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AVIES NO CONTESTADO: DESCORTINANDO
UM EMPREGO MILITAR INDITO
Claudio Passos Calaza
Resumo: Em um perodo recente em relao ao advento do avio e, em especial, de sua
aplicao blica, o Exrcito Brasileiro realizou, entre 1914 e 1915, uma indita experincia de
emprego de avies em um conflito. O presente trabalho tem por objetivo elucidar, nos
primrdios da Aviao Militar Brasileira, o episdio do emprego areo na Guerra do
Contestado (1912-1916), sob a tica do processo de incorporao tecnolgica do avio no
Exrcito Brasileiro. A pesquisa foi centrada no conhecimento dos fatores que concorreram
para tal iniciativa, mediante uma anlise das conjunturas poltica, militar e tecnolgica do
perodo. A investigao histrica buscou identificar doutrinas, motivaes e concepes do
emprego areo da poca, bem como a elucidao do transcurso e dos resultados das operaes
areas no Contestado, que culminaram na morte do tenente Ricardo Joo Kirk, primeira
vtima da aviao militar brasileira. Valendo-se de fontes primrias e secundrias, o autor
buscou resgatar fatos e analisar, sob os pontos de vista poltico e militar, o episdio pioneiro
do emprego militar de avies na Amrica do Sul.
Palavras-chave: Guerra do Contestado; Aviao Militar, Ricardo Kirk.
INTRODUO
Em 1912 tinha incio em Irani no Paran, hoje em Santa Catarina, a Guerra do
Contestado. Embora esquecida na memria nacional, este conflito messinico, ao longo de
um sculo vem contemplando a pesquisa histrica brasileira como um rico manancial.
Podemos verificar sua ampla e variada produo historiogrfica. Nessa prolongada guerra,que perdurou at 1916, sertanejos precariamente armados movidos por mitos e crenas do
catolicismo rstico enfrentaram e at sobrepujaram foras estaduais e o Exrcito Brasileiro
(EB), impondo intenso desgaste ao poder militar da Primeira Repblica.
Poucos so, entretanto, os estudos militares acerca do Contestado a ressaltar e a
aprofundar-se em um dos mais inusitados episdios da histria aeronutica. O fato que se
deu, na campanha final do conflito, o primeiro emprego militar de avies no continente sul
O autor coronel da Aeronutica, especialista em Histria Militar pela UNISUL e mestre em Cincias Aeroespaciaispela UNIFA, docente de Histria Mili tar da Academia da Fora Area. E-mail: [email protected]
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americano, efetivado pelo EB que, curiosamente, se encontrava no curso de um conturbado
processo de incorporao tecnolgica desse vetor. A maneira como a iniciativa foi decidida
ainda mais intrigante, se for considerado o contexto tal como aconteceu.
Quatro dias aps assumir o comando das operaes no Contestado, o general
Fernando Setembrino de Carvalho enviou uma mensagem ao ministro da Guerra,
requisitando o emprego de aeroplanos no conflito. O dia era 16 de setembro de 1914, quase
oito anos decorridos do vo primordial do 14 bisde Alberto Santos Dumont, e apenas trs
anos do primeiro emprego de avies sobre um campo de batalha, ocorrido durante a Guerra
talo-turca, na Tripolitnia (hoje parte da Lbia), no ano de 1911.
A deciso do general sugere uma iniciativa precocemente concebida, pouco avaliada
ou mesmo refletida diante do teatro de operaes, pois somente dois dias depois Setembrino
de Carvalho estabeleceria seu Estado-Maior para a campanha. Antes de partir para o
Contestado, o general testemunhara nos peridicos da Capital as notcias do bem sucedido
emprego de avies em misses de observao na Batalha do Marne, contribuindo para os
esforos franceses em conter a avassaladora progresso do Exrcito alemo rumo a Paris.
O tema se torna ainda mais intrigante quando fica evidenciado que, no perodo da
Guerra do Contestado, a aviao militar mundial estava em seus estgios preliminares, e que
ainda era questionada por grande parte dos chefes militares europeus a aplicabilidade do
recente invento nos campos de batalha. Pouco tempo antes, um expoente do pensamento
militar francs, marechal Ferdinand Foch, havia afirmado categoricamente que o avio no
possua nenhum valor militar.1
No tocante aos aspectos militares do Contestado, a produo historiogrfica
disponvel evidencia que o emprego areo episdio ainda pouco explorado e interpretado,
persistindo diversas lacunas no conhecimento histrico. A mais importante destas reside na
compreenso das razes que precipitaram o EB a esse indito emprego. Oportunamente, deve-
se considerar ainda que a constituio efetiva da aviao do Exrcito s se concretiza a partirde 1919, por meio dos auspcios da Misso Militar Francesa .
Somam-se ainda intrigantes indagaes sobre como transcorreram essas operaes e
seus resultados militares, tendo em vista que o esprito pico e mitificador dos muitos autores
militares procurou, mesmo que instintivamente, exaltar apenas o pioneirismo da iniciativa e o
herosmo de seus personagens dispensando, assim, as mais apuradas anlises.
1 Les avions sont des intressants jouets mais n'ont aucune utilit militaire foi a conhecida frase proferida pelo
marechal em 1911, quando questionado sobre sua opinio acerca da aquisio de avies para o Exrcito daFrana. Citao referenciada em PICKOVER, Clifford A. Time: A Traveler's Guide. Oxford University Press, 1999, p. 249.
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O alvo da presente comunicao revelar o contexto poltico, militar e tecnolgico,
bem como dilatar o conhecimento acerca do emprego da aviao na Guerra do Contestado
sob o enfoque da tecnologia e da arte militar. Torna-se importante considerar,
preliminarmente, o quanto o Contestado foi relevante para a pauta da modernizao militar, e
ainda, sobre o processo de adoo do avio no EB. Corroborando esta proposio, o um
historiador norte-americano entreviu o Contestado como uma das mais importantes
experincias do Exrcito em sua luta pela modernizao.2
O presente tema evidencia e prope a reflexo para o exemplo histrico de um
processo de incorporao tecnolgica militar diante da casustica iniciativa de emprego em
um conflito oportuno.
O DESAFIO DA AVIAO NO EXRCITO BRASILEIRO DA POCA
O conflito do Contestado teve incio no governo de Hermes da Fonseca (1910-1914),
o marechal presidente que desempenhou importante papel como reorganizador do Exrcito,
ocupando a pasta da Guerra no governo de Afonso Pena. No incio do sculo XX, o EB era
uma instituio estagnada, sem renovao de seu equipamento, e distante da evoluo dos
mtodos de combate resultantes das ltimas guerras do mundo industrializado. No continente
europeu, a Guerra Franco-prussiana (18701871) representara um marco para a reorganizao
de exrcitos em todo o mundo. O Exrcito alemo era, ento, o exemplo e o modelo a ser
seguido. No Brasil, Hermes deu incio ao processo de modernizao com bases germnicas,
incluindo a organizao de grandes unidades e aquisio de novos equipamentos.
J na segunda dcada do sculo XX, a introduo da aviao no EB transparecia
como importante meta militar de Hermes da Fonseca, significando a continuidade da ao
modernizadora por ele iniciada quando na pasta da Guerra. Ainda na condio de presidente
eleito, em setembro de 1910, realizou propalada viagem Europa, tendo a oportunidade deassistir exibies dos pilotos militares franceses durante as manobras de outono. O marechal
ficou maravilhado com a proeminncia do novo recurso militar. Nesta mesma viagem, passou
antes pela Alemanha onde havia firmado um importante convnio para a instruo de oficiais
brasileiros, mas nada poder ver termos de aviao no modelar Exrcito do Kaiser.3
O gabinete de Hermes da Fonseca inicialmente contou com a curta permanncia de
dois ocupantes na pasta da Guerra os generais Emdio Dantas Barreto (1910-1911) e
2MAcCANN, Frank D. Soldados da Ptria: histria do Exrcito brasileiro 1889-1937. So Paulo: Companhia das Letras,2007.3Oramento para um Campo de Aviao, mar 1912, fonte: AHEx, pasta J.20 caixa 02 Aviao do Exrcito.
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Antonio Adolfo Mena Barreto (1911-1912). Ambos sucumbiram envolvidos nas querelas da
poltica das salvaes. Incoerentemente, a to criticada politicagem tomou conta do
Exrcito e a almejada profissionalizao ficou paralisada no perodo dos efmeros ministros.
Aps estes, ocorreu a inteno de Hermes entregar o Ministrio da Guerra nas mos do baro
do Rio Branco, ministro das Relaes Exteriores, o qual insistentemente reclamava pela
continuidade da modernizao do Exrcito.4 A repentina morte do chanceler, em 1912,
frustrou a iniciativa, restando ao presidente ceder poltica oligrquica com a indicao do
general Vespasiano Gonalves de Albuquerque e Silva. Caberia, ento, a este general, nos
planos de continuidade da modernizao militar, a esperada misso de implantar a to
almejada aviao no EB.5
O marco institucional da aviao militar brasileira ocorreu com a edio da Lei n.
2.544, de 4 de janeiro de 1912, que autorizou o Ministrio da Guerra a organizar as primeiras
bases de aeroplanos.6Em seguida, desenvolveu-se um estudo preliminar, a cargo do Grande
Estado-Maior, tratando da viabilidade, custos e aes iniciais do projeto. Apesar da grande
vontade poltica, a falta de recursos tornou-se uma realidade, mas acima de tudo, o processo
se tornou bastante conflituoso pela dicotomia de interesses e pensamentos aeronuticos. De
um lado figurava o Aeroclube Brasileiro (AeCB), tendo a frente o tenente de cavalaria
Ricardo Joo Kirk, primeiro aviador do Exrcito, que havia realizado com recursos prprios
um curso de pilotagem em Etampes, na Frana. Kirk, membro influente no Aeroclube por sua
condio de militar brevetado, almejava que o Ministrio da Guerra se associasse ao AeCB na
organizao da primeira escola de aviao para a formao de pilotos militares e civis.
Em outra vertente encontrava-se o ministro Vespasiano, um general pouco crente nas
possibilidades militares do avio em sua fora, com parcos recursos oramentrios e
determinado refutar a parceria com o AeCB, justificando o isolamento do pioneiro aviador
dissidente. Em jogo estavam prometidos recursos financeiros e incentivos governamentais
para o impulso da aviao no Brasil. Diante das presses polticas pela pronta organizao daaviao, em 1913, o ministro da Guerra, em um ato precipitado e polmico, resolve firmar um
contrato com um grupo de empresrios italianos, a Gino Bucelli & Cia, que atuava no Brasil,
promovendo rendosas exibies areas para o pblico.
4MIRANDA, Nini. A Vida do Marechal Hermes da Fonseca. Rio de Janeiro: Coleo Jaime Pricles de SouzaGuimares, 1944, p. 86.5CARVALHO, Fernando Setembrino de. Memrias- dados para a Histria do Brasil. Rio de Janeiro: edio do autor ,
1950, p. 101.6BRASIL. Lei n. 2.544 de 4 de janeiro de 1912.
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Ocorreu a um curioso recurso de terceirizao da primeira escola de aviao militar,
j que o Ministrio da Guerra, evitando a associao com o AeCB, no possua equipamentos
nem pessoal formado para tal empreitada. Esta escola, a EBA/Gino & Bucelli, instalada no
Campo dos Afonsos em fevereiro de 1914, teve durao efmera, terminando fechada aps
quatro meses sem concluir a formao de nenhum piloto. Problemas no cumprimento do
contrato envolvendo, sobretudo, a manuteno das aeronaves e pagamentos foram causas do
malogro da iniciativa. Enquanto isso, a escola do Aeroclube parecia decolar de vento em
popa, operando no mesmo Campo dos Afonsos. Kirk ganhava notoriedade como aviador nos
peridicos locais pelo seu desempenho em provas areas promovidas pelo Aeroclube.
precisamente nesse momento que se evidencia o agravamento da situao no
Contestado, desencadeando uma mudana de atitude por parte do governo. O desgaste poltico
atingira seu clmax, pesando ainda mais a demonstrada inabilidade do Exrcito, reorganizado
pelo prprio presidente, em resolver a contenda por repetidas expedies. O descrdito recaa
tambm no ocupante da pasta da Guerra, responsabilizado pelo desempenho de um exrcito que
sucumbia diante dos precariamente armados caboclos do Exrcito Encantado de So
Sebastio. As percepes acerca da gesto na rea militar eram evidenciadas pela a situao de
malogro dos projetos da aviao.
A INICIATIVA DO EMPREGO AREO
Em agosto de 1914, precipitou-se a formulao de uma grande campanha para o
Contestado sob o comando do novo general Setembrino de Carvalho. O novo comandante
solicitou um contingente de seis mil homens e recursos de toda ordem, propondo levar ao Sul
as melhores unidades de um moderno exrcito. Em final de mandato, Hermes da Fonseca
garante-lhe todo o apoio. Ao desembarcar de trem em Curitiba, o general prontamente assume
o comando e solicita ao Ministrio da Guerra o emprego de avies. Para tanto, requisita oengajamento do AeCB, incluindo suas aeronaves e convocando seus aviadores, o tenente Kirk
e o italiano Ernesto Darioli, este contratado mediante a quantia mensal de um conto de ris.
A requisio do general Setembrino nada tinha de original para o Contestado, pois
seu antecessor, general Carlos Mesquita, j havia tentado tal iniciativa sem sucesso. Em abril
de 1914, o aviador Ccero Marques voluntariara-se com seuBlriot XI para o combate contra
os sertanejos do Contestado.7 Ccero Arsnio de Souza Marques, conhecido esportista e
7Relatrio final do General Carlos Frederico de Mesquita apud: PEIXOTO, Demerval (Clivelrio Marcial). ACampanha do Contestado Episdios e Impresses. Rio de Janeiro: Editora Heitor Ribeiro e Cia., 1916, p.212-213.
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aviador paulista, brevetado na Frana, atuava como instrutor da Escola de Aviao da Fora
Pblica de So Paulo, se notabilizando por realizar os primeiros voos em Curitiba. Alegava
conhecer bem a regio, estando preparado para sobrevoar os pinheirais serranos do Sul em
apoio aos agentes da lei. O general Mesquita recebeu com surpresa tal proposta, mas
certamente conhecedor das possibilidades de um avio naquele teatro de guerra, reportou-se
ao ministro. Entretanto Vespasiano refutou impetuosamente a proposta. Mesquita,
pretendendo utilizar o avio como auxiliar em misses de reconhecimento e observao,
expressou em um relatrio sua decepo com falta de apoio superior. Expedies anteriores j
apontavam a carncia de mapas da regio e o alto risco das misses de reconhecimento
executadas pela cavalaria.
A reedio da proposta do uso de avies no Contestado pelo general Setembrino
tinha, agora, aspectos bastante peculiares. As notcias do emprego de avies na Primeira
Guerra Mundial teriam sido fundamentais para despertar sua motivao, todavia o contexto
poltico j era outro, bastante propcio em termos polticos, e sua iniciativa estava justamente
calcada em convenincias de carter poltico. Setembrino de Carvalho, promovido ao novo
posto em abril de 1914, quer se mostrar um general representante de um novo sculo em sua
instituio.
Contrastando com a penria e o atraso das tropas operadas no Contestado nas
expedies anteriores, o novo general buscava levar um exrcito distinto, modernizado em
sua organizao e equipamento. Embora consciente do modus operandi do inimigo e da
diversidade do terreno, o general mobiliza um fora de combate convencional, semelhante s
empregadas naquele momento nos campos de batalha da Europa. Pretende, sobretudo,
provocar um impacto na opinio pblica e nas autoridades superiores.
Setembrino concebe seus planos de campanha querendo fazer dela uma mostra
nacional de modernidade do EB, aproveitando a abertura da pauta das questes militares
desencadeada pela Grande Guerra. Conforme assinalou Rogrio Rodrigues, o conflito naEuropa colocou a discusso sobre defesa nacional na ordem do dia. Para os militares, a
distante guerra era a amostra contundente da necessidade de armar a nao, e ela foi
astuciosamente usada para reaquecer a campanha pela modernizao militar.8
Com suas requisies, Setembrino mostra-se politicamente perspicaz, pois alm de
conquistar o desgastado ministro, ele seduz o prprio presidente Hermes da Fonseca em um
8RODRIGUES, Rogrio Rosa. Veredas de um grande serto: a Guerra do Contestado e a modernizao do Exrcitobrasileiro. 2008. 430 f. Tese (Doutorado em Histria) UFRJ/ IFCS/ Programa de Ps-Graduao em Histria Social,2008, p. 47.
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melanclico final de mandato. O presidente entrev as tantas iniciativas de Setembrino como
uma oportunidade para justificar, perante a nao, a aplicabilidade de tantos recursos
despendidos na reorganizao do Exrcito, projetos que se arrastavam desde 1906.
Parece claro que a tomada de deciso relativa ao emprego de avies no Contestado
no foi concebida a partir de um estudo de Estado-Maior, j que este s foi constitudo
posteriormente deciso. Politicamente, a disposio do emprego areo no Contestado surgia
em um momento favorvel de unio nacional em torno da subverso cabocla no Sul. Durante
sua estada no teatro de guerra, Setembrino de Carvalho lutou para aplicar no front os mais
avanados recursos blicos disponveis no pas. Como comandante, fez dessa guerra uma das
maiores operaes militares j executadas pelo Exrcito em solo brasileiro.9 Aproveitou a
oportunidade para reavivar um projeto fracassado no conjunto de modernizaes militares,
promovendo a unio de pensamentos aos esforos aeronuticos, e assim, reverter o quadro de
paralisia na aviao militar. Almejava ressuscit-la sob novos horizontes aps a guerra.
O engajamento do AeCB campanha do Contestado vinha ao encontro dos interesses
da agremiao, que para isso se utilizava insistentemente do jornal A Noitenuma campanha
para fomentar a iniciativa area na guerra. O peridico, de propriedade de Irineu Marinho, era
alinhado causa da aviao e atuava claramente como um instrumento de interesses do clube.
Com a oportunidade, o Aeroclube pretendia despertar o reconhecimento nacional e recuperar a
credibilidade perante o governo para, aps o conflito, beneficiar-se como parceiro de uma nova
fase de impulso da aviao militar. Havia tambm interesses pessoais do tenente Ricardo Kirk
que, isolado pelo ministro Vespasiano, almejava sua reabilitao poltica, colocando-se frente
da organizao da aviao no EB em um novo governo (Wenceslau Brs 1914-18), o qual se
iniciaria em breve.
O avio, como novo equipamento militar, era uma arma revolucionria ao assumir a
dinmica de uma nova dimenso para a arte da guerra. Embora ainda rudimentar e cheia de
limitaes, a aviao exigia novas concepes e requisitos para seu emprego, que sefundamentariam em uma nova doutrina, ainda em promissora evoluo naquela poca. O
planejamento do concurso da aviao no Contestado era, em tese, a realizao de misses de
reconhecimento, de acordo com a melhor concepo do estado da arte. Entretanto, enquanto
as naes industrializadas do Velho Mundo experimentavam o novo recurso tecnolgico em
terras milenarmente mapeadas e ocupadas, o EB buscava introduzi-lo numa regio distante e
ainda no desbravada.
9RODRIGUES, op. cit., p. 62.
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OS AVIES RUMO AO CONTESTADO
O empreendimento aeronutico no Contestado sobrevm de maneira precipitada em
setembro de 1914, dispensando maiores preparativos. A faanha, em um primeiro momento,
no despertou maiores dificuldades na mente dos arrojados estrategistas e aviadores
brasileiros. O pioneirismo seduzia e entorpecia, de maneira que os mais detalhados planos
logsticos e operacionais foram pouco considerados, sob pena de colocar em risco a grande
oportunidade. Muitas so as fontes primrias e secundrias a evidenciar o entusiasmo militar
e civil quanto ao emprego de avies na campanha do Contestado.10
Naquele momento, no imaginrio popular, a ida de avies para o Contestado
significava um encontro de dois mundos repleto de simbolismo. Distante da realidade dos
sertes do Brasil, cidados urbanos vislumbravam a iniciativa militar como um choque de
civilizaes, do racional urbano contra o fanatismo sertanejo, da tecnologia contra o arcaico.
Modernas mquinas voadoras do sculo do ao suplantariam o cavalo e a carroa. E assim,
alegoricamente, a progressista civilizao enfrentaria a barbrie cabocla.
Retomando Canudos, a nova ameaa monrquica convocava os brasileiros do sculo
XX defesa da Repblica. Um rstico Brasil dos sertes, insurgente, ameaava suas elegantes
cidades da Belle poque. Contra a iluso do sertanejo que acreditava que seu Exrcito
Encantado de So Sebastio desceria dos cus para restaurar a monarquia celeste, o moderno
soldado seria convocado para aplicar reais mquinas voadoras que cortariam os cus do
Contestado na restaurao da lei e da ordem.
Como principal protagonista do momento, o tenente Ricardo Kirk recebeu sua
convocao no apenas com o acato de um militar no cumprimento do dever, mas sobretudo
com evidente entusiasmo. A misso para o pioneiro da aviao vinha ao encontro de suas
antigas aspiraes: provar ao governo a utilidade e as vantagens do emprego de avies no
campo militar. Em verdade, a utilidade do emprego de avies para fins militares j era umfato consumado em todo o mundo, embora ainda com muitas limitaes funcionais.
Para o governo da Repblica da poca, diante de um mundo em plena Grande Guerra
a utilizar intensamente avies, j no havia mais necessidade de justificar a aplicabilidade do
novo recurso militar. O anseio de Kirk, em verdade, era mostrar ao governo seus erros
10Os principais jornais do Rio de Janeiro, com destaque para o A Noite, elogiavam enfaticamente a iniciativa dese enviar avies para o Contestado, como exemplo referenciamos a exultante matria na primeira pgina daedio de 18 set. 1914, intitulada OS FANTICOS DO CONTESTADO. Alcebdes Miranda chegou a descrever sobreo assunto que foi essa a melhor das ideias e a de mais apreciveis proveitos da campanha de Setembrino deCarvalho. Para tal citao vide MIRANDA, Alcebades. Contestado. Estante Paranista, volume 28. Curitiba: Ed.Ltero-Tcnica, 1987, p. 60.
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polticos na conduo do processo da incorporao tecnolgica, em particular seu prprio
isolamento e do AeCB. Seria como dar um esperado tapa de luva na equivocada poltica de
Vespasiano de Albuquerque para a aviao militar.
As notcias acerca da indita operao area no Contestado ganharam destaque na
imprensa, atraindo a ateno nacional para a grande campanha comandada por Setembrino de
Carvalho, agora ainda mais enaltecido pela sua ousadia, pioneirismo e pela determinao em
derrotar, com todos os modernos recursos tecnolgicos, o fanatismo armado contra a
Repblica. O objetivo poltico do general, uma grande repercusso na opinio pblica foi,
desta forma, atingido.
Sob forte apoio popular e da imprensa, cinco avies foram embarcados s pressas de
trem rumo ao Sul. A preciosa carga era composta de umBlriot SIT biplacecom motor de 80
HP, umMorane-Saulnierbiplacecom motor de 80 HP, umMorane-Saulniermonoplacecom
motor de 50 HP, um Morane-Saulnier biplace com motor 60 HP e um Morane-Saulnier
Parasolmonoplacecom motor de 90HP. As trs primeiras aeronaves pertenciam ao AeCB e
as duas ltimas ao Ministrio da Guerra. Estas eram remanescentes da flotilha da encerrada
EBA/Gino Bucelli & Cia.. Todos os aparelhos eram de procedncia francesa11 embora,
naquele momento, o EB vivenciasse intenso processo de germanizao de seus equipamentos.
No s para o Brasil, como para todo o mundo, a Frana era considerada o bero da aviao e
reputada como a maior potncia aeronutica da poca.
Quanto questo da adequabilidade dos aparelhos, muito j se especulou em relao
s propriedades das aeronaves levadas ao Contestado. Argumenta-se que no eram voltadas
para emprego militar, sendo meramente esportivos ou mesmo ultrapassados para sua poca.
Tais impresses se baseiam na origem dos aparelhos pelo AeCB, uma presumida agremiao
civil aerodesportiva. A destinao militar das aeronaves no era algo ainda estabelecido, alm
do que, os avies dos anos 10 do sculo XX encontravam-se ainda num estgio muito
primitivo de desenvolvimento para emprego militar. Estavam ainda desarmados.A maioria dos pensadores e chefes militares limitava o uso potencial das aeronaves a
tarefas de observao e reconhecimento. Em 1914, o que era considerado um aeroplano
militar estava ainda desarmado, tinha uma velocidade de 80 a 120 km/h, teto mximo de
3.000 metros e reduzido raio de ao. Um estudo tcnico das aeronaves levadas Guerra do
Contestado revela que os modelos em nada eram obsoletos ou imprprios em se comparando
com aqueles empregados na Europa nos momentos iniciais da Primeira Guerra Mundial.
11O Blriot SITou tipo XI-2era uma verso italiana do consagrado modelo francs Blriot XI. Era produzido na Itliapela Societ Italiana Transaerea de Turim.
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Sem tempo para um planejamento detalhado, bem como nenhuma experincia
logstica para tal, a primeira expedio aeronutica militar no Brasil, composta de dois pilotos
e cinco aeronaves, partiu apressadamente do Rio de Janeiro na manh do dia 26 de setembro
de 1914 a bordo de um comboio ferrovirio especial.12 Seguiriam pela Estrada de Ferro
Central do Brasil at So Paulo, de onde alcanariam a Estrada de Ferro So Paulo Rio
Grande, em direo Unio da Vitria, regio do conflito. No mesmo comboio, grande
quantidade de combustvel foi embarcada por funcionrios da rede ferroviria em um vago
aberto frente dos avies. A falha na logstica de transporte no tardou a produzir um grave
acidente. Ainda no municpio de Barra Mansa RJ, entre as estaes Saudade e Pombal,
fagulhas lanadas pela locomotiva a vapor atingiram um tonel com gasolina, produzindo uma
exploso e consequente incndio.13 Este se propagou para o vago subsequente, onde se
encontravam as preciosas aeronaves.14
Outro erro ocorrido foi referente alimentao da locomotiva a vapor que
comboiava a composio, sendo abastecida com lenha e no com carvo, conforme seria o
recomendado.15Era conhecido que a queima da lenha produzia grande quantidade de fagulhas
pela chamin. A sequncia de erros foi a causa de uma lamentvel perda material. O incndio,
mesmo controlado, atingiu duas aeronaves, o Blriot XI e um Morane-Saulnier, ambas do
AeCB, ficando a primeira totalmente destruda e a outra seriamente danificada. Outrora
confiantes, a viagem prosseguiu cheia de incertezas rumo ao Contestado, desembarcando
apenas trs aeronaves em condies operacionais.
AS OPERAES AREAS NO TEATRO DE GUERRA
Numa fria madrugada do incio de outubro, a expedio aeronutica desembarcou em
Unio da Vitria, uma cidade quase abandonada por seus habitantes que, em pnico, fugiam
temendo os ataques dos jagunos. Nas ruas, viam-se apenas os militares e um pequenoremanescente de moradores e comerciantes. Kirk e Darioli estavam sendo engajados na
Linha Oeste, sob as ordens do coronel Eduardo Scrates, um oficial com pouco traquejo nas
prticas de comando.16 Os pioneiros do ar cedo se dedicaram aos primeiros trabalhos na
12OS AVIADORES QUE PARTEM PARA O PARAN. A Noite, Rio de Janeiro, 26 set. 1914, p.1.13GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Estaes Ferrovirias do Brasil. Disponvel em:. Acesso em: 15 abr. 2006.14A AGITAO NO SUL. A Noite, Rio de Janeiro, 29 set. 1914, p.1.15Idem.16PEIXOTO, Demerval (Clivelrio Marcial). A Campanha do Contestado Episdios e Impresses. Rio de Janeiro:Editora Heitor Ribeiro e Cia., 1916, p. 385-390.
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seleo dos locais para a instalao das primeiras pistas de pouso e decolagem. Kirk escolheu
construir pistas em Canoinhas, Rio Negro e Unio da Vitria. Nesta cidade, vrtice noroeste
da estratgia das linhas de cerco, instalou-se a primeira base area em um teatro de operaes
da Amrica do Sul, onde foram construdos trs hangares.
No distante campo de batalha novos bices sobrevieram. O empreendimento exigia
recursos especializados para a operao de complexos equipamentos naquela longnqua
regio. Deficincias logsticas vieram tona como a falta de peas de reposio, ferramentas
e, sobretudo, um mecnico especializado em motores e avies. Durante a fase do preparo do
campo de pouso em Porto Unio, os aviadores tiveram que regressar Capital Federal e por l
permaneceram por dois meses. Neste perodo estiveram na Fbrica de Cartuchos do Realengo,
buscando e adaptando granadas de obuseiros para um pretendido bombardeio areo.17
Durante o perodo de permanncia dos aviadores na Capital, ocorreu a troca de
governo em 15 de novembro de 1914. Hermes da Fonseca transmitia a presidncia para seu
vice, o mineiro Wenceslau Brs, marcando o retorno da poltica do caf com leite. Na pasta
da Guerra, assumia o general Caetano de Faria, proveniente da Chefia do Estado-Maior do
Exrcito. O novo ministro possua um pensamento bastante diverso do de Vespasiano.
Transigente, permevel a crticas e sempre bem humorado, Caetano de Faria havia sido um
dos condutores, ao lado de Hermes da Fonseca, do processo de reorganizao do Exrcito.
Para o grupo dos jovens turcos da revista A Defesa Nacional, Caetano de Faria havia sido
um colaborador, o mais afinado e esclarecido general, o patrocinador de suas ideias.18
Novos horizontes polticos e a evoluo da Grande Guerra na Europa renovavam os
nimos para a retomada da modernizao do Exrcito e, com ela, o sonho de efetivao da
aviao militar. Kirk, em suas aspiraes e interesses, tinha plena conscincia daquela
conjuntura poltico-militar. O momento transparecia a todos que as guerras na Europa e no
Contestado poderiam resultar em um profcuo perodo de novos investimentos militares. Com
Vespasiano fora do poder, o tenente e seu clube podiam se posicionar frente de um novoarranjo. O engajamento na guerra do Contestado tornara-se, assim, algo imperativo.
No retorno ao front, em janeiro de 1915, Kirk e Darioli trouxeram um mecnico, o
italiano Zanchetti Francesco, tambm mediante um custoso contrato com o Ministrio da
Guerra. Nas frentes de batalha, a ofensiva das colunas progredia conforme o planejado,
dispensando a participao dos aeroplanos para os estimados reconhecimentos areos. A
17INSTITUTO HISTRICO CULTURAL DA AERONUTICA. Histria Geral da Aeronutica Brasileira.Vol. 1 dos Primrdiosat 1920. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1988, p. 423.
18BENTO, Claudio Moreira. Marechal Caetano de Faria- Projeo de sua obra como Chefe do EME e Ministro daGuerra na Reforma Militar.A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 724, mar./abr. 1986, p. 98-100.
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estratgia das linhas de cerco do general Setembrino j obtinha resultados, promovendo o
estrangulamento do suprimento aos caboclos insurgentes. A fome j imperava em muitos redutos.
s 16 horas e 15 minutos do dia 4 de janeiro de 1915, ocorreu, enfim, o primeiro voo
na regio do Contestado. Kirk e Darioli partiram de Unio da Vitria em dois avies e
realizaram um voo experimental de reconhecimento seguindo o curso do rio Iguau at o seu
afluente Timb, a uma altitude de 600 metros. Deste ponto em diante, os aviadores tomaram
cursos distintos, reencontrando-se na base aps uma hora e dezoito minutos de voo.19 Se
naquela poca o voo consistia num grande espetculo, reservado ao pblico das grandes
cidades, de imaginar a sensao provocada na populao daqueles afastados sertes,
conforme descreveu Demerval Peixoto: Os ensaios reproduziram-se. Ora Kirk, ora Darioli,
ora os dois curveteavam em evolues surpreendentes, sempre s vistas da populao local
em basbaque.20
Similares efeitos produziam-se na mente das tropas locais, que viam na operao area
a oportunidade de sonhar com experincias antes inimaginveis. Alguns oficiais pretenderam
voar em companhia de piloto, mas nenhum conquistou tamanha distino. O tenente esquivava-
se delicadamente do assdio de seus camaradas. Apresentando-se como um nobre entre
plebleus, Kirk no trajava o uniforme regulamentar, fazendo uso rotineiro de suas diferenciadas
vestes de aviador, deixando a percepo de que no se tratava de mais um rude oficial
cavalariano. O aviador fazia questo de distinguir-se como um cavaleiro da modernidade, em
detalhados aprontos para um combate em outras dimenses. Ele s veio a vestir sua farda por
fora da primeira visita de inspeo do general Setembrino base de Unio da Vitria.
At ento ocupados somente com vos experimentais, em 19 de janeiro de 1915, os
pilotos receberam oficialmente a primeira ordem de misso de reconhecimento areo. Sobre
esta primeira misso, Setembrino redigiu o seguinte trecho em seu relatrio:
E na Linha Oeste, a 19 de janeiro, subsecutivamente a uma srie de ensaios, o sr.Ernesto Darioli e o 1. Tenente Ricardo Kirk, estreando em nossa terra as aplicaes
militares da aviao, exploraram a regio banhada pelo rio Timb, sem divulgarningum. (Anexo n. 23) era uma observao falha. Mas no era prejudicial.Corrigia-a o conjunto das informaes. 21
O comandante geral da campanha percebeu, nesse momento, as restries dos
esperados reconhecimentos areos naquelas regies, mas os louros do ineditismo
compensavam todos os esforos. As limitaes se referiam, mormente, aos problemas de
19Parte de misso anexo n 23 in: CARVALHO, Fernando Setembrino de. Relatrio Apresentado ao General JosCaetano de Faria, Ministro da Guerra, pelo comandante das foras em operaes de guerra no Contestado. Riode Janeiro: Imprensa Militar, 1915.20PEIXOTO, op. cit. , p. 606.21CARVALHO op. cit. , p. 93 e anexo n 23 do mesmo Relatrio.
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navegao dependente do curso dos rios, das poucas estradas e povoados, j que pontos de
referncia para orientao eram facilmente perdidos pela imensido das densas florestas de
araucrias e imbuias. A despeito dos resultados, essa misso apenas confirmou o efetivo
emprego de avies no teatro de guerra, embora, como confidenciou o general, no tenha
produzido a esperada utilidade.
Os pilotos realizaram um clssico voo de reconhecimento militar, mapeando
acidentes geogrficos e identificando instalaes e a presena de ajuntamentos humanos. No
obstante, esta alardeada misso ocorre em uma rea e em um momento j distante das
principais linhas de combate. Havia sido uma rota previamente estabelecida e nota-se que, em
todo o momento, o vo segue a orientao do curso de rios conhecidos. Temendo possveis
agresses antiareas dos jagunos ocultos nas matas, os aviadores buscaram segurana pela
elevao da altitude. Este procedimento fez revelar os primeiros problemas de despreparo
diante da natureza climtica do voo naquela regio. A brusca queda de temperatura
surpreendeu. Jamais haviam experimentado correntes de vento to fortes e glidas.
Com a progresso da guerra, o posicionamento da base area em Unio da Vitria
deixou de ser vantajoso diante da inteno de empregar os avies nofront. Nesse momento,
viam esvarem-se as oportunidades de significativas participaes naquele conflito, para
mostrar as vantagens do avio no campo de batalha. Agora os jagunos do movimento rebelde
pouco combatem e fogem em direo a serra, buscando uma posio com melhores condies
de defesa. a fase da guerra em que os objetivos militares se voltam para o desconhecido
reduto do vale Santa Maria, na Serra do Espigo. O novo reduto, ponto final da resistncia
sertaneja, passa a ser citado pelas tropas como a Meca dos Fanticos.22 Os sertanejos do
Contestado, graas ao seu conhecimento da regio, tornam-se novamente cavaleiros da
situao diante da ofensiva. Os combates so encarniados, com acentuadas perdas de homens
e armamentos.
Diante de tantas baixas, o coronel Estillac Leal, comandante da coluna, antes detentar nova investida, solicita reforos de toda ordem ao general Setembrino. O efetivo da
Coluna Sul necessitaria atingir dois mil homens para um ataque bem sucedido, tendo em vista
as estimativas de que o reduto-mor possua uma populao estimada em dez mil habitantes,
estes favorecidos em sua defesa pelas condies geogrficas e conhecimento do terreno. O
general responde ao requisitado, disponibilizando toda a infantaria e artilharia disponveis,
22O termo fanticos do Contestado se tornou uma designao corrente da poca para rotular pejorativamenteos sertanejos do movimento messinico em funo de suas crenas e convices religiosas. Tal meno, no
presente trabalho no constitui juzo de valor, portanto, excetuando as citaes, o termo utilizado pelo autorentre aspas.
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mas tambm lhe solicitado o concurso das aeronaves. O reconhecimento areo talvez fosse
a mais imperioso do que antes. A impreciso da localizao do reduto de Santa Maria
colocava as tropas legais em srios riscos diante de um avano direto. A topografia
montanhosa e a vegetao facilitavam a resistncia sertaneja.
Tomar Santa Maria pressupunha um longo e desgastante combate para os homens da
Coluna Sul. O emprego de avies poderia de tal modo poupar as arriscadas incurses de
reconhecimento. O lanamento de bombas areas infligiria um grande efeito moral sobre os
rebeldes. O centro de gravidade da resistncia sertaneja indicava para Setembrino de Carvalho
um momento mpar para a estreia de sua surpresa tecnolgica. O planejamento do ataque
areo ao reduto de Santa Maria demonstra que o general e seu tenente aviador evoluam em
uma percepo avanada dos princpios de emprego de poder areo, selecionando objetivos e
concebendo aes aerotticas que estavam sendo introduzidas pelos exrcitos europeus no
irromper da Primeira Guerra. Fica evidente que Setembrino e seus oficiais inspiravam-se em
manobras do moderno e distante conflito.
A inovao do emprego areo constitua-se no apoio ttico s foras terrestres, no
qual o armamento e as bombas seriam utilizados contra as linhas de frente, visando apoiar o
avano das tropas terrestres e impedir a evaso do inimigo. Assim empregadas, as aeronaves
operariam prximas s tropas, ou a curta distncia da retaguarda do inimigo, contra pontos de
evaso e reagrupamento.23 A proposta de emprego areo sobre o reduto de Santa Maria,
concebida por Kirk e Darioli, e apresentada ao general Setembrino, consistia em efetuar um
bombardeio de efeito moral, utilizando granadas adaptadas para lanamento areo.24
Para os aviadores, voar para um ataque ao distante povoado, localizado a sudeste de
Unio da Vitria, exigiria a transposio da Serra do Espigo. A distncia da base apontava
para a mobilizao dos elementos areos, para uma posio mais prxima nova frente de
combate. O cruzamento da elevada serra em vo, diretamente ao reduto, foi logo descartado
pelos aviadores, face aos evidentes riscos de navegao, sobretudo em caso de mau tempo.Como alternativa Kirk planejou uma rota pelo oeste, seguindo a linha frrea at a estao
Caador, onde deveriam ser preparados novos campos de pouso para as escalas. Entretanto, a
nova rota impunha outro obstculo natural, entre Unio da Vitria e Rio Caador, a Serra da
Taquara Verde, de menor magnitude, mas que muito preocupou os aviadores.
23MENEZES, Lauro Ney. O Poder Areo e seus Teoristas, parte 3. Disponvel em:http://www.reservaer.com.br/biblioteca/e-books/poderaereo/3-parte3.html. Acesso em: 1 set. 2007.24DARIOLI, Ernesto. A Primeira Manifestao da Aviao Militar no Brasil. Revista do Aero Club do Brasil, Rio deJaneiro, ago. 1915, p. 11.
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Os relatos evidenciam estarem aqueles cavaleiros alados pouco preocupados com os
horrores de um confronto direto com o inimigo, mas sim com a navegao area, necessria
ao desdobramento. Experimentados aviadores de outrora se encontravam diante de um
cenrio nunca antes vivenciado. Pontos de referncia visual, como os morros, o mar e as
construes urbanas no estavam l presentes, como no Rio de Janeiro. O cenrio das densas
matas das serras catarinenses mostrava-se bastante adverso, sobretudo visto dos ares.
Do mesmo modo, eram obrigados a voar em condies atmosfricas crticas,
diferente dos raides realizados sobre o Rio de Janeiro, quando praticavam voos em horrios e
condies de tempo privilegiados. Em pleno vero, fortes ventos e nebulosas frentes j
assolavam constantemente aquelas obscuras serras do Sul. Mesmo assim, Kirk e Darioli,
empreendendo curtos voos de reconhecimento, planejaram uma rota de passagem com o
desvio das mais altas colinas da Taquara Verde, contudo sem ainda tentar transp-las. O voo
visual seria orientado pelo traado da linha frrea. Demandando novas providncias de
infraestrutura aeronutica, novos campos de pouso avanados tiveram de ser preparados nas
proximidades da linha de frente. Um exame das mensagens telegrficas expedidas por Estillac
Leal, no comando da Coluna Sul, para o quartel-general em Unio da Vitria, registra a
expectativa e o elevado moral de suas tropas quanto ao emprego da aviao.25
Em 25 de fevereiro, uma falha mecnica no MS Parasol levou Kirk a realizar um
arriscado pouso forado. No grave acidente, o piloto saiu ileso, mas a aeronave de melhor
desempenho acabou totalmente destruda, provocando o adiamento da misso. Os relatrios
de guerra do perodo so patentes em evidenciar que o decisivo ataque da Coluna Sul, ao
reduto de Santa Maria, foi periodicamente adiado, no aguardo de muitas condies favorveis
para o emprego dos avies. Em 26 de fevereiro, o coronel Estillac Leal recebeu ordens para
no mais retardar a ofensiva, diante de mais uma dificuldade na operao dos avies.
Setembrino sentenciava o ataque para o dia 1. de maro, marcado pela efemride da vitria
na Guerra do Paraguai.
A DERRADEIRA MISSO AREA NO CONTESTADO
A perda da melhor aeronave, especialmente adaptada para o lanamento de granadas,
deixou a misso aeronutica do Contestado com apenas duas aeronaves, os Moranes G/Hde
50 e 80 HP respectivamente. O mecnico Francesco efetuou modificaes no Iguass,
25Telegramas constantes do livro de registro de telegramas expedidos e recebidos pelo comando da Coluna Sul.fev. 1915. Fonte: Arquivo Histrico do Exrcito, srie Revolues Internas, sub-srie Foras em Operaes noContestado, estante I-15, prateleira 12, pasta 5541.
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permitindo a melhoria de desempenho para o bombardeio areo. A determinao da ofensiva
sobre Santa Maria para 1. de maro, independente da participao da aviao, no frustrou a
possibilidade da continuidade do emprego, que no foi descartada por Setembrino, diante da
perseverana do tenente Kirk e das solicitaes do coronel Estillac Leal.
Para o ataque Estillac Leal contava com uma superioridade numrica de mais de dois
mil homens. As preocupaes residiam em poupar ao mximo a vida de seus combatentes
num embate direto, onde os caboclos eram exmios conhecedores do terreno e das tticas de
guerrilha. O coronel insistia na oportunidade do emprego dos avies para dobrar meios em
favor do sucesso de sua ofensiva. Mesmo sem contar com um eficiente lanamento das
bombas pelos aeroplanos, o coronel argumentava que, com lanamentos da sua artilharia
sobre o reduto, esperava-se pnico e a evaso em massa dos rebeldes.
Alm do reconhecimento, os aviadores poderiam ainda observar a direo da fuga
dos jagunos e orientar pelo ar a infantaria em diligncias de perseguio. Em um sentido
oculto, Estillac contava com a presena dos aeroplanos como um artifcio para levantar o
moral de sua tropa. O novo elemento de combate seria a vedete do grande ataque. As
esperanas e expectativas voltavam-se para os efeitos daquele recurso militar em ao, nunca
antes visto por soldados e jagunos. Estariam se valendo do princpio da surpresa tecnolgica,
fundamento da doutrina militar que desde os mais remotos tempos modificara a histria das
guerras. Importante apontar que os aviadores planejam toda a misso, mas no realizam
sequer uma precursora, ou seja, um ensaio preliminar de reconhecimento, verificando em voo
a validade de toda a rota e aferido o tempo do percurso.
Enfim, na manh de 1 de maro, parecia tudo pronto para a promissora operao
area. A expectativa da misso area levou todo o quartel-general, inclusive Setembrino de
Carvalho, ao campo de Unio da Vitria. Nuvens se acumulando sobre Taquara Verde
chegaram a alterar perceptivelmente o semblante de Kirk. Setembrino tentou convenc-lo a
abortar a misso, mas o tenente manteve-se firme em seu propsito de cumprimento dodever.26As decolagens aconteceram por volta das 11 horas na presena de grande nmero de
oficiais entusiasmados. Darioli rolou primeiro na pista, e Kirk quinze minutos depois. Tal
espao de tempo se dera em funo da diferena de desempenho entre as aeronaves,
favorecendo o posterior encontro aps a transposio da serra. O general permaneceu no local
acompanhando atento a evoluo das operaes por meio de informes telegrficos.
26SOUZA, Jos Garcia de. A Verdade Sobre a Histria da Aeronutica. Rio de Janeiro: Empresa Grfica Leuzinger,1944, p.198 -199.
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Aps uma hora da ltima decolagem, inesperadamente, Darioli retornou base
efetuando o pouso. O piloto italiano alegava que no conseguira transpor a serra devido s
fortes rajadas de vento, alm as nuvens densas que se seguiam adiante. Queixava-se tambm
de falhas no seu motor. Havia retornado com o auxlio de uma bssola e seguindo o curso da
estrada de rodagem para Palmas. Demonstrava sria preocupao com o companheiro, o qual
no tinha mais avistado.27 Informes telegrficos no acusavam a passagem do avio de Kirk
pelos postos subsequentes. Um clima de tenso ento tomou conta de todo o Estado-Maior em
Unio da Vitria.
Por volta das 16 horas, chegou ao comando uma mensagem telegrfica proveniente
da Colnia General Carneiro, notificando a queda da aeronave. O aparelho havia sido
encontrado parcialmente avariado aps forte coliso contra um pinheiro. O corpo do tenente
jazia sem vida, fora da aeronave. Apesar de tudo, a grandiosa ofensiva sobre Santa Maria
aconteceu sob as ordens do coronel Estillac Leal que, s 18 horas, informado do acidente de
Kirk, manteve a notcia em sigilo a fim de no abalar o nimo de seus combatentes. Na tarde
do dia 1 de maro os aeroplanos no vieram, mas o ataque Meca do Fanticos sobreveio
mesmo assim.
A infantaria apenas aguardou sua vez, diante da ensurdecedora artilharia que
certamente ocultaria o suave roncar das esperadas aeronaves. Os soldados mantiveram, por
isso, seus olhares voltados para os cus, na esperana de ver passar aqueles espetaculares
aparelhos. Todos aguardavam pelo grande momento do aceno ao tenente Kirk e a Ernesto
Darioli. Saudariam os valentes aviadores, e assim seguiriam confiantes na vitria. Seriam
heris ao lado dos novos cavaleiros alados. O poder sobrenatural do Exrcito Encantado do
monge e o medo da morte no sangrento enfrentamento dos fanticos do Contestado
seriam assim aplacados pela confiana nas foras da modernidade.
Apesar das ordens de sigilo na Coluna de Estillac Leal, no dia seguinte a trgica
notcia do acidente areo atingiu o seio da tropa, levada pelos praas do 58. Batalho deCaadores, que acampavam prximos central telegrfica. Conforme previa o coronel, o
moral de sua tropa foi abalado pela notcia da morte do tenente aviador, pois circulavam entre
os soldados as predies dos sertanejos que afirmavam que o gavio do governo cairia
quando pretendesse voar para lhes jogar bombas.28As crenas de que os fanticos eram
invencveis e tinham o corpo fechado s balas havia contaminado negativamente o
imaginrio dos soldados, o que j vinha comprometendo o sucesso da ofensiva.
27PEIXOTO, op. cit. , p. 610.28Ibidem, p. 606.
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Sobre as causas da morte acidente do tenente Kirk, foi aberto, na poca, um
inqurito, instaurado no quartel-general da 11 Regio Militar, por ordem do general
Setembrino. A primeira investigao de acidente aeronutico da histria da aviao brasileira
teve incio no dia seguinte ao acidente, a cargo do 1. tenente engenheiro Eduardo Monty. As
investigaes concluram ter se tratado de um acidente, ocasionado por uma malsucedida
tentativa de pouso e arremetida de Kirk numa pequena clareira na mata. A coliso contra a
rvore teria sido fatal. A concluso do inqurito aponta para a provvel perda de rota, diante
do insucesso na transposio da Serra da Taquara Verde sob condies visuais desfavorveis,
levando Kirk a buscar um pouso de emergncia diante da desorientao.29
A morte do tenente Ricardo Joo Kirk encerrou definitivamente o emprego de avies
na Guerra do Contestado. Seu corpo foi sepultado no cemitrio de Unio da Vitria, no dia 2
de maro, com as honras fnebres prestadas por um peloto do 12. Regimento de Infantaria.
No dia 4 de maro de 1915, ocorreu a promoo post-mortem ao posto de capito por ato de
bravura, conforme decreto do ministro da Guerra. Com a nova criao da Aviao do
Exrcito, em 1986, o capito Ricardo Joo Kirk foi alado ao posto de Patrono da Aviao
do Exrcito.
CONSIDERAES FINAIS
A histria da aviao militar brasileira encontra-se indubitavelmente permeada pela
histria da Guerra do Contestado. A iniciativa area para o distante conflito messinico foi
consequncia, e mesmo um espelho, de uma conturbada poltica de incorporao tecnolgica
da aviao no EB, inserida no amplo contexto de reorganizao da fora terrestre iniciada
pelo marechal Hermes da Fonseca.
A guerra do Sul, provocando grande desgaste poltico e militar ao governo da
Repblica, tornou-se um oportuno palco para a validao do processo de modernizao doExrcito. O conflito no Contestado, em sua fase de agravamento, aconteceu em
simultaneidade evidenciao do fracasso da poltica da introduo da aviao militar. A
nomeao do general Setembrino de Carvalho marcou uma mudana da poltica do governo
no enfrentamento da revolta catarinense.
A tomada de decises para o emprego areo ocorreu em funo de circunstncias
mais polticas do que militares. Foi uma deciso pessoal de comando do general Setembrino
29Inqurito acerca do acidente do tenente Kirk, instaurado na IX regio militar em 2 mar 1915 a cargo do tenenteEduardo Monty: Fonte: Arquivo Histrico do Exrcito, srie Revolues Internas, sub-srie Foras em Operaes noContestado, estante I -15, prateleira 12, pasta 5542.
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de Carvalho, fundamentado em argumentaes militares, mas, sobretudo, calcado em
convenincias de ordem poltica, influncias pessoais e presses da imprensa. Ficou claro que
a deciso no foi arquitetada a partir de um estudo de Estado-Maior, j que este organismo s
foi constitudo posteriormente deliberao. Essa e outras aes observadas no mesmo
perodo, no que se refere incorporao tecnolgica do avio, confirmam que o conceito e a
filosofia de Estado-Maior no estavam solidificados no seio do EB da poca.
Politicamente, a deciso do emprego areo no Contestado surgiu diante de um
momento adequado de unio nacional em torno do conflito. O general Setembrino de
Carvalho utilizou a oportunidade para sustentar um componente derrocado no conjunto de
modernizaes do Exrcito. Buscava promover a reunio de esforos e, deste modo, reverter
o quadro de paralisia na empreita da aviao, almejando ressuscit-la sob favorveis ventos
do ps-guerra.
No que diz respeito ao planejamento operacional e logstico da expedio area,
constata-se que os mesmos foram incipientes, enfrentando obstculos que acarretaram uma
sequncia de falhas. A quimera do ineditismo e a inexperincia fizeram com que seus
idealizadores dispensassem importantes avaliaes e estimativas militares. Enquanto os pases
beligerantes da Grande Guerra na Europa aplicavam o novo recurso militar em campos de
batalha de terras milenarmente conhecidas e civilizadas, o EB ousou testar sua incipiente
incorporao tecnolgica numa regio longnqua e selvagem, distante dos grandes centros
urbanos da poca. A ousada expedio aeronutica aconteceu em um serto inspito e carente
de infraestrutura.
Sob a tica da incorporao tecnolgica, observa-se que o EB da poca lanou-se
sobre um crtico conflito empregando um recente invento, um original recurso militar, mas
simplesmente desconsiderou suas concepes e formulaes de emprego em funo de seu
campo de batalha. No se ateve necessidade de maiores reflexes e adaptaes
doutrinrias. Considerou o avio uma mera renovao tecnolgica, tal qual as demais armas eequipamentos introduzidos na fora terrestre naquele momento. O transcurso das operaes
areas na zona de combate revelou despreparo, evidenciando-se diante de problemas
logsticos e operacionais. Os pioneiros aviadores depararam com condies adversas de clima
e navegao, diferente daqueles voos aos quais estavam condicionados na metrpole carioca,
denunciando as muitas limitaes no emprego do novo recurso.
As operaes areas no Contestado no surtiram os esperados resultados, exceto no
campo da mdia e da poltica. Os reconhecimentos areos no foram profcuosoperacionalmente. A expedio terminou com uma tentativa de desdobramento areo para a
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nova frente de combate sul, para o ataque ao reduto de Santa Maria, onde ocorreriam
sobrevoos de reconhecimento e lanamento de bombas areas. A misso fracassou por erros
de navegao e adversidades meteorolgicas durante a transposio da Serra da Taquara
Verde, onde ocorreu o acidente fatal do tenente Kirk, numa tentativa de pouso por
desorientao.
O emprego da aviao na Guerra do Contestado mostrou-se uma iniciativa militar
equivocada e, por fim, desastrosa, tendo em vista que nenhum resultado positivo foi
alcanado. Consumiu ainda vultosos recursos, bem como o saldo material da perda de quatro
das cinco aeronaves mobilizadas. Contudo, a maior e irreparvel perda foi a humana, a morte
do nico oficial brevetado da fora terrestre. Uma evidente concluso que,
indiscutivelmente, o EB no se encontrava preparado para efetivar o emprego da aviao na
Guerra do Contestado. Este despreparo pode ser considerado sob diversos aspectos,
organizacionais, materiais e, sobretudo, humanos. A fora terrestre da poca lanou-se
precipitadamente em um recurso sem possuir nenhuma unidade de aviao constituda,
equipada e treinada para pronto emprego.
As perdas e o fracasso do emprego areo no Contestado provocaram consequncias
negativas para a reorganizao da aviao militar no Exrcito. A prematura morte do tenente
Ricardo Kirk foi um duro golpe que recaiu sobre a validade do emprego areo,
comprometendo o respaldo do pensamento aeronutico brasileiro. Instalou-se, a partir de
ento, um breve perodo de paralisia e estagnao de novas iniciativas, enquanto na Europa, a
aviao se tornava a vedete dos campos de batalha, forjando heris e mitos. O quadro
desfavorvel s pde ser revertido aps o trmino da Primeira Guerra Mundial, em 1919, a
partir da tutela da Misso Militar Francesa de Aviao, quando foram retomados os
investimentos em favor do novo recurso militar para o EB.
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