e a italiana,
a principal referncia e, mesmo por intermdio da vertente
americana, a que aqui chegou a tributria das escolas
europias. Soma-se a esse fato a visita de diversos
pesquisadores e artistas cuja presena contribuiu para a
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discusso, a divulgao e a multiplicao desse trabalho10. Almdas escolas, ou de equipes vinculadas a Instituies, surge no
seio dos grupos de teatro autnomos um espao de criao,
de investigao e de formulao de uma pedagogia.
Embora haja uma diversidade de caminhos quando se
aborda a pedagogia da mscara, eles se interseccionam em
pontos comuns, ou seja, nos princpios fundamentais que
configuram esse saber. A ampla possibilidade de sua utilizao
reflete-se na prtica dos professores, quando percebemos que
eles no se fecham em apenas uma escolha. H aquele que a
utiliza enquanto procedimento pedaggico destinado ao jogo
do ator, cujo aporte centra-se somente na mscara neutra.
Outra possibilidade a de encaminhar ao jogo da mscara
expressiva e, neste sentido, a neutra funciona como passagem
para aquela.
Por outro lado, a mscara expressiva pode servir como
metodologia visando o teatro no mascarado, sem estar
atrelada utilizao da mscara neutra, embora possa ater-se
aos seus princpios.
Se esta ltima prope uma amplitude, no necessariamente
vinculada ao personagem, no trabalho com a mscara
expressiva isso parece se fazer necessrio.
No territrio da animao, a mscara colabora
duplamente: possibilita o exerccio, visando um corpo cnico,
e potencializa o ator quanto aos princpios para a atuao
com um objeto.
10 Entre as muitas personalidades, pode-se destacar: Ariane Mnouchkine, RobertoTessari, (Universidade de Pisa) Philipe Gaulier, Donato Sartori, EnricoBuenaventura (Piccolo Teatro) etc. Mais recentemente, Nani Colombaioni, ErarhdStiefel, Franois Lecoq, Sue Morrison. H que ressaltar ainda os mestres do teatroNo, do Topeng, do Kathakali.
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A mscara neutra: um mergulho em simesmo
A mscara neutra propicia a conscincia corporal de
forma plena, pois desperta no aluno a necessidade de ele
aprofundar determinados aspectos do seu ser, e coloca-o ante
os limites e como trabalh-los, visando uma possvel superao.
Apreender o estado neutro significa explor-lo em seu prprio
corpo.
Caso queira que um ator conscientize de seu corpo, ao
invs de explicar isso para ele e dizer; voc tem um corpo e
deve ter conscincia dele, basta colocar em seu rosto um
pedao de papel em branco e ordenar: agora olhe sua volta.
(BROOK, 1985:299)
Colocar o corpo-mente em ao e fazer com que o ator
experimente uma liberdade, mesmo que temporria, como
diz Brook, altera a percepo cotidiana, geralmente
centralizada na face, e o faz conscientizar-se, instantaneamente,
do corpo esquecido.
Num primeiro momento, a mscara neutra possibilita ao
ator (des)vestir a sua identidade pessoal. Na medida em que
ele ape sobre o seu rosto um outro, imediatamente, deixa de
ser ele, enquanto uma identidade fisicamente falando: ao se
olhar no espelho, ele no v o prprio rosto. Eis o paradoxo:
o ator esconde-se para se mostrar. Ao trabalhar a mscara
neutra, Lecoq nos diz que nela se entra da mesma forma que
acontece a um personagem, porm, naquela no h
personagem, mas um ser genrico e neutro. Acrescenta ainda
que, quando se joga bem com ela, o rosto do ator estar
relaxado. (1997:49)
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A mscara neutra serve como apoio para as demais. Assim,
a justeza do movimento, a pausa e a relao frontal (na mscara
neutra ela pode ser relativizada) so alguns dos princpios
comuns, que so utilizados em procedimentos diversos. A
pausa pode se dar com a lei dos trs segundos, a suspenso da
respirao, a pontuao de um movimento, a mudana de uma
ao, a triangulao e a decupagem, entre outros.
Fundamentalmente, a mscara neutra o lugar do silncio, da
escuta e da relao espontnea com o mundo. Assim, quando
um ator explora um objeto - uma mesa, por exemplo - no
esto em jogo as reminiscncias de uma determinada mesa
que ele conhea, mas, sim, a relao com aquele objeto naquele
instante especfico.
Trabalhar a neutralidade no requer, necessariamente, uma
mscara, mas ela se torna um suporte valioso para a apreenso
de determinados princpios.
O objeto torna-se til ao ator que centrado em demasia
no prprio rosto. Tornar o invisvel visvel com o auxlio da
mscara faz com que o aluno tenha que concretizar,
efetivamente, a ao. Porm, dar forma da mscara neutra
uma importncia ou uma geometria excessiva, pode incorrer
em artificialismos. Contanto que no informe demais e no
se converta numa mscara expressiva, ela pode ser uma folha
de papel no rosto do ator, uma meia de nylon, mscarasinspiradas no modelo Sartori/Lecoq ou outra qualquer11.
Quanto forma do objeto, Lecoq nos fala de um modelo
masculino e outro feminino, que so distinguidos por suas
dimenses. Todavia, h aqueles que acham desnecessria essa
11 No trabalho com a mscara neutra, o professor Armindo Bio utiliza umamscara denominada pelos seus alunos de mscara do zorro. Trata-se de umamscara de lona negra, bastante popular nos carnavais das dcadas de 40/60, noBrasil.
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distino, e a mscara caracteriza-se por um padro neutro
geral. A neutralidade apresenta variados estados de
compreenso, fundamentada em princpios comuns, e o que
neutro para um pode no s-lo para outro. Neste sentido, a
neutralidade se torna pessoal (quanto utilizao dos
princpios), dado que no h um padro nico
(ELDREDGE e HUSTON, 1978:22) Para Lecoq, o graubsico de enunciao do jogo do ator na mscara neutra situa-
se na suspenso, um estado basilar que perpassa todo o
processo, no qual o corpo possui um nvel de energia que o
diferencia do habitual12.
A neutralidade refere-se tambm a uma atitude interna e
no a um individuo, e relaciona-se s aes ou atitudes que
Bari Rolfe denomina universais.
Dessa forma, distancia-se da psicologia de um indivduo
e busca um substrato comum a todos e no o particular. H
um desafio em relao s identidades, no sentido de desvesti-
las de suas peculiaridades, as quais envolvem caractersticas
tnicas, culturais, sociais, emocionais e psicolgicas.
12 Na concepo de Lecoq, o teatro requer do corpo um nvel de tenso maiselevado do que o experimentado habitualmente. Assim, ele estabelece uma escalade sete nveis que tem a suspenso como o nvel bsico. Num sentido ascendente,teramos a subdescontrao; expresso de sobrevida, como antes da morte, efala-se com dificuldade; a descontrao so as frias do corpo, e este saltasobre si mesmo como um pndulo; o corpo econmico caracteriza-se pelo mnimode esforo e mximo de rendimento, tudo dito quase com polidez, sem paixo;o corpo sustentado caracteriza-se pelo estado de alerta, suspenso, chamamento,de descoberta e no h descontrao. A primeira tenso muscular situa o teatrono nvel do jogo realista; com a segunda tenso muscular, o teatro est prximoda mscara e no pode ser jogado como na vida, pois estamos no universo daestilizao. Finalmente, a terceira tenso muscular um estado de contenoabsoluta, como o teatro N. Esses nveis no so eqidistantes e se relacionamnuma relao rtmica viva. (LECOQ, 1987) O ator pode percorrer essa gamaascendente e descendente, porm, o estado bsico de suspenso est semprepresente, seja um jogo que tende ao teatro mais realista ou o de conteno absoluta,como no teatro N.
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O exerccio da mscara neutra requer a apreenso da
humildade, porm, no se trata de subservincia ou da
anulao, mas de exercitar a escuta para exercer o ser. O estado
neutro, mais do que um estado interessante para a cena,
principalmente um estado para o ator.
A mscara neutra no se restringe apenas a ser passagem
para a utilizao da mscara expressiva, e vincul-la somente
a essa possibilidade torn-la um caminho unvoco. Ela no
constitui um receiturio, pois uma metodologia no se explica
apenas pelos seus procedimentos, mas tambm pelos conceitos
(ou princpios): a mscara neutra uma pedagogia para a (trans)
formao do ator, revelando-lhe os meandros do seu corpo-
mente.
Na orientao, a prtica dominante a via negativa, dado
que essa mscara o territrio de todas as possibilidades. O
professor no diz ao aluno o que ele deve fazer, mas a partir
daquilo que ele no coaduna com os princpios estabelecidos
pela mscara.
A mscara neutra no uma cincia exata em todos os
sentidos e pode ser pensada como um estgio pr-expressivo:os princpios que tornam vivo o corpo do ator em cena
(SAVARESE, 1995:230) Embora em Lecoq haja a distino
entre o masculino e o feminino, h a possibilidade de trabalh-
la segundo a polaridade animus-anima. Enquanto o primeirotermo refere-se ao vigor e fora, o segundo expressa o suave.
No se trata de distino sexual, mas de formas
complementares de energia e, neste sentido, nada tem a ver
com distino entre masculino e feminino e nem com
arqutipos e projees junguianos. (BARBA, 1995:79). Assim,
a mscara o ideal para apreender o denominador comum
dos seres, das coisas, daquilo que pertence a todos, uma
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mscara coletiva que, dramaticamente, pede o coro.
(FELICIO, 1989:359). Neste sentido, experincia do
individual dialetizado no coletivo.
A mscara neutra retira o ator da interiorizao absoluta
e coloca-o no universo da sensao, revelando-o em suapretenso mais primria, e o que ele faz (ou no faz)
imediatamente percebido por todos. Enquanto lugar da
metamorfose, a mscara constitui um instrumento que gera
reflexes sobre o trabalho do ator, principalmente, se se parte
de principio de que o seu corpo o suporte para a enunciao
de um personagem. Este no uma entidade pr-existente
tessitura dramatrgica que o ator veste, mas uma encruzilhada
de signos que so gerados no seu corpo. Assim, a mscara
(neutra) se revela como um instrumento eficaz para esta
(trans)formao.Ao discorrer sobre as principais caractersticas que
distinguem um exerccio atoral, e a explicitao desse fazer
enquanto dramaturgia, BARBA nos diz que nos exerccios o
ator aprende a no aprender a ser ator, isto , a no aprender
a atuar. O exerccio ensina a pensar [e agir] com o corpo-
mente. (1995) Essa tambm uma questo fundamental na
formulao de um trabalho com a mscara neutra.
Jogar.com
Jogar com a mscara (com)partillhar a ao presente
em mltiplas camadas, estabelecendo inter-relaes com o
prprio corpo e deste com o objeto aposto em sua face.
colocar-se em situao de risco e buscar um dilogo ldico
consigo mesmo, com o outro e com o espectador num espao-
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tempo mutante. Tanto em Copeau quanto Lecoq, o jogo
principia com o silncio que antecede ao uso palavra. Na sua
pedagogia, antes da utilizao da mscara neutra, Lecoq prope
que se trabalhe a psicologia da vida silenciosa, para que os
alunos (re)vivam situaes ldicas sem se preocuparem com
o pblico, em que todos os participantes se envolvem e
(re)criam uma sala de aula, um mercado, um hospital ou um
metr. Nesse faz-de-conta, busca-se presentificar
corporalmente a liberdade experimentada na infncia, processo
que Lecoq define como rejeu, para distingui-lo de jeu13 queaparece mais tarde, quando consciente da dimenso teatral, o
ator d, para o pblico, um ritmo, uma medida, uma durao,
um espao, uma forma sua improvisao. (LECOQ,
1997:41) Ao associar o jogo da mscara ao universo da
brincadeira infantil, Copeau e Lecoq elaboram prticas que
procuram resgatar o estado ldico, parte fundamental no
trabalho do ator. Porm, h a necessidade de conhecer os
condicionantes que se originam dos diversos aspectos que o
envolvem nas mltiplas relaes. Selecionemos, inicialmente,
um referente ao objeto: Amleto Sartori, ao optar por
confeccionar a mscara neutra em couro, a fez com um material
malevel demais, e quando colocada no rosto de Lecoq, aquela
grudava demasiadamente na pele, impedindo-o de jogar.
Assim, ele percebeu que era necessrio haver uma distncia
entre rosto do ator e a mscara. Esta no atua em oposio
ao rosto, mas sim com ele, no se trata de um e de outro,
porm de ambos que se somam e interagem simultaneamente,
mas no se fundem. Numa outra perspectiva, a existncia de
um vazio, embora no destitudo de energia, configura um
13 Entre os diversos sentidos que a palavra jeu suscita, neste contexto, poderamosreferir atuao, ou seja, o jogo que o ator estabelece durante a atuao.
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espao-tempo no visvel, porm sensvel, e pode ser
observado na regra dos trs segundos, no jogo do andar/
falar14 empregado pelo Thtre du Soleil, ou na dialticaestabelecida entre ao e reao, na qual se observa que,
quanto maior seja o espao de tempo entre a ao e a reao
mais forte ser a intensidade dramtica, maior ser o jogo
teatral se o ator sustentar esse nvel. (LOPES, 1990:59) Na
triangulao, que contribui para a quebra da continuidade lgica
sugerida pelo realismo e a incluso da platia no jogo teatral,
h micro-momentos de vazios, nos quais o espectador
preenche com a imaginao. Neste sentido, a professora Isa
TRIGO nos diz que o jogo cnico composto pelo tecido
vivo que se compe dos olhares, movimentos e pausas dentro
de um estado especfico (1999:111) Assim, a pausa dentro
de um estado especfico vincula-se tambm ao vazio que no
ocasiona a interrupo. Deve-se ressaltar que no se tratamde tcnicas somente, antes constituem princpios que
determinam o jogo. Assim, o jogo do ator [com a mscara]
, para falar de maneira figurada, seu duelo com o tempo, em
que as relaes so (re)descobertas em presena. (ApudPICON-VALLIN, 1989:35)..
14 O exerccio coloca como restrio a no simultaneidade das duas aes.
Improvisao
A atividade improvisacional encerra, segundo Sandra
CHACRA, diferentes implicaes e significados, de
conformidade com os diversos contextos e prticas com os
quais se encontra ligada e caracteriza-se pelo momento e
pela espontaneidade (1983:111) Valendo-nos de Grotowski,
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observamos que a espontaneidade impossvel sem a estrutura
e que necessrio rigor para alcan-la. Quanto mscara,
Sears ELDREDGE, nos diz que a improvisao requer quevejamos com nossa imaginao transformativa (1996:60).Vista por este ngulo, a mscara requer o improviso como
algo intrnseco, pois uma vez instaurada no tempo, e posta
em movimento, sempre devir.
Assim como o jogo, a improvisao ancora-se em
princpios que atuam como propulsores para o impondervel,
o fenmeno imprevisto (que pode ser pr-visto) e, no calor
do evento, assume uma natureza inaugural. Improvisar da
natureza da mscara, dado que o objeto deve, a cada dia, ser
animado, receber o sopro divino respirao pelo ator para
coloc-la e se colocar em movimento. Embora v construindo
um repertrio, o ator no lhe tem apego e, a cada vez que h
o encontro entre ator e mscara, a (re)conhece, a (re)v, a
(re)cria. A mscara o objeto que (re)vive a cada experincia,
remontando ao pressuposto heraclitiano do devir, no qual
sensvel e inteligvel no se separam. Nesse sentido, ao se
propor ser, cada ato sempre o primeiro das muitas vezes
possveis, abrindo-se tambm para a manifestao do acaso.
A improvisao um constante fluir do corpo-mente sempre
renovando o contexto de nossa experincia. Considerando-
se estes postulados, a mesma pode se dar de uma forma livre,
com uma estrutura mnima, com a qual a espontaneidade do
ator possa agir ou advir de um universo mais codificado, como,
por exemplo, o da commedia dellarte.A improvisao estabelece um jogo no qual professor e
aluno renunciam o apreendido e se pem disponveis para o
inesperado. Dessa forma, o professor tambm improvisa, dado
que no tem uma resposta preconcebida ao que aluno faa.
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Improvisar no se vincula, necessariamente, a um resultado
esttico e um instrumento poderoso em que se conjugam
diversos princpios da arte de atuar, em que cada qual deve
descobrir sua maneira de aprender. Assim como a mscara, a
improvisao no se constitui num conjunto de tcnicas, mas
configura-se em princpios dos quais se valem os professores
para comporem suas metodologias. Improvisar um processode afinao do corpo-mente do ator, e deve ser prtica
contnua, tornando-se elemento constante do seu treinamento
(ou training). Se a improvisao, sob o ngulo do pblico, s pode
ser entendida atravs de uma reao imediata da platia
(CHACRA, 1983:111), cuja vibrao contamina o artista em
cena, quando esta se d num ambiente de formao do ator,
a platia composta em classe reveste-se de uma qualidade
especfica para alm daquela experimentada pelo espectador
alheio situao explicita de aprendizado. Material criado
em situao de ignorncia que pode se constituir um repertrio
sempre restaurado, a improvisao serve tanto formao
do ator quanto formulao de linguagens estticas. A
improvisao, por mais codificada, traz em si a surpresa, o
inesperado, o admirvel espanto que nos faz pensar pela sua
originalidade.
O observador
No trabalho com a mscara, o espectador um elemento
fundamental, tanto no processo de aprendizagem quanto no
espetculo, em que a platia um dos suportes do jogo cnico.
O observador o espelho pelo qual o ator se v. Para Lecoq,
o observador no deve emitir opinio, porm, constatar.
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A constatao o olhar que se dirige sobre a coisa viva,
intentando ser o mais objetivo possvel. (1997:31)
Referenciando Arheim, TRIGO nos diz que ver compre-
ender, a percepo no nvel sensrio semelhante ao
raciocnio no domnio do entendimento. (1999:33) O olhar
do aluno deve ser como o olhar da mscara, em que todo o
seu corpo participa, ativando as inteligncias de todos os
sentidos.
Durante um processo educativo, aprende-se tambm por
observao, tanto o aluno que se v fazendo algo quanto aquele
que observa algo sendo feito. Como j referido, a mscara
um instrumento de duas vias e, neste sentido, fundamental a
presena de um observador. O ir-e-vir, que caracteriza as vias
interna e externa para o ator, se efetiva pelo jogo cnico,
mediante ator e espectador. Numa outra instncia, o professor
de igual modo um observante, pois, nessa fase, o trabalho
de orientao do ator fundamental para o seu desempenho
com a mscara.
As mltiplas energias
A mscara exige uma presena cnica correspondente
energia elaborada pelo ator para sustent-la. Quando se fala
em energia h, pelo menos, duas possibilidades: a que se refere
ao trabalho do ator e a concentrada no objeto, configurada
pela forma, pelas linhas e pelo material do qual ele feito.
Neste ltimo aspecto, forma e linhas so expresses da energia
organizada pelo mascareiro, tal como Rodin observa, ao falar
da arte da escultura:
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Na realidade, no h um s msculo do corpo que no
expresse variaes interiores (...) acentuo as linhas que melhor
expressem o estado de esprito que interpreto. (RODIN,
1990:20/22).
H, ainda, a energia como manifestao de uma fora
supra-humana. Para um mascareiro balins, a energia (ou a
alma) concentra-se na mscara e, para entalh-la, encontra a
madeira por intermdio de um ritual extremamente requintado,
como inclusive acontece com um integrante da etnia Dogon:
a madeira eleita ao mesmo tempo em que se oferece para a
escolha.
Em nosso contexto, estabelecemos outras formas de
relaes com o material, criamos pequenos rituais e crenas
no exerccio do fazer, mesmo que momentneos. A energia
da mscara, no necessariamente, tem um carter mstico,
porm, no processo de confeco, aquele que a constri,
imprime um pouco de si na geografia do objeto. Em sua
pesquisa, BARBA nos lembra que energia, etimologicamente,
significa estar em ao ou em trabalho.
Na prtica com a mscara, o estar em ao, em parte,
d-se pela relao dialtica do movimento, a partir da
conjuno objeto e corpo. Ainda segundo o autor, a oposio
a essncia da energia e a dana das oposies danada no
corpo, antes de ser danada com o corpo. (1995:13) Nesse
sentido, entre este e o objeto h um encontro, dado que o
ator, pela sua organizao psicofsica, faz nascer o fluxo
energtico.
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Estados da mscara e do ator
A mscara traz em si a possibilidade ou a capacidade de
afetar quele a quem ela (in)forma e, no processo de utilizao,
o ator se abre para receber as informaes que ela lhe sugere
e vice-versa. Porm, no se trata de uma generosidade passiva,
mas (re)ativa, pois a mscara no faz pelo ator aquilo que lhe
devido. Nesse sentido, ela determinante: o ator (des)cobre-
se com a mscara e esta vai encontrar nele elementos que
dialogam com o estado que ela prope. Em outras palavras,
aquilo que o motiva (assumindo o estado proposto) e, por
outro lado, como que o ator motiva (pe em movimento)
aquela energia. Manter um estado requer o exerccio do corpo-
mente, promovendo um domnio tcnico que se converta
numa segunda natureza para o ator. 15 Fundamentalmente, a
mscara suscita um estado que se assenta sob uma determinada
energia, aquele pode ser alcanado tambm sem a mscara,
porm, no primeiro caso, implica numa confluncia psicofsica
mediada pelo objeto.
O estado um constante fluir que envolve sentimento,
emoo, pensamento e articula-se com a ao. Em
determinados momentos, faz-se necessrio a pausa, a qual
no nega o movimento, antes o reafirma. A pausa um vo
que se abre nas linhas de ao e se converte na ponte que leva
ator e pblico a compartilharem o caos, e do qual emergem
revigorados.
15 Grotowski nos diz que dominar a tcnica um estgio necessrio para depoisesquec-la. O que nos remete no-conscincia, como observa TRIGO,preconizada por Mnouchkine como uma condio de fluidez para o trabalho.
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Numa abordagem mais ampla, o termo estado adquire
outras acepes e pode referir-se s diversas experincias
vivenciadas pelo aluno numa situao de ensino-aprendizagem.
Energia e estado na mscara podem ser compreendidos sob
mltiplos aspectos, e estes se manifestam mediante o ator e o
objeto postos em relao. No h um receiturio que permita
alcanar e manter determinado estado; tampouco h uma
medida temporal para que isso acontea, cada ator elabora o
seu prprio percurso, partindo de princpios que so comuns
a todos.
O outro corpo: a dramaturgia do ator
Seja no campo da pr-expressividade, seja no da
expressividade, a mscara determinante no que se refere ao
corpo do ator. Dessa forma, temos o trabalho (ou
treinamento) do ator sobre si mesmo, para alm do seu corpo
social e o espao de criao artstica propriamente. Em ambos,
a mscara prope, necessariamente, um nvel de energia
distinto daquele requerido pelo corpo habitual. no instante
de suspenso16 que esse teatro aparece, (LECOQ, 1987:104)
e manter-se em estado de suspenso requer um corpo dilatado.
A preparao do ator, principiando por uma base fsica ou
no, perfaz um caminho at atingir o estado de jogo, ou seja,
a passagem de um corpo cotidiano para um corpo cnico.
Este corpo, no qual o ator tece signos cuja confluncia gera o
personagem, busca um equilbrio precrio caracterizado por
16 Lecoq estabelece sete nveis de energia para o trabalho de enunciao do ator:o nvel mximo de tenso, a exacerbao de energia, a hipertenso, e o nvelmnimo a exausto. Tal como uma escala musical, ele parte da exausto, seguidodepois pela economia, suspenso, deciso, atitude e hipertenso. Em cada nvel,enuncia-se o jogo do ator de uma determinada maneira.
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qualidade distinta daquela com a qual se relaciona na vida
habitual. Dario FO argumenta que o elemento de base da
commedia dellarte, e de determinados estilos do teatro oriental, a bacia (Koshi), ou seja, o jogo est centrado na bacia, mola
propulsora de todos os movimentos. Assim, enquanto o Vecchiocoloca para frente o molejo da bacia, o zanni Arlechino, clssicodo sculo XVIII, projeta o ventre para frente e os glteos
para fora, estabelecendo um jogo de oposies em que realiza
uma dana continua com salto e trote. J o do sculo XVII
mais centrado no tronco, deslocando-se em um fora de
equilbrio, com o jogo de ancas no danado, mas andado
(FO, 2004:65) Enfim, com o outro-corpo busca-se um
equilbrio de luxo que instaura o universo cnico e, no decorrer
desse processo, cada ator constri o seu modo prprio para
instalar em seu corpo cotidiano essa organizao de energia,
passagem que engloba a parte fsica (motor-muscular) e a
mente.
Estar em estado relaciona-se alterao da conscincia
psicofsica do ator, e traz no seu bojo a energia necessria
para a constituio de um corpo cnico. Para alguns
professores, o percurso estabelecido da mscara neutra
expressiva tem como intuito trabalhar esse estado diferenciado,
pois, ao velar o rosto, em geral, o objeto primeiro da
comunicao o corpo que prov fluidez ao objeto. Se a
mscara que gera a organizao corporal, ou se a partir desta
resulta a mscara, uma questo de escolha, pois ambos os
caminhos so igualmente vlidos.
O conceito de dramaturgia aplicado ao trabalho do ator
tem nas aes fsicas, elaboradas num espao-tempo
determinado o seu esteio, aes de carter psicofsico que
sofrem mudanas de qualidade ao longo da sua trajetria. Essa
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busca realizada com uma mscara suscita elementos com os
quais o ator possa trabalhar tanto o elemento visvel (a
partitura) quanto o invisvel (a sub-partitura). Esse ltimo,
como observa Barba, que d vida quilo que o espectador
v. o corpo-outro o suporte para a dramaturgia do ator,
seja no processo pessoal seja na tessitura da cena, cuja suave
brisa provoca alteraes na perpendicularidade do espectador.
Trabalho vocal e tipologias de mscarasfalantes
Ao colocar a mscara sobre o rosto, o ator ter os seus
sentidos alterados, e ter que adequar a respirao a essa nova
realidade. Alm das suas linhas, que podem influir na pesquisa
da voz para o personagem, a anatomia da mscara conduz a
um estado vocal diferenciado. Assim, meia-mscara, mscara
inteira sem articulao da mandbula e mscara inteira com
articulao proporcionam qualidades vocais distintas. Mesmo
dentro de um determinado estilo de mscara h variaes. A
meia-mscara pode apresentar caracterstica diversa de acordo
com o personagem e com a sua conformao. Ao discorrer
sobre a anatomia de determinadas mscaras do Magnfico,
Dario FO diz que muitas comprimem o meu rosto,
impedindo-me de respirar e, principalmente, dando um tom
errado minha voz. (FO, 2004: 111). H que se considerarainda o material com o qual ela feita, uma mscara de papel
mach tem uma ressonncia distinta de uma realizada em
couro17. Valendo-nos ainda das apreciaes de Dario Fo, pode-
17 Para o mascareiro Werner Strub, a matria com que fabrica a mscara, segundoseja mais bruta ou mais refinada, criar diferenas de estatuto e de classes sociais.
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se dizer que cada mscara um instrumento musical que
possui sua particular caixa de ressonncia (...) e adaptar-se
mscara resultado de exerccio e ateno, uma questo
tcnica, mas tambm de instinto.(FO, 2004:45/115).
Para Lecoq, a emisso de uma voz no espao da
mesma natureza que a realizao de um gesto, da mesma forma
que lano um disco no espao, lano minha voz no espao,
intento alcanar um objetivo, falo a algum de certa distancia.
(1997:150) Nesse sentido, a voz toca, acaricia, envolve ou
esmurra o interlocutor. Na sua escola, a experincia com a
voz est ligada ao fsica e tambm ao corpo da palavra,
que deve ter a qualidade da aderncia. Nos exerccios com o
coro o trabalho vocal busca a voz comum do conjunto.
Enquanto a mscara neutra, que cobre todo o rosto,
caracterizada pelo silncio, na meia-mscara neutra
experimenta-se a sonoridade, e esta aflora no movimento. As
mscaras expressivas podem ser silenciosas, como no trabalho
de Ana Maria Amaral, ou articuladas, para permitirem a
emisso vocal. Existem ainda os acentos, como doutor da
commedia dellarte ou mscaras que cobrem pequenas poresdo rosto, denominadas mscara de zigoma por Jair Correia,
do grupo Fora do Srio (SP). Nestas, experimenta-se maior
liberdade facial e vocal. H, porm, mscaras expressivas em
que no se tem articulao, na qual o ator fala por intermdio
de um orifcio na boca, como a utilizada por Libby Appel, ou
as que no apresentam orifcio pronunciado, mas a distncia
entre o rosto do ator e o objeto possibilita que isso acontea,
como as do teatro N. Porm, so as meias-mscaras, aquelas
em que a voz largamente empregada.
No prprio processo de trabalho com a mscara existe a
possibilidade de se aprimorar o trabalho vocal.
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Utilizado com a meia-mscara, o grammelot possibilita nosomente a quebra da lgica da palavra e de determinados
automatismos, mas tambm o trabalho com a embocadura e
a colocao da voz.
Trata-se, portanto, de um jogo onomatopaico, articulado
com arbitrariedade, mas capaz de transmitir, com o acrscimo
de gestos, ritmos e sonoridades particulares, um discurso
completo. (FO, 2004:97)
Nesse processo, encontra-se implicado a criao de
sonoridades (sons onomatopaicos), bem como, gestualidade
limpa, e evidente, timbres, ritmos, coordenao e,
principalmente, uma grande sntese. (FO, 2004:100), ou seja,
o grammelot torna-se uma voz-mscara por excelncia.Improvisar, utilizando o grammelot, constitui um exerccio
dramtico acompanhado de dimenso vocal, em que a mistura
de sons sugere um sentido para o discurso. Porm, podemos
pensar que, antes do sentido, o que nossa memria retm ,
muitas vezes, como as coisas so ditas. (RYNGAERT,
1995:46)
Por fim, deve-se observar que a voz no somente o
som, mas a vibrao externa e interna do corpo18.
Dessa maneira, ao se emitir a sonoridade de um a, por
exemplo, todo o corpo se organiza num espao de tempo
imediatamente antecedente, configurando-se nas vibraes
desse a, mesmo que esse ato no seja visvel. Neste sentido,
o ator busca no seu corpo a sonoridade que tambm mscara.
18 Anotao realizada pelo autor da pesquisa durante o curso de Do Ho, ministradopor Toshi Tanaka.
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Os caminhos da ao para o trabalho com a mscara so
diversos, mas se apiam sobre princpios comuns. As escolhas
se do em conformidade com cada percurso, em que as
referncias so (re)trabalhadas em cada contexto. A mscara
no se presta somente construo do personagem, mas
apresenta-se como instrumento para a compreenso do
fenmeno teatral, distanciando-se uma perspectiva
exclusivamente tcnica.
O trabalho com a mscara em escolas de teatro se insere
numa perspectiva esttica e pedaggica do sculo XX, que a
resgatou. A partir da dcada 80, o Brasil experimenta um
crescimento considervel no trabalho pedaggico vinculado
a esse pensamento, no somente em escolas de teatro, mas
tambm em grupos teatrais.
O projeto pedaggico com a mscara colabora
fundamentalmente na formao dos atores e permite aguar
a percepo e a anlise desse fazer, pois ainda que eles no a
utilizem como escolha artstica percebem claramente princpios
que so essenciais para a compreenso do seu ofcio. Com a
mscara, evidenciam-se questes que so muito objetivas,
como, por exemplo, a qualidade e a preciso do gesto, a forma
como ele utiliza o corpo ou se relaciona com objetos. Tudo
isso se evidencia e salta aos olhos do receptor.
Simultaneamente, artifcio e humanidade, rigor e
espontaneidade, a mscara traz em si algo rigorosamente
construdo, ao mesmo tempo em que revela algo demasiado
humano.
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Pgina 52: Bulha dos Assombros espetculo do Grupo Menestrel Fazed de Lages (SC)Pgina 53: (Superior) Stop espetculo da Cia. Mikropodium de Budapeste (Hungria)Pgina 53: (Inferior) Antologia espetculo da Cia. Jordi Bertran (Espanha)
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