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S U M Á R I O

APRESENTAÇÃO 7

CONCEITUAÇÃO 1 7

TRADIÇÃO OCIDENTAL 2 5

TRADIÇÃO LOCAL 3 3

ANOTAÇÕES AO CORRER DA LEMBRANÇA 41

INTERMEZZO — Catas Altas do Mato Dentro 75

INTERMEZZO — Rott am Inn 85

A N T Ô N I O FRANCISCO LISBOA, O ALEIJADINHO 87

R U P T U R A E REFORMULAÇÃO 1 0 3

EDIF ÍCIO GUSTAVO CAPANEMA 1 0 9

ADDENDUM URBANÍST ICO 115

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A R Q U I T E T U R A

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA (Memória Descritiva) 1 I 7

APÊNDICE 143

ORIENTAÇÃO PARA O PROFESSOR 147

GLOSSÁRIO 149

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Na sucessão dos s intomas que prenunciavam o f im

do regime de exceção, o restabelecimento da abertura e

da ordem democrática, é j u s t o assinalar o lançamento da

Bibl ioteca Educação É Cultura. A iniciativa resultou de

uma parceria do M E C - F e n a m e e da Bloch Edi tores S.A.,

em 1 9 8 0 . A publicação desses opúsculos, cada um de per

st quase um vadt-mécum, era dirigida aos professores da rede

de ensino médio, c o m o ferramenta de informação a f im

de despertar o interesse dos alunos para uma melhor c o m ­

preensão de suas vocações. Foram escolhidas figuras re­

presentativas para a elaboração das monografias. Eram dez

t í tulos : I . Realidade brasileira/Gilberto Freyre; 2. Literatura/

Josué M o n t e l l o ; 3. Música/Francisco Mignone ; 4* Folclore/

Maria de Lourdes Borges Ribeiro ; 5. Cinema/Wilson C u ­

nha; 6. Teatro I/Raymundo Magalhães Júnior ; 7. Teatro II/

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A R Q U I T E T U R A

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Maria Clara Machado; 8. Artes plásticas I/Flávio D 'Aquino ;

9. Artes plásticas II/Wladimir Alves de Souza e, f inalmente,

1 0 . Arquitetura/Lucio Costa .

O aparecimento do volume IO — Arquitetura — inter­

rompia o hiato provocado por razoável silêncio. Por esse

tempo, só t ínhamos acesso à palavra de Lúcio Costa atra­

vés de garimpagem em alguns poucos livros, entrevistas e

escri tos esparsos, sendo a principal fonte os importantes

estudos publicados nos primeiros números da Revista do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( S P H A N ) , iniciada

em 1 9 3 7 -

C o m menos de sessenta páginas em sua edição or i ­

ginal, este pequeno grande livro é uma declaração de amor,

um ob je to de conquista e um manifesto. E perpassado

por uma simplicidade calma e clara. E, sem ter essa in­

tenção, naturalmente autobiográfico. O índice espicaça

nossa curiosidade. Na "Concei tuação" , o livro nos m o s ­

tra que a arquitetura é parte fundamental da criação ar­

t íst ica c o m o manifestação normal de vida, const i tuindo

uma espécie de "álbum de famíl ia" da humanidade. E x -

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plícita o desafio do artista, do técnico e do h o m e m na

adequação do meio f ís ico e social. Conduz-nos a perce­

ber a arquitetura c o m o bem durável, concebido de ma­

neira estrutural e orgânica, na medida do corpo do homem,

sentido em termos de espaço e volume, enfim, c o m o algo

para ser vivido.

Em "Tradição ocidental" , o autor apresenta dois e i ­

xos de influência cultural: o nórdico-oriental e o m e s o -

potâmico-mediterrâneo, do qual descende o nosso gesto

do saber fazer. Em "Tradição local" , deparamos c o m a

memória saudosa e sofrida dos primeiros co lonos trans-

migrando para a nova terra, onde tudo era adverso — c l i ­

ma, índio e b i c h o . As diversas t écn icas herdadas das

diferentes regiões de Portugal , todas encontrando sua

expressão própria, adaptam-se aos poucos, ao sabor do

tempo, aprendendo c o m o índio, a luz e a paisagem: os

fortes , os oratórios e as igrejas, a casa-cofre dos bandei­

rantes com sua planta ortogonal e assentada no chão. A

casa-grande dos engenhos de açúcar; a casa-gaiola das c i ­

dades do ouro, de estrutura de madeira, adaptando-se ao

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relevo caprichoso das serras mineiras e que, por falta de

espaço, ombreavam-se em trama de densa organização

urbana. E mesmo mais tarde, nas casas das fazendas de

Minas , São Paulo ou R i o de Janeiro, encontramos as ca­

racterísticas de nossa arquitetura, sempre a revelar força,

coerência, robustez e saúde plástica.

N a s "Anotações ao correr da lembrança", bem c o m o

nos "Intermeçgos", a memória construída com o exercício

da contemplação, lucidez e aguda sensibilidade estão sem­

pre presentes, ao lado de humanidade e compaixão. Há

ainda o luminoso e comovente ensaio sobre Antônio Fran­

cisco Lisboa, o nosso Alei jadinho, arquiteto e escultor, o

maior artista brasileiro do tempo da colônia.

Falando da contribuição do escravo, seja ele índio ou

negro, Lúcio C o s t a nos lembra que a qualidade artística

de seu trabalho não se origina apenas da fé e do o f í c io

transmitidos pelo mestre português, mas sim da parcela

de liberdade que colocavam no que faziam, e isso ninguém

lhes poderia tirar.

"Ruptura e reformulação" mostra um processo evo-

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lutivo que se rompeu nos dois á l t imos séculos, c o m o

progresso c ient í f ico e industrial introduzindo novos m o ­

dos de fabricar, construir e viver. O artesanato perde sua

força telúrica e o antigo escravo, que fazia papel de má­

quina, ingressa de forma tímida em uma nova ordem s o ­

cial, habituada às tradicionais injustiças e despreparada

para isso.

" E d i f í c i o Gustavo Capanema" é o relato da c o r a j o ­

sa aventura de um grupo de jovens arqui te tos , sob a l i ­

derança do autor, a explicitarem sua fé nos postulados

contemporâneos , e a sol ic i tarem e obterem o conse lho e

a conivência de Le Corbus ier no r isco que originaria o

pro je to do ant igo M i n i s t é r i o da Educação e Saúde, h o j e

Palácio Gustavo Capanema, marco na arquitetura bra­

sileira. S e g u n d o Lúc io Costa , a arquitetura jamais pas­

sou, e m e s p a ç o d e t e m p o s e m e l h a n t e , p o r t a m a n h a

t ransformação .

"Addendum urbanís t ico" apresenta a cidade c o m o ex­

pressão palpável da necessidade humana de c o n t a t o e c o ­

municação. A inter-relação cidade/campo e campo/cidade,

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o equilíbrio entre quantidade e qualidade da vida indivi­

dual, atendendo sempre o valor do homem c o m o pessoa,

"Brasília, cidade inventada" ( M e m ó r i a Descri t iva)

Por ocasião do Concurso Internacional para o Plano

P i l o t o de Brasília, Lúcio Costa envia, no dia marcado para

o seu encerramento, os documentos gráficos acompanha­

dos da Memór ia Descrit iva e uma carta dirigida à c o m ­

panhia urbanizadora da nova capital e à comissão julgadora

do concurso.

Desculpa-se pela apresentação sumária do partido su­

gerido e justif ica-se. D i z que não pretende concorrer, mas

apenas "desvencilhar-se de uma solução possível, que não

foi procurada mas surgida, por assim dizer, pronta". C o m ­

parece como simples maquisarã do urbanismo e a idéia, ape­

sar de espontânea, fo i depois intensamente pensada e

desenvolvida, continua ele.

A cidade fora concebida não apenas como urbs, preen­

chendo as condições satisfatórias a um simples organis-

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mo capaz de atender as diversas funções vitais, mas c o m o

civitas, possuidora dos atr ibutos inerentes a uma capital.

Para isso, é necessário que o urbanista se ache imbuído

de certa dignidade e nobreza de intenção, porquanto des­

sa atitude decorre a ordenação e o senso de conveniência

e medida capazes de confer i r ao con junto projetado o

desejável caráter monumental .

D i t o isso, Lúc io C o s t a mostra c o m o nasceu a s o ­

lução: do gesto primário do encontro de dois eixos, a

assinalar a posse de um lugar, ou seja, o próprio sinal-

da-cruz .

Segue-se a seqüência numerada de todo o plano pi­

lo to . Lá está ele de corpo inteiro, desde a adequação à si­

tuação topográfica, aos princípios da técnica rodoviária

com suas implicações modernas. Os centros cívicos e ad­

ministrativos. O eixo monumental , a plataforma dos M i ­

nistérios, a Praça dos Três Poderes, a Catedral, a localização

dos palácios e por fim das unidades de vizinhança — as

superquadras. Tudo descrito de maneira absolutamente

fluida e segura. Lúcio Costa propõe a numeração referida

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ao eixo monumental , distribuindo a cidade nas vertentes

N o r t e e Sul . As quadras seriam assinaladas por números,

os blocos residenciais por letras e, por últ imo, o número

do apartamento, da forma usual.

Há ainda detalhes como o caminho facilitado das ins­

talações, nas faixas verdes, ao longo das pistas de rola­

mento . Enf im, a descrição de uma cidade pronta.

Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade-parque. S o ­

nho arquissecular do patriarca José Bonifácio, que já p r o ­

punha a transferência da capital para Goiás nos idos de

1823 .

No "Apêndice" , o mestre nos adverte que o desen­

volv imento c i e n t í f i c o não é o p o s t o à natureza. T r a n s ­

mi te sua t o t a l conf iança no i n t e l e c t o e na c o n s c i ê n c i a

do h o m e m , capazes de e n c o n t r a r a compat ib i l idade

desse pretenso abismo. M e s m o no caos aparente em que

cada geração pode mergulhar, por e f e i t o do que talvez

se p o s s a c h a m a r " l e i das r e s u l t a n t e s c o n v e r g e n t e s " ,

novas perspect ivas se abrem e t u d o parece de novo fá­

cil e c laro.

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Na "Orientação para o professor" , o autor desenvol­

ve, com zelo, o que lhe parece fundamental para o melhor

desempenho de um magistério vivo. S ã o práticas que vão

desde a identificação da arquitetura, à interação homem/

meio ambiente e equilíbrio ecológico. Propõe o estudo

comparativo dos diversos t ipos de comunidade. Aconse­

lha a promoção de debates, análise de plantas, trabalhos

gráficos e maquetes, facilitando a percepção das variações

de forma, dimensão e espaço. Convida ao conhec imento

das cidades históricas brasileiras através de publicações

ou excursões organizadas.

Por fim, Lúcio Costa encerra o livro c o m um sabo­

roso glossário, em que traduz as palavras estrangeiras e

explica as de uso l imitado, porém tão naturais ao seu pen­

samento que, se substituídas, este perderia sua força.

Lúcio Costa , arquiteto, urbanista, humanista, p r o ­

fessor, escritor e poeta. De onde lhe vem tanta força para

expressar a essência da realidade brasileira? Talvez de sua

condição de peregrino, primeiro na infância e juventude

passadas na Europa. Ainda peregrino no encontro com sua

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pátria, onde, de surpresa em surpresa, lembra-se de co i ­

sas esquecidas, de coisas jamais sabidas, mas que estavam

lá, em seu coração.

Jorge de Souza H u e

Arquiteto e sociólogo, amigo e colaborador do mestre Lúcio Costa.

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A história da arte mostra que a arquitetura sempre foi

parte integrante fundamental no processo da criação artísti­

ca como manifestação normal de vida. Ela engloba, portan­

to, a própria história da arquitetura, constituindo-se, então,

por assim dizer, no "álbum de família" da humanidade. É

através dela, através das coisas belas que nos ficaram do pas­

sado, que podemos refazer, de testemunho em testemunho,

os itinerários percorridos nessa apaíxonante caminhada, não

na busca do tempo perdido, mas ao encontro do tempo que

ficou vivo para sempre porque entranhaâo na arte.

O que caracteriza a obra de arte é, precisamente, esta

eterna presença na coisa daquela carga de amoreâe saber que,

um dia, a configurou. Importa, pois , antes de mais nada,

a dist inção entre essência e origem, porque nesta diferencia­

ção preliminar reside a chave do entendimento do que seja

verdadeiramente arte.

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Se é indubitável que a origem da arte ê interessada, pois

a sua ocorrência depende sempre de fatores que lhe são

alheios — o meio f ís ico e econômico-soc ia l , a época, a

técnica utilizada, os recursos disponíveis e o programa

escolhido ou imposto —, não é menos verdadeiro que na

sua essência, naquilo por que se distingue de todas as de­

mais atividades humanas, é manifestação isenta, porquan­

to nos sucessivos processos de escolha a que afinal se reduz

a elaboração da obra, escolha indefinidamente renovada

entre duas cores , duas tonal idades, duas f o r m a s , do is

part idos igualmente apropriados ao f im proposto , nessa

escolha última, ela t ã o - s ó — arte pela arte — intervém e

opta.

C o n q u a n t o manifestação natural de vida e, c o m o tal,

parte integrante e significativa da obra conjunta elabora­

da pelo corpo social a que pertence, esse caráter suigeneris

da criação artística dificulta a sua abordagem pelas s is te-

matizações fUocientíficas, e a torna, por ve2es, refratária

aos enquadramentos fi lopartidários. É que, enquanto a

criação científ ica é parcela revelada de uma totalidade sem-

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pre maior que se furta às balizas da delimitação intel igí­

vel, não passando portanto o cientista de uma espécie de

intermediário credenciado do h o m e m com os demais f e n ô ­

menos naturais — donde o fundo de humildade, afetada

ou verdadeira, peculiar à sua atitude — a criação art ís t i ­

ca, ou melhor, o con junto da obra criada por um determi­

nado artista, se const i tu i num todo auto-suf ic iente , e ele

— o próprio artista — é legí t imo criador desse mundo à

parte epessoal, pois não existia antes, e idêntico não se refará

jamais. D a í a vaidade inata, aparente ou velada, inerente à

personalidade de t o d o artista autenticamente criador.

N ã o cabe indagar, c o m intenções discriminatórias,

"para quem o artista trabalha", porque, a serviço de uma

causa ou de alguém, por ideal ou por interesse, ele traba­

lha sempre apenas, no fundo — quando verdadeiramente

artista — t p a r a si mesmo, pois se alimenta da própria cria­

ção, m u i t o embora anseie pelo est ímulo da repercussão e

do aplauso c o m o pelo ar que respira.

A mais tolhida das artes, a arquitetura é, antes de mais

nada, construção; mas construção concebida c o m o propó-

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sito primordial de organizar e ordenar o espaço para de­

terminada finalidade e visando a determinada intenção.

E nesse processo fundamental de organizar, ordenar e

expressar-se ela se revela igualmente arte plástica, porquanto

nos inumeráveis problemas com que se defronta o arqui­

te to desde a germinação do projeto até a conclusão e fe t i ­

va da obra, há sempre, para cada caso específ ico, certa

margem final de opção entre os l imites — máximo e m í ­

nimo — determinados pelo cálculo, preconizados pela

técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela fun­

ção ou impostos pelo programa, cabendo então ao senti­

mento individual do arquiteto — c o m o artista, por tanto

— escolher, na escala dos valores cont idos entre tais l i ­

mites extremos, a forma plástica apropriada a cada por-

menor em função da unidade última da obra idealizada.

A intenção plástica que semelhante escolha subentende

é precisamente o que distingue a arquitetura da simples

construção.

Por o u t r o lado a arquitetura depende ainda, neces ­

sariamente, da época da sua ocorrência , do meio f í s ico e

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social a que pertence, da técnica decorrente dos materiais

empregados e, f inalmente , dos ob je t ivos visados e dos

recursos financeiros disponíveis para a realização da obra,

ou seja, do programa p ropos to . Pode-se então def inir a

arquitetura c o m o construção concebida com o propósito de or­

ganizar e ordenarplasticamente o espaço e os volumes decorrentes,

em função de uma determinada época, de um determinado meio, de

uma determinada técnica, de um determinado programa t de uma

determinada intenção.

Assim, portanto , se, por um lado, arquitetura não é

coisa suplementar usada para enriquecer mais ou menos o

edif íc io , não é tampouco a simples satisfação de imposi ­

ç õ e s de ordem técnica e funcional . F r u t o de intuição

instantânea ou de procura paciente, para que seja ver­

dadeiramente arquitetura é preciso que, além de satisfazer

rigorosamente — e só assim — a tais imperativos, uma

intenção de outra ordem e mais alta acompanhe paripassu

o trabalho de criação em todas as suas fases. N ã o se trata

de sobrepor à precisão de uma obra tecnicamente perfei ­

ta a dose julgada conveniente dc gosto artístico. Aquela in-

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tenção deve estar sempre presente desde o iníc io , sele­

c ionando, nos menores detalhes, entre duas e três so lu­

ções possíveis e tecnicamente corretas , aquela que não

desafine — antes, pelo contrário, melhor contribua, c o m

a sua parcela mínima, para a intensidade expressiva da

obra to ta l .

E n q u a n t o satisfaz apenas às exigências técnicas e

funcionais, não é ainda arquitetura; quando se perde em

intenções meramente decorativas, tudo não passa de ce­

nografia; mas quando — popular ou erudita — aquele

que a ideou pára e hesita ante a simples escolha de um

espaçamento de pilares ou da relação entre a altura e a

largura de um vão, e se detém na obstinada procura de

uma justa medida entre cheios e vazios, na Fixação dos volu­

mes e subordinação deles a uma lei, e se demora atento

ao j o g o dos materiais e a seu valor expressivo, quando tudo

isto se vai pouco a pouco somando em obediência aos mais

severos prece i tos t é c n i c o s e funcionais , mas, também,

àquela intenção superior que escolhe, coordena e orienta

no sent ido da idéia inicial toda essa massa confusa e

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contraditória de pormenores, t ransmit indo assim ao c o n ­

j u n t o , r i tmo, expressão, unidade e clareza — o que c o n ­

fere à obra o seu caráter de permanência — i s to sim, é

arquitetura.

O u , em outros termos, c o m o lembrete:

arquitetura é coisa para ser exposta à intempérie;

arquitetuta é coisa para ser concebida c o m o um todo

orgânico e funcional;

arquitetura é coisa para ser pensada, desde o início,

estruturalmente;

arquitetura é coisa para ser encarada na medida das

idéias e do corpo do homem;

arquitetura é coisa para ser sentida em termos de es­

paço e volume;

arquitetura é coisa para ser vivida.

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O m i t o e o poder sempre estiveram na origem das

grandes realizações de sentido arquitetônico. Eles se con­

substanciam numa útôa-força da qual resulta a intenção que

orienta e determina a expressão arquitetônica. A realização

arquitetônica é assim a expressão palpável desse conteú­

do ideológico no seu mais amplo sentido.

Constata-se , porém, nesta c o m o que materialização

da idéia, a presença de um c o m p o n e n t e te lúr i co que

condiciona e propicia, do p o n t o de vista da concepção

formal, uma preferência " inst int iva" por determinados

t ipos de configuração. Assim, na bacia do Mediterrâneo,

tanto no sul da Europa quanto no norte da África, bem

c o m o nas áreas do Oriente próximo e da Mesopotâmia ,

prevalece, na arquitetura erudita c o m o na popular, o sen­

t i d o da coesão plástica, da forma geométr ica pura, da

contenção; ao passo que no norte da Europa e nos países

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eslavos e orientais observa-se, pelo contrário, certa pre­

disposição à plástica de sentido dinâmico, ao perfil m í s ­

t i co , elaborado ou convulso, à dispersão, podendo-se ,

portanto , considerar dois eixos culturais latentes quanto

à c o n c e p ç ã o plást ica da f o r m a : o e ixo m e s o p o t â m i o -

mediterrâneo, próprio da concepção estática, e o eixo nór-

dico-oriental , que abrange as diferentes modalidades da

concepção dinâmica.

Esse condicionamento inicial, juntamente com os de­

mais fatores de natureza cultural, racial e histórica envol­

vidos, faz com que a arte de cada civilização se const i tua

num todo íntegro e autônomo que impede a sua avalia­

ção por padrões outros que não os próprios, não c o m ­

portando, portanto, aferição ou ju ízo de valor na base de

cânones de outra cultura, como, por exemplo, os oriun­

dos da arte greco-latina, dita "clássica", em relação à arte

das civilizações orientais ou das culturas africanas.

É difícil compreender c o m o a civil ização-matriz da

nossa cultura ocidental , a civilização grega, pôde manter

— apesar da trama por vezes perversa, feroz e torpe da

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sua história c dos seus m i t o s — tamanha integridade e

serena constância na evolução da sua arte, repetindo du­

rante mais de quatrocentos anos os mesmos temas, ape­

nas cada vez c o m maior apuro. Assim, quando passou a

construir os seus templos, de preferência de mármore, se

ateve ao esquema das suas primitivas estruturas de ma­

deira, ou seja, ao mais singelo dos partidos arquitetônicos

possíveis: planta retangular, telhado de duas águas c o m

frontões nos topos , colunas e arquitrave, ou viga-mestra.

T u d o sempre na base da contenção e da verga reta.

Por dispor do melhor calcário para peças de porte , o

grego ignorou acintosamente o arco — e esta constatação

é fundamental.

O helenismo rompeu essa contenção secular e pre­

parou terreno para o predomínio do poder, que passou a

" u s a r " o mi to , quando anteriormente o poder derivava do

m i t o , cabendo então, em termos construtivos, às es t ru­

turas concebidas na base de arcos e abóbadas, traduzir a

obsessão romana pelos grandes espaços e pelo monumen­

tal . C o m o , porém, a inspiração cultural — o modelo —

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ainda provinha da Grécia, passaram os arquitetos locais,

c o m o Vitrúvio, a usar os e lementos construtivos gregos,

ou sejam, as suas ordens arquitetônicas — dórica, jônica,

coríntía — que eram a expressão viva de intenções bem

definidas, tais c o m o as de força, de graça, de riqueza, às

qua is os p r ó p r i o s r o m a n o s acrescentaram as o r d e n s

" toscana" , de sentido util i tário, e " compós i ta" , para sa­

tisfazer o seu gos to pela opulência — já não apenas c o m

a sua função estrutural específica de suporte, mas c o m o

elementos complementares de composição arquitetônica

entrosados num sistema construtivo de outra natureza.

Revestiram assim a nudez sadia dos seus m o n u m e n t o s

c o m uma crosta erudita de colunas e platibandas de már­

more e travertino — vestígios de um processo de edificar

o p o s t o . E foram precisamente os gregos em Bizâncio —

Santa S o f i a — que aproveitaram, t irando-lhe todo o par­

t ido da extraordinária beleza — a nova técnica.

O desmante lo do Impér io levou os sacrossantos

dogmas acadêmicos de roldão e foram então surgindo, aos

poucos , as estruturas de grossas paredes com contrafor-

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A R Q U I T E T U R A

tes para resistir ao empuxo dos arcos e abóbadas, numa

arquitetura severa e contri ta , c o m denso conteúdo espi­

ritual, chamada "românica" , que se foi definindo e apu­

rando nos grandes redutos m o n á s t i c o s onde o f io da

meada cultural greco-latina se preservou. E isto, até que

novas e sábias experiências construtivas conduziram a um

arcabouço estrutural externo, independente das paredes

de sustentação, e capaz de absorver os esforços laterais

resultantes do alteamento das naves, est i lo dito ogival ou

"gót i co" , o que tornou possível a impressionante seqüên­

cia das catedrais.

C o m a expedição turíst ico-mil i tar de Carlos V I I I à

Itália, seguida pelas de Luís X I I e Francisco I, a Europa

— já então saturada dos malabarismos gót icos — des­

cobriu a clareza racional, as graças do espírito novo e o

humanismo erudito da Renascença, ocorrendo assim um

renovado entusiasmo que, com a expansibilidade de um gás

e o patrocínio pedante dos cortesãos, penetrou todos os

recantos do mundo ocidental , inebriando as cor tes e a

sociedade culta.

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T R A D I Ç Ã O O C I D E N T A L

Conquanto o Renasc imento tenha adquirido pecu­

liaridades diferenciadas nos vários países europeus, o em­

prego cont inuado do receituário acadêmico foi , com o

correr do tempo, cansando e provocando contestações ,

pois, com efei to , desde que os vários e lementos de que se

c o m p õ e cada uma das ordens gregas — as colunas, o

entablamento, os f rontões — perderam as suas caracte­

rísticas funcionais primitivas, isto é, deixaram de const i ­

tuir a própria estrutura do edif íc io, nenhuma razão mais

justificava o apego intransigente às fórmulas convencio­

nais e vazias de sentido então em vigor. Se o frontão não

era mais tão-somente uma empena, a coluna um apoio, a

arquitrave uma viga, mas simples formas plásticas de que

os arquitetos se serviam para dar expressão e caráter às

construções — por que não encarar de frente a questão e

tratar cada um desses e lementos c o m o formas plásticas

autônomas, criando-se com elas relações espaciais d i fe ­

rentes e garantindo-se assim novo alento de vida ao velho

formulário greco-romano "à bout de forces"?

E aí então — época da C o n t r a - R e forma e de muita

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A R Q U I T E T U R A

construção — que surge o chamado "barroco" , que não

foi uma arte bastarda, c o m o se pretendeu, mas uma nova

concepção espacial e plástica, liberta dos preconceitos an­

teriores e que, apesar de aparente irracionalidade, baseou-

se numa formulação perfeitamente racional.

É neste ciclo que a nossa arte colonial se insere.

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T R A D I Ç Ã O L O C A L

"Vendo aquelas casas, aquelas igrejas, de surpresa em surpre­

sa, a gente como que se encontra, fica contente, feli^ e se lem­

bra de coisas esquecidas, de coisas que a gente nunca soube,

mas que estavam lá dentro de nós."

092-9)

A arquitetura regional autêntica t e m as suas raízes

na terra; é produto espontâneo das necessidades e conve­

niências da economia e do meio físico e social e se desen­

volve, c o m tecnologia a um tempo incipiente e apurada, à

feição da índole e do engenho de cada povo; ao passo que

aqui a arquitetura veio já pronta e, embora beneficiada

pela experiência anterior africana e oriental do coloniza­

dor, teve de ser adaptada c o m o roupa feita, ou de meia-

confecção, ao corpo da nova terra.

À vista desta constatação fundamental, importa pois

conhecer, antes de mais nada, a arquitetura regional por-

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A R Q U I T E T U R A

tuguesa no próprio berço, porque é na construção popu­

lar de aspecto viril e meio rude, mas acolhedor, das suas

aldeias que as qualidades da raça se mostram melhor, per-

cebendo-se , desde logo , no acerto das proporções e na

ausência de art i f íc ios, uma saúde plástica perfeita, se é

que se pode dizer assim.

Constata-se, de saída, nessa volta às origens, acentuada

diferença entre a arquitetura do norte e a do sul. Da Beira

Baixa, ou cintura do país, para cima prevalece o contraste da

pedra com a caiação, como no Entre Douro e Minho, senão

mesmo o emprego exclusivo do granito em grandes blocos

toscos ou aparelhados como ocorre na Beira Alta e em Trás-

os-Montes ; o ponto, ou seja, a inclinação dos telhados de

tacaniça — quatro águas —, é geralmente amortecido graças

ao recurso do chamado "contrafeito", que é pequeno caibro

complementar destinado precisamente a adoçar o ponto e a

dar maior graça ao telhado na aproximação dos beirais.

Na Estremadura, Lisboa e Ericeira, por exemplo, essa

graciosa concavidade das coberturas, tipicamente portugue­

sa — possivelmente por simbiose oriental, pois não existe

em nenhum outro país mediterrâneo —, se acentua, já então

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T R A D I Ç Ã O L O C A L

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A R Q U I T E T U R A

associada ao predomínio da caiação; mas no Alentejo, onde

as construções são de taipa ou tijolo e domina inconteste

uma impecável brancura, os telhados são de uma só água,

desempenados e retos, e avultam as grandes chaminés retan­

gulares, com arranque oblíquo na prumada das fachadas s o ­

bre a rua por onde se acede à intimidade dos pequenos pátios

murados; finalmente no Algarve — extremo sul — surgem

os terraços ou soteias, e as chaminés circulares com os seus

caprichosos coroamentos amouriscados.

Era de onde eles vinham, para a grande aventura in­

consciente de começar a fazer um novo país.

Cada mestre, oficial ou aprendiz—pedreiro , taipeiro,

carpinteiro, alvanéu — trazia consigo a lembrança da sua

província e a experiência do seu of íc io , daí a simultânea

adoção, logo de início, das diferenciadas feições arqui­

tetônicas próprias de cada modo de construir : a taipa de

pilão, a taipa de sebe, ou de mão — pau-a-pique —, o

adobe, a alvenaria de t i jo lo , a pedra e cal.

S e m embargo dessa variada aplicação de processos

construtivos nos dois primeiros séculos, c o m o tempo e

as circunstâncias locais a preferência por uma determina-

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T R A D I Ç Ã O L O C A I

da técnica se fo i definindo; a taipa de pilão, encontrando

terreno propício, f ixou-se principalmente em São Paulo;

a alvenaria de t i jo lo floresceu mais em Pernambuco e na

Bahia; nas terras acidentadas de Minas , onde os caminhos

acompanhavam as cumeadas, c o m as casas despencando

pelas encostas, o pau-a-pique sobre baldrames de pedra

foi a solução natural; já no R i o de Janeiro, a fartura de

grani to marcou a perspectiva urbana c o m a seqüência

r i tmada das ombreiras e vergas de pedra — suporte e

arquitrave —, princípio construtivo da Grécia antiga,

Se o negro, mais dócil e servil na sua condição de escra­

vo, pôde colaborar com o colono, inclusive no aprendizado

dos ofícios, já o índio, habituado a um estilo de vida diferen­

te, que lhe permitia vagares na confecção limpa e cuidada de

armas, utensílios e enfeites, estranhou, com certeza, a gros­

seira maneira de fazer dos brancos apressados e impacientes,

A identificação com o indígena restringiu-se ao " p r o ­

grama" dos abrigos iniciais à guisa de casas — grandes es­

paços cobertos nas feteorias ou ranchos, como nos "montes "

do Alentejo — onde acolher as levas de colonos trazidos

pelas frotas. Por seu tamanho, esses telhadões pouco afasta-

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A R Q U I T E T U R A

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dos do chão, como nos próprios engenhos, rompiam com

a tradição metropolitana — que consistia em decompor a

cobertura das edificações de maior porte em telhados me­

nores —, aproximando assim tais estruturas, por sua pu­

reza formal e proporções , das ocas m o n u m e n t a i s dos

nativos, tanto mais que eram implantadas em clareiras, como

o terreiro das malocas, uma vez que o inimigo — bicho ou

índio — vinha da mata. É que houve uma curiosa coinci­

dência gerada pela presença do foco de calor, o fogo — o

foyer. O transmontano e o indígena procediam de modo se­

melhante para manter a casa toda aquecida com o aprovei­

tamento do próprio fogo da cozinha e da defumadura,

deixando simplesmente a fumaça escapar pela telha-vã ou

por engenhoso dispositivo na cumeeira das ocas. D a í a

paradoxal contradição observada em Portugal da ausência

de chaminés nas áreas frias do norte e a presença ostensiva

delas no sul, onde o calor concentra-se apenas na lareira

para que não se espraie pelo resto da casa.

De fato , ao entrar no país certa vez por Bragança di ­

visei do alto da serra ao crepúsculo, no fundo do vale, os

telhados do casario a fumegar, associando então a tal c o s -

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T R A D I Ç Ã O L O C A L

tu me a ausência de puxados ou cozinhas nos exemplares

mais puros das casas seiscentistas preservadas em S ã o

Paulo, cuja planta retangular e simétrica dispõe de um

salão central de chão de terra batida e telha-vã e de duas

varandas embut idas no c o r p o da casa c o m o as loggias

paladianas; a dos fundos, caseira e de serviço, a da frente,

social e de receber, tendo num extremo a capela e no o u ­

t ro uma camarinha, sem acesso ao corpo da casa, para

pouso eventual de viajantes. No alto salão ficava a c o m ­

prida mesa de pranchões com seus bancos; é aí, nesse gran-

RANCHO OE FEITOR IA

MONTfc ALeNTEJAftO

39

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A R Q U I T E T U R A

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de bali medieval, c o m fogo sempre aceso no inverno, que

armavam as trempes e assavam a rês ou a caça do dia.

É interessante assinalar que esse esquema fo i o em­

brião da casa rural brasileira. E não só a rural c o m o tam­

bém a de arrabalde, até f ins do século X I X — apenas

acrescida do puxado de serviço; sala de jantar aos fundos

dando para a varanda doméstica e o quintal, e sala da frente

c o m varanda ou terraço de receber; as duas articuladas por

extenso corredor, c o m quartos de uma banda e de outra,

o que garantia, no verão, boa tiragem. Assim, pois, de certo

modo, tudo se entrosa — a oca indígena, a casa trans-

montana, a casa chamada do bandeirante, a casa de fazen­

da, a casa de arrabalde, a casa urbana de bairro.

Há certa tendência a considerar " imitações" de obras

reinóis as obras e peças realizadas na colônia. Na verdade,

porém, são obras tão legítimas quanto as de lá, porquanto

0 colono, par âroit de eonquête,1 estava em casa, e o que fazia de

semelhante ou já diferenciado era o que lhe apetecia fazer

— assim c o m o ao falar português não estava a imitar nin­

guém, senão a falar, c o m sotaque ou não, a própria língua.

1 Por direito de conquista.

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

I — Tanto a taipa de p i l ã o — b a r r o socado entre taipais

de madeira — quanto a de sebe, ou pau-a-pique — trama

de madeira barreada a m ã o — e x i g e m proteção contra a cor­

tina de água despejada dos telhados, daí a necessidade dos

grandes beirais que não visavam primordialmente defender

do sol, mas da chuva, tanto assim que nos países onde o sol

também é muito mas a chuva escassa, eles, quando existem,

se reduzem muitas vezes ao simples saque da telha. E como

a parede espessa de barro requer duplojrecfca/ — barrote que

recebe o madeiramento do telhado — um em cada face, re­

sultou não somente que os caibros apoiados neles para su­

porte do beirai, chamados "cachorros", ficaram de nível, como

também que o maior comprimento do "contrafeito" trans­

feriu a quebra do telhado, e seu conseqüente galbo, mais para

cima, de modo que, mesmo a distância, pode-se identificar a

estrutura da casa como de taipa de pilão.

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A R Q U I T E T U R A

Já no pau-a-pique o cachorro tem ligeira inclinação

porque é apenas travado, internamente, por um pau roli-

ço interposto entre ele e o caibro, aos quais vem se a jus­

tar a corni ja sanqueada que delimita o encontro do forro

do c ô m o d o com a parede. O arcabouço é todo de madeira

e independe dessas paredes que são mero ench imento

como ocorre hoje com o concreto armado, e a casa se apoia

nos próprios esteios, ou pilot is .

Este processo construtivo foi intensivamente empre­

gado em grande parte do estado do R i o e em Minas, tanto

com esmerado apuro em casas de fazenda e urbanas —

Diamantina, por exemplo, é toda de pau-a-pique —, c o m o

na sua forma mais rudimentar, na casa do pobre. Ainda agora

é só andar pelo interior que elas logo surgem ao longo das

estradas. Feitas com pau do mato próximo e da terra do

chão, mal barreadas, como casas de bicho, dão abrigo a toda

a família — crianças de colo, garotos, meninas, os velhos,

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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tudo de mistura e com aquele ar doente e parado, esperan­

do... E ninguém liga de tão habituado que está, pois aquilo

faz parte da terra como formigueiro, fígueira-brava e pé de

milho — é o chão que continua.

2 — As construções integralmente de alvenaria de t i -

.jolo, ensejando arcos, como a casa-grande de Megajipe, em

Pernambuco — criminosamente destruída —, e abóbadas,

como na parte quinhentista da chamada Casa da Torre de

Garcia d'Ávila, em Tatuapé, na Bahia, seriam, ao que parece,

menos freqüentes. O mais comum era fazer-se apenas a fa­

chada de alvenaria maciça; no corpo da casa a carga concen­

trava-se em robustos pilares, com as paredes montadas sobre

o próprio barroteamento. As telhas do beirai assentavam

sobre cornijas "ameaçadas" c o m t i jo lo e revestidas c o m

perftlatura de massa corrida, ou sobre fiadas da mesma telha

altemadamente acavaladas à mourísca—beira , sobeira e bica.

Quanto ao adobe, ou ti jolo cozido ao sol, conquanto

mais usado em M a t o Grosso e Goiás, também foi comum

em outras áreas como o comprova o grande sobrado dos

Ta na jura, na Bahia, com capela interna, janelas rasgadas, ou

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A R Q U I T E T U R A

seja, c o m guarda-corpo de madeira entalado no vão, e

pranchões, ou padieiras, à guisa de verga chanfrada para cima

e que se diz "capialçada", como na taipa de pilão.

A parte monumental, seiscentista, das ruínas da referi­

da Casa da Torre, próxima da praia, pouco acima de Salva­

dor, mostra com clareza a técnica construtiva da alvenaria de

pedra e cal e cantaria. Além da seqüência de arcos no rés-do-

chão e dos enquadramentos dos vãos com os respectivos

assentos laterais, ou conversadeiras, lá estão, nos dois anda­

res do corpo central destelhado, os renques de consolos —

ou cães de pedra—engastados nas paredes ao nível de cada

piso, prontos para receber as madres que sustentavam os

barrotes onde se apoiaria o tabuado do pavimento. Tudo

preparado para os pedreiros e canteiros cederem a vez aos

mestres-carp inteiros e seus oficiais, cada qual cuidando exem­

plar e limpamente, no devido tempo, da sua tarefa.

3 — E expressivo o contraste, que ainda perdura, assi­

nalado nas preciosas pranchas da Viagem Filosófica de Alexan­

dre Rodrigues Ferreira, entre o leve casario de duas águas

com empenas vazadas e vedação arejada de folhas trançadas

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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de palmeira — vedação que respira —, sobre palafitas à

margem dos rios, e o pesado casario de cunhais em bossagem,

cornijas, faixas, cordões de estuque e elegantes sacadas de

ferro com desenhos à francesa, da escola acadêmica de Landi,

o bolonhês. Portadas e calçadas de pedra de lioz, trazidas como

lastro, são comuns em todo o litoral, mas não tanto quanto

em Belém do Pará por estar mais ao alcance da metrópole. A

identificação desse belo calcário marmóreo como pedra de lioz_

resultou da expressão "pierre de liais" usada pelos escultores

franceses que, como Chanterenne, tanto f i zeram pelo apuro

da arte quinhentista portuguesa, para designar o calcário duro

e compacto, porém macio ao corte a que estavam afeitos no

seu país, e como na época o fonema "a is " ainda se escrevia

"oys", a leitura das especificações pelos portugueses consa­

grou a pedra como lioz.

4 — Conquanto o casario de São Luís seja mais c o ­

nhecido pela azulejaria oítocentista que lhe reveste as facha­

das, o fundo menosprezado das casas, revelado ao antigo

S P H A N 2 pela documentação fotográfica trazida por um

2 S P H A N — Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — hoje. IPHAN.

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A R Q U I T E T U R A

estudante francês das Beaux Arts, chamado Kiss, que foi até

lá de caminhão pedindo carona — embora já em grande par­

te desmantelado —, tem para o arquiteto de hoje grande valor,

é uma lição. Contrastando com o denso paramento das fa­

chadas sobre a rua, regularmente cortadas pela seqüência de

vãos, e rematadas por elegantes beirais, elas se abrem, rasga­

das de fora a fora, apoiadas em pilares no quintal, ou em

balanço, formando um avarandado — trama contínua de

venezianas, treliças ou caixilharia — protegido por enormes

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A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA L E M B R A N Ç A

O u t r a particularidade exclusiva do Maranhão é a

superposição da concavidade de duas telhas a fim de au­

mentar o balanço da chamada bica do beirai, engenhoso

artif ício que em Portugal também só ocorre numa região

— a de Setúbal .

5 — Foi o engenheiro francês Vauthier, desencavado

por Gi lber to Freyre que, descrevendo os estreitos e altos

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beirais e sobreposto à estrutura maciça da casa. E para aí que

convergem, na forma usual, a sala de jantar, o serviço e a par­

te comunitária mais íntima da vida caseira.

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A R Q U I T E T U R A

sobrados do Rec i fe — de íngremes telhados retos, cujo

encaibramento era simplesmente apoiado em possantes

terças entaladas entre os o i tões —, revelou o curioso c o s ­

tume de localizar a sala de jantar no úl t imo piso da casa,

juntamente c o m o serviço que também ocupava o sótão,

onde moravam as mucamas, f icando os escravos e casais

nos baixos da edificação ou na senzala, nos fundos do

quintal, juntamente c o m a cocheira. Havia passagem de

serviço acessível pela entrada, c o n q u a n t o fosse vedado

c o m porta vazada o acesso aos andares pela escada dis­

posta c o m o devido recuo e atravessada em relação ao lote

para dar lugar à lo ja e às salas de cima, de frente para a

rua. N ã o havendo comércio , formava-se o saguão c o m pa­

tamar de convite para o lanço de altos degraus resguarda­

dos por treliça ou recortes de madeira, senão de t o d o

escondidos; nesse saguão ficava eventualmente a cadeiri-

nha, tudo na forma usual, c o m o em Minas, no R i o e alhu­

res. Ass im, o e s c r i t ó r i o , as salas de receber e o u t r o s

aposentos ocupavam o primeiro andar, e os demais quar­

tos e alcovas o piso intermediário. Construções geralmente

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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feitas com alvenaria de t i jolo. O maior apego por esse ma­

terial fabricado em vários tamanhos e sempre da melhor

qualidade, embora o seu emprego fosse comum em Portu­

gal, mormente no sul, deveu-se, sem dúvida, ao prolonga­

do convívio com o "flamengo", c o m o então se dizia.

Outra característica desses sobrados de Recife e Olinda

são os robustos consolos de pedra para apoio do piso de

tábuas das sacadas com painéis de almofadas e treliça onde

assentavam as caixas dos muxarabies, ou muxarabis, e, vez por

outra, os pontaletes de sustentação de uma coberta alpen-

drada, havendo então encaixes, rente à parede e também de

pedra, dispostos lateralmente na altura das vergas, para

receber o devido frechal. Ao contrário do que ocorre em

Pernambuco, na Paraíba o piso da sacada é sempre de pe­

dra com perfllatura nos bordos, o que confere ao conjunto

aparência diferente, mais pesada.

Essas caixas sacadas ou rasas, isto é, s implesmente

s o b r e p o s t a s ao enquadramento dos vãos, de t radição

muçulmana, que permitem resguardo sem pre juízo da

ventilação, foram usadas em toda a colônia, sobretudo nas

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A R Q U I T E T U R A

ruelas estreitas onde os c ô m o d o s se devassavam. F o t o ­

grafias de 1 8 6 0 mostram que eram comuns em S ã o Pau­

lo , juntamente c o m os grandes beirais de nível e forrados.

C o m a vinda da corte , esse costume que conferia à

cidade cer to ar oriental chocou os fidalgos e elas foram

obrigatoriamente arrancadas e substituídas por venezia­

nas e vidraças de guilhotina ou de abrir "à francesa", sur­

gindo então, no R i o , principalmente, as graciosas sacadas

de ferro dispondo nos cantos de barras verticais espiraladast

para pendurar luminárias. Assim, essas reixas de madeira

foram sumindo, e dos s impáticos muxarabis avulsos de

encaixar nas sacadas sobrou apenas um, em todo o país

— o de Diamantina.

6 — A cidade de Salvador do século X V I I e primei­

ra metade de setecentos, quando ainda sede do Governo

Geral, era uma cidade marcadamente aristocrática, de uma

aristocracia a um t e m p o rural e urbana, de senhores e

escravos; e a arquitetura de suas grandes casas, de porte

severo e nobre, onde avultam belas portadas e lenços de

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pedra, quer dizer, peitoris inteir iços de cantaria, não teve

paralelo no país, salvo a imponente casa chamada "dos

C o n t o s " , em O u r o Preto , c o m o seu senhorial saguão t i ­

picamente português.

E s t e caráter próprio e inconfundível, embora ainda

acentuadamente lus i tano, fo i aos p o u c o s se di luindo,

minado por uma crescente burguesia menos comprome­

tida c o m os antigos dogmas e valores, e pela miscigena­

ção. Assim, passo a passo, aquela solidez, aquela carrure

foi se perdendo e a graça e o dengue crioulo se foram in­

sinuando na feição arquitetônica das casas, não somente

em Salvador, c o m o em Cachoeira, principalmente: os vãos

se alteiam e os seus enquadramentos enfeitados são de-

cepados no encontro das tábuas extravasadas dos p e i t o ­

ris, com simples palmetas de remate, característica esta

exclusivamente baiana que plasticamente os enfraquece;

os cordões das caixilharias se entrecruzam em capricho­

sos e alegres arranjos e a cor intervém.

Tudo is to contr ibui para dar à cidade a sua graça, e

conquanto a presença sóbria e aristocrática da casa, de

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A R Q U I T E T U R A

começo de setecentos, que sobreviveu c o m as suas saca­

das de ferro batido, sua rica portada e seteiras, possa pa­

recer, à primeira vista, meio contrafeita, é precisamente

esse variado e consent ido convívio — esta simultaneida-

de — que atrai e seduz e faz da Bahia o que ela é.

7 — Na região do R i o de Janeiro floresceu — o ter­

mo é bem este — uma arquitetura rural alpendrada c o m

colunas toscanas à moda do M i n h o , mas tudo caiado de

branco à maneira da Estremadura, de que a casa de fazen­

da do Colubandê com a sua importante capela anexa, cuja

imagem de Sant 'Anna consta do Santuário Mariano, é,

sem favor, o mais gracioso e puro exemplar. Debre t dedi­

ca a prancha 42 do seu precioso documentário a esse es­

tilo de casa t ípico da região, confrontando a sua planta

com o esquema da casa romana — operistilo, o impluviutn. o

tricltntOy ou sala de jantar, aos fundos, c o m o f icou na n o s ­

sa tradição. Existe algo semelhante em outras áreas do

país, mas não c o m o mesmo apuro e constância, e geral­

mente são casas com o avarandado todo à volta, c o m o no

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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Ceará, por exemplo, e de construção mais simples: fustes

ci l índricos praticamente sem base nem capitei, e encai-

bramento apertado, de pau rolíço, j u s t o o necessário para

receber de cada vez uma fiada apenas de telha-vã.

No c a m i n h o da serra, as ant igas e belas fazendas

da Samambaia , do Padre Corre ia e de S a n t o A n t ô n i o

já t ê m os s u p o r t e s das varandas de madeira, de seção

quadrada, c o m o bisel nas arestas l i m i t a d o à parte c o r ­

respondente ao fus te , ainda c o n f o r m e a velha t radição

medieval ; e em M i n a s , então , prevalece def ini t iva , t a n ­

to nas pequenas c o m o nas grandes fazendas , uma a p u ­

rada t é c n i c a de pau-a -p ique , c o m a part icular idade de ,

mantidas as tacaniças nos t o p o s do te lhado, descer c o m

as águas m a i o r e s a fim de c o b r i r o lanço das varandas

à f rente e aos f u n d o s , onde es tão as escadas de acesso .

M e s m o perto de Brasília ainda existe a robusta c o n s ­

trução da casa c o m engenho que foi de Joaquim Alves de

Oliveira — hoje conhecida c o m o Babilônia —, louvada

p o r Saint-Hila ire pela sua exemplar organização, e, até

mesmo para os lados da Chapada dos Guimarães, em M a t o

Page 54: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

Grosso , a rústica fazenda do Abri longo também c o m en­

genho incorporado à casa.

Cur ioso é que embora a importante fazenda de Pau-

d'Alho, no vale do Paraíba, ainda ostente a sua varanda

recuperada por Luiz Saia, em toda a área paul is to- f lumi­

nense no chamado cic lo do café, os ca saro es rurais passa­

ram a ignorar a t radição das varandas, pre fer indo os

renques cont ínuos de janelas, apenas interrompidos pelo

pequeno terraço central de acesso e pela escada de pedra,

c o m guarda-corpo de ferro se abrindo em leque.

Conquanto nas grandes fazendas a implantação das casas

com os seus engenhos, terreiros, oficinas e senzalas variasse

m u i t o — e sobraram exemplares de alto significado arquite­

tônico como, além da referida Pau-d'Alho e da opulenta fa­

zenda do Resgate, a do R i o de São João, a do Manso e a de

Boa Esperança, em Minas, a do Poço Comprido, em Per­

nambuco, os dois chamados sítios de Santo Antônio e do

Padre Inácio em São Paulo, e tantas m a i s — , o seu arcabouço

estrutural, mormente nos casos de construções de pau-a-

pique ou de pilares autônomos de alvenaria, obedecia ao es-

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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quema de crescimento retangular em torno de um niicleo

central, servindo os esteios intermediários de apoio ao am­

plo telhado, independentemente do emprego da clássica te ­

soura então ainda desconhecida dos colonos, uma vez que o

seu uso processou-se lentamente depois de estreada na igre­

ja jesuíta de São Roque, em Lisboa.

O u t r a característica marcante da arquitetura rural é

a constante presença da capela, seja incorporada à casa,

c o m vão de treliça para peça contígua, a f im de a família

poder assistir à missa na intimidade, enquanto os " o u ­

t ros" , inclusive os escravos, dispunham da varanda, c o m o

nave, ou então desgarrada, algumas de grande porte , o u ­

tras c o m riquíssima talha, c o m o a do Engenho B o n i t o ,

em Pernambuco, a casa se foi , a capela f icou.

8 — O revestimento de azulejos nas fachadas das casas,

característica do século X I X , ocorreu em toda a faixa l i to ­

rânea — em Minas não há exemplo — de Belém e de São

Luís, onde foi mais freqüente, a Porto Alegre, onde foi mais

elaborado, com azulejos especiais para pilastras e capiteis.

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A R Q U I T E T U R A

No R i o de Janeiro foram comuníssimos juntamente com

vasos e estatuetas no coroamento das platibandas e telhões

esmaltados, de fundo azul ou branco, nos beirais. Conquan­

to procedentes na sua maioria da fábrica de Santo A n t ô ­

nio, no Porto, lá são raríssimos, isto porque a cidade já estava

pronta — vinha tudo para cá.

É, aliás, interessante assinalar o importante papel dessa

cerâmica no processo de assimilação do neoclássico no país.

Imposto pela missão francesa, embora prenunciado por ar­

quitetos reinóis — um deles, consultado à vista do risco da

"obra já feita até a empena", sobre o modo como rematá-la

— risco bisonho mas gracioso da igreja do Carmo de São

João dei Rei, conservado no Museu de Ouro Preto —, foi

taxativo: só demolindo tudo para refazer de acordo com as

regras. E que o despojamento e a contida sobriedade do novo

estilo haviam violentado, de certo modo, os laivos remanes­

centes do gosto rococó do período anterior. Assim, o brilho

e a cor do revestimento azulejado dos panos nus de parede,

das platibandas e frontões das eruditas e severas fachadas

neoclássicas contribuíram para amenizar-lhes o impacto do

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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confronto com os telhões de louça dos beirais renascidos e

para integrá-los tanto na paisagem urbana quanto na dos

arrabaldes, onde passaram a conviver muito bem com as man­

gueiras, a jaqueira e o pé de fruta-pão.

9 — Sacadas sobre bacias de pedra nas construções

de alvenaria, ou sobre barrotes em balanço nas de pau-a-

pique, bem c o m o balcões corridos, foram comuns, pr i ­

meiramente protegidos por forte guarda-corpo de ferro

for jado, com a característica portuguesa de dispor uma

barra horizontal a um terço da altura da sacada, levando-

se apenas as peças verticais extremas e uma ou duas in­

termediárias até a barra de peito. Essa disposição peculiar

se repete nas sacadas com balaústres de madeira torneada,

solução corrente em O u r o Preto , por exemplo. Sacadas,

c o m o a de Sabará, c o m elegantes balaústres de perfil s i­

métr ico de gos to ainda renascentista, de uso tão genera­

l izado no n o r t e de Portugal , são raras aqui . Em S ã o

Cristóvão, antiga capital de Sergipe, rica em obras de arte,

há dois exemplos valiosos, um de sacadas isoladas c o m

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A R Q U I T E T U R A

robusta e bem desenhada perfilatura, out ro c o m balcão

corrido, de madeira entalhada e risco apuradíssimo. As

reixas graúdas de madeira e os caprichosos recortes, en­

talados nos vãos, são também comuns . Durante o I m p é ­

rio multiplicaram-se as sacadas de barras finas de ferro

de elaborado e repetido desenho, até que as grades de

ferro fundido, iniciadas pelos ar t í f i ces da M i s s ã o L e -

breton, c o m moldes clássicos, passaram a prevalecer mas

já então c o m densos modelos de esti lo indefinido.

10 — Nas casas mais antigas, presumivelmente nas

dos fins do século X V I e durante todo o século seguinte,

predominavam os cheios na relação dos vãos com as pare­

des; à medida, porém, que a vida se tornava mais fácil e

policiada, o número de janelas ia aumentando; já no século

X V I I I , cheios e vazios se equilibram, e no começo do sécu­

lo X I X , predominam francamente os vãos; de 1 8 5 0 em

diante as ombreiras quase se tocam, até que a fachada, no

final do século, se apresenta praticamente toda aberta, ten­

do os vãos mui tas vezes ombre ira c o m u m . C o n t u d o ,

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A N O T A Ç Õ E S A O C O R R E R D A L E M B R A N Ç A

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caixilharia inteira, de fora a fora e de alto a baixo, como

ocorre na bela frontaria tão atual da Misericórdia de Parati,

é coisa rara. Cronologicamente, a proporção dos vãos ten­

de a se altear, as vergas mantêm-se retas até meados de se-

tecentos, quando passam a ser arqueadas e acrescidas de

cornija. No começo do século X I X , já por influência do

neoclassicismo, voltam a ser retas com enquadramento l i ­

geiramente mais leve, e surgem os vãos de volta redonda,

ou seja, de meio círculo. É então que as bandeiras ou a parte

superior dos caixilhos passam a se enfeitar com elegantes e

caprichosos desenhos, o que confere à arquitetura do S e ­

gundo Reinado um encanto muito especial.

No Mapa Arquitetural do Rio de Janeiro dessa época, ela­

borado por João da Rocha Fragoso, o centro da cidade de

repente ressurge, figurado de corpo inteiro c o m as suas

fachadas perfiladas ombro a ombro, casa por casa, rua p o r

rua, a nos revelar a unidade arquitetônica e urbanística que

para sempre se perdeu. Datado de 1&74, sete anos antes

do seu autor perder a razão — em 1 8 8 l fo i " julgado s o ­

frer de alienação mental incurável" —, esse precioso docu-

Page 60: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

mentário iconográfico mostra com imorredoura precisão

c o m o era então a cidade, dando assim sobrevivência e uma

razão maior, imprevista, à sua própria vida.

II — O aqueduto dos arcos dominava a paisagem

urbana, levando lentamente no seu dorso as águas do rio

Carioca até alcançar o gracioso chafariz barroco f ielmen­

te "retratado" , p o r T h o m a s Ender, esse admirável e bene­

m é r i t o documentador do R i o de Janeiro e das demais

regiões por onde andou.

Foi muito desigual o tratamento dado aos chafarizes,

ou bicas, nas cidades coloniais. Se em São Luís, no M a ­

ranhão, o seu adro rebaixado serve agora para demonstra­

ções de Bumba-meu-Boi , e em Goiás Velho o imponente

chafariz da praça triangular em aclive ainda funciona; se no

R i o eles foram vários, alguns arquitetonicamente valiosos,

como o do antigo Largo do Paço, onde à moda portuguesa

o granito se associou ao calcário de lioz, tal c o m o também

ocorreu no portão do Passeio Público e na igreja da Santa

Cruz dos Militares, obras onde mestre Vilentim deixou a

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A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA L E M B R A N Ç A

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sua marca, em cidades importantes como Salvador, Recife,

Olinda etc. foram de certo modo menosprezados, ao con­

trário do que sucedeu em Minas Gerais, onde avultam,

principalmente na antiga Vila Rica, e por sua variedade e

beleza contribuem, juntamente com as pontes, para tornar

a cidade mais humana e acolhedora. Desde o da Casa dos

Contos , que impressiona por sua desenvoltura plástica e

robustez, ao pitoresco chafariz do Largo de Marília que,

num pseudo-restauro simplista, chegou a sofrer a sumária

amputação do seu delicado coroamento, apenas porque era

de massa e não de pedra. Mutilação depois competente-

mente "reimplantada" pelo antigo Sphan, na base de docu­

mentação fotográfica, graças a outro austríaco de nascença,

como Ender, o escultor Max Grossman, homem discreto,

calado e bom: proibido pelo médico de nadar por ter sofri­

do enfarte, salvou uma moça que, sozinha, se afogava na

praia de Copacabana e, em seguida, morreu.

12 — A i n d a que os grandes senhores de engenho dis-

pusessem, desde o primeiro século, de ricas alfaias vindas

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A R Q U I T E T U R A

da metrópole e do Oriente, conforme constatou Cardim,

na maioria das casas o mobiliário era de início sóbrio: além

de pequeno oratório com o santo de confiança, camas, ca­

deiras, bancos, mesas e arcas; arcas e baús ou caixões, como

então se dizia, para ter onde meter a tralha toda, E isto não

só porque as modas da corte chegavam aqui com muito

atraso e se infiltravam pela vastidão do território da co lô­

nia ainda com maior lentidão, mas também porque não havia

nenhum interesse particular que estimulasse e justificasse

a adoção apressada de formas novas em substituição de ou­

tras já consagradas, quando a maneira de viver e todo o

quadro social continuavam não somente inalterados, mas

sem perspectivas próximas de alteração. E tanto mais que

o clima, geralmente quente, o uso das redes e o costume

nativo e oriental de sentar sobre esteira — ou tapete — no

chão não estimulavam o aconchego dos interiores, nem os

arranjos supérfluos ou de aparato.

Contudo, as peças em si eram trabalhadas com gosto e

o devido apuro, não só porque a tradição do ofício era fazê-

las assim, como porque os oficiais e seus ajudantes eram,

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a n o t a ç õ e s a o c o r r e r d a l e m b r a n ç a

6 3

muitas vezes, gente da casa, escravos, cujos dotes naturais,

em boa hora revelados, a conveniência do senhor havia sabi­

do aproveitar. Trabalhando sem pressa nem possibilidade de

lucro, o prazer defazer bem-feito era tudo que importava: isto ao

menos era deles — o dono não podia tirar.

C o m o correr do tempo os modismos importados,

correspondentes às mudanças de gosto e de estilo peculia­

res a cada reinado — D. Pedro II, D. João V D. José , D o n a

Maria —, foram adquirindo feição própria local, diferen­

ciada, o que permite aos entendidos identificá-las c o m o

procedentes de Goiás , de Minas, da Bahia, do N o r t e ou

do Sul. A esse propósito é preciso acabar c o m o to lo cos ­

tume de chamar de "holandesas" mesas t ipicamente luso-

mineiras, devidas ao afluxo de sangue novo da metrópole

— de Guimarães e de outros termos — atraído pela gran­

de procura de carpinteiros e marceneiros nas terras de

Minas, no chamado Cic lo do O u r o .

13 — As casas de câmara e cadeia, da mínima de Pilar

de Goiás , à mais opulenta da antiga Vila R i c a e à mais

Page 64: Arquitetura - Lucio Costa

a r q u i t e t u r a

64

bela e genuinamente portuguesa, de Mariana, obedeciam

ao odioso cos tume lusitano de assentar sem rodeios o

poder sobre a cadeia — embaixo, no térreo, c o m vãos

for temente gradeados e paredes, pisos e forros reforça­

dos, os presos; em cima, no andar, os senhores conselhei­

ros. M a s c o m o toda medalha tem seu reverso, o sistema

oferecia certas vantagens c o m o a cont ínua ciência das

autoridades pelo que ocorresse, e a acessibilidade aos pre­

sos, através das grades, da família ou de quem passasse:

um bilhete, um doce, um olhar — uma flor.

14 — Foram numerosas as fortif icações ao longo do

litoral, mas nenhuma do porte espetacular de Macapá, na

f o z do Amazonas, ou impressionante como, no interior, o

Forte Príncipe da Beira, na Rondônia, à margem do Gua-

poré, ou, ainda, da pureza formal do São Marcelo, na baía

de Todos os Santos. Sólidas e bem projetadas estruturas,

baseadas em especificações minuciosas e, no caso do belo

Forte dos Reis Magos, manuscritas e muito bem redigidas

pelo erudito arquiteto Frias de Mesquita , o mesmo que

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A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA LEMBRANÇA

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projetou o Moste i ro de São Bento, no R i o , nunca serviram

para nada, tal qual os dispendiosos armamentos de hoje,

destinados a sucata. A sua finalidade foi meramente sim­

bólica, como selos da presença real de sua majestade.

15 — Tanto na construção das fort i f icações e dos

edifícios públicos, como, principalmente, na das igrejas de

irmandades, os projetos, ou riscos como então se dizia, eram

sempre acompanhados de minuciosas e precisas especi­

ficações. Essa expressão risco não deve ser interpretada como

simples "desenho", mas como desenho visando ao feit io

ou à elaboração de alguma coisa, correspondendo assim à

expressão inglesa design.

Aprovado o pro je to , era feita concorrência para es ­

colha do mestre do of í c io em causa — pedreiro, carpin­

te i ro , enta lhador — p o r emprei tada ou a j o r n a l e os

trabalhos eram conduzidos com exemplar cuidado e acom­

panhados de constantes louvações para dirimir dúvidas e

conferir medições, sendo os louvados profissionais já con­

sagrados, inclusive "professores" , c o m o consta em alguns

Page 66: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

documentos . Tudo levado muito a sério e até mesmo c o m

exagerado rigor, a p o n t o de — segundo cer tos tes tamen­

t o s — m u i t o mestre, depois de uma vida penosa de c o n s ­

tante trabalho, morrer na miséria e endividado.

16 — D e p o i s das improvisadas capelas "de pouca

dura", foram construídas, ainda nos anos de quinhentos

e seiscentos, numerosas capelas alpendradas, c o m o era c o ­

m u m em Portugal. Frei Palácios foi sepultado no "alpen­

dre da capela", no convento que se iniciava no a l to da

Penha, no Espír i to Santo . Compunham-se de adro, alpen­

dre c o m porta e duas pequenas janelas gradeadas, de pei-

torí l baixo para que os fiéis, mesmo de fora, pudessem

divisar o altar separado da nave por um arco e, muitas

vezes, coroado por pequena cúpula definidora do espaço

sagrado, c u j o extradorso era cober to de telhas, e, f inal ­

mente, da sacristia num corpo lateral mais baixo c o m água

própria, sendo o acesso à sineira e ao coro por escada ex­

terna, eventualmente coberta . A própria Penha do R i o

começou c o m uma capela desse t ipo.

6 6

Page 67: Arquitetura - Lucio Costa

A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA LEMBRANÇA

6 7

A Sé de Ol inda, c o m o a do Castelo, ainda foi c o n s ­

truída c o m arcos sobre colunas de ordem toscana forman­

do naves, nos moldes usuais da metrópole , antes que os

jesuítas inovassem a nave única c o m visão desobstruída

para o pregador e para o altar, inovação desde logo trazida

pelo irmão arquiteto Francisco Dias quando, em 1 5 8 0 ,

projetou e construiu a nossa primeira igreja com pedigree,

a da Graça, em Olinda, martirizada pelo holandês.

Assim, as nossas igrejas, no começo , foram simples

e claras, com o óculo inicial do frontispício da Graça trans­

ferido para a empena de frontão reto, duas janelas no coro

e uma porta só.

C o m o correr do tempo esse esquema singelo fo í

sendo alterado: surgiram os corredores laterais c o m tr i ­

bunas no andar e a nave escureceu; a talha alastrou; m u l ­

tiplicaram-se as portas e janelas na fachada e a primitiva

unidade se perdeu. Só dois séculos depois, em Minas , ele

fo i retomado, no princípio de setecentos, até desabrochar

— claro e mist icamente alegre de novo — na obra-prima

que é a igreja de S ã o Francisco de Assis, em O u r o Pre to .

Page 68: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

I S S O S.JCVH 1 7 6 6

17 — No Nordeste, como constatou Ayrton Carva­

lho, as igrejas de pedra e cal, tanto antes como depois da

ocupação, tiveram seu espaço interno compartimentado numa

trama arquitetônica de cantaria — pilastras, arcos, cornijas,

enquadramento de vãos — que contrastava com o branco

das paredes caiadas e delimitava as reentrâncias de maior ou

menor profundidade destinadas a receber os altares laterais

e seus retábulos, os primeiros ainda de pedra, como era c o ­

mum na fase renascentista — ou, melhor, "mane i r i s ta "—

em seguida os de madeira dourada. C o m o tempo, essa talha

extravasou dos limites que lhe eram impostos e passou a

recobrir os próprios elementos arquitetônicos moldurados

que a enclausuravam, constituindo-se assim, essa forração

de alto a baixo, num monumental cofre de madeira esculpi-

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A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA LEMBRANÇA

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da, encaixado no corpo original de alvenaria de pedra, fican­

do desse modo encobertos os pormenores já prontos e aca­

bados da comodulação de cantaria.

O forro era como que a tampa desse cofre revestido

de ouro, inicialmente formando painéis enquadrados para

receber pintura, depois com tabuado liso contínuo para per­

mitir a livre expansão dos arabescos florais, e, finalmente,

a perspectiva arquitetônica, como se o teto todo se abrisse

numa explosão de balaustradas, colunas e arcos entremea­

dos de guirlandas floridas, de anjos, de nuvens para a g l o -

rifícação dos santos e de Nossa Senhora em pleno céu.

Assim, a ambientarão míst ica es truturalmente o b ­

tida nas catedrais gót icas c o m os a l tos feixes de pilares

que se abriam em ogivas nas abóbadas, e c o m o rendi-

lhado das rosáceas e dos tênues mainéis onde resplen-

diam os vitrais, passara c o m a ordem nova dos jesuí tas ,

depois da C o n t r a - R e f o r m a , e graças ao ar t i f í c ioso en­

genho de art istas c o m o o padre P o z z o e T i e p o l o , a ser

alcançada através do c o n t a t o direto c o m a visualização

idealizada da própria a tmosfera ce leste .

Page 70: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

M l i T l t l i n O GÓTICO MISTICUMO t l A M M X à .

Tal como na Idade Média, quando os escultores trata­

vam com igual apuro tanto as ilhargas e os tímpanos das

monumentais portadas, como as figuras perdidas nos mais

altos pináculos, ao alcance visual apenas dos anjos, também

no interior das igrejas barrocas, lado a lado com o despo-

jamento pessoal dos religiosos, prevalecia o propósito de que­

rer sempre aplicar o que fosse melhor, mais rico, mais belo,

sem poupar esforços e sacrifícios, num esbanjamento ma-

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Page 71: Arquitetura - Lucio Costa

A N O T A Ç Õ E S AO C O R R E R DA LEMBRANÇA

terial, paradoxalmente legítimo, porque em honra e louvação

de uma simples idéia, de uma profunda convicção do espírito.

18 — Enquanto na colônia anglo-saxã do norte , o

puritanismo associado ao pragmatismo e à industriosa

busca da felicidade terrena conduziram à prosperidade

coletiva e à riqueza pessoal, nas colônias latinas, afora a

obsedante busca do ouro, da prata e das pedras preciosas,

toda a atividade dos vários of íc ios e energia criativa foi

principalmente concentrada no fabrico de igrejas e con­

ventos — igrejas matrizes, igrejas de irmandades e de ir­

mãos terceiros, mormente em Minas onde o acesso direto

das ordens religiosas ao ouro fora vedado pelo rei.

Avultam, de fato, nas cidades coloniais, o perfil das igre­

jas e a massa edificada dos mosteiros e conventos. Assim,

por exemplo, em Salvador, o colégio e a solene igreja dos j e ­

suítas, com a sua imponente sacristia que, como a da rica e

bela igreja do Carmo de Cachoeira, não tem nada que se lhes

compare; a opulenta igreja do monumental convento fran-

ciscano, com o seu belíssimo claustro azulejado, o que tam­

bém caracteriza, embora em menores proporções, mas com a

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Page 72: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

mesma graça, os numerosos conventos da ordem no N o r ­

deste, cujas igrejas apresentam em comum a particularidade

de ter as fachadas escalonadas, com o coro montado sobre a

parte central de um pórtico de cinco arcos, e uma só torre,

recuada, bem como a de dispor de adro e cruzeiro, além das

preciosas capelas anexas; os mosteiros beneditinos, o do R io ,

valioso relicário de arte sacra, o de Ol inda, c o m a sua

apuradíssima talha portuguesa; as matrizes mineiras, pobres

por fora, ricas por dentro, como as do Pilar em Ouro Preto,

a da Conceição de Sabará — com a jóia de Nossa Senhora

do Ó, mais além —, a de Tiradentes dispondo de órgão e de

fabuloso retábulo devido a mestre Sampayo; ou mesmo em

lugares perdidos c o m o Brumai, um esplêndido exemplar

intacto da primeira metade de setecentos, ou, em Santa Ri ta

Durão, a linda igreja de Nossa Senhora do Rosário.

A talha dos retábulos evolui, passando do maneirismo

ainda renascentista da primeira fase, e do protobarroco

de colunas torsas e arquivoltas concêntricas, à explosão

do barroco propriamente di to , até alcançar a graça final

do chamado " r o c o c ó " que antecede a volta à linha reta e à

concisão do neoclassicismo.

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Page 73: Arquitetura - Lucio Costa

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Page 74: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

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São tantas, porém, as preciosidades arquitetônicas es­

palhadas pelo país que é impossível enumerá-las nestas sim­

ples anotações, e se desse aparente desperdício resultou —

de par com o acervo monumental — a pobreza, há contudo

algo de positivo a ressaltar, do ponto de vista comunitário e

social, em tão chocante constatação. E que, durante a C o l ô ­

nia e o I m p é r i o — c o m o ainda a g o r a — t o d a essa opulência,

toda essa riqueza física e espiritual contida nas igrejas anti­

gas, esteve sempre — e ainda está — à disposição de qual­

quer um, ao alcance do povo. Seja qual for o seu estado de

espírito, qualquer que seja a sua condição, você pode usu­

fruí-la, ela é sua — é só entrar e ficar lá.

Page 75: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMEZZO

C a t a s A l t a s d o M a t o D e n t r o

Em 1 9 2 7 passei cerca de um mês no Caraça.

No ú l t imo dia do ano, c o m o j u m e n t o resvalando

nas pedras soltas da serra, desci até Catas Altas do M a t o

D e n t r o , para visitar a rica matr iz .

Estava deserta. Apenas uma velhinha sentada num dos

bancos.

Em meio ao esplendor da talha, dos dourados, das

imagens, das pinturas, ela se sentia visivelmente em casa.

Estava ali à vontade, como se tudo aquilo tivesse sido con­

cebido para o seu uso e gozo exclusivo, c o m o se tudo lhe

pertencesse.

Morava num casebre, mas dispunha da imensa nave

e dos gigantescos retábulos para sua conversa diária —

em clima de graça, louvor e glória — com Nossa Senhora

e o Senhor.

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Page 76: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

Page 77: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMEZZO — CATAS ALTAS DO MATO DENTRO

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19 — Cabe, finalmente, uma referência especial à gran­

de obra realizada pelos padres nos chamados Sete Povos

das Missões, obra que, pertencendo embora à Província

Jesuítica do Paraguai, f icou definitivamente encravada no

país, constituindo assim um setor autônomo no conjunto

dos monumentos coloniais brasileiros.

Cada povo — isto é, cada burgo — era const i tu ído

pela igreja que compunha com a residência dos padres, o

asilo, a enfermaria, as aulas, as oficinas, as cocheiras e t c ,

e também com o cemitério, um grande con junto arquite­

tônico , servido por vários pátios, tudo murado, muro que

se continuava para os fundos das construções abarcando

a enorme área ocupada pelo pomar e pela horta, ou seja, a

quinta dos padres.

Em frente à igreja, havia um grande terreiro ou pra­

ça, em volta do qual eram dispostos numerosos blocos

de habitação coletiva, c o m p o s t o s de muitas células de

c inco metros por sete, aproximadamente , verdadeiros

apartamentos com porta e janela e construídos c o m pare­

des de pedra ou de barro, morando em cada um deles uma

Page 78: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

família de índios. Um passeio alpendrado circundava es­

ses blocos de habitação que correspondiam a verdadeiras

quadras. Os primeiros blocos construídos eram os que

formavam a praça; depois, à medida que o povo crescia,

novos blocos eram edificados paralelamente aos primei­

ros, surgindo dessa forma, entre eles, numerosas ruas,

todas em esquadro, à moda espanhola.

Estes povos, com as respectivas estâncias para criação

de gado, ficavam a uma distância razoável uns dos outros,

formando a seqüência deles um todo orgânico e perfeita­

mente articulado. Os jesuítas revelaram-se, nestas Missões,

urbanistas notáveis, e a obra deles, tanto pelo espírito de

organização como pela força e pelo fôlego, faz lembrar a

dos romanos nos confins do Império. Apesar do atual des­

mantelo, ainda se adivinha nos menores fragmentos uma

seiva, um vigor, um "impulso", digamos assim, que os tor­

na — estejam onde estiverem — inconfundíveis. A nossa

interferência no caso foi apenas demolidora: conseguimos

desmontar, peça por peça, a obra singular criada pelo gênio

colonizador e sob a tutela dos padres.

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Page 79: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMEZZO — CATAS ALTAS DO MATO DENTRO

Só mesmo quando se percorreu, um a um, esses p o ­

vos, repetindo a peregrinação feita em fins do século pas­

sado por Hemetér io Veloso, cujo depoimento é, hoje, dos

mais valiosos, pois que ainda havia ali, então, muita coisa

para ver; quando se estuda a história dramática da instala­

ção das primeiras "reduções" e das lutas que antecederam

ao definitivo abandono e, ainda, documentação antiga re­

ferente à arquitetura missioneira, é que se pode ajuizar e

reconstituir mentalmente o que foram esses povos na é p o ­

ca do seu florescimento, quando, na bruma da manhã, cada

dia, todos aqueles índios saíam das casas, atravessando o

terreiro em direção da igreja: S a n t o Ângelo, S ã o Luiz

Gonzaga, São Borja — cidades que, não fossem a praça e

uns poucos vestígios isolados, já teriam esquecido c o m ­

pletamente o aspecto primitivo; São João Baptista, São

Miguel Arcanjo, São Lourenço e São Nicolau — ruínas

perdidas naquele ermo da campanha rio-grandense, com

uma ou outra casa próxima, construída com material anti­

go, ou certo número delas formando novo povoado.

C o m exceção das ruínas monumentais de São Miguel,

7 9

Page 80: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

8 0

recuperadas pelo antigo S P H A N , pouca coisa f i c o u ; pe­

ças que, sobrevivendo à catástrofe, por assim dizer, " d e ­

ram à praia": capiteis, cartelas partidas vermelho-ferrugem,

ainda c o m o I H S , os três cravos e a cruz, imagens mut i ­

ladas e já sem cor — peças cuja vista nos deixa uma im­

pressão penosa e c e r t o mal-estar , c o m o se realmente

estivéssemos diante dos destroços de algum naufrágio.

C o m o remate destas anotações avulsas referentes à

nossa tradição, cujo objetivo foi apenas facilitar o enten­

dimento e despertar a curiosidade, cabem algumas consta­

tações de alcance mais abrangente:

I — É, na verdade, impressionante que um programa

tão simples como o da igreja — nave, altar e sacristia —

tenha comportado, através dos tempos, tamanha variedade

de soluções — desde as primeiras, ainda inspiradas nas an­

tigas basílicas, seguidas das inovadoras cúpulas bizantinas,

das severas naves românicas, dos luminosos transeptos góti­

cos, da volta à clareza geométrica renascentista e do desaba­

fo barroco —, até chegar à comovente capela de Ronchamp,

na França, e à bela estrutura da catedral de Brasília.

Page 81: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMEZZO — CATAS ALTAS DO MATO DENTRO

8 1

2 — S ã o Pedro de R o m a é um exemplo de c o m o a

arquitetura pode ajustar-se tão integralmente à idéia que

lhe cabe expressar, que , já agora, se t o r n a impossível

dissociar o c o n c e i t o de papado, c o m o principal veículo

e s ímbolo universal da fé cristã, da imagem arquitetônica

que sucessivos art istas lhe confer i ram: a dbside e a cúpu­

la de Migue l Ângelo , a nave acrescida por Maderna, o

adro e a praça f ronte ira del imitada pela m o n u m e n t a l

colunata de Bernini , que ainda contr ibuiu c o m o resplen-

dor do retábulo e o imenso e fabuloso baliaquino de bron­

ze, na justa medida e no lugar cer to . Cabendo igualmente

constatar a incrível coragem e visão desses homens —

papas e art istas — capazes de enfrentar c o m paixão ta­

manho empreendimento . Basta considerar o caso da fa­

mosa cúpula que, c o m o sua antecessora, a obra-pr ima

do Brunel lesco , em Florença , é imensa t a n t o vista de

longe c o m o de per to , t o d o s se perguntando c o m o foi

possível fazer tudo aquilo naquela altura c o m os meios

restr i tos da época; c o m o também o caso dessa bel íssima

praça nascida do ges to inspirado de um simples r isco

Page 82: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

— assim c o m o procede o nosso Oscar* —, sem c o n s i ­

derar secjuer a perspectiva do l o u c o e l e n t o trabalho de

anos e anos a f i o : trazer os matacões da pedreira para o

canteiro da obra ; lavrar, suspender e a justar c o m preci­

são cada tambor, ou seja, cada b loco do fuste , à fe ição

d o g a l b o das 3 2 8 e n o r m e s c o l u n a s , rematadas p e l o

entablamento — arquitrave, f r i so , corni ja — c o m a sua

alta balaustrada, marcando-se , ainda, o p r u m o de cada

uma das co lunas voltadas para a praça, c o m o ges to e l o ­

qüente de uma gigantesca estátua.

E tudo isto por determinação do detentor da heran­

ça de Pedro, e com tanto maior propriedade porquanto ,

na sua ovalada configuração, c o m o que simboliza a p r ó ­

pria rede lançada para arrebanhar os fiéis, tal c o m o ainda

agora, quase quatro séculos depois, tranqüilamente em

casa, t emos assist ido nas cerimônias divulgadas para o

mundo todo graças ao milagre — este sim — da ciência

e da tecnologia.

'O autor se refere ao arquiteto Oscar Niemeyer.

8 2

Page 83: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMBZZO — CATAS ALTAS DO MATO DENTRO

3 — A obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleija-

dinho, foi , no parecer de Germain Bazin, antigo conser-

vador-chefe do Museu do L o u v r e — p a r e c e r que subscrevo

integralmente —, a última manifestação válida de arqui­

tetura e escultura cristãs, no âmbito mundial da história

da arte, antes do longo h ia to que precedeu à legít ima

reformulação arquitetônica contemporânea.

8 3

Page 84: Arquitetura - Lucio Costa
Page 85: Arquitetura - Lucio Costa

INTERMEZZO

Rot t -am- lnn

Pouco depois do f im da guerra, em 1 9 4 8 , fui ao sul

da Alemanha para conhecer as igrejas barrocas da região

contida entre o Danúbio e os Alpes, tais c o m o o imenso

e belíssimo interior de Ot tobeuren e a insuperável graça

rococó de Wies , sozinha no descampado.

M a s o que principalmente me interessava era ver o

retábulo de R o t t - a m - l n n , porque pelo exame fotográf ico

era o único que, de fato , apresentava alguma afinidade

quanto ao partido geral, inclusive a figuração no fecho da

composição, c o m os retábulos mineiros.

Depois de muito rodar fui bruscamente impedido de

prosseguir — a "autobahn atingida pelos bombardeios,

terminava bruscamente a pique. Foi necessário retroceder

a fim de pegar um atalho, estrada vicinal que não acabava

8 5

Page 86: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

6 6

mais, até que, já escurecendo, avistei ao longe o perfil bar­

roco da igreja também solta na paisagem como Wies .

Ao me aproximar, pressenti o malogro: estava fecha­

da. Apesar da frustração, caminhei em direção à porta e,

para meu espanto, ela se abriu. Percebi então ao fundo,

na penumbra, o retábulo. Contendo a emoção entrei na

nave vazia. De repente as luzes se acendem, e quando, com

o pensamento no Aleijadinho, encaro de perto o retábulo,

o u ç o os primeiros acordes de um cantochão.

Era sábado e o organista ensaiava para a missa da

manhã.

Page 87: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O L I S B O A ,

O A L E I J A D I N H O

A n t ô n i o Francisco Lisboa nasceu em O u r o Preto ,

antiga Vila Rica , a 29 de agosto de 17 3 8, f i lho de Manoel

Franc isco Lisboa, carpinte i ro-arqui te to , emprei te iro e

mestre das obras reais, e de Isabel, sua escrava. 4 Segundo

descrição de Joana, nora do artista, registrada por seu

biógrafo, Rodrigo José Ferreira Bretas, "Antônio Francis­

co era pardo-escuro, t inha voz forte , a fala arrebatada e o

gênio agastado; a estatura era baixa, o corpo cheio e mal

configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumo­

sa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto , a

testa larga, o nariz regular e algum tanto pontiagudo, os

beiços grossos, as orelhas grandes e o pescoço curto . Até

cerca dos 40 anos teve boa saúde, tanto que cuidava sem­

pre em ter mesa farta e era visto muitas vezes tomando

*Afirmaç,3o nâo confirmada.

8 7

Page 88: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

parte nas danças vulgares". Vila R ica a esse tempo ainda

não apresentava o perfil que conhecemos e tanto lhe deve.

A Casa da Câmara, atual Museu da Inconfidência, as igre­

jas de N o s s a Senhora do Carmo, de São Francisco de

Assis, de Nossa Senhora do Rosár io e de São Francisco

de Paula ainda não existiam; mas a casa dos Governado­

res, com seus baluartes e rampa de acesso c o m o se vê na

fiel reconst i tuição de Wasth Rodrigues , projetada por

Alpoim e construída precisamente pelo pai de Antônio

Francisco, já comandava a perspectiva urbana. Nascida da

busca do ouro e vencido o período inicial da implanta­

ção, estava então na sua fase de prosperidade e consolida­

ção, afluindo diretamente da metrópole mestres dos vários

o f í c ios para atender à intensa procura de mão-de-obra

qualificada. As matrizes de Nossa Senhora do Pilar e dc

Nossa Senhora da Conceição, de Antônio Dias, bem c o m o

a importante Capela de Nossa Senhora do Rosár io dos

Pretos , no Alto da Cruz , estavam sendo concluídas, e a

riquíssima talha dourada dos interiores contrastava de-

liberadamente com a taipa caiada e o pau-a-pique das fa-

8 8

Page 89: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

chadas de frontão reto e torres sineiras ainda cobertas de

telha. Contudo, nesse meado de século, estava-se às vés­

peras de novo surto art íst ico, verdadeiro renascimento,

decorrente ainda do impulso e c o n ô m i c o anterior, mas

motivado, desta vez, pela emulação entre as irmandades

empenhadas na construção das respectivas capelas, já de

pedra e cal e mais claras, elegantes e "modernas" c o m o se

dizia também então, movimento iniciado em 1 7 5 2 em

Mariana com a nova capela do Rosário, cuja talha seria

executada em 1 7 7 0 por Francisco Vieira Servas, contem­

porâneo de Antônio Francisco Lisboa. É que, enquanto

na primeira metade do século ainda prevalecia a velha e

boa tradição medieval dos arquitetos se formarem atra­

vés dos of íc ios da construção, vai finalmente ocorrer em

Vila Rica , nesta segunda fase, o que sucedera na Renas­

cença, ou seja, a interferência est imulante de arquitetos

oriundos do meio dos artistas plásticos. Sur to propiciado

ainda pela sedimentação da cultura e conseqüente tendên­

cia à especulação intelectual e, finalmente, pelo despertar

da consciência cívica; pois apesar da clausura imposta à

8 9

Page 90: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

colônia, as idéias nascidas do enciclopedismo, do enligbten~

mtnt e o eco das revoluções libertárias vararam o espaço

através dos mares e montes e vales e, encontrando condi­

ções adequadas, aninharam-se ali. Poetas e eruditos, prela­

dos e bacharéis, músicos, arquitetos, pintores, escultores,

professores de artes mecânicas e mestres de of íc ios — t o ­

dos conviviam, e esse desenvolvimento intensivo, no deli­

mitado espaço urbano, levou naturalmente àquele anseio

de independência que o Tiradentes, afinal, catalisou.

Foi nesse ambiente saturado de vitalidade que A n t ô ­

nio Francisco se formou. E não lhe faltaram mestres qua­

lificados. O risco arquitetônico e as técnicas da carpintaria

e da marcenaria aprendeu desde cedo com o próprio pai e o

t io, Antônio Francisco Pombal. C o m o mestres de escultu­

ra e talha, além de ter visto, ainda menino, Francisco Xavier

de Bri to trabalhar no Pilar e no Alto da Cruz, teria feito o

aprendizado tanto com Jerônimo Félix ou Felipe Vieira,

como, principalmente, c o m José C o e l h o de Noronha, a

quem assistiria em M o r r o Grande e Caeté; finalmente, nos

segredos do desenho "irregular, do melhor gosto francês",

9 0

Page 91: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

9 1

quer dizer, no estilo Luís X V — c o n f o r m e refere em 1 7 9 0

o vereador de Mariana, Joaquim José da Silva, no precioso

documento transcrito por Bretas —, com o artista grava­

dor, exilado da metrópole, João Gomes Baptista.

Assim aparelhado para o exercício da sua vocação,

pode-se identificar a marca inicial da sua presença no r is ­

co de chafariz fe i to quando tinha apenas 13 anos para o

pátio da casa do governador, e onde já estão definidos dois

traços característ icos do seu esti lo pessoal: a graça ( n o

p e r f i l ) , e a veemência (na carranca) ; e no daquele out ro

construído ao pé da escadaria de Santa Efigênia, no Alto

da Cruz. E que o risco desse chafariz apresentado em 1 7 5 7

por seu pai é, tudo indica, de autoria, tal c o m o o anterior,

Page 92: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

do próprio Antônio Francisco, já então c o m 19 anos. I s to

porque na sua composição ocorre também um pormenor

revelador da intenção plástica que lhe vai marcar a obra

futura, e que é o modo peculiar c o m o os coruchéus foram

implantados: em vez de assentarem diretamente sobre as

pi lastras, na forma usual, foram criados lateralmente, num

plano recuado, dois consolos para recebê-los, ficando eles,

por tanto , fora da prumada das pilastras. Resul ta desse

art i f íc io um duplo movimento — a composição se abre

para os lados e projeta-se à frente ao mesmo tempo, ad­

quirindo assim sentido dinâmico, apesar da sua estrutu­

ração estática fundamental. Outra circunstância corrobora

a autoria do risco desse chafariz. E que não obstante a

sua execução, por oficiais canteiros, ser um tanto gros­

seira, acha-se coroado por um imprevisto busto de m u ­

lher em pedra-sabão datado de I 7 6 I . O inusitado da

figuração, o galbo do plinto e o talhe dos algarismos são

outros tantos indícios veementes de afirmação precoce da

personalidade singular de Antônio Francisco Lisboa. E

sabendo-se que seu pai, M a n o e l Francisco , vivia então

9 2

Page 93: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

assoberbado de compromissos , nada mais natural senão

confiar ao fi lho, que se estava iniciando na profissão, a

desincumbência da pequena tarefa.

Trabalho talvez atribuível a esse primeiro período é o

oratório de jacarandá, na sacristia do Pilar, cujo fundo é

tratado em caneluras, solução só encontrada, depois, no la-

vatório de São Francisco de Assis, em O u r o Preto. Época

em que atuou na igreja que prometia, mas arquitetonica­

mente enjeítada de M o r r o Grande, onde possivelmente

interferiu no partido de implantação das torres, e elaborou

o risco do arco da capela ainda com pés-direitos e t ímpa-

nos à moda antiga, como os fazia seu pai, mas com umas

tantas inovações, além de esculpit os anjos da tarja e a ima­

gem do frontispício; e, ainda, em Caeté, onde deu o risco

para os dois ú l t imos retábulos da empreitada geral de

Coe lho de Noronha, executando o do lado da epístola, in­

clusive as imagens. São numerosas as imagens avulsas cuja

autoria se lhe pode atestar, sendo das mais belas uma pe­

quena Sant'Ana, onde com refinado apuro plástico se con­

trapõem a serena desprevenção e a tensão premonitória.

9 3

Page 94: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

9 4

Em 1 7 6 6 a sua reputação já se Firmara, tanto as­

sim que, havendo a Irmandade Carmel i ta encomendado

ao velho e consagrado M a n o e l Franc isco Lisboa o r isco

para a sua igreja, os irmãos terceiros de São Franc isco ,

esclarecida irmandade que congregava a maioria dos in­

telectuais , não hesitaram em conf iar ao f i lho a respon­

sabi l idade de p r o j e t a r capela capaz de c o n f r o n t á - l a .

R e s u l t o u dessa prova de conf iança a sua o b r a - p r i m a

arqui tetônica , na qual executou pessoalmente, além do

f ront i sp íc io c o m a portada e do lavatório da sacristia, o

retábulo da capela-mor, o barrete e os púlpi tos de pedra

inseridos de forma inusitada nas aduelas do arco-real. V ê -

se, pelo cor te preservado de uma cópia contemporânea

do r isco original, que, inicialmente, apenas a taça des­

ses púlpi tos fora, na forma do c o s t u m e , prevista de p e ­

dra; a deliberação de fazê- los integralmente de esteati ta ,

c o m o o própr io arco, teria ocorr ido durante a c o n s t r u ­

ção. A integração do expressionismo dramático das fi­

gurações b íb l icas no e laborado requinte ornamenta l ,

próprio do est i lo da época, é uma característ ica c o n s -

Page 95: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

tante da obra de Antônio Francisco Lisboa e o que lhe

confere a típica veemência. Lamentavelmente, apesar da

esplêndida complementação arquitetônica da pintura de

Manoel da Costa Athayde, a igreja ficou inconclusa, fal­

tando-lhe o coro, as grades e os próprios altares cola­

terais, que só foram executados mal e tardiamente,

embora segundo risco original. Também externamente,

as varandas laterais previstas com balaustrada e pirâmi­

des de pedra-sabão, tal como consta nas minuciosas

especificações preservadas, não se fizeram, e foram in­

devidamente cobertas, já em l 8 0 I , com telhado sobre

arcadas a pretexto de infiltração.

Data da mesma época dos púlpitos ( 1 7 7 1 - 7 2 ) , além

do risco para o retábulo da capela de São José, a portada

carmelita de Sabará, seguida da portada, também dos ir­

mãos terceiros do Carmo, de Ouro Preto, onde, após a

morte de seu pai, elaborou, por insistência dos irmãos, novo

risco para o corpo da igreja e respectivo frontispício, em

que alteia e altera fundamentalmente o anterior, adaptan­

do assim a composição arquitetônica ao seu estilo pessoal.

9 5

Page 96: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

9 6

Voltando a Sabará executa, sempre para o Carmo, pos ­

sante e magistral empena de serpentina c o r de bronze,

ainda vazada, apesar da rocalba, no arrogante espírito do

esti lo D. J o ã o V, ou Luís X I Y enquanto no risco apre­

sentado após a conclusão dessa obra, em 1 7 7 4 * para a

igreja franciscana de São J o ã o dei Rey — e que não che­

gou a ser realizado tal c o m o fora concebido —, a empe­

na, de partido semelhante, já revela a intenção de graça

peculiar a o estilo Luís X Y o u D . José .

A portada figurada nesse risco, apesar do seu inexce-

dível apuro, c o m o desenho e composição, parece ainda

incompleta, pois ainda não havia então ocorr ido a A n t ô ­

nio Francisco a solução que afinal adotou na sua volta a

O u r o Preto , quatro meses depois, quando convenceu os

irmãos da necessidade de desfazer as ombreiras e a verga

da porta e de afastar as janelas do coro, já feitas, a f im de

poder realizar o novo risco de portada que trouxera. Q u e

teria sucedido de tão decisivo em tão curto espaço de tem

po, a p o n t o de just i f icar tamanho empenho e decisão?

Presume-se que de São João haja prosseguido viagem até

Page 97: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

9 7

o R i o , a fim de conhecer a famosa portada de pedra de

l ioz trazida de Lisboa em 1 7 6 1 e que, por seu porte e

beleza, avultava na frontaria inacabada da igreja carmelita

carioca. Esse impacto sugeriu-lhe então sobrepor, naque­

le seu risco, às armas da ordem franciscana, o medalhão

de N o s s a Senhora encimado pela coroa real, completan­

do a composição triangular com dois anjos pousados s o ­

bre as cornijas das pilastras laterais. Es te r isco inicial para

S ã o João dei Rey é, pois, uma realização a meio caminho,

o estágio intermediário de uma obra ainda em processo

de elaboração; o artista é, por assim dizer, surpreendido

em flagrante ao cometer o " d e l i t o " da criação, que resul­

t o u na obra-prima realizada em O u r o Preto. E, assim, esta

capela franciscana adquiriu a sua feição definitiva, obra

sem paralelo, em que a energia, a força, a elegância e a

finura se irmanam, conferindo à criação arquitetônica pal-

pitação de coisa viva.

Ainda em Vila. R ica executou, depois, o belo lavató-

r io para a sacristía da Igreja do Carmo; em seguida, tam­

bém em pedra-sabão, outro , para a de S ã o Francisco, ao

Page 98: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

9 8

que parece doado pelos sacristãos, pois não consta nos

l ivros qualquer referência a pagamento. O b r a - p r i m a e

comovente porque foi no transcurso da sua demorada

execução ( 1 7 7 7 - 7 8 - 7 9 ) que a doença o acometeu e de­

formou. Perdeu o "uso dos dedos, tanto dos pés c o m o

das mãos, c o m exceção dos polegares e índices", e teve o

rosto desfigurado, o que lhe conferiu, no dizer da nora,

"expressão asquerosa e sinistra que chegava a assustar a

q u e m q u e r que o encarasse i n o p i n a d a m e n t e " , daí "a

acrimônia do seu humor, por vezes colér ico" . Já em 1 7 7 7 -

78 há registro do que se despendeu c o m dois pretos para

carregá-lo numa inspeção de serviço, e o documento o f i ­

cial de 1 7 9 0 , já referido, constata: "Tanta preciosidade

se acha depositada em corpo enfermo que precisa ser con­

duzido a qualquer parte e atarem-se-lhe os ferros para

poder trabalhar." Passou então a ser conhecido pela alcu­

nha de Aleijadinho.

Parece que a moléstia ainda o apegou mais ao traba­

lho, pois a sua obra se avoluma e avulta. Conc lu indo o

f ront i sp íc io de S ã o M i g u e l e Almas, em O u r o P r e t o ,

Page 99: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

retorna a Sabará, onde faz o elegante coro, a grade, os

púlpitos e duas imagens; fornece o risco — que não teria

sido obedecido — para o altar-mor de S ã o Francisco em

S ã o J o ã o dei Rey, atendendo assim à solicitação dos ir­

mãos empenhados na procura do arquiteto "em Vila Rica,

ou em qualquer parte onde se achasse". E depois de o u ­

tros trabalhos, na encantadora igreja do Rosário, em Santa

R i t a Durão, e na importante capela da fazenda da Jaguara,

concentra-se f inalmente de novo na sua obra-mestra, S ã o

Francisco de O u r o Preto, a fim de executar o monumen­

tal retábulo da capela-mor, obra plástica de inexcedível

apuro e vigor, sonora e vibrante c o m o um canto pungen­

te de glória; obra que durou de 1 7 9 0 a 9 4 . Vinte anos

depois da sua primeira visita, quando ainda são, volta a

S ã o João, onde os seus projetos foram indevidamente al­

terados por Francisco de Lima Cerqueira, o respeitado

mestre-canteiro responsável pelas obras, e trabalha a j o r ­

nal, c o m o de costume, de 94 a 9 5 . nas portadas do C a r m o

e de S ã o Francisco.

A contradição fundamental entre o estilo da época —

9 9

Page 100: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

elegante e maneirado — e o ímpeto poderoso do seu tem­

peramento apaixonado e tantas vezes místico, contradição

magistralmente superada, mas latente e que, por isto, de

quando em quando extravasava, é a marca indelével da sua

obra, o que lhe dá o tom singular e faz deste brasileiro das

Minas Gerais a mais alta expressão individualizada da arte

portuguesa do seu tempo. Deve-se aliás assinalar que essa

modalidade mineira da arte colonial portuguesa no Brasil

apresenta, por vezes, maior afinidade com o barroco-rococó

de entre o Danúbio e os Alpes do que com a arte metropo­

litana que a gerou.

A religiosidade do Aleijadinho cresceu na medida do

seu ínt imo convívio com a hagiografia e com a Bíblia; e

do isolamento a que se impôs em conseqüência da m o ­

léstia resultou uma profunda comunhão da sua arte c o m

a fé. As inúmeras sentenças e os versículos que partici­

pam da composição dos púlpitos e retábulos de sua au­

toria se devem indubitavelmente à sua própria iniciativa

e escolha, porquanto não ocorrem na obra de nenhum

outro entalhador.

100

Page 101: Arquitetura - Lucio Costa

A N T Ô N I O F R A N C I S C O LISBOA

Dedica-se, por f im, ao santuário de N o s s o Senhor

do B o m Jesus de Matos inhos , em Congonhas , para em­

preender, sexagenário, a enorme tarefa de encenar, em t a ­

m a n h o natural , os Passos da Paixão, f iguração onde

avultam, entre a comparsaria, as imagens em corpo intei ­

ro do S enhor e seus discípulos, con juntos que só foram

definitivamente montados quando se concluíram as ca­

pelas, depois da sua morte .

E c o m o se não bastasse c o m o remate de uma vida

inteira dedicada à arte, ainda compõe arquitetonicamen­

te o adro do santuário e, no ermo da colina, enfrenta n o ­

vamente os toscos blocos azulados de pedra tenra de onde

extrai, sem lhes roubar a íntegra consistência, com a a ju­

da dos seus oficiais — um deles, Mauríc io , morre nesse

empenho, as figuras bíblicas, gravando-lhes no gesto, nas

cartelas e na face as sentenças profét icas — Jeremias ,

Ezequiel , Habacuc , N a h u m , Joe l , Oseas , Baruc, Jonas ,

Daniel , Amos, Abdias, Isaías.

De volta a O u r o Preto dá o risco para os dois ú l t i ­

m o s altares colaterais do C a r m o e neles trabalha c o m

101

Page 102: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

Jus t ino , com quem se desentende por questões de paga­

mento . Data igualmente desse período final o pro je to da

nova frontaria para a Matr iz de Tiradentes , e a consulta

dos carmelitas de Sabará, quando então propôs (sem êxi­

t o ) o al teamento da capela-mor para que nela coubesse o

retábulo que concebera.

Depois , c o m o corpo chagado, amargurado e só, j a ­

zeu por quase dois anos num estrado de tábuas sobre dois

cepos em pequena ale ova onde conservava, no dizer de

Joana Francisca, sua nora, a imagem do Se n h or a quem

apostrofava, na sua lenta agonia, pedindo que "sobre ele

pusesse os seus divinos pés" .

1 0 2

Page 103: Arquitetura - Lucio Costa

R U P T U R A E R E F O R M U L A Ç Ã O

C o m o advento da Revolução Industrial , o processo

evolutivo se rompeu, já agora proporcionando a formula­

ção de novas proposições de fundo científ ico e tecnológico

ainda mais revolucionárias, cujas implicações de ordem

ética e f i losófica afetam e condicionam o grande drama

humano, econômico e social em que o mundo se debate

— esse imenso puzgle que se veio armando pacientemen­

te , peça por peça, durante todo o século passado e neste

final de século se cont inua a armar c o m m u i t o m e n o s

paciência, não nos permitindo as peças que ainda faltam

a segurança de a f i r m a r se é mesmo de um anjo sem asas

que se trata, c o m o querem uns, ou, c o m o asseveram o u ­

tros — igualmente compenetrados —, de um demônio

imberbe.

Poderá parecer fora de propós i to , t ra tando-se aqui

103

Page 104: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

de um tema restrito, alusão a ocorrência tão distante no

tempo, mas é que, apesar da sua remota origem, ela se faz

cada vez mais presente e está na fardos grandes e peque­

nos problemas atuais, não apenas os que afetam o nosso

egoísmo, porventura legítimo, e nos afligem cada dia a cons­

ciência e o coração, mas também aqueles de cuja solução

depende a própria feição material da cidade futura.

N u m a perspectiva mais ampla, esse desajuste p r o ­

fundo provocado pela industrialização agravou-se devido

ao fato do espírito agnóstico se haver antecipado ao espí­

rito religioso na inteligência do seu verdadeiro sentido e

alcance.

C o m efei to , quando a produção era obra manual de

artesanato — ou seja, necessariamente limitada — só uns

poucos privilegiados podiam usufruí-la, cabendo assim

ao padre, já que não havia outro remédio, aconselhar re­

signação. C o m as novas técnicas revolucionárias de p r o ­

dução, esse esquema imemorial se inverteu e, c o m poucos,

se produz em massa aquilo de que todos têm precisão.

Por tanto , a reivindicação do que lhe é devido, da parte de

104

Page 105: Arquitetura - Lucio Costa

RUPTURA E R E F O R M U L A Ç Ã O

quem trabalha, passou a ser legítima, tornando-se já en­

tão imoral — e c ínico — aquele apelo à resignação. D a í

a coincidência de propósi tos que se observa, na atual fase

do processo de reformulação econômico-socia l , entre o

crente e o que descrê. Cont inuarão j u n t o s até que, c o m

o bem alcançado, um já se dê por satisfeito e o outro pros­

siga, porque o seu verdadeiro objet ivo está além.

A distinção entre transformações estilísticas de cará­

ter evolutivo, embora por vezes radicais, processadas de um

período a outro na arte do mesmo ciclo econômico-social

— e, portanto, de superfície — e transformações c o m o

esta, de feição nitidamente revolucionária, porquanto decor­

rente de mudança fundamental na técnica da produção, ou

seja, nos modos de fabricar, de construir, de viver, é indis­

pensável para a compreensão da verdadeira natureza e m o ­

tivo das substanciais modificações por que vem passando

a arquitetura e, de um modo geral, a arte contemporânea,

pois, no primeiro caso, o próprio gosto, já cansado de re­

petir soluções consagradas, toma a iniciativa cguia a inten­

ção formal no sentido da renovação do estilo, ao passo que,

1 0 5

Page 106: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

106

no segundo, é a nova técnica e a economia decorrente dela

que impõem a alteração e lhe determinam o r u m o — o gosto

acompanha. N u m , simples mudança de cenário; no outro,

estréia de peça nova em temporada que se inicia.

Assim, a técnica tradicional do artesanato, c o m os

seus processos de fazer manuais, e, portanto , impregna­

dos de contr ibuição pessoal, pois não prescindiam no por-

menor, da iniciativa, do engenho e da invenção do próprio

obreiro, estabelecendo-se deste modo um vínculo de par­

ticipação efetiva entre o artista maior, autor da c o n c e p ­

ção mestra da peça ou da obra e o con junto dos artistas

especializados que a executavam — os artesãos —, foi

bruscamente substituída pela técnica da produção indus­

trializada, onde o processo inventivo se restringe àqueles

poucos que concebem e elaboram o modelo original, não

passando a legião dos que o produzem de autômatos , em

perene j e j u m de participação artística, alheios c o m o são à

iniciativa criadora.

Estabeleceu-se, portanto , o divórcio entre o artista e

o povo: enquanto o povo artesão era parte consciente na ela-

Page 107: Arquitetura - Lucio Costa

RUPTURA E R E F O R M U L A Ç Ã O

107

boração e evolução do estilo da época, o povo proletário per­

deu conta to com a arte.

Assim, pois , também aqui, a força viva avassaladora

da idade industrial, nos seus primórdios, é que determi­

nava o curso novo a seguir, tornando obsoleta a experiên­

cia tradicional acumulada nas lentas e penosas etapas da

C o l ô n i a e do Império, a p o n t o de lhe apagar até mesmo a

lembrança.

Tanto mais que, com a abolição da escravatura, a "má­

quina brasileira de morar" , a casa antiga, fo i aos poucos

deixando de funcionar, tornando-se m e s m o inabitável

devido ao desconforto . É que ela dependia essencialmen­

te da presença dessa mistura de coisa, de bicho e de gen­

te , que era o escravo: havia negro para tudo — desde os

negrinhos sempre à mão para recados, até negra velha, babá.

O negro era esgoto, era água corrente no quarto, quente

e fria, era interruptor de luz e botão de campainha; o negro

tapava goteira e subia vidraça pesada; era lavador a u t o ­

mát ico e abanava que nem ventilador. Era ele que fazia a

casa funcionar.

Page 108: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

108

M e s m o durante a primeira fase republicana, os víncu­

los de dependência e os hábitos cômodos da vida patriarcal

de tão vil fundamento perduraram, e o custo baixo da m ã o -

de-obra domést ica ainda permit iu à burguesia manter,

mesmo sem escravos oficiais, o trem fácil de vida do per ío­

do imperial, mas depois — c o m o tempo — tudo mudou.

Page 109: Arquitetura - Lucio Costa

E D I F Í C I O G U S T A V O C A P A N E M A

O edifício construído por Gustavo Capanema para

sede do antigo Ministério da Educação e Saúde surgiu como

que de repente e a sua serena beleza surpreendeu quando,

terminada a guerra, o mundo tomou conhecimento da sua

insólita presença. Marco definitivo da nova arquitetura

109

Page 110: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

brasileira, revelou-se igualmente, apenas construído, padrão

internacional da reformulação arquitetônica, e demonstrou

que o engenho nativo já está apto a apreender a experiência

estrangeira, não mais somente como eterno cauâatdrio ideo­

lógico, mas antecipando-se na própria realização.

Baseado no risco original de Le Corbusier para outro

terreno, motivado pela consulta prévia a pedido dos respon­

sáveis pela obra, tanto o projeto definitivo quanto a cons­

trução do edif íc io, desde o primeiro esboço até a sua

conclusão, foram levados a cabo sem a mínima assistência

do mestre, como espontânea contribuição nossa para a pú­

blica consagração dos princípios por que sempre se bateu.

C o n s t r u í d o na mesma época, com os mesmos ma­

teriais e para o mesmo f i m ut i l i tário, avultou, no en­

tanto , o edif íc io do M i n i s t é r i o em meio à então espessa

vulgaridade das edificações circunvizinhas, como algo que

ali pousasse serenamente, apenas para o eventual enlevo do

transeunte despreocupado e, vez por outra, surpreso à vis­

ta de tão sublimada manifestação de pureza formal e d o ­

mínio da razão sobre a inércia da matéria.

1 1 0

Page 111: Arquitetura - Lucio Costa

E D I F Í C I O GUSTAVO CAPANEMA

É belo, pois. E não apenas belo, mas s imbólico, por­

quanto a sua construção — levada avante enquanto o

mundo em guerra empenhava-se em destruição — só foi

possível na medida em que desrespeitou tanto a legisla­

ção municipal vigente, quanto a ética profissional e até

mesmo as regras mais comezinhas do saber viver e da

normal conduta interesseira.

A lei exigia o limite de sete pavimentos alinhados em

quadra com área interna — os pisos concentraram-se em al­

tura no centro de terreno devolvido ajardinado para gozo

dos contribuintes; a ética profissional mandava que a obra

fosse atribuída a um dos premiados no concurso havido,

ainda que fossem sacrificados os melhores princípios da

arte de construir — os prêmios foram efetivamente pa­

gos, mas venceu a arquitetura; feita pessoalmente a e n c o ­

menda, o egoísmo determinava l imitação da partilha —

o número de associados se ampliou; aprovado o primeiro

projeto , mandava o comodismo e a eficiência fosse a obra

atacada sem tardança — reclamaram os próprios autores

a sua revisão e, em conseqüência, foi necessário recome-

111

Page 112: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

çar da estaca zero; prevenia a experiência eme não se devia

conf iar a arquitetos novos, sem t irocínio, a responsabili­

dade de tamanha empresa — a obra resultou sólida e de

esmerada execução; alertava o inst into pol í t ico de a u t o -

preservação e a prática da vida, no sentido da transigên­

cia ante a crit ica dos grandes, a insinuação malévola dos

medíocres e o divertido sarcasmo dos demais — tanto a

autoridade quanto os profissionais mantiveram-se intran­

sigentes em favor da realização da obra tal c o m o fora or i -

ginariamente concebida; f inalmente, insinuava a vaidade,

amparada na verdade dos fatos, discrição quanto à part i ­

cipação pessoal de Le Corbusier — ela não foi apenas

destacada, mas acrescida, em atenção ao vulto de sua obra

criadora e doutrinária, e a inscrição comemorativa deixa

intencionalmente presumir a participação do mestre no

r i sco original do ed i f í c io c o n s t r u í d o , quando se refere

a risco diferente, destinado a outro local, mas que serviu

efetivamente de guia ao pro jeto definitivo.

O episódio vale c o m o advertência, pois parece insi­

nuar que, quando o estado normal é a doença organizada,

1 1 2

Page 113: Arquitetura - Lucio Costa

E D I F Í C I O GUSTAVO CAPANEMA

c o erro, lei — o afastamento da norma se impõe e a i le­

galidade, apenas, é fecunda.

Entretanto, o êxito integral do empreendimento só foi

assegurado devido à circunstância de estar incluída entre

os seus legítimos autores a personalidade que se revelaria a

seguir decisiva na formulação objetiva, pelo exemplo e al­

cance da própria obra, do rumo novo a ser trilhado pela

arquitetura brasileira contemporânea. Pois se o sentido geral

dos acontecimentos é, de fato, determinado por fatores de

ordem vária, cuja atuação convergente assume, num dado

momento , aspecto de inelutabilidade, ocorre ponderar que,

na falta eventual da personalidade capaz de captar as pos­

sibilidades latentes, a oportunidade pode perder-se e o rumo

da ação irremediavelmente alterar-se, devido ao fracasso no

momento decisivo da primeira prova.

A personalidade de Oscar Niemeyer Soares, arquiteto

de formação e mentalidade genuinamente cariocas — con­

quanto, j á agora, internacionalmente consagrado —, sou­

be estar presente na ocasião o p o r t u n a e desempenhar

integralmente o papel que as circunstâncias propícias lhe

1 1 3

Page 114: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

reservaram e que avultou, a seguir, com as obras da distan­

te Pampulha e do Pavilhão do Brasil na Feira Internacional,

de 1 9 3 9 . na longínqua Nova York.

E , no entanto, apenas 26 anos antes, havia sido inau­

gurado o edif ício da E N B A (Escola Nacional de Belas-

A r t e s ) , atual museu, padrão acadêmico impecável.

A arquitetura jamais passou, noutro igual espaço de

tempo, por tamanha transformação.

1 1 4

Page 115: Arquitetura - Lucio Costa

ADDENDUM U R B A N Í S T I C O

1 — Cidade é a expressão palpável da humana ne­

cessidade de conta to , comunicação, organização e troca,

numa determinada circunstância f ís ico-social e num c o n ­

texto his tór ico .

2 — Urbanizar consiste em levar um pouco da c i ­

dade para o campo, e trazer um pouco do campo para

dentro da cidade.

3 — N a s tarefas do engenheiro, o h o m e m é prin­

cipalmente considerado c o m o ser coletivo, c o m o " n ú m e ­

r o " , prevalecendo o critério de quantidade; ao passo que nas

tarefas do arquiteto o h o m e m é encarado, antes de mais

nada, c o m o ser individual, c o m o "pessoa" , predominando

então o critério de qualidade.

Por out ro lado, os interesses do h o m e m c o m o indi-

1 1 5

Page 116: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

víduo nem sempre coincidem com os interesses desse mes­

mo homem c o m o ser coletivo; cabe então ao urbanista

procurar resolver, na medida do possível, esta contradi­

ção fundamental.

1 1 6

Page 117: Arquitetura - Lucio Costa

B R A S Í L I A , C I D A D E I N V E N T A D A

(Memór ia Descr i t iva)

Desejo, inicialmente, desculpar-me perante a direção da

Companhia Urbanizado ra e a Comissão Julgadora do C o n ­

curso pela apresentação sumária do partido aqui sugerido

para a nova Capital, e também justificar-me,

N ã o pretendia compet ir e, na verdade, não concorro

— apenas me desvencilho de uma solução possível, que

não fo i procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta.

Compareço, não c o m o técnico devidamente aparelha­

do , pois nem sequer disponho de escri tório, mas c o m o

simples maquisard do urbanismo, que não pretende pros­

seguir no desenvolvimento da idéia apresentada senão,

eventualmente, na qualidade de mero consultor. E se p r o ­

cedo assim candidamente é porque me amparo num racio­

cínio igualmente s implório: se a sugestão é válida, estes

1 1 7

Page 118: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

dados, c o n q u a n t o sumários na sua aparência, já serão

suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade

original, ela foi , depois, intensamente pensada e resolvi­

da; se não o é, a exclusão se fará mais faci lmente, e não

terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de nin­

guém.

A l iberação do acesso ao concurso reduziu de c e r t o

m o d o a consul ta àqui lo que de fa to importa , ou seja, à

concepção urbanística da cidade propriamente dita, por­

que esta não será, no caso, uma decorrência do planeja­

m e n t o regional, mas a causa dele: a sua fundação é que

dará ense jo ao u l ter ior desenvolvimento planejado da

região. Trata-se de um ato deliberado de posse, de um

gesto de sent ido ainda desbravador, nos moldes da tra­

dição colonial . E o que se indaga é c o m o no entender de

cada concorrente uma tal cidade deve ser concebida.

Ela deve ser concebida não c o m o simples organismo

capaz de preencher sat isfatoriamente e sem es forço as

funções vitais próprias de uma cidade moderna qualquer,

não apenas c o m o Urb$f mas c o m o Chitas, possuidora dos

118

Page 119: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

atr ibutos inerentes a uma capital. E, para tanto , a condi ­

ção primeira é achar-se o urbanista imbuído de certa dig­

nidade e nobreza de intenção, p o r q u a n t o dessa a t i tude

fundamental decorrem a ordenação e o senso de conveni­

ência e medida capazes de conferir ao conjunto projetado

o desejável caráter monumental . Monumenta l não no sen­

t ido de ostentação, mas no sentido de expressão palpável,

por assim dizer, consciente , daquilo que vale e significa.

Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas

ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao deva­

neio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, c o m

o tempo, além de centro do governo e administração, num

f o c o de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.

D i t o isto, vejamos c o m o nasceu, se definiu e resol­

veu a presente solução.

1 — N a s c e u do gesto primário de quem assinala um

lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ân­

gulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.

2 — Procurou-se depois a adaptação à topograf ia

local, ao escoamento natural das águas, à melhor or ienta-

119

Page 120: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

ção, arqueando-se um dos eixos a f i m de contê - lo no t r i ­

ângulo eqüilátero que define a área urbanizada.

3 — E houve o propósito de aplicar os princípios

francos da técnica rodoviár ia—inclusive a eliminação dos

c r u z a m e n t o s — à técnica ubanística, conferindo-se ao eixo

arqueado correspondente às vias naturais de acesso a fun­

ção circulatória t ronco, c o m pistas centrais de velocidade

e pistas laterais para o t ráfego local, e dispondo-se ao

longo desse eixo o grosso dos setores residenciais.

4 — C o m o decorrência dessa concentração resi ­

dencial, os centros cívico e administrativo, o setor cu l tu ­

ral, o c e n t r o de diversões e c e n t r o esport ivo , o s e t o r

administrativo municipal, os quartéis, as zonas dest ina­

das à armazenagem, ao abastecimento e às pequenas in­

dústrias locais, e por f im, a estação ferroviária, foram-se

naturalmente ordenando e dispondo ao longo do e ixo

transversal que passou assim a ser o eixo monumental do

sistema. Lateralmente à interseção dos dois eixos, mas

participando funcionalmente e em termos de compos i ­

ção urbaníst ica do eixo monumenta l , local izaram-se o

1 2 0

Page 121: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

121

setor bancário e comercial , o setor dos escri tórios de em­

presas e profissões liberais, e ainda os amplos setores de

varejo comercial .

5 — O cruzamento desse eixo monumental , de cota

inferior, c o m o eixo rodoviário-residencial impôs a cria­

ção de uma grande plataforma liberta do tráfego que não

se destine ao estacionamento ali, remanso onde se con­

centrou logicamente o centro de diversões da cidade, c o m

os cinemas, os teatros, os restaurantes etc .

6 — O tráfego destinado aos demais setores pros­

segue, ordenado em mão única, na área térrea infer ior

coberta pela plataforma e entalada nos dois topos mas

aberta nas faces maiores, área utilizada em grande parte

para o estacionamento de veículos e onde se localizou a

estação rodoviária interurbana, acessível aos passageiros

pelo nível superior da plataforma. Apenas as pistas de

velocidade mergulham, já então subterrâneas, na parte

central desse piso inferior que se espraia em declive até

se nivelar com a esplanada do setor dos ministérios .

7 — Desse modo e com a introdução de três trevos

Page 122: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

complcmentares em cada ramo do eixo rodoviário e o u ­

tras tantas passagens de nível inferior, o tráfego de a u t o ­

móveis e ônibus se processa tanto na parte central quanto

nos setores residenciais sem qualquer cruzamento, Para o trá­

fego de caminhões estabeleceu-se um sistema secundário

a u t ô n o m o com cruzamentos sinalizados mas sem cruza­

mento ou interferência alguma c o m o sistema anterior,

salvo acima do setor esportivo, e que acede aos edif íc ios

do setor comercial ao nível do subsolo, contornando o

centro cívico em cota inferior, com galerias de acesso pre­

vistas no terrapleno.

8 — Fixada assim a rede geral do tráfego de a u t o ­

móvel, estabeleceram-se, tanto nos setores centrais c o m o

nos residenciais, tramas autônomas para o trânsi to local

dos pedestres a f im de garantir-lhes o uso livre do chão,

sem contudo levar tal separação a extremos s istemáticos

e antinaturais, pois não se deve esquecer que o a u t o m ó ­

vel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável do

homem, domest icou-se , já faz, por assim dizer, parte da

família. Ele só se desumaníza, readquirindo vis-à-vis do

122

Page 123: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

1 2 3

pedestre feição ameaçadora e hosti l , quando incorporado

à massa anônima do tráfego. Há então que separá-los, mas

sem perder de vista que em determinadas condições e para

comodidade recíproca a coexistência se impõe.

9 — Veja-se agora c o m o nesse arcabouço de circula­

ção ordenada se integram e articulam os vários setores.

Destacam-se no conjunto os edifícios destinados aos

poderes fundamentais que, sendo em número de três e

autônomos , encontraram no triângulo eqüilátero, vincu­

lado à arquitetura da mais remota antigüidade, a forma

elementar apropriada para contê- los . Cr iou-se então um

terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista, sobre-

levado na campina circunvizinha a que se tem acesso pela

própria rampa de auto-estrada que conduz à residência e

ao aeroporto. Em cada ângulo dessa praça — Praça dos

Três Poderes, poderia chamar-se — localizou-se uma das

casas, f icando as do governo e do Supremo Tribunal na

base e a do Congresso no vértice, com frente igualmente

para uma ampla esplanada disposta num segundo terra­

pleno, de forma retangular e nível mais alto, de acordo

Page 124: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

com a topografia local, igualmente arrimado de pedras em

t o d o o seu perímetro. A aplicação, em termos atuais, des­

sa técnica oriental milenar dos terraplenos garante a coe­

são do con junto e lhe confere uma ênfase monumental

imprevista. Ao longo dessa esplanada — o Mall , dos ingle­

ses —, extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e

a desfiles, foram dispostos os ministérios e autarquias.

124

Page 125: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

Os das Relações Exteriores e Just iça ocupando os cantos

infer iores , c o n t í g u o s ao edi f íc io do Congresso e c o m

enquadramento condigno, os ministérios militares cons­

t i tuindo uma praça autônoma, e os demais ordenados em

seqüência — todos c o m área privativa de estacionamen­

to —, sendo o úl t imo o da Educação, a f im de ficar vizi­

nho do setor cultural, tratado à maneira de parque para

melhor ambientação dos museus, da biblioteca, do planetá­

rio, das academias, dos institutos e t c , setor este também

cont íguo à ampla área destinada à Cidade Universitária

c o m o respectivo Hospita l de Clínicas, e onde também se

prevê a instalação do Conservatór io . A Catedral f i cou

igualmente localizada nessa esplanada, mas numa praça

autônoma disposta lateralmente, não só por questão de

protoco lo , uma vez que a Igreja é separada do Estado,

c o m o por uma questão de escala, tendo-se em vista valo­

rizar o monumento , e ainda, principalmente, por outra

razão de ordem arquitetônica: a perspectiva de con junto

da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da

plataforma onde os dois eixos urbaníst icos se cruzam.

125

Page 126: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

10 — Nesca plataforma onde, como se viu anterior­

mente, o tráfego é apenas local, situou-se então o centro

de diversões da cidade (mistura em termos adequados de

Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées). A face

da plataforma debruçada sobre o setor cultural e a es­

planada dos ministérios não foram edificadas, com exce­

ção de uma eventual casa de chá e da Ópera, cujo acesso

tanto se faz pelo próprio setor de diversões como pelo

setor cultural contíguo, em plano inferior. Na face fron­

teira foram concentrados os cinemas e teatros, cujo ga­

barito se fez baixo e uniforme, constituindo assim o

conjunto deles um corpo arquitetônico contínuo, com

galeria, amplas calçadas, terraços e cafés, servindo as res­

pectivas fachadas em toda a altura de campo livre para a

instalação de painéis luminosos de reclame. As várias ca­

sas de espetáculo estarão ligadas entre si por travessas no

gênero tradicional da rua do Ouvidor, das vielas venezia­

nas ou de galerias cobertas (arcadas) e articuladas a pe­

quenos pátios com bares e cafés, e loggias na parte dos

fundos com vista para o parque, tudo no propósito de

12Ó

Page 127: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

propiciar ambiente adequado ao convívio e à expansão. O

pavimento térreo do setor central desse con junto de tea­

tros e cinemas manteve-se vazado em toda a sua exten­

são, salvo os núcleos de acesso aos pavimentos superiores,

a fim de garantir continuidade à perspectiva, e os andares

se previram envidraçados nas duas faces para que os res­

taurantes, clubes, casas de chá etc . tenham vista, de um

lado para a esplanada inferior, e de outro para o aclive do

parque no prolongamento do eixo monumental e onde

ficaram localizados os hotéis comerciais e de tur ismo e,

mais acima, para a torre monumental das estações radio-

emissoras e de televisão, tratada c o m o elemento plástico

integrado na composição geral. Na parte central da pla­

taforma, porém disposto lateralmente, acha-se o saguão

da estação rodoviária c o m bilheteria, bares, restaurantes

e t c , construção baixa, ligada por escadas rolantes ao bali

inferior de embarque separado por envidraçamento do cais

propriamente di to . O sistema de mão única obriga os

ônibus na saída a uma volta, num ou noutro sentido, fora

da área coberta pela plataforma, o que permite ao viajan-

127

Page 128: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

te uma última vista do eixo monumental da cidade antes

de entrar no eixo rodoviário-residencial — despedida psi­

cologicamente desejável. Previram-se igualmente nesta ex­

tensa plataforma destinada principalmente, tal como no

piso térreo, ao estacionamento de automóveis duas am­

plas praças privativas dos pedestres, uma fronteira ao tea­

tro da Ópera e outra, simetricamente disposta, em frente

a um pavilhão de pouca altura, debruçado sobre os jar­

dins do setor cultural e destinado a restaurante, bar e casa

de chá. Nestas praças, o piso das pistas de rolamento,

sempre de sentido único, foi ligeiramente sobrelevado em

larga extensão, para o livre cruzamento dos pedestres num

e noutro sentido, o que permitirá acesso franco e direto

tanto aos setores do varejo comercial quanto ao setor dos

bancos e escri tórios.

11 — Lateralmente a esse setor central de diversões,

e articulados a ele, encontram-se dois grandes núcleos

destinados exclusivamente ao comércio — lojas e magazi­

nes, e dois setores dist intos, o bancário-comercial , e o dos

escritórios para profissões liberais, representações e em-

128

Page 129: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

129

presas, onde foram localizados, respectivamente, o Banco

do Brasil e a sede dos Correios e Telégrafos. Es tes nú­

cleos e setores são acessíveis aos automóveis diretamente

das respectivas pistas, e aos pedestres por calçadas sem

cruzamento, e dispõem de autoportos para estacionamen­

to em dois níveis, e de acesso de serviço pelo subsolo, cor­

respondente ao piso inferior da plataforma central. No

setor dos bancos, tal c o m o no dos escritórios, previram-

se três blocos altos e quatro de menor altura, ligados entre

si por extensa ala térrea c o m sobreloja, de modo a permi­

t i r interçomunicação coberta e amplo espaço para insta­

lação de agências bancárias, agências de empresas, cafés,

restaurantes etc. Em cada núcleo comercial, propõe-se uma

seqüência ordenada de blocos baixos e alongados e um

maior, de igual altura dos anteriores, todos interligados

por um amplo corpo térreo com lojas, sobrelojas e galeri­

as. D o i s braços elevados da pista de contorno permitem,

aqui, acesso franco c o m pedestres.

12 — O setor esportivo, c o m extensíssíma área des­

tinada exclusivamente ao estacionamento de automóveis,

Page 130: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

130

instalou-se entre a praça da municipalidade e a torre ra-

d i o e m i s s o r a , que se prevê de p lanta tr iangular , c o m

embasamento monumental de concreto aparente até o piso

dos estúdios e mais instalações, e superestrutura metál i ­

ca c o m mirante localizado a meia altura. De um lado o

estádio e mais dependências, tendo aos fundos o Jardim

Botânico ; do outro o hipódromo c o m as respectivas t r i ­

bunas e vila hípica e, cont íguo, o Jardim Z o o l ó g i c o , cons ­

t i tuindo estas duas imensas áreas verdes, s imetricamente

dispostas em relação ao eixo monumental , c o m o que os

pulmões da nova cidade.

13 — N a praça municipal, instalaram-se a Prefei tu­

ra, a Polícia Central , o C o r p o de Bombeiros e a Assistên­

cia Públ i ca . A peni tenc iár ia e o h o s p í c i o , c o n q u a n t o

afastados do centro urbanizado, fazem igualmente parte

deste setor.

14 — Acima do setor municipal foram dispostas as

garagens da viação urbana, em seguida, de uma banda e

de outra, os quartéis, numa larga faixa transversal ao se­

t o r destinado ao armazenamento e à instalação das p e -

Page 131: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

131

quenas indústrias de interesse local, com setor residencial

autônomo, zona esta rematada pela estação ferroviária e

articulada igualmente a um dos ramos da rodovia dest i ­

nada aos caminhões.

15 — Percorrido assim de ponta a ponta esse eixo dito

monumental , vê-se que a fluência e unidade do traçado,

desde a praça do Governo até a praça Municipal, não exclui

a variedade, e cada setor, por assim dizer, vale por si só como

organismo plasticamente a u t ô n o m o na composição do

conjunto. Essa autonomia cria espaços adequados à escala

do homem e permite o diálogo monumental localizado, sem

prejuízo do desempenho arquitetônico de cada setor na har­

moniosa integração urbanística do todo.

16 — Quanto ao problema residencial, ocorreu a s o ­

lução de se criar uma seqüência contínua de grandes qua­

dras dispostas, em ordem dupla ou singela, de ambos os

lados da faixa rodoviária, e emolduradas por uma larga cin­

ta densamente arborizada, árvores de porte, prevalecendo

em cada quadra determinada espécie vegetal, com chão gra­

mado e uma cortina suplementar intermitente de arbustos

Page 132: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

e folhagens, a f i m de resguardar melhor, qualquer que seja

a posição do observador, o conteúdo das quadras, visto

sempre num segundo plano ê como que amortecido na

paisagem. Disposição que apresenta a dupla vantagem de

garantir a ordenação urbanística mesmo quando varia a

densidade, categoria, padrão ou qualidade arquitetônica dos

edifícios, e de oferecer aos moradores extensas faixas som-

132

Page 133: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

133

breadas para passeio e lazer, independentemente das áreas

livres previstas no interior das próprias quadras.

D e n t r o dessas "superquadras" os b locos residenciais

podem dispor-se de maneira mais variada, obedecendo, p o ­

rém, a dois princípios gerais: gabarito máximo uniforme,

talvez seis pavimentos e pilotis , e separação do tráfego

de veículos do trânsito de pedestres, mormente o acesso

à escola primária e às comodidades existentes no interior

de cada quadra.

Ao fundo das quadras estende-se a via de serviço para

o tráfego de caminhões, destinando-se ao longo dela a frente

oposta às quadras à instalação de garagens, oficinas, de­

pósi tos de comérc io em grosso e t c , e reservando-se uma

faixa de terreno, equivalente a uma terceira ordem de qua­

dras, para floricultura, horta e pomar. Entaladas entre essa

via de serviço e as vias do eixo rodoviário, intercalaram-se

então largas e extensas faixas com acesso alternado, ora por

uma, ora por outra, e onde se localizaram a igreja, as esco­

las secundárias, o cinema e o varejo do bairro, disposto con­

forme a sua classe ou natureza.

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A R Q U I T E T U R A

134

O mercadinho, os açougues, as vendas, quitandas, ca­

sas de ferragens e t c , na primeira metade da faixa corres­

pondente ao acesso de serviço; as barbearias, cabeleireiros,

modistas, confeitarias e t c , na primeira seção da faixa de

acesso privativa dos automóveis e ônibus, onde se encon­

tram igualmente os postos de serviço para venda de gaso­

lina. As lojas dispõem-se em renque c o m vitrinas e passeio

coberto na face fronteira às cintas arborizadas de enqua­

dramento dos quarteirões e privativas dos pedestres, e o

estacionamento na face oposta, contíguo às vias de acesso

motorizado, prevendo-se travessas para ligação de uma parte

a outra, f icando assim as lo jas geminadas duas a duas,

embora o seu conjunto constitua um corpo só.

Na conf luência das quatro quadras local izou-se a

igreja do bairro, e aos fundos dela as escolas secundárias,

ao passo que, na parte da faixa de serviço fronteira à r o ­

dovia, se previu o cinema, a f im de torná- lo acessível a

quem proceda de outros bairros, f icando a extensa área

livre intermediária destinada ao clube da juventude, c o m

campo de jogos e recreio.

Page 135: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

135

17 —A gradação social poderá ser dosada facilmente,

atr ibuindo-se maior valor a determinadas quadras c o m o ,

por exemplo, às quadras singelas contíguas ao setor das

embaixadas, setor que se estende de ambos os lados do

eixo principal paralelamente ao eixo rodoviário, c o m ala­

meda de acesso autônomo e via de serviço para o tráfego

de caminhões c o m u m às quadras residenciais. Essa ala­

meda, por assim dizer, privativa do bairro das embaixa­

das e legações, se prevê edificada apenas num dos lados,

deixando-se o o u t r o c o m a vista desimpedida sobre a

paisagem, excetuando-se o hotel principal localizado nesse

setor e próximo do centro da cidade. No outro lado do

eixo rodoviário-residencial, as quadras contíguas à r o d o ­

via serão naturalmente mais valorizadas que as quadras

internas, o que permitirá as gradações próprias do regi­

me vigente; contudo, o agrupamento delas, de quatro em

quatro, propicia num certo grau a coexistência social, evi­

tando-se assim uma indevida e indesejável estratif ícação.

E, seja c o m o for, as diferenças de padrão de uma quadra

a outra serão neutralizadas pelo próprio agenciamento

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A R Q U I T E T U R A

136

urbanístico proposto , e não serão de natureza a afetar o

confor to social a eme todos têm direito. Elas decorrerão

apenas de uma maior ou menor densidade, do maior ou

menor espaço atribuído a cada indivíduo e a cada família,

da escolha dos materiais e do grau e requinte do acaba­

mento . N e s t e sentido deve-se impedir a enquistação de

favelas tanto na periferia urbana quanto na rural. Cabe à

companhia urbanizadora prover, dentro do esquema p r o ­

posto , acomodações decentes e econômicas para a tota l i ­

dade da população.

18 — Previram-se igualmente setores ilhados, cer­

cados de arvoredo e de campo, destinados a loteamento

para casas individuais, sugerindo-se uma disposição den­

tada em cremalheira, para que as casas construídas nos

lotes de topo se destaquem na paisagem, afastadas umas

das outras, disposição que ainda permite acesso a u t ô n o ­

mo de serviço para todos os lotes. E admitiu-se igual­

mente a construção eventual de casas avulsas isoladas de

alto padrão arquitetônico — o que não implica tamanho

— estabelecendo-se porém c o m o regra, nestes casos, o

Page 137: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

afastamento mínimo de um qui lômetro de casa a casa, o

que acentuará o caráter excepcional de tais concessões.

19 — Os cemitérios localizados nos extremos do eixo

rodoviário-residencial evitam aos cortejos a travessia do centro

urbano. Terão chão de grama e serão convenientemente

arborizados, com sepulturas rasas e lápides singelas, à ma­

neira inglesa, tudo desprovido de qualquer ostentação.

20 — Evitou-se a localização dos bairros residenciais

na orla da lagoa, a f im de preservá-la intata, tratada c o m

bosques e campos de feição naturalista e rústica para os

passeios e amenidades bucólicas de toda a população ur­

bana. Apenas os c lubes esport ivos , os restaurantes, os

lugares de recreio, os balneários e núcleos de pesca pode­

rão chegar à beira d*água. O clube de golfe s i tuou-se na

extremidade leste, cont íguo à residência e ao hotel , am­

bos em construção, e o Iate Club na enseada vizinha, en­

tremeados por denso bosque que se estende até a margem

da represa, bordejada nesse trecho pela alameda de c o n ­

torno que intermitentemente se desprende da sua orla para

embrenhar-se pelo campo que se pretende eventualmente

137

Page 138: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

138

f lor ido e manchado de arvoredo. Essa estrada se articula

ao eixo rodoviário e também à pista autônoma de acesso

direto do aeroporto ao centro cívico, por onde entrarão

na cidade os v is i tantes i lustres , p o d e n d o a respect iva

saída processar-se, c o m vantagem, pelo próprio eixo r o ­

doviário-residencial. Propõe-se, ainda, a localização do ae­

r o p o r t o definit ivo na área interna da represa, a fim de

evitar-lhe a travessia ou o contorno .

21 — Q u a n t o à numeração urbana, a referência deve

ser o eixo monumental , distr ibuindo-se a cidade em m e ­

tades Norte e Sul: as quadras seriam assinaladas por nú­

meros, os b locos residenciais por letras, e finalmente o

número do apartamento na forma usual, assim, por exem­

plo, N - Q 3 - L ap. 2 0 1 . A designação dos blocos em rela­

ção à entrada da quadra deve seguir da esquerda para a

direita, de acordo c o m a norma.

22 — Resta o problema de c o m o dispor do terreno e

torná- lo acessível ao capital particular. E n t e n d o que as

quadras não devem ser loteadas, sugerindo, em vez da ven­

da de lotes, a venda de quotas de terreno, cujo valor depende-

Page 139: Arquitetura - Lucio Costa

BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

rá* do setor em causa e do gabarito, a f im de não entravar o

planejamento atual e possíveis remodelações futuras no

delineamento interno das quadras. Entendo também que

esse planejamento deveria de preferência anteceder a venda

das quotas, mas nada impede que compradores de um nú­

mero substancial de quotas submetam à aprovação da c o m ­

panhia projeto próprio de urbanização de uma determinada

quadra, e que, além de facilitar aos incorporadores a aqui­

sição de quotas, a própria companhia funcione, em grande

parte, c o m o incorporadora. E entendo igualmente que o

preço das quotas, oscilável conforme a procura, deveria

incluir uma parcela com taxa fixa, destinada a cobrir as des­

pesas do projeto, no intuito de facilitar tanto o convite a

determinados arquitetos como a abertura de concursos para

urbanização e edi f icação das quadras que não f o s s e m

projetadas pela divisão de arquitetura da própria compa­

nhia. E sugiro ainda que a aprovação dos projetos se p r o ­

cesse em duas etapas — anteprojeto e projeto definitivo,

no intuito de permitir seleção prévia e melhor controle da

qualidade das construções.

139

Page 140: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

Da mesma forma quanto ao setor do varejo comercial

e aos setores bancários e dos escritórios das empresas e

profissões liberais, que deveriam ser projetados previamente

de modo a se poderem fracionar em subsetores e unidades

autônomas, sem prejuízo da integridade arquitetônica, e

assim se submeterem parceladamente à venda no mercado

imobiliário, podendo a construção propriamente dita, ou

parte dela, correr por conta dos interessados ou da compa­

nhia, ou ainda, conjuntamente.

23 — Resumindo, a solução apresentada é de fácil

apreensão, pois se caracteriza pela simplicidade e clareza

do risco original, o que não exclui, conforme se viu, a va­

riedade no tratamento das partes, cada qual concebida se­

gundo a natureza peculiar da respectiva função, resultando

daí a harmonia de exigência de aparência contraditória. É

assim que, sendo monumental, é também cômoda, eficien­

te , acolhedora e íntima. E ao mesmo tempo derramada e

concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional O tráfego de

automóveis se processa sem cruzamentos, e se restitui o

chão, na justa medida, ao pedestre. E por ter o arcabouço

1 4 0

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BRASÍLIA, CIDADE INVENTADA

tão claramente definido, é de fácil execução: dois eixos, dois

terraplenos, uma plataforma, duas pistas largas num senti­

do, uma rodovia no outro, rodovia que poderá ser construída

por partes — primeiro as faixas centrais com um trevo de

cada lado, depois as pistas laterais, que avançariam com o

desenvolvimento normal da cidade. As instalações teriam

sempre campo livre nas faixas verdes contíguas às pistas de

rolamento. As quadras seriam apenas niveladas e paísagis-

t icamente definidas, com as respectivas cintas plantadas

de grama e desde logo arborizadas, mas sem ci lçamento de

qualquer espécie, nem meios-fios. De uma parte, técnica

rodoviária; de outra, técnica paisagística de parques e jar­

dins.

Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade-parque.

S o n h o arquissecular do patriarca.

José Bonifácio, em i ÔZJ, propõe a transferência da capital para

Coiás e sugere o nome de BRASÍLIA.

141

Page 142: Arquitetura - Lucio Costa
Page 143: Arquitetura - Lucio Costa

A P Ê N D I C E

O desenvolvimento científico e tecnológico não éo oposto da na­

tureza, mas a própria natureza que, através do seu estado lúcido, que

somos nós, revela o lado oculto, virtual.

O desenvolvimento c ient í f ico e tecnológico não se

contrapõe à natureza, de que é, na verdade, a face oculta

— c o m todas as suas potencialidades virtuais — revela-

143

Page 144: Arquitetura - Lucio Costa

A R Q U I T E T U R A

144

da através do intelecto do homem, vale dizer, através da

própria natureza no seu estado de lucidezj de consciência. O

homem é, então, o elo racional entre dois abismos, o micro

e o macrocosmos, ambos fenômenos naturais, cu jos p r o ­

dutos "elaborados" são a contrapartida do fenômeno na­

tural "palpável".

Assim temos, de um lado, a natureza ao alcance dos sen­

tidos, ao alcance da mão; e, de outro , a natureza ao alcance do

intelecto e da tecnologia. O intelecto e a consciência do h o ­

mem são a quinta-essência da natureza tomada como um todo.

Razão por que tudo se liga e entrosa — imanentemente

ou transcendentalmente — e o desenvolvimento c ient í ­

f ico e tecnológico, quando livre de seguir sua própria ten­

dência em busca de uma conclusão normal, não pode ser

" c o n t r a " o homem, uma vez que ele é a peça-chave desse

processo, no qual o drama da vida se insere. Naturalmen­

te intervenções constantes, devidas a toda espécie de in­

t e r e s s e s — e c o n ô m i c o s , comerciais, polít icos, ideológicos

—, atuam no sentido de afastar o desenvolvimento c ien­

t í f ico e tecnológico do seu curso natural. M a s não se pode

Page 145: Arquitetura - Lucio Costa

A P Ê N D I C E

manter, indefinidamente, tais desvios: o homem é trazi­

do de volta, c o m o que atraído por uma "imponderável"

força de gravidade que o faz perder, então, gradualmente,

aqueles impulsos centrífugos, e aceitar, c o m o por consenso,

a resultante de uma imposição c ient í f ico- tecnológica in­

trínseca.

Se , confundido pelas múltiplas contradições decor­

rentes desses desvios da normalidade racional, científ ica

e tecnológica, o h o m e m tenta deter-se a meio caminho, o

resultado é o caos. Es te é, precisamente, o estado em que

os negócios do mundo — e o próprio mundo — hoje se

encontram.

N ã o se deve, contudo, desesperar. É justamente quan­

do a perplexidade atinge seu clímax que, por e fe i to do

que talvez se pudesse chamar "lei das resultantes conver­

gentes" , novas perspectivas se abrem de repente em meio

à configuração intricada e ilógica dos acontecimentos , e

tudo parece, de novo, fácil e claro. O desenvolvimento

c ient í f i co e tecnológico e a ecologia, inte l igentemente

confrontados, são sempre compatíveis.

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Page 146: Arquitetura - Lucio Costa
Page 147: Arquitetura - Lucio Costa

O R I E N T A Ç Ã O PARA O P R O F E S S O R

1 — O B J E T I V O S G E R A I S :

— Identif icar a Arquitetura c o m o arte, valorizan-

do-a enquanto representativa da nossa cultura.

— Compreender a importância da Arquitetura den­

tro do contexto histórico e social.

— Valorizar o trabalho arquitetônico, identif ican­

d o - o c o m ideais, valores e necessidades sociais.

2 — O B J E T I V O S E S P E C Í F I C O S :

— Identif icar as principais características de est i ­

los arquitetônicos e sua época.

— Compreender a interação homem/meio ambien­

te e o reflexo no equilíbrio ecológico.

— Identif icar t ipos de habitação, localização, ma­

teriais de construção, levando em consideração as neces­

sidades de abrigo e proteção.

— C o n h e c e r as características de sua comunidade,

147

Page 148: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

estabelecendo comparações c o m as de outras comunida­

des e em especial c o m as de Brasília.

3 — S U G E S T Ã O DE AT IVIDADES:

— Promover debates sobre temas apresentados pelo

autor, em especial, nos textos:

• C o n c e i t u a ç ã o • Tradição local • R u p t u r a e

Reformulação • Apêndice

— Observar variações de forma, dimensão e relação

de espaço.

— Representar espaços, através de maquetes, dese­

nhos, croquis, gráficos, tabelas e linhas de espaço.

— Promover entrevistas, excursões, pesquisas, aná­

lise de plantas, organização de murais e exposições visando

à compreensão dos processos relativos à "criação", em ter­

mos de arquitetura.

— Reunir informações sobre a vida e a obra do Alei-

jadinho, Oscar Niemeyer e outros .

— Comparar a vida da comunidade com outros t i ­

pos de vida, atuais ou não.

— Procurar conhecer, através de publicações, as cida­

des históricas brasileiras, o Rio antigo e o Rio moderno, Brasília.

148

Page 149: Arquitetura - Lucio Costa

G L O S S Á R I O

À bout de forces: exaurido, sem forças.

Ábiside, abiside: extremidade, em semicírculo, de uma basílica

romana, e, por analogia, do coro em igrejas não brasileiras.

Aduelas: pedra em forma de cunha secionada que se em­

prega na construção de arcos e abóbadas de cantaria. Fa­

ces laterais de um vão.

Baldaquino: baldaquim. Espécie de palio ou dossel. O b r a

de arquitetura ou de marcenaria que serve de coroa a um

trono, a um altar.

Carrure: largura dos ombros. Figurado: vigor, nitidez, fran­

queza.

Cornija: modulação que assenta sobre o friso de uma obra.

Molduras sobrepostas, que formam saliências na parte su­

perior da parede, porta etc .

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Page 150: Arquitetura - Lucio Costa

ARQUITETURA

150

Coruchéu: remate piramidal do cunhai de edifício.

Empena: porção triangular acima do forro formada pelas

duas águas do telhado.

Enlightenment: I luminismo. C o n j u n t o de opiniões preco­

nizadas no século X V I I I , visando " i luminar " e liberar as

pessoas do preconceito e da superstição.

Frechal: viga que arremata o topo das paredes e que serve

de apoio aos caibros e vigas do telhado.

Foyer: lareira. Lar, família. Sala de espera, saguão (de um

t e a t r o ) . Foco . Sede.

Impluvium: no átrio das casas romanas espaço aberto às

águas pluviais, que caíam numa abertura central e retan­

gular chamada complúvio.

Mainel : face interna do pé-díreito de um arco. Pilarete

que decompõe um vão em seções menores.

Muxarabi ou muxarabiê: balcão mour isco , protegido em

toda a altura da janela por treliça de madeira, através do

Page 151: Arquitetura - Lucio Costa

G L O S S Á R I O

qual se pode ver sem ser visto . ( O s muxarabiês, t raz i ­

dos pelos portugueses para o Brasil, ainda ho je p o d e m

ser vistos em residências baianas e mineiras do t e m p o

colonial . )

Pedigree: genealogia de um animal de raça. Por analogia, pu­

reza de esti lo.

Perísti lo: galeria de colunas isoladas, à frente de um edi­

f íc io . C o n j u n t o de colunas da fachada de um edif ício.

P l in to : peça quadrangular que serve de base a uma coluna

ou a um pedestal.

Puzzle: adivinhação, enigma, enredo, quebra-cabeça, em­

baraço, perplexidade.

Reixas: trama de ripas cruzadas.

Retábulo: decoração de madeira, de pedra ou de pintura

que reveste a parede por detrás do altar.

Rocalha: do francês rocaille, roc, rocha. Formas decorativas

interpretadas dos contornos de pedras, conchas e tc .

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A R Q U I T E T U R A

Tacaniça: lanço de telhado menor em telhado de quatro

águas.

Transepto: galeria transversal de uma igreja, que separa a

capela-mor da nave e forma os braços da cruz.

Tridinium: sala de refeições dos antigos romanos, na qual

havia três leitos inclinados, dispostos em volta de uma

mesa.

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Page 153: Arquitetura - Lucio Costa

LUCIO COSTA (1901-1998)

O percurso

(resumo organizado por Maria Elisa Costa com supervisão de Lúcio Costa)

Anos 10

Nascido em Toulon, França, em 27 de fevereiro de 1 9 0 2 , filho do enge­nheiro naval Joaquim Ribeiro da Costa, natural de Salvador, Bahia, e de Alina Ferreira da Costa, natural de Manaus, Amazonas.

Com poucos meses de idade vem para o Rio de Janeiro com os pais, retornando à Europa aos 8 anos, onde permanece de 1910 a 1916 e cursa a escola básica (Newcastle-on-Tyne na Inglaterra e Montreux na Suíça) ,

Volta ao Brasil definitivamente aos 15 anos quando é matriculado pelo pai — que "estranhamente queria ter um filho artista" — na Escola Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, em 1917.

Anos lo

Ainda estudante, trabalha nas firmas Rabecchi e Escriptorio Technico Heitor de Mello.

1924 - Forma-se arquiteto.

192.1 — Antes de concluir o curso, tem seu primeiro escritório com Fernando Valentim. "Era a época do chamado ecletismo arquitetônico, os estilos 'históricos' eram aplicados sansfaçon de acordo com a natureza do programa em causa", e também do movimento "neocolonial", patrocinado por José Marianno Filho, visão acadêmica e equivocada da arquitetura colonial brasileira.

1911/11 — Primeiro projeto construído: Casa Rodolfo Chambelland,

Rio de Janeiro. Colaboração Evaristo de Sá.

1924 — Primeiro contato direto com a arquitetura autêntica do período

colonial em viagem de estudos à Diamantina. Revelação.

Page 154: Arquitetura - Lucio Costa

"Li chegando» caí em cheio no passado, no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que era novo em folha para mim,"

(926/27 — Viagem de um ano à Europa, a passeio, sem cogitar os movi­mentos intelectuais de vanguarda que já ocorriam, inclusive na arquitetura.

1926729 — Não se sente satisfeito com a arquitetura que faz — dissociada da verdade construtiva, ou seja, o contrário daquilo que viu e constatou em Diamantina. Nessa época, por acaso, em revista não especializada, vê foto da "casa modernista" de Gregori Warchavchilc, então exposta em São Paulo. E a primeira revelação da potencialidade de uma arquitetura coeren­te com as novas tecnologias construtivas.

Anos j o

í 9 j o — Ano da ruptura em termos profissionais, nitidamente representa­da pelos dois projetos para uma mesma casa no Rio de Janeiro—casa E. G. Fontes—, sendo um a "última manifestação de sentido eclético acadê­mico", e o outro a "primeira proposição de sentido contemporâneo".

/ 9j o - Projeto de casa de campo para Fábio Carneiro de Mendonça.

' 93°— O governo Vargas decide renovar o ensino das artes no país, caben­do a Lúcio, então com apenas 28 anos, a responsabilidade de reformular o ensino das Belas-Artes, dirigindo a escola onde se formara seis anos antes. Esta experiência dura menos de dois anos, interrompida por questões polí-tico-administrativas, o que leva os alunos a um ano de greve.

193 1 — Ainda diretor da Escola de Belas-Artes faz o Salão de 19 3 1 , no Rio de Janeiro, primeiro Salão oficial de Belas-Artes, onde expõem os artistas plásticos de vanguarda, como Portínari, Guignard, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Bruno Giorgi, entre outros.

193 '/j z ~ Escritório com Gregori Warchavchilc, no Rio: casa Schwartz, cujo terraço-jardim é o primeiro projeto do paisagista Roberto Burle Marx; apartamentos proletários na Gamboa; casa Cesárío Coelho Duarte (pro­jetos: Lúcio Costa; construção: Warchavchik & Lúcio Costa).

1932/36 — Escritório com Carlos Leão. Período de trabalho escasso: a clientela quer casas de "estilo" que já não consegue fazer. Projeta então

Page 155: Arquitetura - Lucio Costa

uma série de casas "teóricas" para lotes urbanos de tamanho padrão — "Casas sem dono". Por outro lado, exatamente esta disponibilidade de tempo permite o estudo a fundo da obra dos precursores—Gropius, Mies van der Rohe e, sobretudo, a de Le Corbusier, com a qual se engaja de forma apaixonada. Concomitantemente, amadurece a tomada de cons­ciência política e social.

1934—Professor, pela única vez, na Universidade do Distrito Federal, curso consolidado no ensaio Radies da nova arquitetura.

1934 — Projeto de vila operária em Monlevade. Minas Gerais, recusado.

í 936—Data fundamental para a moderna arquitetura brasileira. O minis­tro Gustavo Capanema convida Lúcio Costa para projetar o edifício-sede do recém-criado Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Lúcio constitui uma equipe (Carlos Leão, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer) e é aprovado o primeiro projeto. No entanto, como se trata da primeira oportunidade internacional de se construir um edifício deste porte de acordo com os princípios da nova doutrina de Le Corbusier, Lúcio insiste junto ao governo e consegue a vinda do mestre ao Rio, por quatro semanas, para que avaliasse o projeto feito.

Le Corbusier propõe outro terreno, mais perto do mar, para o qual faz belo risco que balizará o projeto definitivo no terreno inicial - único viável — feito pelos arquitetos brasileiros desde a estaca zero e construído du­rante a I Guerra Mundial. Le Corbusier só conheceu o projeto depois de pronto quando veio ao Brasil, em 1963, para projetar a Embaixada da França em Brasília. A vinda de Le Corbusier em 193 6 teve ainda influência determinante na eclosão do gênio até então "incubado" de Oscar Niemeyer.

(937 — Início da colaboração no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN - criado no mesmo ano. O primeiro traba­lho para o SPHAN, contemporâneo ao projeto do Ministério da Educa­ção, foi nas Missões Jesuítas, no sul do país, e dele resultou o projeto de um pequeno museu, inovador no conceito e na forma. Esta colaboração com Rodrigo M. F. de Andrade perdurou ao longo de 35 anos, até 1972, quando se aposenta.

(937—Primoroso projeto para a Cidade Universitária, no Rio de Janeiro (onde hoje fica o Jardim Zoológico), sumariamente recusado pelos

Page 156: Arquitetura - Lucio Costa

preconceicuosos responsáveis. (Prenuncio da Esplanada dos Ministérios de Brasília.)

í gj 8 — Pavilhão do Brasil para a New York World's Fair de 19 3 9. que propicia o lançamento internacional de Oscar Niemeyer, convidado a par­ticipar do projeto.

1936/39 —Entre os trabalhos para o SPHAN, os ensaios Documentação necessária e Notas sobre o mobiliário luso-brasileiro, além da definição de critérios para o tombamento e proteção de bens de excepcional valor.

Anos 40

Vários projetos de arquitetura que caracterizam e confirmam a integração das duas raízes fundamentais — a tradição autêntica e a renovação arquitetônica:

• Conjunto de edifícios residenciais no Parque Guinle, Rio de Janeiro (seis andares sobre pílotís abertos, fachada do poente protegida por "claustra" em toda a extensão). Este conjunto de edifícios, no meio de um parque, está na origem da concepção das superquadras de Brasília.

* Park Hotel, Friburgo, estado do Río, pequena pousada com estrutura de madeira e alvenaria de pedra, belo espaço interno e inclusive os móveis projetados por Lúcio.

* Residências Hungria Machado, no Rio, e Saavedra, em Corrêas, esta­do do Rio.

Textos:

• Ensaio A arquitetura dos jesuítas no Brasil, para o SPHAN.

• Ensaio Considerações sobre arte contemporânea, só publicado em 1952 nos Cadernos de Cultura do Ministério da Educação.

Intervenção urbana:

* Proposta de remanejamento do tráfego no Centro do Rio de Janeiro, que resolveu, sem nenhuma obra e durante longo tempo, o problema dos engarrafamentos constantes.

Page 157: Arquitetura - Lucio Costa

Anos jo

Arquitetura:

• Anteprojeto da Casa do Brasil na Cite Universitaire. Paris, proposta que serviu de base ao projeto desenvolvido e executado por Le Corbusier.

• Sede social do Jockey Club Brasileiro, Rio de Janeiro - edifício com garagem em todos os andares na parte central (700 vagas).

• Sede do Banco Aliança (hoje Itaú), Rio de Janeiro, Centro.

• Risco original para o altar do Congresso Eucarístico de 1955, desen­volvido por Alcides da Rocha Miranda.

Textos:

• Depoimento sobre arquitetura no Rio de Janeiro na primeira metade do século — "Muita construção, alguma arquitetura e um milagre" - para o jornal Correio da Manhã.

• Ensaio Arquitetura de Antônio Francisco Lisboa, oAltijadinbo, para o SPHAN.

• Ensaio O arquiteto e a sociedade contemporânea, por solicitação da Unesco.

19J7 — Vence o concurso para o Plano-Piloto de Brasília, nova capital do país, que viria a ser inaugurada três anos depois, em 1960.

Atuação internacional:

. Membro do "Grupo dos Cinco", que orientou o projeto da nova sede da Unesco em Paris, junto com Gropius, Le Corbusier, Rogers e Mar-kelius.

Anos 6o

1957/ 66 — Supervisão direta do desenvolvimento do Plano-Piloto de Brasília, coordenado pelo engenheiro Augusto Guimarães Filho, indicado por Lúcio Costa para assumir a tarefa.

1960 — Doutor Honoris Causa pela Universidade de Harvard.

Page 158: Arquitetura - Lucio Costa

tgôi — Tese O MOVO humanismo cientifico c tecnológico — Teoria das resultantes convergentes, por solicitação do M.I.T. (Massachussets Institute of Technology).

' 963 — Apartamento de cobertura para a filha Maria Elisa, Rio de Janeiro.

(964— Pavilhão do Brasil na XIII Trienal de Milão, cujo tema era o lazer.

1965 - Projeto das rampas de acesso ao Outeiro da Glória e restauro da igreja. Rio de Janeiro, para o S P H A N .

1967 — Ensaio Proposte per Firenze, Itália.

/96a — Roteiro e texto para curta-metragem sobre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, realizado por Joaquim Pedro de Andrade.

1969- Plano-Piloto para a baixada de Jacarepaguá (Barra), Rio de Janeiro.

Anos 70

• Legião de Honra do governo francês, no grau de Commandeur. • Proposta para um Museu de Ciência e Tecnologia no Rio de Janeiro.

• Proposições relativas à expansão urbana de Salvador, Bahia -notadamente a concepção de "quadras populares" com trama viária losangular para resolver o problema dos Alagados.

• Monumento a Estácio de Sá no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro.

• Projeto da Fonte da Torre de TV e das Praças de Pedestres da Rodoviá­ria, Brasília.

• Casa Thiago de Mello, Barreirinha, Amazonas.

• Proposta urbana para a nova capital da Nigéria, com Lotti e Nervi.

• Proposta para novo Pólo Urbano em São Luís, Maranhão.

• Atuação no Conselho Superior de Planejamento Urbano — C S P U —no R i o de Janeiro, em que. entre outras coisas, impediu a construção de edifícios altos na área em frente ao terminal Menezes Cortes, no Centro, para assegurar a vista livre para o Convento de Santo Antônio.

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Anos 8o

• Proposições para o agenciamento da Comiche, de Casablanca, a con­vite do rei do Marrocos Hussein II.

• Casa para a filha Helena, Rio de Janeiro.

• Casa Edgard Duvivíer, Rio de Janeiro.

• Brasília revisitada, conjunto de recomendações relativas à preservação, complementação, adensamento e expansão urbana de Brasília, apresenta­das ao governador José Aparecido de Oliveira em 1986.

• Supervisão do desenvolvimento do projeto das quadras propostas para os Alagados de Salvador em Brasília — as "Quadras Econômicas" , no Guará, projeto desenvolvido pelo arquiteto Fernando Andrade,

Anos go

• Agenciamento interno do Espaço Lucío Costa proposto por Oscar Niemeyer na Praça dos Três Poderes, Brasília. Projeto desenvolvido pelo arquiteto Fernando Andrade.

• Concepção editorial e gráfica, textos, ilustrações, roteiro e diagramação de seu único livro: Lúcio Costa—Registro de uma vivência (I * edição 1994.2 a

edição 1997, Empresa das Artes). Projeto gráfico desenvolvido por Maria Elisa Costa.

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Este livro foi impresso nas oficinas da DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S . A .

Rua Argentina, 171 - Rio de Janeiro, RJ para a

EDITORA JOSÉ OLYMPIO L T D A . emjulhode2006

74° aniversário desta Casa de livros, fundada em 29.11.1931