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A História da Arte também é a História da Cidade: O Museu Histórico de Londrina Priscilla Perrud Silva [Pós-‐graduanda em Patrimônio e História (Especialização) – Universidade Estadual de Londrina]
SILVA, P. P. A História da Arte também é a História da Cidade: O Museu Histórico de Londrina. Revista Anima, Ano 3, nº 4, 2013, p. 35-‐50. Resumo A atual sede do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, antiga Estação Ferroviária de Londri-‐na (PR), enuncia uma linguagem arquitetônica proveniente da Arquitetura Eclética ou Ecletismo Arquitetônico. Sob o respaldo teórico de Kevin Lynch e Giulio Carlo Argan, buscou-‐se uma inter-‐pretação dos estudos urbanos e arquitetônicos sob uma perspectiva histórico-‐artística, articulando os conceitos de elemento urbano e objeto de arte. Para tal, recorreu-‐se à proposição metodológica de Peter Burke, Bruno Zevi e Douglas Aguiar, utilizan-‐do-‐se também da discussão do uso de fontes ima-‐géticas, especificamente, fotografias e plantas arquitetônicas a fim de embasar a interpretação apresentada. Palavras-‐chave: Museu Histórico de Londrina, Ecletismo Arquitetônico, Imagem. Abstract The current headquarters of the Historical Museum of Londrina Padre Carlos Weiss, a former railway station of Londrina (PR), presents an architectural language from the Eclectic Architecture or Archi-‐tectural Eclecticism. Under the theoretical support of Kevin Lynch and Giulio Carlo Argan we sought to an interpretation of urban studies and architectural perspective according to a historical-‐artistic, articu-‐lating the concepts of urban element and object of art. To this end, we resorted to the methodological proposition Peter Burke, Bruno Zevi and Douglas Aguiar, also using the discussion of the use of imagery sources, specifically, photographs and architectural plans to base the interpretation presented. Keywords: Historical Museum of Londrina, Archi-‐tectural Eclecticism, Image.
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Na área central1 da cidade de Londrina-‐PR, está situada a maioria das principais edifi-‐
cações de “caráter histórico” da urbe, devido ao fato de que esta parcela do espaço urbano
se formou como núcleo inicial. Dentre esses edifícios está a atual sede do Museu Histórico
de Londrina Padre Carlos Weiss. Localizado atualmente na Rua Benjamin Constant, número
900, o prédio é cercado por outros elementos urbanos peculiares. À sua frente, se encontra
a Praça Rocha Pombo e, em seguida, a antiga Estação Rodoviária, atual sede do Museu de
Arte de Londrina. À sua esquerda existe uma viela que dá acesso ao Planetário. A avenida
que passa atrás de seu quarteirão é a Avenida Leste-‐Oeste, uma das principais vias de tráfe-‐
go rápido em Londrina. E finalmente, à sua direita, o frenético movimento produzido pelo
Terminal Central de ônibus urbano. Em meio a estes variados elementos urbanos, em sua
maioria, caracterizados por uma linguagem arquitetônica proveniente da Arquitetura Mo-‐
dernista, o edifício da antiga Estação Ferroviária, atual Museu Histórico, se estabelece por-‐
tando uma linguagem diferente, única, por conta de suas instâncias urbanas, históricas, ar-‐
quitetônicas e artísticas, fato determinante no estabelecimento desta construção como ob-‐
jeto privilegiado da presente análise.
No início da década de 1940, a primeira Estação Ferroviária da cidade de Londrina,
inaugurada em 28 de julho de 1935, já não conseguia comportar adequadamente a deman-‐
da de serviços de uma cidade em pleno e acelerado processo de desenvolvimento urbano.
Diante desse problema, é idealizada a construção de uma nova Estação Ferroviária, de cará-‐
ter monumental para a época, e com as mais modernas instalações desenvolvidas pela téc-‐
nica daquele momento, trazidas pela interferência e ação do então diretor-‐gerente da Rede
de Viação Paraná-‐Santa Catarina (RVPSC), o Coronel Durival de Brito e Silva. Assim, no ano
1 Não será utilizado aqui o conceito de “Centro Histórico” para referenciar esta parcela da cidade, pois pressu-‐põe-‐se que: “O conceito de ‘centro histórico’ é instrumentalmente útil porque permite reduzir, quando não bloquear, a invasão de zonas antigas por parte de organismos administrativos ou de funções residenciais novas que fatalmente conduziriam, mais cedo ou mais tarde, à sua destruição. O mesmo conceito, porém, é teorica-‐mente absurdo porque, se se quer conservar a cidade como instituição, não se pode admitir que ela conste de uma parte histórica com um valor qualitativo e de uma parte não-‐histórica, com caráter puramente quantitati-‐vo. Fique bem claro que o que tem e deve ter não apenas organização, mas substancia histórica é a cidade em seu conjunto, antiga e moderna. Pôr em discussão sua historicidade global equivale a pôr em discussão o valor ou a legitimidade histórica da sociedade contemporânea, o que talvez alguns queiram, mas que o historiador não pode aceitar.” (ARGAN, 1998, p.79). Contudo, as expressões “edificação histórica” e “caráter histórico” serão utilizadas para se referirem ao objeto tratado, aparecendo entre aspas.
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de 1945 é aberto um edital de licitação para a obra, que é concedida à construtora Firma
Thá e Filhos Ltda., proveniente da capital Curitiba-‐PR. A construção do prédio da estação e
de todo o complexo ferroviário necessário foi iniciada em 1946, mas, por uma série de ques-‐
tões, só foi finalizada em 1950, sendo sua inauguração aberta ao público em 20 de julho do
mesmo ano.
Apesar de satisfazer muito bem suas finalidades, a Estação Ferroviária localizava-‐se
bem no centro da cidade, dividindo-‐a literalmente ao meio na linha norte-‐sul. Ao longo dos
anos, sua localização se tornou um grande entrave para o crescimento da região central,
tendo, inclusive, consequências sociais desastrosas, em especial a segregação. Em 1966, por
conta desses problemas que ocasionava, foi idealizado pelas autoridades competentes o
projeto da Variante Ferroviária, que acarretaria no desligamento das atividades da Estação
Ferroviária e levaria os trilhos para a parcela norte da cidade, a fim de contemplar as indús-‐
trias que também foram direcionadas para aquela região. O projeto da Variante Ferroviária
só foi efetivamente elaborado na década de 1970 e concluído, em todas as suas etapas, na
década seguinte. Assim, o trem de passageiros deixa de trafegar em 10 de março de 1981,
tendo o último trem de carga partido da Estação Ferroviária em 06 de novembro de 1982.
Nesse mesmo ano, o restante dos trilhos foi retirado do leito, no centro da cidade. O prédio
da Estação Ferroviária acabou relativamente abandonado, servindo de abrigo para pombos e
marginais.
Figura 1 – Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss
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A instituição do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss teve início no ano
de 1970. Nessa época, o Museu Histórico se localizava em três salas do porão do Colégio
Hugo Simas, em meio a aperto, falta de estrutura e muitas goteiras. O prédio da antiga Esta-‐
ção Ferroviária havia sido prometido ao Museu Histórico desde 1979, pelo então Prefeito
Municipal, Antônio Casemiro Belinati. No entanto, a transferência da instituição para a nova
sede dependia do andamento das obras da Variante Ferroviária e, por conta disso, só em
1986 o Museu Histórico ocupou o prédio. Em obra iniciada em fevereiro de 1986, com tér-‐
mino em dezembro do mesmo ano, a antiga Estação Ferroviária sofreu um trabalhoso pro-‐
cedimento de refuncionalização, expresso no projeto dos arquitetos e professores do curso
de Arquitetura da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Antonio Carlos Zani e Jorge Ma-‐
rão Carnielo Miguel, a fim de sediar apropriadamente o Museu Histórico. Este procedimento
foi muito criticado na época, inclusive por museólogos, que afirmavam que as técnicas de
ambientação adequadas ao novo exercício não estavam sendo seguidas. O edifício foi, en-‐
tão, cedido ao Museu Histórico em regime de comodato pela Prefeitura Municipal, funciona-‐
lidade que exerce desde 10 de dezembro de 1986, data de sua (re)inauguração como Museu
Histórico, até os dias de hoje.
Buscamos orientar a interpretação de nosso objeto de pesquisa, o referido prédio, sob
duas perspectivas complementares e concomitantes: elemento urbano2 e objeto de arte3 na
2 O conceito de “elemento urbano” é uma adaptação nossa da seguinte conceituação de Kevin Lynch: “Esta análise limita-‐se aos efeitos dos elementos físicos perceptíveis. Há também outros fatores influenciadores da imagem, tais como o significado social de uma área, a sua função, a sua história ou, até, o seu nome. Passare-‐mos por cima disto, uma vez que o nosso objetivo é, agora, descobrir a importância da forma. É elementar considerar que o design actual se deveria usar com o fim de reforçar o significado e não de o negar. Os elemen-‐tos da imagem urbana até aqui estudados, que podem referir-‐se a formas físicas, são passíveis de uma classifi-‐cação conveniente em cinco tipos de elementos: vias, limites, bairros, cruzamentos e elementos marcantes.” (LYNCH, 1999, p.57). A fim de direcionar nossa interpretação aos elementos propriamente físicos da cidade, os conceituamos de “elemento urbano”. 3 Utilizamos o conceito de “objeto de arte”, pois, “Da distinção de um espaço, de uma forma urbana descende, gera-‐se a arte, que, por sua vez, permite distinguir, separar; intimamente relacionada, portanto, com a cidade, da qual nada mais é que a complexa epifania, a fenomenização. De fato, no interior da cidade, tudo se realiza segundo uma techné cujo o modelo é o processo que realiza a obra de arte. O espaço urbano é espaço de obje-‐tos (ou seja, de coisas produzidas); e entre o objeto e a obra de arte existe uma diferença hierárquica (ou seja, quantitativa, de valor) mas, ainda assim, sempre no interior de uma mesma categoria, de uma mesma série.” (CONTARDI, In: ARGAN, 1998, p.1). Contudo, temos a noção de que esta hierarquização das classificações artís-‐ticas é muito tênue, pois: “A própria noção de objeto, no âmbito dos fatos estéticos, não fornece um critério geral. Ainda que, com base na experiência, se possa dizer que todo fato artístico determina uma relação espe-‐cial entre realidade objetiva e realidade subjetiva, isso não significa que a cada ato artístico corresponde a produção de um objeto material. Na atual condição da cultura admite-‐se até (por exemplo, nas poéticas dada-‐
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vertente da Arquitetura. Primeiramente, trataremos da existência do edifício como elemen-‐
to urbano, de sua classificação e propriedades como tal. Para tanto, nos utilizaremos das
proposições conceituais do urbanista norte-‐americano Kevin A. Lynch, discutidas na obra A
Imagem da Cidade (1999). Neste trabalho, o autor propõe que o entendimento do design
urbano seja baseado principalmente em sua percepção visual e apropriação mental. Em ra-‐
zão desta hipótese, o autor conceitua qualidades imprescindíveis para uma cidade, como a
legibilidade e a imaginabilidade. A inserção da experiência individual de cada habitante nos
estudos sobre a cidade veio a contribuir não só em relação aos trabalhos de arquitetura e
urbanismo, mas também nos estudos de História Urbana e na conceituação histórica de ci-‐
dade, pois segundo Giulio Carlo Argan (1998):
Só recentemente a experiência da cidade foi considerada a partir da experiência individual e da atribuição pessoal dos dados visuais. O livro de Kevin Lynch (The Image of the City) destina-‐se com toda probabilidade a mudar radicalmente, desde os alicerces, a metodologia dos estudos urbanísticos e, enquanto isso, a eliminar em definitivo toda uma série de abstrações de conveniência como “a sociedade”, “a comunidade”, “a função urbana”. Que também são abstrações interessadas, porque levam a considerar a cidade, não mais como um lugar onde se mora, mas como uma máquina que deve realizar uma função, que, naturalmente, é sempre uma função produtiva, retrocedendo todas as outras atividades a atividades com-‐plementares da principal, porque, depois do trabalho da fábrica, é necessário o re-‐creio, depois do trabalho e do recreio é preciso uma casa, possivelmente não dis-‐tante da fábrica, onde dormir. São justamente estas abstrações que corroem em profundidade o conceito histórico de cidade, porque o afastam da experiência e, portanto, da consciência (ARGAN, 1998, p. 230).
O “diálogo” entre Lynch e Argan aponta para a ideia de corrosão do conceito de “cida-‐
de histórica”. Nessa direção, sinalizamos para o contínuo movimento de modificação que
marcou a cidade de Londrina, desde a sua fundação em 19294 até a atualidade, constituin-‐
do-‐se sob o título de metrópole5. Esta cidade apresenta a mesma composição do fenômeno
urbano caracterizado por este fazer-‐se constante, aos quais aludem os dois autores:
ístas) que o mesmo objeto possa ser, simultaneamente, arte e não-‐arte, bastando para qualifica-‐lo ou desquali-‐fica-‐lo como arte a intencionalidade ou a atitude da consciência do artista ou, até, do espectador.” (ARGAN, 1998, p.20). Assim, o conceito de “objeto de arte” em nosso trabalho foi utilizado a fim de direcionar nossa discussão em torno do objeto e não em sua consolidação (ou não) enquanto obra de arte. 4 “Londrina, ao ser fundada, pertencia à Comarca de Tibagi, mais tarde, veio pertencer à Comarca de São Jerô-‐nimo e, em 1931, já um “próspero povoado”, era distrito administrativo do município de Jataí. Em 3 de dezem-‐bro de 1934, pelo decreto nº 2.519, passa a município de Londrina, Distrito Judiciário da Comarca de Jataí. Em 1939, é elevado à categoria de Comarca” (ADUM, 1991, p.54). 5 No ano de 2011, a cidade de Londrina atingiu a densidade demográfica necessária para chegar ao patamar de metrópole segundo o IBGE, 500 mil habitantes.
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A cidade não é apenas um objeto percebido (e talvez desfrutado) por milhões de pessoas de classes sociais e características extremamente diversas, mas também o produto de muitos construtores que, por razões próprias, nunca deixam de modifi-‐car sua estrutura. Se, em linhas gerais, ela pode ser estável por algum tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes. Só um controle parcial pode ser exercido sobre seu crescimento e sua forma. Não há resultado final, mas ape-‐nas uma contínua sucessão de fases (LYNCH, 1999, p. 2).
Os elementos urbanos, portanto, se sobressaem por seu desempenho característico
dentro do espaço urbano. Kevin Lynch propõe uma classificação para os diferentes elemen-‐
tos urbanos com base em sua localização, funcionalidade, forma e utilização no cotidiano
dos habitantes locais. Esta maneira de entender a cidade nos possibilitou atentar para a per-‐
tinência do objeto, o edifício da antiga Estação Ferroviária, para a cidade de Londrina. Com
suas diferentes funcionalidades durante sua existência, sua ação como elemento urbano
também sofreu modificações. Conforme a classificação dos elementos urbanos proposta por
Lynch, o edifício passou do papel de Ponto Nodal6 e Marco Urbano7 para apenas Marco Ur-‐
bano, ao qual nos deteremos.
Um dos aspectos importantes em um Marco Urbano é o que o autor denomina de sin-‐
gularidade, reforçada em nosso objeto ao longo dos anos, em relação à sua linguagem arqui-‐
tetônica:
Uma vez que o uso de marcos implica a escolha de um elemento dentre um con-‐junto de possibilidades, a principal característica física dessa classe é a singularida-‐de, algum aspecto que seja único ou memorável no contexto. Os marcos se tornam mais fáceis de identificar e mais passíveis de ser escolhidos por sua importância quando possuem uma forma clara, isto é, se contrastam com seu plano de fundo e se existe alguma proeminência em termos de sua localização espacial (LYNCH, 1999, p. 88).
Estes elementos de identificação de um Marco Urbano, apontado por Lynch, o qualifi-‐
cam como singular. Esta singularidade está presente nele. Contudo, ela vem sendo prejudi-‐
cada paulatinamente desde o início dos anos de 1950, com o verdadeiro “boom” de constru-‐
ções (em sua maioria, exemplares da Arquitetura Modernista), que marcaram este espaço
citadino. Devido ao denso movimento de verticalização urbana, o prédio veio perdendo sua
6 “Pontos Nodais: são pontos, lugares de concentração estratégicos de uma cidade. Ponto de locomoção para ou a partir dele. Símbolos de influência, núcleos, conexão ou concentração” (LYNCH, 1999, p. 52). 7 “Marcos: são um tipo específico de referência externa. Objeto físico definido de maneira simples. Seu uso implica a escolha de um elemento a partir de um conjunto de possibilidades. Pode estar dentro ou fora da cidade, distante ou não. São geralmente usados como indicadores de identidade, ou até estrutura, e parecem tornar-‐se mais confiáveis á medida que o trajeto vai ficando cada vez mais conhecido” (LYNCH, 1999, p.53).
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proeminência visual e espacial e essa perda avançou até sua refuncionalização na década de
1980 e ainda mais rapidamente nos últimos anos.
Contudo, um dos principais fatores de identificação deste prédio como Marco Urbano
é sua associação histórica: “As associações históricas (ou outros significados) são reforços
poderosos [...]. Quando uma história, um sinal ou um significado vem ligar-‐se a um objeto,
aumenta o seu valor enquanto marco” (LYNCH, 1999, p. 90). Esta associação histórica é um
dos pontos principais de sua categorização como Marco Urbano, tanto por sua trajetória
como Estação Ferroviária quanto em sua funcionalidade atual enquanto sede do Museu His-‐
tórico da cidade, juntamente com a plasticidade eclética do edifício.
Giulio Carlo Argan em seu escrito História da Arte como História da Cidade (1998) em-‐
basa nossa pesquisa na perspectiva da História da Arte e da Arquitetura, ao propor uma per-‐
cepção artística da cidade, na qual é posta, ela mesma, como um produto de arte, resultante
de um múltiplo e complexo processo, em constante movimento de criação e recriação: “Por-‐
tanto, ela não é apenas [...] um invólucro ou uma concentração de produtos artísticos, mas
um produto ela mesma.” (ARGAN, 1998, p.73). O autor percebe a cidade como um produto
de arte porque a considera um só todo com sua própria arquitetura, sendo esta, fruto dos
processos e das técnicas de produção artística. A arquitetura também é posta como consti-‐
tutiva e expressiva de todo o sistema em que se insere, além de o autor entender a Arte co-‐
mo uma instituição essencialmente urbana. Mas é necessário apontar que Giulio C. Argan
considera a cidade como um produto de arte, mas não a cristaliza sob o conceito de “obra
de arte”: “Nosso problema é justamente o do valor estético da cidade, da cidade como espa-‐
ço visual. Não o colocarei em termos absolutos: o que é a arte e se uma cidade pode ser
considerada uma obra de arte ou um conjunto de obras de arte.” (ARGAN, 1998, p.228).
Assim, nosso trabalho se propôs ao entendimento do fenômeno urbano sob esta linha de
investigação, ao colocar como problemática a interpretação das linguagens arquitetônicas e
consequentemente artísticas do prédio da antiga Estação Ferroviária de Londrina.
Em conjunto com as interpretações feitas a partir do escrito do urbanista Kevin Lynch,
buscamos incorporar a nossa proposta à perspectiva artística sobre os estudos urbanos,
apresentada por Giulio Carlo Argan. A finalidade é a de apontar um liame entre os estudos
históricos de arte no viés arquitetônico, mas também de explicitar o entrelaçamento entre
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as questões urbanas, arquitetônicas e humanas. Uma de nossas propostas inclusive é apon-‐
tar este entrelaçamento na perpectiva histórica da cidade de Londrina. Assim, as expressões
artísticas que a Estação Ferroviária apresenta e representa em sua condição de elemento
urbano que constitui a imagem da cidade, na concepção de Kevin Lynch, serão aqui aborda-‐
das. Esta imagem é investida em concomitância com os autores citados, possuidora de valor
simbólico, estético, funcional, histórico. E, em alguns momentos, são estes valores que pos-‐
sibilitam apontar outra funcionalidade para um dado elemento urbano. É sobre esses argu-‐
mentos que vimos tentando demonstrar o lugar social da pesquisa sobre nosso objeto: o
edifício da Estação Ferroviária hoje refuncionalizada como Museu Histórico, cabe destacar
que mesmo depois de refuncionalizada a edificação não foi despida da imagem de elemento
urbano constituidor da paisagem da cidade de Londrina.
Mas, porque em nosso estudo visamos o estudo sobre o prédio, principalmente em re-‐
lação à sua forma, e não em conjunto completo com sua funcionalidade, seja como Estação
Ferroviária ou como Museu Histórico? Porque segundo Giulio C. Argan, estas são duas for-‐
mas de apreensão diferentes, mas intercambiantes. Decidimos então, trabalhar com “os
valores” do edifício enfocando as expressões artísticas, aquelas que, de acordo com Argan,
ficam cravadas na retina do usuário, mesmo que este esteja em movimento, pois são essas
expressões que despertam os sentidos, as sensibilidades, mas elas não estão desvinculadas
do uso, mas, o uso não está no cenário principal desse estudo. A qualidade estética de um
elemento urbano é sempre relegada a segundo plano, em razão de sua funcionalidade, por
este motivo, o objetivo em destacar tal relevância vem exatamente em função desse “se-‐
gundo plano”. Nesse sentido, Argan explica:
O primeiro ponto a ser considerado é a relação entre função e valor. Os dois con-‐ceitos são comunicantes; aliás, um é o prolongamento do outro. Mas convém dis-‐tingui-‐los. Sei perfeitamente que, a rigor, não há função sem valor, nem valor sem função; mas a atribuição dos dois tipos de valor (valor da função e função do valor) ocorre em níveis diferentes. Tomemos o caso de uma estação ferroviária. Se estou correndo para o trem que parte, apreciarei a racionalidade do percurso, a comodi-‐dade dos serviços, a facilidade de acesso aos vagões da plataforma em nível; mas não terei tempo de avaliar a qualidade estética da arquitetura. Pode acontecer que eu pense nisso mais tarde, na calma da cabine do trem. Então, talvez, as imagens que impressionaram minha retina enquanto eu corria para o vagão e que a memó-‐ria, sem que eu quisesse, reteve, podem voltar a minha mente, e eu terei a possibi-‐lidade de olhá-‐las e avaliá-‐las, ou seja, de lembrar que a estação era arquitetonica-‐mente excelente e que foi uma pena não ter podido vê-‐la melhor. Não tenho ne-‐nhuma dificuldade em admitir que o arquiteto estudou e projetou juntas a função
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e a forma da estação; mas essa estação, eu a percebo, ou julgo, ou vivo em seu di-‐namismo funcional, ou a contemplo. A estação continua sendo o que é; minha ati-‐tude é que muda, e a atitude contemplativa faz parte da existência e é modo de experiência tanto quanto a atitude ativa. Isso explica por que uma arquitetura pode conservar o valor estético inclusive quando cessa sua funcionalidade objetiva (AR-‐GAN, 1998, p.229).
A proposta de abordamos a Arquitetura sob uma perspectiva artística, visa mostrar
como a edificação é também um espaço produzido a partir da concepção artística e não só
de uso, e, sobretudo, que essas expressões artísticas fazem parte do cotidiano dos seus usu-‐
ários como bem salientou Argan, mas que constitui sua imagem simbólica, de localização, de
referência como aponta Kevin Lynch.
As fontes históricas que são exploradas em nossa pesquisa visam apontar para a tenta-‐
tiva de elucidação da problemática abordada a partir do referencial teórico oferecido por
Argan e Lynch, qual seja a constituição da cidade como produto de arte, sobretudo a consti-‐
tuição da imagem urbana a partir de um elemento urbano, a Estação Ferroviária, hoje Mu-‐
seu Histórico. As imagens como a fotografia, as plantas e os desenhos arquitetônicos, que
possibilitam uma construção da imagem da cidade como produto de arte, se constituem em
um tipo de documentação imprescindível aos estudos do urbanismo e da arquitetura. Esta é
a fonte imagética: “Historiadores urbanos há muito tempo se dedicam ao que eles chamam
de ‘a cidade como artefato’. A evidência visual é particularmente importante para esse en-‐
foque de história urbana” (BURKE, 2004, p.103). E, especificamente as fontes fotográficas,
no caso em foco, desempenham um lugar relevante. Pois, ao considerar a importância do
uso de imagens para os estudos a respeito do urbano e do arquitetônico, nos propomos a
tratar as fotografias como “testemunhos históricos” pautados na indicação de Peter Burke
(2004), a fotografia como aquela fonte que apresenta “registros” da arquitetura da Estação
Ferroviária/Museu Histórico de Londrina.
Faz-‐se importante ressaltar que, segundo a metodologia proposta por Burke, o foco
principal do trabalho com a imagem é o que ela retrata8. Temos em vista que, em torno des-‐
te tipo de instrumento – a fotografia –, existe um crescente debate acerca de seus usos e de
sua conceituação como documento passível de interpretação e diálogo com outros tipos de
8 Informamos que não pormenorizamos os detalhes referentes a este tipo de fonte como, por exemplo, a téc-‐nica fotográfica utilizada, a composição e distribuição estética dos elementos na imagem, o histórico dos fotó-‐grafos e suas poéticas, entre outros pontos essenciais na pesquisa de fontes fotográficas (KOSSOY, 2001).
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fontes históricas. Ao que concerne à forma de interpretação deste tipo de documentação,
entendemos que as fontes imagéticas (fotografias, quadros, ilustrações, entre outras) não
devem ser vistas restritamente como instrumentos de ilustração subjugados à fonte escrita,
mas sim como fontes históricas que necessitam de um determinado modelo de utilização e
de estudo, não só em relação ao seu conteúdo, mas também à sua forma, produção e con-‐
texto histórico-‐social.
Outra fonte histórica à qual recorremos foi o desenho das plantas arquitetônicas da
edificação em estudo, cuja característica exige um “cuidado próprio” de sua condição de
pertencimento a outra área. Assim, de acordo com Douglas de Aguiar (2009):
A desconfortável posição da planta no discurso arquitetônico é particularmente percebida nos círculos mais intelectualizados onde a arquitetura assume o status de arte e onde o foco da conversa tende a recair na imagem do edifício. Aí, o des-‐caso com a planta está certamente ligado ao seu caráter abstrato. Muitos não es-‐tando confortáveis com a leitura da planta assumem uma posição defensiva refe-‐rindo-‐se à mesma como uma mera descrição técnica; um guia para a construção onde medidas e especificações são fornecidas (AGUIAR, 2009, p.3).
Com certeza, esta dificuldade na interpretação das plantas arquitetônicas existe e, in-‐
clusive, foi uma das primeiras enfrentadas durante este trabalho. Pelo que pesquisamos até
agora, pouquíssimas publicações abordam esta questão metodológica em relação às plantas
arquitetônicas, até mesmo no campo da arquitetura, quanto mais no da história. Neste, não
se encontrou referências, portanto, o que se faz um grande problema para quem não é ar-‐
quiteto e precisa se aventurar em “decifrá-‐las”. Aguiar afirma que a planta arquitetônica
geralmente é tratada como uma mera descrição técnica, basicamente um guia a ser repro-‐
duzido literalmente. O que realmente não condiz com o potencial interpretativo que esta
fonte histórica pode oferecer.
A planta arquitetônica, segundo Bruno Zevi (1996), é uma tentativa de representação
de um elemento tridimensional em um meio bidimensional. E, por estar distante da experi-‐
ência visual “concreta” e completa de uma edificação, a planta seria “abstrata”. Apesar de
ser o único meio de percepção da estrutura completa (interior e exterior) de uma obra ar-‐
quitetônica, a planta é “uma acentuada proeminência na determinação do valor artístico”
(ZEVI, 1996, p. 30). Mas, ao invés de nos utilizarmos da palavra “abstrata” preferimos a pala-‐
vra “subjetiva” que condiz mais adequadamente com as diferentes possibilidades de repre-‐
sentação que a planta arquitetônica apresenta acerca das linguagens arquitetônicas e artísti-‐
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cas, mesmo porque, como anteriormente mencionado, a Estação Ferroviária, hoje Museu
Histórico, oferece a possibilidade de entendimento dessa subjetividade na arquitetura que
apresenta a partir da percepção que o usuário tem de seu uso no cotidiano, como alertou
Argan.
Além da representação das linguagens artísticas9 expressas na plasticidade do edifício,
a planta arquitetônica também é uma fonte muito interessante no estudo do urbano e da
arquitetura. Pois possibilita a percepção de um espaço de vivência, imprescindível na com-‐
preensão da experiência espacial que é própria da arquitetura, a inserção do corpo na equa-‐
ção arquitetônica, ou topologia: “A planta arquitetônica é uma explícita descrição geométri-‐
ca que carrega uma implícita descrição topológica10.” (AGUIAR, 2009, p. 2). Nesta perspecti-‐
va, a planta arquitetônica surge como descrição central do comportamento espacial humano
dentro da arquitetura, pois: “A planta contém o movimento dos corpos e esse movimento
ocorre segundo relações topológicas” (AGUIAR, 2009, p.2-‐3).
Dessa forma, segundo o autor, é possível ler o comportamento sócio espacial das pes-‐
soas por meio da planta, de maneira sintética. Tal percepção é possível de ser verificada no
edifício da Estação Ferroviária a partir das divisões iniciais destinadas ao seu uso e, posteri-‐
ormente, quando transformado em Museu Histórico, pois a utilização passou a ser outra e as
subjetividades implícitas nesses usos precisaram ser captadas pelos arquitetos de cada mo-‐
mento distinto e, explicitadas na forma e na distribuição desses espaços de circulação. Pois,
com afirma Aguiar (2009, p. 4): “Todo e qualquer arranjo espacial produzido pelo homem
conterá um inerente sistema de rotas que dará suporte à imensa variedade de progra-‐
mas/eventos que constituem a vida humana”.
Em nosso trabalho de interpretação das linguagens arquitetônicas deste edifício, for-‐
mulamos a hipótese de que o edifício que sedia atualmente o Museu Histórico de Londrina é
um exemplar da Arquitetura Eclética ou chamado Ecletismo Arquitetônico (PAULA, 2010).
9 Segundo Douglas Vieira de Aguiar, a experiência sócio espacial proporcionada pela arquitetura é o que lhe confere o título de Arte Social: De fato no fazer arquitetônico, quando esse é exercitado de modo positivo, o conceito/partido adotado é capaz de agregar à experiência espacial algo que transcende ao uso originalmente programado. É justamente sob tais condições que a arquitetura é elevada à condição de arte social e é desde essa perspectiva que a relação entre o corpo e a planta deve ser enfrentada (AGUIAR, 2009, p.4-‐5). 10
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O verbete eclético, ecletismo no Dicionário Oxford de Arte se refere a esta nomenclatu-‐
ra como termo aplicado pela crítica de arte a um indivíduo ou estilo que relaciona caracterís-‐
ticas provenientes de diferentes fontes. Sendo este estilo derivado geralmente da ideia (ex-‐
plícita ou não) de que as particularidades de vários mestres ou estilos podem ser seleciona-‐
das e combinadas numa só obra de arte. Neste dicionário, o enfoque conceitual se encontra
na pintura, mas esta designação também é utilizada na arquitetura. Nesta vertente artística,
o Ecletismo nomeia uma corrente arquitetônica (e filosófica) europeia do século XIX, na qual
os arquitetos que escolhiam elementos arquitetônicos ditos “históricos” com a intencionali-‐
dade de criar uma nova forma de arquitetura, mas de uma maneira muito peculiar da meto-‐
dologia anterior, a historicista:
Em arquitetura, ecletismo designa a atitude dos arquitetos do século XIX que utili-‐zaram elementos escolhidos na história com a intenção de produzir uma nova ar-‐quitetura. Eles permitiram todas as doutrinas e teorias, pois pretendiam situar a arquitetura no seu tempo: a opção foi de não romper com a história. Assim, o ecle-‐tismo dos arquitetos do século XIX não foi uma forma, entre outras, de historicis-‐mo, pois enquanto o historicismo buscou reviver o passado e construiu representa-‐ções da história inscrevendo a arquitetura moderna em um estilo antigo, o ecletis-‐mo usou elementos e sistemas da história para inventar uma arquitetura adaptada aos novos tempos (PEDONE, 2002, p. 8).
De acordo com Jaqueline Viel Caberlon Pedone (2002), isso significou uma das primei-‐
ras etapas do “processo de modernização da arquitetura” por propor uma metodologia de
construção e de composição totalmente diferente11:
A composição, para os arquitetos do ecletismo, se referia à capacidade de concilia-‐ção e de invenção, conseguindo associar, justapor e integrar os elementos mais he-‐terogêneos em um conjunto capaz de funcionar como um todo. Os condicionantes contraditórios dos programas, assim como os próprios desejos, deveriam ser conci-‐liados na elaboração dos projetos de arquitetura. Em busca de uma síntese, todas as exigências deveriam encontrar uma solução harmoniosa (PEDONE, 2002, p. 163).
E o resultado por esta busca de uma síntese harmoniosa de todas as exigências, as do
arquiteto, as do proprietário que encomendava a obra e a disponibilidade de técnicas para
realizá-‐la, foi a conciliação entre os mais diferentes estilos em conjunto com a inovação da
técnica construtiva:
O ecletismo então propôs a conciliação entre os estilos, tornando-‐se um veículo es-‐tético eficiente para a assimilação das importantes inovações tecnológicas do perí-‐odo. Desse modo, em projetos realizados com as novas técnicas, coexistiram tipo-‐
11 Em pintura, esta metodologia já era utilizada desde o Renascimento, nos quadros de Rafael (CHILVERS, 1996. p. 170).
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logias antigas e modernas, de tendências oriundas do passado e outras futuristas, da École Polytechnique e da École des Beaux-‐Arts, de engenheiros e de arquitetos (PEDONE, 2002, p. 93).
O Ecletismo também trouxe inovações no urbanismo das cidades:
Como de costume, a historiografia do Ecletismo concentrou a atenção na lingua-‐gem arquitetônica, descuidando-‐se das referências dessa cultura na evolução da cidade, nos planos diretores e no projeto urbano. Ao contrário, o historicismo ar-‐quitetônico e o urbanismo do século XIX desenvolveram-‐se na mais perfeita simbi-‐ose. Tal como a edificação, também a cidade teve de acertar contas com quantida-‐des inéditas, com uma nova “escala” dos fenômenos (as ferrovias, por exemplo) e com os “grandes números” no crescimento dos habitantes, dos veículos, dos servi-‐ços. Dois foram os tratados pelo urbanismo: a) a intervenção na cidade preexisten-‐te, através da transformação dos antigos muros de defesa de alamedas arborizadas para passeio, da abertura de novas artérias de cruzamento (a demolição das estru-‐turas medievais e do Renascimento por exigência do trafego e da higiene); b) a de-‐terminação morfológica da expansão urbana e, em particular, dos novos bairros re-‐sidenciais burgueses, dos bairros administrativos e comerciais (FABRIS, 1987, p. 23).
Tanto que o termo “Eclético”, “Ecletismo” toma status de conceito a partir deste mo-‐
mento do século XIX, mas não com a conotação de certa forma negativa com o qual o co-‐
nhecemos hoje, mas com uma carga simbólica de modernidade:
A dialética entre arte e progresso, ciência e história, tradição e novidade era carac-‐terística de modernidade, uma espécie de equilíbrio entre forças antagonistas em uma sociedade que rompeu com sua história ao mesmo tempo em que nela se re-‐fugiou. [...] Para essa situação paradoxal, que buscava a conciliação de pontos de vista divergentes e tinha por objetivo resolver suas contradições, o conceito de ecletismo forneceu uma resposta (PEDONE, 2002, p. 108).
E a plena aceitação da estética dos mais diversos estilos arquitetônicos de diferentes
momentos da História:
Afirmar, de fato, que a história da arte constitui uma “continuidade de renascimen-‐tos, produzidos por influências internas de impulso local ou externas de contágio universal; novações sequentes do passado, em plena transformação, evoluindo, ora em progresso, ora em decadência”, significa esposar a ideia de história inerente ao ecletismo. Para os pensadores ecléticos, a história da arte apresenta-‐se como uma sucessão de estilos igualmente válidos, atitude da qual não escapa nem o pró-‐prio Hegel que, após ter analisado a sequência das formas a partir da tríade tese-‐antítese-‐síntese, considera concluído o ciclo na experiência estética de seu tempo, recomendando o ecletismo a seus contemporâneos (FABRIS, 1987, p. 287).
O Ecletismo Arquitetônico ficou em voga na Europa até o início da primeira metade do
século XX, foi um estilo quase que “globalizante”, principalmente por ser muito exportado
para as colônias europeias durante seu auge estilístico. No Brasil, este estilo arquitetônico é
trazido durante o final do século XIX, permanecendo em voga até meados da primeira meta-‐
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de do século XX. Inicialmente, dissemina-‐se pelas principais capitais a exemplo, Rio de Janei-‐
ro e São Paulo e, consequentemente, para o interior do país, em conjunto com as ideologias
modernizadoras do início do século passado, pois “[...] em todo o Brasil o Ecletismo foi sinô-‐
nimo de modernidade e de modernização” (FABRIS, 1987, p. 7).
Em todo o Brasil e talvez principalmente em São Paulo, foi duramente criticado. Ainda
de acordo com Fabris (1987), personalidades como Monteiro Lobato, Alcântara Machado e
Mário de Andrade, que o viam até mesmo como “hediondo” e “antiético”; um verdadeiro
entrave para a afirmação de uma cultura arquitetônica genuinamente nacional. Ramos de
Azevedo e Ricardo Severo, na mesma época, buscaram estimular uma “renascença naciona-‐
lista”, com o revival do Estilo Neocolonial, a mesma bandeira que José Mariano Filho em
ergueu no Rio de Janeiro. Assim, o Ecletismo Arquitetônico foi veementemente destituído de
seu posto pela Arquitetura Modernista da primeira metade do século XX.
A refutação da importância da Arquitetura Eclética no Brasil, em conformidade com
Puppi (1998), foi elevada a tal dimensão que, mesmo na escassa historiografia da Arquitetu-‐
ra Brasileira, este estilo arquitetônico é extensamente criticado e contraposto à Arquitetura
Modernista, desde seus primeiros autores, como Lúcio Costa, até meados da década de
1980. Já por volta dos anos 1990 até o presente, a historiografia da Arquitetura no geral tem
se voltado lentamente ao Ecletismo Arquitetônico como modo de repensar seu papel na
arquitetura mundial e também na brasileira. A razão disto é a extensa perda de seus exem-‐
plares no Brasil e na Europa, que, por serem representantes desta linguagem arquitetônica,
simplesmente não foram preservados. Por conta disso:
Reconstituir, com objetividade, os fatos e aprofundar os aspectos problemáticos do Neoclassicismo e do Ecletismo foi tarefa dos últimos decênios; primeiramente, através de uma reavaliação crítica geral (quase um “reparo” obrigatório), depois através de pesquisas específicas sobre diferentes regiões e países, sobre aspectos determinados e arquitetos, individualmente. Dois fatos – pelo menos na Europa – estimularam estes estudos e interesses renovados: por um lado, a ampliação do problema da proteção e restauração do patrimônio histórico-‐monumental para as estruturas urbanas e edifícios do século XIX; por outro a crise do urbanismo do Mo-‐vimento Moderno que levou a uma revisão dos princípios desta disciplina e a uma reflexão crítica, em cujo alicerce se encontram, exatamente, a cultura e a cidade do século passado (FABRIS, 1987, p. 10).
Em Londrina, esse estilo irá marcar a forma de algumas construções, geralmente resi-‐
dências da elite local, sobretudo em meados da década de 1940 e 1950, que se constituíam
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em verdadeiros palacetes inspirados nas mansões da Avenida Paulista, em São Paulo. Mas,
talvez o principal representante deste estilo arquitetônico na cidade seja o prédio que abriga
hoje o Museu Histórico de Londrina.
Em meio a este discurso eclético do edifício da antiga Estação Ferroviária, estão soma-‐
das as mais diferentes linguagens plásticas. O edifício apresenta elementos provenientes da
Arquitetura Medieval, nas suas vertentes Gótica, Românica e Normanda, Germânica, Mo-‐
dernista, Arquitetura de ou do Ferro, Clássica Greco-‐Romana e entre alguns destes elemen-‐
tos, outros poucos que ainda resta identificar (SILVA, 2012).
A reavaliação da arquitetura eclética nos últimos decênios como aponta Fabris, acon-‐
teceu dentro dos espaços acadêmicos. A presente análise insere-‐se nesta tendência, procu-‐
rando rever a condição de uma arquitetura considerada menor, ainda rechaçada em muitas
regiões do país. Todavia, conforme procuramos demonstrar, edifícios como o Museu Históri-‐
co de Londrina Padre Carlos Weiss, compõem a cidade, tanto como elemento urbano, quan-‐
to como objeto de arte, constituidor da condição urbana de uma metrópole.
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